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Cultura Visual

26 de Fevereiro de 2013
Ate ao século XIX, um dos assuntos sobre os quais Jonathan Crary falava era do facto
da experiência dos sentidos não ser pensada como uma experiência
sobredeterminante de outras. Denis Diderot, por exemplo, escreve a “Carta sobre os
cegos” e introduz a hipótese de existirem equivalências entre o tacto e a visão. É só a
deste século que a visão ganha um sentido mais forte.
Com a cultura moderna, representação visual (fotografia, cinema, etc.) passa a ocupar
um lugar tão preponderante na sociedade que quase se pode dizer que a visão é o
elemento comunicacional que medeia toda a nossa percepção. Torna-se numa
dimensão sensorial que “engole” todas as outras e por isso pode falar-se da existência
de um ocularcentrismo – predominância do “ver” na Filosofia. Deste modo, a partir do
século XIX há uma tendência cultural para valorizar as imagens (esta é uma das
questões contemporâneas da era digital).

Se se prestar atenção, verifica-se que toda a vida quotidiana está mediada e rodeada
por ecrãs e que cada vez mais se trabalha no sentido de tornar as coisas portáteis.
Assim, por um lado, há uma transversalidade dos meios visuais mas, por outro, esta
portabilidade está quase unicamente delegada aos ecrãs. As próprias pessoas vivem
em função do que se passa no ecrã e dão grande importância à possibilidade de
aparecer no mesmo (daí o sucesso dos “Reality Shows”). Na cultura americana,
principalmente, as pessoas condicionam muito toda a sua existência em função da
oportunidade de aparecerem no ecrã.

Texto “A cultura visual e a construção social da arte, da imagem e das práticas do


ver” de Raimundo Martins

O conceito de cultura foi muito trabalhado sobretudo ao longo do século XX, apoś toda
a antropologia do século XIX se focar no estudo da civilização. Desde o final do século
XVIII já se iniciava a descoberta do homem através da arqueologia que estuda a
possibilidade de, a partir de pequenos fragmentos, se poder explorar o que ocorreu
em épocas passadas.
O próprio Michel Foucault dizia que, no século XIX, o homem era uma invenção
recente em termos de objecto de estudo. É a partir deste período que o homem
emerge como problema porque até ao momento a atenção estivera essencialmente
focada na Natureza, o que se observa nos grandes dilemas dos filósofos clássicos como
Platão e Descartes que queriam conseguir compreender o mundo.

Como consequência de o homem se apresentar como problema, nascem as ciências


humanas – antropologia (indica como as pessoas se organizam em termos simbólicos),
demografia (foca-se no modo como as populações evoluem), história (estuda a
maneira como as sociedades se modificam e evoluem), sociologia (analisa a forma
como as pessoas se comportam em grupo), psicologia (questiona-se acerca do que
determina a acção humana), etc. Hoje em dia, todas estas disciplinas estão
subdivididas e cada área de estudo trata de problemas muito abrangentes.

Nesta altura, os antropólogos têm de lidar com alguns obstáculos epistemológicos,


sendo um deles a ideia de que existem culturas mais civilizadas do que outras e a
grande importância que se dá à oposição entre civilizado e primitivo, questão
fundamental na altura. Na antropologia, estas questões já não são tão restritivas,
principalmente quando a filosofia introduz o conceito de volksgeist – espírito do povo.
A palavra folclore parte deste conceito e possui muitas abordagens, sendo que a
primeira é a filosófica. Estes termos indicam que as actualizações do espírito do tempo
possuem diversas formas e que uma delas é esse espírito popular simbólico. O folclore
é também um conceito que surge com Hegel e com outros filósofos que deste modo
dão início à antropologia.

No princípio do seculo XX, surge uma grande obra social acerca dos índios americanos
numa tentativa de compilação da informação recolhida. É um estudo que se foca no
conflito que se criou contra os índios e na massiva exterminação destes que se deu
posteriormente. Este registo só foi possível porque quando se começou a dar a
extinção dos nativos a antropologia tornou o acontecimento num objecto de estudo.
Deste modo, pode considerar-se que a nossa cultura museográfica e científica se
instala num “cemitério”.
Esta situação permitir explicar de onde provém o termo cultura e o interesse pelo
mesmo. A cultura não pretende ser um conceito descritivo e sim um conceito moldável
em termos de abordagem; o termo civilização, no entanto, possui uma conotação. O
conceito de cultura acaba por ser associado a esta tendência de abordagem às
sociedades, isto é, de um ponto de vista descritivo, analítico e crítico e não de um
ponto de vista valorativo.

O conceito de cultura coloca-se em oposição ao conceito de civilização. Clifford


Geertz, um importante antropólogo americano afirma que a cultura consiste num
conjunto de símbolos (ex: ligar um carro à chave) que constituem os procedimentos
que fazem parte de todos os aspectos da vida humana. Embora reconheçamos estes
gestos, eles acabam por não serem efectuados conscientemente em grande parte das
vezes. Actualmente, a etologia1, por sua vez, chega à conclusão de que as acções que
aprendemos não são gestos simbólicos mas instintos.

Na época bizantina, as imagens que se apresentavam eram irrealistas e valorizavam


muito o azul assim como uma expressão dos sentimentos externos do artista. Não
havia grande preocupação com a existência de profundidade ou de proporções
correctas. Contudo, quando se introduz a perspectiva, pessoas (e anjos) passam a ter
1
Estudo do comportamento animal (que dá grande importância ao instinto)
de ser representados de forma realista como se fossem dirigidos a um espectador.
Ainda assim, não abandonam o uso de elementos simbólicos.
Já no século XXI, a representação do sagrado acaba por se dissolver na arquitectura.
Este tipo de representação é caracterizado por uma estilização e pela perda de
importância que se atribuía à narrativa, nomeadamente à narrativa mítica. Desta
forma, estas representações começam a apelar a públicos cujo interesse foge às
histórias por causa do seu carácter racional e tecnológico que apresentam.

Segundo Raimundo Martins, o conceito de cultura impõe-se ao de civilização que está


associado à filosofia e a uma cultura elitista. O próprio discurso é uma questão cultural
que se opõe à civilização.
A cultura visual fornece ferramentas para a descodificação e para a desmaterialização
dos símbolos – as imagens mostram de forma cultural a cultura.

Género – construção de diferenças culturais baseadas no social (no âmbito da cultura


visual).

27 de Fevereiro de 2013
Texto “A cultura visual e a construção social da arte, da imagem e das práticas do
ver” de Raimundo Martins (continuação)

A matriz da imagem técnica realista foi desconstruída pela cultura visual. Existem
vários aspectos na imagem como por exemplo os que se encaixam na ordem da
interacção com o espectador que começa a ser compreendido através de uma
perspectiva psicológica e não somente política ou social.

Devido ao seu realismo, as imagens fotográficas apresentam grandes complicações


porque os historiadores têm muitas dificuldades em arquivá-las, já que, para além de
ser quase impossível arquivarem-se todas as fotografias, este processo vai ser
acarretar defeitos porque a pesquisa depende e varia sempre consoante o modo como
cada um dos arquivadores tratou da arquivação ou indexação dos conteúdos.

Raimundo Martins chama atenção para a complexidade da questão da ambiguidade


das imagens porque se deve entender que o estudo da imagem se baseia
essencialmente nas forças que o determinam. Deste modo, não é de surpreender que
a experiência visual, sendo sociológica e ideológica, varie consoante os períodos
históricos.

A instituição “escola”, por exemplo, é sempre um aparelho de representação da


ideologia de um Estado e um dos melhores exemplos é mesmo o Estado Novo, durante
o qual os próprios manuais escolares reproduzem a ideologia por este defendida. O
mesmo acontece com bastante intensidade na Inglaterra e na França. Isto resulta do
facto de todas as sociedades necessitarem de introduzir uma certa norma que permita
o seu funcionamento.
A tendência que existe nos dias de hoje para o “politicamente correcto” pode
rapidamente tornar-se em algo incorrecto devido ao seu excesso.

O realismo é preferível à idealização, pois tudo o que está relacionado com a ilustração
possui a marca da não-ideologia, sendo altamente codificada.

Referência: filme “The Art of Remembrance” de David MacDougall – MacDougall


recorre a uma câmara para representar os aspectos de uma cultura. Este filme
representa uma abordagem antropológica no Gana acerca dos efeitos da fotografia na
sua cultura.

Texto “The Power of Images” de David Freedberg

O ponto de partida de David Freedberg é a ideia de que embora para nós as imagens
apenas tenham um significado estético e de história de arte, antigamente,
nomeadamente na Antiguidade Clássica, estas possuíam uma componente “mágica”
no quotidiano.
Freedberg fez também uma análise baseada em livros de decoração acerca do tipo de
imagens que devem estar inseridas em cada compartimento de uma habitação de
modo a que tenham a capacidade de transmitirem algo às pessoas que nela habitam.

O autor faz uma crítica da visão racionalista que os ocidentais têm das imagens, pois
não eram só os primitivos que possuíam uma relação simbólica com as imagens, estas
também têm um poder sobre nós.

Imagem assimbólica – é uma imagem meramente ilustrativa, documental, sem valor


de objectivo, sagrado, cultural, etc.

Cultura do efémero das imagens – ilusão de contacto com a realidade. Ex: imagem
enviada por telemóvel.

Para além do racionalismo, Freedberg trabalha também sobre o mito do aniconismo –


mito que indica que quanto mais espiritual é uma religião, menos imagens esta tem. A
este conceito está associado o de iconoclasma – afastamento das imagens para que
não se perca a possibilidade de transcendência.
A relação homem com estas imagens está mascarada de racionalidade, pois o homem
precisa das imagens por ter dificuldade em lidar com certas ideias sem a sua presença.
É quase uma necessidade básica do ser humano o facto de representar o mundo
figurativamente (consciência do mundo ligada à representação).
O mito do aniconismo representa o conflito do homem perante a necessidade da
imagem: as pessoas reagem contra as imagens pelo poder que estas têm sobre elas.
Ao longo da história, o homem passou ciclicamente por momentos de angústia. Entre
os anos 70 e 90, quando surge a televisão coloca-se a questão da violência e da
representação da mesma.

Nota: as sombras enganam.

Ontologicamente, para Platão, a cópia é uma representação degradada do ser; a


mimésis é um “fantasma” (a cópia de uma cópia). Sendo Platão iconoclasta, o filósofo
considerava que conhecer significava descolar da sensação em direcção à abstracção.
Aristóteles, por outro lado, considera que a mimésis é uma forma de conhecimento
que decorre da imitação como processo natural.

O homem disciplinou as imagens de culto e dessacralizou-as. O que costumavam ser


imagens de culto foram transformadas em roteiros de massas turísticos.

Há um autor que tenta reduzir o aspecto do assalto às obras de arte a uma razão
económica. No entanto existem várias razões quando a obra é pensada de uma forma
“não-comprável” ou termos morais, entre outras causas. As imagens possuem a
capacidade de despertar emoções profundas de desejo ou até de vontade de atacar.

19 de Março de 2013

IDADE MÉDIA RENASCENTISMO

 Teocentrismo  Heliocentrismo
 Geocentrismo  Autonomia da razão face à fé
 Subordinação da razão à fé (síntese  Desierarquização do espaço
aristotélica – tomista)  Visão quantitativa
 Hierarquização do espaço  Universo infinito
 Espaço qualitativo  Uniformização do espaço
 Cosmos finito  Cores: verde, castanho (devido ao
 Cores: dourado, vermelho naturalismo e à centralização no homem)

 Filippo Brunelleschi  Tycho Brahé (astrónomo


(arquitecto) dinamarquês do século XIV)
 Masacchio

Na época medieval, não há uma noção de “artista génio” como nos dias de hoje. Existe
no mesmo período uma necessidade de produzir e imagens e de que estas cumpram a
função de representação de cenas religiosas.

Nesta altura, Michael Baxandall afirma que existiam várias razões para a pintura e a
iconografia criarem as figuras religiosas que depois decoravam as igrejas: serviam
como a “bíblia” do analfabeto, como a lembrança do esquecido e como uma forma de
estímulo da fé.
Também na Idade Média, há um confinação do espaço nas figuras religiosas, pelo que
não existe perspectiva que só vem a aparecer mais tarde por necessidades históricas e
culturais.

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