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Direito Processual Penal

Aulas Teóricas
23/02/2021

Aula de apresentação:

 Programa e bibliografia:

INTRODUÇÃO:
1. Os modelos de processo penal: acusatório; inquisitório e misto. Sistemas
históricos. Direito comparado.
2. A relevância constitucional do processo penal. A articulação entre as
garantias penais substantivas e as garantias processuais.
3. O direito penal e o direito processual penal.
3.1. A relação de complementaridade funcional entre o direito penal e
o processo penal. O principio da judicialidade (art.27º/2; art.29º/1 e
art.32/2 da CRP);
3.2. Pressupostos substantivos e pressupostos processuais da
responsabilidade criminal. As condições de procedibilidade.
3.3. A natureza processual dos crimes: crimes públicos, semipúblicos
e particulares.
4. Apresentação do CPP de 1987.
4.1. A estrutura essencialmente acusatória do processo penal;
4.2. Analise do Acórdão do TC nº 7/87, de 9 de janeiro de 1987
(fiscalização preventiva da constitucionalidade do CPP);
5. Alterações ao CPP ( lei nº59/98, de 25 de agosto; lei nº 48/2007, de 29 de
agosto; lei nº 26/2010, de 30 de agosto; lei nº20/2013, de 21 de fevereiro,
entre outras, a ultima das quais pela lei nº 39/2020, de 18 de agosto- versão
mais recente).

TRAMITAÇÃO:
1. Nota histórica;
2. Formas de processo;
3. Caráter subsidiário da forma de processo comum;
4. A gravidade dos crimes e as formas de processo;
5. A natureza processual dos crimes e as formas de processo;
6. As fases do processo comum:
6.1. As diligencias pré ou extra processuais;
6.1.1. A prevenção criminal;
6.1.2. As averiguações preliminares;
6.2. A aquisição da noticia do crime;
6.3. O auto de noticia;
6.4. As medidas cautelares e de policia;
6.5. O inquérito:
6.5.1. A decisão de abertura do inquérito;
6.5.2. O ato de abertura do inquérito;
6.5.3. O ambito e a finalidade do inquérito;
6.5.4. A direção do inquérito;
6.5.5. A publicidade e o segredo de justiça;
6.5.6. Os prazos do inquérito;

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6.5.7. As nulidades do inquérito;
6.5.8. A conclusão do inquérito;
6.5.9. O ambito do principio de oportunidade: o arquivamento em caso
de dispensa de pena, a suspensão provisoria do processo e o
envio para a forma de processo sumaríssimo;
6.5.10. O envio do processo para mediação.
6.6. A instrução:
6.6.1. O requerimento para abertura da instrução;
6.6.2. Da instrução em geral;
6.6.3. O encerramento da instrução;
6.6.4. A crise da instrução.
6.7. O julgamento:
6.7.1. Os atos preliminares;
6.7.2. A audiência de julgamento;
6.7.3. A sentença.
7. O processo sumário.
8. O processo abreviado.
9. O processo sumaríssimo.

SUJEITOS PROCESSUAIS:
1. A teoria dos sujeitos processuais: intervenientes no processo penal e sujeitos
processuais;
2. O tribunal.
2.1. Organização, estatuto jurídico e competência;
2.2. A competência funcional, a competência material e competência
territorial.
2.3. O tribunal de júri, o tribunal coletivo e o tribunal singular. A
distribuição da competência material. As reservas de competência
material.
2.4. A competência por conexão.
2.5. A declaração de incompetência.
2.6. Impedimentos e suspeições.
3. O MP:
3.1. O estatuto do MP e dos seus agentes.
3.2. A posição institucional do MP e dos seus agentes.
3.3. As atribuições do MP no processo.
3.4. A intervenção dos órgãos de polícia criminal.
4. O Arguido e o seu Defensor:
4.1. As garantias do suspeito;
4.2. A constituição de arguido;
4.3. Os direitos e os deveres do arguido;
4.4. O defensor.
5. O Assistente:
5.1. Os poderes do assistente;
5.2. A constituição como assistente;
5.3. O regime especifico dos crimes particulares.
6. As partes civis:
6.1. O lesado;
6.2. O pedido de indemnização civil no processo penal;
6.3. O principio de adesão.

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OBJETO DO PROCESSO:
1. O problema da identidade do objeto do processo. O objeto do processo e a
estrutura acusatória. Os princípios da identidade, da indivisibilidade e da
consumpção.
1.1. O critério da identidade do objeto do processo;
1.2. Os momentos processuais da fixação do objeto do processo;
1.3. Os critérios legais e doutrinários de fixação do objeto do processo;
1.4. A alteração de factos e a alteração da qualificação jurídica;
1.5. A alteração não substancial de factos e a alteração substancial de factos.
2. O regime da alteração substancial de factos:
2.1. Os factos novos autonomizáveis.
2.2. Os factos novos não autonomizáveis.

MEDIDAS DE COAÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL:


1. Objetivos e condições constitucionais e legais de aplicação destas medidas. As
restrições constitucionais em sede de princípio da liberdade e da presunção de
inocência;
2. As medidas de coação:
2.1. Os critérios de aplicação: condições gerais, pressupostos gerais,
requisitos específicos e critérios de escolha;
2.2. O termo de identidade e residência;
2.3. A caução de justiça;
2.4. A obrigação de apresentação periódica;
2.5. A suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos.
2.6. A proibição de permanência, de ausência e de contactos.
2.7. A obrigação de permanência da habitação;
2.8. A prisão preventiva.
3. As medidas de garantia patrimonial.
4. O regime da revogação, alteração e extinção das medidas de coação.
5. Os modos de impugnação das diversas medidas:
5.1. O recurso;
5.2. O habeas corpus;
5.3. O regime da indemnização.

PROVA:
1. As definições de prova;
1.1. O papel da prova no processo penal;
1.2. Prova, meios de prova e meios de obtenção da prova.
2. O regime dos meios de prova:
2.1. Os meios de prova típicos;
2.2. Meios de prova atípicos;
2.3. A livre apreciação e os meios de prova de valor reforçado.

PROIBIÇÕES DE PROVA:
1. Conceitos gerais.
2. As proibições de produção de prova.
2.1. Os temas de prova proibidos;
2.2. Os meios de prova proibidos;
2.3. Os métodos de prova proibidos:

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2.3.1. Os métodos contrários aos direitos de liberdade;
2.3.2. Os procedimentos violadores das formalidades.
3. As proibições de valoração de prova.
3.1. As proibições de produção cuja violação prejudica a utilização das
provas.
3.2. As proibições de produção cuja violação não tem consequências.
3.3. As proibições de valoração de prova independentes.
4. A invalidade do ato processual.
4.1. O sistema das nulidades e irregularidades processuais.
4.2. As nulidades extra sistemáticas e o seu regime sui generis.
4.3. As violações reconduzíveis ao sistema das nulidades e irregularidades
processuais.
5. O efeito à distancia das proibições de prova.
6. As garantias de defesa contra o ato invalido.
7. As consequências penais da violação das proibições de prova.

PRINCIPIOS DO PROCESSO PENAL:


1. Noções gerais. Os princípios como comandos de otimização. A necessidade de
ponderação de princípios opostos.
2. A divisão dos princípios de processo penal: princípios do inicio do
procedimento, da prossecução do procedimento, da prova e relativos à forma do
procedimento.
3. Os princípios do inicio do procedimento:
3.1. Principio da oficialidade vs principio da acusação privada.
3.2. Principio da acusação vs principio da investigação.
3.3. Principio da legalidade vs principio da oportunidade.
4. Os princípios das prossecução do procedimento:
4.1. Principio da audiência vs segredo de justiça.
4.2. Principio da celeridade e concentração vs garantias de defesa.
4.3. Principio do julgamento equitativo.
5. Os princípios da prova:
5.1. Principio da verdade material vs principio dispositivo;
5.2. Principio da livre apreciação vs princípios da prova legal;
5.3. Principio in dúbio pro reo vs distribuição do ónus da prova.
6. Os princípios relativos à forma do procedimento.
6.1. Principio da oralidade.
6.2. Principio da publicidade.

02/03/2021

A Tramitação do Processo Penal português- uma visão panorâmica

Participantes processuais:

Conjunto daquelas entidades e indivíduos que têm de alguma forma intervenção ao


longo da tramitação do processual penal. Esta classificação já está adaptada as nossas
fontes de direito. Dentro deste conceito de participantes processuais vamos distinguir
dois grandes ramos: por um lado, os sujeitos processuais e por outro lado, os meros
intervenientes da tramitação do processo penal.

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Há uma definição clássica de sujeitos processuais que não tem origem entre nós, é uma
definição que foi dada por Belling. Este definia os sujeitos processuais como aqueles
participantes processuais cujo papel é de tal maneira relevante que sem eles um
processo penal no sentido do direito vigente seria impensável. Belling estabelece uma
relação de causalidade necessária entre os Sujeitos processuais e o próprio processo,
como se os sujeitos fossem causa do processo naquele sentido em que se os tirássemos,
nem que fosse um só deles, deixaria de haver processo. De acordo com esta ideia de
causalidade necessária havia, segundo Belling três sujeitos processuais: 1) o garante da
ordem jurídica (o juiz); 2) o autor- MP; 3) o réu. Tirando estes três, todos os outros
participantes processuais seriam meros intervenientes. Esta definição de Belling só fazia
sentido num determinado processo penal num determinado modelo de estrutura que
dizemos acusatória, havendo nestes casos uma separação necessária das entidades que
julgam e as entidades que acusam para garantir a imparcialidade do julgamento e
finalmente o réu entre nós designamos como arguido. Estes três sujeitos processuais da
definição original de Belling, são os únicos na OJ processual penal portuguesa.

O PROF Figueiredo Dias define de maneira diferente e mais significativa dos sujeitos
processuais do que a definição clássica de Belling, como aqueles participantes a quem
pertencem direitos, que surgem sobre a forma de poderes deveres ou oficiais de direito
pulico, autónomos da conformação concreta de tramitação do processo como um todo
em vista da sua decisão final. não tem atos avulsos durante o processo, podem
determinar a tramitação do processo como um todo através das suas intervenções. Então
é por isso mesmo que no processo penal português FD entende que não há apenas os
três sujeitos clássicos (tribunal, MP e arguido), mas há ainda mais dois sujeitos
processuais: o defensor e o assistente. O defensor do arguido, o seu mandatário judicial
não é apenas a boca que diz as palavras do arguido, ele tem, em função das suas
competências de defesa, autonomia para intervir no processo como todo e as vezes
contra a vontade do seu constituinte, além de que em certos contextos como é o caso do
julgamento da ausência, é o defensor que esta fundamentalmente na liderança da defesa
e independentemente de qualquer contacto com o arguido até porque pode ser um
defensor oficioso numa situação desse género e outras. O assistente é uma figura muito
singular do processo penal português e não o podemos confundir com o ofendido
porque aquele é alguém que assume um estatuto formal de sujeito processual no
processo penal e tem que requerer a sua constituição como assistente e tem poderes de
conformação do processo como um todo e pode solicitar diligencias durante o inquérito,
requerer a abertura da instrução para juntar factos que constituam uma alteração
substancial ao processo, pode recorrer autonomamente etc.. e portanto merece este
estatuto de sujeito processual.

O regente aproveita para acrescentar outro sujeito processual que é a vítima, porque o
CPP, depois do aditamento da lei nº130/2015, de 4 de setembro criou um dispositivo o
art.67ºA e que foi a forma como o estado português implementou a transposição da
diretiva 2012/29/EU do PE e do conselho de 25 de outubro de 2002 e que estabelece
normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e a proteção das vitimas da
criminalidade em substituição da decisão quadro de 2001. É duvidosa a necessidade de
transposição desta forma da diretiva criando uma figura cujo papel e estatuto no
processo penal não é inteiramente claro. Não se percebe se os direitos de participação
ativa no processo penal previstos no código são aqueles que pertencem ao assistente ou
que pertenciam ao ofendido não constituído como assistente. Nº5 do 67ºA- uma

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definição muito vaga do que poderia caber a vitima. Havendo hipótese que não haveria
necessidade da criação desta figura no CPP, porque do ponto de vista material as
exigências da transposição da diretiva da vitima já tinham acolhimento até por excesso
na legislação em vigor, mas o legislador jogou pelo seguro, criou a figura para não
haver importações da falta de transposição, mas secalhar não o fez de forma impecável
por isso fica aqui a vitima com este estatuto de eventual sujeito processual, mas é
assunto que carece de esclarecimento.

Temos os meros intervenientes da tramitação do processo penal, e aqui temos que


separar este ramo em dois subramos:

 o dos intervenientes no processo penal: são vários nas suas diversas fases e
com vários papéis mas caracteristicamente avulsos que podem ser por exemplo
os peritos que no sistema europeu continental são peritos imparciais nomeados
pelo tribunal; os peritos não são de parte. Intervém no processo a media em que
sejam nomeados pelo tribunal quer seja para realizarem relatórios ou periciais
policiais, quer para prestarem esclarecimentos que assim for necessário em fase
de julgamento sobre o conteudo dos relatórios periciais que elaboraram.
Também há as testemunhas, estas que diferentemente no nosso sistema das
testemunhas do sistema anglo saxónico porque já testemunhas de facto e
testemunhas peritos neste último sistema, mas nos temos só testemunhas de
facto que depõem sobre aquilo que presenciaram pelos sentidos e desse ponto de
vista tem que ter conhecimento dos factos direto para que possam testemunhar
na primeira pessoa e englobam eventualmente o próprio ofendido se não se
constituir como assistente no processo. Pode ser chamado, pode ser arrolado
para prestar depoimento como testemunho. Também consultores técnicos
também é possível. São figuras que se caracterizam por ter uma intervenção
avulsa, sem poder conformar o processo como um todos. Depois temos os OPC
(órgão de policia criminal) que tem uma definição no art.1º do CPP. Estes são
auxiliares das autoridades judiciarias, que pode ser o MP o juiz de instrução ou
juiz de julgamento na realização das diligencias que forem necessárias para o
apuramento da verdade e a realização da justiça, para recolha de provas e a
questões das provas e o desenvolvimento da investigação. Quem tem este
estatuto de órgão policia criminal? São varias entidades, alguns têm um estatuto
de caráter geral como é o caso da policia judiciaria, a policia de segurança
publica, da guarda nacional republicana nas suas esferas de competência que são
definidas elas respetivas leis orgânicas em conjugação com o CPP, mas também
podem ser órgãos de policia criminal com competências mais delimitadas como
é o serviço de estrangeiros e fronteiras ou a agencia de segurança alimentar
económica (ASAE). Na lei portuguesa tem autonomia, tem a sua própria
autonomia e respondem a diretivas das autoridades judiciárias mas decidem
quando da realização das diligencias que tenham sido requeridas no ambito da
autonomia técnica e tática.

 As partes civis: hoje em dia é indiscutível a natureza cível do pedido de


indemnização q eu corre por regra junto com o processo penal. Pode envolver
as chamadas partes civis, são as partes na ação cível que são o demandante (o
que se considera lesado) e o demandado (aquele que é apontado como lesante).
Ambos são meros intervenientes no processo penal como partes civis e temos

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que ter o cuidado de não pensar que o demandante é sempre o ofendido, não é
assim, pode ser qualquer pessoa que tenha sofrido danos a conta do crime.

A Tramitação

As Formas de processo:

O CPP é um código bastante amigável para o interprete, designadamente na matéria das


formas de processo. O atual CPP é muito conciso nas formas de processo e tem uma
forma comum e três formas especiais.

Notícia Inquérito Julgamento


do crime Acusação (art.311º CPP)
(art.241º CPP) (art.262º CPP)

Instrução
Pronúncia
(art.286º CPP)

Quanto às fases do processo comum (é o mais solene e é de aplicação subsidiária). O


processo comum começa com:

 Notícia do crime (fase de inquérito) : que, em principio, por causa do principio


da legalidade, deve dar lugar à instauração de um inquérito para descobrir se
houve crime e quem foi que o cometeu e se chegar a esse desfecho que seja
deduzida contra essa pessoa uma acusação. Se houver acusação passamos para
uma fase de julgamento. Como estamos num processo de estrutura acusatória
tem de haver uma separação clara entre a investigação do crime e da autoria,
indícios de autoria e de materialidade que devem ser recolhidas para saber quem
deve ser acusado e diante de uma acusação pode passar-se logo para o
julgamento, que é presidido por uma entidade diferente, totalmente imparcial
que é o tribunal do juiz de julgamento, mas pode interpor-se aqui uma fase
facultativa- fase de instrução (pronúncia).

 Fase de instrução: quando se interpõe esta fase de instrução, ela pode terminar
com um despacho de pronuncia ou de não pronuncia. Se terminar com o
despacho de pronuncia, segue o facto em principio para julgamento, salvo
aqueles casos que possa ocorrer recurso. Estas três fases: inquérito, instrução e
julgamento, são fases que são dirigidas por entidades diferentes. O titular do
inquérito é o MP; o titular da instrução é o juiz de instrução; o titular do
julgamento é o juiz de julgamento. O juiz de instrução tem competências de juiz
de garantias, interfere na fase de inquérito para salvaguardar as liberdade e
garantias e fundamentais das pessoas envolvidas no processo, mas para além
disto decide em questões de medidas de coação, designadamente restringir a
liberdade com a prisão preventiva que são decretadas por ele, ou para autorizar
medidas de obtenção de prova especialmente lesivas, seja porque são métodos

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ocultos, ou evasivas da privacidade (ex.: escutas telefónicas). Na fase de
instrução, também é juiz da instrução enquanto fase do processo.

 A noticia do crime pode ser adquirida pelos órgãos de policia criminal no


exercício da sua atividade ou na sua vida comum ou por pessoas que sendo
particulares ou não tenham conhecimento direto dos factos. Em regra, os
particulares que conheçam factos não têm nenhum dever de denuncia. Este dever
apende-se sobre pessoas com estatuto especial, designadamente funcionários
relativamente ao exercício das suas funções ou por causa delas. São estas
pessoas que dão conhecimento ao MP, ou a OPC comunica todos os factos do
exercício das suas funções e não só. As pessoas comuns podem denunciar,
embora não tenham esse dever. Adquirida a noticia do crime, então o MP deve
instaurar o respetivo inquérito que ele próprio dirige. “deve instaurar” não quer
dizer que corresponda a uma instauração de um processo penal, isto não é
automático, tem que se ver o conteudo da denuncia, ver se contem ou não noticia
de um crime. Qualquer denuncia deve ficar registada. Como o MP dirige o
inquérito? Pode faze-lo diretamente, realizando diligencias mas o normal é que
seja assistido pelos órgãos de policia criminal cuja competências são definidas
pela própria lei e nesse caso pode delegar a competência para a realização do
inquérito ou de atos de inquérito genericamente ou de caso concreto nos órgãos
de policia criminal. O que significa que os autos do inquérito até podem ficar
durante toda a investigação na posse do OPC, competência fim do inquérito e
sendo de concluir pela autoria e pela materialidade elaboraram um relatório
final, eventualmente com conclusão favorável a um despacho de acusação do
MP e durante a realização das diligencias também nada impede a que o MP vá
ao terreno ou que oficie a que os atos do inquérito serem passados para que ele
próprio tenha um contacto direto com o desenvolvimento do inquérito.

 Terminado o inquérito, com uma acusação nada impede que os autor prossigam
para a realização de um julgamento. No sistema do processo penal europeu
continental (faz parte o nosso sistema) há aqui um aspeto que é muito
característico e que não existe nos processos penais no modelo anglo saxónicos,
que é uma tradição de passagem dos autor da investigação para o tribunal, ou
seja, o tribunal recebe os autos do processo e tem acesso as informações que
constam desses autos e ao conteudo dos autos do inquérito. Vamos imaginar que
o processo prosseguiu para a fase de julgamento e este pode ser um tribunal
singular (juiz monocrático), um tribunal coletivo (composto por três juízes) ou
um tribunal de júri à portuguesa (tem uma composição mista com três juízes
togados e depois tem 4 jurados populares e 4 jurados populares suplentes- todos
decidem sobre matéria de facto e de direito). Podemos ter esta fase de instrução
facultativa, mas tem que ser requerida, não ocorre necessariamente e é dirigida
pelo juiz de instrução que ele próprio pode ter assistência dos OPC.

Há quem diga que o processo comum se caracteriza por ter três fases (inquérito,
instrução e julgamento): uma delas é facultativa que é a instrução. Alguns autores
costumam dizer que não são três, mas sim são cinco- devíamos considerar a noticia da
infração como uma fase e devíamos considerar os recursos (estes também são
facultativos). Isto é uma questão meramente classificatória.

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Como se adquire a noticia do crime- os próprios OPC podem adquiri-la e devem
comunica-la ao MP. Ainda antes de tudo o mais e de haver a instauração de um
processo penal, os OPC têm já competência para a realização de certas medidas:
cautelares e de policia, p.ex.: de identificação de pessoas, de aquisição e custodia de
meios de prova. ainda antes que haja inquérito já há uma atuação relevante e devem
desde logo guardar tudo isso sobre um número de identificação de processo crime
(NIPC) e que se mantém até ao final do processo. A noticia crime também pode ser
adquirida por denúncia facultativa ou por denúncia obrigatória. a denuncia distingue-se
da queixa em razão da natureza processual de certos crimes.

Do ponto de vista da natureza processual, o sistema português distingue os crimes


públicos, os crimes semipúblicos e os crimes particulares. Existe esta tripartição. O
relevo dessa distinção e apenas esse tem a ver com estabelecer-se ou não determinado
tipo de condições de procedibilidade para que possa haver investigação e acusação pelos
factos.

 Nos crimes públicos, basta a aquisição da noticia do crime pelo MP para a


instauração do inquérito e a denuncia facultativa e obrigatória não é mais do que
um ato de ciência, alguém comunica aquilo a que teve acesso através dos
sentidos, a queixa. O que é necessário como condição de possibilidade nos
crimes semipúblicos e nos crimes particulares não é um mero ato de ciência, é já
uma declaração de vontade, alguém que diz que “sei que isto aconteceu e quero
que isto seja perseguido criminalmente”. Queixa ou participação (ato da mesma
natureza por parte de uma entidade publica).
 Nos crimes semipúblicos, dependendo de queixa sendo apresentada queixa pelo
titular desse direito de queixa, de resto a tramitação é comparável a dos crimes
públicos.
 Nos crimes particulares, que são raríssimos, no CP vamos encontrar crimes
contra a honra ou o furto em determinados contextos. A natureza processual
particular do crime é mais exigente quanto as condições de procedibilidade
porque exige não apenas esta declaração de vontade, mas também no momento
da queixa também a declaração de que o titular do direito de queixa se quer
constituir como assistente no processo, sendo necessário ainda a sua constituição
efetiva como assistente e no caso em que isso aconteça ele ainda é titular do
direito de proferir a acusação principal do crime, invertendo-se a posição do MP.
Nestes crimes, o MP tem de comunicar ao assistente o resultado da investigação
que vez para que ele querendo deduza a acusação principal.

INQUÉRITO:

Após a instauração do inquérito, pelo MP tem que haver um despacho do MP, ele pode
desenvolver-se de varias formas tendentes a várias hipóteses de finalização. Nós
pensaríamos que o inquérito termina com uma de duas decisões: ou o processo é
arquivado ou o suspeito é constituído arguido e ai havendo indícios suficientes da
autoria e materialidade seria deduzida pelo MP a acusação contra ele e então seria uma

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duvida entre o arquivamento e a acusação. Não é tão simples assim porque se for para
arquivar porque, apesar de todas as diligencias feitas, não se conseguiu chegar a
conclusão de que houve crime ou de quem foi o seu agente, não é preciso chegar a
conclusão da inocência dos visados- principio da presunção da inocência- é quanto basta
para que havendo uma duvida sobre a autoria ou materialidade e não havendo mais
forma de esclarecer o ponto porque percorreu todas as diligencias razoáveis de
investigação foram feitas, o MP deve arquivar o inquérito ou comunicar ao particular
que a investigação está terminada e até com a indicação do seu ponto de vista que não
deve haver acusação (art.285º do CP).

Imaginemos que o MP até durante o inquérito reuniu os tais indícios de autoria e de


materialidade, diríamos que então devia acusar mas não, antes de acusar tem de ver se
deve ou não dar prevalência a algumas instruções de oportunidade como sejam a
suspensão provisória do processo (281º), que é uma medida dita diversão processual.
Deve ser interpretada no sentido de que o processo diverge na sua tramitação normal eu
seria a remessa para julgamento e diverge para evitar fundamentalmente o efeito
criminoso do julgamento. Suspensão provisoria máximo 2 anos, em que o arguido
cumpra essas injunções ou regras de conduta, algumas pode ser de execução instantânea
outras podem ser de execução prolongada no tempo. Apos esse cumprimento, há um
arquivamento definitivo.

Também há um instituto que é o arquivamento em caso de dispensa de pena, que


também tem uma lógica de inversão processual naqueles tipos de criminalidade que o
código prevê que a decisão final poderia ser de dispensa de pena, que é uma condenação
embora não havendo qualquer pena a cumprir, e que é registada no registo criminal do
arguido. Pode naqueles casos em que o julgamento poderia terminar numa dispensa de
pena, arquivar em fase de inquérito ou até de instrução no processo, mas também deve
preferir sobre a acusação. Também o envio da acusação para processo sumaríssimo, se
um processo em fase de inquérito for remetido para essa forma é um análogo de
medidas de diversão processual.

Está ainda uma figura que é a mediação penal de adultos. Obedece a uma ideia
autónoma. Esta escapa a aplicação jurisdicional do processo penal, procura o reencontro
entre o ofensor e a vitima fora das instâncias formais de controlo diante de um mediador
penal de forma a permitir uma renormalização entre o contacto entre o ofensor e a
vitima, serando uma ferida aberta entre ambos e eventualmente no plano comunitário
em que ambos estão inseridos desde que ele concorde em determinadas medidas porque
tem que respeitar o principio da dignidade humana e que seja restaurada a justiça sendo
essa decisão depois chancelada pelo MP e pondo termo ao inquérito e por isso nestas
formas de desenvolvimento e conclusão do inquérito deve ir no nosso esquema.

FIM DO INQUÉRITO:

 Arquivamento;
 Acusação (MP- 283º);
 Acusação pelo particular (285º).

Pode terminar pelas formas de diversão processual, e envio pela mediação penal, mas se
não for num desses casos, o inquérito pode terminar com uma acusação do MP ou com

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o arquivamento ordenado dos atos pelo MP. Eu vou colocar uma reserva quanto a
possibilidade de arquivamento do MP relativamente aos crimes particulares porque aí o
MP não pode simplesmente arquivar, tem sempre que notificar o particular constituinte
como assistente para que ele deduza a acusação portanto aqui o MP só pode arquivar se
o particular não tiver constituído como assistente no prazo estabelecido pela lei ou se o
particular, constituindo-se como assistentes, não deduzirá a acusação particular. Esta
nota de reserva do art.285º é complementada com a acusação particular.

Nos casos da acusação principal do MP, o assistente em crimes públicos e semipúblicos


também pode acusar a lado do MP- chamamos a isso de acusação do assistente que é
uma acusação subordinada. No caso dos crimes particulares (285º) a acusação do
particular é a acusação principal e o MP pode não seguir essa acusação, mas se não
seguir, ainda assim o processo prossegue- pode prosseguir para julgamento mas também
pode haver requerimento para abertura da instrução. A instrução é uma fase facultativa,
dirigida pelo juiz de instrução e que visa a comprovação judicial da decisão de acusação
ou de arquivamento. Quem pode requerer a abertura de instrução? Havendo
arquivamento, o assistentes dos crimes públicos e semipúblicos pode requerer a abertura
da instrução. Mm que haja acusação do MP nos crimes públicos e nos crimes
semipúblicos, o assistente poderá querer requerer a abertura da instrução porque pode
ser a única forma de acrescentar factos que constituem uma alteração substancial
daqueles que constam da acusação e aí não pode fazer uma mera acusação subordinada.
Havendo acusação do MP, o arguido pode requerer a abertura da instrução para atacar a
acusação e exigir um controlo judicial desse despacho através do juiz de instrução. No
caso concreto, relevante a decisão de requerer ou não a abertura da instrução, deve ser
uma decisão técnica porque o facto de essa fase se apresentar como uma possibilidade
para o arguido não quer dizer que seja sinal de uma boa estratégia processual. Temos
aqueles casos em que a acusação principal é a acusação do particular do 285º em que aí
pode o arguido atacá-la através de um requerimento de abertura de instrução.

JULGAMENTO:

Havendo ou não a instrução, temos a fase do julgamento. Este subdivide-se em vários


momentos:
 fase de atos preliminares (311º e ss);
 fase da audiência de discussão e julgamento;
 sentença.

RECURSOS:

Entramos na fase dos recursos. O nosso CPP em matéria de recurso distingue:

 os recursos ordinários- recursos de decisão ainda não transitada em julgado;


 os recursos extraordinários- recursos de decisões já transitadas em julgado.

09/03/2021

11
APRESENTAÇÃO DO CPP:

Introdução:

O CPP foi aprovado pelo DL nº 78/87 de 17 de Fevereiro, substituindo o CPP de 1929 e


a massa de diplomas que o foram complementando ao longo dos anos, designadamente
o DL 35.007, de 13 de outubro de 1945. O DL 35.007, em grande medida foi da autoria
de Manuel Cavaleiro de Ferreira e logo no inícios das suas funções como ministro
introduziu esta importante reforma em 1945 no CPP de 1929 que seria marcante para a
evolução futura do processo penal.

No CPP de 1929 a instrução era da competência de um Juiz, cabendo ao MP apenas


promover as diligências concretas de instrução (art.159º). Instrução aqui não é no
sentido restrito, mas no sentido amplo de uma atividade instrutória, a
inquirição/investigação da autoria ou da materialidade de um crime noticiado e estava
completamente judicializada.

O que veio fazer o DL 35.007 foi introduzir profundas alterações na instrução separando
uma fase de instrução preparatória, que era da competência do MP, ou passou a ser
da competência do MP, e uma fase de instrução contraditória, que era da competência
de um juiz, como já antes era toda a instrução . A fase de instrução preparatória tinha
em vista a descoberta dos indícios da existência de um crime e do seu agente. A fase de
instrução contraditória, que se tornou obrigatória nos processos de querela
(criminalidade mais grave), sendo da competência de um juiz devia ser requerida pelo
MP no mesmo ato em que deduzia o despacho de acusação.

Esta reforma teve defensores, mas também teve vozes críticas ao longo dos anos e até
ao 25 de abril de 1074, vozes críticas sobretudo de Advogados como ABRANTES
FERRÃO e SALGADO ZENHA, este último apontava na origem desta reforma uma
ideia condenável, do seu ponto de vista, de administrativação da instrução preparatória.
Mas de onde vem este conceito de administrativação? No fundo prende-se com o
estatuto, que tinha então o MP, em que era no fundo parte ou uma extensão do poder
executivo, perdendo com isso grande parte da sua independência e tornando-se sujeito a
orientações de caracter político, sobretudo, do Ministro da Justiça e portanto
SALGADO ZENHA não via com bons olhos esta administrativação do processo penal
português, não obstante ela tivesse introduzido elementos de acusatoriedade no processo
penal português ao separar o controlo da investigação nesta 1 fase da intervenção
sucessiva já de um mestrado judicial.

O pós 25 de Abril:

Com o 25 de abril e com a implementação da democracia, o programa do Movimento


das Forças Armadas incluía aspetos relevantes para o processo penal: não é de estranhar

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que um Movimento com estas características revolucionárias dedicasse atenção ao
processo penal, dado o processo penal ser um barómetro do Estado de Direito e a
política criminal é uma das dimensões da política geral, portanto não poderia deixar o
programa do MFA de cuidar deste aspeto que depois teve imediata tradução legislativa,
logo em 75 com o DL nº605/75, de 3 de novembro, que criou o inquérito policial para
crimes puníveis com pena correcional (conceito que já não existe na nossa lei
processual penal e penal). Para entender este DL nº605/75 com esta designação da pena
criminal como sendo o seu objeto entende-se que o inquérito policial se aplicava aos
crimes menos graves.

Constituição de 1976:

Entretanto a  CRP de 1976, em matéria de direitos liberdades e garantias, dispõe no


art.32º/4 CRP que toda a instrução é da competência de um juiz. Instrução aqui em que
sentido? Em sentido material, atividade instrutória, de investigação do crime, atividade
de investigação da autoria e da materialidade do crime denunciado ou noticiado. A
pergunta é Será que o legislador constituinte quis voltar ao sistema do CPP 1929,
dado que este atribuía toda a instrução à competência de um juiz? O código da
ditadura atribuía antes do DL 35/1007, e da profunda revisão que nele foi introduzida,
toda a instrução a competência de um juiz, era isso que pretendia a constituição? No
fundo, afastar o essencial da reforma do cavaleiro de ferreira e regressar a uma ideia
próxima do código de 29? Bom, pelo menos teve um efeito instantâneo ou quase, na
medida em que o DL 377/77, de 6 de setembro substitui o inquérito policial pelo
inquérito preliminar- aqui é quase uma operação cosmética, desapareceu o policial
porque o legislador temia a que o policial pudesse estar em confronto direto com o
disposto no art.32º/4 CRP onde diz que não há atividade instrutória de qualquer espécie
que não esteja judicializada. O inquérito preliminar, preliminar aqui significa algo como
uma fase antecedente ao processo penal de carater administrativo. Naturalmente, houve
quem defendesse a inconstitucionalidade não só do inquérito policial, mas também do
inquérito preliminar que lhe sucedeu.

CPP 1987:

Pôs-se logo a questão, em abstrato, da sua eventual desconformidade com o art.32º/4 da


CRP, na medida em que o novo código de processo penal atribuía o domínio da fase de
inquérito, na forma de processo comum, ao MP, e com isto parecia reavivar os vínculos
com o sistema do DL nº 35.007, e portanto a pergunta é: Se o novo CPP de 1987
queria voltar ao regime pré-constitucional (pensando no DL 35/007)? No fundo
saber se há alguma explicação para isso. Tudo tem a ver com o estatuto do MP

13
porque antes o MP tinha um estatuto que o vinculava ao poder executivo, na medida em
que a nomeação para os cargos superiores do MP era controlada pelo regime politico do
estado novo e o MP não era uma magistratura.

Estatuto do MP:

Após o 25 de 1974, mitigou-se a capacidade de interferência por parte do poder politico,


de tal forma que a revisão do Estatuto do MP eliminou os poderes interventivos e
diretivos do Ministério da Justiça, que ainda persistiam do regime anterior, mantendo-
se apenas o poder de emitir instruções em ações cíveis em que o Estado é defendido
pelo MP. Portanto, agora o MP está desenhado no respetivo estatuto como uma
magistratura com garantias de dependência para o exercício da sua função de sobretudo
da ação penal. Mas o problema pôs- se e foi requerida o PR de então a avaliação
preventiva do processo penal de 1987, de onde resultaria o AC do TC nº7/87.

Acórdão do TC nº 7/87:

Eram quatro as questões que constavam do requerimento do PR diante da avaliação


preventiva da inconstitucionalidade:

1) A atribuição do domino do inquérito ao MP era conforme ou não ao art.32º/4 da


CRP?;
2) O caracter facultativo da instrução (atual 286º/2) era ou não compatível com o
art.32º/4 da CRP?;
3) A competência dos OPC para realizar diligencias e investigações durante o
inquérito (270º/1) é o mesmo em função do artigo 32º/4 da CRP?;
4) A suspensão provisória do processo (instituto de diversão processual) na medida
em que estava prevista que fosse decidida pelo MP, obtido o acordo do arguido e
do assistente mas não suponha a intervenção de um juiz de instrução, não estava
jurisdicionalizada e a questão é em que medida é que a não intervenção de um
juiz de instrução violava a exigência que consta no art.32º/4.

Será que isto está em conformidade com o art.32º/4 CRP?

Problema: A CRP diz que toda a instrução é da competência de um juiz ao passo que o
CPP diz que o inquérito é da competência do MP.

O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL entendeu e bem, a ver do regente, ir ao fundo da


questão e tentar perceber porque razão a constituição exige que toda a instrução seja da
competência de um juiz e não fazer uma leitura meramente declarativa do texto da
constituição; e chegou a conclusão que a intervenção de um juiz justifica-se para

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salvaguardar a liberdade e a segurança dos cidadãos no decurso do
processo, designadamente no inquérito (fase de processo que pode assumir especial
dramatismo em especial para suspeito ou arguido porque pode implica diligencias de
varia natureza), bem como para garantir que a obtenção prova durante as investigações
se faça com respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos. O TC entendeu que a
atribuição do inquérito ao MP não seria inconstitucional, porque o MP na arquitetura
do CPP de 1987, embora seja dominus do inquérito, não pode realizar diligências das
naturezas atrás referidas sem que as promova, primeiro, junto de um juiz de instrução,
que tem competência para as autorizar e as vezes para as presidir enquanto diligencias,
dependendo dos casos.

Outros argumentos do TC:

 Argumento de interpretação sistemática, segundo o qual não se poderia olhar


apenas para o art.34º CRP, tendo este que ser conjugado com o art.219º/1 CRP,
onde se diz que cabe ao MP exercer a ação penal, o que para o TC só poderia
significar que tem de ser o MP a dirigir a investigação, algo que para o
REGENTE é discutível.

 Apesar de a direção do inquérito estar cometida ao MP, o TC destacou que os


atos que contendem com a esfera de direitos, liberdades e garantia dos cidadãos
são da competência exclusiva do Juiz de instrução, na própria fase do inquérito;

 O arguido pode sempre requerer a abertura da instrução quando houver


acusação, garantindo assim um controlo jurisdicional da decisão de acusação do
MP nos crimes públicos e semipúblicos e da própria acusação particular nos
crimes particulares. Portanto, mesmo naqueles aspetos do inquérito que não
tenha havido intervenção do juiz, todo o inquérito no seu conjunto está
suscetível a um controlo jurisdicional desde que tenha terminado por uma
acusação.

Conclusão do TC:

O TC não considerou a inconstitucionalidade do caráter facultativo da instrução porque


pode ser sempre requerida pelo arguido, nem a delegação de competência do MP nos
OPC, porque o MP com isso não perde o domínio do inquérito e continua sempre a
ordenar as diligencias, mas o TC considerou inconstitucional que a suspensão provisória
do processo fosse apenas decidida pelo MP, por isso é que hoje em dia no art.281º
temos uma SPP que tem que ser decidida pelo juiz de instrução, embora seja
promovida pelo MP tendo pelo efeito obtido o acordo do arguido e do assistente.

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Votos Dissidentes:

Alguns conselheiros lavraram votos de vencido e VITAL MOREIRA acusou o


legislador do CPP de 1987 de regressar à pré-constitucionalidade, de regressar ao
sistema do DL 35/007, através de uma habilidade grosseira, tendo operado uma
autentica burla de etiquetas. Essa burla seria a seguinte: a constituição diz que toda a
instrução é da competência de um juiz ou está instrução o legislador ordinário pôs
inquérito e não sendo a mesma palavra subtraiu o inquérito a competência do juiz, mas
materialmente a ter uma atividade instrutória. Esta critica com base nas designações não
era justa a ver do regente porque a palavra inquérito não foi inventada para o código de
1987, já antes havia o inquérito policial e depois o preliminar e portanto no omento em
que a CRP foi elaborada o legislador tinha conhecimento dessa diferença e não se traçou
apenas de uma criação de uma figura para efeitos de evasão do CPP ao regime do
art.32º/4 da CRP, mas esta era a menor das criticas, sendo a maior delas a questão do
regresso à pré-constitucionalidade.

Figueiredo Dias: opinião (regente segue a opinião de FD)

Este dispõe que: não se trata de saber se o domínio do inquérito pelo MP contraria o
preceito constitucional, mas sim se vai contra a estrutura do sistema de garantias que a
CRP concede aos cidadãos em matéria de processo penal. Aproximasse do argumento
utilizado pelo TC no acórdão.

FIGUEIREDO DIAS lembrava que o sistema processual penal na CRP é de matriz


acusatória, o que significa que, há uma separação de funções entre quem investiga e
acusa, de um lado, e de quem julga, do outro. Ademais, do ponto de vista da estrutura
acusatória do processo é necessário atribuir inquérito à competência de uma entidade
totalmente autónoma.

Em suma, o CPP de 1987 defende o arguido das intrusões abusivas na esfera dos seus
direitos, liberdades e garantias e de mais a mais, o sistema do CPP de 1987 respeita a
estrutura acusatória e é, por isso, conforme à CRP.

As Revisões do CPP:

A nossa lei passou por varias revisões, mas podemos dizer que este continuo de revisões
a que foi sujeito o CPP não o transfigurou e são em grande medida aperfeiçoamentos
necessários:

 43º versão: a mais recente Lei nº39/2020 de 18/08.

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 A Revisão de 1998;
 A Revisão de 2007 (recorreu a uma comissão de consultores representando-se
nela rodos os setores relevantes para a aplicação das leis penais desde as
magistraturas as políticas criminais e tbm com representação de académicos e
esta revisão seria depois monitorizada pelo observatório da justiça durante 3
anos com emissão de relatórios semestrais que iam acompanhado a aplicação da
nova lei processo penal que resultou depois um documento final e depois um
relatório de síntese de aperfeiçoamento. Incorporou muitos aspetos que
resultavam dos tais instrumentos internacionais vinculativos e todo o capital de
conhecimentos resultante da aplicação pratica do CPP de 1987. Procurou
introduzir mais eficiência e eficácia das leis processuais penais, não descurou o
papel das vitimas e reforçou as garantias de defesa.
 As Alterações de 2010;
 As Alterações de 2013- teve o sentido contrario as alterações anteriores, mas é
este o código de 1987. O código em vigor é uma boa lei; na altura em que ele foi
aprovado vários académicos louvaram o espirito do CPP de 1987.

MODELOS DE PROCESSO PENAL:

O art.32º/5 da CRP diz que o processo criminal tem estrutura acusatória. O que quer
dizer estrutura acusatória? há um subtexto fortíssimo desta afirmação. Há uma maneira
romano germânica de explicar esta expressão. Ao longo da história surgiram diferentes
sistemas de processo penal e é usual ordena-los em função de duas situações
antagónicas.

Estrutura Acusatória:

Tem origens remotas, divergindo os autores sobre as origens, uns remetem-nas para o
Direito Grego, outros para o Direito Romano (510 a 27 anos AC), outros para a Magna
da Carta (1215) como marco importante desta estrutura acusatória. Importa reter o
programa reformador dos Iluministas dos sec. XVII e XVIII. Se quisermos caracterizar
em breves pinceladas esta tradição, diremos que o essencial é a separação entre a
entidade que acusa e a entidade que julga e essa separação garante e visa a
imparcialidade da entidade que acusa e a imparcialidade da entidade que julga, o
julgador.

Estrutura Inquisitória:

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Alguns autores remetem-na para o baixo império romano, continuando no processo
inquisitório canónico da Idade Média, acabando por se transformar num processo
inquisitório laico, ao ser transplantado paulatinamente para o direito comum europeu a
partir do sec. XII. No Direito Canónico no sec. XIII, o processo inquisitório stricto
sensu foi implementado durante o pontificado de Bonifácio III, através de várias
decretais (uma dela de 1199), tendo sido a própria inquisição criada após o Concílio de
Latrão. Estes pormenores servem apenas para alertar que não se deve equiparar o
processo inquisitório ao santo ofício da inquisição (até porque só passaria como tribunal
competente a partir do sec. XVI). O sistema inquisitório implementou-se sobretudo
entre os sec. XVI a XVIII, sobretudo através dos Códigos Penais e Processuais Penais
dos primórdios do Estado Moderno. A inquisição era uma nova forma de processo que
substituiu a acusação do processo de tipo acusatório, sendo que na Europa Continental a
consolidação deste modelo não foi linear, mas o processo inquisitório satisfazia uma
tendência para a afirmação crescente do poder do Estado, o qual assumiu por fim a
necessidade de dotar a justiça penal de caracter público, sendo o procedimento oficioso
o reflexo adjetivo desse fenómeno. A principal característica deste modelo inquisitório
consiste no poder de investigar, acusar e julgar numa única entidade, o que põe em
causa a imparcialidade. É um modelo do juiz acusador. É obvio que se uma mesma
entidade investiga, juga e acusa, quando chegar ao julgamento não há imparcialidade
porque não terá capacidade para formar um novo juízo, pois no entanto já formou e
consolidou a sua opinião durante a investigação.

Modelo Misto, Reformado ou Napoleónico:

Num confronto entre as outras duas estruturas, surge um modelo misto com o processo
reformado ou napoleónico. A estrutura do modelo misto era essencialmente acusatória,
mas o processo foi divido em duas fases separadas: a instrução e o julgamento. A fase
da instrução, destinada a investigar o crime dos seus agentes, era dirigida por um
magistrado especializado: o juiz de instrução, ficando a iniciativa e a titularidade da
ação penal nas mãos do oficial do poder executivo junto do poder judicial; a fase do
julgamento era dirigida pelo juiz de julgamento. A instrução era secreta, escrita e não
contraditória. A partir da acusação publica, os factos ficavam fixados de tal maneira que
eram esses e não outros que seriam julgados. Na generalidade dos pais da europa
continental existem sistemas mistos: em Portugal, Espanha, Alemanha; no Brasil
também existe um modelo misto. Do lado de lá do Atlântico, os autores nem usam a
expressão “acusatório”, dizem que o sistema em Portugal e nestes países é inquisitório,
nem sequer há um sistema acusatório, mas porque razão dizem isto?

MIRIAM DAMASCA (nasceu em 1931, jurista e académico) conheceu por dentro os


vários sistemas e lecionou em Universidade de vários países, tendo dupla nacionalidade

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(croata e americana), sendo conhecido pelos seus trabalhos no domínio no direito
comparado penal, processo penal e penal internacional. DAMASCA quando lhe
perguntaram como se sentia nesta experiência de vida e académica, ele disse “Olhe
sinto-me como se tivesse nascido nas ilhas dos Açores, como se fosse um açoriano,
como se pertencesse a todo o lado e a lado nenhum”.  No modelo de DAMASCA
(modelo didático) não é tanto esta dualidade de inquisitório e adversarial que prevalece
(inquisitório seria os atuais sistemas europeus continentais na sua órbita de influência
conceptual). Ele procurou outros eixos de comparação, reparando que o sistema anglo-
americano o processo está mais voltado para a solução de conflitos, conflitos entre as
partes, exigindo um juiz que é sobretudo imparcial e que para garantir a imparcialidade
deve manter uma atitude sobretudo passiva, de modo a não prejudicar a atividade
processual das partes e tão pouco intervir no processo de produção da prova; julga-se
que um juiz interventivo perdia a imparcialidade. Isto é típico do modelo adversarial e
em que o processo de alguma forma correspondente a um papel do estado mais reativo.
Por outro lado, DAMASCA nota que no domínio do processo penal e nos países da
europa continental a existência de um processo mais voltado para a implementação de
politicas publicas e em que há uma interferência mais hierárquica e autoritária do
Estado no processo penal, o que se traduz na atitude do juiz que assume um papel mais
ativo em que comanda não só o processo como também tem poderes autónomos de
investigação para além das provas que são trazidas pelas partes no processo e desse
ponto de vista o processo caracteriza por uma logica de um estão ativista, em que o juiz
frequentemente complementa a atividade probatória das partes e procura cegar a melhor
decisão de mérito, à descoberta da verdade para com isso realizar a justiça. Este
confronto entre os dois modelos explica o porquê de os países situados no outro lado do
Atlântico considerarem os nossos sistemas processuais penais inquisitórios: essa
inquisitoriedade está na atuação do juiz na forma como se compromete na descoberta
da verdade, através da realização de diligências que são ordenadas por ele mesmo, por
exemplo o juiz no decurso da audiência de julgamento pode pedir a testemunhas que
não foram arroladas pelas partes, para depor. PAULO SOUSA MENDES diz-nos então
que o Modelo Inquisitório desapareceu sem deixar rasto. Sendo que este modelo está
muito ligado aos modelos autoritários.

Para PAULO SOUSA MENDES a melhor forma de compreendermos esta realidade


seja através de um exemplo concreto, comparando os modelos a partir de uma
perspetiva da medida da prova. Vou partir de um caso norte americano, por duas ordens
de razoes: as vezes percebemos melhor os nossos conceitos apresentando aqueles que
são diferentes dos nossos e confia também no nosso conhecimento usual da cultura
anglo saxónica para não acharmos totalmente estranho este modelo de processo penal.
Escolheu um caso escolhido de propósito para comparar as medidas da prova nos
processos civil e penal anglo-americanos. Falamos do caso “Trial of The Century” e o
caso do OJ Simpson Murder Case. Este caso consistiu: o povo do estado da Califórnia
contra o James Simpson, foi um caso criminal que foi julgado diante dos tribunais de

19
LA, na Califórnia e o veredicto é de 3 de outubro de 1995. OJ Simpson foi julgado com
base em duas imputações, daquilo que nos diríamos homicídio qualificado contra a sua
ex mulher (Nicole Simpson e o seu instrutor), homicídios praticados em junho de 1994.
O julgamento foi complexo em que na produção da prova houve vários episódios e o
episodio mais famosa é o episódio da luva porque como sabemos foram encontradas
duas luvas, que faziam par, uma no local do crime e outra foi encontrada o par na
propriedade de Simpson e foram detetados vestígios de ADN das duas vitimas nessas
mesmas luvas, no entanto, a defesa conseguiu convencer a acusação que autorizasse que
em tribunal aquele meio de prova (as luvas) fosse experimentado pelo próprio arguido
durante a audiência para perceber se as luvas eram dele ou não e ele ao tentar calça-las
deu para perceber que as luvas eram pequenas para as mãos dele, e isto deu lugar a uma
celebre afirmação de um dos advogados de defesa: “ if it doesn`t fit, you must acquit”
(ele deve ser absolvido). Os acusadores vieram a dizer mais tarde que não queriam que
Simpson experimentasse as luvas porque elas tinham ficado encharcadas em sangue e
além do mais tinham sido congeladas e descongeladas varias vezes para serem
preservadas e portanto não tinham elasticidade primitiva. Tornou-se crucial no
julgamento, a ponto de ter levado à absolvição pelo júri do Simpson. Acontece que
Simpson foi alvo de uma demanda dos familiares de ambas as vitimas com vista a
obtenção de indemnizações e foi considerado responsável dos dois homicídios neste
julgamento cível em 1996. Não deixa de suscitar perplexidade, entoa se os factos são os
mm como é possivel ser condenado no processo cível e absolvido no processo crime.
Há aqui contradição? Sim, contradição lógica. A explicação encontra-se nas palavras
reais de um dos jurados no caso criminal, ela disse: “estou convencida de que o acusado
é culpado, mas o principio da prova para além de qualquer duvida razoável impõe-me
votar a sua absolvição”.

O principio da prova para além de qualquer dúvida razoável (beyond  any reasonable
doubt) corresponde à medida da prova nos julgamentos penais nos sistemas de
Common law (direito de base jurisprudencial em que as fontes soa as decisões
jurisprudenciais que estabelecem precedentes para as decisões futuras). Há outras
medidas da prova nos sistemas anglo-americanos, por exemplo no processo civil:

 A regra da prova preponderante corresponde à medida da prova usada em


processo civil nos EUA. Em Inglaterra e no País de Gales, a mesma ideia, tem
um nome diferente: equilíbrio das probabilidades.

Se  notarmos que há diferentes medidas da prova, percebemos que não há contradição
lógica das decisões, apenas diferentes medidas da prova. Qual a fundamentação para
estas diferentes medidas da prova? Que correspondem a intervalos de probabilidade. A
explicação muitas vezes assenta numa análise de custo benefício, de acordo com
a Teoria da Utilidade Esperada. A análise tradicional da relação custo-benefício neste
domínio é feita segundo os critérios da teoria da utilidade esperada. Segundo esta: as
diferentes medidas da prova são critérios jurídicos que servem para minimizar o custo

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esperado do erro judicial. Não há nada mais certo numa decisão judicial do que a
probabilidade de um erro, há sempre um conjunto de decisões que se traduzem em
condenações injustas relativamente a base factual que lhes serviu de arrimo para a
sentença. E a questão é: como é que nos distribuímos o risco de erro pelas partes? o que
se costuma dizer de acordo com a Teoria da utilidade esperada é que:

 Nos casos cíveis, ambas as partes enfrentam normalmente a possibilidade de


uma perda financeira e o erro contra qualquer uma delas pode ser considerado
como igualmente lesivo. E o ponto crítico do menor custo esperado para cada
uma das partes corresponde à probabilidade de 50% de o tribunal vir a proferir
uma decisão errada.
  Nos casos penais, a análise tradicional desta teoria da utilidade esperada
protesta que a justiça criminal não é simétrica, e assim se compreende a máxima
de que “mais vale um culpado solto do que um inocente preso”, e a prova
para além da dúvida razoável reflete uma avaliação em que uma condenação
injusta é considerada nove a dez vezes pior do que uma absolvição injusta.
Poderia haver outros balanços, segundo PAULO SOUSA MENDES.
 

A prova para além de qualquer dúvida razoável corresponde a um grau de probabilidade


superior a 90%, aliás, este 90% tirado por unanimidade num conjunto de 12 jurados
explica realmente porque é que os jurados do filma “12 Angry Mens” estavam em
“fúria”, porque quando chegou ao momento da deliberação esses jurados populares
estavam com pressa pelas mais diversas razões e todos estavam quase prontos sem
grande exame das provas a condenar um jovem que era suspeito de homicídio de um
idosa, até que uma das personagens torcendo o nariz dispõe não estar convencido da
culpabilidade do arguido. Isto é a garantia da decisão justa. Esta medida da prova não
é para todos os elementos de que dependa a determinação da responsabilidade criminal,
é apenas para a prova constitutiva dos elementos da ofensa, os chamados elementos
objetivos e os elementos subjetivos psicológicos.

Sobre as eximentes penais, aqui a medida da prova adequada às eximentes penais já não
é para além da dúvida razoável, falamos aqui de probabilidade preponderante, sendo
que esta pode ser interpretada no sentido do juiz de facto sobre a veracidade de uma
determinada alegação de facto corresponder uma probabilidade da ocorrência de um
evento superior a 50%. Em certas matérias de direito privado, a medida da prova é mais
exigente do que a probabilidade preponderante. Aqui a prova tem de ser clara e
convincente (clear and convincing evidence), o que corresponde a um grau de
probabilidade superior a 75%.

Como é nos países de civil law? São os países de direito legislado, se quisermos os
países da tradição romano germânico, ou países da europa continental, incluindo
Portugal. Na Europa Continental, as fórmulas legais da prova em processo civil são

21
geralmente muito mais assertivas relativamente à convicção que o julgador tem de
assumir acerca dos factos a provar. 01:04:22.

Na Alemanha:
 CPC: dispõe que o juiz deve decidir se uma alegação de facto considera
verdadeira ou falsa;
 CPP: dispõe que o tribunal decide, segundo a sua livre convicção, sobre o
resultado das provas produzidas ou examinadas em audiência.

Em Portugal:

 CC: determina que as provas tem por função a demonstração da realidade dos
factos- formulação mais exigente do que a formulada no CPC Alemão, veja-se a
expressão “alegação de facto”;
 CPC: estabelece que o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os
factos que não julga provados;
 O juiz é a única entidade que tem capacidade para declarar se os factos estão ou
não provados.

Caso avancemos: conseguimos verificar que em muitas disposições a Lei Portuguesa


esclarece, tanto no CC, como no CPC (de aplicação subsidiária), que as diligências
probatórias se destinam à descoberta da verdade, incumbindo o próprio tribunal de
realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao
apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (411º CPC).
Verifica-se aquela ideia que o DAMASCA tratava quando dizia que nos sistemas
continentais o juiz é interventivo, até no processo civil, este é autoritário, vai à
descoberta da verdade.

 O art.340º/1 CPP dispõe que o tribunal tem poderes para ordenar oficiosamente
ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova necessários à
descoberta da verdade, de resto a descoberta da verdade é uma finalidade
recorrente nas normas do CPP, aparecendo mencionada na lei por 37 vezes, o
que segundo PAULO SOUSA MENDES não é coisa pouca.

Comparação:

Se compararmos estas formas com o modelo anglo-saxónico/americano nota-se que os


países continentais omitem qualquer referência ao grau de probabilidade necessário para
a tomada de decisão, nem sequer usam o conceito de medida da prova, porque este seria
o mesmo para todos os processos (civil, penal) e traduzir-se-ia numa descoberta da
verdade, que por vezes até se diz ser uma verdade material, em ordem à realização da

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justiça, porque só com a verdade e a sua descoberta pode haver realização da justiça.
Ademais, PAULO SOUSA MENDES destaca ainda que não faz muito sentido falar em
medida da prova, porque tal só será plausível aquando da existência de várias medidas
de prova e, nestes casos, só há uma medida. Exceção: Ordenamento Escandinavos e
Ordenamento Jurídico Italiano, que instituiu a regra da prova para além da dúvida
razoável.

Nota: a regra da prova para além da dúvida razoável NÃO EXISTE EM PORTUGAL.

Ilusão da Certeza:

A doutrina e a jurisprudência dos sistemas jurídicos romano-germânicos utilizam a


convicção próxima da certeza como medida da prova em processo penal.

Modelo Anglo-Americano:

A pergunta que se impõe: Modelo Adversarial ou Acusatório?

Modelo Europeu Continental:

A pergunta que se impõe: Modelo Inquisitório ou Misto?

16/03/2021
Tramitação processual (processo comum)

 Prevenção, averiguações preliminares e informação de segurança:

23/03/2021

INQUÉRITO (processo comum)

O inquérito é uma fase de investigação obrigatória na forma de processo comum. A


aquisição da noticia de um crime por parte dos OPC determina a obrigação de a
comunicar ao MP no mais curto prazo (art.248º/1 do CPP). Por sua vez, a notícia do
crime acarreta para o MP a obrigação de, ressalvadas as devidas exceções, abrir o
inquérito (art.262º/2 do CPP).

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São exceções:

 os casos de procedimento dependente de queixa, ou seja, os crimes semipúblicos


e os crimes particulares, não se tendo esta verificado;
 os casos de verificação dos pressupostos do processo sumario, em que o
inquérito é substituído por um interrogatório sumário a efetuar pelo MP;
 os casos de processo abreviado, mas nunca o processo sumaríssimo porque
nenhum processo começa na forma sumaríssima, é enviado para essa forma e
portanto não pode ser considerado como exceção para a obrigatoriedade do
inquérito.

O inquérito obedece ao princípio da legalidade, este tem neste contexto do processo


penal uma definição especifica, a sua consagração consta do art.262º/2 e o conceito de
legalidade aqui utilizado consiste na ideia de que a atividade do MP se desenvolve sobre
o signo da estrita vinculação a lei, e não obedece a qualquer tipo de trade off, seja
relacionado com razoes politicas, ou económicas (p.e. dado o fraco prejuízo que
resultou da pratica do crime e não se justificaria por em andamento a justiça criminal)
ou outras razoes de qualquer natureza. Este principio da legalidade tem como
fundamento a igualdade na aplicação do direito penal a todos os cidadãos
independentemente de qualquer estatuto ou de qualquer calculo.

Não cabe ao MP fazer considerações de oportunidade sobre abrir ou não abrir o


inquérito. O oposto do principio da legalidade no processo penal seria o principio da
oportunidade (é comum nos sistemas jurídicos de matriz romano germânica), que se
define a custa do seu contrario aquele principio da legalidade e que não tem
consagração legal até porque num sistema norteado pelo outro principio, a oportunidade
só pode surgir com caráter excecional, a oportunidade consistira na atribuição de
discricionariedade do MP para a promoção da ação penal e ele é principio regra nos
direitos anglo americanos.

 Quer isto dizer que o MP tem de abrir inquérito face a qualquer denuncia,
mesmo a mais inconsciente? Não, a questão não se poe diante da denuncia, a
questão depõe-se diante do conteudo da denuncia, o MP não está dispensado de
avaliar se a denuncia constitui ou não a noticia de cum crime e devendo decidir
se é de abrir ou não inquérito (art.58/1, al. a) e d) e art.246º/6, al. a), não
obstante todas as denuncias ficarem registadas, mesmo as manifestamente
infundadas.

O inquérito inicia-se como? sempre com um despacho do MP a determinar a sua


abertura, ele é o titular da ação penal. Este despacho do MP é o primeiro ato do
procedimento e sem ele o processo é nulo (art.119/al. b), por falta da promoção do MP,
que é que tem legitimidade para promover o processo penal, nos termos do art.48º do
CPP. Saber depois se este despacho constará nos autos logo na primeira folha ou não já
é outra questão porque cronologicamente e podem já ter acontecido alguns atos em
matéria de medidas cautelares e de policia e a própria denuncia se for o caso de ter sido
essa a forma de noticia de aquisição ou em vez da denuncia uma queixa nos crimes
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semipúblicos ou particulares. O que é importante é que o despacho conste dos autos
pela ordem cronológica. O despacho do MP é obrigatório, é ele que tem competência
pra instaurar o inquérito e sem ele o processo é nulo.

Já tem sido entendido que o ato de abertura do inquérito por parte do MP pode ser um
ato tácito. E que feita a comunicação pelos OPC pela noticia de um crime por força do
art.248º/ do CPP, se o magistrado do MP competente não avocasse o inquérito seria
considerada delegada a competência para a pratica dos atos de inquérito. Só que
(pensamento do prof germano marques da silva) o CPP não prevê atos tácitos, e
portanto esse entendimento não parece ser de admitir- opinião do regente.

A não promoção do processo pelo MP constitui uma nulidade insanável, que pode ser
oficiosamente declarada em qualquer fase do processo (art.119º/al. b) do CPP). O
mesmo se diga da falta de inquérito no caso dos crimes semipúblicos ou particulares
(art.119º/al. d).

Portaria nº 1223ºA/91, de 30 de dezembro- são definidas as regras aplicáveis à


identificação dos processos crime e a necessidade de atribuição de um numero único
identificador de processo crime. O sistema estabelecido permite a individualização de
cada processo, desde a noticia de crime ao arquivo, de forma unívoca, quer para quem
nele tenha intervenção quer para terceiros. A versão mais recente desta portaria é a nº
116/2014, de 30/05. O NUIPC é atribuído pelo serviço notador que proceder ao
primeiro registo do processo, no momento deste, e mantém-se em todos os registos
subsequentes (art.13º).

Qual o ambito e finalidade do inquérito? Art.262º/1 CPP. Trata-se de investigar a


existência de um crime, descobrir quem foram os seus agentes e recolher as provas, em
ordem à decisão sobre a acusação. Portanto, indícios de autoria, materialidade, meios de
prova que possam servir para demonstração da materialidade do crime e a recolha
dessas evidencias para que se possa tomar uma decisão de acusar ou não.

O inquérito é tendencialmente a fase do processo comum que adquire o máximo de


dramatismo porque pode envolver a perseguição dos próprios agentes do crime, até para
efeito de aplicação de medidas de coação, inclusive a mais grave de todas que é a prisão
preventiva. Implica também a descoberta e a conservação das provas, por exemplo a
realização de varias diligencias de obtenção de provas, tais como buscas domiciliárias
ou métodos ocultos de obtenção de prova, tais como escutas telefónicas ou escutas
ambientais ou pesquisas informáticas com vista a obtenção de prova digital incluindo
mensagens de correio eletrónico e de múltipla outra natureza através até de pesquisa
relacionada com computadores, ou servidores ou cloud ou telemóveis. Estas provas
podem não ser apenas relativas ao facto punível, mas também relativas à personalidade
do agente, nos termos da perícia de personalidade que consta do art.160º CPP.

Quais são as características do inquérito?

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 Tem uma natureza inquisitiva. Aqui não há verdadeiramente igualdade de armas
e o inquérito está na titularidade do MP que conta com o contributo dos OPC
embora os traços dominantes da inquisitoriedade do inquérito tenham vindo ao
longo do tempo a ser atenuados com incorporação de elementos de
contrarioridade que permitem a intervenção da defesa técnica e inclusivamente a
possibilidade de acesso aos autos naquilo que seja necessário ao exercício de
uma defesa eficaz inclusivamente requerimentos de produção de meios de prova
e de realização de diligencias probatórias, cada vez mais uma defesa ativa esteja
ou não esteja o processo em segredo de justiça;
 O inquérito tem prazos, naturalmente porque a sujeição de alguém a
investigação criminal impõe varias limitações a sua liberdade desde o plano das
medidas de coação à sujeição de diligências probatórias, já para não falar em
danos reputacionais de comunicação descentralizada em que facilmente
informações sobretudo relacionadas com figuras publicas que em matéria penal
vão parar a comunicação social com um tremendo desgaste da posição
profissional, pessoal e a todos os planos relevantes da vida do visado e por vezes
até se costuma dizer que há um peso penal da investigação que pode transcender
o mal da própria pena aplicavel. O inquérito tem prazos estabelecidos na lei,
embora sejam prazos ordenadores e não resultem de qualquer efeito.

O art.86º do CPP trata da publicidade do processo e da sua relação com o segredo da


justiça. Este princípio é essencial do processo penal, é uma garantia da sindicância da
justiça por todos os cidadãos, tem a sua máxima expressão na fase de julgamento mas
tem restrições relacionadas com aspetos de varia índole, designadamente vamos ver a
sua relação com o segredo de justiça. O processo penal nesta fase de investigação
costuma ser secreto, quer um segredo interno (visados), quer segredo externo
(terceiros). Acontece que com a revisão de 2007, o principio regra nesta matéria passou
a ser o que consta do nº1 do art.86º- o processo penal é, sob pena de nulidade, publico,
ressalvadas as exceções previstas na lei. Passou a ser o da publicidade do inquérito. Foi
alvo de bastante contestação. A reforma de 2007 foi acompanhada pelo observatório
permanente da justiça portuguesa através de estudos de campo que reduziram varias
relatórios semestrais e ouvidos os operadores de justiça e um relatório de síntese final e
depois um relatório cirúrgico prepondo alterações do CPP revisto em 2007, e segundo o
OPJP, no relatório de 2009 na maioria da criminalidade, a publicidade constitui um
mecanismo de transparência, que facilita o controlo do desenrolar da investigação e a
própria participação do assistente, que assim se pode transformar num verdadeiro
coadjutor do MP no desfecho do inquérito, embora o MP nem sempre aproveite esta
possibilidade. Ou seja, na generalidade dos casos o observatório não detetou nenhum
inconveniente na publicidade do inquérito, antes pelo contrario concluiu que facilitava a
investigação na medida em que dava a oportunidade ao assistente acompanhar o
inquérito e requerer diligencias. Até hoje manteve-se o principio regra da publicidade,
que acompanha por uma possibilidade de decretação do segredo de justiça nos casos em
que a publicidade do inquérito poderia comprometer gravemente a investigação
(art.86º/2 do CPP). Pode ser determinado o segredo de justiça na fase de inquérito. Nº3

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do art.86º- a iniciativa pode ser do próprio MP, neste caso a decisão fica sujeita a
validação do juiz de instrução.

Uma coisa é o regime do segredo de justiça designadamente interno, outra coisa é o


acesso aos atos. Imaginem o caso em que o segredo de justiça foi decretado, em que
termos é possivel a consulta de autos por sujeitos processuais? Nos termos do art.89º/1-
podem consultar mediante requerimento o processo ou elementos nele constantes. Pode
o arguido e o seu defensor terem acesso aos autos de um processo de segredo de justiça
e por muitas vezes isso é necessário para garantir uma justiça eficaz. 89º/6- pode haver
prorrogação por um período de 3 meses e relativamente a determinados crimes das al. i)
a m) (crimes mais graves) pode haver uma segunda prorrogação por um prazo
objetivamente dispensável a conclusão da investigação. Este preceito tem colocado uma
dificuldade de interpretação na doutrina e jurisprudência. Para determinado tipo de
criminalidade a prorrogação não teria prazo máximo, mas aquele que fosse
objetivamente indispensável. Se admite esta extensão, não seria aceitável que esta
extensão fosse ilimitada.

A direção do inquérito cabe ao MP, este é dominus do inquérito (art.48º e 263º/1 do


CPP), mas uma coisa é ser titular do inquérito outra coisa é na pratica realizar as
diligencias porque muitas delas poderão ser delegadas nos OPC (art.263º/2). Em certos
atos do MP e em certos atos de inquérito há atos que são do MP (art.267º). há atos que
podem ser delegados pelo MP nos OPC (art.270/1) e essa delegação pode ser genérica
por despacho de natureza genérica que indique os tipos de crime ou os limites das penas
(art.270/4). A delegação pode configurar um encargo relativamente a um ato específico
de um processo concerto ou à atividade investigatória de um processo concreto, sempre
com respeito pelos limites impostos pelo nº2 do art.270º. pode ainda conceber-se a
delegação genérica relativamente a uma categoria de processos por referencia a tipos de
crimes ou limites das penas dos crimes cometidos numa determinada circunscrição,
prevista no nº4 do art.270º do CPP. Tal ocorre, nomeadamente, nos casos de
competência reservada da policia judiciaria. A este propósito ver a diretiva nº1/2002 do
MP onde se prevê a delegação genérica na policia judiciária. Também na mesma
diretiva do MP, se delega noutros órgãos de policia criminal.

Apesta dessas delegações, os OPC trabalham sempre sob a orientação e na dependência


funcional do MP (art.53º/2, al. b) e art.263º/2 do CPP). Conjugam com a autonomia
técnica e tática dos OPC, ou seja, o poder-deve do MP de dirigir o inquérito não implica
necessariamente que os atos de investigação tenham de ser por ele materialmente
realizados ou presididos, salvo os referidos no art.270º/2 do CPP (são atos que ele não
pode delegar). Mas quando conta com o auxilio dos OPC não lhes dá ordens porque
estes já atuam sob a orientação e dependência funcional do MP mas mantem a sua
autonomia técnica e tática o que significa que realizam as diligencias probatórias de
acordo com aquilo que é disposto pelas respetivas hierarquias.

A outra faceta do inquérito é a salvaguarda dos direitos dos cidadãos que estão a ser
investigados. Isto implica que ao nível de certos atos do inquérito tenha de haver

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intervenção do juiz de instrução, que atua como um juiz das liberdades (atos que
impliquem direitos, liberdades e garantias). É exemplo disso o caso de aplicação de
medidas de coação, que são promovidas pelo MP (à exceção do termo de identidade e
residência) na fase do inquérito, mas que só podem ser aplicadas pelo juiz (art.194º/1).
Muitos outros atos têm de ser ordenados ou autorizados pelo juiz de instrução (art.268º
e 269º do CPP). Atos a praticar pelo juiz de instrução (art.268º) + atos a ordenar ou
autorizar pelo juiz de instrução (art.269º).

Alguns vícios do inquérito, designadamente uma nulidade de insuficiência do inquérito


que vem prevista no art.120/2, al. d) que é uma nulidade relativa (art.120º/3), devendo
ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo instrução, até 5
dias apos a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. Discute-se na
doutrina se o interrogatório do arguido é um ato obrigatório cuja não realização origina
esta nulidade ou se é apenas uma nulidade relativa, que configura um vício de menor
gravidade.

Quantos aos prazos do inquérito que vem previstos nos art.276º e ss, são em regra de 6
meses mas podem ser de prazos mais longos, em situações excecionais podem ir de 8 a
18 meses (art.276º/2 e 3) e dado que a celeridade do processo penal também é um
principio do processo penal, o legislador previu o incidente de aceleração processual
para o caso de terrem sido exercidos os prazos (art.108º e 276º/8). Prazos ordenadores, o
que significa? Significa que o MP deve sentir-se vinculado a estes prazos, só que se os
não cumprir, não advém qualquer efeito para a validade do processo da circunstancia do
MP não dar por encerrado o inquérito nos correspondentes prazos. Ou seja, a
ultrapassagem dos prazos não constitui sequer uma irregularidade. Na verdade é por
isso que se costuma dizer que tais prazos são meramente ordenadores. Mas isto é um
problema. Há processos que duram em fase de inquérito um, dois, três, 5 anos, ou 10
anos, isso pode acontecer, já tem acontecido. Pensou-se quais eram os mecanismos que
podiam ser introduzidos para levar a uma maior efetividade dos prazos sem prejudicar a
investigação? um deles foi o previsto no art.276º/4- obrigação de o titular do processo
comunicar ao superior hierárquico imediato a violação de qualquer prazo, indicando
razoes do atraso e período necessário para concluir o inquérito. Pode não ser efetiva esta
nova obrigação, e foi uma critica que se fez na altura. Mas a verdade é que tem de haver
razoes que não sejam de pura inercia para o atraso do inquérito. por outro lado, o
imediato superior hierárquico tem a possibilidade de avocar o processo (art.276º/5) ou
terminar o segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do
MP, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de 3 meses, o qual pode
ser prorrogado por uma só vez, em certas circunstancias (art.89º/6). A prorrogação não
pode ir além da concessão de novo prazo de 3 meses, embora a lei não o diga assim,
mas fale apenas em “um prazo objetivamente indispensável à conclusão da
investigação”. Aqui até houve um acórdão (STJ nº 5/2010) que fixou jurisprudência: “ o
prazo de adiamento do acesso aos autos, a que se refere a segunda parte do art.89º/6, é
ficado pelo juiz de instrução pelo período de tempo objetivamente indispensável à
conclusão da investigação, sem estar limitado pelo prazo máximo (de 3 meses
prorrogáveis por uma só vez) referido na mesma norma”. O STJ veio considerar que o
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segundo prazo não estava limitado aos 3 meses, podia ser mais. O regente sempre foi
critico desta interpretação. Ele até considera que este acórdão já não é aplicavel, porque
a sua ratio decidendi desapareceu em 2010.

Reforma de 2010- por isso, em ordem a equilibrar os direitos dos sujeitos processuais a
um processo célere e o dever do estado de perseguir e punir a criminalidade grave e
complexa, o Observatório permanente da justiça portuguesa propôs um alargamento dos
prazos máximos do inquérito, precisamente para essas situações.

FIM DO INQUÉRITO (processo comum)

O inquérito pode terminar de várias formas:

 Despacho de arquivamento (art.277º);


 Despacho de acusação dos termos dos art.283º e 285º/4).

Se o MP estiver convencido da culpabilidade do individuo, ainda assim ele deve dar


preferência as medidas de diversão processual (o processo diverge da sua tramitação
normal que conduziria ao julgamento). Quais são estas medidas de diversão processual?
São três: o arquivamento em caso de dispensa de pena (art.280º); suspensão provisoria
do processo (art.281º); envio para processo sumaríssimo (art.392º); mediação penal (lei
nº 21/2007, de 12.06). O processo sumaríssimo é classificado pelo legislador como
forma especial de processo, mas na realidade é mais um modo de encerramento do
inquérito na forma de processo comum, uma vez que nenhuma processo começa na
forma sumaríssima, apenas é submetida para tal. Ideia de resolver a ofensa no plano de
uma relação fora do sistema de justiça convencional em que o ofensor e o ofendido são
em principio postos face a face para cegarem a uma solução que seja satisfatória para o
ofendido- mediação penal. Esta instituiçao está na pratica muito desativado.

 Despacho de acusação:

Quando o MP tive recolhido indícios suficientes de que foi cometido crime e tiver
identificado os seus agentes, tem de deduzir acusação (art.283º/1). Mas não bastam os
indícios suficientes quanto à existencia de crime e à intervenção do arguido na sua
prática. O legislador nos oferece uma definição legal dos indícios suficientes- art.283º/2.

Há debate na doutrina sobre o critério para o MP se decidir pela acusação. O regente


diria que é conveniente assentarmos no seguinte: o critério deve, em primeira linha,
apontar para um juízo categórico, e não para um juízo dubitativo (se tiver duvidas não
pode recorrer o processo para as fases sucessivas- aí se opunha o principio
constitucional da presunção de inocência na sua vertente probatória que nos diz que a
duvida deve prevalecer o arguido). Ou seja, o MP tem de estar convencido de que, se
houver julgamento, o arguido em questão será condenado, com base na prova recolhida.
Ou seja, o MP tem de estar convencido com um grau de probabilidade próximo da
certeza aquela que se assemelha ao regime probatório. Tem de ver se recolheu prova

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suficiente para sustentar em juízo uma condenação do arguido, é esse o significado de a
lei falar numa “possibilidade razoável”, ou seja, não quer dizer que o MP não tenha de
estar convencido disso. Esta possibilidade razoável também não é probabilística, é algo
intuitivo. Não se pede ao MP que faça um cálculo de probabilidades. Em causa está um
juízo categórico de condenação com base nas provas recolhidas, por parte do MP.

 CASTANHEIRA NEVES (1968): diz que para acusar exige-se ao MP um grau


de convicção equivalente/semelhante ao do juiz no momento da sentença,
embora com base no material recolhido na fase do inquérito, que nunca é tao
completo quanto o disponível no momento do julgamento e de resto ainda não
foi escrutinado através do contraditório com a defesa técnica do arguido. Se ele
tiver este grau de convicção, o MP deve acusar, exceto nos crimes particulares
que têm um regime especial.

NATUREZA DOS CRIMES

Nos crimes públicos, uma vez terminado o inquérito, se o MP recolheu “indícios


suficientes” e não puder recorrer a nenhuma das medidas de diversão, deve acusar.
Temos que ver se no caso são aplicáveis as medidas de diversão.

Nos crimes semipúblicos, a única diferença é que o impulso processual estava


inicialmente dependente da apresentação da queixa, enquanto condição de
procedibilidade, mas nesta fase isso já não interessa, a menos que o queixoso desista da
queixa (art.116º/2 do CP e 51º do CPP). Nesta fase do inquérito, a queixa tendo sido
apresentada não há diferença nos crimes públicos, a menos que o queixoso desista da
queixa.

Nos crimes particulares, é necessária a queixa, juntamente com esta, a declaração da


vitima de que se pretende constituir como assistente (art.246º/4), tendo de se constituir
efetivamente como tal antes do fim do inquérito para que não haja arquivamento, mais
exatamente no prazo de 10 dias a contar daquela declaração (art.68º/2). Nos termos do
art.285º/1, o MP notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, a
acusação particular. Se houver assistente constituído, mesmo que o MP estiver
convencido de que não houve crime ou de que ao arguido não comete, não tem opção de
arquivamento. Apenas poderia arquivar o inquérito se o arguido não se tivesse
constituído como assistente, mas tendo isso acontecido, o MP tem de notificá-lo para
que este deduza a acusação particular. Apesar disto, o MP é o titular do inquérito, foi ele
que realizou a investigação e dirigiu o inquérito mas esta na disponibilidade do
assistente de deduzir a acusação e fazendo assim com que o processo prossiga a sua
tramitação. Se houver acusação particular, o MP pode acusar pelos mesmos factos nos
termos do art.285º/4. O conceito de alteração substancial temos que ir busca-lo a al. f)
do art.1º do CPP. O MP pode, o que não significa que deva. O MP não tem nenhuma
obrigação de acompanhar a acusação particular, até pode ter uma posição contrária. O
processo continua e nas fases subsequentes o MP, que só está comprometido com a

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descoberta da verdade, pode inclusivamente estar contra a versão da acusação
particular. De resto, o MP pode, em qualquer processo, sentir que tem de tomar a
posição ou defesa do arguido. Até na fase dos recursos, o MP pode recorrer no
exclusivo interesse do arguido (art.53º/2, al. d) e 401º/1, al. a).

 Despacho de arquivamento:

Quando o MP se pode decidir por um despacho de arquivamento e deve? Deve faze-lo


na falta de indícios suficientes (art.277º). Há duas modalidades (há aqui uma distinção
que é meramente doutrinária):

 Arquivamento assertivo (art.277º/1): ocorre se o MP recolher prova bastante


de se não ter verificado o crime ou de o arguido o não ter praticados a qualquer
titulo. É assertivo porque o MP convenceu-se de que não houve crime ou não
foi o arguido a cometer;
 Arquivamento dubitativo (art.277º/2): o MP não reuniu indícios suficientes da
verificação do crime ou de quem foram os seus agentes.

Quando haja arquivamento nos dois casos, há sempre a possibilidade de uma


intervenção do imediato superior hierárquico (art.278º/1). O MP é uma magistratura
hierarquizada (art.219º/4 e 5 da CRP; art.2º/2 e 12/2, al. b) e f) e nº3 do estatuto do MP
(lei nº 47/86, de 15 de outubro). Como se procede a esta intervenção hierárquica?
Art.278º/1 do CPP.

Com a revisão do Código de 2007, o assistente e o denunciante com a faculdade de se


constituir assistente passaram a poder requerer a intervenção hierárquica, como já era
defendido por alguma doutrina mas foi clarificado assim.

 Reabertura do inquérito:

Decorrido o prazo de 40 dias em que poderia haver intervenção hierárquica (art.278º/1),


que inclui o prazo de 20 dias, a contar da notificação do arquivamento pelo MP, em que
o assistente poderia ter requerido a abertura da instrução (art.287º/1, al. b), o inquérito
só pode voltar a ser aberto quando houver novos elementos de prova que invalidem os
fundamentos invocados pelo MP para o arquivamento, sob pena de violação do
principio ne bis in idem (ninguém pode ser julgado duas vezes pelos mesmos factos).

Na anterior lei, CPP de 1929, o regime da falta de acusação do MP no fim da instrução


preparatória era dualista. Na vigência da CPP de 1929, mas com as alterações trazidas
pelo DL nº 35/007, de 13/10/1945, o MP, incluída a sua hierarquia (art.23º, 27º, 28º e
29º do DL), passou a ser a entidade competente – ocupando agora o lugar do juiz, contra
o que sucedia originariamente no CPP de 1929 – para, independentemente de decisão
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judicial (art.29º do DL), ordenar o arquivamento simples ou então despachar no sentido
de o processo ficar a aguardar melhor prova.

No caso de o arquivamento ser ulterior à instrução contraditória, o juiz continuava a ser


a entidade competente para proferir a decisão de arquivamento (art.44º do DL), que
então faria caso julgado material, obstando à reabertura do processo-crime com a
mesma prova contra qualquer arguido.

Segundo a doutrina dominante (da época – Eduardo Correia + Castanheira Neves), a


decisão de arquivamento do MP tinha eficácia de caso julgado (material), apesar de
usualmente se dizer que só às decisões jurisdicionais (proferidas pelo juiz) é que se pode
atribuir essa força. Tal doutrina perguntava se o valor preclusivo do processo penal que
o CPP de 1929 atribuía à decisão de arquivamento não se continuaria a justificar pelas
mesmas razões – pelos mesmos fundamentos normativos, não obstante a substituição da
entidade que é chamada a proferi-la (no CPP29: o juiz; no DL 35/007: o MP).

A não atribuição ao arquivamento ordenado pelo MP de um efeito preclusivo da ação


penal significaria “que o arguido veria sempre suspensa sobre a sua vida a possibilidade
de uma acusação com base na reapreciação da prova anterior, na requalificação dos
factos que anteriormente se haviam considerado como não constituindo crime, ou de
uma reabertura da instrução preparatória pelos mesmos factos” (Eduardo Correia e
Castanheira Neves). Ora, os valores da liberdade e da segurança do arguido deveriam
merecer idêntica garantia tanto em face do arquivamento decidido pelo juiz, como em
face do decidido pelo MP.

 Para esta doutrina, a decisão de arquivamento do MP, pondo fim à instrução


preparatória, deveria ter um efeito absolutamente preclusivo do processo penal,
quando MP concluía que não se teria verificado o crime, ou pelo menos, que o
arguido não o teria praticado a qualquer titulo. A consistência do caso julgado
seria diferente, no caso de o MP despachar no sentido de o processo ficar a
aguardar melhor prova. Agora a decisão seria relativamente preclusiva da ação
penal, dois apenas impediria que o processo viesse a prosseguir com a mesma
prova contra qualquer arguido (como sucedia com a decisão análoga do juiz, nos
termos do art.148º do CPP de 1929).

Atualmente, o conceito de arquivamento (art.277º) inclui também os casos em que, no


direito anterior, o processo ficava a aguardar a produção de melhor prova
(“arquivamento dubitativo” – art.277º/2). Aliás, perante o art.279º/1, pode dizer-se que
todo o arquivamento passa agora a ser um arquivamento à espera de melhor prova, pois,
com base numa mera interpretação declarativa deste preceito, o inquérito só pode (pode
sempre) ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os
fundamentos invocados pelo MP no despacho de arquivamento.

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 Quer isto dizer que, mesmo naqueles casos em que o MP tenha porventura
concluído que não houve crime ou que não foi o arguido a praticá-lo (art.277º/1:
arquivamento assertivo), o inquérito poderia, à primeira vista, ser reaberto com
novos elementos de prova. Que é feito então, na lei vigente, do interesse em
assegurar a paz jurídica ao arguido?

No cenário legal vigente, tornou-se difícil de defender a antiga doutrina que via no
arquivamento assertivo (negador da responsabilidade do arguido – mutatis mutandis,
atual art.277º/1) um arquivamento definitivo (obviamente, se não tiver sido requerida a
abertura da instrução pelo assistente, nem revogado o despacho de arquivamento pelo
superior hierárquico).

Posição do PROF REGENTE PAULO DE SOUSA MENDES:

 Não se pode vedar a possibilidade ao arguido de requerer diligencias idóneas a


por cobro à indefinição da sua situação.
 Tais diligencias não podem ser coisa diversa de um requerimento para abertura
da instrução, com vista à obtenção de um despacho de não pronúncia, o qual,
sendo um ato jurisdicional, deve ter a força de caso julgado (art.308º/1, parte
final), embora nunca surja no atual CPP qualquer alusão ao caso julgado penal
(contrariamente, ao que sucedia no CPP de 1929: art.148º e ss).
 Contudo, o CPP não reconhece ao arguido qualquer meio de reação contra o
despacho de arquivamento do MP.

 Arquivamento e RAI do arguido:

O assistente, o ofendido ou o denunciante com a faculdade de se constituir como


assistente dispõe de dois meios alternativos de reação ao despacho de arquivamento do
MP:

a) O requerimento de intervenção hierárquica, no prazo máximo de 40 dias após a


notificação do despacho de arquivamento (art.278º/1 e 287º/1), ou;
b) O requerimento de abertura de instrução (art.287º/1, al. b) – só o assistente pode
fazê-lo.

O arguido, contrariamente ao assistente, só pode requerer a abertura de instrução em


caso de acusação (art.287º/1, al. a). Não dispõe de qualquer meio de reação ao
arquivamento do MP e à situação de insegurança jurídica em que este o deixa
mergulhado.

O PROF REGENTE DEFENDE:

 Sob pena de inconstitucionalidade material do art.287º/1, al. a), o arguido deve


poder apresentar RAI também perante o arquivamento do inquérito do MP ( ao
menos no caso de arquivamento assertivo), a fim de tentar obter uma decisão de

33
mérito de não pronuncia que fará caso julgado material, impedindo a reabertura
do inquérito.
 Em tese, é um direito que lhe deve assistir pelas seguintes razões:
 O TC, no AC nº 7/87, condicionou a constitucionalidade da direção do
inquérito pelo MP, perante o disposto no art.32º/4 da CRP, à possibilidade
de controlo judicial – embora facultativo – das decisões tomadas pelo MP no
final do inquérito. Decisões que não são apenas de acusação, mas também de
“arquivamento à espera de melhor prova” contra o arguido.
 O princípio da plenitude das garantias de defesa do processo penal, entre as
quais se inclui o direito ao recurso em que materialmente se traduz o RAI
(art.32º/1 da CRP).

O arguido tem direito à definição da sua situação jurídica no mais curto espaço de
tempo compatível com as garantias de defesa (art.32º/2 da CRP). A tendencial
igualdade de armas entre o MP e o arguido, que decorre do processo de estrutura
acusatória (art.32º/5 da CRP), justo e equitativo (art.20º/4 da CRP + art.6º CEDH).
Igualdade que se começa a afirmar precisamente a partir do final do inquérito e na fase
da instrução.

06/04/2021

INSTRUÇÃO:

A instrução é uma fase facultativa de controlo judicial da decisão de acusação ou de


arquivamento (art.286º CPP). É dirigida por um juiz de instrução, e é assistido pelos
OPC (art.288º/1 CPP), exceto na inquirição de testemunhas e do interrogatório do
arguido.

A instrução inicia-se com o requerimento para a abertura da instrução:

 Do arguido (art.287º/1, al. a) do CPP): quando havendo acusação, por entender


este que não deve ser submetido a julgamento por razoes de facto ou de direito,
ou para restringir o objeto do processo;

 Do assistente (art.287º/1, al. b) do CPP): quando havendo arquivamento ou


acusação, e se o procedimento não depender de acusação particular, e o
assistente entender que deve o arguido ser submetido a julgamento, por razões
de facto ou de direito ou pretender alargar o objeto do processo (alteração
substancial dos factos da acusação).

34
Requerimento para abertura da instrução:

Arquivamento Acusação Acusação particular

RAI assistente RAI arguido RAI arguido

INSTRUÇÃO

O arguido deve proceder a abertura da instrução só para discutir matéria de direito. O


art.287º do CPP não veda a possibilidade de o arguido discutir apenas razoes de direito.
A al. a) do nº1 do art.287º só menciona a possibilidade de abertura da instrução
“relativamente a factos”, mas não é só a questão probatória que se relaciona com os
factos, é também a questão da qualificação jurídica. O arguido deve requerer a abertura
da instrução não só por um argumento de igualdade de armas porque o assistente tem
essa possibilidade quando faça uma acusação subordinada em que possa acompanhar os
factos constantes do MP, e ainda assim querer discutir a questão da qualificação
jurídica. Da conveniência do arguido requerer a abertura da instrução só para discutir
questões de direito, mas podemos considerar situações em que isso faria sentido, do
ponto de vista de uma defesa eficaz.

Será que o arguido pode requerer a abertura da instrução em caso de arquivamento do


inquérito, tendo em vista obter uma decisão de não pronuncia que faça caso julgado
material (art.308º/1, in fine)? Parece que só em caso de acusação o arguido pode
requerer a abertura de instrução, mas no arquivamento do inquérito é um ato do MP
portanto não faz caso julgado nem impede com novas provas a reabertura da instrução a
qualquer tempo o que significa que o arquivamento do inquérito não garante paz
jurídica ao arguido (art.279º/1 CPP). Haveria interesse do arguido em requerer a
abertura da instrução em caso de arquivamento do inquérito tendo em vista a obter uma
decisão de não pronúncia que faça caso julgado material? O professor regente diria que
sim, embora é mais um direito que se afigura legitimo, admite que na pratica seja
inconveniente dado o risco de obter um resultado oposto aquele que pretendiam, mas
isso não quer dizer que o direito não lhe deva ser reconhecido.

35
Nos crimes públicos e semipúblicos:

- o assistente não pode requerer a abertura da instrução só com base em discordância


sobre a qualificação jurídica feita pelo MP, pois tem o mecanismo da acusação
subordinada ao seu alcance para esse efeito (art.284º CPP);

- o RAI do assistente só pode exercer relativamente a factos que constituam uma


alteração substancial do objeto do processo, já não quanto a factos novos que
constituam uma alteração não substancial (art.284º CPP).

Nos crimes particulares não há RAI do assistente, pois a decisão de acusar está nas suas
mãos nos termos do art.285º CPP.

Por exemplo: o MP dá como provados os factos que consubstanciam um crime de


homicídio, no qual, em seu entender, está verificada a circunstancia da premeditação
que consta da al. i) do nº 2 do art.132º do CP. O assistente quer acrescentar ao objeto do
processo a circunstancia do ódio religioso no homicídio qualificado, nos termos da al. e)
do nº2 do art.132º do CP. Deve requerer a abertura da instrução ou deduzir acusação
subordinada? O facto de se verificarem duas circunstancias suscetíveis de agravar o
crime de homicídio e relevando uma censurabilidade do agente, deve aparecer como
uma alteração não substancial de factos que segue o regime da acusação subordinada ou
como uma alteração substancial de factos que só poderia ser incorporada no objeto do
processo através do requerimento para abertura da instrução do assistente? A
verificação de duas circunstâncias terá peso quanto muito na determinação da pena
concreta se forem consideradas ambas abrangidas pelo agente. O regente diria que
nestes casos o mais adequado seria um RAI porque são circunstancias relativas a
aspetos do modo de ser objetivo da ação ou da implicação de modo do ser do agente na
ação homicida que tem valorações autónomas e até se provar uma e não se provar outra,
não obstante, no caso da não verificação das duas para uma dupla agravação da pena
legal aplicavel tem impacto na determinação da pena concreta.

Quais os requisitos do RAI?

1- Legitimidade: arguido e assistente nos casos previstos (art.287º/1, al. a) e b)


CPP);
2- Prazo: 20 dias a contar da notificação da acusação (art.287º/1 CPP).
3- Conteúdo: não obedece a formalidades especiais, porém o objeto da instrução
tem que ser delimitado (art.287º/2 CPP), pelo que deve conter:
 Razoes de facto e de direito de discordância face à decisão final do
inquérito; e
 Tratando-se do RAI do assistente deve conter ainda uma “acusação em
sentido material”, cumprindo os requisitos previstos no art.283º/3, al. b)
e c) + 287º/2 CPP.
4- Representação judiciária: art.64º e 70º CPP.

36
Verificados os requisitos, o RAI só pode ser rejeitado se for extemporâneo, ou por
incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução (art.287º/3 CPP).

Poderá haver convite ao aperfeiçoamento de um RAI que esteja imperfeito? Por


exemplo: se o RAI do arguido não delimitar o objeto da instrução ou se for o do
assistente que o não faça. O CPP não dispõe quanto ao convite ao aperfeiçoamento.
Poderíamos dizer que era uma lacuna e que poderia ser integrada à luz do art.4º e a
questão aqui era a possibilidade de aplicação subsidiária do art.590º/4 CPC. a
jurisprudência admite apenas o convite ao arguido, por constituir uma analogia in
malam partem se fosse aplicado ao assistente (AC. Do STJ nº 7/2005 e AC. Do TC nº
175/2013).

Quais são os atos da instrução? São os atos que o requerente pretende que o juiz de
instrução leve a cabo a análise dos meios de prova que não tenham sido considerados no
inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar. Não podem ser
indicadas mais de 20 testemunhas (art.287º/2 CPP). E ainda, dados os poderes
autónomos de investigação criminal que corresponde ao juiz os atos concretos que o
próprio juiz que entenda necessários (art.288º/4).

Na instrução há um debate instrutório. O debate instrutório é obrigatório, oral,


contraditório e publico (art.289º/1 CPP). É conduzido pelo juiz de instrução e
participam o MP, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não
participam as partes civis. O debate instrutório é semelhante a uma audiência de
julgamento. Ex.: o juiz de instrução faz uma exposição introdutória sobre os atos de
instrução a que tiver procedido e sobre as questões de prova relevantes para a decisão
instrutória que apresentem caráter controverso. Dá a palavra aos restantes sujeitos para
requerer produção de prova indiciária suplementar que se proponham apresentar ou
requerer sobre pontos concretos controversos. Procede à eventual produção de prova
suplementar. Dá a palavra novamente aos sujeitos para formularem as suas conclusões
sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios recolhidos e sobre questões de direito
de que dependa o sentido da decisão instrutória. Encerrado o debate, o juiz de instrução
dita logo a decisão para a ata, salvo em causas complexas, nas quais a decisão pode ser
proferida no prazo de 10 dias. Do debate é lavrada ata.

FIM DA INSTRUÇÃO:

Encerrado o debate instrutório, o juiz profere a decisão instrutória (art.307º CPP), que
pode ser um despacho de:

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- Pronúncia (art.308º/1, 1º parte CPP): caso tenham sido recolhidos indícios suficientes
de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma
pena ou de uma medida de segurança;

- Não pronúncia (art.308º/1, segunda parte CPP): caso não tenham sido recolhidos
indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação
ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, ou procedência de questão
processual, prévia ou incidental, que obste ao conhecimento do mérito da causa;

- Arquivamento em caso de dispensa de pena (art.280º/2 CPP): com a concordância do


MP e do arguido, mas não do assistente;

- Suspensão provisoria do processo (art.307º/2 CPP): com a concordância do MP, do


arguido e do assistente.

Arguição de Nulidade da Decisão instrutória:

Terminada a instrução e quando o juiz de instrução lavra um despacho de pronúncia em


que inclui factos que constituem uma alteração substancial do objeto do processo, esse
despacho é nulo:

 Esta nulidade é sanável, como consta do art.309º/2 CPP, porque tem de ser
“arguida no prazo de 8 dias contados da data da notificação da decisão”;
 A arguição é para o juiz de instrução;
 O juiz de instrução pode deferir ou indeferir a reclamação;
 Se tivermos um despacho de indeferimento da arguição da nulidade, este sim, é
um despacho recorrível (art.399º e 310º/3 CPP).

Recurso da decisão instrutória:

O despacho de pronúncia válido é recorrível quando incidir sobre factos que não
constam da acusação do MP. O art.310º/1 CPP é uma regra excecional, que admite
interpretação enunciativa a contrario: fora do caso previsto, o despacho de pronuncia
válido é recorrível. De resto, é a regra geral do art.399º CPP. O despacho de não
pronúncia é recorrível nos termos gerais do art.399º CPP.

13/04/2021

JULGAMENTO:

 Direito ao confronto:

38
Tem a ver com os depoimentos das testemunhas e em que medida isso podem ser
transportados de fases anteriores ao julgamento para serem depois valorados na própria
audiência. Atente-se ao art.355º , 356º CPP e art.6º/3 al. d) da CEDH (sendo o artigo 6º
a sede geral do processo equitativo- o acusado tem o direito de “interrogar ou fazer
interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das
testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação (al. d) do
art.6º/3 da CEDH). Para PAULO SOUSA MENDES parece haver aqui um direito ao
confronto, ou seja, um direito do arguido a confrontar as testemunhas de acusação.

O Regente faz referência a um Acórdão do TEDH- Acórdão do TEDH Al-Khawaja e


Tahery c. Reino Unido, de 15 de dezembro de 2011. São dois casos que foram decididos
conjuntamente. O TEDH estabeleceu alguns critérios para a utilização de declarações de
testemunhas anteriores ao julgamento, tais como:

·         Saber se é necessário admitir tais declarações em cada caso (qual a sua


importância no caso);
·         Não serem tais declarações a única ou decisiva prova para a condenação (se
forem apenas essas as provas não podem ser usadas para condenação do
arguido);
·         Se existiam mecanismos de proporcionalidade, incluindo garantias
processais que assegurem um julgamento justo, como um todo conforme o
art.6º/1 e nº3 al d) CEDH.

Portanto o TEDH não está a dizer que não possam ser usadas contra o acusado
declarações de testemunhas obtidas não na audiência de julgamento, mas sim
anteriormente a quem faça a investigação; está apenas a impor alguns critérios para a
sua utilização.

O TEDH estabeleceu o critério de que a ausência de confronto não prejudica um


processo justo e equitativo se no caso concreto existirem medidas que permitam uma
correta avaliação da credibilidade da declaração da testemunha. Ao TEDH interessa que
se possa averiguar se as provas são confiáveis, algo que se possa acreditar, mais do que
ter havido um efetivo confronto ou exigir que esse confronto ocorra em audiência de
julgamento.

De onde é que vem este direito ao confronto? É um direito de origem norte-americana,


presente na 6º emenda ou adenda da Constituição, onde se dispõe que “em todas as
ações penais, o acusado terá o direito a ser confrontado com as testemunhas
apresentadas contra si”.

Segundo PAULO SOUSA MENDES em rigor o direito ao confronto não, é um direito,


mas sim um feixe de direitos, que implica:

·         O direito do acusado (i) à produção da prova testemunhal em audiência  


pública;

39
·         A presenciar a produção de prova testemunhal;
·         À produção de prova testemunhal na presença do julgador do mérito da
causa;
·         À imposição às testemunhas do juramento de dizer a verdade;
·         A desvendar a verdadeira identidade das testemunhas;
·         À inquirição das fontes de prova testemunhal desfavoráveis no momento da
sua produção.

O direito ao confronto é o maior relevo não só para garantir a verosimilhança dos


testemunhos, mas também para garantir uma defesa eficaz por parte do acusado. Não se
deve confundir o direito ao confronto com a regra do Hearsay Rule (NÃO SE DEVE
TRADUZIR ISTO LITERALMENTE).

A rule against hearsay é uma regra de exclusão probatória (exclusionary rule) do


sistema adversarial norte americano que veda a utilização de elementos produzidos
anteriormente ao processo e declarações anteriores ao julgamento (hearsay evidence),
contendo, porém, diversas exceções. Mas não se confunde com o direito ao confronto
porque este é um direito do acusado, a ser confrontado com as testemunhas hostis e
pode em certa medida ser cumprido mesmo antes do julgamento.

Em 2004, no caso Crawford v. Washington, o Supremo Tribunal dos EUA, alterou o


seu entendimento sobre o âmbito de aplicação do right of confrontation, passando a
adotar o entendimento de que tal direito somente se aplica aos depoimentos prestados
em fase anterior ao julgamento em que o acusado e o defensor não tenham tido a
oportunidade de confrontar a testemunha. Ou seja, o ST dos EUA deixou de dizer que o
confronto ocorresse na própria audiência do julgamento, mas que tivesse ocorrido em
qualquer fase desde que acusado e o defensor tivessem tipo oportunidade de confrontar
a testemunha.

Esta nova orientação jurisprudencial reforça o direito de confrontar a testemunha de


acusação em julgamento, mas coloca um problema ao limitar a sua aplicação àquelas
declarações anteriores ao julgamento que tenham natureza testemunhal, o que abre o
debate acerca de como identificar quando tais declarações são consideradas
testemunhais. Por exemplo, A perante a ocorrência de crime, assistindo a essa cena,
pega no telemóvel e chama a policia e diz “venham depressa que está aqui a ocorrer um
crime”; se ficarem gravadas essas declarações, segundo a jurisprudência norte
americana, elas poderão ser utilizadas como prova em tribunal, porque não são de
natureza testemunhal, pois quando A chama a policia a sua finalidade não visava prestar
declarações, mas sim chamar auxilio. Portanto é diferente do caso em que a testemunha
tenha sido ouvido pela policia.

O cerne do problema é saber quais são aquelas exceções à proibição do “hearsay”, que
são ou não testemunhais, porque as que não são podem ser transportadas para

40
julgamento sem nenhum problema, mas que forem, só poderão ser aproveitadas, se
houver possibilidade de um confronto.

A Jurisprudência norte americana tem evoluído nesta matéria. há mais testes rigorosos
designadamente o acórdão Davis v. Washington, 547 US 813 (2006) introduziu uma
série de critérios a este propósito.

Não é fácil transpor estas ideias para o direito romano-germânico (civil law). Há quem
diga que o direito ao confronto talvez possa ter alguns equivalentes parciais no chamado
princípio da imediação (a prova tem que ser produzida diretamente aos olhos do
julgador da matéria de facto), mas também no chamado princípio da oralidade. Só que a
imediação e a oralidade referem-se à relação entre o órgão julgador e as provas
enquanto que o direito ao confronto da tradição anglo-americana exige uma relação
entre a defesa (o acusado) e a testemunha para a poder contra interrogar.

Por outro lado, o direito ao confronto no sistema processual norte-americano serve para
garantir o direito ao contra interrogatório, mas o contra interrogatório é um direito de
todos os sujeitos processuais, ao passo que o direito ao confronto é um direito só do
acusado. O confronto e o contra interrogatório estão intimamente ligados, mas com a
diferença assinalada.

O contraditório da tradição europeia continental assemelha-se à função do direito ao


confronto, mas o contraditório é de todos os sujeitos processuais. Além de que o
contraditório não é necessariamente um contra interrogatório.

Na tradição jurídica de matriz anglo-americana (Common law), a acusação e a defesa


podem dirigir perguntas específicas diretas às testemunhas que indicaram, cabendo à
outra parte contrainterrogar (cross-examine) diretamente as testemunhas que não
indicaram.

Na tradição jurídica de matriz continental europeia (civil law) não está excluída a
possibilidade de o juiz intervir na inquirição das testemunhas, ao abrigo dos seus
próprios poderes de investigação, embora também se pratique inquirição direta pela
acusação e pela defesa e o contraditório, no sentido de contra interrogatório.

Portanto, não podemos fazer equiparações funcionais plenas ente os dois modelos de
direito, mas seria interessante valorizar o direito ao confronto em sentido próprio
também entre nós, pena é que a jurisprudência do TEDH seja muito pouco exigente
nesta matéria. a jurisprudência do TEDH é de garantias mínimas para todas as OJ e nem
sempre é uma jurisprudência que sirva de referencia pra um quadro de garantias solido e
o direito ao confronto deveria fazer parte desse quadro de garantias.

41
 Declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento:

O CPP autonomiza a prova que tem como fonte o arguido relativamente à prova
testemunhal em sentido amplo. O arguido não é tratado como uma testemunha, nem
podia. Ele tem os seus direitos autonomizados.

No estatuto do arguido como fonte de prova processual ressaltam duas marcas


distintivas:

·         A proteção do arguido contra a autoincriminação, ainda que voluntária;


·         A responsabilização do juiz pelo interrogatório do arguido;

Importa reter que a propósito de declarações processuais prestadas antes da fase de


julgamento, que elas têm uma finalidade no espírito do sistema (conceder ao arguido o
seu direito de audição e defesa antes que seja proferida uma acusação), são uma
oportunidade de acusação e defesa concedida ao arguido antes da acusação, mas nada
obsta que possam servir de meio de investigação quando ao arguido aceita prestar
declarações e de informação estratégica dos sujeitos processuais. Mas o objetivo pelo
qual o direito processual penal fornece esta oportunidade de audição do arguido é para
que ele possa explicar o seu ponto de vista e operar a sua defesa.

Antes de 2013- A reprodução em audiência das anteriores declarações processuais do


arguida apenas era admitida por sua própria solicitação ou quando, tendo sido feitas
perante o juiz, houvesse contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em
audiência, conforme era referido no art.357º/1 CPP (antes de 2007: discrepâncias
sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo). Daqui resulta que se o
arguido ficasse em silêncio, direito que lhe assiste, então não poderiam ser lidas as
declarações que ele tivesse proferido anteriormente ao julgamento, porque tinha que
haver audiências de discrepâncias.

Esta solução legal visava sobretudo garantir a imparcialidade do juiz de julgamento para
que ele não ficasse contaminado com as declarações obtidas através do arguido a
margem dos princípios de produção de prova que privilegiam a audiência de julgamento
para o efeito. A solução legal impunha que as declarações processuais do arguido, em
principio, não pudessem ser valoradas no julgamento, carecendo de ser renovadas ou
produzidas de novo nesta fase perante o juiz, para que este pudesse formar a sua
convicção independentemente da investigação criminal, com total imparcialidade. Há
estudos empíricos que indicam que um juiz que toma contacto com os autos do
processo, porque há tradição dos autos do inquérito pra o juiz de julgamento, fica desde
logo de alguma forma mais atreito a concordar com a versão da acusação do que

42
propriamente com o ponto de vista do arguido que ainda nem sequer teve oportunidade
de se expressar porque o julgamento ainda não começou.

Este princípio (do não aproveitamento), que  se aplica aos depoimentos das
testemunhas, às acareações e aos reconhecimentos que não tem o direito ao silencio
(tem o dever de colaborar com a justiça, podendo ser responsabilizados se mentirem),
devem igualmente valer para as declarações do arguido, aliás por maioria de razão, se
considerarmos que este goza do direito ao silêncio e pode não querer produzir quaisquer
declarações na audiência de julgamento. O arguido não tem qualquer dever de
colaboração com a justiça. Goza do direito ao silencio, e pode não dizer nada na
audiência de julgamento.

A Lei nº 20/2013 alterou significativamente o regime das declarações anteriores ao


julgamento, regulado no art.356º e 357º do CPP. Em especial, alterou o regime da
reprodução ou leituras permitidas de declarações do arguido (357º CPP).

A restrição do art.357º/2 é absolutamente essencial, porque a confissão em rigor só pode


acontecer em julgamento. O que se está a dizer é que as declarações do arguido mesmo
que sejam lidas e aproveitadas por se terem verificadas as condições da al. b) do nº1, em
caso algum podem valer como confissão e ainda que possam constituir uma prova,
nunca podem ser a única e decisiva prova para a condenação. São declarações
confessórias, tem  valor probatório e podem ser aproveitadas em audiência desde
tenham sido verificadas estas “exigências”.

A alteração legislativa de 2013 foi uma alteração com bastante significado, porque pode
ser que põe em crise a estrutura acusatória do processo penal porque compromete a
imparcialidade do juiz. Do mesmo passo, ameaça um conjunto de princípios
congruentes, desde a igualdade de armas, passando pelo direito ao silêncio, até à
oralidade e à imediação.

Realmente, o arguido pode ficar limitado nas suas garantias de defesa, pois saberá que,
se falar durante os interrogatórios, tudo o que disser poderá ser usado contra si em
julgamento, o que pode retirar-lhe qualquer vantagem de tentar esclarecer o seu
envolvimento nos factos em curso de investigação. Tal redunda uma restrição do seu
direito de audiência e defesa, afinal a razão pela qual foram previstos os interrogatórios
de arguido em fases anteriores ao julgamento.

Por outro lado, nem sequer está demonstrado que o sacrifício dos princípios possa ser
compensado por ganhos de eficácia no processo penal. Pelo contrário, é provável que a
alteração legislativa possa desencadear, na prática, reação do arguido de antecipar o
silêncio para uma fase anterior ao julgamento, retirando assim à investigação criminal
um importante instrumento de recolha de informação para o esclarecimento da verdade
material. Isto até pode limitar a estratégia da sua defesa e as suas garantias.

43
Pelo contrário, para PAULO SOUSA MENDES, o reforço da estrutura acusatória do
processo penal português deveria passar antes pela adoção de um sistema inspirado no
modelo italiano de desentranhamento das provas repetíveis dos autos que seguem para a
fase de julgamento. Designadamente, desentranhamento das declarações processuais de
arguido anteriores ao julgamento.

O direito italiano consagra um sistema de separação, na audiência preliminar, dos autos


destinados ao julgamento, nos termos do art.431º CPP, relativamente aos autos do
Ministério Publico, nos termos art.433º CPP. Os Autos do MP são conhecidos das
partes, mas não do juiz de julgamento, a fim de garantir a imparcialidade do último. Não
obstante, se o arguido disser alguma coisa que seja contraditório, o MP podem assinalar
a existência de uma contradição.

Não se pense que neste modelo de “dois fascículos”, implica que as provas irrepetíveis
de caráter documental fiquem no fascicolo per il debattimento, e as repetíveis
no fascicolo del publico ministero; a defesa pode até pedir que todas as declarações
constem do fascicolo por il debattimento, mas em tese, a ideia seria enviar para o juiz
de julgamento apenas aqueles factos/provas que fossem irrepetíveis e as provas
repetidas essas seguiriam os procedimentos probatórios para que a prova possa ser
descortinada pelos envolvidos.

Sobre a alteração de 2013, dispõe PAULO SOUSA MENDES que se a única


justificação é que a opinião pública não percebe as absolvições injustas quando o
arguido confessa o crime quando presta declarações anteriores ao julgamento, não se
compreende como foi parar a julgamento uma situação em que apenas existe uma
declaração confessória e o resto são provas frágeis. 

20/04/2021

ESTRUTURA DA SENTENÇA PENAL:

O dever de fundamentação da sentença é uma garantia de um julgamento equitativo


(fair trail), como tem sido afirmado pelo TEDH, por exemplo nos casos
Hadjianastassiou (1992) e Salov (2005), entre outros.

A estrutura da sentença contém 3 elementos: temos norma no CPP- art.374º, impondo


esta estrutura:

44
 Relatório (antecedentes do processo penal);
 Fundamentação (da própria decisão);
 Dispositivo (decisão propriamente dita).
Elementos da fundamentação  na fundamentação da sentença penal, o julgador (1)
enumera os factos provados e não provados 1; (2) expõe completamente, mas de maneira
concisa, os motivos de facto e de direito que justificaram a decisão 2 e (iii) indica,
examinando-as criticamente, as provas que serviram para formar a convicção do
tribunal.

O disposto no art.374º CPP tem paralelo noutros ordenamentos jurídicos. Por exemplo,
o art.546º al. e) do CPP Italiano, de 1988, sob a epígrafe de requisitos da sentença 3,
obriga o tribunal a fazer a “exposição concisa dos motivos de facto e de direito sobre os
quais se fundou a decisão, com indicação das provas utilizadas na própria decisão e a
enunciação das razões pelas quais o juiz considera não atendíveis as provas contrárias”.

A motivação incide sobre questões de facto e de direito  na motivação não pode


aceitar-se a cisão material entre um domínio não-normativo de prova, segundo uma
racionalidade científica, ainda que vulgarizada pelo senso comum, e um domínio
normativo de enquadramento legal dos factos, segundo uma racionalidade jurídica. A
oposição questão de facto e questão de direito tem que ser mitigada, pelo menos à luz de
um pensamento que se poderia designar de jurisprudencialismo e que foi em grande
medida, entre nós, o pensamento do Professor CASTANHEIRA NEVES. Segundo este
pensamento: (1) A regra de julgamento da prova não pode abstrair da estreita relação
que se há de estabelecer entre a questão de facto e a questão de direito. De resto, é dessa
relação que nasce o concreto problema jurídico que suscita a decisão do tribunal.

A separação formal entre a questão  de facto e a questão de direito corresponde apenas a
uma exigência prático-processual de limitação dos poderes de cognição do tribunal de
revista.

De resto, uma terminologia desde há muito consolidada no domínio processual chama


questões de direito às conclusões suscetíveis de reexame por um tribunal de revista com
poderes de cassação ou de substituição da sentença recorrida e questões de facto àquelas
que não são reexamináveis.

1
Só acontece na sentença porque é apenas o julgador da matéria de facto que tem
competência para o fazer. não é competência da acusação ou sequer do juiz de instrução
da pronúncia.
2
A isto se chama de motivação. Tem que ligar a motivação a uma analise critica dos
meios de prova que foram considerados relevantes para a decisão e também as ligações
entre eles, designadamente através de regras de experiencia comuns baseadas no senso
comum ou até científicas (relatórios periciais que constam dos autos).
3
A mesma epigrafe que nós usámos.
45
A revista fica assim limitada aos vícios de legalidade, seja por verificação de alguma
nulidade, seja por desaplicação ou incorreta aplicação de normas jurídicas.

Mas a distinção entre a questão de facto e de direito não implica que haja uma separação
entre conceitos fáticos ou pré-jurídicos e conceitos jurídicos.

 Por exemplo, o conceito de dolo eventual é seguramente um conceito jurídico,


ainda que tenha de ser preenchido com factos. A decisão sobre o dolo eventual
revelado pelo agente, ora arguido, durante a prática do facto punível é da
competência exclusiva das instâncias não porque a questão não seja jurídica,
mas porque se entende que o tribunal de revista não deve revisitar a prova dos
factos.

Tal não significa que daquela dimensão puramente causal da prova, não remanesça uma
dimensão puramente epistémica da prova penal na análise do concreto problema
jurídico que suscita a decisão do tribunal, mas ela expressa-se sobremaneira no regime
dos meios de prova, em especial na prova pericial. Na prova dos factos (por exemplo, o
nexo causal), os peritos operam com os métodos do seu específico saber cientifico-
forense e analisam os dados empíricos segundo a sua própria perspetiva idiomática. Mas
um relatório pericial reporta-se apenas a proposições factuais fragmentárias que só
ganham sentido numa cadeia de argumentos que caberá ao tribunal analisar na
perspetiva do problema jurídico concreto.

Vimos então a estrutura da sentença, comparemos então com o despacho de


acusação, nos termos do art.283º CPP. O despacho de acusação tem uma estrutura
narrativa, não há aquela indicação dos factos provados e não provados, além disso, só
depois da narração factual é que são indicadas as disposições legais aplicáveis.
Ademais, não há uma análise critica da prova, havendo tão somente uma indicação, por
fim, dos meios de prova.

Repara-se que o MP não tem competência para declarar factos provados ou não
provados, nem para fundamentar a sua decisão, apenas junta indícios que são
considerados suficientes, para num juízo de prognose antecipar a probabilidade maior
de o arguido ser condenado em juízo do que ser absolvido, naturalmente fundado numa
convicção sua acerta de autoria ou materialidade daquele caso.

Comparemos agora o despacho de pronúncia com a sentença- art.307º do CPP. A


função do juiz de instrução na fase respetiva não é senão controlar a bondade da
acusação ou das investigações realizadas em fase de inquérito quando sejam
facultativamente sujeitas a controlo judicial e verificar se existem ou não indícios que
pela mm razão deva levar o caso a julgamento e portanto não se assemelha a estrutura
de sentença.

46
PROCESSOS ESPECIAIS:

Existem 3 formas de processos especiais no CPP:

 Sumário (art.381º e ss);


 Abreviado (art.391º A e ss);
 Sumaríssimo (art.392º e ss).

As formas de processo com tramitação simplificada, são aplicáveis segundo


circunstâncias legalmente descritas e que preferem a forma de processo comum, têm
uma aplicabilidade limitada pela gravidade do crime, em função da penalidade (ou da
pena máxima de prisão em concreto pedida pelo MP) não superior a 5 anos de pena de
prisão. Criminalidade de media gravidade ou pequena gravidade.

Características:

 São formais mais céleres: não há instrução nos processos especiais (art.286º/3),
o inquérito pode ser suprimido e o julgamento acelerado;
 São subsidiariamente aplicáveis as regras do processo comum (art.386º/1 +
391ºE);
 E são prioritários relativamente à forma de processo comum (subsidiário):
direito do arguido à forma especial do processo que ao caso caiba.

A não verificação dos pressupostos legais da forma especial obriga à aplicação


subsidiária do processo comum (forma aplicáveis em todos os casos em que a lei não
imponha o processo comum), sob pena de nulidade insanável (art.119º/al. f). O emprego
indevido da forma de processo comum é cominado com nulidade sanável e dependente
de arguição, mais solene, quando a lei determine a aplicação de processo especial
(art.120º/2, al. a).

 Processo sumário:

Requisitos:

1) Detenção em flagrante delito;


2) Punível com pena de prisão;
3) Efetuada por entidade policial, autoridade judiciária ou particular;
4) Competência do tribunal singular.

Quanto ao primeiro requisito, é admissível em qualquer modalidade (art.381º/1, al. a)


ou b). Não se aplica a crimes particulares (art.255º/4), pois não há detenção em flagrante
delito por crimes particulares, mas apenas identificação do suspeito (art.250º).

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Finalidades da detenção em flagrante delito (art.254º) entre elas é a realização do
julgamento sob a forma sumária. Temos três modalidades de detenção em flagrante
delito:

 Art.256º/1, 1º parte (stricto sensu): atos de execução em curso = plena atualidade


e visibilidade/perceção por quaisquer sentidos:
 Art.256º/1, 2º parte (quase flagrante delito): logo após o termo da execução
(ligação fáctica e temporal com a comissão do crime);
 Art.256º/2 (presunção de flagrante delito): logo após o crime, ser perseguido ou
encontrado com objetos e sinais.
 O que é “logo após o crime”? Acórdão do TRP de 01/02/2012. A
questão aqui é saber se se verifica os tais sinais que mostra que acabou
de cometer o crime.

Casos especiais para a detenção em flagrante delito:

 Crime permanente (art.256º/3): visibilidade da prática do crime e do


envolvimento do agente = só flagrante delito stricto sensu.

Há dificuldades para o flagrante delito em crimes que careçam de prova pericial, por
exemplo, o crime de trafico de estupefacientes. Será que antes da prova pericial já pode
haver lugar a detenção em flagrante delito? Entende-se que sim (art.387º/7 e 8 e
art.389º/4).

Ainda há outras finalidades para a detenção em flagrante delito, para além do


julgamento em processo sumário (art.254º/1, al. a).

Quanto ao segundo requisito- o crime seja punível com pena de prisão: crime de
natureza pública ou semipública, desde que a queixa seja apresentada em ato seguido à
detenção.

 Crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos;


 Ou superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso efetivo, se o MP
entender ser aplicavel pena até 5 anos, desde que seja inferior a 5 anos a
pena mínima abstrata do crime mais grave em concurso.
 O atual art.381º/2 é paralelo ao mecanismo do art.16º/3, mas só para
casos do art.14º/2, al. b).

Jurisprudência obrigatória:

 AC. TC nº 174/2014 de 13/03/2014.

48
Quanto ao terceiro requisito, a detenção tem de ser efetuada por entidade policial ou
autoridade judiciaria (trata-se de um poder-dever de detenção (art.255º/1, al. a); ou por
particular, em caso de impossibilidade de recurso em tempo útil à força publica: trata-se
de um poder-direito de detenção (art.255º/1, al. b), mas com dever de entregar
imediatamente o detido a uma das entidades da al. a), que tem de lavrar auto sumário da
entrega e comunicar ao MP (art.255º/2 e 259º/al. b).

Quanto ao prazo para a realização do julgamento, deve iniciar-se até 48 horas


(art.387º/1) ou até 20 dias após a detenção (art.387º/2, al. c):

 O vício de preterição do prazo (art.390º/1, al. b) dá lugar a reenvio do processo


para outra forma, mas o MP decide qual a nova forma (art.390º/2).

Qual a invalidade decorrente da preterição do prazo?

a) Nulidade insanável (art.119º/al. f);


b) Mera irregularidade (art.118º/2 e art.123º);
c) Ou prazo meramente ordenador?

AC do TRE de 30/06/2015

Quanto ao quarto requisito  não ser crime da competência do tribunal coletivo por
reserva de competência qualitativa (art.14º/2, al. a) e 14º/1). Ou seja, tratar-se de crime
da competência do tribunal singular (art.16º e 390º/2). AC do TC nº 174/2014.

Decisão sobre a forma sumária compete ao MP. Não há inquérito, mas pode haver
diligencias de prova cuja realização terá de respeitar os prazos para o julgamento em
processo sumário (art.382º/5). Também compete ao MP a decisão sobre a promoção de
medidas previstas nos art.280º ou 281º - ex vi art.384º: arquivamento em caso de
dispensa de pena ou SPP, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente.

Podendo a SPP durar entre 2 a 5 anos (art.282º/1 e 5), será compatível com a celeridade
do processo sumário? O arquivamento em caso de dispensa de pena e a SPP precedem a
fase do julgamento em processo sumário, mas não prescindem da intervenção do juiz de
instrução nos termos gerais.

Tem de haver constituição de arguido do detido em flagrante delito (art.58º/1, al. c).
Tem que haver apresentação imediata ao MP para interrogatório sumário, se este assim
entender (art.382º/2), em ordem a apurar se se verificam os pressupostos e requisitos de
aplicação do processo sumário. Apresentação ao tribunal competente para julgamento
em processo sumário, se o MP não promover o arquivamento em caso de dispensa de
pena ou a SPP (art.382º/2 e 384º/1 e 2). Regra: a libertação deve ocorrer se o arguido

49
não for apresentado ao juiz em ato seguido à detenção, com notificação para as
finalidades previstas no art.385º/2 (art.385º/1 e 3).

Quanto a manutenção da detenção é uma exceçao ate ser presente à autoridade


judiciaria (art.385º/1, al. a), b) ou c). O arguido pode exercer o direito ao prazo para
preparar a sua defesa – direito de defesa: previsto nos art.382º/2 e 383º/2. Acusação e
audiência (art.389º). A acusação do MP pode ser substituída pela leitura do auto de
noticia da autoridade que tiver procedido à detenção, ainda que completado, desde que
respeite os requisitos do art.283º/3.

Quanto à fase de julgamento, o processo sumario concentra-se na fase de julgamento,


sem impor um inquérito, nem admitir a instrução. É reduzida ao mínimo indispensável
para a boa decisão da causa (art.386º). O reenvio para outra forma de processo só é
possivel nos casos do art.390º. A própria sentença é simplificada porque em regra é oral
– art.389º A.

Quanto a diligências de prova, a questão é saber se estas requeridas pelo arguido serão
compatíveis com a audiência de julgamento na forma sumária (art.387º/4) – Ac. Do
TRC de 18/05/2016.

Quanto ao requerimento da prova, a questão é: a rejeição de requerimento de prova do


arguido – inquirição de 2 testemunhas que o mesmo não conseguira identificar em
momento anterior – gera nulidade dependente de arguição por preterição de ato
legalmente obrigatório de investigação (art.120º/2, al. d)?

A compatibilidade do art.387º/4 com o art.340º quanto ao poder dever de investigação?


Veja-se o Ac. Do TRC de 18/05/2016.

Em conclusão, o processo sumário e a forma de processo mais expedita que não


comporta algumas das fases do processo comum (inquérito e instrução). Apesar de tudo,
é mais formal do que o processo sumaríssimo. Baseia-se na ideia de que se deve saltar
fases do processo comum e avançar o mais rapidamente possivel para a fase de
julgamento, quando a prova é relativamente simples por se alicerçar na evidencia
própria das situações de flagrante delito.

 Processo abreviado:

Requisitos:

1) a pena de prisão seja até 5 anos (abstrata ou limitada pelo MP) ou multa;
2) tem de haver vidência probatória.

É um processo que assenta na especial simplicidade e evidencia da prova, da qual,


porém, têm de resultar indícios suficientes no sentido do art.283º/1 e 2. Ou seja: “a

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prova não apresenta, do ponto de vista dos factos e do direito, qualquer dificuldade e
pode ser facilmente esclarecida".

Quanto ao primeiro requisito, crime punível com pena de prisão até 5 anos, ou superior
a 5 anos, mesmo em caso de concurso efetivo, se o MP entender que em concreto deva
ser aplicável pena até 5 anos, em paralelo com o previsto no art.16º/3. Necessário é a
pena abstrata mínima do crime mais grave em concurso ser inferior a 5 anos. Valem as
considerações sobre a competência do tribunal singular no processo sumario (AC. TC nº
174/2014).

Quanto ao segundo requisito, tem de haver evidencia probatória (art.391º A/1 e 3). A
questão é se o nº 3 é taxativo.

O processo abreviado é um sucedâneo mais moroso do processo sumario (art.384º/4 e


391ºA/3, al. a). a fase de inquérito não é obrigatória, pois a acusação pode ser deduzida
por remissão para o auto de noticia ou para a denuncia (art.391ºB/1). Havendo
inquérito, a acusação autónoma terá de ser deduzida no prazo de 90 dias a contar da
noticia do crime ou da apresentação de queixa (art.391ºB/2). Aqui pode discutir-se quais
os efeitos jurídicos da preterição deste prazo – será a irregularidade ou é apenas um
prazo ordenador?

Tratando-se de crime particular a acusação do MP para julgamento em processo


abreviado só é possivel depois de deduzida a acusação particular (art.285º e 391ºB/3). A
SPP é compatível com processo abreviado (art.391ºB/4)? A discussão sobre a SPP
quanto ao processo sumario também vale para o processo abreviado. Saneamento do
processo (art.391ºC), com possibilidade de rejeição da acusação do MP ou do particular,
nos termos do art.311º.

Reenvio do processo ao MP para promoção sob outra forma de processo só se for


inadmissível no caso o processo abreviado (art.391ºD/1). Porém, se o MP deduzir
acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular ou requerer
aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da liberdade em processo
sumaríssimo, a competência para o seu conhecimento mantém-se no tribunal
competente para o julgamento na forma abreviada (nº2). Julgamento segue as regras do
processo comum, salvo quanto ao disposto no art.391ºE/2. Sentença (equiparação à
sentença da forma sumária: em regra oral) – art.391ºF.

Em conclusão, o processo abreviado garante parte do formalismo do processo comum,


com algumas alterações de natureza formal (não obrigatoriedade do
inquérito/inexistência de instrução). Finalidade do processo abreviado é submeter o
arguido a julgamento o mais rapidamente possivel, nos casos de pequena e media
criminalidade fortemente indiciados porque sustentados em provas evidentes e de fácil
produção. É o sucedâneo do processo sumario quando, apesar da detenção em flagrante
delito, não seja possivel o julgamento em processo sumario dentro do prazo legal.

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 Processo sumaríssimo:

Requisitos:

1) Pena de prisão até 5 anos ou multa;


2) Requerimento do MP, ouvido o arguido, ou por iniciativa do arguido;
3) Avaliação do MP.

É aplicavel a crime punível com pena de prisão até 5 anos, mesmo em caso de concurso
efetivo, ou só com pena de multa (art.392º/1). Requerimento do MP, após ter ouvido o
arguido, ou por iniciativa do arguido. Avaliação do MP quando entender que a pena ou
medida de segurança a aplicar não deve ser privativa de liberdade (art.392º/1).

 Sendo crime particular, exige-se a concordância do assistente quanto ao


conteudo do requerimento do MP (art.392º/2).
 Desde que não haja rejeição pelo juiz (art.395º), nem oposição do arguido
(art.396º e 398º), segue-se de imediato a decisão condenatória (art.397º).

Quanto a tramitação, o requerimento do MP não pode limitar-se a remeter para o auto


de noticia ou para a denúncia. Forma que contempla fase preliminar de inquérito,
destinada a recolher prova indiciaria dos factos e da sua autoria, bem como os
elementos de facto necessários à escolha da pena ou medida de segurança não privativas
da liberdade.

O que implica: constituição do suspeito como arguido; realização do respetivo


interrogatório; nos crimes particulares, no final do inquérito, concordância do assistente
previa ao requerimento do MP para julgamento em processo sumaríssimo.

O requerimento do MP é mera proposta. Havendo rejeição pelo juiz (art.395º) este


pode: 1) reenviar o processo para outra forma (art.395º/1), valendo o requerimento do
MP como acusação; 2) ou propor sanção diferente na sua espécie ou medida da
requerida pelo MP, mediante acordo deste e do arguido (art.395º/1, al. c) e nº2).
Salvaguarda do poder jurisdicional de aplicação da sanção.

Se o juiz não rejeitar a promoção do MP, notifica o arguido (art.396º). se o arguido


deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio para outra forma do processo, valendo o
requerimento do MP como acusação (art.398º). se o arguido não deduzir oposição,
passa-se logo à decisão condenatória na pena proposta e acordada, a qual é insuscetível
de recurso ordinário.

O arguido só pode aceitar ou rejeitar, pura e simplesmente, o requerimento do MP, isto


é, não apenas parcialmente ou com condições, negociando o seu conteudo. Tendo

52
havido aceitação pelo juiz e rejeição pelo arguido do requerimento o MP, aquele juiz
pode ser alvo de recusa caso venha a intervir na outra forma de processo para que foi
remetido o mesmo arguido e o mesmo facto (art.43º/1 e 3 e art.398º).

Em conclusão, o processo sumaríssimo visa a pacificação social em torno do consenso


obtido. Trata-se de um processo expedito, aplicável à pequena e média baixa
criminalidade, alicerçado nas ideias de consenso e dissuasão da prática futura de crimes,
que prescinda da instrução na fase inicial, e da audiência na fase de julgamento.

SUJEITOS PROCESSUAIS

 Arguido:

A constituição no art.32º/1 assegura no processo criminal todas as garantias de defesa.


Mas não diz exatamente a quem de onde se retira que estas garantias começam muito
antes da constituição formal de arguido, no fundo são garantias formadas genericamente
a qualquer cidadão que seja alvo ou possa simplesmente ser alvo de um processo
criminal.

O CPP distingue as figuras de suspeito e de arguido. São ambas conceitos técnico


legais. No art.1º/al. e) do CPP contém definição material de suspeito. O arguido é um
estatuto que implica uma constituição formal e os caos em que a constituição ocorre
vem especificados no CPP, ao passo que não há constituição formal de suspeito, é
apenas um estatuto material.

Quanto ao arguido, o CPP não define a figura, mas aponta simplesmente os casos de
constituição de arguido, nos termos do art.57º, 58º e 59º, indicando os direitos e deveres
processuais que lhe correspondem, enquanto verdadeiro sujeito processual.

No CPP na versão de 1987, o art.342º/2 dizia que o arguido estava obrigado a responder
com verdade sobre os seus antecedentes criminais na audiência de julgamento. Esta
obrigatoriedade foi, pelo AC do TC nº 695/95, declarada inconstitucional por violação
das garantias da defesa, do direito ao silêncio e da presunção de inocência. Esta
obrigatoriedade era absolutamente desleal porque no julgamento o tribunal já tem ou
pode ter acesso aos antecedentes criminais do arguido, de forma que perguntar-lhe isso
significaria procurar confrontá-lo ou com alguma resposta imprecisa ou resposta
redundante e portanto ainda bem que esta obrigatoriedade desapareceu e agora ele só
tem que responder com verdade sobre a sua identidade em fase de inquérito.
Este direito ao silêncio não é só do arguido, é uma garantia de defesa que a todos assiste
no processo criminal. A própria testemunha não é obrigada a responder a perguntas
quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal – art.132º/2 CPP.
A testemunha, apesar de ser uma colaboradora forçada da justiça sobre cominação de

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falso testemunha que é crime, ainda assim pode não responder a perguntas se alegar que
das respostas resulta da sua responsabilização criminal. E isso implica que requeira a
sua constituição potestativa como arguida.

Em Portugal, o nemo tenetur (a principal dimensão da ideia de processo justo e


equitativo) não consta expressamente do texto da CRP, mas a doutrina e a
jurisprudência portuguesas são unânimes não só quanto à vigência daquele principio no
direito processual penal português, como quanto à sua natureza constitucional.

As fundamentações são diferentes:

 há quem baseie o princípio nas garantias processuais consagradas nos art.20º/4,


in fine e art.32º/1 da CRP;
 outros consideram que o princípio carece ainda de uma fundamentação última de
caráter não processualista, mas antes de ordem material ou substantiva, ligando-
o aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana nos termos do art.1º
da CRP.

Diretiva da presunção de inocência – Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e


do Conselho de 9 de março de 2016 relativa ao reforço de certos aspetos da presunção
de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal.

 Impacto do art.7º (Direito de guardar silencio e direito de não se autoincriminar).

Âmbito de aplicação – a presente diretiva aplica-se às pessoas singulares que são


suspeitas da prática de um ilícito penal ou que foram constituídas arguidas em processo
penal e a todas as fases do processo penal, isto é, a partir do momento em que uma
pessoa é suspeita da prática de um ilícito penal ou é constituída arguida ou é suspeita ou
acusada de ter cometido um alegado ilícito penal, até ser proferida uma decisão final
sobre a prática do ilícito penal e essa decisão ter transitado em julgado.

27/04/2021

Objeto do Processo

O problema da identificação e da definição do objeto do processo só surge num sistema


de processo penal que tenha estrutura acusatória, em que o Tribunal age, portanto, no
pressuposto da existência de que há uma prévia acusação (em sentido material:
acusação, pronúncia).

A relevância do objeto do processo acontece em múltiplos contextos:

 Litispendência;
 Caso Julgado;
 Amplitude da atividade probatória;

54
 Nes bis in idem (na medida em que ninguém pode ser objeto de novo julgamento
pelos factos pelos quais já tenha sido julgado ou condenado)
 Recursos;
 Competência, legitimidade, etc.

Todas estas questões têm que ser decididas à luz de um conjunto coerente de princípios
de processo penal:

 Principio da identidade que significa, basicamente, que o objeto do processo


tem que se manter o mesmo do início ao fim do processo. É verdade que o
objeto do processo se vai definindo progressivamente, porque no momento da
instauração do inquérito será um objeto difuso e versátil (aliás, o inquérito serve
precisamente para descobrir se houve crime ou crimes e quem foram o seus
agentes). Sendo que o momento em que há uma primeira definição do objeto é
justamente findo o inquérito, com o despacho de acusação, mas ainda assim, é
possível alargamentos, quer haja arquivamento, quer haja acusação, pois por via
do requerimento de abertura de instrução do assistente ele pode precisamente
querer definir, ou alargar o objeto do processo.

 Principio da unidade ou indivisibilidade: uma vez constituído o objeto do


processo ele  não pode ser fragmentado em distintos processos, ainda que isso
pudesse tornar mais fácil a investigação e o posterior julgamento desses factos.
Um dos fundamentos deste principio é a pena única, que em atenção aos fins das
penas, terá de ser condenado o arguido se for caso disso e a separação de
processo constitui um prejuízo, ainda que superável, à necessidade de aplicação
de uma pena única e em consideração dos factos na sua inteireza, ainda que a lei,
admita em situações excecionais, a separação dos processos;

 Princípio da consumpção este principio significa que factos que não foram


conhecidos num certo processo, mas que pelo principio da identidade, se
tivessem sido descobertos deviam tê-lo sido, já não podem ser alvo de novo
processo e muito menos de novo julgamento.

 Principio da vinculação temática significa que o tribunal embora tenha


poderes oficiosos de investigação dos factos, podendo procurar provas, para
além daquela que foi produzida ou daquela que foi apresentada pelo tribunal, só
o pode dentro das extremas do objeto do processo pré-fixado, está então
vinculado pelo objeto do processo que não é por si vinculado.
 

Sobre a questão do critério para definir a identidade do objeto do processo, há


muitas doutrinas, sendo a discussão muito antiga:  

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Para EDUARDO CORREIA os factos só interessam à luz da perspetiva do jurista e
portanto podia haver alterações nos factos até relevantes que o critério da identidade do
objeto do processo era aferido somente através do bem jurídico violado; se o crime se
mantivesse da mesma natureza afetando ou fazendo perigar o mesmo objeto ou o
mesmo bem jurídico, não havia alteração do objeto do processo.

Para CAVALEIRA FERREIRA  (não apanhei)

PAULO SOUSA MENDES considera que esta discussão está francamente ultrapassada,
porque assentava numa premissa não aceitável de oposição radical entre a questão de
facto e a questão de direito (todavia, não é que essa distinção não faça sentido, mas faz
mais sentido para perceber o âmbito dos poderes do tribunal de recurso e não tanto
porque haja uma separação radical entre as duas).

E neste ponto PAULO SOUSA MENDES considera preferível o jurisprudencialismo de


CASTANHEIRA NEVES em que: “ é a individualidade do caso jurídico, com a sua
unidade concreto-problemática, que se impõe à regulamentação processual”, isto
significa que quaisquer factos que constituam o objeto do processo convocam sempre
um problema jurídico, sendo então, nesta unidade concreto-problemática que se deve
ver se o objeto do processo se mantém o mesmo ou se é outro, e aqui só podemos usar
indicadores aproximativos ou até fundados em tipologias, mas o pensamento
conceptual-abstrato, não nos permite dizer se um caso se mantém o mesmo na sua
identidade concreto-problemática ou não, porque a sua configuração pode variar em
pormenores e ainda assim ser relevante e afetar a identidade do objeto do processo.

Aliás, um dos aspetos a considerar é se essa alteração na descrição, a ponto de sabermos


se compromete ou não a identidade do objeto do processo, põe em causa a estratégia da
defesa, prejudicando as suas garantias de defesa, a ponto de nós pudermos dizer que a
decisão final é uma decisão surpresa, com a qual a defesa não poderia contar.

Depois de fixado o objeto do processo podem sempre aparecer factos novos, mas estes
podem ser de diferente espécie.

Os factos novos podem ser totalmente independentes (p.e. o juiz descobre que o
arguido acusado por vários furtos e também tinha cometido um crime independente-
ofensas a integridade física), o que em termos substantivos daria lugar a um concurso
real de infrações com o objeto do processo em curso. Devem ser comunicados ao MP e
este deverá abrir um outro inquérito quanto aos factos totalmente novos, nos termos do
art.262º/2 CPP.

Exemplo: Durante um julgamento de furto, o juiz descobre que no passado o arguido


praticou crimes de ofensa a integridade física.

56
O nosso problema da alteração de factos ocorre quando é a variação na descrição dos
mesmos factos, a chamada alteração de factos 4. Se houver alteração de factos, podemos
estar perante uma alteração substancial de factos ou não. O conceito de alteração
substancial de factos é definido no art.1º/1 al. f) CPP- este artigo dispõe um critério
qualitativo (o crime diverso, na linguagem do legislador não é um tipo legal de crime
diferente, mas podemos um crime diverso e o tipo legal de crime ser exatamente o
mesmo, crime diverso é um conceito que apela para a noção de situação da vida com
um determinado relevo jurídico, enquanto problema jurídico concreto, e portanto, a
sua fonte não é o desenho do tipo legal; por exemplo, o crime pode ser diverso,
mantendo-se na mesma como crime de homicídio, bastando que a vitima seja outra,
sendo que o facto de a vitima ser diferente tem total relevância, porque a vida humana
é infungível)  e quantitativo. O crime diverso não é um tipo legal de crime diferente,
podemos ter um crime diverso se o tipo legal de crime é exatamente diverso. Apela para
a noção de situação da vida.

A alteração substancial de factos pode dar lugar a uma alteração da qualificação


jurídica, mas não necessariamente. A inversa é que não é verdade, ou seja: a mera
alteração da qualificação jurídica não corresponde a uma alteração substancial de factos.

Atenção, PAULO SOUSA MENDES não considera, contudo, que uma alteração da
qualificação jurídica seja irrelevante, esta pode ter aliás reflexos nos direitos da defesa e
por isso terá de ser comunicada, para que o arguido querendo se pronunciar sobre ela.
Todavia, esta só por si não vale como uma alteração substancial de factos, contudo,
pode derivar de uma alteração substancial de factos (mas não necessariamente).

A fixação do objeto do processo:

 Nos crimes públicos e semipúblicos, é a partir da acusação pelo MP (art.283º/1)


ou pelo requerimento para abertura de instrução pelo assistente (art.287º/1 al. b),
e nos, crimes particulares, a partir da acusação (art.285º/1), que passa a vigorar
o principio da vinculação temática.

Análise jurisprudencial (ver power point dropbox)

ACRL 947/10.6

 Aqui diz-se que pode haver alteração de aspetos da conduta do agente, certas
concretizações de factos imputados, e que nem por isso chegam a ser uma
alteração ao objeto do processo. Aqui o critério relevante é:  são ou não são uma
surpresa relevante para a defesa? PAULO SOUSA MENDES considera que tem
dificuldade em concordar com uma posição tão abstrata como esta, porque as

4
Ou seja, os mesmos factos, descritos de outra maneira, porventura com alguns
elementos novos.
57
vezes, as mínimas alterações nos factos podem ser relevantes (o crime ter sido
praticado a uma hora ou a outra, pode ter implicações para a defesa,
nomeadamente em aspetos de alibi);
 

ACRG 605/07-1

 Aqui parece que houve alteração de factos pela simples circunstância da hora ser
diferente. Mas depois a conclusão do Ac. parece ser contraditória. Ou seja,
depois, diz-se que a alteração da hora nem sequer provoca um alargamento no
objeto do processo, sendo a pena também a mesma. O que é contraditório com
aquilo que se disse no inicio e, aliás, PAULO SOUSA MENDES uma alteração
deste tipo pode mesmo provocar “danos” na estratégia da defesa.
 

ACRL 02.11.2011

 PAULO SOUSA MENDES concorda com o primeiro ponto. Com o segundo


PAULO SOUSA MENDES não concorda: ou seja, só haveria crime diverso, se
o arguido não pudesse ser criminalmente condenado na sua falta, e isto é uma
limitação muito exigente, para a delimitação do crime diverso, então se o agente
pudesse ser condenado por crime diverso, já não existiria alteração substancial
de factos de acordo com este critério qualitativo. Com isto PAULO SOUSA
MENDES NÃO PODE CONCORDAR.

O regime da ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS é variável. Quando estamos


perante uma Alteração Substancial, teremos que ver se estamos perante:

 FACTOS NOVOS AUTONOMIZÁVEIS5

ü  Instrução (se ocorrerem na instrução), nos termos do art.303º/4, devem ser


destacados do processo e dar lugar à abertura de inquérito noutro processo penal
(ressalvados os crimes semipúblicos e particulares) devendo o processo em
curso prosseguir os seus trâmites;
 
ü  Julgamento (art.359º/2): devem igualmente ser comunicados ao MP para que
proceda por eles. Só não será assim se houver caso julgado de consenso: caso de
o arguido e o seu defensor em que esses factos sejam julgados no processo.
 

Quando é que há autonomização?


5
Factos que são artificialmente autónomos.
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 Concurso ideal de infração: aqueles que através de uma única decisão
criminosa são cometidos vários crimes;
 
o   Por exemplo, num julgamento de um homicídio descobre-se que
também  foi praticada uma violação. PAULO SOUSA MENDESA
defende que a violação pode ser autonomizada. Todavia, já não é
autonomizável, a agravação do crime de homicídio, nos casos em que
este tenha sido praticado para ocultar outro crime e portanto,
relativamente a essas circunstâncias, se ela não constava nem da
acusação nem da pronuncia, então o tribunal já não pode conhecer.  

 Casos  duvidosos: crimes complexos


 
o   Por exemplo, o roubo. Se formos a ver melhor o roubo é um furto em
conjunto com uma coação ou em conjunto com uma violência e por isso
seria um caso de especialidade relativamente ao caso de furto + coação
ou ao furto + violência, depende da situação. Mas ganhou vida própria.
Mas se se descobrir no julgamento que o furto foi cometido com
violência se poderá comunicar a mesma ao MP para que proceda
separadamente por isso e continuar o presente processo só por furto?
PAULO SOUSA MENDES considera que aqui estamos perante factos
intrinsecamente ligados não se podendo conhecer só uns
independentemente de outros. A conclusão é que são não
autonomizáveis.

 FACTOS NÃO AUTONOMIZÁVEIS

No Anteprojeto do CPP de 1987: FIGUEIREDO DIAS concebera a solução de conferir


ao JIC poderes para pronunciar por factos que constituíssem uma alteração substancial
dos descritos na acusação ou no RAI.

Era uma solução aplicável à instrução, mas não ao julgamento, baseando-se no


argumento de que ainda se estaria no âmbito de uma fase de investigação, como se o
inquérito e a instrução fossem duas subfases de uma única instancia de investigação.

Na redação privativa do CPP 1987 a lei não dava solução expressa


à questão da alteração substancial dos factos não autonomizáveis em relação ao objeto
do processo. Então, a doutrina dividia-se.

Se a Alteração Substancial de Factos não autonomizáveis ocorresse na instrução? A


doutrina dividia-se essencialmente em 3 posições:

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·         A repetição do inquérito no mesmo processo, em ordem à eventual
integração da alteração substancial de factos no objeto do processo.

o   Esta solução (defendida por FREDERICO ISASCA) passa do ponto


de vista técnico-jurídico pelo apelo às normas do processo civil, com
base no art.4º, aplicando-se então o regime da suspensão da instância,
especialmente com   respeito aos arts.276º/1 al. c) e 279º/1, in fine, do
CPC. (vigente à altura).
o   O problema é que, segundo PAULO SOUSA MENDES, esta
aplicação do regime da suspensão da instância, até do ponto de vista
técnico-jurídico levantava muitas duvidas, porque a suspensão do
processo supõe que o processo fica parado a aguardar uma decisão
externa (…) Além de que isto suporia uma prevalência da posição do juiz
relativamente ao MP, até que ponto o juiz pode obrigar o MP a rever a
sua posição? Quantas vezes o poderia fazer?

·         Organização de um novo processo com todos os factos.

o   A solução de organização de um novo processo passava (defendido


por SOUTO DE MOURA) novamente pelo recurso às normas do
processo civil, com base no art.4º, aplicando-se agora o regime da
absolvição da instância (art.288º do CPC) e arquivando-se o processo. A
solução seria, pois, a não prossecução dos autos de instrução emitindo-se
uma decisão de forma. Por isso não faria caso julgado e não violaria o
principio Nes bis in idem.
o   Esta solução talvez do ponto de vista técnico-jurídico, segundo
PAULO SOUSA MENDES, fosse um pouco mais sustentável, mas em
ultima análise, também ela viola o principio da estrutura acusatória do
processo verificando-se aqui uma subordinação da acusação aos poderes
do tribunal, o que não parece corresponder à filosofia acusatória do
processo penal, em que pelo contrário o tribunal está obrigado pelo
objeto do processo que lhe foi previamente imposta.
 
·         Continuação do processo, com preterição absoluta de conhecimento da
alteração substancial de factos.

o   A resposta compatível com a estrutura acusatória do processo penal,


no qual a função do JI é materialmente judicial (e não materialmente
policial ou de averiguações) era a última das três: nada a fazer quando
ocorresse, na fase de instrução (por maioria de razão, o mesmo valia para

60
a fase de julgamento). DEFENDIDA POR SOUSA MENDES E
TERESA PIZARRO BELEZA.

As circunstâncias modificativas agravantes especiais nominadas nunca


teriam, por definição, a relevância suficiente para sustentar sozinhos um
objeto de processo à parte.

O problema da ASF já não se punha quanto ao conhecimento das


circunstâncias modificativas agravantes comuns nominadas porque,
embora não se tenha optado entre nós pelo sistema da césure, o CPP
confere autonomia às operações de determinação da sanção no contexto
da deliberação e votação da decisão, sem conteudo constituir com elas
uma particular fase do julgamento, sendo só nessa altura que se deverá
dar relevo ao conhecimento dos antecedentes criminais do arguido, nos
termos do art.369º do CPP.

 A Alteração Substancial dos Factos não autonomizáveis no Julgamento. A doutrina


dividia-se em 3 grandes posições:

·         A repetição do inquérito;


·         A organização de um novo processo penal com todos os factos;
o   Posição FEDERICO ISASCA era esta! Este entendia que no
julgamento as circunstâncias novas que podiam ser descobertas já não
dariam lugar a uma repetição do inquérito, mas provavelmente deveriam
ser tomadas em consideração e por molde ou por forma a respeitar o
principio da vinculação temática, mas nunca para alem do limite
máximo da pena aplicável.
·         A continuação do processo em curso;

Factos novos não autonomizáveis – 2007: no Conselho da UMRP vingou a tese da


continuação do processo com preterição absoluta de conhecimento da alteração
substancial de factos. A proposta de Lei nº109/X, baseada no Anteprojecto do CPP pela
UMRP, continha a redação dos arts.303º e 359º que ficou na versão definitiva, que
atualmente está em vigor.

Art.303º CPP:

·         Nº3- Reporta-se aos factos novos não autonomizáveis;


·         Nº4- Reporta-se aos factos novos autonomizáveis;

61
 

Art.359º CPP:

·         Nº1 Reporta-se aos factos novos não autonomizáveis;


·         Nº2 Reporta-se aos factos novos autonomizáveis;

O regime alteração de factos tem que respeitar a estrutura acusatória do processo penal.
A revisão do 2007 do CPP contribuiu para tornar isso claro, ao afastar explicitamente as
soluções doutrinárias e jurisprudenciais que punham isso em causa.

O fragmento textual “nem implica a extinção da instância” tem de ser interpretado no


sentido de que a lei afasta agora qualquer decisão meramente formal de extinção da
instância. A lei consagra agora a solução do prosseguimento da instrução ou do
julgamento, com sacrifício dos factos novos não autonomizáveis .

Defendendo a solução legal PPA, já BRANDÃO, embora discordando da solução legal,


mas reconhecendo que a revisão de 2007 do CPP consagrou a tese da preterição
absoluta do conhecimento da alteração substancial dos factos não autonomizáveis, tanto
na fase de instrução como na fase de julgamento.

Tribunal Constitucional (não passei)

Finalmente, embora o regime aprovado e em vigor, seja na opinião do TC conforme à


CRP, não deixa de suscitar genericamente algumas dificuldades, não tanto em regra,
mas em situações muito particulares, aqueles em que a alteração dos factos implica a
subsunção dos factos num tipo de crime alternativo com respeito àquele que estava
pressuposto no objeto do processo em curso.

·         Exemplo: o arguido é acusado de furto e descobre-se que não podia ter


subtraído a coisa porque a mesma já lhe tinha sido entregue, embora depois se
tivesse apropriado dela. (o furto distingue-se do abuso de confiança porque o
furto supõe a subtração de uma coisa alheia. Subtrai não podia porque já tinha a
coisa consigo, tinha sido entrega a vitima à sua guarda e depois apropriava-se
dela ).

Há muitos elementos comuns no tipo de furto e no tipo de abuso de confiança, o


agente é o mesmo, a vítima pode ser a mesma, existe uma coisa móvel alheia; a
única coisa diferente é o modo de ser objetivo da ação, no primeiro caso é uma
subtração, no outro é uma apropriação de coisa entregue. A pergunta é: Se isto é
descoberto no julgamento ou na instrução o que fazer?

Aplicando à letra o regime legal significa que não pode haver absolvição da
instância, não pode haver suspensão do processo, quanto muito o processo tem

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que continuar com preterição do conhecimento, mas aqui se tal acontecer, uma
vez que não se prova um elemento constitutivo do tipo de crime, a decisão final teria
de ser absolutória (apenas uma questão de quantidade de pena- esta em causa saber
se preenche um tipo de crime ou outro).

Isto é a problemática dos crimes alternativos e na falta de solução legal expressa


para o problema da alteração substancial de factos que implique a subsunção dos
factos num tipo de crime alternativo por comparação com o objeto do processo em
curso, a verdade é que o problema precisa de solução. Na Alemanha a solução será a
da condenação alternativa.

Critério de decisão: Para PAULO SOUSA MENDES nesta questão no mínimo, para
que possa haver uma condenação alternativa, deve exigir-se que a duvida sobre o
modo de ser objetivo da ação conste já da imputação alternativa, seja ela do
despacho de acusação ou do despacho de pronúncia.

Alteração da Qualificação Jurídica e a Mera Alteração da Qualificação Jurídica

A qualificação jurídica dos factos é um requisito da acusação, mas não vincula o


tribunal, o qual apenas deve obedecer apenas à Lei e  ao Direito. O objeto do processo
não deixa de ser o mesmo só porque se tenha verificado uma alteração jurídica.
O nomen iuris é pois irrelevante.

A distinção entre questão de facto e questão de direito não implica que haja uma
separação entre conceitos fáctico pré-jurídicos e conceitos jurídicos. Por exemplo, o
conceito de dolo é um conceito jurídico, ainda que tenha que ser preenchido no caso
singular através de uma avaliação dos factos.

A relação intrínseca entre a questão de facto e a questão de direito, considerando que o


objeto da decisão jurídica  é um caso da vida, é um caso histórico, que suscita uma
decisão apenas porque é um caso jurídico, um caso da vida que põe um problema de
direito, não impede que se deva distinguir a questão de facto da questão de direito,
desde logo, no plano da delimitação do objeto, que é aquilo, que nos interessa, o que
não implica que não haja outros planos em que tal não seja relevante.

O principio da vinculação temática do tribunal respeita apenas à questão de


facto, ainda que a separação da questão de facto e de direito, seja absolutamente
definida. (…) O tribunal não está vinculado à qualificação jurídica apresentada na
acusação ou na pronuncia, sendo que, se no decurso da instrução, da audiência de
julgamento ou até no momento da elaboração da própria sentença, se verificar uma
alteração da qualificação jurídica, o tribunal concede ao arguido o tempo estritamente
necessário para se pronunciar, nos termos do arts.303º/5 e 358º/3 CPP. (…)

63
Repara-se não se trata de uma alteração de factos, mas não quer dizer que uma alteração
da qualificação jurídica seja irrelevante na perspectiva da defesa e que não possa
constituir uma decisão surpresa.

Entre nós, é admitida a possibilidade de o tribunal alterar de forma oficiosa a


qualificação jurídica, inclusive em via de recurso. Costuma-se dizer se  que o Tribunal
só está vinculado à lei e à sua consciência.

Na vigência do actual CPP a doutrina manteve-se maioritariamente favorável


relativamente à possibilidade de alteração da qualificação jurídica por parte do tribunal

·         FREDERICO ISASCA defende a plena alteração da qualificação jurídica,


sendo para este indiferente à defesa a alteração da qualificação jurídica;
o   PAULO SOUSA MENDES: considera esta posição uma posição
demasiado extremada, porque  a alteração da qualificação jurídica não é
inócua para a estratégia da defesa.
·         RAUL SOARES DA VIEIGA assinalava que não era indiferente à defesa a
alteração da qualificação jurídica.

A importante alteração introduzida ao nosso CPP, por uma Lei de 98, veio reconhecer
expressamente ao arguido o direito a ser informado oportunamente da alteração da
qualificação jurídica e de lhe ser dado tempo para se defender.

Neste seguimento, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE em anotação ao art. (…)


considera que o objeto do processo não é constituído pela incriminação imputada ao
arguido, mas antes pelos factos que lhe são imputados. Também IVO BARROSO
considera que na alteração da qualificação jurídica não há uma alteração de factos, mas
que no entanto é preciso ter em atenção aos direitos do arguido. HENRIQUE SALINAS
é da mesma opinião. Também MARIA JOÃO ANTUNES é desta opinião. MIRA vai
mais longe defendendo que ao arguido deve ser dada a oportunidade de mudar a defesa
antes apresentada, ademais requerendo novos meios de prova. Segundo PAULO
SOUSA MENDES esta posição vai ao ponto de considerando que a mera alteração da
qualificação jurídica não se pode confundir com a alteração de factos, mas que nem por
isso deixa de ter impacto na estratégia da defesa, vai ao ponto que lhe seja dada a
possibilidade de modificar a defesa anterior e até o requerimento de novos meios de
prova. Esta é também a posição do Direito Alemão.

Contudo, há doutrina, claramente minoritária, mas com bons argumentos, que defende
que o Tribunal não goza de poderes de plena valoração dos factos acusados, dado que a
qualificação jurídica dada aos factos na acusação fixaria um limite quantitativo da pena
a aplicar no processo, impedindo assim a agravação da pena, mediante a nova
qualificação jurídica por parte do Tribunal seja em 1º instância ou em sede de recursos.

·         Posição de DAMIAO DA CUNHA

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Já totalmente diferente era a doutrina de GERMANO MARQUES DA SILVA, que


entendia, totalmente às avessas que a alteração da qualificação jurídica implicava por si 
mesma uma alteração de factos e até substancial por via da verificação de um crime
diverso. Para este, independentemente, de qualquer outra consideração se o tribunal
muda a qualificação jurídica isso é um crime diverso (…)

Esta posição é totalmente minoritário e PAULO SOUSA MENDES crê que assenta em
argumentos de direito material que não são os mais adequados. E em virtude desses
argumentos, GERMANO MARQUES DA SILVA matizou o seu pensamento. Mas o
pensamento originário de GERMANO MARQUES DA SILVA basicamente corria do
seguinte modo: o arguido ao preencher ou a considerar-se que realizou um facto punível
(…)

PAULO SOUSA MENDES não crê que GERMANO MARQUES DA SILVA tenha
razão, aliás não tem razão porque o momento da consciência da ilicitude é um
consciência da ilicitude potencial e não actual/psicológica, não tendo que se provar em
tribunal que o agente tinha consciência da ilicitude, mas é uma imputação que se faz, no
sentido em que as pessoas em geral tem o dever de possuir essa consciência da ilicitude
pelo facto de viverem em sociedade, é algo que se adquire pelo facto de viverem em
sociedade. Regra Geral, a falta de consciência da ilicitude não é desculpável, só em
circunstâncias muito especiais, nos termos do art. 17º CP e, além disso, a inconsciência
da lei não aproveita a ninguém.

PAULO SOUSA MENDES não crê que se possa dizer, como diria GERMANO
MARQUES DA SILVA, que como a consciência da ilicitude é um momento do crime,
então a alteração da qualificação jurídica altera os factos constitutivos do crime, porque
a consciência da ilicitude em relação a um certo tipo de crime não é a mesma que em
relação a outro tipo de crime. Para PAULO SOUSA MENDES a consciência da
ilicitude não se confunde com o conhecimento técnico-juridico dos factos, que o
arguido não terá que ter. Não considera assim o REGENTE que a via de explicação de
GERMANO MARQUES DA SILVA seja atendível, nem crê que ela tenha sido
confirmada na Reforma do CPP feita em 1998 (antes pelo contrário), porque a tese do
professor implicava que a alteração da qualificação jurídica na prática se traduzi-se
numa alteração substancial de factos e a verdade é que em 1998, o CPP, passou a dar
relevância à alteração da qualificação jurídica mas por analogia com a alteração não
substancial de factos , mas não na sua essência, ou seja, tão somente na aplicação do seu
regime.

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