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PSICOLOGIA DA

EDUCAÇÃO

Eliane Dalla Coletta


Pesquisa em psicologia
educacional
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer a importância das pesquisas para a prática do ensino.


„„ Diferenciar os principais métodos de pesquisa utilizados na psicologia
educacional.
„„ Identificar as oportunidades para a prática da pesquisa-avaliação e da
pesquisa-ação, como um potencial professor-pesquisador.

Introdução
Neste capítulo, você estudará a pesquisa na área educacional, seus desafios
e suas possibilidades e o quanto ainda necessitamos avançar para mudar
uma realidade brasileira que se apresenta com muitas dissociações entre
teoria e prática. Nesse contexto, a pesquisa ainda é vista como uma ativi-
dade elitista, que pode ser desempenhada apenas por poucas pessoas
com formações, capacidades e oportunidades consideradas especiais.
Também avaliaremos o que pode ser feito para que o professor se torne
reflexivo sobre sua ação, por meio da análise e da interpretação.
Será oportunizado o conhecimento sobre as duas perspectivas básicas
de investigação: a empírico-analítica (conhecida como quantitativa) e a
humanista-interpretativa (conhecida como qualitativa) e suas técnicas
de coleta de dados. Além disso, serão analisadas as potencialidades da
pesquisa-avaliação e da pesquisa-ação e as possibilidades de o professor
se tornar um professor-pesquisador.
2 Pesquisa em psicologia educacional

1 Importância da pesquisa na prática do ensino


A pesquisa ou investigação é uma ação pela qual um profissional adquire ou
gera um novo conhecimento sobre determinado assunto ou problema. É uma
redescoberta de uma realidade, uma inovação que geralmente parte de um
questionamento. Qualquer investigação busca esclarecer uma dúvida, replicar
um fenômeno, testar uma teoria ou buscar soluções para um dado problema.
Por isso, ela parte de um questionamento sobre a realidade para delimitar o
problema a ser pesquisado/investigado. A Figura 1 apresenta um esquema de
um planejamento do problema de investigação.

Elementos Viabilidade
necessários
que são
Parte de
Justificativa
Planejamento do problema de investigação
Objetivos

Parte de Problemas de investigação

Critérios

A seguir
que são Claros

Possibilidade de
recoletar dados
Relação entre variáveis
ou elementos

Figura 1. Planejamento do problema de investigação.


Fonte: Adaptada de Hernández, Fernández e Baptista (2003).

Os conhecimentos que adquirimos no nosso cotidiano são mais simples,


pouco sistemáticos e analíticos. Contudo, muitas vezes, fundamentam as ações
e as decisões dos profissionais, mas estão longe de se tornarem uma teoria.
Esta se concretiza por meio de um estudo rigoroso realizado mediante método
científico, que objetiva potencializar a informação disponível em torno de
problemas de origem teórica ou prática, na busca de compreensão, explicação,
predição e controle dos fenômenos. O método científico se caracteriza por ser
(ALMEIDA; FREIRE, 2003):
Pesquisa em psicologia educacional 3

„„ objetivo (descreve a realidade como ela é);


„„ empírico (baseado em experiência, fenômenos e fatos);
„„ racional (apoiado na razão e na lógica);
„„ replicável (a sua comprovação pode ser feita por pessoas distintas e em
circunstâncias diversas);
„„ sistemático (organizado, ordenado, consistente e coerente);
„„ metódico (metodologia rigorosa);
„„ comunicável (reconhecido e aceito pela comunidade científica);
„„ analítico (busca entrar na complexidade e na globalidade dos fenômenos);
„„ cumulativo (conhecimento construído e estruturado a partir de conhe-
cimentos científicos anteriores).

Conforme Almeida e Freire (2003, p. 23):

[...] para poder explicar e predizer os fenômenos é necessário um sistema de


relações, contrastadas mediante dados empíricos. Tal sistema é designado
por teoria, ou seja, sistema ou quadro descritivo, e se possível explicativo,
preditor e controlador (muitas vezes provisório) dos fenômenos. Na descri-
ção de uma teoria, devemos considerar os seus elementos constitutivos: os
conceitos ou variáveis e as suas relações que descrevem os fenômenos, as
explicações dos fenômenos descritos e suas relações, e as predições de umas
variáveis a partir das outras.

As profissões que são baseadas em conhecimentos científicos, como a


medicina e a engenharia, ao necessitarem solucionar problemas concretos,
utilizam esse conhecimento que se transforma em práticas organizadas e
adaptadas pelos profissionais dessas áreas. Estes, ao se defrontarem com novas
evidências empíricas, reavaliam-nas e renovam-nas. Na área educacional,
no entanto, o que se observa é uma dissociação entre teoria e prática, o que
demonstra uma comunicação insuficiente ou quase escassa entre a ciência e
as práticas pedagógicas. Isso é muito contraditório, se pensarmos no professor
como aquele que deveria ser o “senhor” de um intelecto notável e o principal
agente na promoção do saber em vários níveis de ensino. Na prática pedagógica
de sala de aula, o conhecimento científico é, muitas vezes, ignorado pelos
professores, pelos gestores e, inclusive, pelas políticas públicas (NUNES, 2008).
4 Pesquisa em psicologia educacional

Para tanto, segundo Shigunov Neto e Maciel (2009, p. 3-4) é necessário:

[...] desmistificar a pesquisa científica que se concentra, quase exclusivamente,


nas Instituições de Ensino Superior e torná-la mais acessível e próxima da
realidade, do cotidiano, do dia a dia dos profissionais, da sociedade, dos alunos
e principalmente dos professores. Sem significar, no entanto, vulgarizá-la,
pois a pesquisa, enquanto mecanismo de formação, deve estar ativamente
no processo de formação educativa dos cidadãos, alicerçada no “esforço
sistemático e inventivo de elaboração própria, através da qual se constrói
um projeto de emancipação social e se dialoga criticamente com a realidade.
Predomina entre nós a atitude do imitador, que copia, reproduz e faz prova.
Deveria impor-se a atitude de aprender pela elaboração própria, substituindo
a curiosidade de escutar pela de produzir”. Encontramos na prática de sala
de aula duas situações muito enraizadas que predominam nos ensinos fun-
damental e médio, que é a do aluno que só quer passar de ano de preferência
sem nem escutar e a do professor que apenas quer dar aula sem questionar se
os seus conhecimentos estão desatualizados ou não, sem dominar as técnicas
e métodos de pesquisa e assume como algo “normal” a sua rotina de transmitir
o que aprendeu como um repeteco. [...] as discussões sobre a importância da
pesquisa na formação e atuação do professor pesquisador tem tido destaque
entre os temas educacionais pesquisados por estudiosos internacionais e na-
cionais nas últimas décadas. Entre os pesquisadores internacionais podemos
destacar Contreras (2002), Perrenoud (1993), Schön (1992), Giroux (1997) e
entre os estudiosos brasileiros podemos destacar: André (2001), Lüdke (2001),
Pimenta (2002) e Veiga (2002).

No âmago da relação entre pesquisa e ensino no campo da educação, Vilaça


(2010) refere que, mesmo tendo uma importância inquestionável, a prática da
pesquisa na educação não é evidenciada na realidade da educação no Brasil.
Os projetos de pesquisa são vistos como pertencentes à classe dos professores
do nível de ensino superior. A pesquisa e o ensino medeiam o conhecimento
e articulam a promoção da aprendizagem por caminhos próprios, mas se
entrelaçam. Porém, a figura do professor é ainda desvinculada da figura do
pesquisador, o que mostra uma falha também na formação desses professo-
res, e não são sem sentido as últimas exigências e os requisitos de formação
superior para todos os professores, tanto do ensino fundamental quanto do
médio. Contudo, nada disso será suficiente se não for dada a especial atenção
às disciplinas de metodologia de pesquisa, tão necessárias à pesquisa teórica
quanto à aplicada.
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Ou seja, há um extenso e amplo caminho a ser percorrido no desenvolvi-


mento dos professores, no sentido de trabalhar o ensino e a pesquisa. Uma
das possibilidades é tornar a pesquisa integrante no eixo de formação inicial
e continuada dos professores, como também é necessário que o profissional
(professor) queira ser pesquisador e manejar a pesquisa como princípio cientí-
fico e educativo, sendo esta sua atitude cotidiana. Outra oportunidade é tornar
a pesquisa do corpo docente como parte integrante das disciplinas, para que
possam discutir os resultados, analisá-los e verificar a metodologia utilizada
com outros professores, construindo, assim, novas temáticas conforme as
necessidades escolares. A competência, dessa forma, seria renovada, melho-
rando as perspectivas de um ensino com mais qualidade. Considerando que, na
atuação docente, o conhecimento específico está ligado à ação, é importante
também que a formação inicial promova novas práticas que possibilitem a
formação científica vinculada à prática, para que o professor se torne um
professor com reflexão na ação, analisando e interpretando a sua realização.
Segundo Pio, França e Domingues (2017, p. 112):

[...] o professor deve resgatar a base reflexiva de sua atuação, pesquisando


e refletindo a sua prática, questionando a sua tarefa, sendo assim, podendo
entender melhor a sua situação e depois modificá-la, pois, quando professor
pesquisa a sua própria prática, ele consegue interpretar, adaptar, recriar e
improvisar as necessidades e dificuldades em sua volta [...] é necessária
uma nova postura profissional, que possa corresponder de forma qualitativa
o interesse dos envolvidos, efetivando na troca de conhecimentos entre os
profissionais, saindo do isolamento, pois, é impossível pensar na escola como
unidade de ação com professores isolados [...] Um processo de autonomia dos
professores como intelectuais críticos requer analisar, questionar e refletir
criticamente no contexto da situação e ter uma postura diante dos problemas,
desenvolvendo suas próprias estratégias de ensino. Nesse sentido, o professor
deve envolver o currículo cada vez mais em seus princípios e suas práticas,
tornando a escola mais atraente aos alunos.

2 Principais métodos de pesquisa utilizados


na psicologia educacional
Nas áreas de psicologia e educação, segundo Almeida e Freire (2003), existem
duas perspectivas básicas de investigação. A primeira é denominada empírico-
-analítica, que geralmente é, também, apresentada como quantitativa positi-
vista e experimental, a qual objetiva explicar, predizer e controlar fenômenos,
nos moldes das ciências exatas ou ciências naturais, em que a investigação
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procura por padrões e leis explicativas com objetividade nos procedimentos


e na quantificação dos parâmetros. Os fenômenos psicológicos e educativos,
no entanto, são mais complexos que os fenômenos mais regulares, que podem
ser analisados em laboratórios pelo método experimental, pois muitas situa-
ções são irreprisáveis. Além disso, apresentam dinâmica e interação que são
impossíveis de verificação em laboratório.
A segunda perspectiva, a humanista-interpretativa, também é associada
à investigação qualitativa e naturalista, concebendo a realidade psicoeducativa
como dinâmica, fenomenológica e concatenada com a história individual
e o seu ambiente contextual. O estudo é realizado a partir da perspectiva
dos próprios sujeitos implicados nos eventos investigativos. Assim sendo,
além dos comportamentos observáveis, são necessários a consideração e o
conhecimento de suas crenças, seus valores, sistemas de comunicação e de
relacionamentos, interessando os significados e as intenções das ações hu-
manas. Um dos métodos qualitativos que se destaca é a análise de conteúdo,
que também pode atender a aspectos quantitativos (frequência de diversas
categorias que pode testar uma hipótese). No aspecto qualitativo, o enfoque é
dado às informações mais detalhadas e complexas, com o objetivo de detectar
a presença ou ausência de características do discurso. A análise de conteúdo
é aplicada nos dados que são obtidos por meio de entrevistas, documentos ou
outros registros (ALMEIDA; FREIRE, 2003).
A psicologia e a educação utilizam três tipos de investigação: descritiva,
correlacional e experimental. Podemos, no entanto, encontrar várias taxonomias
de investigações em psicologia e educação, que variam de autor para autor.
Em termos de finalidade, há investigações que buscam a descoberta e a
fixação das leis, como a investigação pura ou a investigação aplicada, ou
prática, que visa à resolução de problemas concretos e peculiares, ou, ainda, a
que engloba as posturas anteriores, que é a investigação-ação. Considerando
o aspecto profundidade, temos as exploratórias e experimentais, em um
grau extremo, e, no nível intermediário, as descritivas e as correlacionais.
Em função da metodologia, podem ser encontradas várias características: mais
quantitativas ou mais qualitativas, além de laboratoriais ou mais de campo,
de natureza mais transversal ou longitudinal. Existe, ainda, aquela que busca
essencialmente leis gerais, como a investigação nomotética, e a investiga-
ção centrada nas particularidades ou individualidades, que é a idiográfica
(ALMEIDA; FREIRE, 2003).
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Para um melhor entendimento, devemos considerar os paradigmas de


investigação, que são o sistema de pressupostos e valores que norteiam a
pesquisa e orientam o investigador para a obtenção de “respostas” diante
do “problema/questão” que se propôs investigar — são eles que informam a
metodologia do investigador. Além disso, temos que esclarecer alguns termos
que são frequentemente utilizados por diversos autores como sinônimos,
mas que apresentam algumas diferenças importantes, como “metodologia”,
“métodos” e “técnicas”.
Os métodos de investigação podem ser definidos como a direção para
chegar ao conhecimento científico, sendo o conjunto de procedimentos que
serve de instrumento para alcançar a investigação. As técnicas são mecanismos
de atuação precisos e particulares; são meios que auxiliam o método, uma
vez que, dentro deste, podemos utilizar várias técnicas. A metodologia, por
sua vez, ocupa-se de tutelar os métodos e assinalar os seus limites e alcance,
explicitando e enaltecendo os seus princípios, procedimentos e estratégias mais
adequadas para a investigação. Assim, fica claro que a metodologia tem um
sentido mais amplo que o método, dado que questiona o que está encoberto,
os fundamentos dos métodos, as filosofias que estão implícitas e que intervêm
nas escolhas feitas pelo investigador (COUTINHO, 2011).
Existem diferentes formas de investigar a realidade social. Se atentarmos
à literatura, a maioria dos autores reconhece que a pesquisa científica pode
ser abordada a partir de dois paradigmas, ou alternativas metodológicas:
a quantitativa e a qualitativa.

Metodologia quantitativa
Inspirada na filosofia positivista, durante décadas essa metodologia consistiu
na perspectiva dominante da investigação em ciências sociais e humanas,
sendo também denominada experimental, empírica ou estatística. É uma
investigação basicamente confirmatória, inferencial e hipotético-dedutiva.
O investigador se situa fora da investigação, sendo um elemento externo ao
objeto que investiga. Os problemas de investigação que surgem dos métodos
quantitativos decorrem dos axiomas ou das teorias que já existem por iniciativa
do investigador, sendo o estudo da bibliografia científica uma das fontes mais
comuns — são considerados como problemas fechados no sentido de que
eles serão totalmente determinados antes da coleta de dados. O planejamento
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da investigação, como o do problema, é definido antes da coleta de dados.


É, portanto, um planejamento fechado e totalmente estruturado e feito de
fora pela pessoa que realizará a investigação. É na fase de planejamento que a
validade da investigação deverá ficar garantida e ser baseada, essencialmente,
no controle das variáveis secundárias e em possíveis erros. Os dados coletados
são designados por objetivos e analisados estatisticamente. Muitas vezes,
os participantes também são escolhidos de acordo com critérios estatísticos,
uma vez que se pretende generalizar os resultados obtidos para populações mais
amplas do que os participantes da investigação (LUKAS; SANTIAGO, 2004).
Coutinho (2011) sintetiza algumas das características gerais dessa
perspectiva.

1. Ênfase em fatos, comparações, relações, causas, produtos e resultados


do estudo.
2. Investigação baseada na teoria, consistindo, muitas vezes, em testar,
verificar e comprovar teorias e hipóteses.
3. Plano de investigação estruturado e estático (conceitos, variáveis e
hipóteses não se alteram ao longo da investigação).
4. Estudos sobre grandes amostras de sujeitos, por meio de técnicas de
amostragem probabilística.
5. Aplicação de testes válidos e estandardizados, e medidas de observação
objetiva do comportamento.
6. Investigador externo ao estudo, preocupado com questões de
objetividade.
7. Utilização de técnicas estatísticas na análise de dados.
8. Objetivo do estudo é desenvolver generalizações que contribuam para
aumentar o conhecimento e permitam prever, explicar e controlar
fenômenos.

Metodologia qualitativa
A investigação qualitativa surgiu das críticas feitas ao “mecanismo” e ao
“reducionismo” da visão positivista. Assim, não é fácil defini-la. Segundo
Coutinho (2011, p. 26), alguns autores a definem como aquela “[...] que descreve
os fenômenos por palavras em vez de números ou medidas [...]”, enquanto outros
consideram que uma investigação é qualitativa quando “não é quantitativa”.
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Esse tipo de investigação privilegia a qualidade em vez da quantidade.


São investigações de natureza exploratória, indutiva, descritiva, próxima aos
dados e não generalizável. O investigador se introduz nas situações que pre-
tende investigar, consistindo, assim, em um participante ativo. Os problemas
de investigação são abertos, dado que eles podem alterar-se à medida que
a investigação progride, e surgem, na maioria das vezes, das necessidades
que ocorrem nos próprios grupos sociais. O planejamento é flexível e em
desenvolvimento — flexível, pois, assim como o problema, pode variar ao
longo do processo de investigação, e em desenvolvimento, na medida em que
se reajusta conforme é colocado em prática. Os dados coletados se baseiam
essencialmente em observações e entrevistas mais ou menos abertas, permi-
tindo colher informações mais textuais do que numéricas. O investigador é
o próprio instrumento. A análise dos dados é realizada mediante processos
indutivos, a partir de uma análise profunda dos significados desses dados
(LUKAS; SANTIAGO, 2004).
Segundo Bento (2012), esse tipo de investigação tem diversas características,
como as descritas a seguir.

„„ Ocorre em ambientes naturais — geralmente o investigador vai ao local


dos participantes para coletar os dados com mais detalhes.
„„ Utiliza vários métodos (interativos e humanistas) de coleta de dados —
o investigador participa ativamente no estudo e tem sensibilidade para
com os participantes da investigação.
„„ Questões de investigação podem ser redefinidas ao longo do processo.
„„ É interpretativa e descritiva — o investigador interpreta os dados e
descreve os participantes e os locais, analisando-os para configurar
temas ou categorias e retirar conclusões.
„„ É indutiva — não há preocupação em arranjar dados ou evidências para
provar ou rejeitar hipóteses.
„„ O investigador qualitativo encara os fenômenos sociais de forma
holística.
„„ O investigador qualitativo reflete sobre o seu papel na investigação —
o “eu” pessoal é indissociável do “eu” investigador.
„„ O investigador qualitativo, concomitantemente, recolhe dados, faz a
análise e desenvolve o processo de escrita.
„„ O investigador qualitativo é o principal instrumento de coleta de dados.
„„ O investigador qualitativo se preocupa mais com o processo do que
com os resultados.
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Na abordagem qualitativa, as técnicas de coleta de dados mais utilizadas


são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1. Técnicas de coleta de dados

Técnicas diretas ou interativas Técnicas indiretas ou não interativas

Observação participante Documentos oficiais: registros,


documentos internos, dossiês,
Entrevistas qualitativas estatutos, registros pessoais, etc.

Documentos: diários, cartas,


Histórias de vida
autobiografias, etc.

Fonte: Adaptado de Aires (2011).

Metodologia quantitativa ou qualitativa: qual utilizar?


Uma questão que se coloca é qual metodologia deve ser utilizada. Segundo
Bento (2012, p. 2):

[...] os investigadores quantitativos coletam os fatos e estudam a relação entre


eles. Já os investigadores qualitativos “estão mais interessados em compre-
ender as percepções individuais do mundo. Procuram compreensão, em vez
de análise estatística (...). Contudo, há momentos em que os investigadores
qualitativos recorrem a técnicas quantitativas, e vice-versa”, isto é, técnicas
mistas (quantitativas e qualitativas).

Posto isso, fica claro que ambas as metodologias assumem o mesmo grau de
importância. A utilização delas varia de acordo com o que queremos estudar
e a quais perguntas queremos responder.
Tanto a abordagem quantitativa como a qualitativa podem ser utilizadas de
maneira simultânea. Bento (2012, p. 3) refere que “[...] os dados qualitativos
podem também ser usados para suplementar, validar, explicar, iluminar ou
reinterpretar os dados quantitativos obtidos dos mesmos sujeitos [...]”. Ambas as
abordagens devem ser encaradas como técnicas que servirão de complemento,
e cada uma, à sua maneira, dá as suas próprias visões sobre o problema que
se pretende analisar. O Quadro 2 apresenta os possíveis tipos de investigação.
Pesquisa em psicologia educacional 11

Quadro 2. Tipos de investigação

Descritivo Correlacional Experimental

Descrever um Relacionar variáveis Procurar relações


fenômeno causais

Identificar variáveis Apreciar interação Predizer e controlar


de variáveis fenômenos

Inventariar fatos Diferenciar grupos Estabelecer leis

Fonte: Adaptado de Almeida e Freire (2003).

3 Potencialidades da pesquisa-avaliação
e da pesquisa-ação
No sistema de ensino, a prática de pesquisa ocorre em quatro dimensões:

1. como atividade formal nas instituições de nível superior que têm linhas
de pesquisas, onde os professores podem atuar como pesquisadores,
construindo conhecimento dentro dos critérios dos métodos científicos,
podendo divulgá-las por meio de publicação de artigos científicos em
periódicos ou em anais de eventos científicos e de livros;
2. como atividade educacional desenvolvida com os alunos, no exercício
do programa curricular, para que eles construam conhecimentos que
podem ou não seguir os critérios formais de cientificidade. Nesse con-
texto, deve-se trabalhar a questão do plágio;
3. como atividade de avaliação de instituições educacionais e/ou programas
educacionais;
4. como prática reflexiva e de desenvolvimento profissional — professor
como pesquisador.
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Abordaremos, agora, a pesquisa de avaliação de programa, a pesquisa-ação


e o professor como pesquisador. Segundo Santrock (2009, p. 20):

[...] a pesquisa de avaliação de programa é a pesquisa planejada para tomar


decisões sobre a eficiência de um programa particular. Normalmente, focaliza
uma localização ou tipo de programa específico. Uma vez que a pesquisa de
avaliação de programa é muitas vezes direcionada a responder uma questão
sobre uma escola ou sistema escolar específico, seus resultados não pretendem
ser generalizados a outros ambientes.

Para tomar decisões sobre a eficiência de um programa educacional, será


necessário um levantamento prévio e detalhado sobre as especificações e as
características desse programa, como:

„„ em que o programa consistia;


„„ como o programa foi desenvolvido (o que ocorreu em sala, em
laboratórios);
„„ a que o programa visava e quais resultados buscava;
„„ descrição dos dados demográficos e escolares dos estudantes;
„„ características gerais e profissionais dos professores;
„„ material utilizado durante o desenvolvimento do programa;
„„ descrição física e organizacional da instituição escolar;
„„ análise do contexto da comunidade em que o programa foi desenvolvido;
„„ o que foi efetivamente constatado a partir do programa.

Segundo Vianna (2005, p. 7-9):

[...] a avaliação de programa se preocupa em medir diferentes dimensões,


envolvendo habilidades, compreensão e capacidade de interpretar conceitos,
por exemplo, cujos resultados devem ser apresentados e interpretados nos rela-
tórios parciais e no documento final [...] tomando-se uma situação hipotética:
avaliação de um programa de Matemática ou outro de Literatura Brasileira
para o ensino médio, seria certamente necessária uma consulta significativa
para saber a opinião dos professores universitários e de professores atuantes
nos dois últimos anos do ensino básico, a fim de que seja possível estabelecer
padrões de qualidade relevantes para a programação educacional dessas duas
áreas curriculares.
Pesquisa em psicologia educacional 13

A pesquisa-ação foi incorporada ao campo da pesquisa qualitativa por


Thiollent (1985, p. 14), que a define como:

[...] uma pesquisa social que é concebida e realizada em estreita associação


com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os
pesquisadores e os participantes representativos da situação da realidade a
ser investigada estão envolvidos de modo cooperativo e participativo [...].

Esse tipo de pesquisa é muito utilizado com grupos sociais, tendo uma
abordagem e um engajamento sociopolíticos a serviço de causas populares
em vários campos de atuação social.
No Brasil, ela foi introduzida no campo da educação por João Bosco
Pinto, em 1989, sociólogo brasileiro, com o conceito de educação libertadora.
O objetivo da pesquisa-ação é estabelecer uma relação entre o conhecimento
e a ação, em que os pesquisadores e os pesquisados se envolvem na busca da
solução de um determinado problema ou do entendimento de uma determinada
realidade, aumentando o nível de conhecimento dos pesquisadores e de uma
tomada de consciência dos participantes, avançando o debate do tema que é o
objeto de estudo, ou seja, objetiva uma ação prática como resultado. O método
de realizar o estudo já é um modo de intervenção com a finalidade de agir e
ter uma solução ou transformação da realidade em estudo pela ação coletiva.
Os pesquisados, como agentes ativos na pesquisa, são os elementos que têm
o conhecimento de sua própria realidade, que vão adquirir os conhecimentos
necessários para resolver seus problemas, satisfazendo as suas próprias ne-
cessidades (BALDISSERA, 2001).
Conforme Franco (2016, p. 513):

[...] toda pesquisa-ação tem caráter formativo; no caso da pesquisa-ação


pedagógica, a formação pedagógica dos sujeitos da prática passa a ser a fina-
lidade primeira. É um trabalho participativo, colaborativo pedagógico, entre
pesquisadores e professores, na perspectiva de formação crítico-reflexiva,
que, por pressuposto, reverterá na melhoria do ensino. Cumpre ressaltar que
não se trata de transformar os professores em pesquisadores profissionais,
mas em realizar um trabalho coletivo, que gere benefícios a ambos, ou seja:
ao pesquisador, compreender a práxis docente, permitindo articular melhor
teoria educacional e prática docente; e ao professor, compreender sua prática,
sua função social e política e transformar seu olhar sobre ela para, assim,
poder reconstruí-la na perspectiva da formação dos alunos. Em ambos os
casos, vislumbro possibilidades de retificação das teorias pedagógicas postas.
14 Pesquisa em psicologia educacional

Dentro desse contexto de pesquisa, o “tornar-se um professor-pesquisador”


tem uma amplitude significativa de possibilidades de atuação. A grande ameaça
aos pesquisadores, aos professores e aos gestores da área educacional, por
conta da ausência de um canal de comunicação entre a ciência e as práticas
pedagógicas, segundo Nunes (2008, p. 97), refere-se às seguintes questões:

[...] a) a ocorrência de sentimentos de ameaça à credibilidade da educação


como profissão; b) a possibilidade de os cientistas inadvertidamente delinearem
modelos conceituais distanciados da realidade das salas de aula; e c) o risco
de os responsáveis pela formulação de políticas públicas passarem a defender
práticas educacionais que se mostram ineficazes na atualidade.

Exercitar os tipos de investigação/pesquisa que poderiam estar sendo


desenvolvidos pelos professores na sua postura de reflexão de sua prática
envolve problemas cotidianos na sala de aula, como demonstrado por Tuckman
(2000). As investigações em educação circulam ao redor das características de
aprendizagem e ensino (análise do processo ensino–aprendizagem, recursos em
sala de aula, métodos mais eficazes), dos componentes de ensino (condições
em que se realiza o ensino, as características dos alunos e dos conteúdos) e dos
resultados obtidos pelos estudantes (desempenho dos alunos). Os problemas
a serem investigados podem ser delineados conforme a seguir.

„„ Características do ensino: nessa categoria, podem ser investigados o


programa de ensino (envolve materiais, currículo, equipamento, filosofia
ou plano para a gestão do processo de ensino), os materiais de ensino
(publicação impressa [como livros], multimídia [como filmes e vídeos],
tecnologia [como computador e programação], passatempos [como jogos
e simulações], etc.), o estilo de ensino (centrado no estudante versus
aula expositiva, professores mais calorosos versus formais, filosofia
do professor e sua forma de atuação), a situação de aprendizagem (or-
ganização da sala de aula, maneiras como os estudantes se relacionam
com as fontes de ensino) e a atividade de aprendizagem (respostas dos
estudantes às atividades propostas, tempo gasto, quantidade de trabalhos
a serem realizados em casa, etc.).
„„ Componentes do ensino: nessa categoria, podem ser investigados as
características dos estudantes (aptidão, habilidade, rendimento escolar
anterior, quociente de inteligência [QI], progressão na aprendizagem,
Pesquisa em psicologia educacional 15

idade, sexo, personalidade, estilo de aprendizagem e classe social),


as características do professor (experiência de ensino, graus acadêmicos,
atitudes, crenças, percepções, concepções filosóficas, estilo de aula de
acordo com as perspectivas de outros observadores para contrastar com
a autodescrição) e os materiais de aprendizagem (conteúdos).
„„ Resultados dos estudantes: nessa categoria, podem ser incluídos
o conhecimento e a compreensão específica (medidos por testes), o
conhecimento e a compreensão geral (capacidade mental e aptidão),
o pensamento e a resolução de problemas, as atitudes e os valores, e
os comportamentos relacionados à aprendizagem (frequência, ritmo de
aprendizagem, autodisciplina, motivação, iniciativa, responsabilização
e cooperação). Os comportamentos podem ser medidos por escala ou
sistemas de codificação.

Segundo Tuckman (2000), essas três categorias podem constituir um con-


junto de variáveis a serem investigadas na sala de aula, gerando problemas
para a investigação, conforme mostrado na Figura 2.

Características Componentes Resultado


do ensino do ensino dos estudantes

Programas de Características do Conhecimento e


aprendizagem do compreensão
Materiais de ensino estudante específicos

Estilo de ensino ou Conhecimento e


estratégias Características do compreensão gerais
professor
Situação de Pensamento e
aprendizagem resolução de
Características do
material de problemas
Atividade de aprendizagem Atitudes de valores
aprendizagem
Comportamento
relacionado com a
aprendizagem

Figura 2. Determinação das variáveis para investigação na sala de aula.


Fonte: Adaptada de Tuckman (2000).
16 Pesquisa em psicologia educacional

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