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AO EXCELENTÍSSIMO SR.

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

ERIKA HILTON, brasileira, solteira, deputada federal eleita, RG nº 49.343.832-4,


397.564.938-01, com endereço na Palácio do Congresso Nacional - Praça dos Três
Poderes - Brasília - DF - Brasil - CEP 70160-900, gabinete 636, doravante denominada
REPRESENTANTE, vem, perante V. Exa., com fundamento no artigo 102, inciso I,
"b", da CRFB/88, propor o presente pedido de

ABERTURA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR CRIME DE


RESPONSABILIDADE

sobre eventual envolvimento com atos antidemocráticos e terroristas ocorridos em


Brasília no dia 08 de janeiro de 2023, de IBANEIS ROCHA, governador do Distrito
Federal, com endereço no Palácio do Buriti, Praça do Buriti, Brasília, Distrito Federal,
70075-900 e de ANDERSON TORRES, Secretário de Segurança Pública do Distrito
Federal, com endereço em SDN, Asa Norte, Brasília - Distrito Federal, 70620-000 e
FÁBIO AUGUSTO VIEIRA, comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal,
com endereço em SPO AE Conjunto 04, QCG, Palácio Tiradentes, Setor Policial Sul,
Brasília-DF, CEP 70.610-212.

I. DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS

01. No dia 08 de janeiro de 2023, um grupo de milhares de extremistas bolsonaristas


marchou pela Esplanada dos Ministérios e atacou o prédio do Congresso Nacional, do
Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, depredando a estrutura dos edifícios,
o mobiliário dos prédios e vandalizando obras de arte e documentos de enorme
relevância cultural e histórica do país1.

02. A marcha, que culminou em violência indiscriminada contra o patrimônio público


e contra ordem constitucional democrática, foi planejada por grupos extremistas com o

1
Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/08/bolsonaristas-congresso-policia.htm Acessado
em 08.01.2023
objetivo de questionar a legitimidade do governo recém-eleito de Luís Inácio Lula da
Silva, ao mesmo tempo em que reafirma o apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

03. Essa iniciativa, de caráter antidemocrático e radical, compõe uma série de ações de
mobilização do bolsonarismo que, dia a dia, escalam no discurso e na prática de violência
política. Os acontecimentos em voga, por exemplo, têm início na construção, por parte
de bolsonaristas, de uma grande marcha nacional até a capital com o objetivo de
questionar a última eleição geral e o Supremo Tribunal Federal.

04. De acordo com o portal Brasil 247, grupos virtuais nos quais bolsonaristas se
congregam davam o tom da manifestação ao tratar a iniciativa como uma “Guerra”.
Igualmente, o jornal afirma que havia a intenção, por parte dos criminosos, de realizar
uma invasão ao edifício do Congresso Nacional2.

05. Diante da notória possibilidade de violência e cometimento de crimes em razão da


marcha golpista, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, autorizou no sábado (7. jan. 2023) o
uso da Força Nacional na Esplanada dos Ministérios3. O objetivo da medida era auxiliar
as forças policiais do Distrito Federal na proteção da ordem pública e do patrimônio
público e privado no centro de Brasília.

06. Diante dos fatos e dos crimes cometidos pelos manifestantes golpistas, a medida
do Ministério da Justiça se mostrou insuficiente: logo após a chegada dos manifestantes
na Alameda dos Estados, em frente ao prédio do Congresso, uma multidão de criminosos
rompeu com a barreira de segurança montada pelas forças públicas e, em pouco tempo,
ficou livre para invadir os edifícios localizados na Praça dos Três Poderes.

07. O edifício do Congresso Nacional foi o primeiro a ser invadido. Pouco tempo
após a invasão, foi noticiado diversas ações de vandalismo contra o patrimônio público.
Diversos apoiadores do ex-presidente acessaram os salões do prédio e, sem qualquer tipo
de autorização, o plenário do Senado. Em todos os espaços do Congresso foi flagrante o
uso indiscriminado de violência para destruir o local.

08. Logo após a invasão do Congresso, parcela significativa dos golpistas se dirigiu até
o Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo. A ausência de segurança compatível com
a necessidade de proteção ao edifício permitiu que as cenas vivenciadas na sede do
Congresso se repetissem no Planalto: invasão, violência contra o patrimônio público e
ocupação, sem qualquer legitimidade, da sede do atual governo.

2
Disponível em:
https://www.brasil247.com/regionais/brasilia/caravana-de-bolsonaristas-chega-a-brasilia-para-mais-um-ato-golp
ista Acessado em 08.01.2023
3
Disponível em: https://static.poder360.com.br/2023/01/Portaria-MJ-Dino-Brasilia-7-jan-2023.pdf Acessado
em 08.01.2023
09. Não obstante, a sede do Supremo Tribunal Federal foi invadida em sequência.
Muito visado pelos manifestantes bolsonaristas, o prédio da suprema corte foi o mais
agredido pelos criminosos, com quase todos os seus andares depredados. Assim como
nos demais prédios, não houve qualquer efetividade na proteção do prédio por parte das
forças públicas, tornando possível, assim, a destruição do local.

10. As ações de depredação e de invasão do patrimônio público da União, em Brasília,


configuram um fato histórico inédito na vida política da nação e uma afronta à
Constituição brasileira. De forma premeditada, milhares de adeptos da extrema-direita
impuseram o caos e a violência no centro da República, sob uma notória negligência das
forças distritais de segurança pública.

11. Conforme noticiado pela imprensa, relatórios de inteligência elaborados pelo


governo indicavam a chegada de cerca de 100 ônibus com quase 4.000 manifestantes
golpistas em Brasília4. Para evitar que novas cenas de violência ocorressem novamente, o
Governo Federal mobilizou a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Força
Nacional, todas elas com o objetivo de garantir a segurança da Esplanada dos Ministérios.

12. O esforço dos dirigentes do Executivo Federal, infelizmente, não foi repetido pela
liderança formal das forças de segurança do Distrito Federal. Diante da extrema violência
perpetrada pelos bolsonaristas no domingo, diversas provas evidenciam uma postura
negligente dos policiais que deveriam cumprir o dever de proteção do patrimônio
público.

13. De acordo com o Estado de São Paulo, mesmo com a destruição ocorrendo em
Brasília, a Polícia Militar do Distrito Federal continuou permitindo o trânsito de
manifestantes por toda a área da Esplanada. Após a derrubada da frágil barreira instalada
pelos policiais, diversos militares foram flagrados abandonando suas posições e bebendo
água de coco em frente à Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida.

14. Em outro flagrante da conveniência da PM-DF com as ações de violência, um


militar destacou que o ato de bolsonaristas contra Lula era “democrático” e “correto”.
Além disso, o mesmo militar declarou que as forças policiais estavam no local para
“colaborar, ajudar e, principalmente, fazer a segurança de vocês”5. Além disso, imagens

4
Disponível em:
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/mais-de-100-onibus-chegam-a-brasilia-governo-promete-endur
ecer-contra-extremistas,41c4a0e54233af59736d55ade4b32a24031iv7eu.html Acessado em 08.01.2023
5
Disponível em:
https://www.poder360.com.br/brasil/policial-da-pm-df-afirmou-que-ato-bolsonarista-era-democratico/ Acessado
em 08.01.2023
que circulam nas redes sociais demonstram o bloco de manifestantes bolsonaristas sendo
guiados pela Polícia Militar rumo à Esplanada dos Militares6.

15. De maneira igualmente grave, PMs foram flagrados filmando e batendo papo com
os criminosos durante a invasão. As cenas ocorreram no mesmo momento da invasão no
Congresso Nacional7.

16. Diante da evidente possibilidade de agressão aos poderes constituídos e ao


patrimônio público e privado, o Senado, conforme afirma a Folha de S. Paulo8, havia
entrado em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal para
solicitar um reforço policial em torno do Parlamento. O pedido foi formulado pela
Secretaria de Polícia do Senado Federal, mas foi sumariamente ignorado pelo governo
distrital.

17. O Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, então


responsável pelo comando das forças de segurança distritais, não estava em Brasília
durante os fatos, tendo viajado, de forma irresponsável, para os Estados Unidos9.
Cumpre destacar que Torres foi ministro da justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro.

18. Os atos acima narrados além da tipificação por crime de dano, também podem ser
classificados como crimes contra o Estado Democrático de Direito, como dispõem os
artigos 359-L e 359-R do Código Penal. Veja-se:

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado
Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes
constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à
violência.

Art. 359-R. Destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público,


estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de
abolir o Estado Democrático de Direito:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

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Disponível em: https://twitter.com/Metropoles/status/1612136961854115847 Acessado em 08.01.2023
7
Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/08/pms-sao-flagrados-filmando-e-batendo-papo-co
m-bolsonaristas-durante-invasao.htm Acessado em 08.01.2023
8
Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2023/01/senado-pediu-reforco-de-seguranca-a-policia-d
o-df-mas-foi-ignorado.shtml Acessado em 08.01.2023
9
Disponível em:
https://www.estadao.com.br/politica/coluna-do-estadao/secretario-de-seguranca-do-df-anderson-torres-esta-nos-
eua/?utm_source=estadao:twitter&utm_medium=link&original_referer=https%3A%2F%2Fwww.estadao.com.b
r%2Fpolitica%2Fcoluna-do-estadao%2Fsecretario-de-seguranca-do-df-anderson-torres-esta-nos-eua%2F%3F
Acessado em 08.01.2023
19. E a conduta de se omitir intencionalmente ao deixar de dar ordens concretas para
as forças de seguranças conterem o grupo com o intuito terrorista que se mobilizou para
Brasília dias antes, com a intenção de invadir prédios públicos na Praça dos Três Poderes,
pode ser considerada como partícipe de crimes contra o Estado Democrático de Direito
ou de prestar auxílio a organização terrorista, como diz o art. 3ª da Lei Antiterrorismo.
Veja-se:

Art. 3º Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por


interposta pessoa, a organização terrorista:

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa.

20. Se comprovados os indícios que demonstram uma atuação dos representados no


sentido de se omitir, facilitar ou auxiliar a invasão e depredação dos prédios do Congresso
Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, os mesmos poderão ser
responsabilizados criminalmente pelos atos ocorridos no dia 08 de janeiro de 2023,
inclusive sujeitos à prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código Penal.

II. CONCLUSÃO E PEDIDOS

21. Diante de todo exposto, requer-se ao Procurador-Geral da República a abertura de


inquérito com a finalidade de apurar a responsabilidade criminal do Governador do
Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal,
Anderson Torres e do comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal, o Coronel
Fábio Augusto Vieira, quanto a omissão, facilitação ou instrumentalização de atos
antidemocráticos e terroristas ocorridos no dia 08/01/2023, que culminou na invasão e
depredação dos prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do
Palácio do Planalto.

22. Não obstante, requer-se que sejam adotadas medidas cabíveis para o afastamento
cautelar do Coronel Fábio Augusto Vieira do Comando da Polícia Militar do Distrito
Federal, como medida de manutenção da ordem pública no Distrito Federal.

Termos em que pede deferimento.

São Paulo, 08 de janeiro de 2023.

Erika Hilton
Deputada Federal Eleita (PSOL-SP)

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