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Com o desenvolvimento da clínica da psiquiatria, desde a transição do século XVIII para o

século XIX há uma busca por diferenciar transtornos/psicoses das deficiências, naquele
momento o autismo fora associado a noção de idiotia. Entre avanços e retrocessos, o conceito
de idiotia já não existe mais devido ao cunho perjorativo, e as pessoas autistas são tidas, para
fins legais, como pessoas com deficiência, sendo amparadas pelas políticas de Saúde Mental e
da Pessoa com Deficiência. (Silva e Furtado, 2019)

No Brasil, a primeira política destinada a este público data do ano de 2012, a Política
Nacional de Proteção da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a qual foi construída e
aprovada envolvendo familiares destas pessoas. (Silva e Furtado, 2019)

“O SUS é uma política pública que possui três princípios norteadores, quais sejam:
universalidade, integralidade e equidade. A universalidade parte da garantia de
acesso de todo e qualquer cidadão aos serviços públicos de saúde. A integralida-
de, por sua vez, deve ser pensada a partir de duas dimensões, a primeira voltada
ao reconhecimento de um sujeito integral, e a segunda, a uma rede de cuidados
que tenha a capacidade resolutiva dessa demanda diversificada. Já o princípio da
equidade intenta evitar iniquidades e/ou desigualdades na assistência e acesso aos
serviços de saúde (BRASIL, 1990)” (Silva e Furtado, 2019)

Tendo em vista o pilar da integralidade, ao pensar na constituição da Rede de Atenção


a Pessoa Autista, se faz necessária uma articulação em uma rede intersetorial viva e dinâmica,
envolvendo: Rede de Atenção a Saúde (APS, RAPS, Reabilitação, Materno-infantil, Urgência e
Emergência), Educação, SUAS, Conselho Tutelar, ONGs, Ministério Público, Reabilitação
Profissional, Práticas Integrativas e Complementares de cuidado, dentre outras possibilidades
que cada estado e/ou município desenvolva a partir das necessidades e potencias territoriais.

Historicamente, no campo dos cuidados em saúde há uma supervalorização de teorias


genéticas e comportamentais para compreensão e cuidados com as pessoas autistas. (Silva e
Furtado, 2019). Os autores apontam que tais perspectivas desconsideram ou desvalorizam a
dimensão subjetiva destas pessoas no processo de produção de saberes, teorias e práticas de
cuidado, portanto retira-lhes o protagonismo em detrimento da busca dos “substratos
biológicos do autismo”.

O princípio da Integralidade é tido como a principal diretriz para a construção da Linha de


Cuidados da pessoa autista, pode-se defini-la como: “conjunto contínuo e articulado de ações
e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, em todos os níveis de complexidade
do sistema” (BRASIL, 1990, p. 4).Tal perspectiva se opõe ao modelo biomédico, que fragmenta
o sujeito e fragiliza a eficiência do cuidado, desconsiderando os determinantes sociais e
subjetivos da saúde, reduzindo o cuidado a métodos e protocolos pré estabelecidos (Silva e
Furtado,2019).

Questiona-se: o autista transita em alguns momentos, no discurso contido na Linha de


Cuidado, entre a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e a Rede de Cuidados à Pessoa com
Deficiência. Afinal, qual é o lugar do sujeito autista na Rede SUS?

“A Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência constituirá uma oferta importante de
atenção à saúde das pessoas com TEA, uma vez que, frequentemente, estão presentes
alterações cognitivas, de linguagem e de sociabilidade, que afetam diretamente – com
maior ou menor intensidade – grande parte das pessoas com TEA, limitando capacidades
funcionais no cuidado de si e nas interações sociais, o que demanda cuidados específicos e
singulares de habilitação e reabilitação (BRASIL, 2013, p. 115-116).”

Portanto, compreende- se que as pessoas autistas, transitam pela Rede de Atenção a Saúde
especialmente entre a RAPS e a área de habilitação e reabilitação. Visto que o sujeito é um ser
complexo, multidimensional e tem o direito de ser considerado na sua integralidade, implica
que hajam espaços de diálogo e articulação em rede, nos quais são utilizados dispositivos de
construção de um cuidado compartilhado, como o Projeto Terapêutico Singular, estratégias de
matriciamento, construção de fluxos, discussão de casos, supervisão clínica institucional,
dentre outros. Paralelamente, lança-se o desafio de que se construam redes intersetoriais,
espaços de educação permanente, diálogo com políticas de inclusão, combate ao capacitismo,
suporte e dispositivos de escuta para familiares e cuidadores de pessoas autistas, qualificação
em todos os níveis de atenção da rede para serviços e profissionais, desmedicalização do
cuidado, construção de critérios de “alta” ao mesmo tempo em que as portas da rede não se
fechem para estas pessoas.-> Tecnologias do cuidado

PTS: “direcionamento das ofertas de cuidado construído a partir da identificação das


necessidades dos sujeitos e suas famílias nos contextos reais de vida, englobando diferentes
dimensões” (BRASIL, 2008 apud BRASIL, 2013, p. 77)

Dos subsídios teórico-políticos às diretrizes brasileiras para a atenção às pessoas autistas na


área de habilitação e reabilitação, temos: “Convenção sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência de 2007, Decreto nº 6.949 (BRASIL, 2009), Rede de Cuidados à Pessoa com
Deficiência e Lei nº 12.764 (BRASIL, 2012a), instâncias essas totalmente direcionadas ao
campo das deficiências (BRASIL, 2014)”

Os autores Silva e Furtado (2019) apontam de forma crítica que o documento que desenvolve
as diretrizes da área de habilitação e reabilitação se pautam em perspectivas deterministas
voltadas para as neurociências, desvalorizando a singularidade e a dimensão subjetiva das
pessoas autistas ao buscar que o mesmo se adapte às normas e padrões sociais.
Nesse sentido, os autores apontam como caminho, o Modelo Social da Deficiência, o
qual traz uma compreensão dialógica visto que considera “tanto o corpo com lesão quanto a
estrutura social que impõe restrições à participação social efetiva de sujeitos. Dessa forma,
deficiência não pode ser categorizada apenas como uma restrição de funcionalidade ou
habilidade, como tradicionalmente o modelo biomédico de deficiência vem definindo, cuja
cura circula em torno de uma reabilitação. Essa dinâmica exige mais que isso, exige
acessibilidade, exige integralidade!” (Silva e Furtado, 2019)

“Podemos citar o movimento da neurodiversidade, organizado por autistas de alto


funcionamento, geralmente diagnosticados com Síndrome de Asperger, que consideram o
autismo não uma doença, mas uma diferença humana (ORTEGA, 2008)”

Referencia: SILVA, Lucas Silveira da; FURTADO, Luis Achilles Rodrigues. O sujeito autista na
Rede SUS: (im)possibilidade de cuidado. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 31, n. 2, p.
119-129, maio/ago. 2019. https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i2/5635
PACHECO, Ana Laura Prates. Autismo, Psicanálise e Saúde
Pública. A peste: Revista de Psicanálise e Sociedade e Filosofia ,
São Paulo, v. 4, n. 2, p. 101-103, jul./dez. 2012. Disponível em:
http://revistas.pucsp.br/apeste/article/view/22118.
ORTEGA, Francisco. O sujeito cerebral e o movimento
da neurodiversidade. Mana, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2,
p. 477-509, out. 2008. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
93132008000200008

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.


Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Área
Técnica de Saúde da Pessoa com Deficiência. Diretrizes de
atenção à reabilitação da pessoa com transtornos do espectro
do Autismo (TEA). Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

ELIA, Luciano. Psicanálise e neurociência face ao autismo: uma


disjunção inclusiva. In: FURTADO, Luis Achilles Rodrigues;
VIEIRA, Camilla Araújo Lopes (Org.). O autismo, o sujeito e a
psicanálise: consonâncias. Curitiba: CRV, 2014. p. 19-38.

Fichamento 2:
Oliveira, Bruno Diniz Castro de et al. Políticas para o autismo no Brasil: entre a atenção
psicossocial e a reabilitação1. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online]. 2017, v. 27, n.
03 [Acessado 28 Novembro 2022] , pp. 707-726. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0103-73312017000300017>. ISSN 1809-4481.
https://doi.org/10.1590/S0103-73312017000300017.

As políticas públicas focadas na atenção às pessoas com deficiência no Brasil, se construíram


tendo dois atores principais, os setores partidários a Reforma Psiquiátrica e Associações de
pais e familiares, que especialmente na década de 80 passaram a construir instituições que
pudessem oferecer atendimento e cuidados para seus entes.
Ressalta-se que a política de Saúde Mental voltada para crianças e adolescentes data de 2001,
a partir das proposições da III Conferencia Nacional de Saúde Mental. Em 2002, surgem os
CAPSi para este fim. Em paralelo, as associações se expandiram e também se tornaram
protagonistas das formulações políticas e em defesa dos direitos das pessoas autistas.
“O reconhecimento do autismo como uma deficiência engendrou um novo debate em torno
das formas como esta população deve ser contemplada no rol de ações e serviços disponíveis
no SUS para além da assistência que vinha sendo provida, de um lado pelos CAPSi, no
campo da saúde mental, e de outro, pelas entidades filantrópicas conveniadas ou pelas
associações de familiares.”

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