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Hegel e a altercação do indivíduo

Gabriel de Souza Oliveira e Silva1

Resumo:
No eterno embate entre razão e liberdade como posto por Salgado, ou entre o
entendimento do todo e da parte presente na complexa filosofia sistêmica hegeliana, existe um
óbice muito interessante e pouco discutido que é o indivíduo. Mundivisões ou interpretações,
dentro das chamadas ciências sociais – que ainda discutimos se como ciências podem ser
propriamente cognominadas – tentam realizar a explicação da realidade, a partir ou não do
indivíduo. Parece bastante claro, que a bicentenária obra da Filosofia do Direito soluciona esta
peleja, entretanto, muitas interpretações continuam a defender a possibilidade de se ver, no
indivíduo, uma certa importância. Nosso entendimento parte da ideia de que, embatumada de
explicações errôneas essa interpretação não se sustenta. A empreitada desta comunicação,
tentará aclarar, como a intoxicação ideológica da única ciência social dotada de consistência
metodológica e propriamente cientifica, tem chegado a conclusões reducionistas e
equivocadas pelo desentendimento desta publicação canônica hegeliana. A importância da
razão de Estado figura no vértice central desta possibilidade de aclaramento.

Palavras Chaves: Razão, Liberdade, Razão de Estado, Indivíduo.

Resumen:
En el eterno choque entre razón y libertad publicado por Salgado, o entre la
comprensión del todo y la parte presente en la compleja filosofía sistémica hegeliana, hay un
obstáculo muy interesante y poco discutido que es el individuo. Las mundovisiones o
interpretaciones, dentro de las llamadas ciencias sociales -que todavía discutimos si como
ciencias pueden ser conminadas adecuadamente- tratan de explicar la realidad, sea o no el
individuo. Parece bastante claro que la obra de doscientos años de filosofía del derecho
1
Mestrando em Direito sob orientação do Prof. Dr. José Luiz Borges Horta e Bacharel em Ciências do Estado
pela UFMG, mestrando em Planejamento, Desenvolvimento pela UFSJ com bolsa Capes, sob orientação do
Prof. Dr. Claudio Gontijo. Membro da Sociedade Hegel Brasileira (SHB). Possui experiência na área de Ciência
Sociais Aplicadas, com ênfase em História Estado e Política, atuando principalmente nos seguintes temas: Hegel,
dialética, lógica, contemporaneidade e filosofia. Tem experiência técnica nas áreas de indústria gráfica, editorial
e licitações. Desenvolve Pesquisas sobre Federalismo e Pacto Federativo do Brasil e da Europa, e
Desenvolvimento Planejamento e Território bem como Filosofia e Teoria do Estado.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1768723348597820.
resuelve este papel, sin embargo, muchas interpretaciones siguen defendiendo la posibilidad
de ver, en el individuo, una cierta importancia. Nuestra comprensión se basa en la idea de que,
en el caso de explicaciones erróneas, esta interpretación no está respaldada. El propósito de
esta comunicación tratará de aclarar, como la intoxicación ideológica de la única ciencia
social avalada con consistencia metodológica y propiamente científica, ha llegado a
conclusiones reduccionistas y se ha confundido con el malentendido de esta publicación
canónica hegeliana. La importancia de la relación de estado aparece en el vértice central de
esta posibilidad de aligeramiento.

Palabras clave: Razón, Libertad, Razón de Estado, Individuo.

Abstract: In the eternal clash between reason and freedom as posted by Salgado, or
between the understanding of the whole and the present part in the complex Hegelian
systemic philosophy, there is a remarkably interesting and little discussed obstacle that is the
individual. Mundivisions or interpretations, within the so-called social sciences – which we
still discuss whether as sciences can be properly cognominated – try to explain reality,
whether the individual is. It seems quite clear that the two-hundred-year-old work of
philosophy of law solves this role, however, interpretations continue to defend the possibility
of seeing, in the individual, a certain importance. Our understanding is based on the idea that,
in the case of erroneous explanations, this interpretation is not supported. The purpose of this
communication will try to clear, as the ideological intoxication of the only social science
endorsed with methodological and properly scientific consistency, has come to reductionist
conclusions, and mistaken for the misunderstanding of this Hegelian canonical publication.
The importance of the state ratio appears at the central apex of this possibility of lightening.

Keywords: Reason, Freedom, Reason of State, Individual.


1. Exórdio

Para iniciamos essa digressão a respeito do indivíduo e da busca de sua significância


precisamos pontuar alguns assuntos para que se melhor delimite os objetivos almejados. É
mister destacar que a discussão se dará a respeito do que é o indivíduo na filosofia hegeliana e
como ela nos é útil para entendermos os desígnios da Razão de Estado. Essa comunicação
tenta explicitar o fato de que, ao menos na nossa interpretação da Filosofia do Direito, parece
bastante claro que, existe a necessidade de que se supere o indivíduo enquanto realização da
liberdade, ao contrário do que se prega com as chamadas práticas do “individualismo
metodológico” (BRANDÃO, 2007. p. 45)2.
Para individualismo metodológico, temos por exemplo, segundo Brandão que, (as
escolhas dos indivíduos são) “Baseadas no individualismo metodológico e nas escolhas
maximizadoras, dadas as restrições, como a dotação de recursos escrita em uma superfície”.
Portanto, a partir daqui, temos delimitações bastante complexas e frágeis; dentre elas a de que
a realidade é restrita, o que por si só já causaria um enorme desconforto dentro das ciências
econômicas por exemplo. Marx é um dos autores que vai combater de forma veemente essa
ideia frágil de que a realidade econômica se dá no âmbito da escassez. Para Marx por
exemplo, um economista materialista e histórico, a ciências econômicas não são quem gera
essa identificada escassez, mas o sistema de acúmulo primitivo de capital, o por ele
denominado capitalismo3.
Interessante entendermos também que, Karl Marx também será o responsável por
utilizar o trinômio desenvolvido por Hegel em sua filosofia do direito que para nós será
fundamental para explicitarmos a nossa ideia de altercação do indivíduo. O economista Marx,
com sua necessidade descrever a realidade de forma material, prova matematicamente suas
ideias. Ideias essas que até os dias presentes permanecem com grande vigor no debate
econômico mundial bem como o vigor também identificado da Filosofia do Direito de Hegel;
obra bicentenária. Entender a relação economia-filosofia talvez nos faça entender o porquê o

2
Brandão enquanto economista desenvolve suas ideias no campo da pesquisa sobre o território. O professor de
origem mineira bastante enfático em suas colocações a respeito do problema do individualismo metodológico.
Em boa parte de sua obra o conceito volta a ser apresentado, a crítica aqui apresentada parece direcionada à
conceitos desenvolvidos por autores como Immanuel Kant e Max Webber. Na construção teórica destes fica
eminentemente claro que a importância, ou para ser mais rigoroso, a “potência” - e aqui utilizamos potência
enquanto conceito filosófico - mais adequada para a mudança social está na centelha do um; o que é
diametralmente oposto ao proposto por Hegel, quando, por exemplo, ele utiliza o exemplo da Bela Eticidade
Grega em sua Filosofia da História; conceito este que também aparece na Filosofia do Direito.
3
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Boitempo Editorial, 2015.
indivíduo enquanto ideia está em disputa; altercação. E de pronto pode-se afirmar que o
individuo da filosofia, o eu de forma pura e descontextualizada é visto por boa parte da
economia como objeto fim da ciência econômica, em desconsideração das faces enquanto
objeto meio e como objeto inicial do ‘tramite econômico’. O que quer dizer tal premissa?
Parece ululante para quem percebe a realidade enquanto dialética hegeliana, que ao menos
três momentos poderiam ser identificados para explicar a relação do indivíduo dentro do
contexto econômico. Entretanto, mesmo a realidade podendo identificadamente dialética a
maior parte da doutrina mas estudada, e mais adotada das ciências econômicas não consegue
perceber tal obviedade.
Como dito, falsificações da realidade como a ideia de escassez, a rigidez estática de
conceitos e movimentos históricos importantes, aliados à incapacidade de perceber a
vivacidade da realidade em que se está inserido leva grande parte dos cientistas de ciências
humanas identificar de forma errônea os problemas da sociedade presente, com isso propor
soluções desvirtuadas do que o Espírito do Tempo através da transfiguração parcial em Alma
do Mundo há de entender enquanto curso da História. Ainda, em um jogral popular para
explicitar a mesma ocorrência: “para todo o problema complexo existe uma solução simples e
errada”.
O autor Byung Chul-Han tangencia tudo que se pretende perpassar nesse curto texto,
mesmo que de forma de prospecção inicial e levanta alguns pontos interessantes como a
questão da auto exploração4, a questão da individualidade é mais bem tratada no seu livro No
Enxame5, mesmo que com o enfoque na questão do digital. Han também escreve sobre o
poder6 para tentar entender, para que possa da melhor forma explicar a relação do individuo
com o individualismo, me parece que o mesmo tendo todo esse esforço do eminente filósofo
existe a brecha para reavirá algo já explicito ainda na filosofia do Direito e revisitado em
textos como a Filosofia da História.
Entendendo-se que a exaltação ou o abandono do indivíduo pode mudar o curso da
História, tentar-se-á debruçar sobre o coo estes elementos se formam e como eles se
relacionam na interpretação que se defenderá aqui do que Hegel pretendeu com sua
construção. E como parece não restar dúvida, pretender-se-á confirmar e reafirmar o ponto
que nos parece ser o levantado por Hegel, o ponto de que apenas e tão somente pela obra
coletiva, e portanto pelo Estado a real efetivação da Liberdade se dará plenamente possível.

4
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Editora Vozes Limitada, 2015.
5
HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Editora Vozes Limitada, 2018.
6
HAN, Byung-Chul. Sobre el poder. Herder Editorial, 2016.
2. O Indivíduo

Caminhando, a desambiguação do termo indivíduo em um portal7 de pesquisa dos mais


acessados da rede mundial de computadores conta com sete categorias desambiguação para o
vocábulo. Por óbvio, não pretendemos finalizar a discussão, mas é de nosso interesse nos
concentrarmos na questão da pessoa, ainda de forma mais precisa; no conceito de pessoa 8 para
a filosofia, ou com a qual a filosofia até aqui tem trabalhado.
O indivíduo do filosofo alemão mais nos assemelha a uma pessoa coletiva, para tal,
portanto, escolhe-se a ideia de indivíduo enquanto pessoa. Já que assim fica possível
contrastar com a pessoa singular que aqui parece claro e evidente o conceito imposto pelo
sistema econômico vigente, na figura, por exemplo, do self-made man.
Para darmos uma primeira penetração na discussão proposta temos Hegel na sua
Filosofia da História: “A liberdade só pode existir onde a individualidade é reconhecida como
positiva na essência divina” (HEGEL, H462g. 2008. p.48.). Em outros termos, aqui fica
ululante que o indivíduo só é importante enquanto membro da coletividade, o indivíduo
“racionalizado” pela ciência econômica clássica e neoclássica, posteriormente, - e que não
viria depois da filosofia Hegeliana, pois já estava presente em Adam Smith e David Ricardo
respectivamente – não é o cerne do pensamento que exalta a Liberdade através da Razão.
Apenas a unidade divina é perceptível como possível, pois apenas ela tem a plena potência de
se realizar enquanto
Neste ponto nodal, é notável que o idealista alemão leu os ingleses, e com muita
categoria desenvolve vários argumentos que sedimentam a nossa proposição, argumentos de
que a parte não pode preponderar o todo; ainda que (como visto na dialética do senhor e do
escravo por exemplo) o todo também não tem direito de sobre julgar a parte a despeito de

7
Em metafísica e estatística, a palavra indivíduo habitualmente descreve qualquer coisa numericamente singular,
embora por vezes se refira especificamente a "uma pessoa". Usada em muitos contextos, tanto "Aristóteles"
como "a Lua" são indivíduos. Em geral, "uva" e "vermelhidão" não são. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Indiv%C3%ADduo. Acessado em 08/11/2021.
8
pessoa é sinónimo de ser humano. Na filosofia, no entanto, há debates sobre o sentido preciso e o uso correto
da palavra, e quais são os critérios que definem algo (ou alguém) como "pessoa". Na filosofia, uma pessoa é uma
entidade que tem certas capacidades ou atributos associados a personalidade, por exemplo, em um contexto
particular moral, social ou institucional. Essas capacidades ou atributos podem incluir a autoconsciência, a noção
de passado e futuro, e a posse de poder deôntico, entre outros. Também, filosoficamente, uma pessoa é o ser
humano como agente moral. É aquele que realiza uma ação moral e aquele que ajuíza sobre ela. O conceito de
"pessoa", na filosofia, é difícil de definir de uma forma que seja universalmente aceita, devido à sua
variabilidade histórica e cultural e as controvérsias que cercam o seu uso em alguns contextos em diferentes
linhas filosóficas. Acessado em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pessoa_(filosofia). Acessado em 08/11/2021.
interesses individuais, talvez teria apenas a despeito de interesses coletivos, é o que tentamos
investigar.

2.1 O Indivíduo na Família

Como aventado, das obras mais importantes, e mais completas está a Filosofia da
História, que juntamente com a Filosofia do Direito compõe nossa principal fonte de
balizamento para afirmarmos e reafirmamos o ponto nosso; e nela temos:

A moralidade, ao mesmo tempo natural e religiosa, é a piedade familiar.


Nessa relação social, a moralidade consiste precisamente em que seus membros se
comportem, uns em relação aos outros, não como indivíduos de vontade livre, mas
como pessoas. Eis porque a família em si exclui se dessa evolução, que só história
produz9.

De maior visibilidade que isso não se faz necessário, Hegel está a dizer justamente o
mesmo que se ousa levantar-se como bandeira. A moralidade tem origem religiosa, e portanto
se afasta da Ética. Dentro do seio familiar os indivíduos não são dotados de vontade livre
como pessoas (daí a importância da escolha da individualidade analisada a partir da pessoa). E
por quais motivos esses processos se dão como descrito? Pelo fato de que a Família não é o
ambiente do desenrolar da História! Bem como já afirmamos e reafirmamos, e o caminho,
mais uma vez nos leva a inferir que tão somente será possível realizar essa liberdade Histórica
no Estado; por ele, nele e através dele.

Entrando na Filosofia do Direito, mais precisamente em sua terceira parte Hegel


delimita os três momentos que a socialização do indivíduo se dá, mais precisamente, no
âmbito da família. O primeiro momento não poderia deixar de ser a constituição da família,
portanto o casamento. Aqui, dois indivíduos, oriundos de famílias “pré-estabelecidas”,
desagarram de seus lares para constituir um novo lar. Do momento da constituição deste lar,
passam a constituir patrimônio, não só material, bem como imaterial. Ainda, sobre os tipos de
patrimônio que as famílias podem constituir estão os tipos de capitais 10 que Bourdieu mais
recentemente definiu, por exemplo, e com uma manifesta influência de Hegel.
9
HEGEL, G.W.F. Filosofia da História. Trad. Maria Rodrigues e Hans Harden. 2ª ed. Brasília. Editora
Universidade de Brasília. 2008. p. 57.
10
Bourdieu elabora uma tipologia com três categorias de capital: capital econômico, capital social e capital
cultural. O autor identifica uma quarta forma, denominada capital simbólico, que corresponde a qualquer uma
das três formas de capital na medida em que são apresentados no contexto social. In: Bourdieu, P. (1986) The
forms of capital. In J. Richardson (Ed.) Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education
(New York, Greenwood), 241-258.
Por fim, e para renovação do ciclo de forma dialética, ocorre a educação dos filhos no
seio da família e consequentemente a dissolução deste núcleo familiar, para a produção de um
novo núcleo familiar, bem como gerado no início deste exemplo. Hegel destaca, ocorre a
passagem da família à sociedade civil-burguesa.

2.2 O Indivíduo na sociedade civil-burguesa

Neste segundo momento do desenvolvimento das ideias o imbróglio é um pouco mais


denso, subdivide se em três momentos. A) O sistema de Carecimentos; B) A Administração
do Direito; e C) A Administração Pública e a Corporação. Como é quase que auto evidente os
três momentos desenrolam se em mais três momentos. O sistema de carecimentos ou sistema
de necessidades é fundamental para entendermos e articularmos nossas indagações. O que
basicamente Hegel, e posteriormente Marx de forma mais acessível aos não idealistas - ao
qual definitivamente não nos inserimos - vai aclarar é que: a sociedade civil trabalha de forma
bastante próxima do conceito, ou dos conceitos de necessidade; em outras palavras o capital
detém a possibilidade de conseguir introjetar as noções, ou as falsas noções do que é
necessário e do que é contingente11.

O necessário, em seu sentido fundamental, trata do que é, e que não pode ser
de outra maneira, portanto, sua necessidade, fundada “no que é”, é ontológica. ... O
contingente, sendo então, o não-necessário, é quando não se pode haver ciência de
determinado objeto, pois pode ser de outra maneira, logo, pode ser e não ser.12

Hegel trata com por bastante destreza os sistemas de carecimentos da sociedade civil-
burguesa, fala das modalidades de trabalho e de como, para ela, o patrimônio é fundamental.
Daqui, Marx retira boa parte de sua inspiração para seus escritos sobre a crítica da economia
política. Entretanto não é nela que se arvora toda essa reflexão, apesar de dela se fazer um
valoroso uso (para ficar em um termo que a ciência política econômica 13 – nome original da
disciplina).

11
In: Metafísica V, 5, 1015a 34-35.
Ética a Nicômaco VI, 3, 1239b 23-24.
Segundos Analíticos I, 8, 75b 24-25.
Ética a Nicômaco VI, 3, 1139b 21-22. In: PORCHAT, O. P. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo:
Editora UNESP, 2001. p. 41.
12
Disponível em: http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/aristoteles/antonio.htm. Acessado em
08/11/2021.
13
GONTIJO, Cláudio. The neoclassical model in a multiple-commodity world: a criticism on Marglin. Revista
Brasileira de Economia, v. 52, n. 2, p. 335-356, 1998.
A grandeza e a magnitude da crítica, persegue os problemas da sociedade civil-
burguesa, no segundo momento na figura da administração do direito, vejamos bem, não na
figura do direito, mas da forma como ele é cortado pela sociedade civil-burguesa. Aqui Hegel
discute, o direito enquanto lei, o ser-aí da lei e o tribunal. Essas categorias articuladas de
forma trina discutem, respectivamente, a formação da lei, a discussão da lei, e aplicação da
lei. Vejamos, por entendermos o local onde se dá essa discussão, no seio da sociedade civil
organizada (burguesa), e por se tratar de uma crítica, é bastante claro a intenção do idealista
alemão; se em Hegel não ficou claro, para quem não entende de idealismo, Marx remonta os
conceitos que para ele “estavam de cabeça” para baixo, como o mesmo disse a respeito desta
obra de Hegel.
Para nós, Hegel é certeiro em identificar na sociedade civil-burguesa o cerne da
problemática do indivíduo, Marx não faz outra coisa, que não, dizer também que o indivíduo
não deve ser posto à frente do interesse coletivo, só que de outra forma; com sua linguagem
dialético-histórica.
Uma assustadora capacidade de interpretar e descrever a realidade, ainda que
observando uma das suas mais conhecidas máximas: “... essa totalidade temporal é uma
essência, o espírito de um povo. Os indivíduos pertencem a ele; cada um é filho de seu povo
e, igualmente, um filho de seu tempo”14. Ele deixa o suprassumo para o final, a relação
simbiótica e dicotômica da administração pública com a corporação está ainda, na dimensão
dá crítica à sociedade civil-burguesa; e aí exatamente isso que se faz útil de alicerce, para
então explicitar nossa colocação.

2.3 O Indivíduo no Estado

Na discussão acerca do indivíduo e sua possibilidade de realização no Estado, Hegel


oferece uma chave trina de compreensão que até os dias de hoje permanece viva e muito
utilizada. Hegel separa o direito estatal interno do direito estatal externo. Dentro do direito
estatal interno, existe a necessidade de se discutir a Constituição interna para si e a soberania
externa, dentro da Constituição interna para si Hegel traz o poder do príncipe, o poder
governamental e poder legislativo, o primeiro estaria mais adequado aos dias de hoje como
poder de chefe de Estado, o segundo como um poder de governo, e o terceiro como poder

14
HEGEL, G.W.F. Filosofia da História. Trad. Maria Rodrigues e Hans Harden. 2ª ed. Brasília. Editora
Universidade de Brasília. 2008. p. 50.
legislativo. Note se que o poder judiciário não existe, ele está legado ao crivo da sociedade
civil-burguesa, não é incumbência do estado para Hegel a organização da justiça no seio do
Estado.
O ponto nodal aqui, é que o indivíduo quase que não existe quando estamos tratando da
organicidade do estado Hegeliano. Os membros dos componentes do Estado não são
reconhecidos enquanto indivíduos, apenas enquanto agentes detentores temporários de poder
investido neles. Hegel identifica de forma bastante clara a transitoriedade da pessoa, seja no
tempo, no espaço ou na institucionalidade.

“A Liberdade consiste somente no saber e querer objetos universais, substanciais,


como o direito e a lei, produzindo uma realidade que lhes é conforme: o Estado. (...)”15

3 Inferências

É de notório saber da sociedade Hegel brasileira que o Estado é o ponto de cumeada de


toda a filosofia Hegeliana, sendo Estado o “desabrochar da razão na história”, não poderia ser
de forma diferente. Para a nossa presente discussão suscita-se o claro a respeito do papel do
indivíduo na História, não poderia se dar de outra forma. Em vida, como nos ensinou Salgado
e Horta, existe um embate entre o Poder e a Liberdade e para nós, corre uma disputa pelo
indivíduo, no intuito de que talvez se dê da seguinte forma.
Talvez, o indivíduo quando se aproxima da Liberdade, tende a se doar para o coletivo,
bem como ocorria na Bela Eticidade Grega, inúmeras vezes utilizada como exemplo de
realização do espírito absoluto na sociedade, no sujeito objetivo ou através dele. Entretanto,
quando associado ao puro Poder, - e aqui talvez, faça sentido explanarmos o que é este poder
pois, escrevemos contra a ordem vigente, ou para a sua suprassunção.
O poder está, como criticou Marx, concentrado com a burguesia, e é em relação a isto,
também, que nos posicionamos contra. Quando dizemos que o indivíduo está cooptado pelo
poder, é pelo poder vigente, e consequentemente ele está esvaziado do seu poder próprio;
ainda, está afastado da possibilidade de realizar sua Liberdade. Aqui, quando verificada tal
situação, a razão de Estado também se verifica esvaziada, e, portanto, inócua. A necessidade
15
HEGEL, G.W.F. Filosofia da História. Trad. Maria Rodrigues e Hans Harden. 2ª ed. Brasília. Editora
Universidade de Brasília. 2008. p. 57.
de urgente e inolvidável é de que devamos empurrar o indivíduo para a realização de sua
liberdade, e é justamente para que ele retome o poder próprio, para que este consiga efetivar-
se na História. E por fim para, na retomada da Bela Eticidade Grega, devolvermos às
realizações da vontade divina ou das Astucias da Razão têm o seu eixo na importância e
centralidade do desenvolvimento do Estado. Não existe desenvolvimento humano fora do
Estado.
Referências Bibliográficas:

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Sérgio Repa e Sílvio Rosa Filho. Agradecimentos a Maurício Marsola, Taísa H.P.
Palhares e Tessa Lacerda pela transcrição das fitas. Cadernos de Filosofia Alemã 2, P.
77-102, 1997
VAZ, Henrique C. de Lima. A formação do pensamento de Hegel. São Paulo: Edições
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do espírito e seus antecedentes / Henrique C. de Lima Vaz; edição de, Arnaldo Fortes
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