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Auto da Barca do inferno

O Auto da Barca do Inferno escrita em 1517 pelo escritor português Gil


Vicente.
Esta peça é uma das mais emblemáticas do dramaturgo, considerado o “pai do
teatro português”.
Foi encenada em 1531 e faz parte da Trilogia das Barcas, ao lado do Auto da Barca do
Purgatório e o Auto da Barca da Glória.
Lembre-se que “auto” é um gênero que surgiu na Idade Média. São textos
curtos de temática cômica e geralmente formados por um único ato.

Quem foi Gil Vicente?


Gil Vicente nasceu em torno de 1465, encenou a sua primeira peça em 1502 e foi
colaborador do Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende. Publicou em vida alguns de
seus autos, enquanto alguns outros foram censurados. Seu último auto data de 1536.
Suas obras mais famosas são: o Auto da Índia (1509), o Auto da barca do inferno
(1517), o Auto da Alma (1518), a Farsa de Inês Pereira (1523), o D.Duardos (1522), o
Auto de Amadis de Gaula (1523) e o Auto da Lusitânia (1532).

Em 1562, Luís Vicente reuniu o que possuía da produção do pai morto em Copilaçam
de Todalas Obras de Gil Vicente. A autenticidade das obras é questionada uma vez que
o filho fez supostas pequenas alterações no texto.
Resumo e Análise da Obra
Por meio da presença de dois barqueiros, o Anjo e o Diabo, eles recebem as almas dos
passageiros que passam para o outro mundo.
A cena passa-se num porto e portanto, um dos barcos vai em direção ao céu, e outro
para o inferno.
A maioria dos personagens vão para a barca do inferno. Durante suas vidas não
seguiram o caminho de Deus, foram trapaceiros, avarentos, interesseiros e cometeram
diversos pecados.
Por outro lado, quem seguia os preceitos de Deus e viveu de maneira simples vai para
a barca de Deus. São eles: Joane, o parvo, e os quatro cavaleiros.
O Auto da Barca do Inferno é um grande clássico da literatura portuguesa. Ele possui
diversas sátiras envolvendo a moralidade.
Pelo destino das almas de alguns personagens, a obra satiriza o juízo final do
catolicismo, além da sociedade portuguesa do século XVI
A alegoria do juízo final é um recurso utilizado pelo dramaturgo através de seus
personagens (diabo e anjo).
Além disso, cada personagem possui uma simbologia associada à falsidade, ambição,
corrupção, avareza, mentira, hipocrisia, etc.
Confira a obra na íntegra, fazendo o download do PDF aqui: Auto da Barca do Inferno.

Personagens e seus Pecados

 Diabo: capitão da barca do Inferno.


 Anjo: capitão da barca do Céu.
 Fidalgo: tirano e representante da nobreza. Teve uma vida voltada para o luxo
e vai para o inferno.
 Onzeneiro: homem ganancioso, agiota e usurário. Por ter sido um grande
avarento na vida ele vai para o inferno.
 Joane, o parvo: personagem inocente que teve uma vida simples. Portanto, ele
vai para o céu.
 Sapateiro: homem trabalhador, mas que roubou e enganou seus clientes.
Assim, ele vai para o inferno.
 Frade: representante da Igreja, que vai para o inferno. Isso porque ele tinha
uma amante, Florença, e não seguiu os princípios do catolicismo.
 Brígida Vaz: alcoviteira condenada por bruxaria e prostituição que vai para o
inferno.
 Judeu: personagem que foi recusado pelo Diabo e pelo Anjo por não ser adepto
ao Cristianismo. Por fim, ele vai para o inferno.
 Corregedor e Procurador: representantes da lei. Ambos vão para o inferno,
pois foram acusados de serem manipuladores e utilizarem das leis e da justiça
para o bem e interesses pessoais.
 Cavaleiros: grupo de quatro homens que lutaram para disseminar o
cristianismo em vida e portanto, são absolvidos dos pecados que cometeram
e vão para o céu.
Exercícios

1. Considera a peça Auto da Barca do Inferno como um todo, indique a alternativa que


melhor se adapta à proposta do teatro vicentino.

a) preso aos valores cristãos, Gil Vicente tem como objetivo alcançar a consciência do
homem, lembrando-lhe que tem uma alma para salvar.

b) as figuras do Anjo e do Diabo, apesar de alegóricas, não estabelecem a divisão


maniqueísta do mundo entre o Bem e o Mal.

c) as personagens comparecem nesta peça de Gil Vicente com o perfil que


apresentavam na terra, porém apenas o Onzeneiro e o Parvo portam os instrumentos
de sua culpa.

d) Gil Vicente traça um quadro crítico da sociedade portuguesa da época, porém


poupa, por questões ideológicas e políticas, a Igreja e a Nobreza.

e) entre as características próprias da dramaturgia de Gil Vicente, destaca-se o fato de


ele seguir rigorosamente as normas do teatro clássico.

2. Indica a afirmação correta sobre o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente:

a) é intricada a estruturação de suas cenas, que surpreendem o público com a


inesperado de cada situação.

b) o moralismo vicentino localiza os vícios, não nas instituições, mas nos indivíduos que
as fazem viciosas.

c) é complexa a critica aos costumes da época, já que o autor primeiro a relativizar a


distinção entre Bem e o Mal.

d) a ênfase desta sátira recai sobre as personagens populares mais ridicularizadas e as


mais severamente punidas.

e) a sátira é aqui demolidora e indiscriminada, não fazendo referência a qualquer


exemplo de valor positivo.

3. Diabo, Companheiro do Diabo, Anjo, Fidalgo, Onzeneiro, Parvo, Sapateiro, Frade,


Florença, Brígida Vaz, Judeu, Corregedor, Procurador, Enforcado e Quatro Cavaleiros
são personagens do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.
Analisa as informações abaixo e seleciona a alternativa incorreta cujas características
não descrevam adequadamente a personagem.

a) O Onzeneiro idolatra o dinheiro, é agiota e usurário; de tudo que juntara, nada


leva para a morte, ou melhor, leva a bolsa vazia.

b) O Frade representa o clero decadente e é subjugado por suas fraquezas: mulher


e desporto; leva a amante e as armas de esgrima.

c) O Diabo, capitão da barca do inferno, é quem apressa o embarque dos


condenados; é dissimulado e irônico.

d) O Anjo, capitão da barca do céu, é quem elogia a morte pela fé; é austero e
inflexível.

e) O Corregedor representa a justiça e luta pela aplicação integra e exata das leis;
leva papéis e processos.

1 - Alternativa a: preso aos valores cristãos, Gil Vicente tem como objetivo
alcançar a consciência do homem, lembrando-lhe que tem uma alma para salvar

2 - Alternativa b: o moralismo vicentino localiza os vícios, não nas instituições,


mas nos indivíduos que as fazem viciosas
3 - Alternativa e: O Corregedor representa a justiça e luta pela aplicação integra
e exata das leis; leva papéis e processos

Contexto histórico
Gil Vicente testemunhou o processo de expansão ultramarina, viveu o
período áureo de Portugal. Foi contemporâneo das grandes navegações de
Vasco da Gama e observou como o país ficou abandonado porque a atenção
fora voltada para o exterior, para as colônias.

O autor teceu profundas críticas a desordem da sociedade portuguesa de


outrora: aos valores, a moralidade, ao homem corrompido, a instituição
religiosa católica. Gil Vicente não era propriamente contra a igreja, mas era
contra o que faziam dela (a venda de indulgências, ao falso celibato de
padres e freiras).

Criticou os vícios da sociedade medieval e moderna, colocou o dedo na ferida


para denunciar a estrutura opressora e fechada em si própria. Foi o porta voz
que delatou a hipocrisia social: frades sem vocação, a justiça corrupta que
comungava com a nobreza, a exploração dos trabalhadores rurais.

Antes de Gil Vicente, não havia registro documental de teatros encenados


em Portugal, apenas breves representações, de caráter cavaleiresco,
religioso, satírico ou burlesco.

As peças de Gil Vicente continham influências castelhanas, mas também


possuíam traços do poeta palaciano castelhano Juan del Encina. Existem
trechos em que é possível observar o autor inclusive imitando a linguagem
do poeta castelhano. Como a corte portuguesa era bilíngue, era bastante
frequente essa influência cultural castelhana.

Almeida Garrett, outro grande nome da cultura portuguesa, observou que,


embora Gil Vicente não tenha sido o fundador/iniciador do teatro em
Portugal, foi a figura de maior destaque no teatro lusitano, deixando para a
posteridade os fundamentos de uma escola nacional de teatro.

Características da escrita de Gil Vicente


A escrita de Gil Vicente é em formato de poesia teatralizada, em rimas. O
autor incorpora a variedade linguística e social de sua época nas peças (por
exemplo: o nobre usa uma linguagem característica dos nobres, o camponês
usa um vocabulário próprio dos camponeses).
É recorrente o uso da sátira, do riso, do ridículo e do achincalhe. Todas as
suas peças, inclusive o Auto da barca do inferno, possuem um forte cunho
didático. A sátira serve para enfatizar as feridas sociais do seu tempo.

De modo geral, os autos são um desfile de tipos ou casos a pretexto de uma


alegoria central. O autor trabalhou sobretudo com os tipos sociais: eram
personagens caricaturais e folclóricos. Nas suas peças observa-se a descrição
detalhada do comportamento, das vestimentas, da linguagem empregada.

Os personagens, de modo geral, não apresentam conflitos psicológicos como


no teatro clássico. Não é um teatro individual (com contradições de um eu),
é sim uma sátira social, um teatro de ideias, polêmico.

Os personagens representam as suas condições sociais: a ama representa


qualquer ama, o camponês qualquer camponês, não há um esforço de
individualização. Há tipos humanos como o pastor, o camponês, o escudeiro,
a moça de vila, a alcoviteira, o frade. Também figuram nas peças
personificações alegóricas como Roma, representando a Santa Sé,
personagens bíblicas e míticas (caso dos Profetas), figuras teológicas (Deus, o
Diabo, anjos) e o Parvo.

Os tipos folclóricos, personagens humildes, camponeses, fazem rir a corte


com a sua ingenuidade e ignorância. O tipo mais satirizado por Gil Vicente é
o clérigo, sobretudo o frade, que transparece as suas incoerências da
conduta mundana e religiosa (a busca do prazer frugal, a ganância, a cobiça).

Outro tipo interessante é o Escudeiro que imita os padrões de nobreza, se faz


de bravo e cavaleiro embora passe fome, tenha medo e seja um desocupado.
Os fidalgos são frequentemente retratados como presunçosos e
exploradores do trabalho alheio e os juízes, corregedores e meirinhos são,
via de regra, figuras corrompidas.

Gil Vicente denuncia os absurdos da corte, as corrupções, os casos de


nepotismo, o desperdício com a verba pública.

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