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A Graça Especial e a Graça Comum

A GRAÇA QUE É SUFICIENTE (especial)

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.
Efésios 2:8

E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me
gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo.
2 Coríntios 12:9

Disse-lhe Pedro: Nunca me lavarás os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se eu te não lavar, não tens parte comigo.
João 13:8

Jesus, pois, lhes disse: Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e
não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos.
João 6:53

Somos naturalmente inclinados à procura de coisas que satisfaçam todas nossas necessidades. Tais
necessidades nem sempre são verdadeiramente indispensáveis; em outras palavras,
criteriosamente observado, muito do com o que nos gastamos não poderia ser classificado fielmente como
necessário.
O texto bíblico acima encontra-se na segunda carta que o apóstolo Paulo remeteu aos cristãos de
Corinto, na Grécia, compartilhando com aqueles irmãos de há quase dois milênios, como Deus tem um critério
diferenciado do nosso para avaliar a importância de tudo.
Como sabemos, o ex-rabino de Tarso diz claramente que havia um espinho em sua carne - um problema
que não nos é revelado em que consistia - mas que, verdadeiramente, era a grande dificuldade da sua vida (II
Co 12.7).
Paulo relata que pediu a Deus insistentemente para que o livrasse daquele mal, todavia a resposta veio
na forma em que o Pregador aos Gentios não esperava: "Basta-te a minha graça..."
Ao lermos tal episódio, podemos ser levados a pensar que a resposta de Deus diante do sofrimento
apostólico é pequena demais. Entretanto, no que era oferecido por nosso Pai estava o melhor que havia.
A Graça de Deus é um dos grandes temas da Bíblia. Somente quando paramos para avaliá-la, ainda que
rapidamente, como este momento, podemos entender o profundo conteúdo das palavras que Paulo ouviu de
Deus.
OBSERVE ALGUMAS DE SUAS CARACTERÍSTICAS:
a) É REPARTIDA LIVREMENTE: S1 84.11; At 11.23; 13.43
b) DÁ PODER PARA O SERVIÇO: I Co 3.10; 15.10
c) CAPACITA PARA VIVER A VIDA CRISTÃ: II 1.12
d) É PROMETIDA AOS HUMILDES: I Pe 5.5
e) É FONTE DE PODER: II Tm 2.1
f) É LARGAMENTE APLICADA EM NOSSA SALVAÇÃO: At 15.11; Rm
3.24; Rm 5.15; Rm 11.6; Tt 2.11; 3.7

g) É CHEIA DE RIQUEZAS: Ef 1.7; 2.7; Fp 4.19; I Tm 1.14. Muitos outros versículos nos falam
da maravilhosa graça que há em nosso Trino Deus.

A consideração sincera acerca do conteúdo dos versículos ora mencionados deve nos levar a uma
compreensão mais ampla do que o Senhor estava dizendo ao apóstolo que sofria seu espinho: o favor de Deus é
infinitamente mais importante que qualquer anseio humano: "a Tua graça é melhor que a vida."
Certamente que muito sofremos nossas dores e cada um sabe do peso de sua cruz. A graça de Deus é,
mais que um grande consolo, a resposta concreta à nossa fraqueza, vinda do coração de nosso amado Criador e
Sustentador. Confiemos em Deus; vivamos da Sua graça.
A GRAÇA COMUM

I. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

A. Introdução e definição
Quando Adão e Eva pecaram, tornaram-se réus da punição eterna e da separação de Deus
(Gênesis 2:17). Do mesmo modo, hoje, quando os seres humanos pecam, eles se tornam sujeito à ira
de Deus e à punição eterna: “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). Isso significa que, uma
vez que as pessoas pecam, a justiça de Deus requer somente uma coisa — que elas sejam eternamente
separadas de Deus, alienadas da possibilidade de experimentar qualquer bem da parte dEle, e que
elas existam para sempre no inferno, recebendo eternamente apenas a Sua ira. De fato, isso foi o que
aconteceu aos anjos que pecaram e poderia ter acontecido exatamente conosco também: “Pois Deus
não poupou aos anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos
a fim de serem reservados para o juízo” (2 Pedro 2:4).
Mas, de fato, Adão e Eva não morreram imediatamente (embora a sentença de morte começasse
a ser aplicada na vida deles no dia em que pecaram). A execução plena da sentença de morte foi
retardada por muitos anos. Além disso, milhões de seus descendentes até o dia de hoje não morrem
nem vão para o inferno tão logo pecam, mas continuam a viver por muitos anos, desfrutando
bênçãos incontáveis nesta vida. Como pode ser isso? Como Deus pode continuar a conferir bênçãos a
pecadores que merecem somente a morte — não somente aos que finalmente serão salvos, mas também a
milhões que nunca serão salvos, cujos pecados nunca serão perdoados?
A respostas a essas perguntas é que Deus concede-lhes graça comum. Podemos definir graça
comum da seguinte maneira: Graça comum é a graça de Deus pela qual Ele dá às pessoas bênçãos
inumeráveis que não são parte da salvação. A palavra comum aqui significa algo que é dado a todos os
homens e não é restrito aos crentes ou aos eleitos somente.
Diferentemente da graça comum, a graça de Deus que leva pessoas à salvação é muitas vezes
chamada “graça salvadora”. Naturalmente, quando falamos a respeito da “graça comum” e da
“graça salvadora”, não estamos sugerindo que há duas diferentes espécies de graça no próprio Deus,
mas apenas estamos dizendo que a graça de Deus se manifesta no mundo de duas maneiras
diferentes. A graça comum é diferente da graça salvadora quanto aos resultados (ela não traz
salvação), seus destinatários (é dada aos crentes e descrentes igualmente) e sua fonte (ela não flui
diretamente da obra expiatória de Cristo, visto que a morte dEle não obtém nenhuma medida de
perdão para os descrentes e, portanto, nem os crentes nem os descrentes fazem jus às suas bênçãos).
Contudo, sobre o último ponto, deve ser dito que a graça comum flui indiretamente da obra redentora
de Cristo, porque o fato de Deus não julgar o mundo assim que o pecado entrou nele talvez seja
apenas porque Ele planejou finalmente salvar alguns pecadores por meio da morte de Seu Filho.

B. Exemplos de graça comum

Se olhamos para o mundo ao nosso redor e o contrastamos com o fogo do inferno que ele merece,
podemos ver imediatamente a abundante evidência da graça comum de Deus em milhares de
exemplos na vida diária. Podemos distinguir diversas categorias específicas nas quais essa graça
comum pode ser vista.
1. A esfera física. Os descrentes continuam a viver neste mundo somente por causa da graça
comum de Deus — cada vez que as pessoas respiram é pela graça, pois o salário do pecado é a morte,
não a vida. Além disso, a terra não produz somente espinhos e ervas daninhas (Gênesis 3:18), nem
permanece um deserto ressequido, mas a graça comum de Deus provê comida e material para roupa
e abrigo, muitas vezes em grande abundância e diversidade. Jesus disse: “Amem os seus inimigos e
orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus.
Porque Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:44,45).
Aqui Jesus apela para a abundante graça comum de Deus como encorajamento aos seus discípulos,
para que eles também concedam amor e orem para que os descrentes sejam abençoados (cf. Lucas
6:35,36). Semelhantemente, Paulo disse ao povo de Listra: “No passado [Deus] permitiu que todas as
nações seguissem os seus próprios caminhos. Contudo. Deus não ficou sem testemunho: mostrou sua
bondade, dando-lhes chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com fartura e um
coração cheio de alegria” (Atos 14:16,17).
O Antigo Testamento também fala da graça comum de Deus que vem aos descrentes tanto
quanto aos crentes. Um exemplo específico é o de Potifar, o capitão da guarda do Egito que comprou
José como escravo: “o Senhor abençoou a casa do egípcio por causa de José. A bênção do Senhor estava
sobre tudo o que Potifar possuía, tanto em casa como no campo” (Gênesis 39:5). Davi fala de modo
muito mais geral a respeito das criaturas que o Senhor fez:
“O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. [...] Os olhos de
todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres a tua mão e satisfazes
os desejos de todos os seres vivos” (Salmos 145:9,15,16).
Estes versículos são outro lembrete de que a bondade que é encontrada em toda a criação não
acontece automaticamente — ela se deve à bondade de Deus e Sua compaixão.
2. A esfera intelectual. Satanás é “mentiroso e pai da mentira” e “não há verdade nele” (João
8:44), porque lhe foi dado ter domínio sobre o mal e sobre a irracionalidade e comprometimento com
a falsidade que acompanha o mal radical. Mas os seres humanos no mundo de hoje, mesmo os
descrentes, não estão totalmente entregues à mentira, irracionalidade e ignorância. Todas as pessoas
são capazes de ter um pouco de compreensão da verdade; de fato, algumas possuem grande
inteligência e entendimento. Isso também deve ser visto como resultado da graça comum de Deus.
João fala de Jesus como “a verdadeira luz, que ilumina todos os homens” (João 1:9), pois, em seu papel
como criador e sustentador do universo (não particularmente em seu papel como redentor), o Filho
de Deus concede iluminação e entendimento que vêm a todas as pessoas no mundo.
A graça comum de Deus na esfera intelectual é vista no fato de que todas as pessoas têm certo
conhecimento de Deus: “porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe
renderam graças” (Romanos 1:21). Isso significa que há um senso da existência de Deus e muitas
vezes a fome de conhecer Deus que Ele permite que permaneça no coração das pessoas, embora isso
resulte muitas vezes em muitos religiões diferentes criadas pelos homens. Portanto, mesmo quando
falando a pessoas que sustentavam religiões falsas, Paulo pôde encontrar um ponto de contato com
respeito ao conhecimento da existência de Deus, exatamente como fez quando falou aos filósofos
atenienses: “Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos [...] o que vocês
adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio” (Atos 17:22,23).
A graça comum de Deus na esfera intelectual também resulta na capacidade de captar a
verdade e distingui-la do erro e de experimentar crescimento em conhecimento que pode ser usado
na investigação do universo e na tarefa de dominar a terra. Isso significa que toda ciência e tecnologia
desenvolvida pelos não-cristãos é resultado da graça comum, permitindo-lhes fazer descobertas e invenções
incríveis, para desenvolver os recursos do planeta na criação de muitos bens materiais, para
produção e distribuição desses recursos e para alcançar habilidades na obra produtiva. Em sentido
prático, isso significa que, cada vez que entramos em uma mercearia, andamos em um automóvel ou
entramos em uma casa, devemos lembrar que estamos experimentando os resultados da abundante
graça comum de Deus derramada tão ricamente sobre toda a raça.
3. A esfera moral. Pela graça comum Deus também refreia as pessoas de serem tão más quanto
poderiam. Novamente o reino demoníaco, totalmente dedicado ao mal e à destruição, proporciona
um contraste claro com a sociedade humana, na qual o mal é claramente refreado. Se as pessoas
persistem dura e repetidamente em seguir o pecado durante o curso de sua vida, Deus finalmente as
entregará ao maior de todos os pecados (cf. Salmos 81:12; Romanos 1:24,26,28), mas no caso da
maioria dos seres humanos eles não caem nas profundezas às quais seus pecados normalmente os
levariam, porque Deus intervém e coloca freio na sua conduta. Um refreamento muito eficaz é a força
da consciência. Paulo diz: “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o
que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as
exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os
pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os” (Romanos 1:32). E em muitos outros casos,
essa sensação interior da consciência leva os indivíduos a estabelecer leis e costumes na sociedade
que são, em termos da conduta exterior que eles aprovam ou proíbem, totalmente iguais às leis
morais da Escritura. As pessoas muitas vezes estabelecem leis ou têm costumes que respeitam a
santidade do casamento e da família, protegem a vida humana e proíbem o roubo e a falsidade no
falar. Por causa disso, elas muitas vezes seguem caminhos moralmente retos e exteriormente andam
conforme os padrões morais encontrados na Escritura. Embora a conduta moral delas não possa
ganhar méritos com Deus, visto que a Escritura claramente diz que “diante de Deus ninguém é
justificado pela Lei” (Gálatas 3:11) e “Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há
ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3:12), contudo, em algum sentido menor
que ganhar a aprovação ou o mérito eterno de Deus, os descrentes realmente fazem “o bem”. Jesus
sugere isso quando diz: “E que mérito terão, se fizerem o bem àqueles que são bons para com vocês? Até
os 'pecadores' agem assim” (Lucas 6:33).
4. A esfera da criatividade. Deus distribuiu medidas significativas de capacidade em áreas
artísticas e musicais, assim como em outras esferas nas quais a criatividade e a habilidade podem
expressar-se, como praticar esportes, cozinhar, escrever, e assim por diante. Além disso, Deus nos dá
a capacidade de apreciar a beleza em muitas áreas da vida. E nessa área, assim como na esfera física e
intelectual, as bênçãos da graça comum são às vezes derramadas sobre os descrentes até mais
abundantemente que sobre os crentes. Todavia, em todos os casos, ela é resultado da graça de Deus.

5. A esfera da sociedade. A graça de Deus também é evidente na existência de várias organizações e


estruturas na raça humana. Vemos isso primeiramente na família humana, ressaltado pelo fato de
que Adão e Eva permaneceram marido e mulher após a queda e então tiveram filhos, homens e
mulheres (Gênesis 5:4). Os filhos de Adão e Eva casaram-se e formaram famílias para si mesmos
(Gênesis 4:17,19,26). A família humana permanece ainda hoje, não simplesmente como instituição
para os crentes, mas para todas as pessoas.
O governo humano é também resultado da graça comum. Ele foi instituído no princípio por
Deus após o dilúvio (ver Gênesis 9:6) e, segundo Romanos 13 claramente afirma, foi estabelecido por
Deus: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não
venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas”. Está claro que o governo é
dom de Deus para a raça em geral, pois Paulo diz que a autoridade “é serva de Deus para o seu bem”
e que ela é “serva de Deus, agente de justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13:4). Um dos
principais meios que Deus usa para refrear o mal no mundo é o governo humano. As leis humanas,
as forças policiais e os sistemas judiciais proporcionam poderosa repressão às más ações, e esses são
freios necessários, pois há muito mal no mundo que é irracional e pode ser restringido somente pela
força, já que ele não será impedido pela razão ou pela educação. Obviamente a pecaminosidade das
pessoas pode também afetar os governos em si mesmos, de forma que o governo humano, igual a
todas as outras bênçãos da graça comum que Deus dá, pode ser usado tanto para o propósito do bem
como do mal.

6. A esfera religiosa. Mesmo na esfera da religião humana, a graça comum de Deus traz algumas
bênçãos para as pessoas incrédulas. Jesus nos diz: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os
perseguem” (Mateus 5:44), e desde que não há qualquer restrição no contexto para que se ore
simplesmente pela salvação deles e como a ordem de orar pelos que nos perseguem é combinada
com a ordem de amá-los, parece razoável concluir que Deus pretende responder a nossas orações
pelos que nos perseguem em muitas áreas de suas vidas. De fato, Paulo especificamente ordena que
oremos “pelos reis e por todos os que exercem autoridade” (1 Timóteo 2:2). Quando procuramos o
bem dos descrentes, isso é coerente com a própria prática divina de conceder sol e chuva a “maus e
bons” (Mateus 5:45) e também está de acordo com a prática de Jesus durante o Seu ministério
terreno, quando Ele curou cada pessoa que lhe era trazida (Lucas 4:40). Não há indicação alguma de
que ele tenha exigido que todos cressem nele ou concordassem que ele era o Messias antes de lhes
conceder cura física.
Deus responde às orações dos descrentes? Embora Deus não tenha prometido responder às
orações dos descrentes como prometeu responder às orações dos que vêm a Ele em nome de Jesus, e
embora Ele não tenha obrigação de responder às orações dos descrentes, mesmo assim Deus pode
por Sua graça comum ouvir e responder positivamente às orações deles, demonstrando dessa forma
Sua misericórdia e bondade de outro modo ainda (cf. Salmos 145:9,15; Mateus 7:22; Lucas 6:35,36).
Esse é provavelmente o sentido de 1 Timóteo 4:10, que diz que Deus é o “Salvador de todos os
homens, especialmente dos que crêem”. Aqui “Salvador” não significa restritamente “quem perdoa
pecados e dá vida eterna”, porque tais coisas não são dadas aos que não crêem. “Salvador” deve ter
aqui um sentido mais geral — a saber, “quem resgata da miséria, quem liberta”. Em caso de pobreza
e miséria, Deus muitas vezes ouve as orações dos descrentes e os livra graciosamente de seus
problemas. Além disso, mesmo os descrentes muitas vezes possuem um senso de gratidão para com
Deus pela bondade da criação, pela libertação em meio ao perigo e pelas bênçãos da família, do lar,
das amizades e do país.

7. A graça comum não salva pessoas. A despeito de tudo isso, devemos perceber que a graça comum
é diferente da graça salvadora. A graça comum não muda o coração humano nem traz pessoas ao
genuíno arrependimento ou à fé — ela não pode salvar e não salva pessoas (embora na esfera
intelectual e moral ela possa preparar as pessoas para torná-las mais dispostas a aceitar o evangelho).
A graça comum refreia o pecado, mas não muda a disposição fundamental de pecar nem purifica a
natureza humana decaída.
Devemos também reconhecer que as ações que os descrentes realizam por causa da graça
comum não merecem a aprovação ou o favor de Deus. Essas ações não procedem da fé (“tudo o que
não provém da fé é pecado”, Romanos 14:23) nem são motivadas pelo amor a Deus (Mateus 22:37), e
sim pelo amor ao ego sob uma ou outra forma. Portanto, embora possamos prontamente dizer que as
obras dos descrentes que se conformam externamente às leis de Deus são “boas” em algum sentido,
contudo elas não são boas em termos de merecer a aprovação de Deus nem de tornar Deus
endividado para com o pecador em sentido algum.
Finalmente, devemos reconhecer que os descrentes muitas vezes recebem mais graça comum
que os crentes — eles podem ser mais habilidosos, trabalhar com mais esforço, ser mais inteligentes,
mais criativos ou ter mais dos benefícios materiais desta vida para desfrutar. Isso não indica de forma
alguma que eles são mais favorecidos por Deus no sentido absoluto ou que eles vão ganhar qualquer
coisa relativa à salvação eterna, mas significa somente que Deus distribui as bênçãos da graça comum
de vários modos, muitas vezes concedendo bênçãos bastante significativas a descrentes. Em tudo
isso, obviamente, eles devem tomar consciência da bondade de Deus (Ateus 14:17) e reconhecer que a
vontade revelada de Deus é que essa “bondade de Deus” finalmente os conduza “ao
arrependimento” (Romanos 2:4).
 
C. Razões para a graça comum

Por que Deus concede graça comum a pessoas imerecedoras que nunca virão à salvação? Podemos
sugerir ao menos quatro razões.
1. Para redimir os que serão salvos. Pedro diz que o dia do juízo e da execução final de
punição está sendo retardado porque há ainda mais pessoas que serão salvas. “O Senhor não demora
em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês, não
querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento.” (2 Pedro 3:9,10). De fato, essa
razão foi verdadeira desde o princípio da história humana, pois, se Deus quisesse salvar qualquer
pessoa entre todos que compõem a humanidade pecaminosa, Ele não poderia destruir todos os
pecadores imediatamente (nesse caso não sobraria ninguém da raça humana). Ao contrário, Ele
resolveu permitir que seres humanos pecaminosos vivessem algum tempo de modo a ter uma
oportunidade de arrependimento e também para que pudessem gerar filhos, capacitando gerações
subseqüentes a viver, a ouvir o evangelho e se arrepender.
2. Para demonstrar a bondade e a misericórdia de Deus. A bondade e a misericórdia de Deus
não são vistas somente na salvação dos crentes, mas também nas bênçãos que Deus dá aos pecadores
que não as merecem. Quando Deus “é bondoso para com os ingratos e maus” (Lucas 6:35), essa
bondade é revelada no universo, para a Sua glória. Davi diz: “O Senhor é bom para todos; a sua
compaixão alcança todas as suas criaturas” (Salmos 145:9). Na história de Jesus conversando com o
moço rico, lemos: “Jesus olhou para ele e o amou” (Marcos 10:21), embora o homem fosse um
descrente que no mesmo instante afastou-se de Jesus porque possuía muitas riquezas. Berkhof diz
que Deus “derrama incontáveis bênçãos sobre todos os homens e também indica claramente que elas
são expressões de uma disposição favorável de Deus que, contudo, fica muito aquém da volição
positiva exercida para lhes perdoar, suspender a sentença a eles imposta e assegurar-lhes a salvação”.
Não é injusto Deus retratar a execução da punição do pecado e dar temporariamente bênçãos
aos seres humanos, porque a punição não é esquecida, mas apenas retardada. Retardando a punição,
Deus mostra claramente que não tem prazer em executar o juízo final, mas, ao contrário, Ele se
deleita na salvação de homens e mulheres. “Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR,
que não tenho prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus
caminhos e vivam” (Ezequiel 33:11). Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4). Em tudo isso o tempo de espera da punição dá uma
evidência clara da misericórdia, bondade e amor de Deus.
3. Para demonstrar a justiça de Deus. Quando repetidamente Deus convida os pecadores a
virem à fé e repetidamente eles recusam os Seus convites, a justiça de Deus em condená-los é vista
muito mais claramente. Paulo adverte que quem persiste na incredulidade está simplesmente
acumulando a ira para si mesmo: “Contudo, por causa da teimosia e do seu coração obstinado, você
está acumulando ira contra si mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo
julgamento” (Romanos 2:5). No dia do juízo todas as bocas serão silenciadas (Romanos 3:19), e
ninguém será capaz de contrapor que Deus foi injusto.
4. Para demonstrar a glória de Deus. Finalmente, a glória de Deus é mostrada de muitas
formas pelas atividades dos seres humanos em todas as áreas nas quais a graça comum está em
operação. No desenvolvimento e no exercício do domínio sobre a terra, homens e mulheres
demonstram e refletem a sabedoria do seu Criador, comprovam as qualidades dadas por Deus, as
virtudes morais e a autoridade sobre o universo, e coisas semelhantes. Embora todas essas atividades
sejam contaminadas por motivos pecaminosos, elas apesar disso refletem a excelência de nosso
Criador e, portanto, trazem a glória a Ele, não de forma plena e perfeita, mas ainda assim
significativa.

C. Nossa resposta à doutrina da graça comum

Pensando sobre as várias espécies de bondades vistas na vida dos descrentes por causa da graça
comum que Deus dá abundantemente, devemos ter em mente três pontos.
1. Graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Mesmo uma porção excepcional
de graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Até as pessoas mais habilidosas, mas
inteligentes, mais ricas e poderosas no mundo ainda carecem do evangelho de Jesus Cristo ou serão
condenadas eternamente! Os nossos vizinhos mais bondosos e de moral mais elevada ainda carecem
do evangelho de Jesus Cristo ou serão condenados eternamente! Exteriormente pode parecer que eles
não têm necessidade algumas, mas a Escritura ainda diz que os descrentes são “inimigos de Deus”
(Romanos 5:10; cf. Colossenses. 1:21; Tiago 4:4) e são “contra” Cristo (Mateus 12:30). Eles são
“inimigos da cruz de Cristo” e “só pensam nas coisas terrenas” (Filipenses 3:18,19), sendo “por
natureza merecedores da ira” (Efésios 2:3).
2. Devemos ser cuidados em não rejeitar as coisas boas que os descrentes fazem,
considerando-as totalmente más. Pela graça comum os descrentes fazem algumas coisas boas, e
devemos ver a mão de Deus nelas, sendo agradecidos por elas, como por exemplo nas amizades, em
cada ato de bondade, no que elas trazem de bênçãos para outras pessoas. Tudo isso — embora o
descrente não o saiba — procede em última análise de Deus, e Deus merece a glória por tudo.
3. A doutrina da graça comum deveria estimular nosso coração à gratidão muito maior a
Deus. Quando descemos uma rua e vemos casas, jardins e famílias vivendo em segurança, ou quando
negociamos no mercado e vemos os resultados abundantes do progresso tecnológico, ou quando
andamos pelos bosques e vemos a beleza da natureza, ou quando somos protegidos pelas
autoridades, ou quando somos educados no vasto conhecimento humano, devemos perceber não
somente que Deus, em Sua soberania, é o responsável último por todas essas bênçãos, mas também
que Deus as tem concedido aos descrentes, embora eles não tenham absolutamente nenhum mérito com
relação a elas! Essas bênçãos no mundo não são apenas evidências do poder e sabedoria de Deus,
mas a manifestação contínua da Sua graça abundante. A percepção deste fato deveria fazer nosso
coração se encher de gratidão a Deus em cada atividade de nossa vida.
Wayne Grudem

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