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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS - 3

EXAME DA ÉPOCA NORMAL (SEMANA 3) - 08/06/2020


GRELHA DE CORRECÇÃO

I. Em cada um dos grupos de afirmações que se seguem, assinale a afirmação


verdadeira.
COTAÇÃO: 10 x 0,9 valores.

1.
No período da individualização do direito português o costume tinha um sentido amplo
ou residual, abrangendo todas as fontes tradicionais de direito que não tivessem
natureza legislativa.
2.
O renascimento do direito romano justinianeu iniciou-se no séc. XII, com a Escola de
Bolonha.
3.
A recepção do direito romano renascido em Portugal contribuiu para o incremento da
actividade legislativa do monarca, a partir de meados do séc. XIII.
4.
Em sentido restrito, a expressão «direito comum» designa o sistema normativo de base
essencialmente romana que se consolidou com os Comentadores.
5.
Na época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado os
crimes passaram a ser punidos, sobretudo, com penas corporais.
6.
As cartas de lei começavam com o nome próprio do monarca e continham disposições
destinadas a vigorar mais do que um ano.
7.
Na época das Ordenações, os estilos da Corte eram fonte imediata de direito, mas não
podiam, segundo a opinião dominante, ser contrários à lei.
8.
Francisco de Vitória, um dos principais representantes da Escola Espanhola do Direito
Natural, é considerado o fundador do moderno direito internacional público.
1
9.
A Lei da Boa Razão foi assim denominada no séc. XIX, numa obra publicada por Corrêa
Telles, importante jurisconsulto português da época.
10.
Na época liberal os códigos passaram a ser organizados para cada um dos ramos de
direito já autonomizados.

II. Em cada um dos grupos de afirmações que se seguem, assinale a afirmação


verdadeira e justifique a escolha.
(COTAÇÕES: escolha - 0,7 valores; justificação - 2,3 valores)

1. Assinale a afirmação verdadeira.


A Lei da Boa Razão proibiu a aplicação subsidiária do direito romano em determinadas
matérias.

Elementos a mencionar na justificação:

Identificar a Lei da Boa Razão – a Carta de Lei de 18 de Agosto de 1769 – e dizer que
entre as suas finalidades se encontrava a de evitar os abusos cometidos no recurso ao
direito subsidiário – em especial, a aplicação do direito romano mesmo quando havia
norma no direito pátrio e independentemente da averiguação da sua conformidade à
razão. [0,3 valores]
Dizer que essa lei continuou a admitir a aplicação do direito romano como fonte
subsidiária de direito, mas não em todas as matérias (como se verá a seguir), e somente
desde que os seus preceitos estivessem de acordo com a boa razão, ou seja, com o
direito natural ou o direito das gentes (um critério que, por ser vago e, por isso, de difícil
aplicação na prática, viria a ser esclarecido pelos Estatutos Novos da Universidade, de
1772, que mandaram averiguar o uso moderno que desses preceitos faziam os
jurisconsultos das nações europeias da época, o que redundava em considerar como
direito romano subsidiário o que fosse aceite pelos jurisconsultos da corrente do usus
modernus pandectarum) [0,5 valores]; e que, realmente, foi proibida a aplicação
subsidiária do direito romano em matéria política, económica, mercantil (ou comercial)
e marítima, em virtude de estar antiquado ou nem sequer conter uma disciplina de
algumas dessas matérias, devendo recorrer-se antes, nessas matérias, ao «subsídio
próximo» das leis das «Nações cristãs, iluminadas e polidas»; nas palavras da lei, isso
era «muito mais racional e coerente» do que recorrer às «leis de uns Gentios» (isto é,

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dos romanos), sem qualquer razão atendível depois de «mais de dezassete séculos» [1,5
valores].

2. Assinale a afirmação verdadeira.


Na época liberal, em Portugal, até ao Código Civil de 1867, verificou-se uma
transformação considerável do direito privado português, sobretudo devido à utilização
dos códigos civis estrangeiros a título subsidiário.

Elementos a mencionar na justificação:


Referir que a implantação do liberalismo, em Portugal, com a revolução de 1820 (e,
definitivamente, a partir de 1834), não determinou a realização imediata de reformas
legislativas substanciais no âmbito do direito privado, no período que antecedeu o
primeiro Código Civil, de 1867, ao contrário do que se verificou no plano constitucional,
administrativo e em outros sectores do direito público [0,3 valores].
Aludir à existência de alguns reflexos privatísticos de certas reformas administrativas ou
processuais – por ex., os que resultaram do decreto de extinção dos dízimos ou da lei de
extinção dos forais (que desferiu um rude golpe no regime da enfiteuse) – e a reformas
parciais que afectaram o regime de uma ou outra instituição jurídico-privada – por ex.,
o decreto que fixou novas regras quanto à maioridade e à emancipação e quanto à tutela
dos menores, e o decreto do governo setembrista que criou o registo das hipotecas. E
salientar que nem o próprio Código Comercial de 1833 constituiu uma inovação
profunda, uma vez que, no essencial, se limitou a converter em direito nacional os
preceitos estrangeiros que já eram aplicados entre nós a título subsidiário (por força do
disposto pela Lei da Boa Razão, quanto às lacunas em matéria mercantil [0,5 valores].
Mencionar a considerável evolução das nossas instituições jurídico-privadas verificada
por obra da doutrina e da jurisprudência (em virtude de o Liberalismo ter continuado a
confiar à actividade doutrinal dos jurisconsultos a orientação de direito privado, com
base nas normas de interpretação e de integração de lacunas legadas pela época do
jusracionalismo (mantendo-se formalmente em vigor as consagradas na Lei da Boa
Razão e nos Estatutos Novos da Universidade, ainda que com um sentido diferente, pois
o Liberalismo não estabeleceu novas regras para esse efeito). Quanto à integração de
lacunas, em vez de se aplicar, a título subsidiário, o direito romano conforme à boa
razão, como determinava a Lei de 18 de Agosto de 1769, e de se recorrer ao «uso
moderno», nos termos definidos pelos Estatutos da Universidade, a referência
inequívoca destes ao «uso moderno» foi desvirtuada (com base num raciocínio
artificioso de Coelho da Rocha), deixando de ser o conteúdo das obras de Heineccius ou
Stryck (por exemplo), para passar a ser o ponto de partida para a utilização, a título
subsidiário, do articulado dos próprios Códigos estrangeiros da época [0,8 valores].
Referir o raciocínio de Coelho da Rocha (que correspondia ao sentimento unânime da
época) a esse respeito, que era o seguinte: «os Estatutos da Universidade, assim como
permitem averiguar o uso moderno das nações nos escritos dos seus jurisconsultos, por

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maioria de razão devem permitir procurá-lo nas suas leis» (como que ignorando o
significado doutrinal e filosófico muito concreto daquela referência dos Estatutos –
pensamento de uma escola jurisprudencial, de que os códigos individualistas estavam,
por vezes, muito distanciados); e dizer que o primeiro jurisconsulto a utilizar os códigos
estrangeiros como expressão do uso moderno, e a preconizar a sua aplicação em
Portugal a título subsidiário, fundando-se na autoridade da Lei da Boa Razão, foi Manuel
de Almeida e Sousa (Lobão) [0,7 valores].

III. Refira-se à elaboração e aprovação dos Estatutos Novos da Universidade, mediante


a indagação prévia das causas da decadência do ensino universitário em Portugal,
assim como às inovações por eles introduzidas no ensino jurídico.
(COTAÇÃO: 5 valores)

Elementos a mencionar na resposta:


Referência à nomeação, em 1770, de uma comissão com o nome de Junta de
Providência Literária, incumbida de emitir parecer sobre as causas da decadência do
ensino universitário, entre nós, e sobre o critério adequado à sua reforma, assim como
à apresentação, por essa comissão, no ano seguinte (1771), de um relatório com o título
de Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra (em termos um pouco mais
completos, «Compendio Historico do estado da Universidade de Coimbra no tempo da
invasão dos denominados Jesuitas…»), no qual se fazia uma crítica implacável da
organização do ensino existente, reafirmando-se em grande medida as críticas
anteriormente feitas por Luís António Verney; indicação dos graves defeitos aí
apontados aos nossos estudos jurídicos – a preferência absoluta dada ao ensino do
direito romano e do direito canónico, desconhecendo-se praticamente o direito pátrio;
o abuso que se fazia do método bartolista e o respeito cego pela opinião comum dos
doutores; o completo desprezo pelo direito natural e pela história do direito (romano e
pátrio) [1,2 valores].
Alusão ao facto de ter sido ainda a Junta de Providência Literária que procedeu à
subsequente elaboração dos novos Estatutos da Universidade, também conhecidos
como Estatutos Pombalinos, aprovados por Carta de Lei de 28 de Agosto de 1772 [0,2
valores].
Indicação das principais disposições neles contidas, quanto aos cursos jurídicos (que
continuam organizados em duas Faculdades, de Leis e de Cânones), no seu livro II (que
acolhiam as críticas feitas no Compêndio Histórico): a inclusão do estudo de matérias
novas – a cadeira de Direito Natural, que tinha como objecto, segundo os próprios
Estatutos, não só o direito natural em sentido estrito, mas ainda o «direito público
universal» e o «direito das gentes» – comum às duas Faculdades, no 1.º ano; a História
do Direito Romano e do Direito Pátrio (embora criada na Faculdade de Leis, era de
frequência obrigatória, no 1.º ano, pelos estudantes de Leis e pelos de Cânones); e as
instituições de direito pátrio, ensinadas na cadeira de Direito Civil Pátrio (nas duas

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Faculdades, no 5.º ano). Salientar que, não obstante isso, o núcleo central dos cursos de
Leis e de Cânones continuou a ser constituído, respetivamente, pelo Corpus Iuris Civilis,
sobretudo pelo Digesto, e pelo Corpus Iuris Canonici, ainda que encarados de pontos de
vista diversos dos anteriores [1,3 valores].
Mencionar o novo método e a nova orientação do ensino, que se revestiram de
particular importância: determinou-se a utilização do método «sintético-
demonstrativo-compendiário», inspirado principalmente no sistema das Universidades
alemãs – segundo o qual os professores deviam fornecer aos estudantes uma visão geral
de cada disciplina, através de definições e da sistematização das matérias, seguindo uma
linha de progressiva complexidade, e tudo isso acompanhado de manuais adequados,
sujeitos a aprovação oficial; o antigo método analítico apenas sobreviveu em duas
cadeiras do fim do curso, para aprendizagem da interpretação e execução das leis [0,8
valores].
Alusão à minuciosa definição do programa das várias cadeiras nos próprios Estatutos e
aos direitos romano e canónico, o tradicional método escolástico ou bartolista foi
substituído pelas directrizes histórico-críticas ou cujacianas; em relação à aplicação do
direito romano a título subsidiário, que a Lei da Boa Razão tinha regulado pouco tempo
antes, consagravam-se os princípios da corrente alemã do usus modernus pandectarum
[0,5 valores].
Alusão ao facto de ter constituído uma aspiração da reforma que os professores
organizassem compêndios breves, claros e bem ordenados, que substituíssem as
tradicionais postilas ou apostilas (os apontamentos manuscritos que circulavam entre
os estudantes, reproduzindo grosseiramente as preleções das aulas); e à circunstância
de os primeiros compêndios aprovados oficialmente para o ensino (mas só em 1805)
terem sido os de Mello Freire – História do Direito Português, Instituições de Direito Civil
Português e Instituições de Direito Criminal Português. Sublinhar que enquanto os
professores não escreveram tais compêndios (e não ocorreu a sua aprovação), foram
utilizados no ensino das várias cadeiras os de jurisconsultos estrangeiros que se
harmonizavam com as orientações impostas, nomeadamente, de autores
jusracionalistas (por ex., Carlos Antonio de Martini, na cadeira de Direito Natural e o
Direito Público Universal e das Gentes) e da corrente do uso moderno (por ex., Böhmer
e Heinécio [1,0 valores].

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