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O que, afinal, é "globalismo",

termo usado com frequência pelo


governo Bolsonaro?
Palavra que aparece em discursos do presidente
brasileiro já vinha sendo empregada por Donald
Trump nos Estados Unidos. Ambos a associam
ao que chamam de “marxismo cultural”
Rodrigo Lopes 11/01/2019 - 10h24min

O chanceler Ernesto Araújo e o presidente BolsonaroSergio Lima / AFP

Quando, em setembro de 2018, Donald Trump declarou na


Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
em Nova York, o “fim da ideologia globalista”, alguns diplomatas e
:
chefes de delegações olharam-se. O megaempresário convertido
em comandante-em-chefe da maior potência econômica do planeta
estaria reivindicando a eliminação da globalização, fenômeno
defendido por 10 entre 10 liberais?

O que exatamente ele queria dizer com “globalismo”?

Embaixadores, estrategistas, chefes de governos estrangeiros e


pesquisadores debruçaram-se em busca da palavra escondida em
notas de rodapé de alguns poucos livros de Relações Internacionais.
Não, Trump não havia criticado a globalização, processo de
interconexão entre pessoas e países, que permite, por exemplo, que
compremos, em um shopping de Porto Alegre, um notebook
inventado no Vale do Silício, montado no Brasil, com chip fabricado
no Vietnã e cujo atendente de call center mora na Índia.

– A globalização é um termo exaustivamente tratado


academicamente: um processo que decorre da própria expansão,
internacionalização do capitalismo. Envolve uma série de forças
espontâneas, que traz consequências sociais e culturais
importantes, que levam a um processo de interdependência
econômica entre os países – explica David Magalhães, doutor em
Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Fundação Armando Alvares
Penteado (FAAP).

Definitivamente, segundo os cânones das Ciências Políticas e


Econômicas e das Relações Internacionais, globalismo não é o
mesmo que globalização. O termo utilizado por Trump, que aparecia
simultaneamente na campanha de Jair Bolsonaro, e que ficou
ainda mais evidente em discursos de integrantes do novo
governo brasileiro após a eleição e, sobretudo, a posse, tem outro
significado. As origens da expressão, segundo o professor Matias
:
Spektor, vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da
Fundação Getulio Vargas (FGV), estão no livro The Emergence of
Globalism: Vision of World Order in Britain and the United States,
1939-1950.

As bombas ainda despencavam sobre a Europa cansada da II Guerra


Mundial, entre os anos 1939 e 1945, quando um grupo de
intelectuais como o francês Raymond Aron e o romeno David
Mitrany tentavam imaginar como seria o mundo quando calassem as
armas: por que a chamada comunidade internacional havia
demorado para reagir aos planos megalomaníacos de Adolf Hitler?
Mais: como evitar, no futuro, o surgimento de um novo Führer?

Das indagações surgiu uma ideia: a melhor maneira de gerir a paz,


tema clássico das relações internacionais, seria vincular grandes
potências a organismos globais, como se fossem clubes de nações.
Não havia, obviamente, internet ou WhatsApp. Reunir
representantes de todos os países em uma sala, com direito a fala,
reduziria o custo da circulação de informação e aproximaria
discursos. Outra vantagem: se houvesse consenso sobre quando
usar a força contra um regime tirano, seria mais fácil – e rápido –
impedi-lo de praticar matanças como as vistas no Holocausto.

A globalização depende da
descentralização, de cada país
fazendo o que faz bem. O
globalismo é centralizado em
políticos e burocratas, pessoas
que não foram eleitas, que
determinam as regras que
:
podem valer para o mundo.
HÉLIO BELTRÃO
FUNDADOR-PRESIDENTE DO INSTITUTO
MISES BRASIL
Boa parte do debate inspirou a fundação da Organização das
Nações Unidas (ONU), com uma diferença fundamental em relação à
Liga das Nações, que fracassara no objetivo de evitar o conflito: a
entidade global contaria com um órgão superpoderoso, o Conselho
de Segurança, capaz de decidir a paz ou a guerra. No campo
econômico, nações integradas não fariam guerra entre si, porque as
perdas seriam mútuas. Era o princípio de outro tratado internacional,
o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que deu origem à
Organização Mundial do Comércio (OMC).

– Soluções globais para esses problemas estão por trás de quase


toda a arquitetura do sistema internacional a partir da década de
1940 – explica Spektor.
:
Trump é um dos defensores da crítica ao globalismoSaul Loeb / AFP

Uma questão de fronteiras


Com o avanço da tecnologia, o mundo ficou menor – ou “plano”, nas
palavras do jornalista americano Thomas Friedman, articulista do
The New York Times, na obra O Mundo É Plano – Uma História
Breve do Século XXI, lançada em 2005. Ou seja, os campos de
competição entre os países desenvolvidos e as nações em via de
desenvolvimento chegariam nivelados ao final do século.

Divisões históricas, regionais e geográficas haviam ficado cada vez


menos relevantes.

A obra-prima do globalismo é a União Europeia (UE), integrada hoje


por 28 países-membros no mesmo território ensanguentado pela
guerra: um bloco econômico e político supranacional, onde as
moedas de cada nação foram abolidas em troca de uma única, o
euro, e governos nacionais têm pouco poder, baseados na livre
:
circulação de pessoas, bens e capitais.

Pelas regras do Tratado de Schengen, um dos mais importantes da


UE, você desembarca, por exemplo, no Aeroporto Fiumicino, em
Roma, e pode passar um mês viajando de trem ou carro, passando
por Paris, Amsterdã e Berlim, sem ser importunado por policiais ou
ter de se explicar em postos de fronteira. Até as diferentes
legislações foram harmonizadas.

É aí que surgem as críticas. O que muitos veem como facilidades é


entendido por alguns como perda de soberania dos Estados.
Conforme o economista Helio Beltrão, fundador-presidente do
Instituto Mises Brasil, regras supranacionais são ditadas por
burocratas e políticos de Bruxelas, que se colocam acima dos
Estado-Nações, alijadas dos interesses dos governos e de suas
populações.

– Eles determinam as regras comerciais, de fluxo de pessoas, de


regulamentações. A globalização depende da descentralização, de
cada país fazendo o que faz bem e se colocando de forma
descentralizada. O globalismo é centralizado em políticos e
burocratas, pessoas que não foram eleitas, que determinam as
regras que podem valer para o mundo – avalia.

A decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, o Brexit, que


deve ser concretizada em 29 de março, é uma das expressões mais
visíveis dessa insatisfação.

– No Brexit, está claro um cabo de guerra entre globalismo e


globalização. O Reino Unido está amarrado à comunidade europeia e
não pode fazer acordos com outros países. É obrigado a engolir
regulamentações de Bruxelas. Há regras sobre o repolho, por
exemplo, e 30 páginas sobre a pesca.
:
O que o Reino Unido quer com o Brexit é se livrar um pouco desse
globalismo – argumenta Beltrão.

Outro economista, Rodrigo Constantino, articulista e autor de blog


que se identifica como “um liberal sem medo de polêmica ou da
patrulha da esquerda politicamente correta”, critica a confusão entre
os termos globalização e globalismo.

– Não é a globalização que estamos criticando, assim como não


criticamos o livre mercado interno de um país. O que criticamos é o
mercado administrado por uma elite poderosa, o management. É a
globalização administrada. É exatamente o que as elites
empresariais, em conchavo com os Estados, querem fazer no livre
mercado interno de um país. Eles querem um capitalismo de Estado
– diz Constantino.

A inspiração neoconservadora

Steve Bannon, estrategista-chefe da campanha de TrumpJOE RAEDLE / AFP PHOTO / GETTY IMAGES
:
NORTH AMERICA

O embaixador aposentado e conselheiro do Centro Brasileiro de


Relações Internacionais (Cebri), José Alfredo Graça Lima, que
chegou a ser cotado como ministro das Relações Exteriores de Jair
Bolsonaro, questiona o argumento de suposta orquestração da
esquerda por meio de organismos internacionais. Segundo o
diplomata, que atuou no Departamento Econômico e foi
subsecretário-Geral para Assuntos de Integração, Econômicos e
Comércio Exterior do Itamaraty – posição em que supervisionou a
atuação brasileira na OMC –, o bloco europeu é uma união política e
aduaneira, composta por governos de diferentes posições
ideológicas:

– Os Estados não professam a mesma fé política. Você tem governos


mais para a direita e outros mais para a esquerda. Mas os trabalhos
nunca foram dominados por uma tendência específica.

As críticas ao globalismo não são novas nem se expressam apenas


no Brexit. Conforme Spektor, as origens estão no movimento
neoconservador no início da década de 1970 nos Estados Unidos,
com intelectuais como Irvin e Bill Kristol, Norman Podhorez, Max
Boot e Robert Kagan. Esse movimento ascendeu com a chegada do
Partido Republicano ao poder, com George W. Bush. Spektor
enxerga na invasão norte-americana do Iraque, passando por cima
das Nações Unidas, no início dos anos 2000, uma das primeiras
demonstrações de força política da ala mais conservadora.

À época, John Bolton, hoje secretário de Segurança Nacional de


Trump, a quem Bolsonaro prestou continência em dezembro, era
representante dos EUA na ONU. A ordem de ir à guerra no Oriente
Médio fora tomada pelo núcleo de falcões que influenciava as
decisões do Salão Oval – além de Bolton, o subsecretário de Estado
:
Paul Wolfowitz e um dos gurus da ideologia neoconservadora, o
vice-presidente Dick Cheney, retratado pelo ator Christian Bale
no longa-metragem Vice.

– Esse movimento neoconservador da década de 1970 e mesmo dos


anos 2000, você pode criticar muito, mas tinha um embasamento
sólido. É uma crítica de filósofos à ideia de que o melhor modo de
gerir o ordenamento internacional é via multilateral. Há filósofos
brilhantes que são neoconservadores – considera Spektor.

Cheney, ex-vice de BushJohn Bazemore, AP / clicRBS

Na corrida presidencial de 2016 nos EUA, o estrategista da


campanha de Trump, Steve Bannon, apropriou-se dessa agenda,
estendendo-a mais à direita do espectro político. Em seu site
Breitbart News, passou a atacar os organismos internacionais, as
organizações não governamentais, como Greenpeace, e as
fundações, como a Open Society, do megainvestidor húngaro
George Soros. Pelo argumento de Bannon, haveria um conluio
:
internacional, financiado por elites progressistas, para chegar ao
poder e colocar em prática uma agenda de esquerda que estaria
impregnada em Hollywood, no Vale do Silício, em decisões de
Bruxelas e em universidades públicas mundo afora. Bannon, o
homem que construiu Trump candidato, costuma dizer que o
pensamento da nova esquerda ocupa meios de pensamento,
implementando um projeto de aniquilação da cultura ocidental cristã
ao impor temas como o feminismo ou o que chama de “gayzismo”
(termo pejorativo para se referir às causas LGBT+), além do
ambientalismo e do multiculturalismo.

– No limite, é você coordenar o show todo de cima para baixo. É criar


os Estados Unidos da Europa, sendo que os EUA da América foram
criados de forma muito mais orgânica e natural, de baixo para cima.
É diferente de você juntar, em uma sala, elites e burocratas
supostamente representantes do povo e criar, em uma canetada, de
cima para baixo – diz Rodrigo Constantino.

As ideias deram origem à chamada direita alternativa nos EUA, a alt-


right. Vários integrantes do governo Bolsonaro admiram Bannon.

Em agosto, o filho do presidente e deputado federal Eduardo


Bolsonaro (PSL-SP), foi aos EUA se encontrar com o marqueteiro.
Bannon, que deixou a Casa Branca por divergências com Trump,
comanda hoje uma fundação para promover a alt-right. Um de seus
planos é criar uma universidade de viés conservador, cuja sede seria
na Itália e que forneceria uma base ideológica e religiosa para
amparar uma estratégia de transferência das ideias dessa corrente
dos EUA para a Europa, transformando-a em uma espécie de
Internacional Populista.

Um mentor brasileiro
:
Olavo de Carvalho

No Brasil, essa abordagem apareceu pela primeira vez por meio do


filósofo paulista Olavo de Carvalho no artigo Do Marxismo Cultural,
publicado no jornal O Globo em 2002. Aos 71 anos, o escritor, que
mora nos EUA desde 2005 e é autor de 18 livros, segundo seu perfil
no Twitter, construiu carreira como articulista de jornais, defendendo
ideias da direita. Nos últimos anos, por meio de profícua produção
de vídeos na internet, ele tem denunciado o globalismo e o Foro de
São Paulo (“a maior organização política que já existiu no
continente”), além de criticar “ideologia de gênero, abortismo e
gayzismo”.

O perfil de Olavo de Carvalho no Facebook conta com mais de 543


mil seguidores. Em um texto de novembro de 2008 intitulado
Milagres da Fé Obâmica, por exemplo, ele descreve Barack Obama,
então candidato à Casa Branca, como um político “apoiado
entusiasticamente pela Al-Qaeda, pelo Hamas, pela Organização de
:
Libertação Palestina, pelo presidente iraniano Ahmadinejad, por
Muammar Kadafi, por Fidel Castro, por Hugo Chávez e por todas as
forças antiamericanas, pró-comunistas e pró-terroristas do mundo,
sem nenhuma exceção visível”.

– No Brasil, praticamente não há lei que não seja votada no


parlamento que não venha de algum modo pronta de centrais
globalistas. Ou vem diretamente da ONU ou vem dessas fundações
que promovem essa onda globalista – disse Carvalho em vídeo
recente no YouTube.

O filósofo é admirado por alguns dos mais próximos assessores do


presidente Bolsonaro e teria indicado nomes do primeiro escalão,
como o do chanceler Ernesto Araújo e o do ministro Ricardo Vélez
Rodríguez, titular da Educação. Um dos livros mais famosos de
Carvalho, O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota,
estava sobre a mesa de Bolsonaro em sua primeira fala com
presidente eleito, em transmissão pela internet. Trata-se de 193
artigos e ensaios publicados em diversos veículos de imprensa entre
1997 e 2013 nos quais “o autor reflete sobre temas do dia a dia,
analisa as notícias, o que nelas fica subentendido e procura entender
o que se passa na cabeça do brasileiro”.

Obama usa o termo "cidadão


global". Ele era o presidente do
mundo. E Trump venceu com
"America First". A visão
cosmopolita (de Obama) é
típica da elite progressista, que
acha que todo imigrante é o
:
colega de Harvard.
RODRIGO CONSTANTINO
ECONOMISTA
Em vídeos, Carvalho cita como um dos centros de decisão do
globalismo, ainda, o clube de Bilderberg, um encontro anual de
especialistas em indústria, finanças, educação e meios de
comunicação que fazem parte da elite política e econômica da
Europa e da América anglo-saxônica. O sigilo em torno do grupo
contribui para a mítica em torno dele. Conforme o jornalista espanhol
Daniel Estulin, autor de A Verdadeira História do Clube Bilderberg, o
clube nasceu em 1954 com o objetivo de “debater assuntos
relevantes e de interesse mundial”. O clube seria capaz de provocar
uma crise financeira em determinado país, para beneficiar outro;
teria o poder de derrubar e eleger governos, para defender este ou
aquele interesse; e provocaria uma guerra se isso fosse do interesse
de seus integrantes. Ou seja, maquinar planos para manipular o
mundo de acordo com seus interesses. Do grupo, fariam parte, além
de Soros, personalidades americanas como os ex-presidentes
democratas Bill Clinton e Barack Obama.

– Basta ver os discursos do Obama. Ele usa o termo “cidadão global”.


Ele não é mais o presidente dos EUA. Era o presidente do mundo.
Enquanto o Trump venceu com o discurso muito claro de America
First, Obama achava legal falar que era cidadão do mundo, do globo.
É uma visão cosmopolita típica da elite progressista, que acha que
todo imigrante é o colega de Stanford, ou de Harvard – critica
Constantino.
:
Bush e o vice Chenney (E)Ver Descrição / Ver Descrição

Embora seja um dos admiradores de Carvalho, Constantino, no


entanto, discorda do filósofo com relação à ideia de um clube de
Bilderberg:

– A turma numa mesa controlando: eu acho que não existe isso. Mas
é óbvio que o Soros, o Obama, esse pessoal mais progressista, a
família Clinton, tenta assumir as rédeas do negócio. Mesmo o
globalismo, no entanto, é mais caótico do que o pessoal da direita
que fala em conspiração gostaria de admitir.

Conforme Spektor, no Brasil expressa-se a terceira geração do


neoconservadorismo americano, derivada de Bannon.

– É uma geração levada mais à direita e descolada de qualquer base


empírica – critica.

O combate ao esquerdismo
:
Ataque ao Iraque, em 2003, uma das ações do neoconservadorismo americano, segundo
especialistasRamzi HAIDAR / AFP

Na defesa que faz de Trump, o chanceler Araújo entende que o


globalismo não é apenas uma ideologia, mas um esquema de
dominação global que visa substituir as culturas tradicionais por uma
moral secular, cosmopolita e esquerdista. O braço ideológico do
globalismo é o chamado “marxismo ideológico”.

– O globalismo comunista está passando por mutações muito


rápidas desde maio de 1968, nas quais a estratégia marxista-
leninista foi trocada pela ideologia diversitária. Já não se fala do
proletariado, mas das minorias. Essas minorias podem ser étnicas,
sexuais, regionais, imaginárias – adverte Constantino.

É aí que a história entra outra vez. A partir do final da década de


1990, o escritor conservador William S. Lind publicou vários artigos
que descreviam a evolução de um movimento transnacional.
Conforme Magalhães, a teoria, com penetração na direita norte-
:
americana, foi sintetizada na conferência que proferiu em 2000,
denominada Origens do Politicamente Correto, na American
University, em Washinton.

Lind descreve que, após a I Guerra Mundial, dois intelectuais


marxistas, o italiano Antonio Gramsci e o húngaro Georg Lukács,
procuraram compreender por que a revolução socialista não havia se
internacionalizado, conforme previa Lenin. Para eles, a cultura
ocidental e a religião cristã cegavam a classe trabalhadora e, para
que a revolução proletária triunfasse, seria necessário destruir a
superestrutura ideológica do Ocidente. O professor da PUC-SP
explica que a nova estratégia do movimento comunista, elaborada
por Gramsci, ordenava que, ao invés de fazer a revolução socialista,
como ocorrera na Rússia, os marxistas no Ocidente deveriam se
embrenhar em instituições – escolas, imprensa, igrejas e
universidades – todas as entidades que influenciavam a cultura.

Felix Weil fundou, na Universidade de Frankfurt, o Instituto para


Pesquisa Social, entidade que ficaria famosa pelo nome de Escola de
Frankfurt. Seus principais nomes, Theodor Adorno, Max Horkheimer,
Herbert Markuse e Walter Benjamin, estabeleceriam os cânones da
crítica à cultura de massa. A nova esquerda e o movimento da
contracultura dos anos 1960 e 1970, eternizados no chamado Maio
de 1968, seriam o grande ponto de inflexão marxista. A luta não seria
mais pelos trabalhadores, mas por valores, como a liberalização
sexual, questão de gênero e direitos humanos.

– A esquerda abandona o discurso de classe e passa a adotar uma


estratégia cultural, de defender minorias, apregoar a revolução
sexual, liberalizar os costumes.

Os conservadores vão fazer a leitura de que se trata de uma guerra


contra a cultura ocidental e de derrubar os cânones do cristianismo
:
e de tudo o que representa o Ocidente – explica Magalhães, que
buscou fazer uma genealogia do globalismo e do antiglobalismo.

Docente da pós-graduação em Relações Internacionais na FGV e


professor visitante da Universidade de São Paulo (USP), Vinicius
Rodrigues Vieira afirma que o viés de esquerda das universidades
brasileiras, crítica habitual dos conservadores, é consequência da
perseguição do regime militar.

– A história estava sendo contada pelos vencidos do regime – dizia


uma de suas professoras de História na USP. – Era uma referência a
muitos intelectuais que voltaram do exílio e reassumiram suas
posições nas universidades, começando a construir uma narrativa
que se tornou predominante nos últimos 30 anos. No ambiente
acadêmico, dominam as ideias de esquerda, centro-esquerda, ou,
como dizem nos EUA, as ideias liberais. Nisso o pessoal que apoia o
Bolsonaro e o Trump, ditos populistas de direita, tem razão.

Uma guerra de narrativas


Vinicius Rodrigues Vieira destaca, entretanto, que fenômenos como
a globalização foram vistos com desconfiança pela esquerda. No
primeiro Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2001, eram
comuns frases e cartazes antiglobalização.

– Já ouvi colegas mais simpáticos ao PSOL e ao PT criticarem os


direitos humanos como instrumento do imperialismo norte-
americano – diz.

Há uma guerra de narrativas, na opinião do professor, em que os


conceitos são pouco precisos e instrumentalizados, dependendo do
interesse de cada grupo.

– O problema do Brasil talvez tenha sido uma vinculação grande da


:
academia com um partido específico, o PT. Da mesma forma, nos
Estados Unidos há uma vinculação excessiva da academia com o
Partido Democrata; no Reino Unido, com o Partido Trabalhista; na
Alemanha, com os social-democratas – opina.

O empresário Roberto Rachewsky, fundador do Instituto Estudos


Empresariais (IEE), entende que o termo globalismo carrega, em si,
uma carga ideológica. Ele acredita que nem o fenômeno, nem os
seus críticos valorizam o indivíduo.

– Como indivíduos, somos seres soberanos. É o indivíduo quem


promove, por meio de sua ação, do uso de sua liberdade, a busca
pela felicidade. Transações internacionais não são feitas exatamente
por Estados e governos. São feitas por empresas ou por indivíduos –
defende.

Rachewsky faz ressalvas às regulações de organismos


internacionais, que, segundo ele, inibem a liberdade e restringem o
uso da propriedade privada.

– O nacionalismo tem seus problemas, e o globalismo, também –


conclui.

Helio Beltrão salienta que nem todos os organismos multilaterais são


globalistas:

– Os tribunais penais, a corte de Haia, a Interpol são órgãos que não


se sobrepõem ao Estado nacional.

Ao destacar a propagação de discursos antiglobalistas e a


popularidade do que seria o termo entre os críticos da esquerda,
Spektor considera que essas ideias encontram apelo porque buscam
explicar o mundo de forma simplista, “em preto e branco”:
:
– Essa ideia (o antiglobalismo) apresenta um mundo de mocinhos e
bandidos, no qual você tem um grupo nítido que pode ser culpado
por todas as mazelas. Nesse sentido, a direita de Bolsonaro se iguala
à esquerda mais radical. Da mesma maneira que, na esquerda, muita
gente denuncia o imperialismo por trás de qualquer mazela, do outro
lado você tem um grupo que atribui todas as mazelas a uma suposta
cabala, a um conluio esquerdista que estaria impregnado em
organismos multilaterais. Ambas as interpretações, que dividem o
mundo entre mocinhos e bandidos, são empiricamente falsas.
:

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