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LUGAR DE FALA
Marina Nogueira 1
Começar com a reflexão sobre a forma como nos relacionamos com arte e com
imagem será o caminho principal a ser trilhado neste artigo. Compreender outras formas
1 “Oyěwùmí é uma acadêmica nigeriana feminista, professora associada de sociologia na Stony Brook
University nos Estados Unidos. Ela cresceu na Nigéria, frequentou a Universidade de Ibadan e mais tarde
se mudou para os Estados Unidos para estudar em Berkeley. Oyěwùmí é uma das figuras mais famosas
do pensamento feminista africano subsaariano. Ela foi colocada no mapa com a publicação do seu The
Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses (1997), no qual ela
oferece uma crítica feminista pós-colonial ao domínio do Ocidente na produção do conhecimento
africano, focando especificamente nas relações de gênero entre as pessoas iorubás da Nigéria” (ROCHA,
2018, p. 11 apud COETZEE, 2016, p. 01).
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não-hegemônicas de diálogo e escrita sobre a Arte, com o intuito de refletir sobre as
questões que envolvem a construção da história da arte será a forma de promover a
retomada e as reparações possíveis ao pensamento produzido por culturas periféricas,
em especial, na África e na América, países que sofreram a prática incidente da
colonização. Essa é uma tentativa, portanto, de contribuir com as transformações
necessárias para o campo teórico da arte.
Para tanto, iremos assumir a pintura como recorte a ser analisado, que segundo
Felinto (2021) “ao contrário das profecias pessimistas, a pintura seguiu o seu curso
permitindo que uma diversidade enorme de artistas passassem a usá-las como meio de
expressão”, o que abriu espaço a temas até então pouco tratados, como é o caso das
temáticas étnico-raciais que passaram a ocupar lugar central na poética de alguns
artistas (FELINTO, pág,11, 2021).
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cura, emancipação e magia na qual Cruz (re)cria a figura de Anastácia sem o colar de
ferro e a máscara facial (SANTOS, 2021, p. 61-62).
Figura1:https://redesoberania.com.br/anastacia-simbolo-da-via-crucis-das-mulheres-
negras-da-escravidao-aos-dias-atuais/
Esta tradução de Yhuri Cruz me faz lembrar bastante dos
debates de bell hooks em seu livro Olhares negros: raça e
representação (1992) traduzido para o português brasileiro por
Stephanie Borges em 2019. Neste livro bell hooks incita um
novo olhar, um olhar insurgente para as artes de modo geral, nos
desloca o sentido para a confrontação de um olhar colonizado
que podemos ter ainda nos dias de hoje, fruto do que nossa
linhagem hereditária já vivenciou. É como se nós devêssemos
nos ater a todas as brechas colonialistas que sempre nos fizeram
enxergar o belo no outro e nos fizeram odiar a nós mesmas, ou
como se percebêssemos a função do olhar não somente para a
visão, mas percebêssemos, também, as epistemes visuais e os
controles que são estabelecidos sobre o direito de olhar. O
próprio artista noticiou, em sua rede social, que Anastácia Livre
fará parte de materiais didáticos de História a partir de 2020 e
pelos próximos cinco anos, isso já indica o quão revolucionária
se torna esta tradução. (SANTOS, 2021, p.64 apud CRUZ,
2020)
Se estabelecermos uma relação aqui da tradução no plano bidimensional da arte
com a tradução dos textos de filosofia africana, podemos chamar a atenção para a
proposta deste artigo e ao que Spivak (2005) em Tradução como cultura, nos alerta: a
“tradução é uma reparação” (ROCHA, 2018, p.50 apud SPIVAK, 2005, p. 45).
“Assim, afirmo que o que produz a tradução dos textos de filosofia africana é o
enfrentamento de imagens racistas e ‘a reparação que se dá ao verificar a realidade’”
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(ROCHA, 2018, p. 50 apud SPIVAK, 2005, p. 46) de invisibilidade do que se produziu
e se produz no continente africano e na diáspora.
Segundo Ribeiro (ROCHA, p. 17, 2018 apud RIBEIRO, 2017, p. 58), lugares de
fala “foram sendo moldados no seio dos movimentos sociais, muito marcadamente no
debate virtual, como forma de ferramenta política e com o intuito de se colocar contra
uma autorização discursiva”. Nesse sentido, lugar de fala se refere à visão a partir de um
local, e é um conceito muito utilizado em contraposição ao silenciamento mobilizado
pelos discursos hegemônicos. Reconhecer o lugar de fala é essencial para
compreendermos onde nossa fala se situa nas hierarquias, sendo uma localização tática
frente a uma fala universalizante da hegemonia.
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Almeida (2018) e o pensamento africano de Oyoronké Oyewúmi (2004) serão
apresentados, a fim de considerar as contribuições atuais que conceitos como
Epistemicídio, Lugar de Fala, Apropriação Cultural, Racismo Estrutural,
Interseccionalidade, Cosmopercepção são primordiais aos debates atuais para uma
transformação efetiva da sociedade brasileira marcada pelo histórico da violência
colonial e do racismo, e que a partir das políticas públicas dos governos anteriores de
esquerda puderam ser democratizados.
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2018, p 50. apud RAMOSE, 2011, p. 08). Ou seja, uma inquirição racista e
eurocentrada sobre a sua capacidade de produção de conhecimento.
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Sabe-se que são incontáveis os processos de apropriação cultural 4 e saqueamento
estético no decorrer da história do conhecimento produzido pelos povos africanos.
Modificações radicais foram promovidas ao se retirar dos seus sentidos simbólicos
originais objetos, símbolos e práticas, a partir da ideia de cosmovisão. Para a presente
análise ampliaremos o diálogo do pensamento de Oyérònke (2004) a referências
culturais africanas, além da iorubá, que podem corresponder ao pensamento da filósofa.
A crítica de Oyèronké (2004), ao sistema filosófico das culturas africanas passou a ter
novos sentidos dentro da cultura ocidental, sobretudo, quando a questão bio-lógica
passou a ser adotada como forma de definir hierarquias.
Documentos hoje conhecidos pela sociedade revelam que apesar das suas
finalidades práticas os egípcios possuíam um elevado nível de conhecimento. Dois
documentos importantes merecem destaque são o Papiro de Rhind e o Papiro de
Moscou.
4 Necropolítica é a capacidade de estabelecer parâmetros em que a submissão da vida pela morte está
legitimada. Para Mbembe, a necropolítica não se dá só por uma instrumentalização da vida, mas também
pela destruição dos corpos. Não é só deixar morrer, é fazer morrer também. A necropolítica sofistica e
aprofunda os conceitos de biopoder, do filósofo Michel Foucault, e estado de exceção, de Giorgio
Agamben. Embora robustos, eles não dão conta das formas de controle de vida e morte produzidas a
partir dos processos colonizadores.
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Figura 1: Papiro de Rhind Disponível em: http://de.academic.ru/dic.nsf/dewiki/928928. Acesso
em abril de 2016
O problema da quadratura do círculo, bem como a primeira solução dada para
este está no Papiro Rhind ou Ahmes segundo alguns autores é considerada a fonte da
matemática egípcia mais compreensiva. Segundo Garbi (2006):
(...) Ahmes merece nosso maior respeito porque, além de ter sido o
primeiro autor cujo nome a História registrou, ele é a primeira pessoa
de quem temos notícia a demonstrar encantamento com aquilo que
aprendeu em geometria (GARBI, 2006, p. 13).
A geometria egípcia teve suas origens na medição de terras. Nas fontes
históricas matemáticas da civilização egípcia há problemas relacionados à medição de
terras e a partir de uma necessidade de calcular áreas de terrenos e volumes, havia um
sentido prático para tais coisas. Vários historiadores mostram que diante dessa
necessidade de calcular capacidades, são encontrados métodos egípcios para calcular a
área do círculo.
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egípcia. O pentagrama humano de Da Vinci é considerado uma representação da
estruturação geométrica do corpo humano e, por extensão, de todo o Universo, tendo se
transformado em ícone da cultura ocidental.
5 A apropriação cultural é um mecanismo de opressão por meio do qual um grupo dominante se apodera
de uma cultura inferiorizada, esvaziando de significados suas produções, costumes, tradições e demais
elementos. É uma estratégia de dominação que visa apagar a potência de grupos histórica e
sistematicamente inferiorizados, esvaziando de significados todas as suas produções, como forma de
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justificativas para Oyěwùmí (2004) pensar a centralidade do corpo nos discursos
ocidentais. Pois “em qualquer direção que se olhe vê-se um corpo” (ROCHA, 2018,
p.46 apud OLIVEIRA, 2007, p. 111).
promover seu genocídio simbólico. Apropriação cultural e racismo são temas imbricados”. (WILLIAM,
2019, p.)
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maiores saqueamento estéticos da história da humanidade. Ainda que se propusesse a
apresentar no próprio plano do quadro as diversas perspectivas, os vários pontos de
vistas que poderiam se ver melhor nos planos e volumes, ao romper com a perspectiva
renascentista, é importante se fazer uma leitura de como etnocentrismo serviu de
apropriação cultural para a perpetuação de práticas violentas de extermínio da
identidade cultural de povos africanos, que ao serem retirados objetos dos seus lugares
de origem, perderam parte o seu significado simbólico.
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Akotirene (2018) "a interseccionalidade permite as feministas criticidade política a fim
de compreenderem a fluidez das identidades subalternas."
Desse modo, não podemos deixar de reconhecer o trabalho que vem sendo
desenvolvido em várias instâncias por artistas negras modernas e contemporâneas, que
procuram estabelecer um outro modelo de relação com a imagem de pessoas negras,
valorizando o papel social de artistas negras, enquanto espaço de poder. Nesse sentido, é
importante salientar as releituras de artistas contemporâneas como Kika Carvalho
(2020), que produzem traduções do pensamento africano em seus trabalhos, relativos à
senioridade, reconhecendo a ancestralidade de artistas da ordem de Yêdamaria, que foi
pioneira na arte moderna baiana, abrindo espaço, portanto, para outras mulheres negras
assumissem o lugar de fala em ambientes, nos quais são subalternizadas.
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Encontro com Yêdamaria, Kika Carvalho, 2021
Os afetos políticos, portanto, ao trazer o amor como transformação política, como cita
bell hooks (2021), propõe a relação das políticas de afetividade, demonstrando o seu
papel na comunidade. Os afetos políticos através da relação das produções artísticas,
que incluam artistas negras são estratégias que rompem com as imagens de controle,
como cita Patrícia Hill Collins (FELINTO, 2012, p. 13 apud COLLINS, 2019, p.135) e
possibilitam outros olhares para o corpo de mulheres negras. Sendo, portanto,
trincheiras no combate de práticas voluntárias ou involuntárias do racismo cotidiano.
É a partir dessas práticas de cuidado que podemos romper com bolhas, através de um
diálogo permanente e com ferramentas de conhecimento, que compreendam que o
racismo é um problema de todos e não apenas de pessoas negras. É nesse sentido que a
base epistêmica é necessária para potencializar a produção intelectual, que estendidas ao
campo da arte possam promover as transformações em diversas instâncias da sociedade.
Referências Bibliográficas
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OBENGA, Théophile. Egypt: Ancient History of African Philosophy. In: KWASI,
Wiredu (ed.). A Companion to African Philosophy. Massachusetts: Blackwell
Publishing, 2004, p.31-49.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. São Paulo, ed. Pólen, 2017.
ROCHA, Aline Matos da. A corporal(idade) discursiva à sombra da hierarquia e poder:
uma relação de Oyérònke e Foucault.
UDESC Apotheke e-periódico [recurso eletrônico] / Universidade do Estado de Santa
Catarina. Centro de Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. v. 3, n. 2
(2016)
Sites:
Disponível em < http://artenarede.com.br/blog/index.php/o-homem-vitruviano-e-o-
numero-phi-a-matematica-da-beleza/ > acesso em 08 de dezembro 2021
Disponível em <https://www.significados.com.br/apropriacao-cultural/> acesso em 08
de dezembro 2021
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