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A ARTE E O OFÍCIO DA PREGAÇÃO BÍBLICA

Capítulo 134

DANDO VIDA ÀS HISTÓRIAS DA BÍBLIA

Como pintar as cenas que conectam com platéias modernas


Steven D. Mathewson

Estudo nº 09

Por Walmir Melo


A ARTE E O OFÍCIO DA PREGAÇÃO BÍBLICA

Qual é a diferença de estilo entre John Grisham e os contadores de


histórias da Bíblia? A resposta pipocou na minha mente um dia em que li
uma seção de Gênesis e, depois, li uma seção de um dos romances de
Grisham.

No romance O Testamento, de John Grisham, o advogado Nate Riley está


à procura do herdeiro inesperado de uma fortuna de 11 bilhões de
dólares — uma missionária chamada Rachel Lane. Riley finalmente a
encontra longe, numa flo- resta no Brasil. No seu primeiro encontro, um
grupo de homens de uma tribo a escoltam até Riley. Observe como
Grisham a descreve:

Rachel estava com eles; ela estava vindo. Havia uma camisa amarelo
claro em meio aos torsos bronzeados, e um rosto mais claro debaixo de
um chapéu de palha. [...] Ela era ligeiramente mais alta do que os índios
e se portava com leveza e elegância. [...] Nate observava cada passo
dela. Ela era muito esguia, os ossos aparecendo nos seus ombros
brancos. Ela começou a olhar na direção deles enquanto se aproximavam.
[...] Ela tirou o chapéu. O seu cabelo era castanho e meio grisalho e bem
curto.

Em contraste, observe como o autor de Gênesis descreve Rebeca na


primeira vez em que ela avista seu noivo Isaque:

Rebeca também ergueu os olhos e viu Isaque. Ela desceu do camelo e


perguntou ao servo: "Quem é aquele homem que vem pelo campo ao
nosso encontro?". "E meu senhor", respondeu o servo. Então ela se
cobriu com o véu. Depois o servo contou a Isaque tudo o que havia feito
(Gn 24.64-66).

A diferença entre o estilo de um romance moderno e o da Bíblia está nos


detalhes. Embora os autores das histórias

bíblicas fossem artistas literários de primeira classe, eram econômicos e


esparsos em seu estilo. Em comparação com 1 ohn Grisham, ou Charles
Dickens, ou Jan Karon, os autores bíblicos forneciam menos detalhes.

Isso resulta num desafio para os que pregam a narrativa bíblica. Uma
platéia moderna, com freqüência, exige mais detalhes sensoriais para que
a história se torne
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viva. Os pregadores precisara imaginar os cenários da historia bíblica e,


depois, pintar um quadro vivido. Se não, a narração da historia fica
insípida e enfadonha.

Em Leap Over A Wall [Salto sobre o muro], observe como Eugene


Peterson retrata a cena de quando Davi encontra Saúl na caverna do
deserto em En-Gedi:

Davi e alguns de seus homens estão escondidos numa caverna esculpida


nas rochas acima do mar Morto. O dia está quente, e a caverna, fresca.
Eles estão no fundo da caverna, descansando. De repente, aparece uma
sombra na entrada da caverna; eles ficam surpresos ao ver que é o rei
Saúl. Eles não sabiam que ele estava tão perto em sua perseguição. Saul
entra na caverna, mas não os vê; os olhos dele, vindos do brilho forte do
sol do deserto, não identificam as figuras vagas nas reentrâncias da
caverna. Além disso, ele não está em busca deles nesse momento; ele
entrou na caverna para responder ao chamado da natureza. Ele vira as
costas para eles.

A descrição de Peterson revela algumas estratégias. Primeira, ele não


recorre à linguagem floreada. Ele usa palavras fortes, mas consegue
manter o equilíbrio entre a economia e os detalhes. Além disso, faz com
que sua exegese controle a sua imagi- nação. Ele não vai além do texto
para entrelaçar as suas conjecturas na cena. Ele simplesmente se põe na
história e descreve o que qualquer personagem enxergaria. Retratar
cenas dessa maneira dá a você uma vantagem, em especial, quando
chega a hora de transmitir dados histórico-culturais. Quando conta uma
história bíblica, pode ser que você tenha de explicar detalhes
geográficos, rituais de casa- mento, crenças religiosas cananéias ou
práticas de guerra desconhecidos da sua platéia contemporânea. É fácil
transmitir tais informações de forma insípida que

diminui o valor da história.

Suponha que você faça um sermão acerca de Josué 6. Para fazer com que
a história se torne vivida, você provavelmente terá de explicar um pouco
acerca de práticas de guerra de cerco. Se usar a forma típica, você pode
introduzir as suas informações ao dizer: "Com base em dados
arqueológicos, os estudiosos da Bíblia podem descrever com exatidão
como os antigos conduziam a guerra de cerco . Com isso, você
provavelmente já entediou parte da sua platéia. No entanto, trans-
formar essas informações numa cena faz com que as informações sejam
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transmiti- das de forma mais interessante. Numa pregação recente


acerca de Josué 6, apresente: os dados acerca da guerra de cerco da
seguinte forma:

A cidade de Jerico está fechada a sete chaves. É isso que você espera,
mas não é o que quer ouvir. É duro atacar uma cidade fortificada, quando
os portões foram fechados, e o povo está escondido lá dentro.
Empoleirados lá no topo dos muros estão as torres da guarda, ou postos
com guardas, prontos a atirar suas flechas, derramar óleo fervente e
jogar pedras sobre você se chegar muito perto do muro. Da sua torre, os
guardas observam as entradas. Visto que o sistema de portões é o ponto,
em potencial, mais fraco

do muro, a entrada consiste em uma série de dois ou três portões.


Quebre um, e você ainda tem mais um ou dois portões pela frente. Assim
você tenta aproximar um aríete o suficiente para começar a golpear o
muro. Mas fazer um buraco no muro pode levar semanas, ou até meses.
Escalar o muro tam- bém é muitíssimo difícil. Como o general Custer,
você acabará com uma camisa de flechas antes que consiga subir uma
parte relevante do muro.

Você pode pintar quadros como esse ao selecionar informações de


dicionários bíblicos, enciclopédias, atlas ou livros de arqueologia. Você
obtém ajuda acerca de como forjar esse material em uma cena ao ler
alguns dos mestres dessa arte. Tente o livro Leap Over a Wall: Earthly
Spirituality for Everyday Christians [Salto sobre o muro: espiritualidade
terrena para cristãos de todos os dias] de Eugene Peterson e encontre
cenas da vida de Davi. Em seu livro Pecidiar Treasures: A Biblical Who's
Who [Tesouros peculiares: um quem é quem na Bíblia], Frederick
Buechner dá vida às personagens bíblicas. Às vezes, sua imaginação
transcende o texto, mas ler o material dele exercita sua criatividade.
Além disso, adquira um exemplar da obra A Fonte de Israel de James
Michener. Ele vai e volta entre o relato ficcional de uma escavação
arqueológica no oeste da Galiléia e as antigas histórias por trás dos
artefa- tos escavados. As primeiras 373 páginas fornecem imagens
vividas da história ju- daica até 605 a.C., particularmente da rotina diária
da vida em família, agricultura e práticas religiosas dos cananeus.

Quando você pinta essas cenas, preste atenção na escolha das palavras.
"Subir os muros" soa insípido para os ouvintes. "Escalar os muros",
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desperta o interesse deles. Às vezes, um dicionário de sinônimos ajuda a


sair da repetição verbal. Mas tenha cuidado em escolher a palavra
apropriada. Substantivos e verbos específicos também ajudam. Alguns
comunicadores usam adjetivos e advérbios para com- pensar a falta de
impacto deixada por verbos e substantivos fracos. Em vez de tentar
incrementar um substantivo como pedra com o modificador genérico
grande, use uma palavra como matacao. Em vez de flores, escolha a
designação apropriada como lírios ou margaridas. Quando o assunto é
verbos, tente "socar o muro" ou "golpear o muro", em vez de "bater no
muro". Mas assegure-se de que o verbo descreve corretamente a ação.
E vale lembrar mais uma vez, a exegese precisa esta- belecer os limites
para sua criatividade.

As generalidades drenam a vida das histórias. Assim, quando você


pregar, tenha como objetivo detalhes sensoriais suficientes para
despertar o interesse dos seus ouvintes. Pintar cenas vividas dá vida às
histórias bíblicas.

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