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Voltando a pôr as coisas na mesma cesta

The Economist

16 Abril 2016 |

Uma velha ideia da administração, a integração vertical, tem ganhado


sobrevida nos mais diversos setores, da tecnologia à indústria da moda
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A Apple não só desenvolve grande parte de seus softwares, mas também projeta seus
chips e administra os pontos de venda

Apple e Tesla são duas das empresas mais faladas do mundo. Também são duas das
mais verticalmente integradas. A Apple não só desenvolve grande parte de seus
softwares, como projeta seus próprios chips e administra suas próprias lojas. A Tesla
produz 80% de seus carros elétricos e os vende diretamente para os consumidores.
Agora resolveu criar uma rede de postos de abastecimento e construir, no deserto de
Nevada, a maior fábrica de baterias elétricas do mundo.

Há 100 anos, esse tipo de integração vertical era a regra no mundo corporativo: as
empresas procediam à integração “a montante”, comprando fontes de matérias-primas e
fornecedores, e “a jusante”, comprando distribuidores. Além de seus poços de petróleo,
a Standard Oil contava com veículos-tanque e era dona de refinarias. A Carnegie era
proprietária de depósitos de minério de ferro e vagões ferroviários, além de altos-fornos.
Em seu livro de 1926, Hoje e Amanhã, Henry Ford diz que a integração vertical é o
segredo de seu sucesso: “Se quer que a coisa seja bem-feita, faça-a você mesmo”. Ford
dizia que extraía minério de ferro das minas que tinha no Minnesota, despachava o
insumo para sua fábrica de River Rouge, em Detroit, e o usava para produzir os
Fordinhos que pouco depois estariam circulando pelas ruas de Chicago - tudo isso em
não mais que 84 horas.

Esse tipo de aglomerado hoje é raro: nos últimos 30 anos, as empresas têm procurado se
concentrar no cerne de seus negócios, deixando o restante por conta de “terceirizadas”.
As siderúrgicas venderam suas operações de mineração, as montadoras de automóveis
se desfizeram de suas fornecedoras de autopeças. A tese é que só fazia sentido controlar
as coisas de uma ponta a outra quando os mercados eram rudimentares, isto é, quando
os suprimentos de matérias vitais eram limitados ou quando era grande a possibilidade
de uma terceirizada levar a contratante no bico. Com a sofisticação dos mercados, tais
justificativas desapareceram. Graças à globalização, as empresas sempre conseguem
encontrar recursos novos e fornecedores melhores.

Apesar disso, um número crescente de companhias tem mudado de estratégia. O


fenômeno é mais visível entre as empresas de Tecnologia da Informação. As líderes do
setor ocuparam a linha de frente na revolução da terceirização. Empresas verticalmente
integradas, como IBM, terceirizaram tudo que podiam, a fim de reduzir custos. Recém-
chegadas, como Microsoft, foram bem-sucedidas ao se concentrar em fatias estreitas,
mas excepcionalmente valiosas, do mercado. Agora, muitas startups do Vale do Silício
se orgulham de operar com o “pacote completo”. Mas o retorno à verticalização
acontece em toda parte: do segmento de moda à indústria.

Mais simples. Os motivos da meia-volta são vários, mas cinco deles se destacam. O
mais importante atende pelo nome de simplicidade. Os consumidores se dispõem a
pagar mais por produtos bem integrados, que não os obrigam a lidar com diferentes
fornecedores, ou que não criam problemas por conter componentes que não conversam
uns com os outros. As pessoas querem poder apertar um botão e deixar que a máquina
se encarregue do resto. Foi em grande medida por isso que a Apple optou pela
integração, assim como a fabricante de termostatos sem fio Nest.

O segundo motivo é que, para as empresas que atuam na fronteira dos avanços
tecnológicos, em geral fazer tudo por conta própria é mais eficiente. Muitas vezes, as
companhias que estão inventando o futuro não têm escolha senão investir em novos
projetos; afinal, os componentes de que precisam ainda não chegaram às prateleiras. É o
que explica a “gigafábrica” de baterias elétricas da Tesla: a oferta reduzida de baterias é
o fator que mais restringe o crescimento da montadora. Na tentativa de cortar os custos
de produção, a Boeing terceirizou 70% da produção de seu 787 Dreamliner - índice
superior ao de qualquer outro avião comercial já produzido. O resultado foi um desastre:
atrasos na entrega de componentes; peças que não se encaixavam; prazos descumpridos.
A empresa engatou a marcha a ré, tornando a se encarregar de processos industriais e
comprando uma fábrica.

O terceiro motivo é o que se pode chamar de variedade de oferta: quanto mais opções o
mercado tem para oferecer, mais importante é construir um relacionamento com os
consumidores. Netflix e Amazon agora produzem seus próprios filmes e séries, a fim de
dissuadir os espectadores de comprar conteúdos mais genéricos em outros lugares. A
americana Harry’s, que envia a seus assinantes um estoque regular de lâminas e espuma
de barbear, gastou US$ 100 milhões para comprar uma fábrica de lâminas na Alemanha.
A variedade de oferta é reforçada pela velocidade: algumas varejistas de moda, como a
espanhola Zara, jamais realizaram terceirizações muito abrangentes, preferindo operar
suas próprias confecções, contratar seus próprios estilistas e administrar suas próprias
lojas. Isso lhes oferece grande vantagem: são capazes de transformar rapidamente as
últimas tendências em roupas novas, geralmente confeccionadas em lotes pequenos, e,
em questão de semanas, tê-las expostas nas vitrines de suas lojas. Varejistas de moda
menos integradas, como Gap e American Apparel, volta e meia se veem com encalhes
de criações desatualizadas, pois não conseguem organizar cadeias de suprimento
capazes de produzir itens novos com a devida rapidez.

Por fim, há a combinação de velhas preocupações com incertezas geopolíticas e novos


receios em relação ao meio-ambiente. Em 2014, a Ferrero comprou a Oltan Gida,
responsável por um terço da produção de avelãs da Turquia, um ingrediente vital para a
Nutella, carro-chefe da fabricante de chocolates italiana. Em 2015, a moveleira sueca
Ikea comprou mais de 40 mil hectares em florestas na Romênia e na região do Báltico.

No início deste ano, a estatal chinesa ChemChina pagou US$ 43 bilhões pelo grupo
suíço de sementes e agrotóxicos Syngenta, atendendo à preocupação do governo da
China com a segurança alimentar. Operadoras de cruzeiro, como Costa Cruise e Disney,
compraram ilhas no Caribe e nas Bahamas, a fim de garantir que seus passageiros
possam visitar lugares inabitados, onde as belezas naturais se mantenham intactas.

Entre o cerne e as ramificações. O retorno da integração vertical não levará tudo de


roldão. Para a maioria dos produtos mais prosaicos, a lógica da terceirização continua
inabalável. Além do mais, hoje a integração é menos ambiciosa que nos dias de Henry
Ford: a Apple, por exemplo, terceiriza grande parte de sua produção para fabricantes
como a Foxconn (ainda que as leve com rédea curta). A integração não está livre de
problemas: a Tesla perdeu algo de seu brilho na última segunda-feira, quando um
defeito obrigou a montadora a fazer um recall de 2,7 mil de seus utilitários esportivos.
Isso posto, encontrar o equilíbrio certo entre fazer as coisas por conta própria e
terceirizá-las é um exercício claramente mais complexo hoje do que na época em que
Tom Peters e seus colegas gurus aconselhavam às empresas a se concentrar naquilo que
faziam de melhor e terceirizar o resto.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.


TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O
TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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