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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC-SP

FÁTIMA APARECIDA DOS SANTOS

DIMENSÕES E LINGUAGENS DO DESIGN GRÁFICO:


SELEÇÃO, ORGANIZAÇÃO E SOBREPOSIÇÃO DAS MENSAGENS VERBAIS E VISUAIS
VEICULADAS NO ESPAÇO URBANO

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO
2007
2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC-SP

FÁTIMA APARECIDA DOS SANTOS

DIMENSÕES E LINGUAGENS DO DESIGN GRÁFICO:


SELEÇÃO, ORGANIZAÇÃO E SOBREPOSIÇÃO DAS MENSAGENS VERBAIS E VISUAIS
VEICULADAS NO ESPAÇO URBANO

Tese apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em Comunicação
e Semiótica sob a orientação da Profa.
Dra. Irene Machado.

SÃO PAULO
2007
3

Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

______________________________________

______________________________________

______________________________________
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Dedicatória
Dedico este trabalho aos meus
irmãos: Fábio e Patrícia;
Ao meu sobrinho Fábio Gabriel;
Ao professor Tom que, ensinou-me
quando pequena, que eu poderia ser
quem eu quisesse e, mesmo sem
saber, uniu meu destino ao da profa.
Irene;
Às professoras Carmem e Bigal, que
até hoje fazem a diferença em minha
vida.
A todos os meus alunos, com quem eu
compartilhei as minhas descobertas e
dúvidas: vocês são a melhor do meu
dia.
5

Agradecimentos

Agradeço aos meus antepassados, que me


supriram de mitos e histórias de força, alimento para
sobreviver a diversidade.
À professora Irene Machado, que mesmo não
fazendo mais parte do corpo docente da PUC permaneceu
como minha orientadora, insistindo para que eu alcançasse
um nível satisfatório, abrindo mão de suas horas não mais
remumeradas para conversar e aconselhar.
Ao Eduardo, o Dú, amigo, companheiro de
trabalho, de lazer e de catarse, sem o qual este trabalho
jamais teria sido concluído.
Aos meus tios, primos e primas, a minha grande
família, que me acolheu durante a infância e me suporta
falando de coisas que eles nem sabem o que é, como por
exemplo, a semiótica.
À Gi Poiani, amiga e braço direito de trabalho,
que aguentou a minha insanidade quando ela também estava
insana;
À Ana Paula, amiga e braço direito de trabalho,
que me esperou passar pelo doutorado para seguir seu
caminho;
A todos os professores do curso de Comunicação
Social da UNIFEV;
À Fundação Educacional de Votuporanga pelo
auxílio financeiro.
6

À Profa. Dra. Encarnação Manzano e Ao Prof.


Dr. Marcelo Lourenço, Reitores que, durante o período do
Doutorado, depositaram em mim confiança para
desenvolver o meu trabalho, mesmo não podendo estar o
tempo todo presente.
7

SUMÁRIO
RESUMO, 9
ABSTRACT, 10
INTRODUÇÃO, 11
1 REPRESENTANDO A CIDADE, 19
2 MÍDIAS EXTERNAS: UMA CONEXÃO ENTRE AS FERRAMENTAS DA PUBLICIDADE E O TRABALHO DO
DESIGNER GRÁFICO, 26
2.1 Designer e Publicidade: considerações históricas, 26
2.2 As técnicas de impressão, o design gráfico e o cartaz como elemento da propaganda política, 28
2.2.1 O construtivismo e o design gráfico, 37
2.3 Relações entre o cartaz de rua e o outdoor, 44
3 PERCEPÇÃO, DESIGN E AMBIENTE, 49
3. 2 O ambiente e o design, 55
3.1 Fundamentações para a percepção, 49
3.3 Ecologia e design, 66
4 DESIGN COMO LINGUAGEM: COMPREENDENDO OS CÓDIGOS E A SINTAXE DAS COMUNICAÇÕES VISUAIS, 72
4.1 Perceber e representar: o ambiente, a linguagem e a percepção, 72
4.2 A linguagem do design e constituição do código por meio da transcodificação, 79
4.2.1 Compondo mensagens por meio do desenho, 86
4.3 Dimensão cultural dos códigos do design: um exemplo., 97
4.4 A organização da linguagem no eixo da sobreposição., 103
4.5 Sintaxes, funções e relações culturais do design, 115
4.5.1 Apressados, 117
4.5.2 Pontuais e Atrasados, 121
4.5.3 Distraídos, 123
4.5.4 Engarrafados, 124
CONCLUSÃO, 126
REFERÊNCIAS, 130
8

Lista de ilustrações
WWW.MYCITY.COM.BR/SP, 1998.................................................................................................................................................................................................... 21
SURFISTAS, 2003................................................................................................................................................................................................................................. 25
MOULIN ROUGE - LA GOULUE 1891 .............................................................................................................................................................................................. 30
POEMS BY THE WAY,1897................................................................................................................................................................................................................ 32
UN COUP DE DÉS JAMAIS N'ABOLIRA LE HAZARD, 1897......................................................................................................................................................... 33
ZAMP TUMB TUMB............................................................................................................................................................................................................................ 34
“I WANT YOU FOR U.S.ARMY” 1914............................................................................................................................................................................................... 36
O POEMA DO TERNO DE LEITE 1937.............................................................................................................................................................................................. 37
RESULTADOS DO PRIMEIRO PLANO QÜINQUENAL, FOTOMONTAGEM EM PÁGINA DUPLA, 1932............................................................................... 38
JANELA ROSTA, 1921......................................................................................................................................................................................................................... 40
APRESSADOS, 2003 ............................................................................................................................................................................................................................ 52
CLIENTES DOS OUTROS BANCOS, 2003 ........................................................................................................................................................................................ 56
ATRASADOS, 2003.............................................................................................................................................................................................................................. 58
EMPENA CRIADA PARA PROMOVER A SEGURADORA DE VEÍCULOS AMERICANA NATIONWIDE. ............................................................................. 59
EMPREENDEDORES, 2005................................................................................................................................................................................................................. 60
ENGARRAFADOS, 2003 ..................................................................................................................................................................................................................... 62
DISTRAÍDOS, 2003 .............................................................................................................................................................................................................................. 68
AMANHECER, 1996............................................................................................................................................................................................................................. 92
LOGOTIPO ITAÚ, 1966 ....................................................................................................................................................................................................................... 96
LOGOTIPO 1970................................................................................................................................................................................................................................... 98
IDENTIDADE VISUAL PARA O BANCO ITAÚ, 1980 ................................................................................................................................................................... 100
REVITALIZAÇÃO DA IDENTIDADE VISUAL DO BANCO ITAÚ, 2003 .................................................................................................................................... 101
9

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo investigar as sintaxes das linguagens do design gráfico presentes no ambiente urbano. Para
tanto selecionamos da multiplicidade de signos da cidade, uma campanha Publicitária que utilizou outdoors e mobiliários urbanos para dialogar com
a cidade. Nossa principal hitpótese foi a de que: as mídias externas conservam a memória das marcas e empresas que as representam, mas garantem
seus significados sobrepondo marca, suporte, ambiente e usuário, pois é na mente do observador que a mensagem se completa e esta só pode ser
garantida totalmente se vinculada a um repertório eficiente, que, por sua vez, precisa de um mecanismo de percepção complexo e conectado ao
mundo. Trabalhamos com os conhecimentos da Semiótica, Semiótica da Cultura e das Teorias da Comunicação. Construímos uma abordagem
teórica para o design com o objetivo de analisar a característica de vincular-se. Os principais teóricos utilizados foram: Roman Jakobson, seu modelo
de comunicação e a formulação das funções da linguagem; Jakob Von Uexküll para ler a relação entre os seres e o entorno; e James Jerome Gibson
para entender as informações disponíveis no ambiente e os dispositivos que temos para capturá-las e conectá-las a nós. Além desses, a dinâmica da
cultura apresentada nos textos de Iuri M. Lótman. Ao sobrepor as possibilidades de organização de mais de uma linguagem no espaço urbano,
revelamos a possibilidade de essa aplicação ser comparada à dinâmica da cultura. As descobertas foram possibilitadas pelos conhecimentos sobre
percepção e ambiente. O conceito de ambiente como espaço qualificado permitiu-nos entender que o homem comporta-se como um processador de
informação e disposição de sintaxes e, esse movimento de compreensão do mundo, transformação do mesmo em linguagem, é o que diferencia
espaço de ambiente. Por outro lado, foi-nos útil o entendimento de que esse movimento pode ser comparado ao conceito de Umwelt de Jakob Von
Uexküll. Logo, a linguagem é a prova mais evidente da existência de ambientes específicos. Ao analisar as comunicações em sua relação com o
ambiente, descobrimos que existe uma seleção de receptores e interceptação de outros em virtude do desconhecimento do código. O modelo de
comunicação de Jakobson não se aplica a ambientes dinâmicos, pois constatamos a sobreposição de papéis de emissão, o deslocamento de emissor
que em alguns casos se revela como receptor e, ou como referência da mensagem. Foi possível verificar a relação ou os vínculos que as marcas
garantem ao conjunto de peças que compõem uma campanha publicitária. Descobrimos que as linguagens do design exercem uma força dupla, pois
condicionam-no para a universalidade e para a multiplicidade. A universalidade dá-se em função do design poder apresentar-se em diferentes lugares
por carregar seu aspecto de significação em fatores além da língua. E a multiplicidade dá-se em função da relação que ele desenvolve com os
códigos da cultura. A relação entre design e publicidade revelou-se como um processo complexo de produção de linguagem no qual o primeiro
ocupa o lugar de organizador e a segunda ocupa o lugar de condensador de repertórios. Nas peças analisadas, pudemos verificar que os
conhecimentos e pesquisas comumente desenvolvidos como parte de uma campanha ampliam seu potencial quando organizados por meio de um
design eficiente.

Palavras-chaves: Design. Linguagens. Ambiente urbano. Cultura. Publicidade.


10

ABSTRACT
The present work has as objective investigates the syntaxes of the languages of the graphic design in the urban ambient. For so much
we selected of the multiplicity of signs of the city, an Advertising that it was used of billboards and urban furnitures to dialogue with the city. Our main hypothesis
was the that: the external visual messages conserve the memory of the marks and companies that represent them, but they guarantee their meanings putting upon
mark, support, ambient and user, because it is in the observer's mind that the message is completed and this can only be guaranteed totally if linked to an efficient
repertoire, that, for some times, its needs a complex and connected perception mechanism to the world. We worked with the knowledge of the Semiotics, Semiotics
of the Culture and of the Theories of the Communication. We built a theoretical approach for the design with the objective of analyzing the characteristic of linking.
The main ones theoretical used they were: Roman Jakobson, the communication model of him and the formulation of the functions of the language; Jakob Von
Uexküll to read the relationship among the beings and spill him; and James Jerome Gibson to understand the available information in the ambient and the devices
that we have to capture them and to connect them to us. Beyond of those, the dynamics of the culture presented in the texts of Iuri M. Lótman. When putting upon
the organization possibilities of more than a language in the urban space, we revealed the possibility of that application to be compared to the dynamics of the
culture. The discoveries were made possible by the knowledge on perception and ambient. The ambient concept as qualified space allowed to understand each other
that the man behaves as a processor of information and disposition of syntaxes and, that movement of understanding of the world, transformation of the same in
language, is what differentiates ambient space. On the other hand, it went us useful the understanding that that movement can be compared to the concept of
Umwelt of Jakob Von Uexküll. Therefore, the language is the most evident proof of the existence of specific atmospheres. When analyzing the communications in
relationship with the ambient, we discovered that it exists a selection of receivers and interception of other because of the ignorance of the code. The model of
communication of Jakobson is not applied to dynamic ambient, because we verified the overlap of emission papers, the originator displacement that in some cases
are revealed as receiver and, or as reference of the message. It was possible to verify the relationship or the bonds that the marks guarantee to the group of pieces
that they compose an advertising campaign. We discovered that the languages of the design exercise a double force, because they condition persons for the
universality and for the multiplicity. The universality feels in function of the design to come in different places for carrying significance aspect in factors besides
the language. And the multiplicity feels in function of the relationship that he develops with the codes of the culture. The relationship between design and
adverstising was revealed as a complex process of language production in which the first occupies organizer's place and Monday occupies the place of condenser of
repertoires. In the analyzed pieces, we could verify that the knowledge and researches commonly developed as part of a campaign enlarge the potential when
organized through an efficient design.

Key words: Design. Languages. Adapt urban. Culture. Publicity.


INTRODUÇÃO

Esta tese foi desenvolvida ao longo dos últimos treze anos de estudo sobre design e o problema desta pesquisa foi
revelando-se aos poucos, pois perceber a relação entre os objetos e signos do cotidiano é como tentar vislumbrar icebergs. Gigantes, eles
só apresentam sua complexidade ao mergulhador e mesmo para estes podem parecer pequenas lascas de gelo que se desgrudaram das
geleiras. Os conhecimentos do mundo conectam-se, mas é necessário respeitar a composição e o entorno, o tempo de perceber, o tempo
de entender e, finalmente, o tempo de poder generalizar conhecimentos para relatar aos outros. A ambição de querer explicar o todo
acaba por não permitir a verdadeira relevância da pesquisa. Assim, mesmo estudando há algum tempo, parecia-nos que considerar
design como comunicação ou falar do design da comunicação constituía-se, sempre, em um trabalho difícil, porque há que se submeter
estas pesquisas à apreciação da academia. Sabe-se de antemão que, embora pareçam partes de um mesmo todo, designers não se
interessam tanto pela comunicação, não têm formação lingüística para entendê-la e, por outro lado, comunicadores não trabalham tanto
com a arte e a matemática quanto os designers. Parece que trabalhos de interface entre duas áreas, como este, geram sempre insatisfação
de um lado e de outro: designers, herdeiros convictos da arte, das formas, da morfologia, ou comunicadores, herdeiros da significação,
da mediação e, portanto, da vinculação. Observar o design, entender as teorias que conseguem explicá-lo e compreender como fazê-lo,
exige o conhecimento de elaborar mensagens coerentes de maneira não comum, um tanto como a arte, e ao mesmo tempo organizar
vínculos, relacionar, mediar, assim como faz o comunicador. Nosso grande desafio é, sem dúvida, observar os textos culturais que fazem
parte da nossa existência descobrindo como, por meio deles, é possível observar o design como linguagem e suas dimensões,
identificando as formas de organizá-lo como mensagem e, por fim, sua vinculação com os processos já existentes. Logo, nossa proposta,
ou nosso problema, é verificar como, por meio do design, é possível identificar formas de escrita, ou organização da mensagem e a sua
propriedade de vincular informações.
O design é uma atividade geradora de elementos que constituem o registro da existência humana como mecanismo de
transformação de pensamento em matéria, de matéria em produtos cotidianos e destes em elementos de comunicação. Opera com a
informação disponível, tecendo uma malha de signos que modela, organiza e recria a existência humana.
O design ganhou, nos últimos vinte anos, destaque no discurso da mídia, apesar de a atividade de produção de
comunicações visuais existir desde sempre e ser reconhecida como design a partir do começo do século vinte.
Produzir design é equacionar conhecimentos, traduzindo pensamentos em visualidade. Existem pelo menos dois
fatores a serem considerados na organização de um projeto gráfico: o conhecimento das ferramentas ou técnicas disponíveis para
transformar idéias em visualidades e a capacidade de organização das linguagens de forma a transmitir uma informação, despertar
complementações, construir relações entre o usuário e a sua produção. Por outro lado, a criação de objetos e marcas não completa o
círculo da criação, pois é necessário vincular o novo produto à nova identidade visual e à nova organização da mensagem, levando-a a
ser reconhecida. É nessa instância que a criação do design conecta-se ao fazer publicitário.
Na elaboração de uma campanha publicitária, por exemplo, temos a confrontação de diferentes peças produzidas a
partir de diferentes mãos, repertórios e linguagens, mas que formam um todo. O conjunto desenvolvido é o resultado de uma relação
bem construída entre a marca, o ambiente e o usuário. A relação entre a publicidade e o design revela uma forma de vincular
pensamento e de divulgá-los.
Há algum tempo, o limiar entre aquilo que seria objeto de trabalho do publicitário e do design gráfico1 é muito tênue.
Observando os currículos escolares, as atividades das agências de publicidade e estúdios de design, é possível perceber que a
publicidade trabalha com todo o planejamento das ações de comunicação necessárias para a divulgação de um bem ou serviço,
organizando a disponibilização de mensagens nos veículos de comunicação, planejamento de custos, freqüência de exposição e oferta de
produtos; já o design gráfico garante a produção das peças, a visualidade, a combinação e uso de letras e cores, o material a ser utilizado
e a organização visual das peças. Para analisar a estrutura de linguagens de uma comunicação visual inserida em ambiente cultural, é
necessário observar seu processo de vinculação que depende das estratégias da publicidade, bem como seu processo de criação e
composição dependem do design gráfico.
Algumas comunicações visuais externas e ambientes, observadas na paisagem urbana, demonstram um ajuste sutil
entre o ambiente e a mensagem exibida, potencializando o seu significado.
As mensagens fixadas ao longo das vias públicas na cidade contribuem para a geração de múltiplas mensagens,
funcionando como janelas de conexão entre dois mundos: o externo, das vias públicas, tomados pelo cinza da composição urbana atual,
e o colorido das fachadas e conteúdos publicitários. Apesar de apresentar-se como oposição, a relação entre comunicação e cidade revela

1
É considerado design gráfico a habilitação em design que trabalha com objetos bidimensionais, sejam eles comunicação visual, projetos gráficos, tipografias,
direção de arte entre outros. A terminologia “gráfico” associa-se às técnicas de impressão e reprodução.
um sistema do design em que é possível avaliar o poder de conexão das mensagens exibidas com o cotidiano e, o ao mesmo tempo,
descobrir a engrenagem de conexão entre as linguagens do design gráfico.
De certa forma, o trabalho que hora apresentamos é a terceira tentativa de identificar os funcionamentos do design, em
especial do design gráfico, levando em conta o seu entorno. Assim, ainda no curso de graduação, procuramos entender como a cidade
poderia gerar signos relacionados a sua história, mantendo-os mesmo diante do processo de globalização e descaracterização. Àquele
momento, escolhemos a produção de utensílios e signos da cidade de Salvador. Concluímos a pesquisa com o entendimento de que só a
relação com o ambiente poderia permitir originalidade ao processo produtivo da cidade e estes foram garantidos pela conservação de
traços históricos que persistiram ao tempo construindo uma relação com o espaço. Em um segundo momento, no curso de pós-
graduação stricto sensu, em nível de mestrado, optamos pela pesquisa a respeito das linguagens presentes no web design, levando em
conta que o ambiente da Internet estava desvelando-se e, portanto, o processo de produção de linguagem estava em formação.
Percebemos que os vínculos e composições só fazem sentido e produzem semiose quando estão relacionados com o conhecimento de
mundo e acontecimentos externos à rede. Assim, descobrir vínculos do design e sua forma de composição tem sido a nossa ambição.
Agora, em um terceiro momento, enquanto pesquisa realizada como parte das atividades do programa de doutorado em
comunicação e semiótica, propomos investigar as sintaxes das linguagens do design gráfico presentes no ambiente urbano. Para tanto,
buscaremos as relações entre ambiente, meio e design. Visitaremos a história do design e da publicidade, procurando entender como
essas duas funções se conectam para gerar mensagens.
A proposta de compreensão das linguagens do design surgiu na dissertação de mestrado, quando analisávamos o
ambiente virtual, bidimensional, controlado pelas linguagens de programação e limites dos softwares de criação de páginas, mas que por
outro lado expandia-se em função do número de usuários e produtores de sites. Na dissertação Linguagens do web design, conseguimos
observar a formação de mensagens na Internet e como a organização por meio do design poderia garantir significado e transmitir
conhecimento. Mesmo em constante expansão e com uma série de mudanças sendo inseridas na Internet a cada momento, sabemos que
um usuário, normalmente, está sentado em frente ao seu micro computador, centrado em atividades interativas de clicar, ouvir e ver uma
tela reduzida, relações que tornam muito específico o contato com as linguagens. Queríamos testar as descobertas de organização de
linguagem que fizemos no mestrado em outros ambientes e a cidade pareceu-nos um campo fértil. Por outro lado, a quantidade de
linguagens presentes na cidade é assustadora, demandando conhecimento de muitas áreas, o que faz com que qualquer proposta de
trabalho seja muito superficial. Por isso isolamos, dentro da cidade, algo que prende a atenção e que, de certa forma, ocupa há muito
tempo lugar nas discussões sobre comunicação e paisagem urbana: as mídias externas. Acreditamos que por meio do estudo deles
poderemos colocar em funcionamento uma série de relações sobre linguagem, ambiente, cidade, comunicação e design.
O espaço urbano, observado pelo viés das mídias externas, constitui-se em ambiente produtivo para análise de
interações e linguagens. Nele é possível investigar a dinâmica e as relações entre as linguagens que são a forma como atribuímos sentido
ao nosso entorno, como construímos o nosso cotidiano. Dentre tantas comunicações visuais que compõem as cidades, decidimos
selecionar peças de uma campanha cuja principal forma de comunicação foi a mídia externa e que revelou muito a identidade cultural
dos paulistanos por meio de seus enunciados. Nosso corpus constitui-se das peças realizadas pela agência África para o Banco Itaú em
2003. Apesar de ter inserção nos principais meios de comunicação, a campanha “Feito para você” utilizou principalmente outdoors e
mobiliários urbanos, dialogando com a cidade, ajudando a realçar o número de agências distribuídas por São Paulo e, mais do que isso,
criando uma relação muito específica com cada usuário.
Para ler as relações entre as peças, o design e o ambiente, trabalhamos com as seguintes hipóteses:
- as mídias externas, geradas a partir de uma marca, são viabilizadas pelas informações iniciais entre a empresa que ela
representa e seus elementos gráfico-visuais e estes são os principais tipos de vínculos e organização de códigos;
- as mídias externas geradas a partir de uma marca são possibilitadas pelas informações iniciais entre a empresa que ela
representa, seus elementos gráficos visuais e o ambiente urbano. A sobreposição desses três elementos garantem
significação e possibilita afirmar que a organização das mensagens externas são operadas de maneira crescente, desde
as informações da marca até o ambiente onde serão fixadas.
- as mídias externas conservam a memória das marcas e empresas que as representam, mas garantem seus significados
sobrepondo marca, suporte, ambiente e usuário, pois é na mente do observador que a mensagem se completa e esta só
pode ser garantida totalmente se vinculada a um repertório eficiente, que, por sua vez, precisa de um mecanismo de
percepção complexo e conectado ao ambiente.
As hipóteses que apresentamos acima podem ser investigadas com a fundamentação semiótica que se ocupa de uma
vasta gama de estudos, mapeando as formas que os seres humanos têm de se aproximar do mundo. A teoria de base para esta tese é a
Semiótica da Cultura, pois a partir dela poderemos investigar o funcionamento das linguagens presentes em um ambiente dinâmico
como ocorre na cidade e no cotidiano.
Assim, esta pesquisa propõe uma formulação semiótica para as principais relações construídas pelo design,
considerando-o como o resultado de processos informativos, destacando a sua propriedade de vínculo e sua relação com o ambiente e o
cotidiano. A partir dos conhecimentos da Semiótica, Semiótica da Cultura e das Teorias da Comunicação, construiremos uma
abordagem teórica para o design com o objetivo de analisar a característica de vincular-se, compondo os processos informativos que
traduzem aspectos entre as diversas formas de conexão do cotidiano.
Utilizaremos o trabalho do lingüista russo Roman Jakobson (*1896 - +1982) para explicar a composição de
mensagens, sua função e a maneira como os objetivos do emissor podem ser percebidos na organização de textos. O trabalho de
Jakobson é imprescindível para o entendimento da linguagem, das funções, da organização, dos significantes e significados, ou seja,
todas as fundamentações que permitem ler o design como elemento de comunicação.
A concepção de “Umwelt” proposta por Jakob Von Uexküll (*1864 - +1944) permitirá ler a relação entre os seres e o
entorno. Além dele, a concepção de ecologia visual de James Jerome Gibson (*1904 - +1979) permitirá entender as informações
disponíveis no ambiente e os dispositivos que temos para capturá-las e conectá-las a nós. Esses dois teóricos fornecerão subsídios para
explicar a relação entre entorno, espaço, ambiente e design e como a informação é processada nesse meio.
Ampliaremos a complexidade da pesquisa unindo as linguagens ao ambiente, investigando os mecanismos de
percepção e geração de significados. Essa relação simultânea entre vários processos de significação, codificação, transcodificação e
linguagem tão característica do ambiente urbano foi estudada de forma ampla pelo semioticista Iuri M. Lótman (*1922 - +1993). De
certa forma, as pesquisas realizadas por ele tornam possível a concepção do problema das relações dinâmicas ocorridas na organização
dos vários textos que compõem os sistemas culturais. As pesquisas da semiótica da cultura ampliam o conceito de texto e isso permitirá
ler sistemas como o design e a sua inserção no complexo e amplo sistema cultural.
Nosso estudo partirá do entendimento entre design e publicidade, traçando as relações históricas entre esses dois
fazeres, e de como aos poucos eles ganharam o papel que têm hoje dentro dos nossos sistemas de comunicação. A seguir, analisaremos a
evolução do conceito de outdoor, sua especificidade no Brasil e como essa forma de comunicação revela as relações de percepção,
deslocamento e entendimento do ambiente chamado cidade. Para tanto buscaremos as relações de percepção, formação de sentido e
informação. O passo seguinte será considerar que, para compor as mensagens disponíveis no ambiente, é necessário ter algum princípio
de organização das mensagens, processos de codificação e recodificação de linguagem. Acreditamos que, ao analisar o funcionamento
de comunicações em um ambiente dinâmico, conseguiremos aplicar os modelos de comunicação e perceber o que persiste dessas
formulações em situação complexa para, ao final, conseguirmos chegar a uma estrutura conceitual sobre a dinâmica da organização de
linguagens do design em ambientes urbanos.
1 REPRESENTANDO A CIDADE

Em 1998, foi criado pelo Centro Cultural Itaú o projeto www.mycity.com.br, auto-intitulado como a primeira mostra
virtual de design de cidades na web. A iniciativa contou com a colaboração de designers de várias partes do mundo, criando
representações sobre diversos lugares. Cada cidade representada tinha as suas principais características evidenciadas a partir de uma
linguagem dominante. A Cidade do México, por exemplo, possuía uma página cinza na qual podiam ser ouvidos sons como buzinas,
falas, cantos, notícias e britadeiras.
Dentro do projeto ‘www.mycity.com’, analisamos, em nossa dissertação Linguagens do web design, o site da cidade
de São Paulo. O link criado por Ricardo Paprotzky, com o título “São Paulo: (des)dimensional”, mostrava a imagem contraditória de um
mendigo sentado em um ponto de ônibus enquanto um garçom, personagem de um cartaz publicitário, lhe oferecia um refrigerante em
uma bandeja com taças. O jogo de imagens revelava uma prévia das questões presentes no site, pois dentre todas as sensações possíveis
que a cidade de São Paulo oferece, o designer preferiu retratar os contrastes traduzidos pela nova palavra (des)dimensão.
www.mycity.com.b r/SP, 1998
Ricardo Paprotzky

O trabalho contrariava algumas regras estéticas da Internet: exibia o menu do lado direito, não utilizava palavras para
representar os vínculos e, como forma de acesso ao seu conteúdo, os internautas deveriam clicar em pontos de uma tatuagem. Traça-se,
então, uma oposição com as (des)dimensões da fotografia e as dimensões da cidade. Cada uma das marcas gravadas no braço revelava
uma cicatriz da cidade de São Paulo, apontando seus limites, seu trânsito, seu ar, sua chuva, sua gente, sua música, seu passado e seu
futuro.
www.mycity.com.b r/SP, 1998
Ricardo Paprotzky

A primeira marca ou tatuagem tinha três pontos, três sóis: um com a inicial ‘O’, ‘H’ e outro com ‘A’. Ao passar o
mouse sobre a letra ‘O’, um jogo de imagens da pele afundando era exibido, e, do lado esquerdo, surgia um texto ONTEM, com o
significado completo da letra ‘O’. Imediatamente, surgia, à esquerda da página, a história da transformação da vila, erguida em torno do
colégio Anchieta, em metrópole. Imagens e sons completavam a representação da cidade antiga. Em cada um dos sinais do braço,
encontramos aspectos positivos e negativos da cidade. Assim, cada desenho, cada texto, tem uma função metalingüística2 que revela

2
Sempre que o remetente e/ou o destinatário têm necessidade de verificar se estão usando o mesmo código, o discurso focaliza o Código; desempenha uma função
METALINGÜÍSTICA (isto é, de glosa) (JAKOBSON, 1995, p. 126)
uma outra possibilidade para a representação verbal e, não apenas isso, esses vínculos ampliam o significado de cada marca, atribuindo
ao primeiro sinal um conjunto muito maior de informações, um conjunto de mensagens que traduz aos internautas uma possibilidade de
leitura para cidade de São Paulo.
Observar um lugar pela bidimensionalidade da tela do computador parece ser um modo limitado de iniciar uma
pesquisa sobre as dimensões e linguagens do design gráfico. Porém, cada uma das formas de representar uma cidade contribui para as
sensações que seus habitantes têm dela. Aliás, a cidade constitui o maior exemplo da capacidade de representação e criação de mundo
dos seres humanos. Ela representa uma oposição entre criação e natureza e ainda, a nossa máxima capacidade de processar signos e de
transformar o espaço.
A oposição entre criação e natureza faz parte dos entendimentos possíveis para o significado da palavra cidade, que
traz em sua etimologia a oposição ao campo, bem como a palavra urbe, originária do latim urbis, que designa o lugar de oposição ao
‘rus’ (FARIA, 1962, p.880) ou ao campo. Sabemos que o termo polis designa cidade em grego. Em Língua Portuguesa, “cidade” é
utilizada como sinônimo de complexo demográfico, social e econômico, cujos recursos não provêm do campo (CUNHA, 1982, p.182).
Entre cidade e urbe está a definição de ‘ocupação não agrícola’, que pode nos remeter àquilo que é distante da natureza. De certa forma,
é a cidade como complexo construído, como mundo projetado, que nos distingue dos outros animais. Apesar de sermos regidos pelas
mesmas leis da química, da física e por formações moleculares básicas, presentes em todos os seres vivos, é o entorno construído que
nos define como seres culturais, humanos e dotados da capacidade de projetar o futuro modificando o ambiente.
A oposição campo x cidade aparece na construção dos subúrbios e cidades jardins. Jane Jacobs (*1916 - +2006),
arquiteta americana, autora de Morte e vida das cidades afirma que as “cidades jardins” foram criadas como remédio para as condições
severas de vida geradas pela Revolução Industrial. Na concepção de cidade jardim, aproximava-se o campo da cidade, construindo no
limite desta uma espécie de mediação perto o suficiente para se ter uma vida industrial produtiva e longe o suficiente para sentir-se em
outro ambiente. De fato, uma tentativa de amenizar a oposição natureza x cidade.
A concepção das avenidas como caminho para a informação está presente na história da cidade e do urbanismo. Pode-
se ler a cidade como o resultado dos fluxos de comunicação que a atravessam desde o Renascimento, quando estas eram projetadas
levando-se em conta os fluxos fluviais do seu entorno (MATTELART, 1994, p.10). Posteriormente, com a invenção dos trens e motores
a vapor, temos a cidade constituída a partir dos trilhos e estações de trens, modelo presente ainda em muitas cidades do interior de São
Paulo.
Na segunda metade do século XX, foi popularizado o uso de automóveis, motivo pelo qual o desenho das cidades
mudou: as ruas tornaram-se mais largas e palcos da exibição de informações de todo tipo. Por outro lado, o aumento do uso dos
automóveis e a instituição de vias de trânsito rápido culminam com um sensível aumento de complexidade nas formas de comunicação.
Foram intensificados os usos de meios de comunicação de massa como o rádio e a TV. Foram inventados aparelhos móveis de telefonia
como o celular, a Internet e, da junção desses dois, a Internet móvel.
Entre a cidade e a periferia ou o subúrbio, hoje temos uma série de conglomerados: são estabelecimentos comerciais,
serviços, terminais e mais terminais de ônibus e meios de comunicação. O tempo gasto para cruzar a cidade, ir do centro até a periferia,
pode ser encurtado pelos meios de locomoção. O deslocamento de grande quantidade de pessoas ao longo das vias públicas fez das
laterais de ruas e avenidas uma espécie de vitrine gigante: onde não é possível exibir o produto real, pode-se fixar uma publicidade sobre
ele. A diversidade de mensagens apresentadas nessas publicidades permite obter muitas informações a respeito do tempo, dos fluxos,
dos gostos e do poder aquisitivo da população.
Nestor Canclini (2002, p.41) escreveu um artigo sobre a cidade do México analisando alguns dos seus aspectos com
relação ao fluxo de comunicação. Nele, o autor descreve como as representações da cidade, a partir dos veículos de comunicação, tem
seus fluxos reestruturados. Ele afirma que, na segunda metade do século XX, as mesmas redes comunicacionais levam a informação e o
entretenimento aos domicílios, promovem uma reordenação de fluxos, reorganizando as dimensões da cidade e transformando seus
limites. Giulio Carlo Argan (*1909- +1992) afirma que, desde o início do século passado, os professores da Bauhaus pensavam a
construção da cidade como um sistema de comunicação:
A concepção da cidade como sistema de comunicação, que hoje está na base de qualquer estudo urbanístico sério, já se encontra
presente, ainda que apenas como intuição, na teoria e na didática da Bauhaus. Constituem comunicação: o traçado da cidade; marcas
de fábrica; o invólucro das mercadorias; todos os tipos de artes gráficas; os espetáculos de teatro, cinema e esportes. Tudo o que se
inclui no vasto âmbito da comunicação visual é, na Bauhaus, objeto de análise e projeto. (ARGAN, 1988, p.271)

Em Canclini (2002), percebe-se uma cidade invisível, sobrepondo-se ao projeto de cidade-sólida descrito por Argan. O
fato é que a cidade fixa funciona como o cruzamento de muitas redes de comunicação e informação. Os vários deslocamentos que
acontecem sobre o território de uma cidade deixam marcas que podem ser flagradas em cartografias que revelam as propriedades de
mediação do espaço urbano. Assim, o outdoor fixado em frente ao mar dialoga com o surfista, oferecendo indícios de que aquele
caminho, utilizado por uma diversidade não-identificável de pessoas, também é o caminho para os praticantes do esporte. Do mesmo
modo, uma antena de celular no auto da serra identifica que as pessoas conseguem contato com outros telefones, que existe o sinal de
transmissão. Ao observar os postes e fios das ruas, identifica-se onde a informação da TV a cabo chega, e observando-se os telhados,
verifica-se a qualidade do sinal de televisão que cada casa recebe.
Su rfistas, 2003
Agência Áf rica

Muitos trabalhos de comunicação e design tratam de como observar, de como identificar o funcionamento dessas
redes. Sabemos que, ao contrário do que se pensava, as formas de comunicação têm ganho complexidade, pois uma maneira não
extinguiu a outra. Somos obrigados a lidar com formas de organização de linguagens pertencentes a diferentes tipos de comunicação e
esse parece ser um desafio maior do que identificar os fluxos de comunicação. É preciso descobrir como se constroem textos coerentes
diante da necessidade de dizer por meio de várias linguagens. Essa coerência tem sido, desde sempre, o desafio do design, absorvendo
tecnologia, atualizando linguagens e dialogando com o público e o ambiente, conforme veremos a seguir.
2 MÍDIAS EXTERNAS: UMA CONEXÃO ENTRE AS FERRAMENTAS DA PUBLICIDADE E O
TRABALHO DO DESIGNER GRÁFICO

2.1 Designer e Publicidade: considerações históricas


Pode-se entender que o design gráfico é a materialização visual da mensagem de várias áreas da comunicação, tanto na
sua face de publicidade, por meio dos anúncios, como em sua face de criação de entretenimentos por meio da direção de arte, de filmes e
de entretenimentos visuais em geral, bem como na sua face de jornalismo por meio da organização de notícias com os processos de
diagramação.
Por hora, interessa-nos a elaboração do design como materialização das diversas faces da publicidade. Entende-se que
a publicidade é a junção de vários processos que terminam na elaboração de anúncios, sejam eles televisivos, impressos, radiofônicos,
entre outros. A designação mais tradicional de publicidade afirma que ela é a divulgação de produtos e serviços, enquanto a propaganda
opera como a propagação de idéias ou ideologias.
A preocupação com a venda de um produto antecede a sua confecção. Não basta ter uma idéia, propor objetos ou
serviços: é preciso pesquisar a aceitação desses novos elementos, ou a maneira eles afetam o cotidiano das pessoas, etapa na qual entra o
marketing e todos os seus dispositivos.
A elaboração de uma campanha publicitária requer ler atentamente os resultados das pesquisas de marketing, a história
da empresa, buscar sua relação com o consumidor e como este a identifica. Essas informações são utilizadas no planejamento da
campanha, na escolha das peças que serão criadas e na sua veiculação, revelando os caminhos e o espaço comum entre usuário e meio.
Cabe à dupla de criação, a união de um diretor de arte com um redator, a elaboração de um slogan, bem como todos os
layouts que farão parte da campanha. O primeiro ocupa-se da criação visual e o segundo dos textos que resultarão na campanha
publicitária.
Nos Estados Unidos, a figura do designer passou a ser nomeada como diretor de arte e à função deste juntaram-se os
fundamentos de mídia, marketing e estudos sobre comportamento do consumidor. À organização de mensagens visuais tradicionais na
Europa conectaram-se os mecanismos de comercialização e consumo trabalhados nos EUA. O diretor de arte é a figura que elabora
dentro da agência um conceito visual para todas as pesquisas, trabalhos e objetivos de divulgação que foram formulados durante a
organização de uma campanha. Richard Hollis, designer inglês, define assim o design nos processos de publicidade:

Sempre que uma mera recitação de fatos for insuficiente, excessivamente demorada ou confusa para o leitor, e que uma intensa
organização visual for necessária à sua exposição, temos o design como resultado. Esse design precisa ter as mesmas qualidades de
uma boa prosa. Ele precisa ser lido com facilidade. (HOLLIS, 2001, p. 121)
Embora a concepção de agência de publicidade seja americana, a tradição em confecção de cartazes, pesquisas de
cores e indústria gráfica são européias. O fato é que a publicidade e a propaganda só se tornaram o que são hoje graças à junção entre
estética e produção de arte européia com técnicas como marketing, planejamento e estratégia de mídias americanas.
As primeiras agências de publicidade surgiram por volta de 1840 e, no final deste mesmo século, os questionamentos
sobre design começaram a florescer na Europa. Em 1861, foi criada a J. Walter Thompson, a agência em funcionamento mais antiga dos
EUA que possui filial no Brasil.
Marketing, pesquisa, planejamento, mercado consumidor e desenvolvimento comercial não compõem o quadro de
todos os elementos necessários para que a publicidade possa existir. Desse modo, é preciso pensar que a existência dos veículos de
comunicação é um dos fatores mais importantes para o seu funcionamento. Não existiria a publicidade sem a invenção dos jornais, das
revistas, cinema, rádio e outras mídias, ou em outras palavras, sem a existência dos veículos de comunicação. Da mesma forma, sem as
verbas e patrocínios não existiriam veículos de comunicação.
2.2 As técnicas de impressão, o design gráfico e o cartaz como elemento da propaganda política
A história da impressão é bastante longa e unifica o Oriente e o Ocidente. A impressão em serigrafia parece ser a
técnica mais antiga de que se tem registro. Cabe notar que a impressão difere da escrita, pois permite a confecção de várias peças a partir
de uma mesma matriz. A serigrafia era praticada pelos chineses há pelo menos mil anos antes de Cristo e a técnica era utilizada para
estampar seda, tendo a matriz confeccionada com cera de abelha e seda. No Ocidente, a primeira forma de impressão de que se tem
registro é a tipografia. Inventada no século XV por Johanes Gutenberg, a técnica tipográfica consiste em imprimir com tipos, letras
esculpidas em material rígido, organizadas em frases e estas em textos, os quais entram em contato primeiro com tinta e depois são
pressionadas sobre papel. A técnica não permite a impressão de fotografias: no máximo é possível imprimir desenhos feitos como
carimbos. Ela é utilizada até hoje, mas perdeu espaço primeiro para a litografia e depois para o offset.
Em 1799, foi inventada a litografia, técnica cuja impressão permitia a reprodução de imagens coloridas e que
revolucionou a arte dos anúncios. Até então, um anúncio era feito por meio de palavras impressas nos jornais, revistas ou folhetos. A
reprodução de imagens era rara e, quando acontecia, dava-se por meio da criação de uma espécie de carimbo, que era anexada aos tipos
na prensa. O pintor francês Tolouse Lautrec foi um dos primeiros a aplicar técnica de impressão para a criação de cartazes e programas
de peças de teatro na cidade de Paris.

Foi o primeiro a intuir a importância daquele novo “gênero” artístico, tipicamente urbano que é a publicidade- desenhar um cartaz ou a
capa de um programa constituía, para ele, um compromisso tão sério quanto fazer um quadro.
Entende-se; na publicidade, para suscitar uma reação, a comunicação é até mais importante do que a representação. Se a representação
é algo que se fixa e mostra, a comunicação se insinua e atinge. Se um impressionista, por exemplo, Manet, representava um caneco de
cerveja, era porque lhe interessava o dourado do líquido, o branco da espuma, os reflexos do vidro; no cartaz publicitário, o caneco da
cerveja pretende apenas despertar (e não no observador isolado, mas em todos) a vontade de uma cerveja fresca. Com Toulouse, pela
primeira vez a atividade do artista não mais tende a se concluir num objeto acabado, o quadro, mas se desdobra na série ininterrupta das
pinturas, das gravuras, dos desenhos, no álbum de esboços que folheamos como se lêssemos uma coletânea de poesias. (ARGAN,
1988, p. 127)
Mou lin Roug e - La Gou lu e 1891
Hen ri To louse-Lautrec

O cartaz foi a primeira peça a apresentar um apelo de venda juntamente com uma ilustração e a formação de um
conceito. A arte de criá-lo era acontecimento que causava repulsa por uns e admiração por outros. Assim, alguns artistas defendiam a
elaboração de cartazes como sendo arte, enquanto outros pensavam nas técnicas de reprodução como uma expressão menor.
Por meio do cartaz, sua criação, elaboração estética e técnica de impressão são possíveis contar tanto a história do
design gráfico, da propaganda, quanto da história recente das artes. Um cartaz pode ser definido como um suporte em papel para ser
fixado em paredes com o objetivo de divulgar as informações por meio de um apelo verbo-visual.
O uso do design pôde ser observado, como ferramenta dentro da propaganda política, para solidificar as modificações
causadas pela Revolução Russa. Durante as décadas de vinte e trinta, na ex URSS, foram criadas formas diferenciadas de organização
das linguagens e pensamento. As técnicas de impressão, a fotografia, o emprego de formas limpas, cores sóbrias e contrastantes fizeram
dos impressos russos a princial forma de comunicação da revolução. A reformulação do modo de vida, por meio dos dispositivos do
cotidiano, deu-se inicialmente por projetos de design. A racionalização dos objetos, a necessidade de disponibilizá-los em número maior
para atender a massa de trabalhadores, contribui para que o design russo conseguisse resolver problemas de forma simples e eficiente,
dispensando de vez os ornamentos e construindo formas limpas, não somente pelas questões estéticas, mas sim por questões
econômicas. A organização de linguagens influenciada pelas pesquisas dos formalistas pôde ser percebida nos diversos sistemas de
design e em toda produção cultural, indo do formato e modelo de diagramação dos cartazes até os textos da propaganda política.
Quando se observa a produção de design registrada no século passado, percebe-se que a tecnologia modifica as formas
de produção e que esta modifica o modo de vida das pessoas. O design pode ser lido como criação feita dentro de limites impostos pelos
mecanismos de produção, necessidade da população, custos e moda.
A luta pela produção de design gráfico com as tecnologias disponíveis pode ser lida na própria diagramação de
impressos modificada gradativamente em virtude da maleabilidade ou não dos tipos, da existência ou não de tecnologias de corte,
impressão e outros. O design gráfico é sempre uma tentativa de romper com as limitações tecnológicas. De certa forma, produzir é
observar que outras possibilidades tecnológicas ou materiais existem para que se possa transmitir uma mensagem distribuindo-a ao
longo de uma página, ou modificando os modelos de diagramação. Define-se como diagramação a distribuição de elementos gráficos e
visuais sobre uma superfície.
O conceito de diagramação evoluiu ao longo do tempo. Em 1897, Willians Morris, um dos fundadores do movimento
inglês Arts and Grafts, diagramou o poema By the Way, no qual se verifica a necessidade de ocupar toda a página com ornamentos e
capitular. A tentativa de criar uma diagramação que permitisse identificar o fim e o começo do texto passa desapercebida diante da
máxima ocupação do papel. É como se o objetivo do design fosse distribuir tinta e ocupar todos os espaços.

Poe ms b y the way,1897


William Morris
Do mesmo ano (1897) é o poema Um lance de dados escrito por Stéphane Mallarmé (*1842 - + 1898). Nele trabalhou-
se a página como se fosse uma partitura em que o espaço em branco, o tamanho das letras e a distribuição dos elementos ensinam ao
leitor qual é o tom da poesia. Esse conjunto gráfico representa o tempo que em um texto tradicional seria convertido em ponto e
vírgulas.

Un Co up de Dés Jamais n 'ab olira le Hazard , 1897


Stéphane Mallar mé

Em “Parole in libertá” (1914) do poeta futurista Filippo Tomaso Marinetti (*1876 - +1944), verifica-se o rompimento
com a linearidade dentro daquilo que as máquinas tipográficas podem suportar, bem como a variação dos tamanhos das letras. Existe
também o uso constante de caixa alta3, mas a variação de tamanhos permite perceber o início e o fim de cada palavra como um registro
do som. O poema da capa foi intitulado Zang Tumb Tumb (1914), o que pode existir de mais sonoro do que isso?

3
A palavra caixa alta define letras maiúsculas no vocabulário gráfico. Tal conotação foi atribuída devido ao fato de que, nas tipografias, as maiúsculas ocupavam
gavetas superiores do móvel destinado a guardar os tipos.
Za mp Tu mb Tumb
Filip po to maso Marin etti

Iniciados como expressão de arte e manifestação de idéias, os cartazes aos poucos começam a compor, junto com
outras formas de comunicação, um dos elementos para a divuldação de marcas, produtos e serviços.
A necessidade de identificar propriedades, empresas e lojas levou ao surgimento da marca. Inicialmente conhecida
como brand, a marca parece ter surgido do hábito de os fazendeiros imprimirem suas iniciais a ferro quente no lombo dos bois para
identificar o seu rebanho. O fato é que se tomou como costume grafar as iniciais das empresas com fontes parecidas. A primeira
empresa a perceber que esse processo deveria ser mais coerente e que o conjunto de signos que uma instituição utiliza no seu cotidiano
pode ser reconhecido como ela mesma foi a Olivetti (HOLLIS, 2001, p.25). Ela criou o primeiro memorial, que ficou conhecido como o
“estilo da casa”, no qual podiam ser observadas uma série de regras que tentavam padronizar os elementos gráfico-visuais, a tipografia e
a diagramação dos documentos oficiais da empresa. Nascido na década de trinta, o manual de uso da identidade corporativa também
estabeleceu o conceito de logotipo, pois determinava que as letras que representavam o nome das empresas deveriam ser fundidas juntas
em tipografias para que sempre fossem impressas da mesma maneira. Atualmente, o manual de uso da marca ou o memorial descritivo
da identidade visual da empresa é o registro dos processos criativos, já que nele são descrevitos os vários passos da criação de uma
logomarca, bem como constitui-se em uma espécie de codificação da identidade visual, uma vez que propõe regras de uso que garantem
a continuidade da marca e o seu processo de composição com outras informações para ser relacionada cognitivamente à empresa que
representa.
Os manuais são um capítulo de grande importância na história do design gráfico, pois permitiram entender como as
linguagens do design operam para lembrar uma empresa, mesmo por meio de outros produtos gráficos, incluindo a assinatura de peças
gráficas como o cartaz.
Durante a primeira e a segunda guerra, os cartazes possuíam uma lógica de organização de elementos muito peculiar.
Como uma regra, eles eram compostos de um único elemento visual forte que designava toda a ação proposta pelo texto, como no
famoso cartaz de guerra americano “I WANT YOU FOR U.S. ARMY”, criado em 1917, por James Montgomery Flagg.
“ I wan t you fo r U.S.ARMY” 1914
James Mo ntgomery Flagg

Por volta de 1930, 1940, registra-se uma inovação tecnológica na composição de impressos: a fotografia, descoberta no
século anterior, começa a fazer parte das estruturas de diagramação, compondo uma metalinguagem com o texto, misturando-se a
tipografia e o fluxo de leitura. A possibilidade de inserção de imagens na diagramação já existia por meio dos clichês e da litografia, o
que obrigava a distinção de processos entre produção de texto e imagem. Além disso, a imagem era sempre uma ilustração, diferente do
impacto que pode ser gerado pela visualização de uma fotografia.
Destaca-se também a forte presença de artistas e poetas na construção de obras que atualmente classificamos como
publicitárias e, ao longo do tempo, foram legadas à categoria de não-arte. Bruno Munari diagramou uma página para o poema de
Marinetti “Il poema del vestito di latte” ou “O poema do terno de leite”. A página, na verdade, era um anúncio publicitário que propunha
uma economia de possibilidades na distribuição do poema sobre a página e, a partir dos conhecimentos das técnicas de impressão,
Munari compôs uma base com fotografias recortadas, impressas em preto sobre o papel branco, um grafismo limpo, apenas uma linha
curva, propondo movimento do olhar ao mesmo tempo que, em conjunto com a fotografia redonda, criava uma similaridade, uma
simetria entre as duas imagens, permitindo o balanceamento de informações na página.
O Po ema d o terno d e leite 1937
B ru no Mun a ri

2.2.1 O construtivismo e o design gráfico


No movimento construtivista também podiam ser percebidas as relações de proximidade entre design e publicidade.
Ele nasce com a proposta de romper com a idéia de uma obra de arte única, partindo do pressuposto de que as tecnologias de produção e
reprodução industrial poderiam servir à divulgação das novas ideologias. Observa-se na produção gráfica do início da Revolução Russa
(1917) a presença das idéias iniciais do movimento construtivista.

Construtivismo no campo urbanista são duas: 1) converter a cidade em expressão do dinamismo revolucinário com as formas dos
edifícios, a animação da vida do bairro, a vivacidade das solicitações e comunicações visuais; 2) no quadro de uma programação
político – social mais ampla, transformar a relação entre cidade e território (projeto de cidade linear de Ochitovich e Ginsburg), com a
finalidade de anular o desnível entre o proletariado indústrial urbano e o proletariado da economia russa agrícola em economia
indústrial, é um dos grandes fatos históricos do século; mas ele se realizou quando os movimentos de vanguarda já haviam sido
oficialmente proscritos e sufocados (1932). (ARGAN, 1988, p. 284)

A proposta de utilizar a cidade como mídia e como tradutora dos intuitos do movimento, presentes na citação de
Argan, propõe uma nova forma de utilizar desenhos, letras, arquitetura e artes como se observa no cartaz abaixo. Desenhos, fotogramas
e tipos começaram a ser utilizados como elementos de composição de um grande diálogo. A composição de imagens dialogava com o
texto do cartaz por meio das técnicas de montagem, colagem e sobreposição. Observamos que o objetivo de mobilizar a massa por meio
do discurso promovido pela arte, bem como o fato de que os cartazes e toda a indústria gráfica funcionavam como uma importante arma
da revolução, fizeram com que os artistas fossem desafiados a tentar informar cada vez mais com o seu trabalho.

Resultados do p rimeiro p lan o qü inqu en al, fo to mo n tag em e m p ág ina d upla, 1932


Varvara Stepanova
No pôster resultado do primeiro plano quinqüenal, Varvara Stepanova (*1894- +1958) artista gráfica da Vanguarda
Artística Russa, observa-se a composião de uma menasagem utiliazando sintaxes que se originaram de diferentes linguagens. Esse tipo
de técnica divulgou a mensagem de que os resultados do plano foram alcançados para a população de forma rápida e clara. A
fotomontagem foi um recurso introduzido no cinema por Serguei Eisenstein (*1898-+1948) e Dziga Vertov (*1896-+1954), utilizada na
confecção de cartazes também pelo artista gráfico Lazar Markovich Lissitzky (*1890- +1941) e Aleksandr Mikhailovich Rodtchenko
(*1891-+1956). O uso das máquinas e ferramentas para divulgar a revolução não se limitava aos mecanismos costumeiramente
relacionados à indústria gráfica. Vladimir Vladimirovich Mayakovsky (*1893-+1930 ), por exemplo, utilizou técnicas tão variadas
quanto a transmissão de informação via telégrafo e a disposição quadro a quadro do cinema em materiais impressos conhecidos como
Janela Rosta:

A ROSTA era o órgão de transmissão via telégrafo de notícias e informações...as Janelas Rostas eram boletins impressos num só lado
da folha - muitas vezes narrativas cômicas ilustradas - que se penduravam nas vitrinas das lojas, nas estações ferroviárias e nas frentes
de batalha da guerra civil. (HOLLIS, 2001, p. 43)
Jan ela Rosta, 1921
Mikhail Ch eremn ykh

As Janelas ROSTAS introduziram a função narrativa no cartaz. Para tanto, Mikhail Cheremnykh (*1890-+1962), seu
inventor, exibia seqüência de quadros que permitiam ler em ordem cronológica os acontecimentos divulgados. Em cada quadro, um
desenho acompanhado de texto, a noção de plano, seqüência, tempo como tradução de acontecimentos e ferramenta de comunicação
apresenta-se de forma muito clara.
É impossível não perceber a relação entre as descobertas de linguagem do cinema feitas por Vertov e Einsenstein com
a obra de Stepanova, Cheremnykh, Mayakovisk e as próprias alterações sociais soviéticas aliadas ao uso limite das técnicas de
impressão: fragmentos culturais, constituindo uma espécie de todo com um mecanismo maior que permite a conexão, construção de elos
e significados por meio de dispositivos de informação.
No movimento construtivista, destacamos a busca de Kazemir Malevich (1878-1935) pelos elementos básicos de
composição da obra de arte, a relação entre as figuras, a essência de cada elemento como se, por trás de cada composição, existisse uma
partícula informacional, ou o código da obra de arte.

K. Malevish (1878-1935) empreende uma pesquisa metódica sobre a estrutura funcional da imagem. Estuda Cézanne, Picasso (período
negro e analítico) na essência dos fatos formais; com o mesmo rigor, procura nos antigos ícones russos não mais o filão genuíno de um
ethos popular, mas a raiz semântica, o significado primário dos símbolos e signos expressivos. Do perído cubo-futurista (1911), que
traz as primeiras experiências parisienses (Léger) e no qual o quadro resulta da combinação entre módulos formais geométricos, chega
em 1913 à formulação da poética do Suprematismo: identidade entre idéia e percepção, fenomenização do espaço num símbolo
geométrico, abstração absoluta. Malevich nega tanto a utilidade social quanto a pura esteticidade da arte; aliás, se a estecidade educa ou
agrada, ela entra nas categorias do necessário ou do útil. Como o conhecimento da realidade através das coisas é relativo e parcial, é
preciso tender ao conhecimento do mundo como “não-objetivo”; e, se a arte é um meio para a redução do objeto à não-objetividade, é
também o meio para a redução do sujeito à não-subjetividade. O quadro não é senão um meio para comunicar o estado não apenas de
equilíbrio. Mas também de identidade entre um sujeito e o objeto. O que Malevish propõe, também de acordo com a revolução social e
política em andamento ( embora seus expoentes se declarem realistas e combatam o “abstracionismo”), é uma transformação radical,
sem dúvida, porém não ideologicamente finalizada. (ARGAN, 1988, p. 324)

Nesse sentido, podemos perceber que, nas décadas de 20 e de 30, o design era uma prática completamente integrada à
cultura, bem como fazia parte dos argumentos sociais:
A mais importante contribuição de Dexel foi na criação de Designs para quiosques e sinais luminosos de rua em Jena e Frankfurt, onde
o Design era considerado um importante assunto cívico. A cidade tinha sua própria revista dedicada a planejamento e Design, Das neue
Frankfurt, com capas criadas pro hana e Grete Leistikow e, mais tarde, Willi Baumeister. A revista tinha ainda um suplemento
desenhado por Johannes Canis, Das Frankfurter Register, que era um catálogo de produtos selecionados por sua qualidade e
aparência.(HOLLIS, 2001, p. 57)

É necessário entender que o Construtivismo constituiu-se em um movimento com a pretenção de educar esteticamente
a massa, no qual a potencialidade das tecnologias uniu-se ao design e aos acontecimentos sociais, fazendo com que a produção fosse, de
fato, o levantamento de todas as informações possíveis desde a execução do trabalho até a sua utilização pelo público.
Assim, apesar de nas décadas de vinte e trinta já existirem cinema e rádio, podemos ler o cartaz como a forma mais
abrangente de comunicação, pois eram fixados em espaço público e não necessitavam de nenhuma tecnologia de recepção a não ser os
próprios dispositivos do corpo humano. A junção entre texto e imagem também fez com que as mensagens pudessem ser divulgadas
com maior facilidade do que o jornal, pois atingiam até as pessoas que não eram alfabetizadas.
No Construtivismo, percebia-se que a racionalidade, a economia de materiais, a disponibilidade de tecnologia bem
como uma necessidade de utilizar o potencial de informação influenciam as produções e as formas. O controle dos elementos dispostos
nos planos de design, a simplificação da criação em elementos simples e, ao mesmo tempo, o uso de novas tipografias e fotografias
permitiram a esse “estilo” firmar-se como um jeito de fazer design que hoje pode ser lido na maioria das produções brasileiras e
européias. O design gráfico construtivista produziu-se por meio de transcodificações advindas do cinema, telégrafo, narrativa, fotografia
e poética. Cada uma dessas sintaxes possuíam tecnologias de produção diferenciadas que foram entendidas e incorporadas pelo design.
Os avanços tecnológicos e as linguagens estavam disponíveis no ambiente daquela época e faziam parte da dinâmica histórico-cultural.
É certo que, em outras partes do mundo, os processos de produção de linguagens podiam ser outros em detrimento dos processos de
formação que cada um deles estavam passando. O design opera como uma forma de entender a dinâmica da cultura e cada época, cada
civilização, costuma eleger suas principais formas de fazer representar e dizer. Assim, apesar da estética construtivista ser predominante,
ela não é a único. O designer brasileiro Chico Homem de Mello (p. 270-279, 2005) defende que, paralelamente ao Construtivismo
vigoram pelo menos mais três formas de design:
_ a desconstrutivista, herdeira de movimentos como o dadaísmo, opera com diagramação em malha e atualmente é
possibilitada graças à existência de programas de computação gráfica que garantem maior controle dos elementos, viabilizando formas
não lineares;
_ a gráfica, que segue os modelo das diagramações feitas para a produção de peças em impressão tipográfica. A
principal característica dessa forma de fazer design é a simetria, a organização linear e a estética de composição gráfica;
_ e, por fim, o design vernacular, fundado nas tradições populares de representação, buscando uma linguagem mais
relacionada com os traços manuais.
De qualquer forma, a estética construtivista oferece uma forma de fazer design empregada até hoje e, graças à
estruturação desse movimento, é possível lê-lo como processo de organização de linguagens.
Os outdoors que analisaremos ao longo desta tese enquadram-se na estética construtivista moderna: têm formas
limpas, uso de cores padronizadas e obedecem a uma organização básica de linguagens. São resultado de uma campanha publicitária.
As campanhas publicitárias operam com dois princípios: freqüência e redundância. Freqüência significa que a
mensagem será exibida durante um determinado tempo em vários lugares e redundância significa reduzir a mensagem ao mínimo de
informação, com repetição de dados que o consumidor usuário já conheça para que a publicidade possa ser reconhecida, mas tenha
informação suficiente para não ser ignorada.
A partir do próximo tópico, começaremos a tratar especificamente das relações entre cartaz e outdoors.
2.3 Relações entre o cartaz de rua e o outdoor
O hábito de fixar cartazes a céu aberto, no Brasil, confunde-se com a própria história da propaganda.

Com origem no final do século XIX, o cartaz de rua era uma peça de cartolina na qual um letrista ou pintor desenhava ou pintava uma
imagem ou mensagem[...]por volta de 1920, o atual formato clássico do cartaz de rua introduzido pela Empire Litho, uma empresa de
massachusetts, foi rapidamente adotado por tipógrafos de todas as partes dos Estados Unidos. (HELLER, 2007, p.397)

Pode-se ler o outdoor no Brasil ou os post standars americanos como uma evolução dos cartazes de rua. No cartaz de
rua, a mensagem era fixada insistentemente, uma ao lado da outra, cobrindo superfícies como muros e tapumes. Esperava-se que a
mensagem fosse lida pela redundância. Outra constatação que pode ser feita é que não existiam para os produtos anunciados no cartaz
de rua os veículos de comunicação que hoje compõem com o outdoor uma rede. Assim, a mensagem tinha de ser totalmente exposta,
uma síntese, e no outdoor, a mensagem exibida cria uma conexão com outras mídias formando um texto, ou ainda um diálogo com o
ambiente urbano.
Alexandre Wollner (2003, p.133) diferencia design de desenho comercial ou ilustração por este constituir uma rede de
informações visuais e de padrões gráficos que permitem a um conjunto ser reconhecido. Portanto, o design do outdoor o é porque se
conecta ao logotipo das empresas, aos anúncios de revista, de televisão e de jornais, principalmente por meio de seus elementos gráficos.
Segundo a Central do Outdoor4, a primeira empresa a vender espaço para divulgação de mensagens a céu aberto,
utilizando-se de cartazes dispostos em chapas redondas fixadas em postes, foi a Publix. O primeiro grande anunciante foi o xarope São
João durante a primeira década do século XX.
Aos poucos, observa-se o gradativo aumento do tamanho dos anúncios, a organização de empresas exibidoras que
locavam os pontos mais visíveis das ruas e avenidas mais movimentadas. Inicialmente eram utilizados os postes para fixação das
publicidades, que em conjunto com os cinemas, funcionavam como um circuito de comunicação. Na década de vinte e trinta, os
impressos associavam-se também ao fenômeno da rádio recém inaugurada no Brasil.
Entre as décadas de vinte e setenta, observa-se o crescimento do tamanho dos cartazes de rua, além disso, o espaço
público foi tomado por um enorme número desses anúncios. Ainda não se podiam classificar as mídias externas como um veículo
organizado de comunicação, já que os formatos, materiais, cores, métodos de fixação e períodos não eram organizados. Assim, podia-se
ver, ao longo de ruas e avenidas, uma infinidade de tamanho de anúncios, cada qual tentando capturar a atenção do transeunte, gerando
poluição visual e transformando essa forma de anúncio na maneira mais repugnante de fazer publicidade. Ao final da década de setenta,
os anunciantes desse meio perceberam que tinham perdido muito mercado para veículos como o rádio e a televisão, pois não eram
organizados, não ofereciam retorno de seus anúncios e, muitas vezes, até contribuíam como uma forma negativa de fazer propaganda.
Foi dessa constatação e da associação das maiores empresas de publicidade externa que nasceu a Central do Outdoor. A entidade

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Associação que congrega grande parte das empresas que confeccionam e fixam as placas de Outdoor no Brasil, criada na década de setenta para reagir contra a
perda de mercado do outdoor frente a outras mídias como TV e rádio.
padronizou o tamanho das placas em três metros de altura por nove de largura, estipulou a periodicidade de exibição e suas regras,
projetou o modelo de placas que deveriam ser construídos por todas as exibidoras a fim de impedir acidentes. Essa convenção é seguida
até hoje em todo território brasileiro, com exceção da cidade de São Paulo, onde em vinte e seis de setembro de dois mil e seis foi
aprovada a Lei n° 14.223 que proíbe qualquer forma de publicidade externa. Em julho de dois mil e seis, o IBOPE realizou uma
pesquisa com seiscentas pessoas na cidade de São Paulo com o objetivo de verificar a opinião da população sobre publicidade e poluição
visual. Os resultados da pesquisa mostram que os entrevistados encontram beleza nos anúncios feitos nos Outdoors e mídias externas e
consideram poluição visual as pixações e identificações fixadas em fachadas de lojas.
A divulgação de mensagens em outdoor funcionam da seguinte forma:
_ os anunciantes, por intermédio das agências de publicidade, devem escolher os locais de fixação das peças;
_cada cidade possui o que os profissionais da área chamam de circuitos;
_ cada circuito é constituído por um número mínimo de placas onde a mensagem deve ser veiculada;
_ o período de veiculação é de quinze dias podendo ser renovado por mais uma quinzena sem acréscimo de custo de
impressão e fixação.
Do ponto de vista da sua confecção, um outdoor é um processo duplo de codificação, pois nasce de um layout com
proporção de um para três, com medida de quinze centímetros por quarenta e cinco, a partir do qual é gerado um filme (fotolito)
reticulado igual a qualquer impressão offset. Posteriormente a peça é ampliada por meio de um processo conhecido como gigantografia,
ou seja, um filme é projetado sobre outro com o tamanho de três metros de altura por nove de largura, dividida em trinta e duas folhas. A
impressão deles é feita, até hoje, em sua maioria, pelo método da tipografia, a mesma técnica de impressão utilizada nos primeiros
cartazes. Esse processo impõe algumas características às produções feitas para um outdoor. Um exemplo disso é o uso de fotografias
nessas peças: elas ficam localizadas em posições específicas das folhas e só ocorrem quando o outdoor é fixado em muitos circuitos. Por
outro lado, outdoors com textos mais específicos, como os desenvolvidos para a campanha do Itaú, necessitam apresentar número
reduzido de cores e não utilização de imagens, pois cada peça é quase que única e cada diferença implica em reduzir o número de folhas
impressas com tal característica. Por exemplo, pode-se imprimir todas as folhas laranjas, sem texto ou imagens utilizadas na campanha
de uma vez só e a partir de uma mesma matriz. Já a faixa que foi utilizada para nomear a placa com os dizeres: apressados, pedestres,
etc, constituem-se em impressões quase únicas.

Enquanto veículo de comunicação, o outdoor apresenta o terceiro maior índice de penetração: 92% (TAMANAHA,
2006, p.57), o que significa dizer que a maior parte das pessoas que passam pelos locais de fixação conseguem ler a mensagem exibida.
Por outro lado, especialistas dizem que não é possível construir uma campanha informacional por esse meio já que a quantidade de
palavras que uma pessoa, dentro de um automóvel, consegue ler é muito baixa. As quantidades de imagens e informações ficam
limitadas à velocidade do leitor, ao limite das vias de acesso, às condições climáticas e à quantidade de informação do entorno.
Veremos, ao longo dos próximos capítulos, como essas afirmações sobre a mídia outdoor podem ser modificadas em função da
argumentação dos elementos de design com as informações da publicidade e disponibilidades do ambiente.
3 PERCEPÇÃO, DESIGN E AMBIENTE

3.1 Fundamentações para a percepção


Outdoor até míope lê.”
Anônimo

A frase em epígrafe revela uma inquietação: como, apesar de toda dinâmica de trânsito da cidade, as informações
contidas em outdoors ainda podem ser lidas?
Existe entre esses elementos uma dinâmica, uma organização tal que permite a ela funcionar como todo e ter pedaços
em evidências, relações que se acendem ao mesmo tempo em que outras ficam em segundo plano, como as conexões da mente.
Entendemos linguagem como pensamento organizado e este como resultado de interpretação dos vários fenômenos
percebidos no mundo. A palavra perceber traz como sinônimo os termos entender e compreender (CUNHA, 1982, p.595). Em latim,
percepção carrega o significado de conhecimento (FARIA, 1962, p.720).
Vários foram os autores que, para entender o universo de suas pesquisas, buscaram explicar a percepção. Alguns
formulam-na como resultado das imposições sociais e ambientais e definem que a linguagem pressupõe a percepção. Outros, e não
foram poucos, tentam estabelecer uma correlação entre a percepção e os órgãos do corpo humano com disponibilidade para captar os
sinais do universo.
Existe uma tradição em afirmar que o nosso corpo tem algumas partes especializadas em capturar os sinais do mundo.
Aristippus (435-350 ac), amigo de Sócrates, dividia os sensos de percepção humanos em senso de prazeres do corpo e da mente. Platão
afirmava que existiam três tipos de homens: ouro, prata, bronze, aludindo à razão e a coragem, essas classificações relacionavam-se ao
fato de que os sentidos humanos tinham uma espécie de hierarquia que tornava os homens mais animalizados ou mais racionais.
Aristóteles dividia essa hierarquia da seguinte forma: visão, audição e olfato estariam ligados ao humano; já o paladar e o tato
relacionavam-se com o lado animal. Algum tempo depois, Hegel também estabelece a sua separação para percepção humana em três
tópicos ligados a sete partes do corpo, afirmando que os olhos eram a parte mais espiritual do corpo humano, por meio do qual seria
possível ver a alma das pessoas. Além do olho, seriam espiritual também a testa e os ouvidos, que captariam sinais ditos superiores. A
boca, o nariz e queixo funcionariam como um indicativo do homem animal, e o cabelo como algo vegetal no corpo humano
(SYNNOTT, p. 62-63, 1991). A separação entre corpo e mente presentes na classificação dos perceptos humanos parece ser uma busca
para a resposta à questão: de onde vêm as idéias que temos em nossa mente? Ou a tentativa de compreender o cisma entre o dentro e o
fora do corpo humano e as operações de passagem de informação por meio dos nossos sistemas.
A noção de dentro e fora sintetiza-se da seguinte forma: de um lado, os filósofos tentando estabelecer qual é função da
percepção em nossa concepção de mundo e, por outro, físicos e outros tentando estabelecer como medir a potencialidade do continuum
espacial, aquela que não é apreensível ao olho humano. Jakob Von Uexküll (*1864 - +1944), fundador do instituto de pesquisa Umwelt,
afirmava ser sintomático o cisma entre as ciências culturais e naturais, bem como a ausência das citações das contribuições que os
processos biológicos podem fazer. Para o zoólogo, a contribuição biológica supera tanto a objetividade quanto a subjetividade. Segundo
Uexküll, é possível provar por meio da semiose, dos movimentos de compreensão e apreensão dos seres sobre o espaço, a
irreversibilidade do tempo e seus processos de compreensão do espaço (2003, p.23). Para nós interessa como, nos processos de
representação do espaço, é possível apreender os movimentos dos seres e buscar suas formas de compreensão e composição do mundo.
Nosso objetivo é compreender como um outdoor, manifesto em espaço urbano, elaborado com diversas linguagens, se
conecta ao ambiente e, nesse processo, deixa rastros da sua confecção, do entorno, das relações entre repertórios que o fazem significar.
O outdoor é o cruzamento entre representações bidimensionais e o espaço tridimensional, construído, em um ambiente com
características predispostas como vegetação, topografia e outros. Esses elementos podem ser modificados pelo homem, mas sempre
acabam estabelecendo um contraponto com a arquitetura, urbanidade e comunicações visuais. Além disso, existe um processo de
alimentação e percepção de linguagens para organização de si própria ou para transmitir a mesma mensagem utilizando um outro
conjunto de códigos. Lucrecia Ferrara (1986) chamou essa articulação entre o tridimensional do espaço e o bidimensional na mensagem
publicitária de uma elaboração estética de mensagens persuasivas. Segundo ela:

[...] a distinção desses signos está na presença ou ausência, a partir deles, de uma articulação ambiental, mais invisível que visível. Este
ambiente icônico utilitário supõe um volume sígnico, um envolvimento espacial do signo ou, o inverso, um envolvimento sígnico do
espaço, de tal modo, ambos, signo e espaço, se articulam para construir uma unidade ambiental. Estão neste caso, basicamente, o
desenho industrial e a arquitetura. (FERRARA, 1986, p.72)
Como elementos de linguagem, as representações bidimensionais e tridimensionais acabam gerando a noção de
ambiente. Entretanto, é possível notar como a articulação com o ambiente garante voz às mensagens publicitárias elaboradas com os
recursos do design. Canevacci (1997, p.184) chamou esses elementos de super-signos e Ferrara (1986, p.72) chamou-os de icônico-
utilitários que invadem os olhos e os ouvidos em uma espécie de visão auditiva e laçam o receptor no cerne de uma multiplicidade
estrutural.
Exemplificaremos as relações acima ao analisar uma das peças produzidas para o Banco Itaú:

Ap ressado s, 2003
Agência Af rica
Aparentemente, a peça constitui-se de poucos elementos. Trata-se de uma publicidade externa, tradicional de rua. Nela
pode-se perceber a assinatura do Banco Itaú que fornece os elementos gráficos para a constituição do todo. Assim, as cores e a tipografia
confirmam e reforçam a assinatura do banco. São utilizadas as fontes bastonadas, limpas, cuja indicação é de uso para pequenos textos e
superfícies com brilho. Com relação às cores, percebe-se que a palavra Itaú é escrita em amarelo, bem como o termo apressadc,
sugerindo que a essência do banco é a mesma do sujeito descrito na peça. O Slogan da campanha “O Itaú foi feito para vocês” é escrito
também em fonte bastonada, na cor branca e ganha certo contraste quando sobreposto com o tom de laranja aplicado em todo fundo.
Podemos perceber a padronização das cores laranja e azul em toda a peça. Lembramos que as cores do logotipo do banco são azul e
amarela.
O ponto de estranhamento está no fato de a palavra apressadc ter sido interrompida. Subentendemos que na placa está
escrito apressados, mas na verdade a palavra não está completa. Segundo Orlando Lopes, presidente da Associação Brasileira de
Anunciantes, “o tempo que as pessoas que passam de carro têm para ver a mensagem é de três a cinco segundos” (Midex, 2004, p. 3).
Ou seja, em pontos de trânsito muito rápido, o tempo de leitura de um outdoor seria o equivalente ao tempo gasto para se ler as últimas
cinco palavras desse texto. O termo apressadc é lido em menos de três segundos, o que sugere que a via de acesso para a qual ele foi
elaborado costuma ter uma velocidade superior a das outras ruas que são ponto de exibição de mensagens. Quando observamos os
índices do lugar de fixação descobrimos, por comparação, que se trata da Av. Nove de Julho. O local de fixação une-se à via e ao
trânsito para formar uma espécie de ecologia e constituem-se em partes de uma mesma mensagem. Observa-se que os elaboradores da
peça são constituintes desse fluxo, pois conseguiram perceber o funcionamento do local e imprimir essas características à mensagem.
No esboço, mostramos a peça publicitária em relação ao local de passagem dos carros. É possível intuir que a
mensagem só funciona para o motorista que está entrando no túnel. A palavra apressadc não faz sentido para o morador do prédio e não
consegue ser lida pelo pedestre ou motorista que passa sobre a ponte. Também não faria sentido ao motorista se não conectasse com sua
história, velocidade e sentidos. Existem, não apenas nessa peça, mas em todas da campanha, o uso repetido de alguns elementos, como
tipografia, cores, logomarca e disponibilidade de diagramação. Eles constituem-se naquilo que Gibson descreve como invariantes
perceptivos, ou seja, são elementos que garantem continuidade e permitem reconhecer a peça como uma representação do Banco Itaú.
Porém, Gibson (1986, p.88) também estabelece que existem condições variantes, descrevendo a atuação da luz sobre os objetos do nosso
cotidiano. Para ele, existem pontos de igualdade definidos como invariantes, constituintes básicos dos conjuntos de elementos que
compõem o espaço e permitem a ele ser reconhecidos. Na peça, o que acaba funcionando como um elemento variante é a palavra
apressadc, grafada desde o início desta análise erroneamente para passar a mesma leitura que o usuário do outdoor teria.
Percebemos que os conceitos de ambiente e de espaço esbarram-se e geram uma certa confusão. Passaremos, então, a
estabelecer a diferença entre esses conceitos e a desenhar as relações perceptivas que serão necessárias para analisarmos as dimensões e
linguagens do design na cidade.

3. 2 O ambiente e o design
Para Gibson, ambiente diferencia-se de espaço:

Os conceitos básicos de espaço, tempo, assunto, e energia não conduzem naturalmente ao conceito de organismo-ambiente ou ao
contrário, ao conceito de espécie e seu hábitat, eles parecem conduzir à idéia de um animal como um objeto extremamente complexo
do mundo físico. O animal é pensado de como uma parte altamente organizada do mundo físico uma parte e um objeto. Deste modo
negligenciamos em nosso pensamento o fato que o animal-objeto são ambientados de um modo especial. Que o ambiente para o ser
vivo constitui-se em algo diferente de um ambiente para um conjunto de objetos físicos. (GIBSON, 1979, P. 8)

Portanto, em Gibson, o ambiente é um espaço qualificado em função da vida que o habita, ou dos seres que lhe
atribuem sentido. Para ele cada ser constitui uma espécie de ambiente diferenciado e isso se modifica de acordo com as percepções do
ser, ou seja, o espaço exibe-se de forma diferenciada e esta depende dos perceptos e das relações entre seres e objetos. Para os humanos,
a noção de ambiente modifica e é modificada pela ação do design que, por sua vez, garante a existência de processos estruturados de
significação e materialização de pensamento. Tais características permitem sustentar que, como sistema, o design alimenta-se da
informação do ambiente, bem como devolve a este os resultados de informações processadas. O movimento de alimentação de
informações transformando o espaço permite intuir que o conceito de design move-se entre diferentes fazeres. As argumentações lógicas
e as linguagens que o constituem são filtradas de diferentes sistemas. Tal movimentação garante diversidade aos processos e permite
classificar o design como heterogêneo, múltiplo, organizado em estruturas, cujos módulos e sintaxes serão tantos quanto as necessidades
do ambiente e as conexões que ele permite.

Clien tes do s o utros b an cos, 2003


Agência Áf rica

Por exemplo, na peça clientes de outros bancos, instalada na Avenida Paulista, no terreno que pertence à família
Matarazzo, percebemos o sentido construído em função da união entre o design, o texto e os estabelecimentos que compõem o entorno
do espaço utilizado pela publicidade. Nessa avenida, existem muitos bancos, mas quem já passou por esse local consegue lembrar que,
em frente o ponto de fixação da peça, existe uma concentração de muitos bancos: Unibanco de um lado e um pouco mais à frente, Caixa
Econômica Federal e o Santander Banespa. O anúncio estabelece um contato muito específico com esses clientes de banco e acaba
funcionando como uma mensagem particular para essas pessoas.
Inicialmente, o texto do outdoor parece evidenciar uma concorrência com os outros bancos, pois o slogan da campanha
é “o Itaú foi feito para vocês”, mas, nessa peça, o que se percebe é que essa frase muda para “nós fomos feitos para vocês”. Com isso, o
Banco Itaú une-se aos bancos do ambiente para criar sentido: o texto faz com que os outros bancos também garantam a frase.
Como transformador de espaço e como doador de qualidades ao entorno, é possível comparar o como um processo de
comunicação, um processo ecológico, um processo semiótico e, portanto, de intercalações e relações de linguagem. O design pode ser
entendido desta forma, pois se alimenta da informação do meio, modificando matérias e sendo modificado por elas em um fluxo
contínuo de transformações e interferências.
Os outdoors operam nas cidades como pontos nos quais são possíveis a exibição de mensagens publicitárias
conectando o local de exibição aos locais de serviços, comércios e entretenimento. Essas conexões permitem ao leitor ser transportado
da paisagem cinza costumeira das ruas ao interior de lojas e aos produtos em tamanho hiper-real exibidos nas placas dispostas nas vias.
A própria dinâmica da cidade, a estrutura dos prédios e vias definem o local de fixação das placas. As empenas fixam-se em partes dos
prédios onde não existem janelas, em faces deixadas sem informação arquitetônica, normalmente paredes lisas, onde o estilo dos prédios
não são percebidos e onde não existiria nada não fossem as telas.
As placas de outdoor funcionam como janelas, aberturas na estrutura da cidade por onde mensagens são exibidas. No
seu sentido exato, janela significa abertura em uma construção que pode abrir e, ao mesmo tempo, ocultar. A janela não funciona como
passagem de corpos, mas como a possibilidade de visualizar o que existe do outro lado, permitindo a visão de algo que tem a estrutura
diferente daquele ambiente em que nos encontramos. A janela implica em mostrar o que será encontrado se o que foi percebido pelo
olho gerar uma ação capaz de transportar o corpo para o lugar visualizado.
Os outdoors causam uma descontinuidade na ordem da cidade, sinalizam outras possibilidades, conectam-se à
arquitetura, que modela seus formatos juntamente com outros suportes de publicidades conhecidos como:
-mobiliários urbanos: como o próprio nome diz, são os móveis que permitem à cidade funcionar como tal, tais como
pontos de ônibus, relógios, telefones públicos etc;

Atrasado s, 2003
Agência Áf rica
-empenas: espécie de cartaz gigante fixado na fachada de prédios ou envolvendo-os em uma espécie de pacote.

fon te: http://ideavertising.blogspot.com/2007/06/empena.html


empena criada para pro mover a segu rado ra de veículos american a Nation wide.

Além desses, existem outros elementos utilizados como mídia externa. São eles: painéis luminosos com iluminação
posicionada a frente e atrás (Frontlight e Backlight), envelopamento de transportes e edifícios, busdoor entre outros.
Pode-se inferir que a descontinuidade entre mídias externas e o ambiente ocorre pelo contraste entre as cores da cidade
e as cores das peças. Elas se conectam aos textos publicitários de origem e, justamente, essa conexão desperta a atenção dos usuários.
Na fotografia abaixo, por exemplo, a peça “empreendedores” vira foco de atenção não só porque tem tamanho maior do que as outras
comunicações, mas porque apresenta um contraste de cores com a paisagem e conecta-se à empresa que representa. Ainda que se
observe que seu gráfico garante uma continuidade ao desenho da cidade ou à lógica de suas linhas, suas cores conduzem o olhar para a
peça, distinguindo-se do cinza e funcionando exatamente como uma janela.

E mp reend edo res, 20 05


Agência Áf rica

O outdoor diferencia-se da paisagem urbana porque tem um aspecto de continuidade com a mensagem veiculada em
outras mídias. As cores utilizadas conectam-se às cores da logomarca, dos comerciais de TV, das peças de revista. Contudo, mais
importante do que a conexão entre as diferentes peças é o fato de que, nesse tipo de publicidade, é fixada uma mensagem que só será
lida se o usuário conseguir percebê-la. Os mecanismos de percepção e as inferências que ele faz devem estar presentes na mente do
organizador das publicidades. Conseguir saber como uma pessoa interage em meio às múltiplas possibilidades de observação presentes
no ambiente urbano é uma das necessidades de uma peça publicitária ou de um bom design. A peça deve funcionar como uma conexão
entre o usuário e o mundo. Para Gibson, perceber é a realização do indivíduo: não aparece no teatro da consciência dele, é uma forma de
conectá-lo ao mundo, uma forma de experimentação constante de coisas no lugar de uma experiência já vivida (1986, p.238). Os seres
humanos relacionam-se com o mundo por meio de sentidos especializados ou envoltos no fluxo de informações cotidianas.

O ato de captar informação, além disso, é um ato contínuo, de atividade incessante e irrompível. Um mar de energia na qual nós
vivemos fluxos e mudanças sem fraturas acentuadas. Até mesmo a fração minúscula desta energia que afeta os nossos olhos, orelhas,
nariz, boca, e pele é um fluxo, não uma sucessão. Perceber conseqüentemente é um fluxo, e a descrição de Willian James do fluxo de
consciência (1890, ch.9) aplica-se a isto. Percepção discreta, como idéias discretas, é tão mítica quanto as leis de Lamark." (GIBSON,
1979, p. 238)

Para que uma mensagem possa ser exibida em meio ao fluxo de movimentos normais e cotidianos de uma cidade, é
necessário calcular quais as possibilidades de uma determinada mensagem ser observada, de ela ter relação ou conseguir vincular-se ao
observador que passa. Ao movimentar-se, o ser humano realiza uma série de cálculos prevendo o seu tempo, o que e como pode fazer,
percepção que se traduz em pensamento e, posteriormente, em ação. Na criação de uma peça que será exibida em tais condições, o
designer projeta-se no tempo, gerando possibilidades de interpretação e ação não apenas para si, mas também para os outros. A
capacidade de ocupar o lugar do outro e simular a necessidade de uso mostra um método científico dentro do fazer design. Na peça
apresentada abaixo, percebemos que regras de elaboração de outdoors, como a quantidade de texto, deixam de ser verdade em virtude da
observação do espaço e suas disponibilidades.
Eng a rraf ado s , 200 3
Agência Áf rica

A peça demonstra um enorme conhecimento do ambiente urbano pelo elaborador. O texto expõe que: “O Itaú foi feito
para você que vive numa cidade como esta, onde as pessoas conseguem ler um outdoor com 84 palavras, enquanto estão paradas no
trânsito. Quem perde um tempão no trânsito, precisa ganhar tempo no banco. Por isso, o Itaú tem mais de 17 mil caixas eletrônicos,
Itaú Bankfone, Itaú Bankline e mais de 2 mil agências em todo o Brasil. Com o Itaú seu carro pode ficar parado, mas sua vida anda que
é uma beleza. Itaú feito para você.” Ela contraria os princípios de elaboração de outdoor ensinados em livros e revistas, bem como a
opinião de alguns profissionais de mídia. As peças que apresentamos até o momento têm quantidade de texto reduzido, mas essa, como
o próprio texto diz, é composta de “84” palavras. Não é possível arriscar colocar um texto desse tamanho sem reconhecer o local como
um ponto de trânsito. Além disso, se calcularmos a leitura de cinco palavras em três segundos, pode-se chegar ao resultado de que
oitenta e quatro palavras levam cinqüenta e quatro segundos para serem lidas, ou quase um minuto parado no mesmo local. Recordamos
que uma placa de outdoor mede nove metros de largura, para percorrê-los em um minuto, um carro deve estar a uma velocidade de, no
máximo, cento e oitenta metros por hora, o que, para um veículo, significa estar literalmente parado, já que a velocidade permitida na
maioria das ruas é de quarenta quilômetros. Uma peça como essa não faria sentido algum caso fosse colocada na Marginal Tietê, que
tem velocidade permitida de noventa quilômetros por hora e, mesmo quando engarrafada, apresenta uma velocidade muito superior a
cento e oitenta metros por hora.
Além da velocidade dos carros, o tamanho das letras e a sua disposição interfere na leitura dos textos de uma
publicidade externa. Existe uma forma de verificar que altura uma letra necessita ter para ser lida a uma determinada distância. Para
cada metro de distância, a letra deverá ter 5 milímetros de altura e suas hastes devem ser preenchidas e espessas (IIDA, p. 2002, 1990).
No outdoor “Engarrafados” a altura das letras mede vinte centímetros, o que significa que podem ser lidas, de forma
agradável e com segurança, há uma distância de quarenta metros, desde que o carro permaneça parado por quase um minuto. De fato,
existem algumas áreas na cidade de São Paulo que, em algum momento do dia, apresentam essas características. Para descobri-las seria
necessário observar: o mapa de congestionamentos da cidade; quais deles têm local para fixação de placas; quais placas ficam a uma
distância média de quarenta metros dos carros. Uma vez descobertos esses locais, pode se calcular a quantidade média de pessoas que
terão acesso à mensagem fixada. Assim, se a cada dia existirem duas horas de congestionamento pela manhã e pela noite, se a cada
minuto cinco carros com duas pessoas por veículo ficarem paradas em frente à peça e se o período de exibição de um outdoor é de
quinze dias, logo, ao final, uma média de setenta e duas mil pessoas terão lido o texto do outdoor. Após cálculos tão significantes, o
questionamento seguinte seria: mas, as pessoas leriam mesmo um outdoor com tantas palavras? Por que elas prestariam atenção nisso?A
princípio, o outdoor seria lido porque existe um reconhecimento e um estranhamento. Reconhecimento porque a palavra Engarrafados
pode ser lida há uma distância duas vezes maior do que o restante do texto. Pode-se intuir a situação de pessoas engarrafadas, paradas
no trânsito sem ter o que fazer e, de repente, observam uma mensagem ao longe que quer comunicar algo a ele. O reconhecimento de si
próprio como engarrafado permite uma identificação imediata com a peça. Ao longe, também é possível observar que existe uma
quantidade de texto muito maior do que a dos outdoors tradicionais e, quando o observador aproxima-se do texto, ele certamente
desejará saber em quais pontos mais aquela peça lhe diz respeito. Estranhamento porque a quantidade de texto não é utilizada
normalmente, o que desperta uma certa curiosidade em saber quais informações esse texto oferece. O terceiro item a ser levado em
consideração é a publicidade como arma de persuasão e o tom de humor implícito nos textos dos outdoors. Assim, se não resta mais
nada há fazer no trânsito e se isso não tem solução, pelo menos leia, qualquer coisa, até um outdoor com oitenta e quatro palavras.
Ele traz as mesmas cores que a logomarca do banco, mantém o padrão tipográfico utilizado nas outras peças, seleciona,
por meio do texto, uma parcela da população para construir uma relação de identidade. Diferencia-se de outras peças e dos outdoors da
mesma campanha, exatamente com aquilo que o ambiente permite, que é a inclusão de um texto diferenciado, que informa
características da cidade por vezes escondidas, pois é preciso estar naquele local, no momento de congestionamento, para se ter a
sensação de tempo perdido, de tempo gasto. É preciso ter a experiência de um minuto parado no trânsito para saber que tipo de sensação
as pessoas têm. Fora desse horário, o texto não faz sentido e só pode ser lido por um pedestre, alguém em outra situação, ou posição que
não a de motorista ou passageiro de um veículo.
O fato de ser lido fora do contexto de trânsito permite à mensagem informar sobre o funcionamento da cidade que não
pode ser flagrado em outro horário ou em outra situação a não ser pelo design da peça. O aprendizado do sentido do design implica em
reconhecer as disponibilidades de determinado material para elaboração de uma peça, ou as possibilidades do corpo humano para
utilização de determinado móvel, ou sensações que permitem causar reconhecimentos entre a cor de uma marca e o tom utilizado no
anúncio televisivo. Nesse caso, uma peça elaborada utilizando os conhecimentos de design e de publicidade traz em si a concepção de
projeto. Antes mesmo de ser fixada, já estavam contidos na peça toda a disponibilidade do ambiente, o seu tempo de leitura e também os
seus possíveis leitores.
Uexküll revela que o processo de semiose, de entendimento, ou ainda de reflexão sobre as possibilidades de um signo
ocorre graças à capacidade do organismo de projetar-se no futuro, de fazer o que ele chama de cálculos probabilísticos. A atividade do
designer aplica esse cálculo, pois consegue, por meio dos dispositivos de comunicação e linguagem, prever, como demonstramos acima,
os processos que levam as pessoas a entenderem as informações contidas no ambiente. De certo modo, isto é projetar, pois por meio
destes cálculos traçam-se possibilidades de usos e fins para as mensagens.

Cálculos probabilísticos, que interpretam o presente como referência, ou signo de possibilidades de satisfações futuras de necessidades,
são, contudo, processos de signos ou semioses. Baseado nisso Uexküll desenvolveu sua teoria do signo, em que o presente funciona
como um signo e o futuro como o significatum ou signifie.(UEXKÜL, 2003, p.21)

A interação entre pensar e produzir design demonstra o que se pode entender como conceito de projeto: uma prática
operando na elaboração de mensagens. Elas são arranjadas de tal forma que toda a experiência passada do designer funcione como uma
previsão das ações do usuário. O desenvolvimento de uma interferência urbana, como a campanha “Feito para você” do Banco Itaú,
demonstra a relação com os pontos da cidade onde as comunicações foram implantadas, prevendo como o leitor da mensagem será
afetado por ela. As peças dispostas por toda a cidade só fizeram sentido ao comporem com o usuário um fluxo. Para tanto, a mensagem
exibida teve que se associar com as informações contidas no repertório dos usuários.
As relações desenvolvidas entre as peças e o ambiente urbano aconteceram de forma empírica por meio das
experiências de vida dos designers e toda equipe de criação, pois, além de elaboradores da mensagem, fazem parte dos fluxos de
informações da cidade, conhecem seu mecanismo de funcionamento e são afetados pelas informações disponíveis nela. A publicidade
materializada em pontos específicos da cidade é a manifestação das inferências desenvolvidas pelo designer com o seu domínio de
linguagem e métodos de comunicação, mas, sobretudo, com a sua experiência cultural revelando uma ecologia entre ele e o espaço.
3.3 Ecologia e design
O conceito de ecologia foi proposto em 1866 pelo biólogo alemão Ernest Haeckel para designar o estudo do lugar onde
vivemos, do grego oikos – casa – e logos – estudo. Posteriormente, o biólogo Russo V. I.Vernardisky propôs o conceito de Biosfera
como o espaço completamente ocupado pela matéria viva (LÓTMAN, 1996, p. 23). Esses conceitos, aliados à teoria do sistema5, deram
origem aos estudos sobre ecologia que temos hoje. Basicamente, eles retratam o caminho que a informação pode fazer em um ambiente,
ou as diversas formas de produzir informação. Dentre os estudos sobre conceitos e ecologias, destacamos o livro The ecological
approach to visual perception, escrito por James Gibson, sem tradução para a língua portuguesa. O texto propõe outra maneira de se
analisar a percepção visual humana ancorado nas questões da ecologia.

O conceito central de ótica ecológica é a ordem ótica do ambiente em um determinado ponto de observação. Entende-se por ordem um
arranjo, e por ambiente as diversas posições que podem ser ocupadas por um observador. A posição pode ou não ser ocupada; mas por
hora, tratamos como se não fosse. (GIBSON, 1979, p.65)

Ou seja, qualquer espaço pode tornar-se ou não um ambiente. Para ser considerado um ambiente, o espaço necessita da
possibilidade de interações. São as relações e possibilidades de uso que garantem significação ao espaço e ele permite funcionar como
ambiente; logo, ambiente é um espaço qualificado.

5
Unidade aberta traduzida em termos de um conjunto que se constituem graças às relações complementares com as invariações e, por conseguinte, aberta às
mudanças (MACHADO, 2003, p.165).
O conceito de ambiente presente nos textos de Gibson dialoga com o conceito de umwelt de Uexküll, para o qual a
umwelt seria uma espécie de ambiente possível para cada animal, como uma espécie de automundo, conseguido por meio daquilo que
ele chama de círculo funcional, ou seja, existem dispositivos nos animais que os conectam com o espaço, formando um ambiente
específico ou a experiência do tempo, que difere de espécie para espécie e tem uma profunda influência sobre a experiência do mundo
externo, o automundo específico da espécie (2004, p.25). A percepção não se faz de forma estanque, pois existe uma dinâmica ao redor
de nós e perceber é estar envolto nesse fluxo. Ainda em relação à diferença entre ambiente e espaço, interessa, particularmente, o termo
qualificado. Existe, pois, uma relação entre o espaço e o observador que o torna ambiente para um animal e não para outro. Consegue-se
perceber isso muito claramente na construção de algumas mensagens, designs e campanhas. Os publicitários chamam o público alvo de
uma campanha de target, que é uma espécie de cliente foco, ou pessoas às quais as qualidades do produto vão interessar. O publicitário
faz isso por meio de pesquisas de detecção de gostos e costumes. É necessário saber para quem é a informação, como dispô-la para ser
percebida pelo público A e não o B, ou o que há para ser percebido que a torna interessante e forma uma ecologia com um observador
em especial. Essa noção de ecologia ou da informação que pode ser captada por uma pessoa, formando com ela um fluxo coerente, é a
que se aplicada a este trabalho.
A ecologia do design diz respeito ao fluxo de informação presente no espaço e à captura dessas informações pelo
usuário por meio de dispositivos criados pelo designer, um fluxo entre criação, utilização, meio e sistema perceptivo.
Podemos exemplificar brevemente as relações ecológicas do design com a cidade, ao observar a peça “Distraídos” da
campanha “Feito para você”:
Distraídos, 2003
Agência Áf rica

Na ilustração acima, observa-se um ponto de veiculação de um outdoor que fica ao lado de uma agência do Banco
Itaú. A agência é discreta, construída a partir da reutilização de uma casa, cuja arquitetura não revela a função comercial da mesma. A
identidade visual da agência foi suavizada na foto que queria dar relevância ao outdoor, mas pode-se intuir que existem elementos em
laranja e azul, cores oficiais do banco. Se por um lado as árvores e os carros acabam por escondê-la na paisagem da cidade, por outro o
outdoor grita a presença da agência e, mais do que isso, consegue despertar a atenção de indivíduos que nunca a tinham percebido.
Como ela não era percebida? Como se pode passar por tanto tempo por um lugar sem percebê-lo por completo? Parece impossível, mas
acontece. Professores de Educação Artística têm uma técnica para trabalhar a percepção infantil: eles pedem aos seus alunos que, ao
direcionarem-se para a escola, observem o caminho, procurem casas, coisas, imagens que nunca tinham notado e a desenhem ao chegar
na escola. Ao ampliar o olhar para verificar o que existe na paisagem que ainda não havia sido vista, as crianças descobrem-se partes de
um fluxo maior do que simplesmente o caminho da escola e a paisagem ganham novo sentido em função dos processos de observação e
da busca por elementos novos. Peirce (1983, p.78) explica essa relação com o que tem a perceber e o não-percebido, ou aquilo que
consegue atravessar nossos sentidos e o que não consegue ao descrever a relação de primeiridade, ou como as coisas que não ocupam
nosso universo interferem no nosso sistema perceptivo e chegam ao nosso cérebro. Santaella (1993, p. 33-39), utilizando-se de estudos
feitos por vários semioticistas preocupados com a percepção, salienta que mesmo a primeiridade, ou as representações ligadas à
sensação, têm a sua divisão em instante de contato, instante de diferenciação e instante de juízo, ou aquilo que entra em contato com
nosso sistema e objetos que conseguimos perceber que estão adentrando o nosso sistema. Logo, a peça “Distraídos” faz-se presente na
memória do observador exatamente porque o fez perceber a sua própria situação diante dos elementos da cidade.
Aplica-se a ela a noção de ambiente de Gibson e de círculo funcional de Uexküll. O indivíduo, ao deslocar-se no
sentido do trânsito da cidade, tem seu campo visual tomado pela peça gigante e laranja: não há como desligá-la ou não percebê-la
porque a própria estrutura do outdoor existe para invadir pelo menos o sentido visual humano. A peça não permaneceria na memória ou
não seria acionada como um elemento de atenção interessante se, ao lado, não existisse a agência. A mensagem “distraídos” só completa
o seu sentido quando o observador / usuário percebe o banco ao lado e volta no tempo, para verificar quantas vezes passou pelo caminho
sem perceber aquela agência. Além disso, pode-se fazer outra inferência: a de que a condição de distraído revela uma característica do
observador, ou seja, como ele, até o momento, não tinha visto o banco logo ali? Esse movimento pode ser analisado como um círculo
completo de percepção e geração de sentido e também pode ser nomeado como semiose. A peça publicitária desperta a atenção do
usuário fazendo com que ele transforme o espaço em ambiente, qualificando-o, ligando seus mecanismos de conexão com o meio,
fazendo-o ficar atento ao caminho, à paisagem. A agência ao lado da placa de outdoor parece um mero acaso, mas para Gibson isso
funciona como uma disponibilidade do ambiente.
Experiência distinta pode ser percebida na cidade de São Paulo, no período posterior à lei nº 14.223, de 26 de setembro
de 2006, que proibiu o uso de publicidades externas de qualquer espécie. Alguns edifícios foram construídos com faces cuja única
função era exibir uma mensagem publicitária, cinzas e retos, perderam de certa forma, sua capacidade de referência publicitária ou
ambiental. Basta deslocar-se pela marginal do rio Pinheiros e observar os muros que cercam a raia olímpica da USP: uma sensação de
não ter percorrido espaço algum, apesar da alta velocidade dos carros, invade nossos sentidos, pois durante algum tempo, a paisagem do
lado direito do motorista não muda, o muro cinza e os postes pretos vazios são os mesmos. A mesma sensação deve ser experimentada
em diversos pontos da cidade onde as publicidades externas acabavam funcionando como referência de proximidade e diferenciação da
paisagem. O movimento da cidade, as formas de criação dos prédios e a necessidade de espaços públicos para a publicidade geraram
prédios sem assinatura arquitetônica, como uma espécie de olhos fechados para as calçadas e avenidas. Podemos verificar que existe
uma sensível diferença entre as fachadas antigas de avenidas, como a São João e as mais atuais, como o entorno de shoppings e prédios
das marginais e da avenida radial leste. Os últimos três citados não têm janelas, não existe abertura para a rua. São muros e paredes
cinzas onde o outdoor acabava funcionando como janelas de conexão com uma cidade que naquele ponto não existe.
O fato é que, apesar de criticadas por muitos, as mídias externas fazem parte do que conhecemos como cidade. É um
pouco estranho imaginar grandes metrópoles sem a presença delas, pois elas fazem parte da cultura e, como já foi dito, atribuem
significado ao espaço tornando-o mais familiar ao usuário.
A questão de como elegemos as nossas formas de representar e organizamos o espaço revelam nossa cultura. Assim,
entender o ambiente e as linguagens que o ocupa necessita também contextualizar a discussão observando-a como parte dos mecanismos
culturais. No próximo capítulo, veremos como o espaço foi, desde a Antigüidade, representado predominantemente com a geometria
espacial e como aos poucos outras linguagens podem interpretá-lo e permitem entendê-lo.
4 DESIGN COMO LINGUAGEM: COMPREENDENDO OS CÓDIGOS E A SINTAXE DAS
COMUNICAÇÕES VISUAIS

4.1 Perceber e representar: o ambiente, a linguagem e a percepção


Entendemos o ambiente por meio dos nossos dispositivos perceptivos e devolvemos nossas interpretações do mesmo
modo como linguagem organizada. Em relação à fala, muito já foi dito da incapacidade que as palavras têm para expressar o mundo a
nossa volta. Entretanto, para designers, músicos, engenheiros, arquitetos, matemáticos, outras organizações de mensagem que não a
verbal ou a oral são necessárias. Ao tentar entender o entorno, recorre-se a várias codificações do espaço, sejam elas música, desenho,
encadeamento de sons.
Ocorre-nos que o espaço tem sido, desde a antiguidade, representado pela linguagem matemática. Em 1637, René
Descartes publicou uma coletânea de três volumes intitulados “Discurso do Método” sobre dióptrica (lei da refração), meteoros (que
continha a primeira explicação sobre o fenômeno do arco-íris) e geometria (BOYER, 1991 , P.231). Ele desenvolveu um método de
representar e calcular planos, o plano cartesiano, que é constituído de dois eixos perpendiculares entre si.

O plano cartesiano é utilizado na geometria descritiva, disciplina projetiva no qual se aprende a descrever, por meio de
desenhos, discretos, cada uma das faces de um objeto a ser construído. A mesma relação é utilizada na arquitetura como corte, fachada e
perspectiva. O plano cartesiano é dividido em quatro quadrantes e por instituição cada um representa uma posição do observador diante
do objeto a ser representado. Como se o desenhista estivesse sobrevoando o objeto, em frente a ele, do seu lado e finalmente da junção
de todas as faces, nasce no quarto quadrante a perspectiva. Para a representação em perspectiva, além dos seguimentos x e y de reta
utiliza-se também o eixo z, ou o eixo de projeção. Intuitivamente, a perspectiva é, na geometria descritiva, a soma de todos os planos, de
todas as projeções feitas por meio da linguagem matemática.
Os dois segmentos de retas que se cruzam na origem, à medida que nos afastamos do seu ponto zero, ganha um
aumento positivo se o movimento for em direção à direita e para cima, e negativo, se o movimento for à esquerda e para baixo. Questão
de convenção, interessa-nos o fato de que, por meio das funções matemáticas, é possível identificar a tendência de determinados
movimentos da sociedade, de determinadas ações. O eixo z mostra como as projeções feitas em x e y ganham volume. Os eixos x e y
são indícios de representações bidimensionais e o eixo z representa a tridimensionalidade. O termo dimensão relaciona-se a tamanho ou
medida; logo, bidimensional é aquilo que ocupa duas medidas e tridimensional aquilo que ocupa três medidas. A linguagem
tridimensional foi eleita, ao longo da história da humanidade, para representar o mundo. Ela acaba funcionando como uma
metalinguagem para a nossa percepção espacial. Essa relação entre espaço construído e espaço pensado, descritas por meio dessa
linguagem, perde-se no tempo. As estátuas gregas já tinham projeção no espaço e observa-se, nas pinturas do século XIII e XIV, a
necessidade de representar a tridimensionalidade até na pintura bidimensional. O que se nota é que, aos poucos, o homem foi
organizando linguagens capazes de representar subjetiva ou objetivamente o espaço. Lótman escreveu um artigo sobre a relação entre o
cérebro e as representações espaciais. Ele retoma a secção áurea para explicar a predominância de um hemisfério cerebral sobre o outro
e, mais do que isso, como reproduzimos externamente questões internas do funcionamento do nosso corpo.

As pesquisas no domínio da assimetria funcional que revelam a diferença no trabalho dos hemisférios direitos e esquerdos do cérebro
humano e, em particular, as diferentes naturezas da apropriação do espaço por eles permitem pensar de uma maneira completamente
nova o problema da seção áurea. Também adquirem novos sentidos os experimentos em matéria de preferência estética. Se põe em
evidência o mecanismo dinâmico da consciência, a tensão entre as tendências em luta pela modelização do espaço. O sentido
fundamental dos experimentos em matéria de preferência estética. Manifesta-se o mecanismo dinâmico da consciência, a tensão entre a
tendência de luta da modelização do espaço. (LÓTMAN, 2000, v.3, p. 55)
Essa modelização do espaço a que se refere Lótman é a transformação dele em ambiente. Ocorre que o ambiente é
composto de linguagens mais sutis e, mais do que isso, de relações entre as diversas linguagens e do rastro que a realidade deixa sobre
cada traço que utilizamos para nos comunicar. Nossa percepção vaga por esse fluxo de sinais levando alguns ao juízo; outros entram em
nosso corpo quase sem questionamento algum, assim deixamos de construir relações no nosso dia-a-dia, destituindo de sentido as
palavras, negando-nos ao estranhamento6. O predomínio da linguagem sobre a nossa forma de pensar o mundo contaminou-nos a tal
ponto que até a topografia de um terreno, intocado pelo homem, ou mesmo o desenho de formas da natureza tendem a ser representados
por meio da geometria descritiva que determina tanto a nossa forma de pensar, quanto agir e representar. A tridimensionalidade é a
forma da arquitetura manifestar-se, constituindo o espaço urbano e, em função disso, estende seu modo de funcionar a outros objetos do
cotidiano. Para Lótman:

O espaço arquitetônico vive uma dupla vida semiótica. Por um lado, modeliza o universo: a estrutura do mundo construído e habitado e
aplicada ao mundo em sua totalidade. Por outro lado, ele é modelizado pelo universo: o mundo criado pelo homem reproduz sua idéia
da estrutura global do mundo. A isto liga-se o elevado simbolismo de tudo o que é de um ou outro modo pertence ao espaço de
vivência criado pelo homem. (LÓTMAN, 2000, v. 3, p. 103)

Ao discutir-se espaço, ambiente e percepção, podemos entender que, para ter a somatória de possibilidades do espaço,
é necessário encontrar um ponto de conexão entre as diversas linguagens. Se todo o ambiente humano só nos chega por meio de
representação e se nosso ambiente se dá por meio da compreensão que fazemos dele pelas linguagens, então nossas linguagens devem
conectar-se.

6
O conceito de estranhamento está relacionado a dois outros, anteriores, o de automatismo e, o seu conseqüente, formulado por Herbert Spencer e que diz respeito
à economia da energia mental, isto é, no processo de percepção deve-se despende a menor taxa de energia para se obter o máximo de resultados. (FERRARA, 1986,
p. 34)
Ainda que o pensamento de René Descartes não represente, atualmente, as principais formas de pensar o mundo,
acabou modelizando o espaço.

Menos evidente é a natureza da segunda linguagem primária. Se trata do modelo estrutural do espaço. Toda atividade do homem como
homo sapiens está ligada a modelos classificatórios do espaço, a divisão deste no “próprio’ e “alheio” e a tradução em variados
vínculos sociais, religiosos, políticos, de parentesco, etc., a linguagem das relações espaciais. A divisão do espaço em “culto” e
“inculto” (caótico), espaço dos vivos e espaço dos mortos, sagrado e profano, espaço sem perigo e espaço que esconde uma ameaça, e a
idéia de que cada espaço corresponde a seus habitantes- deuses, homens, uma força maligna e seus sinônimos culturais - são
características inalienáveis da cultura. Isto não basta. Para que um sistema seja capaz de cumprir amplas funções semióticas, deve
possuir um mecanismo de duplicação do mundo-objeto e pode ele mesmo duplicar-se em textos verbais e linguagens da arte verbal
organizados de maneira mais complexa.
( LÓTMAN, 1996, v. 1, p. 84)

Por outro lado, não conseguimos pensar o universo fisicamente sem utilizarmos a geometria espacial, das relações
entre altura e superfície, dos métodos de cálculos de área. O ambiente é mais do que isso, e o que ele é pode estar escondido nas diversas
linguagens do cotidiano se a observarmos com um certo estranhamento. É possível encontrar uma conexão do pensamento cartesiano
que define espaço de maneira tão econômica e sintética que constitui até hoje sua principal forma de representação, com explicações do
funcionamento físico-químico do espaço. Essas relações estão presentes em pesquisas como as de Gibson para explicar percepção. Ele
considera o ambiente como um misto de três propriedades, retirando essas descrições da biologia e das ciências exatas. Para ele, o
ambiente pode ser dividido em meio, substância e superfície. O meio seria o lugar onde a informação está contida, tem livre trânsito,
relaciona-se com códigos e ações, permitindo a locomoção, a iluminação como difusão da luz e ondas de som. Cada um desses
elementos necessita de códigos, pois geram diferenças que necessitamos explicar por meio da linguagem. Já as substâncias têm a
propriedade de difusão, que permite a existência do cheiro através da volatilidade identificada por meio do olfato. Além dessas, Gibson
afirma que a última característica de um meio para a vida animal é a polaridade entre alto e baixo, a força da gravidade determinando a
posição do corpo no ambiente (1986, p.18). O meio tem difusão, as substâncias são dissolvidas e as superfícies suportam, não permitem
passagem das substâncias e interferem na percepção de meio. São essas características que definem as sensações que teremos e que
levam a concepção das linguagens. Essas características não cabem na tridimensionalidade cartesiana do universo e revelam uma
dimensão múltipla do espaço, em tempos e linguagens diferenciadas. O ambiente é heterogêneo, com linguagens múltiplas que se
formam de maneiras diversas, mas que, somadas, contam a história da nossa cultura. Essa irregularidade estrutural é definida por
Lótman da seguinte forma:

[...] é determinada, em particular, pelo fato de que, sendo heterogênea por natureza, ela se desenvolve com diferentes velocidades em
seus diferentes setores. As diversas linguagens têm diferentes tempos e diferentes magnitudes de ciclos: as línguas naturais se
desenvolvem muito mais lentamente do que as estruturas ideológico-mentais. Por isso não se pode falar de uma sincronicidade dos
processos que transcorrem com elas.(2000,. p. 31)

De uma maneira ou de outra, é possível pensar o ambiente, fluxo contínuo em que estamos submersos, como um fluxo
de conexões entre diversas linguagens, separadas por meios didáticos, mas conectadas porque assim se apresenta o ambiente.
Extrapolamos a noção do tridimensional ao pensar que o espaço se compõe de som, que se compõe de cheiro, que se compõe de
temperatura, que se compõe de palavra, que se compõe de volume, que se compõe de matéria. E hoje, cada uma delas tem um processo
de representação Os químicos, por exemplo, dizem que é possível criar uma representação de cheiro. Para eles isso é bem claro, pois o
cheiro acontece quando uma micro-partícula de determinada espécie ou planta desconecta-se da sua origem e entra em contato com os
neurônios específicos do nosso nariz para a identificação do cheiro. Esse contato de sentir o cheiro da maçã ou mesmo de uma folha do
eucalipto é a tradução direta que nosso cérebro faz ao decodificar o contato com substâncias da planta. O cheiro também pode ser
reproduzido em laboratório onde é possível criar uma substância que desperte a mesma reação ou que engane o olfato. É ainda possível
criar uma substância com parte da maçã ou do eucalipto, e assim temos para o cheiro a disponibilidade de criar representações
ontológicas, lógicas ou psicológicas de Kant, ou ainda icônicas, indiciais ou simbólicas de Peirce. O fato é que cada uma delas revela
uma dimensão do espaço, indo além das possibilidades que utilizamos atualmente.
A indústria do outdoor já incorporou algumas formas dessas representações, pois eventualmente aparecem peças com
emissão de sons e cheiro. Por outro lado, não podemos pensá-las como linguagens do design em virtude do conhecimento para codificá-
las não fazer parte do repertório dos designers.
4.2 A linguagem do design e constituição do código por meio da transcodificação
Nosso objetivo agora é entender alguns conceitos sobre design e seu entrelaçamento com as teorias semióticas. Nossa
dificuldade reside no fato de algumas terminologias da semiótica serem utilizadas indistintamente nos ensinamentos sobre design. Ao
longo do tempo, aprendemos que o design é uma linguagem visual, ao compararmos esta afirmação com a designação do termo temos:
_ a linguagem como a capacidade de compreender signos e como a capacidade de materialização deles.
Existem divisões ortodoxas como verbal e visual. Mas quando tentamos ler linguagem como uma representação
organizada de sinais, temos indicações sutis de que a visualidade não pode ser composta de uma única linguagem. O visual constitui-se
de formas organizadas de sinais por meio de princípios muito distintos como a impressão de um movimento, ou o desenho da luz
capturado por uma máquina fotográfica, o gesto que imprime sobre o papel a imagem pensada pelo desenhista. Cada um desses
conjuntos de sinais se expressa por meio de gestos e maneiras diferentes. Diante dessa primeira dificuldade, deparamo-nos com a
definição de uma das características da linguagem a sua capacidade de ser codificada.
O código opera como uma regra de constituição dos signos de determinada linguagem, permitindo a ela ser destituída e
reconstituída desde que seus manipuladores entendam as suas regras. Não encontramos uma regra única para a destituição e
reconstituição da chamada linguagem visual. Mesmo processos de digitalização de textos, desenhos e imagens devem receber
tratamentos diferentes.
De qualquer forma, design pode ser lido como o processo de seleção e organização de elementos para compor uma
mensagem e, nesse ponto, assemelha-se a qualquer descrição de linguagem. Por esse motivo, neste trabalho, chamaremos a organização
de elementos de sintaxes, descrevemos as formas de composição dos principais elementos do design, observamos o seu funcionamento
na cultura e, posteriormente, a maneira como esses elementos se associam.
A linguagem opera como uma estrutura que diferencia a natureza dos objetos ou dos signos. É por meio do
reconhecimento das estruturas de linguagem que se pode interpretar, refazer e fazer significar. Significar, organizar e compartilhar
representações é o objetivo dos processos de comunicação. O design gráfico tem por finalidade comunicar. Logo, serve-se de estrutura
que permita transformar a própria linguagem em mensagens visuais. Em março de 2002, apresentamos ao Programa de Pós Graduação
em Comunicação e Semiótica a dissertação de mestrado intitulada Linguagens do Web Design, cujo principal intuito foi mapear as
sintaxes utilizadas na Internet e verificar a capacidade de informação das mensagens produzidas para essa mídia. A teoria de base foi o
trabalho do lingüista russo Roman Jakobson sobre as funções da linguagem. Ele recupera o plano cartesiano utilizado para pensar o
espaço e as funções matemáticas para demonstrar como o pensamento ou o repertório organiza-se como linguagem verbal.

Todo signo lingüístico implica dois modos de arranjo:


1-) A combinação. Todo signo é composto de signos constituintes e ou aparece em combinação com outros signos. Isso significa que
qualquer unidade lingüística serve, ao mesmo tempo, de contexto em uma unidade lingüística mais complexa. Segue-se daí que todo
argumento efetivo de unidades lingüísticas liga-as numa unidade superior: combinação e contextura são as duas faces de uma mesma
operação.
2-) A seleção. Uma seleção entre termos alternativos implica a possibilidade de substituir um pelo outro, equivalente ao primeiro num
aspecto e diferente em outro. De fato, seleção e substituição são as duas faces de uma mesma operação. (JAKOBSON, 1991, p.39)
Os dois modos de arranjos propostos são suficientes para pensar a organização de uma linguagem. Como já vimos, o
ambiente é composto por uma variação maior de linguagens. Mesmo na web, esse arranjo precisa ser pensado como o conjunto de várias
linguagens, por isso propomos o terceiro eixo: de sobreposição de linguagens, uma vez que, na Internet, existem camadas de linguagens
nas quais o sentido só pode ser constituído quando se lê todo o conjunto formado. Além do eixo x e y para pensar o web design, a
televisão, o cinema e também o design gráfico, é preciso sobrepor linguagens e verificar a relação espacial alcançada.
Assim: o eixo x seleciona, o eixo y combina e o eixo z relaciona a diversidade de linguagens que compõe o ambiente
estudado.
Se uma página web for composta por duas linguagens, por exemplo, visual e sonora, existe um processo de seleção e
combinação dos signos sonoros e um processo dos signos visuais. Os dois arranjos são sobrepostos gerando a mensagem final. A
formação de mensagens sem a devida observação da sobreposição resulta em um texto não-harmônico ou em duas mensagens diferentes
disputando a atenção do receptor. Na dissertação Linguagens do web design, aplicou-se essa hipótese apenas às páginas webs, mas todo
arranjo que envolva mais de uma linguagem pode ser pensado a partir dessa relação: seleção, combinação e sobreposição.
O uso dos eixos, seleção e organização, permitem descobrir a relação entre pensamento e mensagem, encontrando a
função do texto analisado. Ainda não realizamos a verificação das relações entre linguagens quando as mesmas são sobrepostas. É
possível que cada mensagem evidencie a predominância de uma função da linguagem e, ao serem sobrepostas possam, ser observadas
maiores informações sobre o resultado da composição.
Aqui abrimos parênteses para considerar o termo “funções da linguagem”. Quando estabelecemos uma relação entre x
e y estamos localizando um ponto no plano cartesiano, podemos chamar isso de mapeamento, ou função de x em y. Ocorre, que por
motivos óbvios, um x não pode gerar diferentes y a partir de uma mesma função. O que significaria dizer que uma coordenada (uma
relação entre x e y) geraria duas possibilidades de localização em um mapa. As pessoas que já tiveram a necessidade de localizar uma
rua em um guia, devem lembrar-se que a posição procurada é indicada por uma relação entre um ponto na horizontal e outro na vertical.
Quando obtemos dois pontos diferentes ao relacionar x e y não podemos considerar isso como uma função. Em matemática, a palavra
função designa uma relação ente x e y, ou ainda uma relação ente x, x’ e y. Quando relacionamos x a y e y’ temos uma relação.
As funções permitem visualizar a modificação sofrida por uma série de coisas tais como o coeficiente de dilatação de
um determinado material em função do seu aquecimento ou questões mais subjetivas como a variação das intenções de votos.
Logo, toda função é uma relação, mas nem toda as relação é uma função. Assim, as funções da linguagem podem ser
aplicadas em relações de termo a termo o que acontece com a linguagem verbal, mas não se aplica à linguagem visual, pois essa nem
sempre é uma relação de termo a termo, nela a organização de duas cores primárias, por exemplo, pode gerar uma imagem delas
mesmas ou ainda combinar-se para gerar uma terceira.
A busca dos principais elementos constituintes de design pode revelar princípios de organização e de relações entre as
linguagens, pois é a partir do entendimento da particularidade de cada um deles que elas podemos alcançar toda a sua plenitude e
complexidade.
O sentido do design, sua apropriação e subjetividade estão ligados às condições de escolha do usuário e,
principalmente, ao seu desenvolvimento cognitivo.
Observar e perceber tem o sentido de existir. O usuário seleciona do mundo a sua volta objetos e signos que validam e
garantem sustentabilidade e vínculo na sua construção de mundo e realidade. Nesse sentido, seqüências de objetos e signos vão se
unindo ao longo da existência do usuário, em uma ação do signo que faz do objeto seriado, do signo disposto no mundo enquanto
energia, informação e potencialidade, um conjunto que garante sentido à existência, ao mesmo tempo em que o conecta a cultura.
Existem no design propriedades informativas. Em outras palavras, design é uma forma de operar a partir das
informações contidas nos materiais e na comunidade.
Será que é possível comparar design ao modelo de comunicação proposto por Jakobson (1995, p.123)? O que Jakobson
classificou como funções da linguagem, aplicou aos textos verbais, pode ser verificado nas relações visuais? Veremos, ao final deste
capítulo, como isso pode ser apresentado.
Os signos do design funcionam como uma forma de conduzir a informação disponível na cultura, na existência
humana, nos dispositivos tecnológicos até o usuário. Uma espécie de jogos estéticos de reconstrução de sentidos ao mesmo tempo
únicos_ porque pertencem ao indivíduo e coletivos porque se somam à cultura.
Para elaborar qualquer peça gráfica em design, mesmo as mais simples, deparamo-nos com pelo menos duas
linguagens: a visual e a verbal. A visual opera com vários elementos que são constituídos com processos e conhecimentos diferentes.
Assim, a palavra passa a ser desenho, tipografia, volume, cor, espacialidade, cobertura do espaço entre outros.
De certa maneira, a complexidade desse pensamento reside em um papel de interface que o design tem, porque ele é
um arranjo que serve a comunicação e, como tal, constitui-se em linguagem elaborada de elementos básicos conhecidos como signos.
Estes, no sentido mais básico, representam uma idéia ou um objeto.
Entender design gráfico como um conjunto de linguagens abre a possibilidade de conexão de vários processos de
aprendizagem, métodos e técnicas para ensiná-lo como uma grande composição de textos e não apenas como talento ou a junção de
conhecimentos desconexos. Para fazer sound design, é necessário entender a linguagem da música e do espaço. Para fazer web design,
as linguagens de computador, a linguagem gráfica e a linguagem do som. Focando a atenção para a linguagem gráfica, veremos como a
verbal influencia a percepção da imagem, ou ainda como a imagem permite atribuir sentidos à informação visual.
Nos cartazes acima, observamos uma relação não esperada entre o texto e a imagem. A mesma imagem produz
entendimento diferenciado em função da sobreposição de linguagens.
Os dois anúncios fazem parte da campanha de divulgação do prêmio Art Directos da Escola Panamericana de Arte
(2002). A primeira peça apresenta um homem vestido com uma jaqueta “pink”. A foto é repetida duas vezes, a mensagem verbal
também repete-se e, por ser escrita em tamanho menor do que o convencional, imagina-se que se trata do mesmo texto, mas elementos
mínimos permitem atribuir duplo significado ao conjunto. Assim, a imagem acompanhada da frase “O cara tem tendências” faz a
fotografia comportar-se como a representação de uma vestimenta inovadora e conectada ao mundo da moda. Por outro lado, a mesma
foto, acompanhada da expressão ‘O cara tem tendências’, descreve, de forma pejorativa, o uso da jaqueta cor de rosa e outros detalhes
ficam evidentes a partir desta constatação, a posição das mãos por exemplo.
Nem todas as linguagens utilizadas no design foram mapeadas, ou nem todas possuem codifcação tão clara como a
linguagem verbal. Os currículos das escolas definem uma série de disciplinas que sugerem quantas e quais linguagens um designer
precisa aprender para fazer significar. A HFG, situada na cidade de Ulm na Alemanha, fundada em 1953, criou uma série de
procedimentos na área de design, influenciou várias gerações e suas marcas podem ser percebidas até hoje. Segundo WOLLNER (2003,
p.80), o currículo da HFG era composto pelas seguintes disciplinas: ciência das cores, teoria das cores, estereometria, história da cultura,
antropologia cultural, introdução à sociologia, geometria construtiva, trabalhos visuais e projetos, desenho técnico, oficinas práticas,
tipografia, gráfica, estrutura de exposição e embalagens, fotografia, introdução à Gestalt, integração cultural, sociologia e comunicação,
metodologia e teoria científica, semiótica, sociodinâmica da cultura, cibernética, sinergética etc. O Brasil herdou algumas das disciplinas
implantadas pela Bauhaus e depois pela Ulm, acrescentando legislação, marketing e Língua Portuguesa. Por outro lado, as disciplinas
são ministradas, ainda hoje, isoladamente e espera-se que a convergência entre as diversas linguagens aconteça durante a concepção dos
projetos. Logo, buscar as formas como as linguagens do design podem ser sobrepostas auxiliará no ensino de projetos e nas relações
entre o design e outros fazeres.
Na linguagem verbal, inicialmente, um texto pode decompor-se em palavras e estas em letras. Essa decomposição
constitui-se na regra de escrita e, além disso, em um dos métodos de alfabetização utilizados em nossas escolas. Quando observamos o
comportamento ou a constituição de imagens, decompô-las em formas, cores e volumes parece ser uma forma para aprender a executá-
las. Tal modo está presente nos trabalhos de Cézane, Mondrian, Malevich, Monet, Kandisky e Paul Klee.
No movimento construtivista, observa-se uma busca pela forma lógica de organizar a linguagem visual e uma da
maneiras eleitas por eles para produzir mensagens visuais foi a utilização da geometria. Por isso, ela define-se como uma das formas de
codificar mensagens e está muito presente no design como herança dessa corrente estética. A maneira como os elementos visuais são
trabalhados por meio da geometria descritiva revela-a como uma metalinguagem7 capaz de descrever a espacialidade, a forma e cada
uma das faces de objetos e signos do design. Baseando-nos nas representações geométricas, podemos ler os pensamentos sobre espaço,
física, matemática e até a própria lingüística. O uso de elementos simples, formas geométricas garantiram a universalidade do design
moderno.
4.2.1 Compondo mensagens por meio do desenho
Para elaborar uma mensagem por meio do visual, pode-se utilizar de vários componentes distintos que apresentam
constituição diferenciada e organizam-se da seguinte maneira:
• forma: gestual ou geométrica;
• cor: representada pelos sistemas CMYK, o RGB, o HLS, o Hexadecimal dentre outros;

7
As metalinguagens constituem a condição indispensável do funcionamento semiótico dos sistemas que nos interessam. Só com sua ajuda os sistemas tomam
consciência de si e se percebem como totalidade (LÓTMAN, 1998, v.2, p.22).
• fotografia: nasce como resultado da interação da luz com uma superfície fotossensível.
4.2.1.1 Forma
Em matemática, descreve-se uma linha como um ponto que se deslocou no espaço, um plano como um deslocamento
de linha e um volume como deslocamento de um plano. Nessas descrições, omite-se a noção de projeção, pois quando um ponto
desloca-se no espaço, o que fica dele é um rastro e seu ponto de chegada torna-se uma projeção.

A geometria permite codificar forma, linhas e planos. Um círculo pode ser descrito como 2 Π R², em que Π equivale
ao número 3.14 e R à medida do raio (distância entre o centro e o contorno da circunferência). Pode-se descrever a circunferência como
um ponto que deslizou em torno de um outro ponto central, mas isso não a reconstitui, a codifica e não a recodifica da mesma maneira.
Por meio da Geometria, pode-se decompor toda e qualquer forma. Ocorre que, em alguns casos, recorrer ao tipo de codificação dessa
linguagem torna-se complexo demais. O exemplo abaixo mostra uma composição geométrica na qual pode ser percebido o aumento
gradativo de complexidade. À medida em que isso acontece o caráter descritivo dos códigos perde espaço para um fazer mais gestual,
recuperando a tradição do traço e abandonando a estruturalidade. Esse movimento, do geométrico ao gestual, acaba por funcionar como
uma marca de cada designer.
4.2.1.2 Cor
Se a Geometria, consegue funcionar como uma possível codificação para a forma, a cor decompõe-se física, química e
fisiologicamente. Fisicamente de acordo com a iluminação, quimicamente para a composição de tintas e fisiologicamente como
resultado do processamento de percepção da luz pelos olhos. As cores básicas diferenciam-se para cada uma das composições citadas
conforme se observa no gráfico abaixo:

Primárias fundamentais

Primárias de luz

Primárias de impressão

As primárias de impressão e de luz também são conhecidas pelas siglas de suas iniciais em inglês CMYK e RGB. Para
cada um dos sistemas existe um processo de codificação.
As primárias fundamentais são as cores básicas que emocionam células perceptivas dos olhos denominadas cones. Por
processarem informação, os cones também são considerados neurônios especializados em diferenciar as ondas de luz de acordo com seu
alcance e freqüência. Para traduzir a sensação de cor em processos de impressão, existe o sistema CMYK (cian, yellow, magenta e
black), também conhecido como subtração cromática. Nele, um certo pigmento opera como filtro, anulando o efeito de outras ondas de
cor, refletindo apenas o seu tom. Na direção oposta, tem-se a adição cromática que acontece a partir da emissão de luz. Nesse sistema, as
cores primárias são o verde, o vermelho e o azul, também representados pela sigla RGB (Red, Green e Blue). No sistema CMYK, o mais
utilizado pelo design gráfico, o processo de codificação de uma cor, se dá pela porcentagem de cada um dos pigmentos. Assim, C60
M80 Y0 e K0 é entendido por todos os componentes da comunidade gráfica, ou por todos que trabalham com processo de impressão
como um determinado tom de roxo. Por outro lado, C0 M100 Y100 e K0 serão decodificados como cor de laranja. Quando as pranchas
gráficas eram elaboradas a mão e o processo de produção iam desde o rough até a arte final e os profissionais escreviam em uma folha
de rosto, um papel vegetal a codificação das cores que queriam em cada parte do desenho.

Os três conjuntos de possibilidades descritos acima não representam todos os sistemas de codificação das cores. Existe
ainda, o sistema Pantone, em que as cores são representadas por uma espécie de nome próprio e, para utilizá-lo, é necessário conhecer o
significado de cada termo. Não constitui, portanto, uma espécie de linguagem e muito menos pode ser descrito por meio de uma
codificação. Outro mais complexo é o sistema Munsell, representado por dois cones sobrepostos com emissão de luz na parte superior e
ausência na parte inferior. Em seu centro, as primárias de impressão e de luz formam uma espécie de círculo e do encontro delas surgem
várias combinações. Ao avançar-se para o centro do círculo, tem-se a ausência da saturação e, à medida que se movimenta em direção à
cor, tem-se a saturação ou a supremacia de um tom sobre o outro. Embora seja muito complexo para ser utilizado no cotidiano, esse
sistema permite verificar combinações de tons que se dão por matiz, saturação, brilho, etc. Está muito presente em software de
tratamento de imagens e geradores de combinação de cores para decoração.
Ao sobrepor forma e cor, os processos de elaboração são distintos e têm um ordenamento. Na elaboração do desenho
da laranja, por exemplo, não é possível aplicar cor antes de ter o desenho pronto.
A maneira como descrevemos até aqui mostra a codificação do desenho. Tal codificação pode ser feita utilizando-se de
várias linguagens individualmente ou somadas. Assim a linguagem geométrica só pode representar a laranja muito bem, mas podemos
acrescentar a essa a linguagem das cores e das texturas. As cores têm significação isolada, ou podem compor com o objeto uma
mensagem maior, definindo um aspecto qualitativo.

4.2.1.3 Outras linguagens do designer


Além do desenho, constituem-se forma de comunicação do design a fotografia, a tipografia, a computação gráfica,
entre outros. Todos esses componentes podem gerar sozinhos uma mensagem ou podem organizar-se em um processo de composição e
sobreposição de linguagens.

4.2.1.3.1 Fotografia
O termo fotografia significa desenho com luz e embora tenha etimologia parecida com o processo que acabamos de
descrever, manifesta-se de forma diferente, por processos mecânicos ou digitais.
A fotografia é uma linguagem utilizada na elaboração de diversos designs gráficos. Apesar de a tecnologia para
fotografar ter mudado muito nos últimos anos, chegando ao ponto da existência de fotografia sem papel ou mesmo filme fotográfico, ela
continua existindo na sua essência, ou seja, uma imagem feita com luz. Logo, o grande elemento de composição da fotografia é a
diferença entre claro e escuro, áreas de sombra e de luz que definem o volume e, portanto, permitem representar o objeto fotografado.
Quando as imagens eram feitas com câmeras mecânicas e filmes fotográficos, os pontos de nitrato de prata, cujo resultado pós-revelação
permitiam a visualização da imagem, fixavam-se sobre o papel fotográfico de forma aleatória. Para imprimir uma imagem fotográfica
era necessário pelo menos mais um processo de codificação, se ela tivesse como objetivo ser impressa era preciso passá-la de tom
contínuo (estado original da foto onde não se pode reconhecer uma organização de pontos) para meio tom ou retículas possíveis de
serem quantificadas, organizadas e repensadas, uma espécie de código para a impressão em diversos sistemas. À medida em que novas
tecnologias foram surgindo, a luz, elemento essencial da fotografia, passou a ser representada por códigos binários em máquinas
fotográficas digitais.
Abertura, velocidade, profundidade de campo, contraste, são alguns dos princípios que permitem elaborar uma
fotografia e todos eles são observados na organização final da imagem, que é possível de ser verificada graças à ação da luz. As
máquinas fotográficas digitais também fazem o caminho inverso, já que, por meio de uma dada fotografia, é possível verificar o número
de abertura, a velocidade do obturador e a distância focal, dados que revelam os ajustes da máquina no momento de concepção da
imagem.

A man h ecer, 1996


Fáti ma Ap . dos San tos
A ampliação do fragmento da fotografia acima permite verificar como o processo de digitalização da imagem
transforma informações como luz e sombra em um conjunto de pontos possíveis de serem organizados em um sistema de coordenadas.
A fotografia, em muitos casos, é utilizada com o objetivo de garantir ao receptor que a imagem apresentada possui uma
relação de semelhança muito grande com o objeto de origem. No design, atualmente, ela tem funcionado como base para elaboração de
desenhos. Alguns profissionais fotografam objetos, digitalizam a imagem e transformam-na em uma espécie de representação às
avessas, processo que permite suavizar as relações de semelhança e, por outro lado, é também a transcodificação de uma linguagem em
outra, como a metalinguagem definida por Jakobson, a tradução de um código em outro com a função de glosa (1995, p.127), fotografia
transformada em desenho.
4.2.1.4 Tipografia
No extremo oposto às imagens, cores e luz está a tipografia, podemos considerá-la como um sistema à parte, pois a
compreensão dessa linguagem utilizada pelos designers necessita entender um pouco do processo histórico, da capacidade de
representação das letras e do desenvolvimento das tecnologias.
A tipografia compreende um complexo sistema que situa-se entre a fronteira da significação das palavras e o próprio
desenho. Tipografia significa o estudo das fontes ou estudo de tipos. Tipo é o nome dado a cada uma das peças ou das letras de uma
tipografia. Inventadas no século XV por Johanes Gutenberg, as prensas de tipos móveis revolucionaram a arte da escrita passando-a de
um fazer manual a um fazer mecânico e, atualmente, digital. Assim, mesmo que a história oficial do design remeta a revolução
industrial, um dos principais componentes das identidades visuais e design gráfico foi inventado bem antes e motivou pesquisas e
criações desde de então. A estética da letra vem acompanhando as mudanças artísticas e de gosto dos últimos cinco séculos, passando
das letras góticas com arestas desenhadas até chegar nas letras fragmentadas disponíveis para instalação no computador. Atualmente,
por motivos didáticos, dividem-se as tipografias em cinco agrupamentos cujo desenho das hastes é o princípio organizador.

Outra forma de classificação está ligada à característica de serifa a presença ou a ausência delas. Fontes sem serifa
começaram a emergir a partir dos movimentos modernista, a economia de traço foi aclamada principalmente após os trabalhos da
Bauhaus. Atualmente percebe-se a convivência entre diversos desenhos de letras, distinguindo-se o uso e as funções. As fontes com
serifa, por exemplo, auxiliam no processo de leitura de textos, permitem maior rapidez e proporcionam a associação. Já as fontes sem
serifa permitem visualizar palavras isoladas com mais facilidade, sendo indicadas para tópicos e títulos.
No design, as letras são observadas como desenho e têm um papel diferente do que tem para um escritor. Um escritor
não pensa em qual tipografia representa a história que está escrevendo da melhor forma. Dessa maneira, é como se o escritor criasse as
histórias e o designer as ajudasse a ser cantaroladas, murmuradas ou gritadas. Isso porque o design, sobrepõe linguagens, intervindo nos
códigos gráficos e visuais. Como resultado desse fazer, temos um processo de transcodificação. Assim: forma, cor, luz, tipografia, todos
são transcodificados para criar o design como linguagem.

Existem muitas formas de representar o mundo em que vivemos e o design apropria-se de muitas dessas linguagens.
Nesta tese foram relacionadas, até o momento apenas quatro, porém esse número já permite explicar como uma logomarca é composta
da sobreposição de linguagens. De fato, muitos elementos conversam durante a composição e a criação de uma identidade visual. Tudo
começa com o entendimento das características do cliente, sua necessidade, sua história e os possíveis reconhecimentos que ele já possui
diante de uma comunidade. Esse processo é conhecido como diagnóstico ou briefing. O passo seguinte é pensar nos elementos cor,
tipografia e forma. Nenhum deles é arbitrário: busca-se entender as relações entre a forma do logotipo e as informações sobre a
instituição a ser representada, que tipografia poderia identificá-la da melhor forma. Cada elemento que compõe uma marca pode ser
analisado com fundamentos históricos, antropológicos, fisiológicos e psicológicos. Nesse fazer é possível compor com as linguagens
trabalhando-as como a soma de forma, tipografia e cor. A combinação das fundamentações com a organização dos elementos e o
próprio desenho resultarão na marca. Observa-se que todos esses fatores tornam a logomarca em um signo que mantém alguma relação
de semelhança com o objeto representado. Um signo concebido por uma ação projectual cria ligações lógicas e mantém uma identidade.
Essas ligações lógicas podem ser relacionadas ao processo de concepção do design e à maneira como a informação é processada por ele.
4.3 Dimensão cultural dos códigos do design: um exemplo.
Ao analisar a marca criada para o Banco Itaú e, posteriormente, as relações traçadas entre ela e as comunicações
visuais do banco, mais especificamente os outdoors podemos constatar a constituição do design por meio das linguagens. Junto ao
design observa-se a ação da publicidade, pois, de certa forma, ela atualiza a marca e faz com que se transforme em um signo traçado
para manter relações de semelhança em algo arbitrário e instituído.
A identidade visual do Banco Itaú sofreu algumas alterações desde a sua criação em 1966:

Berg miller e Wo lln er, 1966

Em 1966, o então Banco Federal Itaú Sul Americano teve sua primeira logomarca desenhada pela dupla Karl Heinz
Bergmiller e Alexandre Wollner, ambos designers formados pela HFG. A preocupação inicial da escola era promover a produção de
conhecimento que pudesse tornar a vida humana melhor, estimulando a vida a refletir a arte, essa preocupação também faz parte dos
conceitos construtivistas.
As tendências construtivistas surgiram como respostas possíveis no plano da produção e, por extensão, no plano da ação cultural, a essa
ruptura ocorrida em dois eixos: no meio da própria inteligência do trabalho de arte e no modo de sua inserção e circulação social. Daí o
seu desenvolvimento obedecer linearmente a essa dupla preocupação; a questão sempre foi, para as ideologias construtivistas, construir
uma arte que pudesse servir de modelo à própria construção social. (BRITO, 1999 p. 15)

No construtivismo percebe-se que a racionalidade, a economia de materiais, a disponibilidade de tecnologia bem como
uma necessidade de utilizar o potencial de informação influenciam as produções e as formas. Assim, verificamos na logomarca
apresentada as características elencadas no capitulo 2 e novamente aqui, que definem o construtivismo. Os dois autores são herdeiros
desse movimento.
Em fins dos anos sessenta, o designer Aloísio Magalhães8 inseriu uma espécie de bandeira de aço inox que funcionava
como base para a logomarca ser fixada nas fachadas dos edifícios do banco.

Francesc Petit 1 970

Em 1970, Francesc Petit, publicitário catalão naturalizado brasileiro, sócio da agência DPZ, transformou a marca
inicial do Banco Federal Sul Americano Brasileiro em um logotipo9. A mudança da razão social motivou a alteração da forma, mas
também fez refletir o significado da palavra Itaú que, em Tupi Guarani significa “pedra preta”. Além da fixação sobre a pedra, o
banco passou a ser representado pelo seu próprio nome grafado em tipografia bastonada muito parecida com a fonte Arial, com

8
Aloísio Magalhães nasceu em 1927 em Recife. Era formado em Direito, mas teve fundamental importância no desenvolvimento do design brasileiro. Apesar da
intervenção proposta por ele na logomarca do banco não refletir isso, Magalhães buscou as características do design brasileiro que pudessem atribuir a esse fazer
uma relação mais verdadeira com o país, propondo filtros para pensar o modelo da HGF.
9
Logotipo- Palavra elaborada e composta com caracteres tipográficos originais, recebendo em um dos sinais um desenho característico para reforço de
identificação visual, em sua construção (WOLLNER, 2003 P. 315).
economia de traços, limpa e reta. As letras bastonadas ganharam força na segunda metade do século XX e foram utilizadas em larga
escala em créditos de filmes, livros técnicos e publicidades externas.

Em 1980 atendendo a um pedido de revitalização da marca o designer Alexandre Wollner propõe uma expansão do
logotipo acrescentando uma tarja laranja atrás do retângulo preto com cantos arredondados. O contraste entre laranja e preto assegura
visibilidade da marca e permite construir fachadas, ambientes internos e papelarias que serão reconhecidas com facilidade. A
operação resultou em uma forma de codificar a marca, com elementos geométricos e cores.
Identidade Visu al p ara o Banco Itaú, 1980
Alex andre Wolln er
Organizada como linguagem, a marca Itaú pode ser recodificada com facilidade, aplicada em vários tipos de superfície
e com variedade de tamanho e, mesmo assim, mantém a sua funcionalidade.
A importância de criar uma marca não se faz por motivos estéticos, pela composição com cores e fundos, ou pela
escolha dos tipos, mas sim na compreensão de que todos esses elementos irão formar um signo novo, ou uma forma de se apresentar que
nenhuma outra empresa tem e que, mesmo sendo exclusiva, será reconhecida. A relação entre marca, tipografia e cores acaba
constituindo uma forma de codificar a empresa Itaú, divulgando esses códigos, tem-se uma maneira de representação acolhida pela
sociedade e isso passa a ser parte dos códigos culturais.
Para ser reconhecido, um signo precisa ter regularidade, apresentar-se sempre da mesma forma, com as mesmas cores,
com o mesmo traço. Não é permitido a esse desenho lembrar: é necessário ser. Assim, um logotipo é uma mensagem que necessita levar
sempre a mesma informação aonde quer que vá. Mesmo não estando em frente a empresa que representa ela deve transmitir a mesma
mensagem. Por vezes a grandiosidade de uma marca é tamanha que ela supera os limites físicos e a relação institucional e torna-se o
maior patrimônio de quem a detem.

Revitalização d a Identid ad e Visu al do Ban co Itaú , 2003


DPZ
Em 2003, a agência DPZ trocou a cor preta do retângulo por azul, alteração que parece ter sido motivada em função de
novidades como Internet Bank, aproximação com as novas tecnologias, entre outras coisas. O fato é que, com essa marca, pode-se
observar como a palavra Itaú deixa de representar “pedra preta” e passa a ser Itaú, o banco. A marca passa a ser arbitrária, representando
uma instituição e abandonando a relação filológica entre palavra e desenho. Outro fator novo foi a escolha da cor azul para preencher o
quadrado. Azul e Laranja são cores complementares as quais, juntas, correspondem à soma de todas as cores primárias fundamentais:
organizadas em azul e laranja, causa uma vibração que faz com que o olho humano pule de uma para outra, causando uma forte atração,
mas ao mesmo tempo deixando nossos olhos com fadiga.

4.4 A organização da linguagem no eixo da sobreposição.


Pode-se ler a organização da logomarca como por meio de pelo menos três eixos repertoriais e seus significados: cor,
forma e tipografia. Recuperando a proposta de sobreposição de camadas, tem-se: o eixo z. Assim, ao decompor a logomarca atual do
banco, teremos:
Quando se elabora uma sintaxe, ou um texto, a organização da linguagem opera com seleção e combinação. Porém no
design, trabalha-se com seleção, combinação e organização, estabelecendo-se um modelo que dialoga com a complexidade da
sobreposição de linguagens e, a partir disso, é possível ler uma malha estrutural com mobilidade em x, y e z e vínculo nos mesmos
níveis. Com isso, o texto revela-se um autêntico sistema cultural produzido pelas linguagens da cultura, explicitanto a hipótese do
semioticista Iuri Lótman sobre o poliglotismo da cultura.

Assim, desde o ponto de vista da primeira função, é natural representar o texto com uma manifestação de uma só linguagem. Neste
caso, o texto é homoestrutural e homogêneo. Desde o ponto de vista da segunda função, o texto é heterogêneo e heteroestrutural, é uma
manifestação de várias linguagens de uma vez. As complexas correlações dialógicas e lúdicas entre as variadas subestruturas do texto
que constituem o poliglotismo interno deste são mecanismos de formação de sentido. (LÓTMAN, 2000, p.88-89)

Ao elaborar uma marca, um dos elementos mais simples trabalhados em design, utilizam-se várias linguagens que
funcionam porque existem sobreposições de maneira metalingüística (JAKOBSON, 1995, p.127), traduzindo cada elemento da
composição em outro, revelando, nesse processo, mais informações a respeito do objeto representado. Por outro lado, o conjunto de
todas essas linguagens forma uma única organização que traduz o mundo do objeto representado, ou o produto, ou o serviço para o
mundo do consumidor. Se, na sua origem, design foi pensado como uma forma de linguagem que permitia ao homem comunicar-se com
a máquina, ou uma forma de tradução de pensamento em linguagem humana e desse para a máquina, observa-se que, quando associado
à comunicação social, o design opera como um filtro entre duas fronteiras: a dos elementos que existem em determinado produto e
serviço e a da população, fazendo o papel de linguagem única entre esses dois, embora cada um deles funcione como uma soma de
mensagens. Ele é uma linguagem que se decompõe em linguagem técnica, natural e artística. Basicamente, são essas as funções da
linguagem na cultura. O ponto mais importante ao se pensar design é entendê-lo como um sistema complexo que permite organizar as
diversas linguagens presentes na cultura. Ao ler o design à luz desses conceitos, observa-se que é do trânsito, ou da tradução de
linguagem natural em artística e técnica que se compõem as linguagens do design. Como tradutor constante, o design operam com vasta
sobreposição de camadas, pois a mesma mensagem tem que ser organizada para o usuário e para a máquina, emprestando elementos
artísticos, históricos, antropológicos e do cotidiano.

Podemos representar um eixo semiótico onde em um dos seus extremos se dispõe a linguagem natural e, no outro extremo, os sistema
poliestruturais do tipo de linguagem póetica (e da arte em geral). Os textos reais navegam por esse eixo na dependência de seu domínio
estrutural. Por fim, a percepção dos leitores pode escolher um extremo dominante desprezando o texto da outra parte. (LÓTMAN,
1996, v.1, p. 89)

Acompanhando o pensamento de Lótman, é possível entender que o eixo semiótico pode ser representado da seguinte
forma:
Arte____________Língua Natural_________Linguagem máquina ( LÓTMAN, 1996, v.1, P. 88)

Além disso, ele se classifica em:


1- texto monoestrutural - texto homoestrutural e homogêneo;
2- texto heteroestrutual - heterogêno e composto de várias linguagens;
3- memória cultural - poliglotismo que garantem o mecanismo de geração de sentido. (LÓTMAN, 1996, v.1,
P. 88)
Assim, teremos o design como memória cultural, descrito pela língua natural ou decomposto em linguagens máquinas,
tornando possível a reprodução.
Como memória cultural, o design liga-se aos aspectos estéticos determinados por movimentos sociais, filosóficos,
antropológicos, entre outros. Podemos elencar dois metatextos culturais (LÓTMAN, 1996, v.1, p.30) que eventualmente funcionam
como guias para a composição do design, o construtivismo e o descontrutivismo, por exemplo, manifestam-se como visualidade e
modelam as apresentações de peças e sobreposição de linguagens. Enquanto no construtivismo tem uma construção regrada, uma
diagramação limpa e cores definidas, o desconstrutivismo apresenta a sobreposição de linhas, a desorganização espacial e a dissolução
de significados como índices.
Como monoestrutural, observa-se a função de descrição do design que alguns textos verbais tem, constituindo as
bibliografias, manuais descritivos das criações e revistas sobre o assunto. Ou, ainda, a necessidade de aplicação das tecnologias de
reprodução, pois o design precisa ser decodificado para ser interpretado pela máquina que o recodifica novamente. Toda vez que o
processo de reprodução ou que a passagem por meios diferentes são exigidos, a capacidade de destituição em linguagem máquina e,
posteriormente, novamente a solicitação da reconstituição em visualidade em um projeto, é necessário saber os mecanismos de
decodificação tecnológicos para que o design possa existir.
O heteroestrutural seria o design propriamente dito, pois faz-se existir por meio da combinação de várias estruturas de
linguagens diferenciadas.
Aplicando o eixo de seleção e de combinação propostos por Jakobson às funções da linguagem na cultura de Lótman
teremos:
Em x e y organizamos uma linguagem de forma estrutural e homogênea.
Em x, y e z organizamos um texto heteroestrutural composto de várias linguagens.

O movimento desse complexo de feixes no sentido horizontal representa as possibilidades de semioses e vínculos
utilizando os mesmos tipos de combinações.
O movimento desse feixe de composição no sentido vertical representa acréscimo de repertório às organizações de
mensagens.
O movimento dos feixes no sentido ortogonal representa o processo de sobreposição e conseqüentemente de
transcodificação e/ou mudança de meio de comunicação.

Assim, podemos pensar o movimento do conjunto de linguagens que formam o design como a soma das sintaxes que
gera a visualidade da semiosfera, evidenciando tempo por meio dos vínculos e semiose, cultura, meios de comunicação.
A sobreposição de vínculos constitui uma malha complexa em função da variação de forma que a mensagem pode ter,
sobrepondo-se e formando uma espécie de diagrama complexo.
Se entendermos que o design opera como um princípio organizador da semiosfera, já que estamos imersos em uma
infinidade de linguagens decodificadas e separadas por motivos didáticos, então é possível pensar a visualidade acima na qual temos a
sobreposição de vínculos característicos de ambientes culturais polifônicos como a própria web e sua conexão com TV e rádio, ou ainda
a dinâmica de um ambiente onde organizações de linguagens se conectam simultaneamente, como o movimento das grandes cidades.
Nelas, trânsito, automóveis, imóveis, veículos de comunicação e tecnologia, vestuário e toda infinidade de códigos se organizam, se
vinculam, formando o ambiente que nos envolve.
Já as visualidades geradas por meio dessas sobreposições podem ser representadas por meio da composição abaixo, na
qual sugerimos a diferença de impacto entre as diversas formas de organização das linguagens no espaço.
No modelo abaixo, consideramos os múltiplos repertórios, as formas de organização e as múltiplas formas de
veiculação. A cultura é a soma de tudo isso: as linguagens emaranham-se envolvendo-nos, enredando-nos, dominando todos os nossos
sentidos.
Em síntese, pode-se entender que a sobreposição e dinâmica das linguagens na semiosfera como a idéia de diversidade
estrutural de Lótman (2000, v. 3, p.107), resulta na qualificação do espaço para o ser humano. Nesse processo, existe o uso
individualizado dessas composições garantindo as diferentes formas de interpretação do espaço, que, por sua vez, são a forma como
percebemos o entorno. Logo, consideramos que as linguagens operam como uma projeção da relação que os seres têm com o ambiente.
Uexküll define a relação entre percepção e entendimento como um índice do tempo subjetivo. Baseando-nos na semiótica da cultura,
entendemos que toda essa dinâmica, essas representações, essas relações constituem-se como o caldo cultural onde estamos imersos,
pois nesse movimento conseguimos captar os processos de significação, as relações entre repertório e linguagem, as relações entre
linguagem, às relações entre formas de veiculação e, portanto, consegue-se, assim, uma dinâmica que opera nos eixos x, y e z.

4.5 Sintaxes, funções e relações culturais do design


Ao sobrepormos seleção e organização ou os processos de composição de mensagens, algumas evidências podem ser
verificadas no resultado final. Nosso objetivo é observar se as funções da linguagem verbal, propostas por Jakobson (1995, p. 129),
permanecem quando sobrepomos a elas as relações da linguagem visual. Essa sobreposição é característica do design gráfico e pode ser
observada mesmo em organizações simples como a de um outdoor, aparentemente, composto somente de textos.
Conforme já dissemos no início desta pesquisa, nosso corpus de análise é constituído basicamente por peças da
campanha “Feito para você”, desenvolvida pela agência África para o Banco Itaú. Em uma agência, a função de compor peças
relacionando visualidade é do diretor de criação e a escolha dos pontos de veiculação é do profissional de mídia. Logo, assinam as
criações abaixo os profissionais Nizan Guanaes, como diretor de criação, e Sérgio Gordilho, como mídia.
A campanha “Feito para você” foi composta de anúncio para rádio, televisão, revista e uma série de outdoors que
causaram impacto, inicialmente veiculados na cidade de São Paulo, e, posteriormente, em todo o Brasil.
A peça desenvolvida pela televisão fazia referência à colagem de outdoors. Homens dependurados em cordas fixavam
cada uma das folhas de um outdoor enquanto cantarolavam o jingle da campanha, , por sua vez, foi veiculado com a mesma letra no
rádio. A letra do Jingle chamava atenção de uma infinidade de tipos: modernos, apressados, avançados, enfim pessoas que, segundo a
letra, precisavam de um banco. Ela, dizia ainda que, no Banco Itaú, tudo é rápido e fácil de fazer e concluía com o apelo para abrir a
conta no banco, pois ele havia sido feito de maneira personalizada.
O banco alcançou, durante o ano de dois mil e dois, o posto de segundo maior banco do Brasil. A campanha evidencia
uma concorrência com o banco Bradesco, que tem por característica um atendimento mais popular. Por outro lado, o cliente do Banco
Itaú é selecionado a partir do momento em que toda a campanha em mídia externa é feita com ênfase na linguagem verbal: de fato não é
possível entender a mensagem sem saber decodificar a palavra escrita. Além disso, a escolha do meio digital como uma das qualidades
do banco aguça ainda mais a seleção. Junto à campanha veiculada nas grandes mídias, existiu uma ação de marketing conjunta entre o
Banco Itaú e os principais provedores da Internet, como a American Online e o Universo Online. A ação consistia de assinatura gratuita
nesses provedores e, em contra partida, a home page deles exibia um marcador de hora com o logotipo do banco, que também
funcionava como link. Assim, a campanha teve por finalidade popularizar o banco, mas essa ação pedia um usuário com qualificação
capaz de acessar o banco por Internet. A alfabetização do cliente e a sua seleção ficam evidenciadas nas mídias externas, pois elas
apresentam uma complexidade que só pode ser verificada por um observador atento. Conforme já analisamos no capítulo três, algumas
peças da campanha possuem mensagens muito sutis como o movimento do trânsito ou a disponibilidade espacial da cidade. O que
verificaremos é como essas sutilezas aparecem no processo de sobreposição de linguagens.
Inicialmente, a campanha visava ao aumento de contas para pessoas físicas e posteriormente, foi ampliada para as
empresas. Apesar de terem sido fixadas aproximadamente quinze tipos de outdoors, escolhemos as quatro peças abaixo, pois elas
resumem bem a dinâmica da campanha.
4.5.1 Apressados

Apressados, 2003
Agência África

O outdoor apressadc sobrepõe duas organizações de linguagem. Analisaremos, primeiro, a peça como resultado dos
processos de produção, depois sua constituição visual e em seguida a verbal.
Confecção
Muito mais do que um grande cartaz exposto a céu aberto, um outdoor é a junção de processos técnicos de reprodução
que passaremos a descrever. Para ser reproduzido um outdoor é lido em função da sua técnica de impressão, das técnicas de colagem e
da estrutura da placa de fixação que, teoricamente, não permite mudanças drásticas. Além desses elementos, a própria diagramação do
outdoor segue um padrão técnico já que seus elementos visuais acabam coincidindo com a técnica de colagem e divisão do cartaz.
Percebe-se que por trás do conjunto visualizado no outdoor existem elementos invisíveis que funcionam como linguagem de elaboração.

As trinta e duas folhas do outdoor funcionam como uma guia onde podem ser posicionadas as letras e imagens.
Percebemos que, de acordo com a disposição das letras na peça, é possível economizar quinze folhas com a impressão de uma única cor;
além disso, percebe-se o menor uso de folhas possíveis para os elementos. A logomarca do Itaú é impressa centralizada em uma das
folhas o que a impede de sair em uma emenda, prejudicar a sua visibilidade e imprimir com maior lealdade as cores do banco.
Normalmente, tem se um cuidado especial com a reprodução de cores de logotipos para que elas mantenham as mesmas características
que a original, como tentamos demonstrar no exemplo abaixo:
Quando observamos a posição dos elementos na peça, percebe-se que o logotipo opera como um sinalizador, já que é o
último ponto observado no cartaz e tem cores que complementam o ponto inicial, o A maiúsculo, e funciona como uma conclusão de
sentido.

Ao notar as formas e cores características da organização visual do outdoor evidenciamos que as cores laranja e azul
correspondem a uma identidade secundária do banco formada a partir da identificação primeira que é a logomarca. Essa combinação de
cores, tipografias que fazem parte da identidade visual do banco, permitem identificar o emissor da mensagem como o Banco Itaú.
Quando nos propomos a analisar a mensagem verbal, podemos dividi-la em duas em função da diferença de tamanho
das letras e, conseqüentemente, da distância que cada uma delas pode ser vista. A palavra Apressadc, cuja altura da letra é de setenta e
cinco milímetros, pode ser percebida a uma distância de duas vezes e meia maior que a frase “Feito para você”. Logo, podemos concluir
que a leitura dos textos dá-se em diferentes momentos. Inferimos que a palavra Apressadc, inicialmente, evidencia duas funções da
linguagem: a referencial, para quem percebe que a mensagem fala do banco, e a conativa para aqueles que se enquadram na definição de
apressado. A frase completa “Apressados, o Itaú foi feito para vocês” evidencia a função conativa.
Segundo Samira Chalhub (1988, p. 7), as peças publicitárias são marcadas pela linguagem da persuasão e sedução
características da função conativa. Essa função tem por objetivo envolver o receptor ou o sujeito exposto a ela.
Quando sobrepomos as mensagens organizadas verbal e visualmente temos uma relação emotiva com o banco,
evidenciada pelo uso das cores e elementos gráficos, e, uma função predominantemente conativa presente no texto. Porém, falta-nos
ainda um elemento para compreender essa sobreposição. Ocorre que, conforme já descrevemos no capítulo três, esse outdoor foi
elaborado para pontos específicos da cidade, nos quais a velocidade dos carros é tamanha que não se consegue perceber a palavra por
inteiro. Para tanto, a peça evidencia uma velocidade que só pode ser conhecida por quem, de fato, já viveu a experiência de transitar por
aquela via. Assim, o designer, para expressar tal organização de linguagens, tem que ter passado por ela. Essa experiência não pode ser
atribuída ao banco por motivos óbvios. Concluindo, a sobreposição de linguagens evidencia um outro emissor que não o banco e destaca
o designer ocupando esse papel. Além disso, constata-se que a velocidade do trânsito é apresentada também nessa organização,
constituindo-se em uma referência do ambiente. Na peça, portando, informamo-nos sobre a velocidade da via.
Tal emaranhado de emissões, possíveis referentes, e o designer operando como o papel triplo de organizar, receber e
emitir mensagens, escapa a um modelo de comunicação isolado e tende para a dinâmica e heterogeneidade dos processos de
comunicação.
4.5.2 Pontuais e Atrasados

Pontuais e Atrasados, 2003


Agência África

As peças Atrasados e Pontuais da campanha “Feito para você” foram fixadas em relógios digitais da cidade de São
Paulo. Mobiliários urbanos, elas comportam-se de forma diferente aos outdoors por apresentar um uso definido. De fato, informam,
criam com o usuário da cidade uma relação de utilidade já que, a todo instante, podem ser consultados. O diferencial dessas peças é o
fato de o texto associar-se à informação dos relógios. Na verdade, as palavras Atrasados e Pontuais bem poderiam carregar um ponto de
interrogação, pois as horas digitalizadas que aparecem abaixo responderiam a questão.
Diferente dos outdoors, os relógios não têm um tamanho padrão, motivo que nos impede de por meio de cálculos e
relações, estabelecer o tamanho das letras e definir sua distância de leitura.
O processo de impressão de um anúncio para ser fixado nessa peça é bem diferente do de um outdoor, pois são
impressos por inteiro de uma única vez. Para obtê-los não é necessário fazer a divisão em folhas que apresentamos na análise anterior.
Apenas é enviado um arquivo digital para a impressão que reproduzirá qualquer quantidade de cores e combinações com o mesmo
arquivo. Essa informação tem relevância à medida em que, ao contrário do outdoor, qualquer impressão que se faça terá o mesmo valor.
Por isso, caso os organizadores da peça desejassem, poderiam ter colocado imagens fotográficas e outros elementos. Mesmo assim,
podemos verificar que os anúncios mantêm o padrão da campanha, construindo com os outros anúncios uma espécie de rede.
Aproveitamos para informar que a peça de televisão exibia as mesmas cores e uma ampliação do texto, e a peça de rádio exibia o jingle
da campanha. A noção de ambiente, nesse caso, supera a disposta no espaço para alcançar conexões feitas pelo próprio usuário. Ele
pode associar todos esses elementos para compor a informação final da campanha.
As peças Atrasados e Pontuais, repetem as funções e relações da linguagem descritas na peça apressados e incorporam
a função metalingüística ao texto por apresentar as horas de forma digital, com as mudanças de informação que ela permite, e
estabelecem uma condição de tradução das palavras pontuais ou atrasados.
4.5.3 Distraídos

Distraídos, 2003
Agência África

O outdoor “Distraídos” amplia sua potencialidade de informação ao incorporar um aplique. Recebe o nome de
“aplique” toda ampliação feita em um outdoor, permitindo a ele sobrepor um desenho à sua função de suporte. Logo, de certo modo, o
outdoor com aplique constitui-se em um objeto, assim como os relógios digitais. Não podemos chamar essas intervenções de mobiliário
urbano, pois o mesmo não se constitui em objetos que têm seu uso renovado: os outdoors com aplique são descartados tão logo o prazo
de exibição seja cumprido. Chama-nos, mais uma vez, atenção a relação estabelecida com o ambiente para que a mensagem do outdoor
possa ser lida com eficiência.
Podemos notar nos textos exibidos nele a função referencial e também a função apelativa. Diferente da peça
Apressados, a função referencial não ocorre pela diferença entre o tamanho do título e do slogan, mas sim em função do ambiente, já
que o observador se reconhece como distraído somente quando se dá conta da agência ao lado.

4.5.4 Engarrafados

Engarrafados, 2003
Agência África

Acreditamos que a diagramação de uma peça como essa seja um dos maiores desafios da elaboração de um outdoor,
pois conforme já apresentamos no capítulo três, existe uma série de cálculos para organizá-la e, mesmo assim, isso não garante a
legibilidade da mensagem.
Ao pensar nessa peça como organização de linguagens, evidenciam-se mais uma vez as múltiplas possibilidades de
emissão, já que nela falam: o banco, o ambiente e o designer. Evidenciam-se também a possibilidade dessas relações não se darem de
forma estanque, mas se constituírem em uma dinâmica, uma vez que o designer, por exemplo, só pode ser emissor de tal mensagem se
fizer parte da cidade que também é uma emissora, e que, por outro lado, é também um referente escondido. O que queremos dizer é que
o tamanho do texto verbal, bem como o seu contexto, evidencia algum fenômeno diferente que acontece em locais em que esse tipo de
mensagem é fixada. Mesmo que o observador não seja um profissional de mídia ou um designer, estranha-se esse outdoor pela diferença
com os demais. Essa diferença não se dá no sentido estético, ou tão pouco na agregação de elementos distintos da forma em que
costumeiramente as peças de outdoors se apresentam, mas sim, em função da incapacidade inicial de se ler o texto, da grande mensagem
verbal que ele apresenta e da comparação desses elementos com outras peças até mesmo dessa campanha.
Ainda existe uma diferença a ser pensada que é o fato de ela necessitar de diferentes repertórios para ser elaborada. Foi
preciso que um repertório sobre a cartografia das placas de fixação se sobrepusesse ao do trânsito, ao dos dispositivos de captura de
informação do corpo humano, aos dos elementos que constituem o Banco Itaú. Além disso, foi necessário o domínio do conhecimento
de língua portuguesa para além dos enunciados que normalmente compõe as peças de outdoor. O texto em si apresenta três tipos de
funções da linguagem: a conativa, a referencial e a metalingüística. Esta, por sua vez, constitui-se também em uma relação de
metalinguagem com a parte visual que opera como emissora, evidenciando o Banco Itaú, e a verbal, que multiplica essa significação do
banco em banco online, caixas eletrônicos entre outros.
A análise que hora concluímos como os modelos de comunicação isolados sucumbem quando expostos à dinâmica de
produção de mensagens na cultura.
CONCLUSÃO

Como afirmamos na introdução, as pesquisas podem ser comparadas a icebergs, pois, mesmo diante de projetos
objetivos, tendem a revelar complexidades, implicações, diferenças de repertório, conclusões precipitadas e utilizações inadequadas de
terminologias. A pesquisa revela-se como o próprio dinamismo da cultura, modificando-se inteiramente a cada nova constatação, ou
ainda diante da necessidade de explicitar resultados com convicção de formas diferentes. Iniciamos este trabalho sabendo que ao final
queríamos apresentar a dinâmica das linguagens do design relacionadas à cultura. Sabíamos também, de antemão, que poderíamos
utilizar os conhecimentos da dissertação Linguagens do Web Design, apresentada em nível de mestrado, cujas descobertas ainda não
foram publicadas ou levadas a um teste mais eficiente.
As leituras iniciais realizadas para a confecção desta tese fizeram cair por terra o título Linguagens do Design pois
descobrimos um livro com o mesmo nome. Em busca de outra possível identificação, o termo “dimensões” passou a fazer parte do nosso
imaginário de trabalho concluído. De certa forma, a etimologia dessa palavra despertou-nos para as pesquisas que apresentamos sobre
organização espacial, bidimensionalidade, tridimensionalidade, e conseqüentemente, as funções da matemática. Neste ponto,
constatamos a necessidade de aplicar uma terminologia diferente para aquilo que chamaríamos de funções das linguagens no design
impresso. A inadequação do termo “função” refere-se ao fato de que, em matemática, designa apenas a relação de termo ou termos
específicos e sua imagem, entende-se por “imagem” o produto obtido a partir de uma função de x. Na linguagem visual, portanto, não se
evidenciam funções, e sim, relações. Constatamos que estávamos tratando de modo igual, organizações com naturezas diferenciadas e
mais do que isso, estávamos aplicando uma terminologia inadequada para expressar as evidências de significação encontradas na
visualidade. Ao comparar esse fato com o caráter de sobreposição de linguagens descobertas no mestrado, verificamos que a junção de
linguagem verbal e outras poderia levar a relações mais dinâmicas do que aquelas estabelecidas no modelo de comunicação que
utilizamos como base para a análise. Além disso, aplicamo-nos em realizar uma leitura mais detalhada da obra A semiosfera, tal
trabalho resultou na compreensão das funções da linguagem na cultura, da forma como as linguagens podem orientar-nos para o
entendimento do coletivo.
Assim, ao sobrepor as possibilidades de organização de múltiplas linguagens no espaço urbano, revelamos também a
possibilidade de essa aplicação ser comparada à dinâmica da cultura. Tal comparação pode ser representada por meio de uma abstração
das relações dessas linguagens ilustradas como um gráfico no qual a própria textura revela como é complexo o entendimento desse
processo.
As descobertas sobre linguagens não seriam tantas se antes não tivéssemos feito a pesquisa sobre percepção e
ambiente. O conceito de ambiente como espaço qualificado permitiu-nos entender que, em seu movimento de entendimento do mundo,
o homem comporta-se como um processador de informação e disposição de sintaxes e esse movimento de compreensão do mundo,
transformação do mesmo em linguagem, é o que diferencia espaço de ambiente. Por outro lado, foi-nos útil também o entendimento de
que esse movimento que acabamos de descrever pode ser comparado ao conceito de Umwelt de Jakob Von Uexküll. Logo, a linguagem
é a prova mais evidente da existência de ambientes específicos: no nosso caso, específicos até mesmo para a própria espécie. Ao analisar
as comunicações em sua relação com o ambiente, descobrimos que tal dinâmica seleciona receptores, intercepta outros em virtude do
desconhecimento do código, ou ainda, permite uma dupla ou tripla função à linguagem. Ainda em relação à tal dinâmica, foi possível
verificar como o modelo de comunicação de Jakobson (1995, p. 129) não se aplica, de fato, a ambientes dinâmicos, pois constatamos a
sobreposição de papéis de emissão, o deslocamento de emissor que em alguns casos se revela como receptor e, no caso da cidade, que a
peça Engarrafados ocupa simultaneamente os papéis de ambiente, de emissão e de referência da mensagem.
Acreditamos que conseguimos comprovar a hipótese de que as mídias externas conservam a memória das marcas e
empresas que as representam, mas garantem seus significados sobrepondo marca, suporte, ambiente e usuário, pois é na mente do
observador que a mensagem se completa e esta só pode ser garantida totalmente se vinculada a um repertório eficiente, que, por sua vez,
precisa de um mecanismo de percepção complexo e conectado ao ambiente. Também foi possível verificar a relação ou os vínculos que
as marcas garantem ao conjunto de peças que compõem uma campanha publicitária.
Assim, as linguagens do design exercem uma força dupla, pois condicionam-no para a universalidade e para a
multiplicidade. A universalidade dá-se em função do design poder apresentar-se em diferentes lugares por carregar seu aspecto de
significação em outros fatores além da língua. E a multiplicidade dá-se em função da relação que ele desenvolve com os códigos da
cultura. A relação entre design e publicidade revelou-se como um processo complexo de produção de linguagem no qual o primeiro
ocupa o lugar de organizador e a segunda ocupa o lugar de condensador de repertórios. Nas peças analisadas, pudemos verificar que os
conhecimentos e pesquisas comumente desenvolvidos como parte de uma campanha ampliam seu potencial quando organizados por
meio de um design eficiente. Verificamos, assim, a condição do design de organizar as sintaxes heteroestruturais que compõem a
semiosfera. Conseguimos apresentar essa relação apenas entre design e publicidade; porém, pode-se intuir, que o mecanismo de
sobreposição de linguagens sempre recorre a um design e, nesse sentido, a palavra design condensa-se para passar a significar forma ou
sintaxe. Isso não significa que essa ação seja desenvolvida sempre por aquele profissional que as escolas formam e que recebe o nome
de designer, mas implica na expressão de que todo profissional que se ocupa da manipulação de mais de uma linguagem está buscando
uma forma ou uma maneira de organização e, assim, o resultado pode sim ser considerado um design.
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