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PSIQUÊ – CLÍNICA DE PSICOLOGIA E CENTRO DE

ESTUDOS C. G. JUNG

PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOTERAPIA JUNGUIANA

ARQUÉTIPOS

PRINCIPAIS ARQUÉTIPOS, CONCEITO E FORMAÇÃO

SALVADOR

2017
PAULO CÉSAR PEREIRA DE JESUS SOUZA

PRINCIPAIS ARQUÉTIPOS, CONCEITO E FORMAÇÃO

Trabalho referente ao terceiro módulo do Curso


de Pós-Graduação em Psicoterapia Junguiana
referente à disciplina de Arquétipos – Psiquê
Clínica de Psicologia e Centro de Estudos Carl
Gustav Jung.

SALVADOR

2017
ARQUÉTIPO: CONCEITO

Ao decorrer dos estudos psicológicos realizados, Jung obteve destaque imensurável no


universo da Psicologia devido à sua descoberta de mais uma camada no Inconsciente.
Para Jung a personalidade, ou seja, o constructo que “abrange todos os pensamentos,
sentimentos e comportamento, tanto os conscientes como os inconscientes.” (HALL;
NORDBY, 2014, p.25) foi denominada psique. “O conceito de psique sustenta a ideia
primordial de Jung de que uma pessoa, em primeiro lugar, é um todo.” (HALL;
NORDBY, 2014, p.25).

A personalidade, ou psique, funciona como um regulador da adaptação humana no


ambiente, e se estrutura em três sistemas básicos de nível interatuante conhecidos como
consciente, inconsciente pessoal, e inconsciente coletivo, sendo este último, um nível
mais amplo e mais rico de informações. Pelo Inconsciente Coletivo, Jung percebeu e
instituiu que a evolução da mente humana perpassa por um processo de hereditariedade,
assim como acontece ao corpo físico humano, e sua notoriedade vai além do comum
quando Jung postula que “a mente do homem é pré-figurada pela evolução (...) pelo fato
de sua existência não depender da experiência pessoal.” (HALL; NORDBY, 2014,
p.31). É neste sistema que nota-se uma herança de elementos que Jung denominou
como “imagens primordiais” e que constituem o centro de todos os complexos, o que
HALL (2007, p.17) vai afirmar quando relata que “cada complexo na esfera pessoal
(consciente ou inconsciente) é formado a partir de uma matriz arquetípica na psique
objetiva”.

O termo arquétipo faz jus à ideia citada acima da “imagem primordial” ou modelo
original de algo, ou seja, “arquétipos são os conteúdos do inconsciente coletivo,
organizados de maneira a valorizar modelos originais e universais que revelam sentido a
outras coisas do mesmo tipo.” (BARBOSA; SOUZA; SANTOS, 2016, p.3). Existem
inúmeros arquétipos quanto possível imaginarmos, mas Jung dedicou atenção especial a
alguns deles como a persona, a anima e o animus (enquanto estruturas relacionais, ou
seja, que favorecem o processo interacional do sujeito com o mundo), o arquétipo da
sombra (que exerce uma dinâmica bastante importante com o ego, enquanto estruturas
de identidade, além de funcionar como contraponto da persona), além do arquétipo do
Eu ou o Self (enquanto elemento de totalidade do sujeito), a que se considera o principal
arquétipo do inconsciente coletivo.

A partir disto, não podemos negar que a Psicologia Junguiana é simbólica em seu
entendimento. O símbolo na perspectiva junguiana se expressa como algo relativo e
abstrato diante da percepção do humano, do seu ponto de vista de acordo às suas
construções psíquicas, sua interpretação dará o sentido que lhe é conhecido,
influenciado pelo inconsciente coletivo. Enquanto que os símbolos possuem atribuições
amplamente subjetivas, “o signo pode ser compreendido de maneira muito mais
racional” (KAST, 2013, p.21). Ainda assim, signos podem tomar propriedade de
símbolo, se atentarmos ao fato que tentamos constantemente simbolizar o mundo, e
muitas vezes, atribuímos não apenas valores socialmente convencionados (signos) mas
valores abstratos aos objetos (KAST, 2013).

É pela representação simbólica que o humano pode manifestar suas impressões acerca
da existência, principalmente de forma mística, para dar sentido às coisas intangíveis e
inexplicáveis, como por exemplo a atribuição e correlação dos fenômenos da natureza
com deuses, reafirmando em toda e qualquer época e civilização, a necessidade de uma
figura superior (um símbolo ou uma imagem arquetípica de deus) a quem se possa
responsabilizar e/ou clamar em momentos de crise. Em alguns casos, podemos
considerar que essas representações simbólicas se expressam através de mitos:

Esse modo não lógico de entender as coisas é traduzido pelo mito como uma
forma primordial de explicar a realidade de ser e estar no mundo. Por não ser
lógica, a forma de explicação do sistema mítico pode ser compreendida como
decorrente de um entendimento vindo, possivelmente, do universo
inconsciente. (ALVARENGA, 2007, p.35)

Em concordância à citação acima, WHITMONT (1990, p. 75) nos elucida que “Jung
sentia que o significado central das nossas vidas pode ser aprendido apenas através de
uma conscientização dos nossos próprios mitos individuais”. Por esta ideia, percebemos
a importância dos estudos e conhecimentos dos mitos quando lembramos que o núcleo
de um mito é arquetípico e pode nos auxiliar no entendimento do momento da vida do
sujeito, nos mostrando a forma vasta de possibilidades e caminhos a serem percorridos
no processo terapêutico. A clínica junguiana nos possibilita embasar seus pressupostos
acerca de figuras mitológicas uma vez que, assim como os arquétipos do inconsciente
coletivo, um “mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é
efetivamente uma representação coletiva, que chegou até nós através de várias
gerações.” (BRANDÃO, 1986, p.35).
A FORMAÇÃO DOS ARQUÉTIPOS

Ao entendermos o significado do termo arquétipo enquanto imagens primordiais ou


tipos antigos em sua tradução literal, reconhecemos que “o arquétipo representa
essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua
conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a
consciência individual na qual se manifesta” (JUNG, 2001, p.14).

Quando pensamos em formação dos arquétipos, “eles existem pré-conscientemente e


formam provavelmente as dominantes estruturais da psique em si” (JACOBI, 1991,
p.37) e não temos como não mencionar outro componente estrutural do inconsciente
coletivo: os instintos. Pode-se entender por instinto a atitude universal não lapidada que,
repetidas vezes acometeram sujeitos de diversas sociedades a partir de uma similaridade
do fenômeno que promoveu determinada ação sem atingir o nível da percepção da
consciência.

A diferença básica entre instintos e arquétipos é que, mesmo estando ambos presentes
no inconsciente coletivo, os instintos não necessitam de aprendizagem individual para
se manifestar no soma e no mundo externo, enquanto que os arquétipos são moldes
universais que dependem da experiência individual para se fazerem percebidos, estão a
priori da coexistência do humano. Logo, os instintos seriam como que matérias brutas
enquanto que os arquétipos seriam os instintos lapidados pela experiência individual,
por meio do processo de psiquificação.

Com isso, concluímos que só temos como lidar com os arquétipos através das suas
manifestações na consciência, momento do qual temos acesso aos moldes pré-existentes
preenchidos pela experiência da possibilidade de se apresentar ao mundo.
PRINCIPAIS ARQUÉTIPOS

Como já foi dito anteriormente, Jung postula que existem tantos arquétipos quanto
poderíamos imaginar. Sendo assim, ele resolveu se debruçar sobre alguns arquétipos
que considerou essencialmente importantes para o entendimento dos funcionamento da
psique.

A PERSONA

Também entendida como as máscaras sociais que utilizamos na vida cotidiana, o termo
persona faz referência às máscaras do teatro que os gregos utilizavam em suas
encenações. É por onde “o homem assume uma aparência que geralmente não
corresponde ao seu modo autêntico. Apresenta-se mais como os outros esperam que ele
seja.” (SILVEIRA, 1981, p.79). Persona representa a função de relacionamento com o
mundo coletivo exterior no desempenho de papeis sociais como o chefe, o pai, a mão, o
irmão mais velho, o médico, a escritora. O ego enquanto estrutura saudável adota esses
papeis sociais de modo a lidar com situações específicas do dia a dia, de maneira
apropriada. Quando não se tem um ego bem estruturado, podem ocorrer disfunções na
manifestação da persona na consciência, como por exemplo, um desenvolvimento
excessivo da persona construindo uma personalidade rígida.

A SOMBRA

A sombra é a parte que armazena maior parte da natureza sombria dos sujeitos. Voltada
para a positividade, a sombra favorece o desenvolvimento de processos criativos,
oriundos de intuições profundas e da espontaneidade, enquanto que seu lado negativo
está fortemente vinculado à não aceitação do sujeito sobre componentes pertencentes a
si mesmo, que são simbolizados em objetos projetados no outro (NASSER, 2010). O
ego e a sombra exercem as funções de estruturas de identidade dos sujeitos.

A ANIMA E O ANIMUS

Juntamente com a persona, anima e animus desempenham funções estruturais


relacionais. “A identidade realçada do ego, formada por meio da assimilação de partes
da sombra, manifesta-se mais claramente quando da necessidade de relacionamento
com os outros, tanto com outras pessoas quanto com a cultura transpessoal do mundo.”
(HALL, 2007, p.21). Para Jung inicialmente, a anima se apresentava como o lado
feminino no masculino, “tendo a mãe como primeiro modelo, a anima é também uma
ponte de ligação com o inconsciente e com a vida em seu aspecto mais instintivo”
(HAUBERT; VIEIRA, 2014, p.230). Enquanto que o animus trazia o aspecto masculino
da personalidade feminina. O estreitamento relacional do animus está direcionado à
imagem do pai, do herói que “opõe-se à própria essência da natureza feminina, que
busca, antes de tudo, relacionamento afetivo” (SILVEIRA, 1981, p.85). Posteriormente,
já próximo ao final da vida, Jung revisita o conceito relacionado aos arquétipos da
anima e do animus, instituindo que ambos os aspectos, tanto o feminino quanto o
masculino, fazem parte integrante da psique humana e que ambos desempenham
funções importantes ao desenvolvimento da personalidade e, muitas vezes em processo
terapêutico, é fator fundamental auxiliar a busca de equilíbrio entre estes dos
constructos.

O SELF OU SI-MESMO

O Self é a representação da ordem e da totalidade da organização da personalidade e é o


principal arquétipo do inconsciente, sendo o responsável por atuar diretamente com a
consciência e com os complexos, orientando os demais arquétipos na harmonização da
personalidade, fator preponderante para o processo de individuação. Assim, “o Self
simboliza a infinidade do arquétipo, e qualquer coisa que um homem postule ou
conceba, como sendo uma totalidade maior do que ele próprio, pode se tornar um
símbolo do Self – Cristo ou Buda, por exemplo” (SAMUELS, 1989, p.120 apud
ARCURI, 2009, p.89).

O ego e o Self se tornam parceiros fundamentais ao desenvolvimento da personalidade


pelo que chamamos de eixo ego-Self já que “ego e Si-mesmo influenciam, ambos, a
estrutura dos complexos em que o ego se apoia para adquirir seu próprio senso de
identidade. Também é importante recordar que o ego se baseia no arquétipo do Si-
mesmo” (HALL, 2007, p.41). Percebemos aqui que, o ego pode ser entendido
simbolicamente como um reflexo daquilo que o self tenta mostrar à consciência. Dos
recursos terapêuticos percebidos por Jung, as mandalas são caminhos possíveis para
este encontro uma vez que a pintura das mandalas pode ser vista “como a experiência
central do si-mesmo: emergindo lenta, empírica e espontaneamente na consciência.”
(STEIN, 2006, p.141).

Quando percebemos o centro das mandalas, podemos refletir sobre uma ideia de
sagrado que existe em cada um de nós. O sagrado nas mandalas está comumente
representado ao centro como uma força que emana energia para nutrir as extremidades,
ao mesmo tempo que as extremidades emitem energia para nutrir o centro. Este sagrado
pode ser visto como símbolo da imago Dei, ou a imagem de deus em nós a que Jung
atribui à função do Self enquanto uma possível imagem arquetípica que, como que “uma
entidade não psicológica transcendente, atua sobre o sistema psíquico para produzir
símbolos de integridade, frequentemente como imagens de quaternidade ou mandalas
(quadrados e círculos).” (STEIN, 2006, p.143).

É comum que o Self, se apresente por figuras arquetípicas do sagrado, personificações


de pessoas importantes ao ego, ou mesmo à própria imagem numa atitude de
autossalvação. É como se, de algum modo, o Self estivesse constantemente resgatando
um ego (muitas vezes fragilizado), chamando-o para superfície novamente, “ao longo
da vida, o Si-mesmo exerce uma pressão contínua sobre o ego, tanto para que enfrente a
realidade como para que participe do processo de individuação.” (HALL, 2007, p.127).
O ego não é a única força capaz de influenciar a estrutura dos complexos.
Eles também podem ser alterados pela atividade do Si-mesmo, tanto direta
(como na constelação de um determinado contexto onírico) quanto
indiretamente, quando o Si-mesmo guia o ego para enfrentar certos conflitos
ou fases de crescimento que o ego tentou evitar. (...) Também é importante
recordar que o ego se baseia no arquétipo do Si-mesmo e, assim, em certo
sentido, é o intermediário ou agente do Si-mesmo no mundo da consciência.
(HALL, 2007, p.41)
REFERÊNCIAS

ALVARENGA, M. Z. Mitologia Simbólica: estruturas da psique e regências míticas. 1.ed. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2007.

BARBOSA, L. de A. T.; SOUZA, P. C. P. de J.; SANTOS, Q. A. Análise Junguiana do Filme


Constantine: O Filme Como Instrumento de Aprendizagem na Abordagem da Psicologia Analítica.
10º Congresso Nacional do Conhecimento, Porto Seguro-BA, 2016.

BRANDAO, J. de S. Mitologia Grega. 1.ed. Petropolis, RJ: Vozes, v.2, 1987.

HALL, C. S.; NORDBY, V. J. Introdução à Psicologia Junguiana. 8.ed. São Paulo: Cultrix, 2014.

HALL, J. A. Jung e a Interpretação dos Sonhos: manual de teoria e prática. 1.ed. São Paulo: Cultrix,
2007.

HAUBERT, C.; VIEIRA, A. G. Símbolos, complexos e a construção da identidade na psicoterapia


com crianças. Atheleia, Canoas, n. 45, p. 222-237, set./dez. 2014.

JACOBI, J.Complexo, arquétipo, símbolo. São Paulo: Cultrix, 1991.

JUNG, C. G. A Natureza Da Psique. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2011. v. VIII/II. Texto: Instinto e
inconsciente, p.72-82.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2001. v. IX/I. Texto: Sobre os
arquétipos do inconsciente coletivo, p.11-50.

KAST, V. A Dinâmica dos Símbolos: Fundamentos da Psicoterapia Junguina. Petrópolis: Vozes,


2013.

NASSER, Y. B. d’A. N. A Identidade Corpo-psique na Psicologia Analítica. Estudos e Pesquisas em


Psicologia, Rio de Janeiro, n.2, p. 325-338, maio/ago. 2010.

SAMUELS, A. Jung e os Pos-Junguianos. Rio de Janeiro, Imago, 1989. 344p. apud. ARCURI, I. P. G.
Psicoterapia Junguiana, Calatonia e Arte. Psic. Rev., São Paulo, v. 18, n. 1, p. 81-98, 2009.

SILVEIRA, N. da. Jung, Vida e Obra. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 194p.

STEIN, M. Jung - O Mapa da Alma: uma introdução. 5.ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

WHITMONT, E. A Busca do Símbolo. São Paulo: Cultrix, 1990.

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