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Você já ouviu falar em Plano Diretor? Não faz ideia do que se trata?

Caso não saiba


mesmo, é bom ler este artigo, já que ele pode fazer toda a diferença para o futuro da sua
cidade.

Para que ofereça qualidade de vida para todos, o ideal é que uma cidade cresça de
maneira equilibrada, com definições prévias acerca das prioridades do município e das
destinações de uso de seu território. É para esse fim que foi criada a exigência de
elaboração do Plano Diretor. Trata-se do documento-base de orientação da política de
desenvolvimento dos municípios brasileiros. O Plano Diretor está previsto na Lei
10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade. Todos os municípios com mais de 20
mil habitantes devem elaborar um Plano Diretor, o que engloba boa parte dos
municípios e população brasileiros.
O QUE O PLANO DIRETOR DEVE
CONTER?
Evidentemente, o Plano deve ser acordado entre as partes interessadas, por isso seu
conteúdo varia de município para município. Mas o Estatuto da Cidade determina que
algumas delimitações devem estar presentes em qualquer plano diretor, como:

(i)         parcelamento, edificação e utilização compulsórios  de imóvel: é muito


comum que imóveis e terrenos em zonas urbanas brasileiras fiquem desocupados
permanentemente ou na maior parte do tempo, colaborando para o déficit de habitação
do país. É por isso que o município pode estabelecer um coeficiente de habitação e a
partir dele obrigar os proprietários dos terrenos/imóveis a tomar providências para
mudar essa situação. Para isso, existem essas três possibilidades: o parcelamento, que
consiste em lotear ou desmembrar parte das terras para criar novas edificações, com ou
sem a abertura de novas ruas; a edificação, ou seja, a construção de algum imóvel em
um terreno desocupado; ou a utilização do imóvel existente (ou seja, um imóvel
desocupado deve ser ocupado).
(ii)           direito de preempção: o município pode determinar pelo plano diretor a
delimitação de zonas especiais, sobre as quais ele terá preferência para comprar nos
próximos cinco anos, caso o município venha utilizar aquela área para construir
habitação popular ou para qualquer outro fim de interesse da coletividade.
(iii)          direito de outorga onerosa do direito de construir: toda propriedade possui
uma área máxima que pode ser construída, chamada de coeficiente de aproveitamento
básico. Esse coeficiente deve ser respeitado para que as edificações não causem impacto
negativo na infraestrutura do município. A outorga onerosa é uma contrapartida
financeira para que o proprietário possa ser autorizado pelo município para construir
além daquele limite. Por exemplo, se em uma determinada área é possível construir um
prédio de apenas três andares, mas alguém quer construir um prédio de seis andares, eu
preciso pagar a outorga para ter o direito de construir o que excede o coeficiente. Os
recursos da outorga onerosa, porém, não são usados para financiar a infraestrutura.
(iv)       direito de alterar onerosamente o uso do solo: basicamente, os proprietários
de algumas áreas da cidade têm direito a alterar o uso de suas propriedades, desde que
paguem uma contrapartida. O município deve definir quais áreas serão contempladas
com esse direito.
(v)           operações urbanas consorciadas: o município também deve delimitar quais
áreas urbanas destinadas a operações consorciadas. Essas operações envolvem o poder
público, proprietários, moradores e investidores e têm o objetivo de intervir em certas
áreas da cidade, de forma a transformar a estrutura daquela área, melhorando-a nos
aspectos urbanístico, social e ambiental.
(vi)    direito de transferir o direito de construir: o plano diretor pode prever que o
proprietário de algum imóvel urbano pode exercer o direito de construir em outro lugar
quando seu imóvel for considerado necessário para alguns fins: implantação de
equipamentos urbanos e comunitários; preservação (quando o imóvel for considerado
um patrimônio histórico, por exemplo); implementação de programas de habitação de
interesse social.

Essas questões são indispensáveis em qualquer plano diretor. Mas é claro que ele pode
(e em muitos casos deve) abranger outras matérias importantes. Por exemplo: quais
áreas do município serão destinadas para preservação ambiental? Qual será o
planejamento da prefeitura para a mobilidade urbana? Como resolveremos a questão da
habitação? E o saneamento básico, como é que fica? Tudo isso pode, e deve, constar em
um plano diretor.

E QUAIS FORAM OS RESULTADOS DOS


PLANOS DIRETORES ATUAIS?

Foto: Marcelo Horn/ GERJ / Fotos Públicas (14/06/2013)


O Estatuto da Cidade foi aprovado em 2001, por isso já são mais ou menos 15 anos de
história dos planos diretores municipais. Mas em 2009, oito anos após a sua aprovação,
nem todos os municípios com mais de 20 mil habitantes haviam elaborado o Plano
Diretor (dos mais de 1600 municípios nessa situação, 200 ainda não tinham Plano
Diretor na época). Isso pode se dever à própria complexidade da tarefa, que pode
demandar uma expertise que nem todos os municípios possuem.
Já nas cidades onde um plano diretor foi discutido e aprovado, os resultados são mistos.
Segundo avaliação do Ministério das Cidades, muitos planos diretores falharam em
estabelecer como cada parte do território municipal deve ser utilizada.
Habitação: é mencionada na maior parte dos planos, mas o problema é a falta de meios
para tornar efetivas as medidas previstas. Ou seja, cresceu o discurso favorável ao
direito da moradia, mas na prática falta sua implementação. Por exemplo, mais de 80%
dos planos menciona a criação de zonas especiais de interesse social (ZEIS), mas nem
metade desses planos define a localização dessas zonas. Outro problema é que não é
comum existir uma articulação clara entre o plano de habitação do município e seu
orçamento. Como as previsões orçamentárias não são concretas, fica mais difícil
implementar o plano.
Saneamento: é outra questão que ainda não é suficientemente tratada pelos planos.
Faltam estratégias claras que o crescimento dos municípios seja acompanhado pelo
crescimento do acesso a água tratada e esgoto. Já na mobilidade urbana, os planos ainda
priorizam os meios de transporte motorizados e deixam de lado os deslocamentos a pé e
de bicicleta. O uso da bicicleta aparece mais vinculado a questões ambientais. Estas, por
sua vez, não são tratadas de forma integrada com as demais questões urbanas. É como
se existissem uma agenda verde (ambiental) e uma agenda marrom (urbana) e as duas
fossem coisas diferentes. O desafio é fazer com que os municípios encarem ambas as
agendas como parte de um mesmo processo.

O primeiro plano diretor da maior cidade do Brasil, São Paulo, foi criticado por não ter
estabelecido cronogramas e metas, o que na prática tornou-o letra morta. Isso aconteceu
mesmo com a previsão de que o prefeito pode ter seu mandato cassado por improbidade
administrativa em caso de não cumprimento do plano. O primeiro plano expirou em
2012. Apenas em 2014 foi sancionado o novo plano, com previsões para os próximos
16 anos.

O que se revela, portanto, é que falta planejamento de longo prazo para os municípios


brasileiros, e o Plano Diretor, apesar de já ter significado um avanço para a política
urbana no Brasil, ainda não conseguiu vencer o imediatismo, a especulação imobiliária
e problemas de gestão municipal. Espera-se que as lições da primeira leva de planos
diretores possam fortalecer os próximos.
E como o Plano Diretor é feito? A população pode participar? Veremos isso
melhor no próximo texto!

Fonte:

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