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TRABALHO INDIVIDUAL

TEORIA DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA


INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL - IACS
ALUNA TAÍS CASTRO

O PODER DA TRILHA SONORA NO FILME LION - Uma Jornada Para a Casa

INTRODUÇÃO
É fato que a produção do som no cinema, desde seu primórdio, auxilia na contagem da
história e, automaticamente, influencia na interpretação do espectador sobre a imagem
que está sendo vista.
“Os meios pelos quais o som se manifesta no cinema envolvem
o espectador em uma especial problemática textual - eles
estabelecem certas condições para a compreensão as quais
passam pela "relação intersubjetiva" entre o filme e o
espectador. [...]”
- Mary Anne Doane
No entanto, é preciso entender o que a denominação “SOM” se refere no mundo
audiovisual. O conceito de trilha sonora, muitas vezes, é erroneamente confundido como
sendo apenas a música do filme. Na verdade, ela também se refere aos sons dos diálogos,
falas, ruídos e inclusive do silêncio. Dessa forma, a sonografia musical pode ser nomeada
como trilha musical. Contudo, nesse trabalho irei abordar a música tanto como trilha
sonora quanto por trilha musical.
O termo “trilha-sonora” não é sinônimo apenas da música do
filme. No universo cinematográfico vários são os componentes
sônicos que amplificam as possibilidades criativas de
realização audiovisual.
- Bernardo Marquez Alves(Graduado em Comunicação Social, habilitação
em Radialismo na Unesp, mestrando em Meios e Processos Audiovisuais
na ECA/USP)
Nesse caso, a trilha sonora da dupla Dustin O’Halloran e Hauschka, composta para o
filme Lion - Uma Jornada Para a Casa, indicado a 6 Oscars no ano de 2017 sendo um
deles de “Melhor Trilha Sonora Original”, soube conduzir muito bem o olhar do público,
sob um caráter mais emotivo, em conjunto com a direção cinematográfica, de Garth
Davis.
Com isso, o principal objetivo desta pesquisa é mostrar como essa composição musical
foi fundamental para auxiliar na construção dramática do filme e qual o possível efeito
subjetivo e individual causado no espectador.

SOBRE O FILME E OS COMPOSITORES

Figura 1 - À esquerda, Dustin O'halloran. À direita, Hauschka

A priori, para melhor compreensão, darei uma breve introdução sobre o enredo do longa
e depois falarei um pouco sobre os trabalhos dos compositores responsáveis pela trilha.
Lion, conta uma história real baseada no livro “A Long Way Home” de Saroo Brierley.
O personagem principal - sendo o próprio autor, interpretado por Sunny Pawar e Dev
Patel, se perde do irmão aos 5 anos de idade quando entra em um trem parado na estação
e acaba dormindo dentro dele e acordando no dia seguinte a quilômetros de distância de
sua casa. A partir disso, o garoto passa um tempo nas ruas, depois vai para um orfanato e
lá é adotado por uma família australiana. Já adulto, Saroo começa uma busca incansável
por sua família biológica através da ferramenta Google Earth, e de suas memórias de
infância.
Sendo assim, o longa, dirigido por Garth Davis, consegue contar tal história de uma
maneira harmoniosa sem ir para o clichê dos filmes biográficos. E, portanto, a trilha
sonora pôde auxiliar nesse processo se tornando base de vários ápices dramáticos.

Como já mencionado anteriormente, Dustin O’Halloran e Hauschka - compositores do


longa - são pianistas. O primeiro, estadunidense, conhecido mais popularmente pelo seu
trabalho em Maria Antonieta (2006), compôs músicas para os filmes Puzzel, The Hate U
Gave, Breath in, entre outros. O segundo, alemão, já produziu trilhas para os longas como
Vidas à Deriva (2018), Atentado no Hotel Taj Mahal (2018), Batalha Incerta (2016),
entre outros. Tanto Hauschka quanto O’Halloran costumam trabalhar basicamente com
poucos instrumentos, em específico com piano e cordas. No entanto, em um vídeo
publicado na plataforma YouTube, Hauschka faz uma improvisação usando o piano e
alguns utensílios como tampinhas para emitir um som diferente, mas que traz um aspecto
interessante no processo criativo.

Figura 2- Hauschka colocando itens no piano

Figura 3 - Um dois itens, uma capsula com grãos dentro para criar sonoridade
Figura 4 - Um outro item, uma tampinha e uma bolinha de metal coladas com fita isolante

Em contrapartida, Dustin prefere usar e abusar dos sons próprios do piano, violino e
violoncelo. Tanto no seu álbum Lumiere quanto em outros como The Runner, Like Crazy
e Save Me retratam bem esse aspecto mais minimalístico do músico.

Tais características foram e ainda são muito bem vindas em diversos festivais de cinema.
Apontando apenas uma curiosidade, tirada do site Score Track News, do artigo de Tiago
Rangel:

“Quem acompanha a temporada de premiações pode teorizar que a


trilha de Lion segue tudo aquilo que os votantes da Academia mais
apreciam na atualidade. Compositor(es) desconhecido(s) e
relativamente iniciantes na Música de Cinema? Certo. Filme
aclamado pela crítica, brigando nas categorias principais?
Presente. Trilha indie, minimalista, interpretada por um elenco
reduzido? Confere.”

O trabalho individual dos compositores é bem similar. No entanto, percebi que


O’Halloran traz uma trilha mais leve, com menos edição, ou seja, somente com os sons
do pianos e cordas misturados sem muitos efeitos sonoros. Ao contrário de Hauschka que
busca mais a improvisação nas suas criações implicando, de certa forma, no momento de
editar as músicas. Isso fica evidente quando ouvimos Familiar Things Disappear com
uma sonoridade mais editada eletronicamente. E, logo em seguida, ao escutarmos
Salvation do filme Adrift, também de Hauschka, é possível notar uma grande diferença
entre a primeira e a segunda sendo esta mais semelhante aos sons de Dustin e, portanto,
a trilha de Lion.
A TRILHA (Tracklist)

1 - "Lion Theme"

2 - "Train"

3 - "Lost (Part One)"

4 - "River"

5 - "Escape the Station"

6 - "Orphans"

7 - "A New Home"

8 - "Family"

9 - "School"

10 - "Memories"

11 - "Lost (Part Two)"

12 - "Falling Downward"

13 - "Searching for Home"

14 - "Memory/ Connection/ Time"

15 - "Layers Expanding Time"

16 - "Home is with Me"

17 - "Arrival"

18 - "Mother"

PROCESSO DE PRODUÇÃO DA TRILHA PARA O FILME

A partir desse ponto, partirei para o motivo que levou os músicos a escolherem tal
composição. De fato, precisamos entender que essas escolhas sempre são trabalhadas
junto à produção e direção do filme. Acredito eu, que a escolha dos compositores já foi
tida com base na decisão de se optar por algo de caráter mais emotivo do que
simplesmente geográfico do longa, nesse caso, músicas indianas.
Complementando, no artigo de Tiago Rangel, publicado no site Score Track News, ele
explica o seguinte:

“Nas entrevistas concedidas para promover o projeto, a dupla


declarou que decidiu se focar não tanto na ambientação
geográfica do longa (o que demandaria que eles escrevessem
músicas típicas da Índia), mas sim em seu conteúdo
emocional.”

De certa forma, tal escolha foi crucial no processo de construção da atmosfera sensorial
da obra e conseguiu impactar o público de uma maneira simples e sutil. As músicas do
filme preenchem cada cena nos conduzindo a sentir o que o personagem está sentindo em
diversos momentos.

ANÁLISE DA TRILHA E SEUS EFEITOS SOBRE O PÚBLICO

É possível perceber o poder da trilha de Lion da seguinte maneira. Se assistirmos a


sequência em que o personagem Saroo, já adulto, está na busca incessante pelo seu lar
biológico (01:16:41 a 01:19:07) sem a trilha sonora, nesse caso sem os ruídos, falas e a
música, conseguimos entender a cena, mas não senti-la completamente. Além disso, é
possível ter uma sensação diferente se assistirmos as cenas somente sem a música vendo
apenas a imagem em conjunto com as falas e ruídos. No entanto, quero mostrar o impacto
que a trilha musical provoca nessa sequência, portanto o ideal seria assisti-la somente sem
a música instrumental de fundo. Partindo desse ponto, a sequência consegue nos mostrar
o enredo concreto, mas que ainda não provoca o espectador emocionalmente apesar da
atuação também funcionar como um fator que passa sentimento ao público. Nesse trecho,
a música Searching for Home busca intensificar a ânsia do personagem por sua família.
E, de certa forma, ela nos guia até o final da sequência fazendo o público ter compaixão
e querer, junto com o personagem, que ele a encontre.

Hans Zimmer, um dos lendários compositores, responsável por criar a trilha de Rei Leão;
Inception; Piratas do Caribe; Batman: O cavaleiro das trevas; entre outros, diz que na
música sempre há uma conversa. Dessa forma, mesmo quando em algumas cenas não
havia falas e diálogos a trilha musical ficava responsável por substituí-los.
Consoante a isso, temos a sequência em que Saroo já cansado de tanto procurar, começa
a mexer no mouse de seu notebook aleatoriamente e finalmente acha seu local de origem.
O trecho (01:32:17 a 01:36:43) nos mostra imageticamente mais uma vez a sua procura,
e não há falas. No entanto, a música Memories carrega a cena de uma maneira como se
estivesse nos dizendo: “Sim, ele vai achar sua família”. E, no momento em que o
personagem encontra sua casa há um silêncio leve e curto. Depois quando a trilha volta,
gradativamente, percebemos que a música assumiu o papel da fala e o silêncio da
respiração de alívio. Portanto, não havendo a necessidade de som verbal.

A música Train - inserida na cena (00:12:52 a 00:15:12) em que Saroo percebe dentro do
trem que está longe de casa - define exatamente o desespero daquela criança por não saber
onde está. Está parte do filme mostra imageticamente uma série de cortes do personagem
em diferentes posições dentro do vagão o que nos faz pensar que o tempo que ele passou
ali foi longo. Dessa forma, o som instrumental de cordas une esses planos e complementa
fazendo o espectador sentir empatia pelo menino. Além disso, há uma junção de vários
sons de violinos que perecem se identificar com a sonoridade do trem em si, e que pôde
intensificar essa sensação de desespero.

Já em Lost (Part One) traz uma sensação de tristeza pela perda do garoto. Esse trecho
(00:17:18 a 00:18:37), logo após ele sair do trem, mostra uma série de planos do
personagem pedindo ajuda às pessoas para voltar para a casa. Ninguém se solidariza.
Assim, a trilha exprime esse sentimento de melancolia de tal maneira que não era preciso
que se houvesse uma cena explícita para representação do isolamento do menino, pois a
música criou essa atmosfera dramática não-diegética. A composição sonora é um pouco
mais editada, ouve-se um piano e violino, mas que em certos momentos são mixados e
produzem um som diferente e ao mesmo tempo inovador na trilha minimalística.

Posteriormente, a trilha Escape the Station da sequência (00:19:39 a 00:21:28) em que o


garoto é perseguido por alguns homens estranhos traz uma edição acelerada de violinos
e do piano com notas mais graves no início. No final o som é mais calmo e ameno, pois
se refere ao momento em que Saroo consegue escapar e chega num lugar mais tranquilo
onde há várias pessoas dormindo e tem comida. Dessa forma, o espectador é levado nessa
aflição junto com o menino na fuga e, depois, quando o música se acalma¹ predominando
o som do piano suave o público também se sente mais tranquilo. As imagens nessa cena
também conseguem exprimir a calmaria quando o garoto passa por uma avenida muito
larga e não passa carro nenhum por ali. No entanto, se a música continuasse no mesmo
ritmo do início a sensação seria outra. Nesse momento, posso dizer que, particularmente,
me senti mais aliviada. Afinal, a cena em que o homem - perseguindo Saroo - desiste só
é mostrada para o espectador, pois o menino continua correndo e não olha para trás.

Em River a edição sonora é parecida com Lost (Part One) e Scape the Station. Apesar do
som aparentar-se mais seco ainda ouvimos os violinos e o piano. Nessa sequência
(00:22:50 a 00:24:03), os planos mostram Saroo caminhando pelas rua de Calcutá sem
saber para onde ir. Diante disso, o som instrumental teve o papel de identificar essa
“rotina” como desesperançosa e cansativa.

Figura 5 - Saroo caminhando pelas ruas de Calcutá

Em Lost (Part Two) os sons têm um movimento crescente e depois um fim silencioso.
Tudo isso de uma maneira bem suave e gradativa. Nessa parte, Saroo desconfia de uma
moça que o ajudou e sai correndo para longe. Dessa forma, poderíamos imaginar um
estilo musical mais acelerado como em Scape the Station, porém o diretor mescla uma
cena em que o menino corre em direção a sua mãe, no seu local de trabalho, e faz o
espectador, por alguns segundos, pensar que ele havia encontrado sua família. Então, a
trilha dessa sequência nos exprime sua esperança.

Orphans traz uma melodia lenta e suave com o piano predominante. O violino e
violoncelo aparecem somente no final. O trecho dessa música intensifica a situação
precária em que vivem as crianças do orfanato, o qual Saroo foi encaminhado. E leva o
espectador à melancolia e tristeza novamente.

A New Home tem uma melodia parecida com a anterior, mas as notas do pianos são mais
agudas e, a meu ver, passa uma sensação de calmaria associando-se às canções de ninar.
Na cena Saroo é adotado por um casal de australianos que estão dispostos a dar carinho,
amor e um lar para o garoto. Então, a melodia das notas tocadas provoca esse sentimento.
¹trecho da música: 01min e 41seg

CONCLUSÃO

Não há como negar a importância do som no cinema. Dessa forma, a música também
carrega seu valor, pois através dela que uma cena pode transmitir sentimentos. Por isso,
ela se torna tão importante quanto a direção, fotografia e atuação. Com isso, baseado na
análise feita para o trabalho, pude perceber o quão poderosa é a trilha sonora do longa
Lion.

O caráter minimalístico da trilha só acrescentou aspectos positivos ao longa. Os sons de


pianos, violinos e violoncelos entram sutilmente nas cenas e quando se vê eles já
envolveram o espectador naquela atmosfera dramática. E assim, o público chora, se
alegra, e reflete sobre esse filme que não só buscou trazer a representação da vida de uma
pessoa em busca do seu lar como também mostrou o quão precário é a situação de
milhares de crianças perdidas na Índia.
BIBLIOGRAFIA

11/06

Doane, M. A. (1983). A voz no cinema: a articulação de corpo e espaço. In I. Xavier,


A experiência do cinema (pp. 457-475). Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme.

https://scoretracknews.wordpress.com/2017/02/26/resenha-de-trilha-sonora-lion-
dustin-ohalloran-hauschka/

http://alma-critica.blogspot.com/2017/02/oscar2017-lion-uma-jornada-para-
casa.html

14/06

https://gente.ig.com.br/cultura/2017-02-17/lion-uma-jornada-inesperada.html

https://www.youtube.com/watch?v=izUy0EIt4lE

https://www.youtube.com/watch?v=43Z4yljYY_c

https://www.youtube.com/watch?v=lZieDHOtcLo

15/06

https://www.youtube.com/watch?v=yCX1Ze3OcKo

16/06

https://www.revistas.usp.br/novosolhares/article/download/55404/59008

https://abcine.org.br/site/o-som-no-cinema/

19/06

https://www.escrevendoofuturo.org.br/caderno_virtual/caderno/documentario/ofici
nas/etapa-1-a-importancia-do-som-no-cinema/

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