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Esse Estranho amor

Rosalie Ash
Julia 937

Um casamento precipitado...
Kim sabia muito bem como terminava esse tipo de casamento. Casara-se com Brad após
um romance relâmpago e só descobrira seu terrível segredo quando já era tarde
demais.
Resultado: fugira, abandonando o noivo ainda durante a festa de casamento!
Brad não podia aceitar o fim de seu casamento e seguiu a esposa até a França para
tentar reconquistá-la. Não queria falar sobre o passado.
Para ele, só o futuro importava. Mas será que conseguiria convencer Kim de que o
importante era o hoje e o amanhã, e não o ontem?

Digitalização: Joyce
Revisão: Nete
Formatação: Raquel
Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

Copyright: Rosalie Ash

Publicado originalmente em 1987 pela

Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Copyright para a língua portuguesa: 1989

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3º andar

CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil

Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.

E impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.

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CAPÍTULO I

Ofegando e com o coração descontrolado, Kim participou do ritual das assinaturas nos

registros. Não tinha consciência da presença de ninguém, além de Brad. Era a esposa de

Brad. Sra. Brad Baldwin. E, o marido, moreno, misterioso, carismático, beijara-a publicamente,

demonstrando a paixão que os unia. A sombra de insegurança desvanecera-se.

Sentia-se caminhando nas nuvens, flutuando pela nave, de braço com Brad, ao som do

órgão, sob os olhares de admiração dos convidados. Apesar do sol da manhã, Kim tremeu ao

vento do mês de agosto quando entraram no Rolls-Royce reluzente que os levaria ao local da

recepção. — Se não fosse para agradar sua mãe, escaparíamos da festa e iríamos direto para

Antigua — Brad declarou na intimidade do carro. Os olhos azuis semicerrados, o sorriso

cintilante aliviavam as linhas duras do rosto.

Ela riu, tocando-lhe a face. Brad beijou-a novamente. Aninhada nos braços dele, sentiu a

força de seu desejo. Estremeceu. Foi um estremecimento de sensação antecipada, um misto

de prazer e apreensão. Mas, uma apreensão agradável por ser a sra. Brad Baldwin, pela

perspectiva da lua-de-mel numa ilha do Caribe e por imaginar o que transcorreria na doce

intimidade do leito nupcial.

Era apenas uma pontada de apreensão. Absolutamente não era uma premonição. Até o

momento exato em que tudo começou a dar errado, não tivera a mínima premonição do

desastre...

— Quem teve a ideia luminosa de desenhar um vestido de noiva como este? — Brad

brincou, mais tarde.

Estavam na suíte do hotel, depois da recepção. Preparavam-se para seguir para o

aeroporto. Os dedos impacientes roçavam na curva dos seios dela, enquanto abriam a longa

carreira de botões forrados de seda.

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— O que há de errado? — ela murmurou. — Pensei que tivesse gostado.

O vestido de seda creme, com bordados delicados, realçava a pele clara de Kim.

— Sensual o bastante para levar um homem à loucura, mas impossível de tirá-lo... —

Riu, afastando os fios de cabelos loiros do rosto dela.

Brad tirara o elegante terno cinza. O roupão revelava a pele bronzeada do peito

musculoso. O brilho de desejo nos olhos dele provocaram um tremor nos joelhos de Kim.

EIa se sentia ridiculamente nervosa. Também o desejava. Tanto, que sentia a garganta

seca e o coração aos saltos, mas, com o vôo marcado, não teriam tempo para fazerem amor.

Ou teriam?

— Talvez, o estilista tenha firmes convicções no que diz respeito à castidade feminina —

ela arriscou.

— Eu também — Brad murmurou, beijando-a na curva do pescoço. — Neste caso,

porém, poderão ser abolidas imediatamente.

— Oh, Brad...

O telefone tocou estridente na mesa de cabeceira. Soltando uma imprecação, Brad

afastou-se contrafeito para atendê-lo. Kim acompanhou-o com o olhar, enquanto tentava

desabotoar o vestido. Encantada, admirava os ombros largos, o corpo bem-proporcionado.

Brad ouvia o que a pessoa dizia do outro lado, passando os dedos pelos cabelos, num gesto

impaciente. Depois cie uma resposta curta e inaudível, desligou.

— O que aconteceu?

— Meu padrinho de casamento está com um pequeno problema — ele respondeu com

expressão séria. — Não demoro.

Depois de vestir a calça e a camisa esportes que separara , para a viagem, ele a beijou

de leve nos lábios.

— Quando eu voltar, se ainda estiver com esse vestido, juro como o rasgarei. —

Contemplando-a com um sorriso cheio de promessas, saiu do quarto.

Momentos depois, Kim ouviu uma batida na porta. Pensando que fosse Brad, sem a

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chave, correu para abri-la. Deparou-se com Lucinda, a madrinha, radiante em seu vestido

creme. Trazia um envelope grande nas mãos.

— Uma encomenda misteriosa para você. — Entrou no quarto, largando o envelope sobre

a penteadeira. Olhou ao redor com ar surpreso. — O que aconteceu com seu mari-dinho? Não

me diga que já o dispensou.

— Curtis ligou. Parece que está com problemas. Brad desceu para conversar com ele. O

que é isso, Lucy? — apontou para o envelope.

— Não sei. Entregaram em mãos e, segundo a recepcionista, é urgente. — Lucinda fitou-

a num misto de afeto e inveja. — Uau, você teve uma sorte danada casando com esse homem

divino. O jeito como ele a olhou, como a beijou no altar... Oh, Deus, Kim, eu quase morri!

Nunca fui madrinha de um casamento tão romântico!

— Que eu saiba, esta é a primeira vez que foi madrinha de um casamento! — Kim

brincou.

— Bem, é verdade. Ah, imagine você, que Curtis e eu estamos nos entendendo muito

bem. Quem sabe se não serei a próxima a casar-se com um milionário americano?

— Como pode afirmar que Curtis é milionário, se acabou de conhecê-lo? — Rindo, Kim

ainda lutava com os botões.

— Precisa de ajuda?

— Estou quase terminando. São tão pequeninos...

— Deixe-me terminar. Aposto como era Brad quem estava

fazendo isso.

Kim enrubesceu e Lucinda balançou a cabeça com ar de incredulidade.

— A noiva inocente! Como uma donzela da época vitoriana! — Riu com gosto. — Não

me diga que ainda sente vergonha dele! Kim, minha querida, sei que você o conhece há pouco

tempo, mas, além do fato de certamente já ter ido para a cama com ele, vocês trabalham

juntos e...

— Lucy, você é minha amiga e eu a considero muito, porém, gostaria que cuidasse

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apenas da sua vida — Kim a interrompeu com firmeza. O rubor desaparecera. Respirando

fundo, tentou manter-se calma.

— Ok, ok. Mas, se precisar de conselhos, não esqueça de chamar titia Lucinda. — Com

um gesto de cabeça, apontou o envelope. — Por favor, abra essa encomenda. Estou morrendo

de curiosidade.

Segurando-o, Kim examinou-o com uma ponta de desconfiança. Não tinha remetente,

apenas os dizeres "A atenção da sra. Brad Baldwin. Urgente e Confidencial". Não reconhecia

a caligrafia.

— Será uma carta-bomba? — brincou.

Lucinda riu, terminando de abrir os botões.

— Duvido. A menos que Philip tenha decidido vingar-se por ter sido abandonado.

Philip Sefton-Brook era o rapaz "bem-nascido" de quem era noiva até o momento em

que Brad Baldwin entrara em sua vida como um furacão, virando tudo de cabeça para baixo.

Entretanto, por mais estranho que parecesse, ela de-testara Brad a princípio. Depois, com o

passar do tempo, a .situação mudara, e os sentimentos também, a ponto de nada parecer

completo sem a presença dele.

— Não creio que Philip tomaria uma atitude tão agres-siva. — Sentando-se na cadeira

diante da penteadeira, Kim abriu o envelope, colocando seu conteúdo sobre o móvel. — Além

do mais... — Calou-se repentinamente.

Manuseou os papéis espalhados à sua frente. Havia uma carta anónima, formulários

oficiais, um certificado, fotografias. Contendo a respiração, permaneceu estática.

— Lucy... — Sua voz soara distante, estranha. — Por favor, vá... e veja se Brad já

resolveu o assunto com Curtis.

— Sim, mas... Kim, você está bem? E a carta? Erguendo a cabeça, Kim viu o rosto da

amiga refletido no

espelho, os olhos ansiosos. Inexplicavelmente na defensiva, juntou os papéis,

escondendo-os da curiosidade de Lucinda.

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— Sim... Eu... Eu apenas preciso de alguns minutos a sós. Por favor.

Assim que Lucinda saiu, ela se levantou num salto, fechando a porta à chave. Depois,

examinou novamente os papeis, com o coração batendo forte. Quanto tempo ficou lá sentada,

olhando para o conteúdo do envelope, ela não saberia dizer. Mas, deu-se por conta de que

estava chorando. I ncontrolavelmente, histericamente.

Enfraquecida pelo descontrole, respirou fundo. Há anos nào sofria crises de choro como

aquela. Chorava tanto, que os tremores sacudiam seu corpo.

Por fim, o choro cessou. Mirou-se no espelho. A imagem que viu era a de uma estranha.

Uma estranha vestida de noiva. As lágrimas haviam manchado a maquilagem. Em trinta

minutos — não, menos — deveria estar no aeroporto, rumo à lua-de-mel de sonho com Brad.

Era esposa, além de funcionária-chave, do intratável, rude, inflexível, milionário e poderoso

marchand internacional, Brad Baldwin. Na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na

saúde e na doença... Promessas de felicidade. Sim, o perfeito final feliz para um impetuoso

caso de amor.

De novo, olhou para os papéis à sua frente. Fechou os olhos, horrorizada. Aquele era um

sonho mau. Não conseguia pensar com clareza. Só podia tratar-se de uma brincadeira. Como

poderia acreditar que Brad fizera aquilo? Mas, as informações eram tão precisas... E, afinal,

ela conhecia Brad mesmo tão bem?

Lembrou-se da preocupação de sua mãe, e de outras pessoas também, com relação ao

seu casamento com Brad. Teria fundamento? A imagem da mãe, elegantemente vestida para o

casamento, descendo a escadaria da velha casa de Knights-bridge. Aparentemente, a mãe

também rendera-se ao carisma de Brad, mas Kim desconfiava que, no íntimo, ela preferia que

o homem esperando na igreja fosse Philip...

Bem, era tarde demais. Olhou para o dedo anular da mão esquerda. Além da aliança de

ouro, um solitário de diamante, reluzindo como fogo.

Era a sra. Brad Baldwin. E acabara de descobrir que absolutamente não conhecia seu

marido.

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Tremendo, tomada pelo pânico, despiu o traje de noiva. Olhou-se no espelho, outra vez.

Alta, magra, pernas compridas, bem-feitas. Os enormes olhos verdes vidrados pelas lágrimas,

os lábios sensuais curvados pelo tremor.

Com os nervos contraídos, lavou o rosto no banheiro da luxuosa suíte, soltou os cabelos,

escovando-os até caírem nas costas como uma cascata dourada. Vestiu calça preta, camisa de

seda verde, jaqueta caqui, sapatos pretos, pegou o envelope e as malas que preparara para a

viagem de lua-de-mel. Conferiu o dinheiro, talão de cheques, cartões de crédito, passaporte.

Embora tremendo como em estado febril, tentou soltar um suspiro longo e relaxante. A

tensão aumentava à medida que compreendia a necessidade de escapar daquele quarto antes

da chegada de Brad. Ele voltaria a qualquer instante.

A ultima coisa que desejava, era enfrentá-lo naquele momento. Precisava sair dali o mais

rápido possível.

Com a mão úmida, abriu a porta. Hesitou. Seria essa a decisão correta? Poderia fugir de

Brad algumas horas depois de ter feito os votos de casamento na igreja, diante do padre,

diante de Deus? Mas tinha de ir embora. Precisava de tempo para pensar. Precisava clarear

suas ideias para saber em que acreditar.

Saiu pelo corredor, deixando a porta aberta e o vestido de seda .jogado no chão.

Apressada, seguiu em direção à escada de serviço que a levaria até à entrada dos fundos do

hotel.

Tomou o caminho do château quase sem pensar. Pegou a estrada direto para a costa,

depois a balsa sob o túnel e voltou a dirigir do outro lado do Canal. Era começo de agosto e

chegaria a seu destino antes de escurecer. Seu pequeno Renault branco enfrentaria a longa

viagem, Grande parte do tempo, ela lutou para não ultrapassar o limite de velocidade.

Não conseguia pensar em mais nada. Apenas nos acontecimentos das últimas horas que

haviam mudado comple-tamente sua vida. Tinha plena consciência da confusão que sua fuga

provocara. Entretanto, o que mais a incomodava era a reação de Lucinda. Esbarrara com a

amiga quando encapava pela escada. Lucinda insistira em saber o conteúdo do enyelope e

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quando Kim se recusara a revelar, de imediato ela perguntou se Brad já era casado.

— Ele é bígamo? Ou um serial killerl — Foram as per-guntas de Lucinda.

Diante da negativa angustiada, Lucy declarara, então, que Kim era louca por abandonar

um homem gloriosamente sensual e fabulosamente rico como Brad Baldwin. Nada que

eventualmente ela tivesse lido na carta justificaria seu comportamento, Lucy completou.

— Eu sei — Kim admitira debilmente. — Só que não posso encará-lo. Preciso de tempo,

Lucy... Lucy... por favor, diga-lhe que mudei de ideia e...

— Mudou de ideia? Algumas horas depois de ter se casado com o homem? Você está

doente! Como pode fazer isso, Kim? Logo com alguém como Brad?

A pergunta martelava sua mente enquanto dirigia. Não. Martelar não era a palavra certa.

Torturava. Sim, torturava sua mente. Como pudera fazer aquilo? Seu desaparecimento o

humilharia, fazendo-o passar por um completo tolo. Com certeza, Brad ficaria furioso e Kim não

se atrevia sequer a pensar em sua fúria.

Certamente, não deveria sentir medo dele. Afinal, amava-o. Ou, pelo menos, pensava

que o amava. Se amar significava pensar na pessoa vinte e quatro horas por dia, arrepiar-se

toda a vez que a pessoa se aproximava, estremecer por inteiro quando a tocava...

Porém, ao mesmo tempo em que pensava nos carinhos de Brad, lembrava-se também

das fotos do envelope. Um sentimento de pânico invadiu-a. Dirigia como um autómato. Parou

para descansar um pouco e comer alguma coisa, sempre consumida pela urgência. Era

ridículo, mas não conseguia livrar-se da sensação de estar sendo perseguida, caçada.

Olhava pelo espelho retrovisor a todo instante. Uma moto possante ultrapassou-a pela

esquerda e ela estremeceu violentamente. Por uma fração de segundo, imaginou que fosse

Brad. Estava enlouquecendo. Brad não tinha moto.

Mas, tinha quando se conheceram. Fora um encontro constrangedor, pouco antes de

Brad assumir a galeria onde ela trabalhava. Era sexta-feira à noite, fim de expediente. Kim

acabara de sair da galeria quando um garoto tentou roubar-lhe a bolsa. Kim segurou a bolsa

com firmeza, mas o ladrão jogou-a violentamente ao chão. Brad aparecera para socorrê-la, a

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bordo de uma Harley-Davidson. Recuperou a bolsa de Kim, mas o rapaz conseguiu escapar.

Apesar do medo e do susto, ela reparou na estampa do homem que a salvara. Registrou

o corpo atlético, o rosto moreno, os cabelos pretos batendo na gola da jaqueta, nos olhos

azuis, nas feições duras e agressivas. O impacto fora quase tão violento quanto a agressão do

assaltante.

A calça jeans, a jaqueta de couro preto, o brilho irónico no olhar, davam-lhe um aspecto

um tanto sinistro. Apesar disso, Kim sentia coisas estranhas acontecerem em seu íntimo, só

porque ele estava muito próximo dela.

Confusa e trémula, balbuciou algumas palavras de agradecimento, falando como se ele

fosse um membro do grupo "Anjos do Asfalto", cuja finalidade era ajudar a população. O

estranho não confirmou, nem desmentiu. O destino encarregou-se dos esclarecimentos, pois

na manhã da segun-da-feira, ela descobrira que ele era seu novo chefe!

As imagens passavam pela mente de Kim com a mesma força e nitidez daquele dia. Em

vez da possante Harley-Da-vidson, ele estacionara um Porsche azul diante da refinada e

exclusiva galeria de arte Bond Street. Trocara o jeans e jaqueta de couro por um elegante

terno cinza. Ele não tinha nada a ver com o homem que acreditara ser um dos "Anjos do

Asfalto". Porém, como passara o fim de semana inteiro pensando nele, Kim o reconheceria em

qualquer hipótese.

Queria que o chão se abrisse a seus pés. Brad lançara-lhe um olhar divertido de

reconhecimento. Avaliou-a da cabeça aos pés. Os cabelos loiros, o tailleur preto, a camisa de

seda verde-água, os sapatos pretos de salto alto. O olhar apreciador deteve-se na curva

sensual dos quadris e Kim sentiu os mamilos se enrijecerem. O anel de esmeralda que Philip

lhe oferecera como compromisso de noivado parecia queimar seu dedo. Começara a respirar

com dificuldade. De repente, ele começara a rir, estendendo-lhe a mão bronzeada.

— Claro! Você é a donzela em perigo! — brincara. — Não precisa ficar tão apreensiva,

srta. Campbell. Sou um dos "Anjos", lembra-se?

Recuperando o autocontrole, ela apertara a mão que Brad lhe oferecia. Assim que as

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mãos se tocaram, ela sentira a palma em brasas. Tratara de retirar a sua bem rápido. Depois,

sentira-se ridícula. O que aquele homem tinha de mais? Aparentava trinta e poucos anos, dez

mais velho do que ela. Era perturbadoramente protetor, e extremamente sinistro ainda, mesmo

com aquele impecável terno cinza. Além do mais...

Seu riso revelara dentes alvos. Apenas um ligeiramente irregular. A pequena imperfeição

só fazia aumentar o carisma.

— Acho que estou em falta com o senhor — ela se desculpara meio ofegante. — Nem

mesmo agradeci...

— Esqueça. Verifiquei suas credenciais, srta. Campbell, e preciso de você aqui na

galeria. — O sotaque da costa oeste americana encantara-a ainda mais. — Além do

dinamismo, você tem a experiência perfeita, as atitudes perfeitas e as qualificações perfeitas.

Na verdade, você é exatamente a pessoa que estou procurando.

Na estrada, alguém buzinou. Kim sobressaltou-se. De repente, percebeu que não

reparara nas placas, na sinalização, nem reconhecera um único ponto de referência durante os

últimos quilómetros rodados. Tornara-se uma ameaça na rodovia. A qualquer momento, cairia

dormindo ao volante. Parou para uma refeição rápida num hotel-restaurante à beira da estrada.

Quase nem sentiu o gosto da comida. Era impossível relaxar. Estremecia sempre que um carro

azul escuro entrava no estacionamento. Toda vez que alguém abria a porta do restaurante,

sentia calafrios. Queria encolher-se na cadeira até desaparecer.

Bebeu três xícaras de café bem forte, pagou a conta, sempre movida pela compulsão de

escapar.

Mantenha a calma, repetia mentalmente, enquanto ligava o motor com dedos trémulos.

Por que Brad a seguiria até o château? Por que a seguiria em qualquer lugar? Depois do que

fizera naquela manhã, ele a riscaria para sempre de sua vida. Mas, Kim pisou fundo no

acelerador. O medo superava tudo. As estradas planas, retas do nordeste foram gradualmente

tornando-se tortuosas e ascendentes em direção aos campos verdejantes da Bretanha. A

distância, avistou o château. As torres de pedra revestidas por azulejos cor-de-rosa. Sentiu-se

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profundamente aliviada. Já estava chegando. O château não era muito grande, mas as quatro

torres, uma em cada extremidade, e as paredes encobertas pela hera, faziam com que

parecesse um castelo de contos de fadas.

Os pais de Kim o haviam comprado semi-arruinado há quinze anos, quando ela tinha

seis. Investiram muito dinheiro na reforma, transformando-o num luxuoso e aconchegante

segundo lar. Um casal, ele jardineiro, ela governanta, cuidava de tudo na ausência da família.

Era chamado de Château des Anges, Castelo dos Anjos.

O nome estimulara a imaginação de Kim em criança. Agora, considerava-o um lugar

seguro e discreto. O paraíso para suas emoções tumultuadas e conflitantes. Não relaxaria

enquanto não estivesse protegida por aquelas paredes. Mas, mesmo assim, duvidava que

conseguiria dormir naquela noite.

Quando madame Fleurie abriu a enorme porta de madeira maciça, recebendo-a com

exclamações e sorrisos de surpresa, Kim conteve-se para não atirar-se nos braços da mulher e

chorar como uma criança.

Aquela foi uma noite que Kim não gostaria que se repetisse. Rolou na cama, custou a

dormir e, depois de horas que pareciam intermináveis, conseguiu adormecer. O sono, porém,

foi tumultuado, povoado de sonhos terríveis. Kim acordou de madrugada. Pulando da cama,

abriu as cortinas da janela que dava para uma das torres.

A noite estava escura, sem lua. Um uivo veio do bosque que circundava os jardins do

château. Debruçou-se na janela o ficou olhando para aquele pedaço de terra francês. Fazia

calor. O ar vibrava com as cigarras cantando na escuridão. Era o cheiro da França. Uma

mistura de terra quente, ervas silvestres e pinho. Apertou os olhos, tentando vislumbrar alguma

forma no pátio. Nada. Ninguém rondava a propriedade. Ninguém em seu encalço. O pânico era

irracional.

Com o corpo rígido, como uma sonâmbula, fechou as cortinas e voltou para a cama.

Deslizou sob o lençol, e seu último pensamento antes de adormecer foi que, à luz das

evidências que descobrira naquela manhã, as palavras de Brad na galeria, no dia em que se

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conheceram, foram extremamente ambíguas.

"Você tem a experiência perfeita, as atitudes perfeitas e as qualificações perfeitas. Na

verdade, você é exatamente a pessoa que estou procurando...

Agora, era esposa dele. Sra. Brad Baldwin. E tinha fortes suspeitas de que fora usada em

algum tipo bárbaro de jogo que ele elaborara. Nesse caso, ele a encontraria, com certeza.

A sensação de ansiedade, de apreensão, não desapareceu. Quando Kim acordou e abriu

as cortinas na manhã seguinte, a primeira coisa que viu, e que fez seu sangue gelar nas veias,

foi o Porsche azul escuro do marido entrando silenciosamente no pátio do château.

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CAPÍTULO II

Espreitando pela janela, Kim perguntava-se como era possível sentir tremores de medo e

ondas de prazer, simultaneamente. Com certeza, estava enlouquecendo. Lá embaixo, no pátio,

parado ao lado do carro, estava o homem a quem amava, o homem por quem ficara

verdadeiramente obcecada desde o primeiro encontro, dez meses atrás. O homem para quem

trabalhava naquele que se transformara no emprego mais excitante do mundo! O homem com

quem estivera no altar, jurando amor e honra. O homem de quem fugira no dia anterior, num

momento de pânico.

Cerrando os punhos, observou-o. Mesmo a uma distância razoável, Brad era uma

imagem apelativa. Alto, esbelto, com uma mecha dos cabelos pretos caindo na testa, taciturno,

contrito.

Entretanto, o ar enigmático, magnânimo, que normalmente tanto a atraía, naquele

momento assustava-a, descontrolando suas pulsações, por motivos que nada tinham a ver com

desejo. Sua garganta secou. Mal conseguia respirar. Estava apavorada, admitiu pura e

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simplesmente. Não tinha certeza de conhecê-lo bem, nem se chegara realmente a conhecê-lo.

Não tinha certeza se a expressão circunspecta escondia um lado selvagem de sua natureza.

Além do mais, depois de seu comportamento no dia anterior, ele deveria estar furioso.

Inclinando-se, Brad tirou uma jaqueta cinza escuro de dentro do carro, jogando-a nos

ombros. Vestia calca jeans e camisa esporte aberta no peito, e mangas arregaçadas.

Lançou um olhar avaliador pelo château. Depois, olhou di-retamente para a torre, em

direção à janela do quarto, como se pressentisse que ela o observava. Kim afastou-se rápido,

o coração batendo forte. Aquilo era ridículo! Precisava manter o controle sobre as próprias

emoções.

Passou a mão pelos cabelos. Sacudiu a cabeça. Estava realmente intrigada. Como Brad

soubera que a encontraria lá? Não contara a ninguém para aonde ia. Ele teria adivinhado?

Telepatia? Estariam ligados por laços mais profundos do que uma certidão de casamento e

uma aliança?

Fugir ou enfrentar. Poderia esconder-se, fugir de novo. Respirou fundo, decidida a não

fugir mais. Precisava enfrentá-lo. Poderia pedir à madame Fleurie para ficar por perto.

Mirou-se no espelho da penteadeira antes de entrar no banheiro. Estava pálida e abatida.

Depois do banho rela-xante, saiu do banheiro vestida com um roupão branco. A luz da manhã

invadia o quarto pelas cortinas abertas de uma das janelas. Na penumbra criada pelas cortinas

fechadas da outra janela, viu Brad confortavelmente sentado numa poltrona.

— Foi madame Fleurie quem o mandou entrar em meu quarto? — A voz dela soou

estridente pelo choque.

— Não. Eu a convenci de que você adoraria a surpresa. — Não havia a mínima

expressão na voz de Brad.

Instintivamente, Kim apertou oToupão ao redor do corpo. Para seu tormento, percebeu

que tremia. Seus dentes batiam, como se estivesse febril. Não podia ver o próprio rosto, mas

sua aparência deveria ser a pior possível, pois Brad levantou-se, atravessou o quarto e

segurou-a pelos ombros.

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— Você está doente, Kim? — Havia uma ponta de preocupação na voz dele.

Negando com um gesto de cabeça, ela tentava não demonstrar o nervosismo e o quanto

aquela proximidade a perturbava.

— Não... Não. Não estou doente.

— Não me diga que descobriu alguma doença fatal e não quer me contar!

A brincadeira fez com que ela se sentisse ainda pior. Porém, bastou um rápido olhar

direto nos olhos dele para perceber que se enganara ao pensar que ele brincava. Pelo

contrário. Brad estava furioso, terrivelmente furioso. Reunindo toda sua dignidade, livrou-se das

mãos dele.

— Não. Eu...

— Lucinda e Curtis disseram-me que você recebeu uma

carta misteriosa.

Kim fitou-o em pânico. O conteúdo daquela carta estava registrado em sua mente como

palavras de fogo. Mas, não poderia revelar-lhe nada. Absolutamente, não. Como poderia dizer-

lhe simplesmente que descobrira os verdadeiros motivos pelo qual ele se casara com ela? Pior

ainda. Como poderia dizer-lhe que temia pela própria segurança?

— Não quero falar sobre esse assunto. Certamente você tem ideia do que se trata. Afinal,

quando uma pessoa é... abandonada, não costuma ir atrás... de quem mudou de ideia, a

menos que desconfie...

— Você está tremendo — ele a interrompeu. — Se não a conhecesse bem, diria que está

com medo de mim.

— Apenas... não quero mais ficar casada com você. O silêncio que se seguiu parecia

interminável.

— Um momento — Brad finalmente falou num tom que misturava raiva, incredulidade e

divertimento. Os olhos tornaram-se perigosamente escuros. — Deixe-me ver se entendi direito.

Ontem, nós nos casamos. A menos que eu não esteja enxergando bem, você parecia a noiva

mais feliz do mundo. Apenas algumas horas depois, você desaparece, deixando-me no meio

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da festa como um perfeito bobo da corte. No mínimo, você me deve uma explicação.

— Já disse. Mudei de ideia. Talvez seu ego esteja obstruindo seu cérebro. — Levou a

mão à boca, arrependendo-se de suas palavras. A última coisa que desejava era provocá-lo

ainda mais.

Brad apertou-lhe o braço e Kim enrijeceu-se, alarmada.

— Meu ego está um pouco fragilizado, admito, mas é a minha paciência que está se

esgotando, Kim. — A voz tornou-se mais ríspida. — Você está sendo incoerente. Desde que

decidimos nos casar, você passou a irradiar alegria e felicidade. Na noite anterior ao nosso

casamento, você era toda desejo e ansiedade...

— Não é nada disso! — O rosto pálido de Kim tornou-se rubro, diante do tom de ironia.

Brad estava certo. Ela nunca experimentara aquela sen-saçáo de amor e desejo quanto

na noite que precedera o casamento. A timidez com raízes no passado traumático, o

retraimento que sentia em momentos de intimidade física, haviam se dissipado. Beijara-o,

correspondera aos carinhos dele, tocara-o com tanta paixão e fome que fora quase im-

po.ssível controlar-se.

— Não tente enganar-me. — Ele parecia mais calmo, como se tivesse vencido a batalha

contra a fúria. — Quero saber o que está acontecendo, Kim. Por que fugiu de mim?

— Eu... eu preciso de mais tempo. — As palavras escapa-ram. A meia-verdade

pronunciada involuntariamente. A emo-çao fluía naturalmente. A proximidade de Brad

provocando a costumeira magia. Precisava policiar-se para não baixar a guarda. Tudo o que

queria era tocá-lo, chegar-se mais perto a elo. E ele, como se sentiria? Estariam as

mensagens conflitantes gritando alto em seu íntimo, como no dela?

— Mais tempo? — As feições conturbadas demonstraram um leve indício de

entendimento. — Não me diga que ainda é aquele velho pânico sobre sexo, Kim! Foi por isso

que me deixou falando sozinho naquele hotel, quando na noite anterior você praticamente

implorava para fazermos amor? Conversamos muito sobre o assunto durante meses, querida.

Pensei que já tivesse superado o trauma. Pelo amor de Deus, sera que pensou que eu me

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transformaria num monstro e que a estupraria à força na nossa noite de núpcias?

Kim sentiu o rosto corado novamente. Brigava com sua Inata honestidade. Deveria deixá-

lo pensar que agira movida pela força de seu problema pessoal, até não tomar uma decisão

definitiva? Sim, já haviam conversado, e muito, sobre essa questão em particular, chegando,

inclusive, a superar a barreira que tanto a incomodava. Entretanto, sempre poderia fingir que o

problema continuava.

Afinal, ela entrava em pânico quando se tratava de sexo, mio era verdade? Nem tanto

com Brad, Mas, sim, antes de Brad, e por muitos anos antes de conhecê-lo.

Kim fora um patinho feio na adolescência. Essa era a origem do problema. Extremamente

magra, inteligente e boa aluna demais para ser popular entre os colegas de classe. Aparelho

nos dentes, óculos para corrigir um leve estrabismo, espinhas no rosto e cabelos crespos e

curtos besuntados de gel para mantê-los penteados. Depois, uma crise de febre glandular

deixou-a prostrada por longo tempo. Tudo isso resultou numa catastrófica perda de

autoconfiança e auto-estima.

Enquanto as colegas divertiam-se em festas, bailes, passeios e outras atividades próprias

da idade, iniciando suas experiências com rapazes e sexo, Kim não conseguia libertar-se do

complexo de feiúra e falta de atrativos. Em vez de divertir-se na companhia dos rapazes,

evitava-os, imaginado que todos a achavam ridícula ou digna de pena. A segurança e a

sensualidade da amiga Lucinda agravavam ainda mais seu complexo de inferioridade.

Logo depois de ter completado dezoito anos, a metamorfose começou. Os óculos e o

aparelho dentário foram dispensados. Os cabelos cresceram brilhantes e sedosos. As espinhas

tornaram-se coisas do passado. Os danos psicológicos, porém, foram mais difíceis de serem

superados. Olhando-se no espelho, continuava a considerar-se feia e sem atrativos, mesmo

não sendo verdade.

Socialmente, o amadurecimento foi mais confiante. Porém, quando um relacionamento

ameaçava ir mais além do que simples beijos, ela se colocava na defensiva. Chegara à

conclusão de que sexo não era para ela. Não sabia como comportar-se, como corresponder

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

aos carinhos. Enfim, não conseguia relaxar, nem mesmo para tentar.

Namorara um colega do curso de História da Arte, na universidade. Logo, porém,

descobrira que ele era casado. O relacionamento com Philip fora mais longo, mas Kim nunca

permitira que as intimidades passassem dos limites de segurança.

Com Brad fora completamente diferente. Talvez, entre ambos a química funcionara na

dosagem certa, embora Kim não compreendesse exatamente que espécie de química era essa.

Talvez tinha a ver com o temperamento controlado de Brad, com sua habilidade de inspirar

confiança. Depois que ela lhe explicara seus problemas, ele passara a controlar seus

sentimentos e a situação.

Com certeza, Brad tivesse agido com muita astúcia. Mesmo depois que o relacionamento

deles tornara-se mais íntimo, ultrapassando os limites de chefe e funcionária, Brad nunca

forçara o lado físico. Ele soube como lidar com a situação, paciente e lentamente, conduzindo

as coisas com muito tato até chegar no ponto em que só faltou Kim implorar para levá-la para

a cama. Na verdade, na noite an-' terior ao casamento, fora mais ou menos isso o que

acontecera. Mesmo assim, ele se mantivera firme. Aliás, não só mantivera-se firme como

também ponderara que, uma vez que haviam esperado tanto, deveriam esperar até depois do

casamento. Esperar até ela se tornar oficialmente sua...

Kim fechou os olhos, tremendo intimamente, como se aqueles episódios machucassem

sua alma. Brad mantivera-se firme, mas isso não significava que nunca demonstrara que a

achava irresistível. Ou que nunca a tocara, nunca explorara seu corpo com intimidade, levando-

a à loucura e provocando-lhe orgasmos, sem aquela sensação de medo ou de inferioridade.

Brad a tratava com cuidados especiais e ela sabia que ele reprimia o próprio desejo

apenas para não magoá-la.

Abrindo os olhos, fitou-o. Como um homem com tamanho autocontrole poderia ser o

mesmo homem descrito naquela carta horrorosa? Ela só poderia estar fora de seu estado

normal para ter reagido daquela forma.

Um sentimento profundo de dúvida assaltou-a, chocando-a tanto quanto o conteúdo da

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

carta. Mas, as evidências estavam ali registradas. Como alguém poderia fabricá-las?

— Kim, diga-me. Você acha mesmo que eu seria capaz de magoá-la? Pelo amor de

Deus, acha? — Sacudiu-a de leve pelos ombros, depois soltou-a.

Cambaleando, ela se sentou na beira da cama.

— Brad... Oh, Brad, sinto muito... Eu...

Calou-se, desalentada. Estava desesperada, o cérebro à mil. Lendo a carta, ainda

vivendo as emoções do casamento e com as incertezas do próprio passado incomodando em

seu íntimo, entrara em pânico. De repente, ao vê-lo a seu lado de novo transpirando aquele

inegável carisma, trazendo à tona todas suas emoções, tudo parecia impossível.

Deveria haver algum engano. Precisava averiguar os fatos para voltar a confiar

inteiramente nele. Tinha que descobrir se as afirmações da carta eram verdadeiros. Até então,

não poderia confessar-lhe do que o julgava capaz.

— Quero respostas, Kim.

— Por favor... — Com esforço, ela se levantou para encará-lo. — Oh, Brad, você me

perdoa? Desculpe pelo constrangimento que causei ontem à noite. Sinto muito, de verdade.

Mas... mas...

— Perdoá-la? — disse suavemente ao perceber que ela hesitava. — Você pensa que vou

me comover com seu pedido de desculpas? Ninguém me faz de bobo impunemente, meu bem.

Kim se contraiu, mais uma vez tomada pelo pânico. Havia uma chama furiosa no olhos

dele e a voz, embora suave, soava letal. Brad cerrou os punhos, numa demonstração

silenciosa de poder. A atmosfera tornou-se pesada demais. Kim tentou engolir, mas a garganta

estava seca.

— Você está me ameaçando? — perguntou com voz trémula. — É assim que reage

quando as mulheres o contrariam? Talvez eu tenha acertado ao tentar fugir de você.

— Talvez o sentimento seja recíproco.

— Se é assim que você se sente, por que veio até a França à minha procura? — Desviou

o rosto para esconder os olhos cheios de lágrimas.

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

— Bem, não é todo o dia que um cara se casa e é abandonado pela esposa apenas

poucas horas depois do casamento. Por acaso, não lhe passou pela cabeça que eu possa

estar me sentindo trapaceado? Porém, confesso que foram razões comerciais que me

obrigaram a vir à sua procura. — Ele sorriu com sarcasmo. — Você trabalha para mim, lembra-

se? Ou decidiu dar um pontapé em sua carreira junto com o marido?

Virando-se, Kim o fitou indignada. O início do casamento já fora um desastre, o

relacionamento estava em crise, e ele tinha o sangue frio para falar em negóciosl

— Você nunca pára de pensar em negócios? Imagino que se tivéssemos viajado em lua-

de-mel, passaríamos o tempo procurando coleções de arte particulares no Caribe, em busca de

alguma obra prima fora de catálogo!

— Não tenho certeza se os caribenhos sejam tão ricos a ponto de possuírem coleções

particulares de obras de arte. Para ser franco, não foi bem isso que planejei para nossa lua-

de-mel.

A ironia com que Brad proferira aquelas palavras provocou fez com que ela corasse de

novo. Mordendo o lábio, olhou-o com ar de frustração.

Brad era um marchand conhecido mundialmente, especialista em retratos históricos, com

reputação de perito em localizar obras desaparecidas. Atingira o sucesso às próprias custas.

Essa era uma das qualidades que Kim mais admirava nele. Ninguém dera um empurrãozinho

na carreira e na vida de Brad Baldwin.

Kim sabia muito pouco, ou quase nada, sobre o passado dele. Sabia apenas que ficara

órfão muito cedo, que fora criado por parentes em Los Angeles. Começara seu próprio negócio

com uma coleção de miniaturas originais que comprara por um preço irrisório numa loja de

quinquilharias e com um empréstimo bancário. Sua habilidade em identificar e localizar obras

originais faltantes, muitas vezes erroneamente rotuladas como cópias, era internacionalmente

reconhecida e respeitada. Muitas vezes, para não ser reconhecido em leilões, precisava

mandar outras pessoas em seu lugar.

Brad estreitou os olhos, perscrutando o rosto corado de Kim.

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

— Já que você decidiu estragar nosso casamento antes mesmo que começasse, por que

não tirarmos algo positivo desta... palhaçada?

— Oh, não, absolutamente! — Ela reassumiu sua atitude defensiva, sentindo-se caminhar

sobre areia movediça. — Que assunto tão urgente o trouxe até aqui?

— Eu não disse urgente. Haverá um leilão numa galeria na avenida Foch em Paris e...

— Em agosto? — Ela ergueu as sobrancelhas. — Não há ninguém em Paris no mês de

agosto. Ou há?

— Estou muito surpreso com você — Brad comentou com um sorriso irónico. — A

burguesia sai de Paris em agosto.

Os muito pobres e os muito ricos ficam. E com os muito ricos que faremos negócios. A

minoria aristocrática está fugindo dos locais badalados, preferindo a paz espiritual. Bem, minha

talentosa esposa e assistente não poderia ter fugido para um lugar mais conveniente. Há

coisas interessantes no catálogo. Precisarei de sua experiência mas como uma compradora

anónima.

— Não acho tão conveniente assim. Paris fica bem longe daqui, caso não tenha notado.

Afinal, como sabia que me encontraria aqui?

— Conversei com seus pais. Foram unânimes em afirmar que este era seu refúgio

predileto. Telefonei para madame Fleurie altas horas da noite e ela confirmou que você estava

aqui.

— Você viajou a noite toda...

— Viajei.

Ela o encarou, sentindo a raiva dissipar-se. Brad parecia cansado. As marcas da fatiga

acentuavam as linhas ao redor da boca e nas olheiras profundas. A sombra azulada da barba

crescida davam-lhe um ar de vilão. Tudo era por sua culpa. Fora ela a causadora da exaustão

e do stress de Brad.

Kim conteve um suspiro. Não tivera escolha. Como poderia ter ignorado aquela carta?

Como poderia continuar agindo como se nada tivesse acontecido, se o conteúdo sinistro

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

daquele envelope pesava sobre sua cabeça? Precisava de espaço, de tempo para pensar.

— O que você disse à madame Fleurie?

— Expliquei que viria encontrar minha esposa — ironizou com mordacidade. — Você

conhece os franceses. Extremamente vulneráveis aos problemas do coração.

E com os crimes passionais, ela acrescentou mentalmente, sentindo o coração acelerado.

Se Brad tencionava estrangulá-la, usaria a alegação de legítima defesa da honra?

Kim passou a mãos pelos cabelos, traindo seu nervosismo. Brad inclinou a cabeça,

olhando-a interrogativamente.

— Que diabos está acontecendo com você, Kim? O que há de errado? Por que me olha

desse jeito?

— Que jeito?

— Como se eu fosse um monstro. Sei que preciso de um banho e barbear-me, mas

ainda assim não creio que minha aparência seja tão assustadora.

— Não. Claro que não... — Esforçou-se para agir normalmente, e no tom mais natural

possível, sugeriu: — Se quiser tomar um banho, eu... eu o levarei até o quarto de hóspedes.

— Não. Aqui está ótimo para mim. — Sem cerimónias, dirigiu-se ao banheiro da suíte.

Kim o seguiu ainda tentando impedi-lo, mas Brad já estava se despindo. — Não me olhe com

essa cara de choque, Kim. Somos casados, lembra-se? Você pode até não ter tido ainda o

prazer de receber meus préstimos, madame, mas não finja que nunca me viu sem roupa.

Aturdida, ela o observou jogando a camisa de linho ao chão. Parecia hipnotizada. Poderia

muito bem fechar a porta, mas a imagem do tórax musculoso de Brad, da pele bronzeada e

brilhante, simplesmente atraíam os olhos dela como imã. Sua garganta estava seca, os lábios

também. Com a ponta da língua, umedeceu o lábio inferior. O movimento nervoso não passou

despercebido aos olhos atentos de Brad, que lançou-lhe um sorriso triunfante. Ele começou a

abrir o zíper do jeans e Kim recuou, fazendo menção de afastar-se.

— Hei, não vá embora — ele ironizou impiedosamente, enquanto tirava as calças.

Os olhos dela seguiram o movimento involuntariamente. Uma coluna de pelos pretos

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desciam no abdómen, desaparecendo sob a cueca de seda azul, onde uma visível

protuberância revelava a masculinidade latente, a despeito do cansaço que Brad aparentava.

— Venha tomar banho comigo. Ao diabo a lua-de-mel no Caribe. Quem precisa dela? —

provocou-a.

Kim sentiu o sangue borbulhar nas veias, mas suas pernas pareciam paralisadas. Não

conseguia mover-se.

— Não está a fim, sra. Baldwin? — ele insistiu cruelmente. — Talvez mais tarde, hem?

Sem pestanejar, ele tirou a cueca, aparentemente sem preocupar-se com seu estado de

excitação. Entrando debaixo do chuveiro, começou a ensaboar-se. Olhos arregalados, pulsação

descontrolada, Kim simplesmente não conseguia desviar o olhar do corpo daquele homem alto,

moreno e exuberantemente másculo. Quase em transe, observava-o do alto da cabeça até o

triângulo de cabelos pretos ao redor da virilidade ereta entre as coxas rijas e musculosas.

Brad era excitantemente atraente. Kim desejava-o com uma força de sentimentos como

nunca experimentara antes. Essa conscientização atingiu-a como uma série de pequenos

choques elétricos, cada qual aumentando sua potência de descarga. Não, não estava com

medo dele. Estava, sim, envergonhada por sua reação à carta, por sua falta de confiança em

Brad. Aquele homem era seu marido. Fizera os votos de casamento. Prometera honrá-lo.

Amava-o e queria que ele a amasse. Naquele momento, não importava o que Brad fizera

ou deixara de fazer. Seu desejo de fazer amor com ele era tanto que seu corpo chegava a

doer. Seus seios enrijeceram, emitindo mensagens urgentes, eróticas, despudoradas para

alguém consumida pelo fogo do desejo. Queria dar-lhe tudo de um modo primitivo e

inexplicável, sentir o peso do corpo dele sobre o seu, senti-lo dentro de si, dominado e

dominante, possuído e possessivo. Soltando um gemido incontido, ela abriu o robe e

aproximou-se do boxe, como se puxada por mãos invisíveis. Tocou-o no ombro. Brad

ensaboou os cabelos, usando o xampu de Kim. A espuma escorreu pelo rosto e ele limpou a

região dos olhos, enquanto jogava a cabeça para trás, fitando-a. Ela sentiu lágrimas

escorrendo pelas faces. Mordeu o lábio inferior numa tentativa de contê-las.

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— Tudo bem... — A voz dela era quase inaudível. — Se é o que você quer...

Houve um silêncio pesado. Ouvia-se somente o ruído da água corrente.

— Se é o que eu quero? — Brad repetiu focalizando os mamilos rijos. Com movimentos

lentos, acariciou-a. A curva suave da cintura, o abdómen reto, o triângulo loiro entre as pernas

trémulas. — E, o que você quer, Kim?

— Faça amor comigo, Brad.

— Por quê?

— Por quê? — Ela o fitou em flagrante confusão. — Por quê? — murmurou de novo.

Para reafirmação? Para testar seus sentimentos, desafiar os próprios temores? De repente,

suspeitou que Brad poderia querer puni-la por algo que, na verdade, merecia. Foi invadida por

uma onda de humilhação. Fez um gesto evasivo com as mãos e disse entre dentes: —- Oh,

esqueça...

Fez menção de afastar-se, mas Brad segurou-a pelo braço. Num movimento rápido,

puxou o robe até vê-lo cair ao chão. Levou-a para baixo do chuveiro e abraçou-a.

— Não, Kim — ele protestou num tom ríspido. — Você nunca mais fugirá de mim.

Kim relaxou sob a água quente. Com um suspiro e um leve tremor, deixou-se ficar nos

braços dele.

O contato dos corpos foi como um choque rumo à realidade. Naquele momento, todos os

temores do passado, as incertezas, as inseguranças, o envelope horrível com seu conteúdo

mais horrível ainda, tudo, enfim, parecia ter desaparecido sob o fluxo da água do chuveiro e

dos hormônios correndo em suas veias. Poderia estar cometendo um grande erro, mas,

naquele momento, nada, nada, conseguiria conter o redemoinho de emoções que a arrastava

inexoravelmente na direção de Brad Baldwin.

— Oh, doçura... — Com os lábios colados ao ouvido dela, Brad provocava-lhe tremores.

Ao perceber que ele também tremia, Kim sentiu-se tomada por novas e diferentes

emoções.

Com as mãos ensaboadas, ele contornou as curvas dos seios dela, brincando com os

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mamilos até Kim gemer, arqueando o corpo. Depois, ele a virou de costas, pressionando-a

contra seu corpo. A sensação foi indescritível.

— Oh, querida e doce Kim...

O murmúrio enrouquecido era quase tão excitante quanto a pressão do corpo dele.

— Brad... por favor... — Girando o corpo, enlaçou-o pelo pescoço, procurando

impacientemente pelos lábios dele. Sua ansiedade era frenética. — Por favor, quero você...

quero você...

— Para quê? — ele brincou, implacavelmente rude, carregando-a do chuveiro para a

cama.

De repente, ela estava na cama e Brad a cobria com seu corpo forte, úmido. A urgência

aumentava, fugindo ao controle de ambos. Sem conseguir segurar mais a ansiedade, Kim

gemeu e suspirou em total abandono.

— É isso mesmo o que você quer? — ele murmurou com seu sotaque da Califórnia

revelando o desejo que o consumia. Os dedos atrevidos desvendavam os segredos da

feminilidade dela, abrindo-a, preparando-a para ele, forçando-a gentilmente a entreabrir as

pernas para recebê-lo. — Acha que está mesmo preparada para este momento, minha

pequena?

— Oh, Brad... é tudo o que quero. — Contorcendo-se sob os movimentos dos dedos

ávidos, ela não conteve um gemido quando um tremor sacudiu seu corpo. — Brad, por favor...

Faça amor comigo.

De repente, em vez de tomar o que ela lhe oferecia, Brad afastou-se, deixando-a fria,

trémula e tremendamente excitada, ansiando pela satisfação de seus desejos.

— Brad! Oh, Brad... — Ela soluçava, encolhida, com os cabelos caindo no rosto, os

braços cruzados sobre os seios. — É esta sua vingança? — perguntou quando conseguiu

controlar-se. — Como teve coragem?

— Acha que poderia transformar-me num fantoche? — Sua voz ainda soava

enrouquecida pelo desejo, mas ríspida pela fúria contida. — Depois de abandonar-me na

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recepção, ontem? Depois de fazer-me de palhaço diante de todos? O que pensa que sou,

Kim?

— Então decidiu que eu deveria pagar na mesma moeda! Parabéns, você conseguiu.

Acabou de fazer-me de palhaça!

Um profundo sentimento de rejeição e humilhação abateu-se sobre ela. Frio e cruel. Brad

não a amava. Seu coração contraiu-se de dor ante tal constatação. E pensar que acreditara

nele! Lembrou-se do modo como ele agira depois da cerimónia de casamento, quando, ainda

no altar, perguntara-lhe se ele a amava. Brad não respondera. Apenas tratara-a como um novo

trofeu recém-conquistado diante de todos convidados presentes na igreja. Ela sim fizera papel

de boba. Ingénua, romântica, crédula.

As palavras amargas foram saindo aos tropeções.

— Quer mesmo saber por que fugi de você? Acho que agora você merece saber. Em

primeiro lugar, descobri que você já foi casado antes e não teve coragem de contar-me...

— Kim...

Ignorando o tom de áspera advertência, ela prosseguiu:

— Em segundo lugar, você foi denunciado por surrar sua esposa, não foi? Você a

agrediu com tanta violência, mas com tanta violência, que ela ficou quase irreconhecível nas

fotos da polícia, não é mesmo? — Ela o fitou com os olhos arregalados e úmidos pelas

lágrimas. — Depois, fui eu a escolhida, não? A mulher ideal para o que você procurava...

Foram essas suas palavras, não? Transformei-me na nova esposa-troféu, o tipo de mulher-

acessorio que você precisa em sua escalada social. Então, aja como está acostumado a agir

quando é contrariado, ou quando vê seus planos frustrados, ou quando suas sórdidas

pretensões vão por água abaixo...

—Kim... — O tom de voz não escondia a ira que o acometia.

— Sim, faça o que quiser porque daqui para adiante não me importo com mais nada. —

Com dedos trémulos, tirou a aliança e o anel de diamante jogando-os contra o peito de Brad.

— O que realmente me incomoda é saber que fui estúpida a ponto de não perceber que você

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não passa de um tremendo mau-caráter, sr. Brad Baldwin!

CAPÍTULO III

Quem lhe contou sobre minha primeira mulher? — O rosto de Brad tornou-se

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inexpressivo. Os olhos azuis pareciam pedras cinzentas.

Abruptamente, amargamente, Kim não conteve o impulso de revelar a verdade.

— Recebi uma carta, fotografias, documentos, boletim de ocorrência policial...

— Quem enviou a carta?

— Não sei.

— Em outras palavras, você recebeu uma carta anónima. — O tom de voz não poderia

ter soado mais frio e sarcástico.

Kim cerrou os punhos. A atitude de Brad sacudiu-a e bravamente ela reergueu suas

defesas. Brad não tinha o direito de espezinhá-la daquela maneira. Afinal, era ele quem

deveria justificar-se.

— Sim, sim, recebi uma carta anónima! — ela rebateu com impaciência. Olhou ao redor à

procura de algo para cobrir-se. Puxando o lençol, enrolou-o no corpo. Sentia-se vulnerável,

nua, rejeitada e perplexa com a facilidade com que Brad conseguia reverter a situação,

colocando-a no lugar de acusado.

— Quero vê-la.

Brad a olhava com expressão severa, sombria. A total falta de emoção nos olhos dele

impressionou-a. Se pensara que já vira Brad zangado, de repente, descobria que enganara-se

completamente. Nunca o vira naquele estado de fúria mal contida. Como reagiria ao tomar

conhecimento do conteúdo do envelope. Negaria as acusações? Ou se assumisse como

verdadeiras, seria capaz de agredi-la?

— Claro. Vou mostrar-lhe. — Com as pernas trémulas, levantou-se da cama e tirou o

envelope de dentro da mala.

Brad fora até o banheiro de onde voltou com uma toalha enrolada ao redor dos quadris.

Pegou o envelope pardo que Kim lhe oferecia. Abrindo-o, jogou o conteúdo sobre a cama.

Sentou-se na beira da cama e, lentamente, examinava as evidências incriminadoras.

Com a respiração presa, Kim esperava que ele explicasse, que dissesse que tudo não passava

de um tremendo engano. Que a certidão de casamento, que a foto de Brad ao lado de uma

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jovem morena vestida de noiva, que o boletim policial responsabilizando-o pela agressão, a

foto do rosto da moça com escoriações e ferimentos, referiam-se a outra pessoa, um

homónimo, talvez. Alguém com o mesmo nome de Brad...

— Eles fizeram um belo trabalho — Brad falou quase com indiferença. Guardou os papéis

no envelope, devolvendo-o a Kim.

— Eles? — ela arriscou com ar de dúvida.

— Quem quer que pretenda incriminar-me. Voltando ao banheiro, Brad vestiu suas

roupas. Depois, com passos decididos, saiu do quarto, fechando a porta lentamente.

Kim permaneceu imóvel, olhando para a porta fechada. Parecia que o tempo parara.

Percebeu que não tinha a mínima ideia de como interpretar a reação de Brad. Se é que,

poderia considerar a atitude dele exatamente como uma reação. O que a enervava ainda mais

era a total falta de emoção. Não notara o menor indício de surpresa, de revolta, de choque.

Nem uma mudança no tom de voz que revelasse seus verdadeiros sentimentos ou

pensamentos. Era como se tivesse entregue o fatídico envelope para um robô...

Depois de um tempo que lhe parecera uma eternidade, abaixou-se para apanhar o anel e

a aliança caídos no chão. Colocou-os na gaveta da mesa de cabeceira, fechando-a

ruidosamente. Com o peito oprimido, separou uma calça de algodão bege e camiseta azul

marinho. Depois de vestir-se, prendeu os cabelos numa trança, calçou sapatos beges de salto

baixo e desceu para o café da manhã. A escada dava direto no hall e, com o coração aos

saltos, olhou ao redor, imaginando que Brad poderia estar à sua espera.

Parou no meio do hall, respirando rapidamente, furiosa com sua estupidez. O que

esperava que acontecesse? Estaria realmente imaginando que Brad seria capaz de espreitá-

la? De atacá-la?

Aquilo não fazia o menor sentido. Ou fazia? Afinal, Brad examinara as evidências que o

incriminavam e, no entanto, não negara nada, absolutamente nada... Porém, guiada pelo

instinto, ela confiara nele o suficiente para tornar-se sua esposa. Confiara nele, sim, pelo

menos até meia hora antes, quando, consumida pelo fogo do desejo, entregara-se decidida a

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fazer amor com ele.

Não sabia o que pensar. A culpa era de Brad por não ter negado nada, por não ter

acalmado sua mente, concluiu furiosa. Ele fora obtuso. Ou, então, era realmente culpado.

Brad era culpado? Por mais estranho que parecesse, custava a acreditar nessa

possibilidade. Seria verdade que Brad não a amava, que nunca a amara? Que ele considerava

as mulheres como propriedades e que não vacilava em usar de violência se contrariado? Tanta

dúvida e confusão deixavam-na quase fisicamente doente.

Atravessava o hall quando madame Fleurie apareceu, assustando-a.

— Desculpe, mademoiselle, ou melhor, madame. — A governanta riu. — Desculpe, não

tinha a intenção de assustá-la. Preparei a mesa do café no terraço. Fiz croissants. Mais

alguma coisa, madame?

— Não, madame Fleurie. Para mim está ótimo. O sr... sr. Baldwin ainda está aqui?

— No terraço, madame. — A governanta voltou para a cozinha.

Kim suspirou. Não sabia se sentia alívio ou alarme. De tão confusa, esquecera-se de

olhar pela janela do quarto, para ver se o carro de Brad ainda estava no pátio. Na verdade,

imaginara que ele já partira.

Com passos lentos, saiu para o terraço.

Estava muito quente, mesmo às dez da manhã. Kim notou nuvens sob as montanhas

distantes. O terraço era uma profusão de gerânios em todas as tonalidades de vermelho, rosa

e branco, espalhados em vasos e floreiras de pedra. No centro, uma mesa oval de madeira,

rodeada por cadeiras de braços, onde, em uma delas, Brad estava sentado, aparentemente

entretido com a leitura do Le Monde e bebendo café em uma xícara de porcelana branca. Kim

se aproximou sem o menor ruído. Sentou-se, esperando que ele não notasse sua presença.

Puro engano.

— Madame Fleurie vai trazer mais croissants — ele disse com fria polidez, sem olhá-la.

— Sei. Encontrei-a no hall. — Após uma breve pausa, ela acrescentou: — Pensei que já

tivesse ido embora.

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Brad desviou a atenção do jornal e fitou-a com as sobrancelhas erguidas.

— Ido embora? — repetiu com uma pontada de desdém.

— Foi o que você pensou?

— Bem, eu...

— Ao contrário de você, não tenho o hábito de fugir das situações desagradáveis.

— Vejo que não. — Sua voz soou irónica e firme mesmo aos próprios ouvidos. — Prefere

ficar e extrair o máximo possível de sua vingança sobre as pessoas que o afrontam, não é?

— Entenda como quiser. — Brad pôs mais café em sua xícara e sorveu um longo gole.

— Como deveria entender? — Kim ergueu os ombros e abriu os braços. — Você me

seguiu até aqui. Eu o enfrento com... com fatos sobre seu passado, e você não teve nem

mesmo a... decência de tentar esclarecer essa... história.

Ele pousou a xícara sobre a mesa.

— Talvez ainda não tenha chegado o momento para esclarecimentos, Kim.

— Como assim?

— Bem, tenho algumas decisões a tomar. — Deixando o jornal de lado, ele se reclinou na

cadeira. Massageou a nuca.

— Preciso decidir se tenho energia ou inclinação para salvar o que restou de nosso

casamento.

Kim sentiu o sangue subir-lhe à cabeça.

— Você precisa decidir? — indagou indignada. — Você não acha que está sendo um

tanto arrogante? Aliás, arrogante e irreal?

— Por que diz isso?

— Porque, no que me diz respeito, nosso... nosso casamento está terminado! — Ouviu

as palavras saírem de sua boca, sem acreditar que fora capaz de pronunciá-las.

Tola. Tola, estúpida, impulsiva, recriminou-se mentalmente. O casamento poderia estar

extremamente abalado, mas, não terminado. Nem mesmo começara!

— Terminado? Depois do que aconteceu ainda há pouco? — Sacudiu a cabeça

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denotando incredulidade. — Eu diria que definitivamente temos um assunto inacabado,

pendente, Kim.

-— Se está se referindo a sexo, esqueça. Jamais faria amor com um homem que agrediu

a primeira mulher.

— Mentirosa! Ainda agora, você estava tão ardente que quase queimou meu corpo!

Corada, Kim virou o rosto. O pior era que Brad tinha razão. Como discutir? Que

argumentos tinha contra as evidências? Nesse momento, madame Fleurie chegou trazendo

uma bandeja com mais croissants, outra xícara e outro bule com café.

Quando a governanta se foi, Brad ofereceu a cesta com croissants para Kim,

acrescentando num tom calmo:

— Eu me pergunto se seria capaz de fazer amor com uma mulher que acredita que sou

do tipo de homem que bate na própria esposa.

Kim sentiu um frio no estômago.

— Tudo o que você tem a fazer é negar... — começou, mas calou-se com expressão

embaraçada.

— É mesmo? Bastaria dizer-lhe que é tudo mentira e pronto... tudo ficará bem de novo?

E isso o que você está dizendo?

— Não... Não sei...

— Não sabe. — Deu um sorriso irónico. — Aposto que não sabe mesmo. Se tudo o que

você queria era ouvir-me negando as tais acusações, por que não me esperou no quarto do

hotel? Por que fugiu, então?

— Eu...

— Porque você já decidira que eu era culpado! — Havia desprezo na voz dele. — E,

droga, quem sabe? Talvez eu seja mesmo! Talvez você tenha se casado com um brutamontes

que consegue seus objetivos através da violência.

— Brad, o que mais eu poderia pensar? — As lágrimas contraiam a garganta de Kim,

mas ela não chorava. — Em quê eu poderia pensar?

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

— No pior. -— O sorriso dele era amargo. Segurando a xícara, bebeu todo o café de uma

só vez. Depois, recolocou-a sobre a mesa com força. — Você só poderia pensar no pior, Kim.

— A mulher... aquela das fotografias... — Obrigou-se a formular a pergunta. — Era sua

esposa, Brad?

— Sim.

— Quanto tempo ficaram casados?

— Dois anos. Eu tinha vinte anos e ela dezoito.

— Na certidão consta o nome Natália. Quero saber a respeito dela.

— Ok. Seu nome era Natália Suzman, de uma família rica de banqueiros da costa leste

americana, com grandes interesses em obras de arte. Ela e a irmã gémea tinham uma galeria

em Los Angeles. O casamento não deu certo.

Kim o fitou direto nos olhos.

— Por que não me contou tudo isso antes de nos casar-nros? Por que mentiu para mim?

— Não menti. Apenas omiti que já fora casado antes.

— Por quê?

— Você não perguntou!

Ela respirava mais rápido. Cerrando os punhos, perguntou com cautela:

— Você não acha que foi muito estranho ter me escondido um fato tão importante?

— Talvez. Mas, as coisas nem sempre são como aparentam, Kim.

— Você está me deixando louca! — O lamento angustiado saiu do fundo da alma. —

Brad, então, conte-me como as coisas são realmente! Conte-me a verdade, por favor!

— O que me deixa intrigado é que, ainda há pouco, você queria fazer amor comigo,

mesmo com a mente envenenada pela carta anónima. O que você estava pensando, Kim? Que

os homens maus batem em mulheres? Você vibrou com a ideia de sexo com um agressor de

esposa?

— Brad, por favor! — ela pediu, entre confusa e constrangida.

— As mulheres não escrevem para os assassinos na prisão? — ele expunha sua linha de

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

raciocínio com frieza. — Elas se oferecem para ser suas amantes!

— Como se atreve... — Queria levantar-se e sair correndo daquele terraço. Conteve-se,

porém. Era exatamente o que Brad pretendia. Cantaria vitória se conseguisse descontrolá-la,

como fizera na cama, ao levá-la ao ápice do desejo, para depois humilhá-la. Brad Baldwin

adorava estar no comando.

— Brad, não o convidei para ficar aqui. Este château pertence à minha família...

— Este château pertence à mim — corrigiu-a num tom cordial.

— O quê..? — Kim quase gritou, respirando forte.

— Comprei-o de seu pai.

Balançando a cabeça, ela o olhava horrorizada.

— Não acredito! Meu pai jamais venderia esta casa.

— Seu pai não ficou imune à recessão — Brad comentou laconicamente. — Minha

proposta foi simplesmente irrecusável.

— Por que ele não me contou nada?

— Porque queria fazer-lhe surpresa. — Havia um brilho perigoso no olhar dele. —

Comprei este château como presente de casamento para você. Não foi muita gentileza de

minha parte?

Em silêncio, ela cortou um croissant ao meio, espalhando uma camada de manteiga nas

partes. Comia vagarosamente, imersa em seus pensamentos. Brad comprara o Château des

Anges. Para ela. As emoções conflitantes faziam sua cabeça fervilhar. Fugira de Brad e seu

refúgio pertencia a ele. Seu recanto predileto em criança, o Castelo dos Anjos, pertencia a ele.

Da mesma maneira como ela também pertencia a ele. Pelo menos, aos olhos da lei.

O café cheirava gostoso. Serviu-se, acrescentou creme e sorveu um gole. Precisava de

algo forte. Parecia que seu cérebro estava anestesiado.

— Vou arrumar minhas coisas e vou embora. Depois do café — anunciou, por fim, sem

esconder o sarcasmo. — Nestas circunstâncias, nem me passa pela cabeça... impor-lhe minha

presença.

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

— Kim... — O tom imperioso de Brad obrigou-a a olhá-lo. — Você ficará aqui. Você é

minha esposa, lembra-se? Você prometeu amar-me e honrar-me.

Ela pousou cuidadosamente a xícara na mesa e levantou-se. Estava tremendo.

— Não prometi obediência.

Levantando-se também, Brad segurou-a pela mão. Kim notou os pelos escuros que

cobriam o antebraço dele, contrastando com as mangas arregaçadas da camisa branca.

— Talvez tenha sido um erro nos casarmos ontem — ele disse asperamente. — Foi tudo

muito rápido. Não tivemos tempo para nos conhecermos o suficiente. Entretanto, estou certo de

uma coisa. Não vou permitir que fuja novamente. Não, antes de termos oportunidade de

aperfeiçoar...

Kim soltou uma gargalhada histérica.

— Aperfeiçoar? Você não contou que já fora casado anteriormente. Não negou que

envolveu-se com a polícia americana por ter agredido violentamente sua primeira mulher. E

agora... agora quer manter-me aqui contra minha vontade e ainda me faz ameaças, caso eu

insista em ir embora...

— Calma, Kim. — Deixe-me ir.

— Não. — A ameaça velada contida no sorriso dele fez cpm que Kim estremecesse. —

Prefiro tê-la por perto... por enquanto, meu bem. Não quero vê-la fora do meu esquema.

Enquanto falava, com a ponta do dedo pressionava a parte interna do pulso de Kim. Os

sentidos dela se alertaram. Pensou nas mãos dele, tão atrevidas, hábeis, explorando cada

centímetro de seu corpo, despertando as emoções mais primitivas.

— Brad, não faça isso...

— Isso o quê? Segurar sua mão? Pensei que não tivesse traumas com toques de mãos.

Kim tentou desvencilhar-se, mas Brad a segurava com força.

— Como pode zombar de mim, depois de ter lhe confiado os meus segredos mais

íntimos?

Havia uma corrente elétrica entre eles. Kim sentia-se hipnotizada.

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

— Você confiou em mim? — Apesar do tom mordaz de sua voz, Brad pegou-lhe a outra

mão, puxando-a para mais próximo. — Estranha essa sua maneira de confiar, não? Você

confia, mas na primeira oportunidade prefere acreditar que sou capaz de agredir fisicamente

uma mulher.

De repente, Kim viu-se de encontro ao corpo dele. Num movimento rápido, Brad sentou-

se na beira da mesa, prendendo Kim entre as pernas entreabertas. Ela abriu a boca para

protestar, mas Brad calou-a com um beijo arrasador. Com a língua, invadiu, tomou posse da

boca de Kim de um modo que impiedosamente imitava o ato sexual.

Ela ofegava, estremecia, quase desmaiava. Uma névoa parecia envolver sua mente,

impedindo-a de pensar. Num esforço supremo, livrou-se dos lábios dele. Abrindo os olhos,

deparou-se com o olhar ardente e magnético.

— Brad... Pare!

— Brad, pare! — ele a imitou com sarcasmo. — Ou, Brad não pare? Seu problema,

minha cara sra. Baldwin, é não saber exatamente o que quer. Estou começando a pensar que

nunca a conheci direito.

— Eu queria, honestamente! Eu queria um... um marido em quem eu pudesse confiar.

— Em vez disso, tudo o que você conseguiu foi um modelo defeituoso.

Ela se remexeu, mas arrependeu-se logo. O corpo dele estava rijo e excitado. Podia

sentir através da calça de algodão a ameaçadora, mas explicitamente excitante força da

masculinidade dele. Imaginou se Brad sentia os pequenos e convulsivos estremecimentos que

a sacudiam.

Sentiu raiva de si mesma por ser tão fraca e sucumbir aos encantos de Brad com tanta

facilidade. Bastava um toque e seu sangue entrava em ebulição, suas pernas fraquejavam e

seu desejo despertava, forte e exigente. Estava louca ou doente, por permitir que isso

acontecesse, ao mesmo tempo em que acreditava que ele surrara a primeira esposa.

Mas, no íntimo, acreditava mesmo? O cérebro chegava até a doer com o esforço de

descobrir em que realmente acreditava. O choque do dia anterior, o pensamento cruciante de

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que o homem com quem se casaTa era um estranho, aliás um estranho violento, que lhe

mentira... Fora muita coisa junta para absorver. Fugir, fora a única solução que encontrara para

lidar com aquilo tudo. Precisava de espaço para permitir que as possibilidades acontecessem.

Precisava de tempo para chegar às devidas conclusões.

Porém, naquele momento, acreditava mesmo que Brad cometera as barbaridades

descritas na carta? Se não fizera nada daquilo, se tudo não passava de mentiras, quem reunira

tantas provas comprometedoras? Quem tramara tudo? Sim, porque alguém poderia muito bem

ter forjado tudo. Talvez deveria ter confiado mais em Brad.

Fitou-o em silêncio. Aquele homem era seu marido. Fizera solenemente os votos de

casamento diante de um altar, no dia anterior. Sentiu-se miserável, com uma incrível sensação

de descrença. Compreendeu, então, que aceitaria uma explicação, uma desculpa, e, depois,

respiraria aliviada.

— Vamos ver se você é boa em honestidade — Brad desafiou-a com a boca roçando no

pescoço dela, os dentes mordiscando a pele. — Talvez não confie em mim o bastante para

viver como minha mulher, mas você ainda me quer. Eu ainda mexo com você, não é? Acabei

de ter a prova em seu quarto romântico na torre, Kim. Então, você é suficientemente honesta

para admitir?

Um pequeno terremoto parecia ocorrer dentro dela. Ergueu o rosto pálido, encarando-o

com um brilho desafiador nos olhos verdes. Desejava mandar-lhe para o inferno, mas, preferiu

dizer com voz enrouquecida:

— Ok, admito. Eu o desejo. Você é o único homem com quem quero fazer amor.

— Verdade? Você sabe, sinto-me tentado... muito tentado a tomar o que está sendo me

oferecido.

— Por que não toma? — Parecia outra voz e não a dela que proferia aquelas palavras

amargas, talvez levada pela emoção reprimida. — Por que não toma o que estou lhe

oferecendo, Brad? Somos casados, afinal. Um casamento precisa ser consumado, não? Qual o

prazo legal para a anulação de um casamento não consumado?

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— Não brinque com a sorte, Kim.

O rosto de Brad transformara-se numa máscara. Kim sentiu um arrepio de medo

percorrendo-lhe a espinha. Porém, sentia-se forte, atrevida, provocadora, guiada por

sentimentos irreconhecíveis.

— Talvez seja esse o seu problema, Brad — investiu inadvertidamente. — Você não

consegue. Por isso nunca fez amor comigo? Impotência? Frustração? Deveria procurar ajuda.

Um terapeuta, talvez.

— Chega, Kim. Você já falou demais. — Ele estava transtornado com a afronta. Mesmo

assim sorriu. Um sorriso cheio de ameaças e com uma pontada de humor negro. — Você

acabou de colocar-se contra a parede, sra. Baldwin. Para cima. Agora...

— Não.

— Agora — ele repetiu.

Brad agarrou-a pelos pulsos e praticamente arrastou-a em direção ao château. Kim ainda

tentou resistir, mas ele a conduzia com mãos de aço. Atravessaram o hall, subiram a escada,

caminharam pelo corredor, até chegarem ao quarto da torre. Empurrando-a para dentro do

aposento, ele bateu violentamente a porta.

— Solte-me, Brad — ela pediu com expressão assustada.

— Já é hora de suas fantasias tornarem-se realidade, sra. Baldwin. Tire a roupa.

Kim engoliu a seco. Não podia tremer. Sentia o corpo em chamas pela humilhação, as

pulsações aceleradas pela ira, e acima de tudo, um grande medo, que superava todos os

outros sentimentos.

—Você não tem o direito de tratar-me assim — ela protestou.

Brad deu um passo em sua direção. Kim recuou abruptamente colidindo com a mesa de

cabeceira, derrubando o abajur e espatifando a lâmpada. Kim perdeu o equilíbrio e Brad

apressou-se a ampará-la. Seu pé enroscou no fio do abajur e ambos caíram ao chão. E

ficaram ali, deitados no carpete, meio que abraçados. Um desejo furioso brotava nas veias de

Kim.

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— Cuidado. Não vá se machucar e depois acusar-me de tê-la agredido... — Ele ria,

irritando-a ainda mais.

— Você me derrubou. O que significa quase a mesma coisa.

— De jeito nenhum. Não a derrubef. Apenas aceitei o desafio, sra. Baldwin. Em todos os

sentidos...

O sorriso tornou-se inesperadamente perverso. Pegando-lhe a mão, Brad obrigou-a a

tocá-lo.

— Você é inacreditável... Como pode brincar com uma coisa séria?

— Foi você quem provocou o desafio, meu bem. — Os olhos azuis brilhavam enquanto

ele abria os botões da blusa dela. Tocou de leve os seios cobertos pelo sutiã de renda branca.

— Somente os covardes provocam um desafio e depois recuam. É isso que você é, Kim? Uma

covarde?

Ofegando, Kim sustentou o olhar frio e irónico de Brad.

— Não. — Umedeceu os lábios num gesto nervoso. Sentia o peso do corpo dele

pressionando-a contra o carpete macio. As ondas de desejo se sucediam, enfraquecendo suas

defesas.

— Está com medo de mim?

As palavras soaram lacónicas, Kim percebeu. Seria um sintoma de tensão, mascarado

pela valentia? Ela estava paralisada demais pela emoção, para conseguir analisar o momento.

— Não... não do modo como está imaginando, talvez... Ela sentia-se empalidecer e corar,

enquanto o rosto queimava com a proximidade dele. — Como acha que me senti hoje cedo?

Você age com a mesma rapidez com que muda de ideia!

— Relaxe, sra. Baldwin — aconselhou-a. Ajoelhando-se, tomou-a nos braços, colocando-

a na cama. Deitou-se ao lado dela e abraçou-a. — Desta vez irei até o fim.

Kim lançou-lhe um olhar incrédulo. O rosto dele era pura emoção, como se estivesse

travando uma batalha cruel com a fúria que o acometia.

Um leve tremor sacudiu o corpo de Kim. Sabia que Brad percebera. Sabia também que

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aquele era um começo errado, irremediável e tumultuosamente errado. Um começo desastroso

para o casamento deles. Porém, espasmos eróticos de uma fome física a assaltavam, anulando

sua firmeza de propósito.

Fechando os olhos, enlaçou-o, trazendo a cabeça dele até ela. Entreabrindo os lábios,

começou a beijá-lo com frenética intensidade. Queria apagar de sua mente as últimas vinte e

quatro horas. Queria perder-se naquele abismo de sensualidade. Talvez, com um pouco de

esforço e boa vontade, poderia até pensar que tudo não passara de um terrível pesadelo.

Deveria sair daquele pesadelo e mergulhar no paraíso que pressentia que Brad construiria para

ela.

Brad gemeu. Seu autocontrole começava a enfraquecer. Havia uma doce selvageria

naquele abraço, uma qualidade que ela nunca conhecera antes e que fazia seu sangue ferver,

queimando suas veias. Ele respirava pesado contra os lábios dela. Kim sentiu-o estremecer

com desesperada avidez enquanto abria o zíper da calça, tirando-a em seguida.

— Kim, minha querida, vamos devagar — ele murmurou. Ele cheirava a sabonete e loção

pós-barba. Os sentidos

de Kim se abalaram.

— Não quero ir devagar — protestou ela num fio de voz. Abriu-lhe a camisa de linho e

enterrou as unhas nos pelos do peito dele.

— Amor, um pouco só — Brad explicou, tirando a camisa. Depois de tirar a dela, cobriu

de beijos a curva generosa dos seios. O sutiã abria na frente, sendo fácil retirá-lo. Brad

suspirou ao ver o esplendor daqueles seios, cujos mamilos já apontavam para ele, róseos e

convidativos. Ela gemeu baixinho e ele inclinou a cabeça para beijá-los, um de cada vez, longa

e ternamente.

— Somos marido e mulher — ela sussurrou roucamente. — Não precisarei me reprimir,

não? — Ainda magoada pelo modo como ele a rejeitara no último minuto, pela manhã, ela

temia que o fato se repetisse.

— Não. — Estreitando o abraço, ele se deliciava com o gosto doce dos seios dela. Kim

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se contorcia de prazer. — A primeira vez requer um pouco mais de paciência, amor. Estou

sofrendo horrores para conter o desejo incontrolável de possui-la imediatamente, como um

louco insensível.

Kim se contraiu por um instante. A apreensão se refletia nos olhos verdes. Procurava por

segurança na expressão dele e encontrou. Brad estava tão envolvido quanto ela. Os olhos

azuis haviam escurecido, tornando-se cinza escuro, com as pupilas dilatadas. As faces

estavam levemente coradas e havia tensão nas linhas marcantes dos maxilares.

— Por que tem tanta certeza de que ainda sou virgem? — A própria Kim surpreendeu-se

com a pergunta inoportuna.

Ele a olhou perplexo. Afastando-se, respirando rápido, ele perscrutou-lhe o rosto corado.

— Você é ou não virgem, afinal?

— Eu sou... Bem, sou mais ou menos virgem.

— Como você pode ser "mais ou menos" virgem, Kim?

— Brad não escondia o espanto. Ela estava ainda mais ruborizada.

— Philip e eu tentamos uma vez...

— Oh, céus! -— ele exclamou incrédulo. — Você tentou e é "mais ou menos" virgem?

Não é à toa que você dispensou o rapaz! Por que nunca me contou sobre isso?

-— Não menti para você...

— Já sei. Eu também nunca perguntei, não é mesmo? Como você nunca me perguntou

se eu já fora casado antes.

— Não é a mesma coisa.

— Kim, meu amor, discutiremos sobre isso mais tarde.

— A expressão de Brad revelava a necessidade de satisfazer o corpo faminto, a

determinação de amá-la plenamente pela primeira vez, superando os sentimentos que a

confissão sobre Philip eventualmente lhe causara.

Com movimentos possessivos, ele explorava com as mãos o corpo nu de Kim. O

pescoço, a curva dos seios, da cintura, dos quadris, até chegar ao triângulo loiro de sua

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feminilidade, que vibrava com os carinhos dele.

— Você é bonita. — Ele ofegava. — Tão bonita...

— Oh, Brad, não pare desta vez — Kim pediu ansiosa. Seu corpo inteiro tremia de

desejo. As sensações que ele despertava nela eram perigosas, destrutivas, mas ela se sentia

tão vulnerável...

— Parar? De jeito nenhum! — Com uma gargalhada, ele roçou os lábios na pele macia

do abdómen, circulando com a língua o umbigo, inebriando-se com o perfume de mulher que

exalava do corpo dela. A mão atrevida mais uma vez tocou o cetim aninhado entre as pernas e

ela sentiu que começava a perder o controle de seus atos.

O cheiro dele, o calor, os pequenos espasmos que a sacudiam à medida que os dedos

dele a exploravam, eram muito mais do que ela poderia suportar. Gemeu antes de emitir um

grito de choque e prazer. Seu coração batia descompassado e ela podia ouvir as respostas do

coração de Brad. O suor cobria seu corpo ardente.

Brad não conteve um gemido quando Kim tocou em sua masculinidade. Os dedos

inexperientes ensaiavam carinhos tímidos. Tomando a mão dela, Brad beijou-a com tanta

intensidade, que as bocas pareciam querer devorar-se. As línguas duelavam com uma avidez

de fazer perder os sentidos.

— Faça amor comigo, Brad — ela gemeu, enlaçando-o. Ergueu os quadris

impacientemente. —Agora, por favor, agora...

— Mais um minuto, querida. Você ainda não está pronta.

— Brad, eu o amo. Quero-o agora!

— Kim! — Cego de paixão, ele se posicionou, penetrando-a. Imediatamente, Kim sentiu

os olhos cheios de lágrimas,

consciente de que Brad a possuía totalmente. Quase explodiu de prazer e dor, no

momento da posse. A respiração ofegante, a contração dos músculos internos e a intensidade

de suas respostas atingiram-no como um terremoto.

— Kim..? — O nome foi pronunciado junto aos lábios dela. — Estou machucando você?

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Estou?

— Não... Só um pouco. — Foi um gemido estrangulado, um meio soluço, meio riso.

— Você mentiu, não? Está é sua primeira vez. Ela hesitou por um segundo.

— Sim...

— Por quê? Por quê, mulher? Por quê?

— Não queria que mudasse de ideia novamente.

De repente, Brad começou a rir. Kim suspirou. Ele era tão bonito, registrou

distraidamente. Os músculos contraídos, o corpo esculpido como um obra de arte, os cabelos

negros caindo na testa...

— Por que haveria de mudar de ideia? Sou seu marido. Só estou tomando posse do que

é meu de direito, querida.

— Brad, por favor...

— Ok. Relaxe — acalmou-a, recomeçando os carinhos abrasadores, até que ela se

contorcesse numa reação incontrolável. — Se eu a machucar, a culpa será sua. Toda essa

pressa... Ah, Kim você é sexy demais. Vamos manter em ordem pelo menos esta parte de

nosso relacionamento, certo?

— Sexy? Nunca pensei que eu fosse sexyl

Brad a explorava, estimulando-a com uma intimidade que derrubava qualquer resistência.

Kim temia desfalecer nos braços dele. Então, Brad posicionou-se, invadindo-a novamente. Kim

não conteve um grito. O peso do corpo dele pressionava-a contra o colchão. Os movimentos

da dança do amor começaram, aumentando gradativamente de intensidade até que uma

explosão os envolveu, levando-os juntos ao centro de um universo de cores e luzes.

Depois, os corpos se separaram. Kim deixou-se ficar, usufruindo daquele momento

maravilhoso de prazer, sentindo Brad a seu lado, fitando-a com olhar lânguido e satisfeito.

— E então? Qual seu veredicto?

De repente, o tom de voz de Brad fez com que ela voltasse à realidade, ainda sentindo o

calor do corpo dele contra o seu.

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— Veredicto? — ela repetiu meio vacilante.

— Sim. Será que o impotente agressor de mulheres subiu no conceito da sra. Baldwin?

— Oh, Brad... — Kim mal conseguia falar, embora compreendesse que as palavras eram

inadequadas.

— Sim — ele ironizou. — Você sabia que em japonês a palavra orgasmo significa "será

que morri e fui para o céu?"

— Por favor, Brad. Não fique tão zangado comigo.

— O que mais você esperava de mim?

As lágrimas afloraram nos olhos verdes. Quando falou, Kim não conseguiu esconder o

quanto estava chocada.

— Acho que não preciso dizer-lhe o quanto gostei — murmurou timidamente. — E não

acredito que tenha agredido sua primeira mulher. Você não agrediu, não é mesmo? Basta dizer

sim ou não!

Um breve silêncio os envolveu.

— Não.

— Oh, sinto muito... — Não conseguiu conter as lágrimas. — Sinto muito por não ter

confiado em você. Sinto muito por ter fugido. Eu o amo, Brad. Isso é suficiente?

Ele a observou por um longo momento, os olhos velados pareciam querem enxergar

dentro dela.

— Acho que sim — ele murmurou num tom bem-humo-rado. — Talvez possamos

contornar a situação. Talvez não. Enquanto isso, bem-vinda à nossa lua-de-mel substituta, sra.

Baldwin. Pelo menos, encontramos uma coisa interessante para fazer enquanto decidimos se

nosso casamento fará jus à certidão que assinamos ontem.

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CAPITULO IV

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Kim parou no hall, onde madame Fleúrie a esperava.

— Telefonaram para a senhora, madame.

— Monsieur Baldwin? — ela perguntou, tirando o chapéu de palha. Com os dedos,

ajeitou os cabelos.

— Não, madame. Foi uma ligação da Inglaterra. Anotei o nome e o número no bloco ao

lado do telefone.

— Obrigada. — Hesitou por um instante. — Monsieur Baldwin... está em casa?

Madame Fleurie negou com um gesto de cabeça. Kim se perguntou se, sob a expressão

discreta e impenetrável, a governanta não estaria achando aquela lua-de-mel muito estranha,

fora dos padrões normais. Na verdade, ela mesma * estava cheia de dúvidas. Apesar de terem

feito amor naquela manhã, não sabia em que pé estava seu relacionamento com Brad.

Ele ainda estava muito furioso. Seu orgulho fora atingido demais pelo comportamento

dela após o casamento, e Kim não imaginava quanto tempo passaria até Brad perdoá-la. Não

suportaria a indiferença dele. A intimidade, o prazer que sentira durante aqueles momentos,

haviam-na devastado, abalado emocionalmente. A despeito da carta sinistra, das acusações

graves, de sua primeira reação totalmente impulsiva, queria ficar com Brad. Ansiava por estar

com ele. Além do mais, precisavam conversar. Precisava de explicações.

Brad, porém, não parecia nada preocupado em dar-lhe explicações. Naquela manhã,

antes de sair do quarto dela, ele simplesmente comunicara que tinha um compromisso com um

colecionador de arte em Rennes. Não voltara para o almoço.

—Monsieur Baldwin não voltou ainda — madame Fleurie informou-a. — Gostou do

passeio?

— Sim, obrigada. Fui ao jardim. Monsieur Fleurie deixou-o uma jóia. As flores estão

esplendorosas. O perfume é tão forte que até entontece...

Pegou o papel ao lado do telefone. O nome de Philip estava anotado. Mordeu o lábio.

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Tentara falar com ele logo cedo e deixara recado na secretária eletrônica. Tinha que falar com

ele, sondar, tentar descobrir se ele estava realmente por trás da remessa da carta anónima.

Foi para o escritório. Era uma sala grande, com enormes janelas francesas abrindo para

o terraço. Fechou a porta. Discou os números e Philip não demorou nada para atender.

— Kim! Você está bem? Está em segurança?

Ela teve uma rápida imagem da figura de Philip com os cabelos loiros bem penteados e

roupas formais.

— Se estou em segurança? Por que a pergunta? — Kim tentou manter-se calma. —

Estou em lua-de-mel. Portanto, estou em segurança!

— Em lua-de-mel? — Houve uma breve pausa. Por fim, Philip perguntou: — Você está

com Brad?

Kim teria imaginado uma ponta de frustração ou desaponto na voz dele?

— Que pergunta, Philip! Eu só podia estar com Brad. Afinal, é costume passarmos a lua-

de-mel com quem nos casamos.

— Não precisa ficar tão ofendida. Você fugiu logo depois do casamento, Kim — Philip

argumentou irritado. — Aliás, você deveria ter visto a cara de Brad quando descobriu que fora

abandonado. Se naquele momento ele tivesse uma arma, aposto como teria fuzilado todos os

convidados!

— Foi uma reação totalmente previsível, não acha? — Procurou controlar a voz para não

revelar suas suspeitas.

Uma luz começava a brilhar. Fora Philip! Seus comentários o traíam. Revelava-se

preocupado com a segurança dela. Surpreso demais com o fato de ela estar com o marido em

lua-de-mel, alegre e satisfeito demais em sua descrição da fúria de Brad.

— Como assim? — ele parecia confuso com o tom ríspido de Kim. — O que está

acontecendo, Kim. Você me parece estranha.

— Ora, Philip, o que você esperava? Que Brad saísse correndo, ferindo e agredindo todo

mundo que encontrasse pela frente?

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— Kim... O que você está pensando, hein?

Furiosa, ela chegou à conclusão de que, ao ver-se acossado, Philip bancava o inocente.

— Pelo menos tenha a hombridade de assumir — ela investiu com tudo. — Como pôde

fazer uma coisa dessas? A quem você pagou para forjar aqueles documentos, para inventar

uma história tão sórdida? Por que, Philip?

Seguiu-se novo silêncio. Constrangedor, dessa vez.

— Você enlouqueceu, Kim? Não tenho a menor ideia do que...

— Você não me engana mais! — interrompeu-o com veemência. — Admito que a

princípio você conseguiu me assustar. Mas, agora não. Acredito em Brad. Ele é meu marido e

eu o amo. Ouviu? Por favor, pare com esses seus jogos sujos, Philip, e deixe-nos em paz.

Não esperou resposta. Bateu o telefone com toda a força.

Estava tremendo. Saindo para o terraço, sentou-se numa espreguiçadeira até sua

pulsação voltar ao normal. Fechando os olhos, rememorou sua conversa com Philip. A atitude

dele fora extremamente suspeita. A surpresa ao saber que ela e Brad estavam juntos, a

aparente preocupação com a segurança dela... Sim, só podia ter sido ele! Talvez tivesse algum

amigo nos Estados Unidos a quem pedira para investigar o passado de Brad. Então, depois de

descobrir que ele já fora casado anteriormente, elaborara aquele plano para desmoralizá-lo aos

olhos dela.

De repente, as memórias voltaram no tempo, alguns meses atrás, quando conhecera

Brad. Desde o começo sentira-se atraída por ele, embora se escondesse atrás de um intenso

orgulho e uma grande dose de antagonismo. Fora tudo muito confuso.

Na época, era noiva de Philip e sinceramente acreditava que o amava. Por isso, passou a

enfrentar um grande sentimento de culpa. Sua família e a de Philip eram amigas e foi com

extrema naturalidade que a amizade transformou-se em "algo mais". O relacionamento deles

começara antes da universidade. O breve e infeliz namoro com o colega casado só serviu para

solidificar o afeto que os unia.

Depois que conheceu Brad, Kim foi obrigada a reconhecer que seu compromisso com

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Philip não passara de uma pálida imitação de noivado. Entretanto, temia as emoções perigosas

que Brad lhe despertava. Philip representava segurança. Brad Baldwin, o perigo. Somente

cerca de dois meses depois de estar trabalhando para ele, Kim teve a coragem de admitir seus

verdadeiros sentimentos.

Viajavam muito pela Inglaterra e para o estrangeiro, para compras e leilões de arte. As

vezes, iam juntos, outras, separadamente. Quando viajavam juntos, Brad sempre reservava

quartos separados. Ela estava comprometida com outro homem e ele dava a impressão de ser

avesso a qualquer tipo de envolvimento pessoal. O relacionamento deles permanecia

seguramente encoberto por uma velada hostilidade. Até a noite em que ela voltara de Dublin.

Ela viajara com uma ordem de Brad para comprar um retrato de Galileu, de Sustermans,

um pintor flamenco do século XVII. A obra fora catalogada como cópia, mas, depois de

investigações sigilosas, Brad descobrira que tratava-se de um autêntico Sustermans. Uma

universidade americana contratara a empresa de Brad para comprar a obra para o recém

inaugurado departamento de ciências. Kim lembrava-se que chovera continuadamente e que,

sempre que saía, voltava ensopada para o hotel.

Depois de assegurar a compra por um valor bem inferior ao limite estabelecido por Brad,

ela voltara para Londres. Era fim de tarde, estava exausta e muito resfriada. Quase perdera a

voz, a garganta doía terrivelmente e tinha febre alta.

Para sua surpresa, Brad a esperava no aeroporto, levando-a para casa. Quando soube

que os pais dela haviam ido passar uns dias no château e que Philip passaria uma semana

pescando na Escócia, não titubeou em levá-la para seu apartamento, numa praça elegante de

Hampstead. Acomodou-a no quarto de hóspedes, serviu-lhe chás quentes e remédios contra

gripe.

— Tenho que zelar pela saúde e o bem-estar dos meus funcionários — ele brincara.

Encabulada com tantas atenções, Kim respondera com a primeira bobagem que lhe viera

na cabeça.

— Não esqueça que você poderá pegar meu resfriado. Do quarto, ela via os jardins

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floridos da praça. O perfume

entrava pela janela, junto com o canto dos pássaros e o ruído distante do tráfego do

centro da cidade.

Depois de dois dias de cama, finalmente saiu do quarto. Surpreendeu-se ao encontrar

Brad na imensa cozinha ul-tra-equipada. De avental e o rosto sujo de farinha, ele picava

algumas folhas de manjericão. Numa divisão do armário, um aparelho de CD tocava uma

música flamenca, um solo de guitarra com coral de vozes masculinas.

— Sim, sou um bom cozinheiro — ele dissera ao vê-la aproximar-se. Introduzira o dedo

no cós do jeans que ela usava para mostrar-lhe o quanto emagrecera. — E você precisa

recuperar o peso.

— Acho que a música não combina com a comida — Kim rira, tentando disfarçar o

quanto o toque a perturbara.

— Pois é. Gosto de música espanhola e comida italiana. Sou americano, e nós,

americanos, somos cosmopolitas.

Naquela noite, depois do gnocchi maravilhoso, regado a um suculento molho caseiro, de

uma garrafa de Beaujolais, de muito riso, de muita conversa sobre amenidades e negócios e,

sobretudo, de muita tensão sexual, Brad a beijara pela primeira vez. Para Kim, a reação

intensa fora a maior revelação de toda sua vida. No fim de semana seguinte, quando Philip

voltara da Escócia ela lhe devolvera o anel de noivado.

Não que Brad tivesse se declarado. Não. Ela agira por iniciativa própria. Na verdade, por

mais que ela perscrutasse a aparência física dele, o corpo esbelto e sensual, o rosto com

linhas marcantes, os olhos azuis profundos, o sorriso sensual, não conseguia sequer imaginar

o que se passava pela mente de Brad. Mesmo assim, compreendeu que não poderia casar-se

com Philip.

Lembrou-se de quando rompera o noivado. Fora tudo muito confuso. As únicas emoções

das quais se recordava eram compaixão e culpa, por parte dela e uma quase solene aceitação

de Philip. Porém, com certeza, naquele momento ele começara a tramar sua vingança!

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Percebeu que estava comendo unha, algo que não fazia desde seus dezesseis anos.

Pombos arrulhavam em algum lugar. O som rítmico agiam como calmante. A distância podia

ouvir vozes falando em francês. Uma era de madame Fleurie, reconheceu. A outra seria de

Brad? Seu coração começou a pulsar forte. Ele estava de volta...

Respirou fundo, jogou os cabelos para trás e ensaiou um sorriso caloroso. Não permitiria

que a maldade de Philip arruinasse suas chances de felicidade com Brad.

Mostraria o quanto confiava nele. Ele deveria ter uma boa razão para não querer falar

sobre a primeira esposa. Não, ele não era um agressor de mulheres. E não podia, não podia,

em hipótese alguma, querê-la apenas como um trofeu. Uma mulher decorativa, bonita, loira,

competente, de família tradicional, apenas para ilustrar seus negócios e sua vida social. O

modo como fizera amor com ela, seu autocontrole, a intensa ternura que demonstrara, mesmo

quando estava furioso, não eram provas contundentes de sua inocência? Não revelavam sua

integridade?

Esfregou as mãos. Seu coração batia descontrolado. Relacionamentos precisavam de

confiança. Como teria se sentido se Brad a tivesse abandonado apenas algumas horas depois

do casamento, por causa de acusações falsas? Não importava o quanto teria que engolir o

orgulho para conseguir com que Brad perdoasse sua falta de confiança. Estava disposta a

fazer qualquer coisa. Philip não sairia vitorioso dessa história sórdida. Como ele se atrevera?

Como pudera?

Quando ouviu os passos de Brad no terraço, levantou-se num salto para cumprimentá-lo.

A expressão nada amistosa e os maxilares contraídos fizeram-na vacilar. Os óculos Ray-ban

escondiam os olhos e os sentimentos dele.

Kim ignorou suas incertezas. Ele estava bonito. Não. Bonito era pouco. Brad estava

maravilhoso, magnífico. Alto, moreno, elegante com o terno claro e camisa preta. Irradiando

alegria, ela correu para recebê-lo.

— Brad... Senti sua falta. — Enlaçou-o pelo pescoço. As palavras não foram mais do que

um murmúrio enrouquecido.

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— Que emocionante! — Sua voz soou ríspida. Aceitou o abraço, mas com a frieza de um

adulto que fazia a vontade de uma criança. — Fiquei fora apenas algumas horas e minha

adorável esposa já sentiu minha falta! E como minha devotada esposa matou o tempo

enquanto sentia minha falta?

Tanto sarcasmo irritou-a profundamente, mas decidida a não perder a calma, conseguiu

manter o sorriso nos lábios.

— Bem, eu dei um passeio — respondeu num tom cordial." Ele não estava retribuindo o

abraço com muito entusiasmo, mas, mesmo assim, o calor do corpo dele, o perfume de sua

pele, provocavam os efeitos que Kim conhecia muito bem. Todos os seus sentidos reagiam

prontamente. — Adoro caminhar pelo campo. Você deveria ter ido também. Quero levá-lo até o

caramanchão. Em criança, era meu lugar favorito. O jardim está florido e coberto por

borboletas... O perfume das rosas, então... simplesmente embriagador! Você já conheceu

nosso jardim?

— Sim. Dei uma olhada por aí antes de comprar o châ-teau. Só isso? Nada mais?

Ela hesitou. O tom inquiridor alertou-a. A tensão fez com que ficasse mais apreensiva. A

despeito de sua intenção de não se descontrolar, não pôde evitar a resposta mordaz.

— O que acha que estive fazendo? Divertindo o time de futebol da cidade?

— Telefonando para seu ex-noivo na Inglaterra, talvez? Não foi o que você andou

fazendo? Tratou de garantir seu futuro ligando para Sefton-Brook, não? Sim, porque se as

coisas não derem certo entre nós, você terá uma alternativa segura à sua espera em casa, não

é mesmo?

Kim pulou para trás, como se Brad a tivesse atingido fisicamente.

— Você não está falando sério.

— Então, diga-me. Por que uma noiva ligaria para o ex-namorado somente dois dias

depois do casamento?

Ela sentiu a cor fugir-lhe do rosto. Brad tirou os óculos escuros. Seu olhar era

indecifrável, desencorajador, frio, hostil. Kim passou a mão pelos cabelos. Sua pele estava

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quente devido ao passeio sob o sol forte. O vestido de algodão estampado estava grudado ao

corpo suado, realçando a curva dos seios. Estava sem sutiã. Os mamilos enrijeceram-se sob o

olhar perscrutador de Brad.

— Não acredito — protestou ela com incredulidade. — Você me acusa de falta de

confiança. — O orgulho ferido dava-lhe forças para enfrentá-lo. Talvez Brad quisesse mesmo

acreditar que ela seria capaz de traí-lo com Philip. Talvez estivesse à procura de uma boa

desculpa para fomentar a desavença entre ambos. — Pelo menos, você sabia que havia um

ex-noivo em minha vida — acrescentou furiosamente. — Nunca fiz segredo disso. Ao contrário

de você, que fez questão de esconder a existência de uma ex-esposa!

— Ok, bingo! — De repente, Brad parecia achar graça da discussão. Sentando-se,

esticou as pernas. Lançou-lhe um olhar impaciente. — O que você queria falar de tão urgente

com Sefton-Brook, Kim?

— Bingo, é? — desafiou-o inflamada. — Você não pode levantar uma questão e depois

largá-la de lado, sempre de acordo com suas conveniências. Como sabe que telefonei para

Philip? Estava me espionando? Ouvindo atrás da porta?

— Perguntei à madame Fleurie se havia recados para mim. Ela me informou que o único

telefonema fora de Philip Sefton-Brook, retornando sua ligação.

Kim deu alguns passos pelo terraço. Madame Fleurie não tinha nada que contar a

respeito de suas ligações particulares! Mas, também, certamente a governanta não poderia

imaginar que causaria tantos problemas. Além do mais, depois da venda do château, Madame

Fleurie passara a ser empregada de Brad. Nada mais natural, portanto, que estivesse do lado

do novo patrão.

Voltando para junto de Brad, Kim sentou-se também. Estava terrivelmente consciente da

presença dele. Brad a deixara furiosa, frustrada, tensa. Ainda assim, era um verdadeiro suplício

conter a vontade tocar-lhe, de acariciá-lo. Fitou-o com os olhos semicerrados. O corte perfeito

da calça acentuava os contornos musculosos das coxas dele. Tudo nele era rijo, forte,

apelativo. Sentiu a garganta seca. Com esforço, desviou o olhar e cruzou os braços sobre os

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seios. Amava-o e odiava-o ao mesmo tempo, concluiu com uma pontada de amargura.

— E então, Kim? Vai me dar uma explicação? — Ele falava como se, na verdade, não

estivesse dando a mínima para o telefonema. Relaxado na cadeira, observava o horizonte

como se ela não existisse.

Kim refletiu por alguns instantes. Depois, decidiu-se pela franqueza.

— Foi ele.

— Foi ele o quê?

— A carta anónima, o envelope com todos aqueles papéis! Tenho certeza que ele pagou

para alguém forjá-los...

Lentamente, Brad virou a cabeça para olhá-la. Seu rosto era inexpressivo.

— Ele admitiu?

— Não com todas as palavras, mas...

— Tem provas concretas para acusá-lo?

— Não exatamente, mas...

— Mas, já o declarou culpado!

A afirmação de Brad pegou-a de surpresa. A chegada de madame Fleurie com uma

bandeja de bebidas, interrompeu momentaneamente a discussão. Brad agradeceu,

dispensandô-a. Depois, encheu dois copos de cristal com vinho branco, oferecendo um a Kim.

— Quer que misture água mineral?

— Não. Quero puro. — Sorveu um gole da bebida, enquanto observava Brad beber

pensativamente.

— Você não acha que foi Philip? — ela perguntou por fim.

— Só Deus sabe. O que mais me intriga, Kim, é esse seu senso de "culpado-até-prova-

em-contrário" que aplica em todos os pequenos mistérios da vida. E sempre assim, não? Age

por impulso, mandando o bom senso para o inferno.

— Não, não é nada disso. Acredito em sua inocência, Brad. Já lhe disse! — Ela tremia. A

voz enfraquecera pela emoção. Limpou a garganta impacientemente. — Brad, você vai punir-

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me para sempre? Recebi um choque. Um choque terrível. Aquela carta, as certidões, as fotos,

chegando sabe-se lá de onde, enquanto eu ainda vivia as emoções do casamento... Entrei em

pânico. Precisava de espaço para esclarecer as coisas em minha cabeça. Será que não dá

para entender...

— Você não está usando a aliança de casamento.

Ela gelou. Olhou para o anular da mão esquerda. Ruminando as consequências do

confronto daquela manhã, esquecera-se completamente dos anéis.

— Ficarei feliz em usá-los novamente — Kim murmurou. — Estão na gaveta da mesa de

cabeceira.

— Deixe-os lá. Não se apresse com algo que poderá arrepender-se mais tarde.

A crueldade dita num tom casual feriu-a como um golpe no estômago. Com a mão

trémula, levou o copo aos lábios, bebendo outro gole de vinho. Depois, largou o copo na mesa.

— Ok. — Ergueu levemente os ombros. O rosto empalidecera. — Porém, será preciso

muito mais do que a falta de aliança para romper nosso casamento, Brad.

Houve um longo silêncio. Um músculo se contraiu na face rígida.

— Certo. Eu sei. — assentiu com sarcasmo. — Você viu a luz, está convertida à verdade

eterna, e agora quer salvar nosso casamento.

Passando os dedos pelos cabelos, Brad fitou-a novamente. O sorriso era irónico. Kim

sentiu uma pontada de dor. Uma dor intensa, desesperada, lancinante. Só podia ser um

pesadelo. Seu casamento estava condenado só porque não sabia em que acreditar? Seria

daquele modo dali para frente, com ela tentando aproximar-se e Brad repelindo-a com

crescente hostilidade?

Ele poderia não ser fisicamente violento, poderia não ser culpado das acusações contidas

na carta, mas o que ele fazia era violência emocional. E feria tanto quanto a violência física.

— Se você me odeia, é bobagem continuarmos. — As palavras saíram rápidas, sentidas.

— Não a odeio, Kim.

— Então, por que tanta frieza, tanta rispidez? Silêncio novamente.

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Esse Estranho Amor

— O ódio está rondando nosso relacionamento, porém, não é o mesmo tipo de ódio que

deve existir entre nós, Kim.

— Você poderia filosofar menos e falar com mais clareza? O que significa isso tudo que

você disse?

— Significa que, quem quer que tenha enviado aquele envelope justamente no dia do

nosso casamento, está consumido pelo ódio, Kim.

Ela o olhou com expressão cautelosa.

— Pelo menos nesse ponto, concordo com você.

— Você acha mesmo que Philip Sefton-Brook está consumido pelo ódio, Kim?

— Bem... — Ela consultou seu coração e, de repente, viu-se diante de um impasse. Sem

mais certeza de nada, ainda tentou defender seus argumentos. — Quem sabe? Se estiver, ele

escondeu muito bem. Apesar de ter ficado muito furioso quando rompi nosso noivado, depois

que eu me... depois que conheci você...

— Fúria é totalmente compreensível — Brad ponderou. — Mas, não é suficiente para

levar à uma vingança patológica.

— Se não foi Philip, quem foi então? Quem poderia odiar-me tanto, a ponto de fazer uma

barbaridade daquelas?

— Já ocorreu a esse seu cérebro egoísta que talvez o ódio esteja dirigido a mim? Sei de

algumas pessoas que jamais me incluirão em suas listas de cartões de Natal!

— Quem? Fale-me a respeito dessas pessoas. Brad... precisamos conversar! — Com

olhar súplice, fitou o rosto sombrio dele. — Preciso saber sobre essas pessoas. Preciso saber

sobre seu passado. Você tem muitos segredos que deveria ter revelado antes do nosso

casamento. Agora, sou sua esposa e tenho o direito de saber. Não deve haver mais segredos

entre nós. Será que é tão difícil entender isso, Brad?

Ele se levantou repentinamente e pegou na mão dela. Kim também pôs-se de pé.

Estavam muito próximos. O coração dela descontrolou-se.

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— Ainda não. Sossegue. Antes, vou fazer algumas investigações. Decididamente,

conjecturas inconsistentes não combinam comigo. — A nota irónica acentuou-se, fazendo-a

tremer de raiva. — Tampouco julgamentos precipitados. Ao contrário de minha querida e

sensual esposa, que parece passar o tempo pulando de uma conclusão para outra.

— Não é nada disso... — Para seu horror, percebeu que tremia. A onda de ansiedade

começava a consumi-la à medida que Brad a puxava mais, amoldando-a ao seu corpo.

As mãos percorreram-na, deixando um rastro sensual e abrasador. Os dedos tocaram a

pele que o vestido de alças expunha, despertando os nervos da espinha dorsal.

— Se Philip quisesse estragar nosso relacionamento, teria aparecido com aquele

envelope antes do casamento, não depois. — Brad beijou-a na curva do pescoço, introduzindo

a língua na orelha dela. Kim estremeceu involuntariamente. Uma sufocante onda de desejo

começava a crescer dentro dela, tomando conta de seu corpo inteiro.

— Como sabe? — ela conseguiu perguntar, num fio de voz.

— Porque essa seria a reação de um homem racional. Embora conhecendo Philip Sefton-

Brook apenas superficialmente, eu diria que não há nada de irracional nele.

— Então, você acha que quem fez isso não é uma pessoa normal?

— Eu não acho nada. Para cima, sra. Baldwin. Hora de ir para a cama...

— Brad... por favor!

Empertigada e meio resistente, mas intimamente vencida pelo desejo, Kim permitiu que

Brad a conduzisse para quarto. Não o seu, pequeno, da torre, mas a suíte principal, no

primeiro andar. O quarto grande, alto, que seus pais costumavam dormir.

Assim que entrou, notou que o aposento fora totalmente reformado, os móveis trocados.

A cama francesa era uma verdadeira obra de arte. Antiga, de madeira escura entalhada. As

paredes estavam forradas de papel bege claro, o carpete era marrom e as cortinas em vários

tons de bege. O efeito era perfeito para realçar os espelhos antigos, os porta-retratos com

moldura em mogno e os abajures. O quarto irradiava calor e aconchego. Boquiaberta, voltou-se

para Brad. Ele a observava com expressão indecifrável.

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— Aprova?

— É magnífico... Adorei! Quando você o reformou?

— Uma semana depois da compra.

— Quando?

— Um mês atrás.

Ela raciocinou rápido. Brad a pedira em casamento dois meses antes. Marcaram a data

para o início de agosto e Brad fora para a França a negócios no final de junho. Houvera boatos

de que um Turner desaparecido poderia estar num château em Loire. Ele fora checar a

informação.

Depois, ela fora mandada para um leilão em São Francisco. Na época, estranhou que

Brad não tivesse aproveitado a oportunidade para voltar aos Estados Unidos. Concluiu que fora

tudo planejado para que ela não desconfiasse de nada, garantindo, assim, a surpresa do

presente de casamento. Brad transformara o antigo quarto numa jóia. Um verdadeiro ninho de

amor.

— Lençóis de linho branco com perfume de lavanda — ele murmurou, beijando os

cabelos dela. Segurou-a pelos ombros, sentindo a curva dos seios sob o algodão do vestido.

Afastando as alças, forçou-a a olhá-lo.

— Oh, Brad... realmente é um presente de casamento maravilhoso.

— Acha mesmo? — Ele a despira até a cintura. Os olhos azuis escureceram de desejo.

— Que ironia você ter escolhido justamente este lugar para esconder-se de mim!

Sentiu que o desespero voltava. Reprimiu um soluço.

— Agora estou aqui, não estou? Não me escondi mais.

— Eu já disse que seus seios são bonitos? — Inclinando-se, enterrou a cabeça entre

eles, cobrindo-os de beijos, acariciando-os com a língua ávida.

Kim estava fraca e trémula. Os mamilos se enrijeciam sob os lábios ardentes de Brad que

os circulava, explorando-os, tocando-os de leve. As sensações eram tão intensas que Kim não

conteve um gemido. Queria mais, muito mais.

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— Aqui... — conseguiu murmurar. — Beije-me aqui...

— Aqui..? — Brad tocou um dos mamilos ultra sensíveis com a ponta da língua,

prolongando a agonia de Kim. Depois, afastou-se.

Abrindo os olhos, ela notou a expressão divertida no rosto dele, mesclada com a tensão

do desejo. Enrubesceu. Piscou para disfarçar as lágrimas.

— O que está pretendendo, Brad? — investiu rispida-mente, tentando desvencilhar-se.

Mais uma vez, sentia-se apanhada numa armadilha. — Fazer com que o odeie?

— Não... — Abraçou-a com força, pressionando-a contra o corpo. Sua voz soara abafada

pela emoção contida. — Não sei se conseguirei lidar com o ódio neste momento...

— Então, deixe-me amá-lo — Kim murmurou ansiosa. Reprimindo as lágrimas, criou

coragem para tomar a iniciativa de um beijo. Beijou-o com a força de sua urgência feminina

que exigia uma resposta imediata.

— Aí está um oferecimento que não poderei recusar. — O comentário teve uma

conotação ambígua. Levou-a para a cama. Ajeitou-a sobre os lençóis. Os olhos escuros fixos

no rosto corado, nos lábios entreabertos de Kim. — Mas, antes vamos esclarecer bem um

ponto, doçura. Isto é sexo, não amor.

Kim abriu a boca para protestar, mas Brad a impediu, beijando-a. Beijos vorazes que

entorpecia o cérebro, mas que despertava o corpo de Kim. Ao mesmo tempo, com movimentos

hábeis, tirava-lhe o vestido e a calcinha. De repente, Kim sentiu-se extremamente vulnerável e

exposta... e ardendo, ardendo...

— Por que você precisa ser tão., amargo? Faz com que pareça ... sórdido... este

sentimento que existe entre nós — ela protestou debilmente. Estava fraca, sem defesas,

enquanto Brad acariciava seu corpo, incendiando todos seus sentidos, procurando pelas mais

inesperadas zonas de prazer que respondiam aos seus estímulos.

Brad tirou a roupa também. Depois, ajoelhou-se na cama para tirar a cueca. O estômago

de Kim se contraiu diante da nudez exuberante.

— É essa a impressão que passo, Kim? — O tom enrouquecido, ofegante, soou quase

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como uma carícia. Com a ponta dos dedos, traçou um uma linha que ia dos seios até o

abdómen, prolongando-se até o triângulo de veludo dourado que encobria a feminilidade dela.

Os movimentos sensuais sacudiam-na como pequenas explosões dos sentidos. — "Uma

ligação sórdida". Não foi assim que você descreveu nosso casamento hoje cedo?

Gemendo, mergulhada no clima de sensualidade que Brad estava criando, quase não

captou a nota de implacável escárnio.

— Brad... não... — Soluçava sem perceber. Soluços de desespero, frustração e desejo.

— Por favor, não...

— Não? — ele repetiu com mordacidade, posicionando-se sobre ela. — Não o quê,

minha querida? Não comer minha encantadora esposa-troféu? E correr o risco de ser chamado

de impotente de novo?

— Você é repugnante... — Com o rosto banhado de lágrimas, ela puxou ruidosamente a

respiração. Com as duas mãos no peito dele, empurrava-o enquanto ele a penetrava.

— Queria nunca ter casado com você!

— E continuar eternamente "mais ou menos" virgem com o último dos grandes amantes

ingleses, Philip Sefton-Brook? — ele zombou, iniciando a cavalgada que já começava a levá-la

ao delírio.

Kim gritava, sacudida por convulsões, à espera do clímax. O quarto girava, sua mente

também girava, enevoada. Gemeu aliviada, sentindo a força violenta da realização de Brad

pulsando intensamente dentro dela.

— Estou prestando um favor a vocês dois, meu bem — alfinetou-a, quebrando um

silêncio pesado e constrangedor.

— Eu a estou educando nas artes sensuais. Sefton-Brook não sabe o que o espera

quando você voltar para ele...

Transtornada pela raiva, Kim o encarou. Antes que Brad se desse por conta, ela ergueu a

mão, atingindo-o em cheio no rosto. Ele não se moveu. Não reagiu.

— A brincadeira foi de muito mau gosto. — Apesar de ainda sentir os efeitos dos

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momentos de intimidade com Brad, sua angústia era quase uma dor física, latejando fundo em

seu coração. — Não acerto uma com você, não é? Se digo que o amo, você me atira esse

sentimento no rosto. Se demonstro que o desejo, você usa isso para humilhar-me. Para mim,

basta, Brad. Acho que já aguentei demais.

— Já? No primeiro dia de nossa lua-de-mel, sra. Baldwin?

— Você é muito amargo — acusou-o. Completamente arrasada, tentava livrar-se do

corpo dele. Brad a prendia possessivamente na cama sem dar mostras de soltá-la. — Você

deve ter motivos para ser assim tão amargo, tão cruel. Porém, não é justo punir-me por algo

que não tem nada a ver comigo. Com um gemido, ele rolou de cima dela, deixando-se cair na

cama. Respirava pesadamente.

— Será que não? Será que não tem nada a ver com o modo como me olhou quando

cheguei hoje pela manhã? — rebateu ele num tom suave. O sorriso, porém, era frio. —

Imagine como me senti ao ver que a garota que eu amava e com quem me casara estava com

medo de mim. Ainda acha que você não tem nada a ver com o fato de eu ser amargo e cruel?

Kim não respondeu. Com um enorme sentido de frustração, compreendeu que estava

tudo errado e que nunca conseguiria recolher os cacos daquela relação e juntá-los novamente.

Não podia negar as acusações dele. Estivera apreensiva mesmo! As fotografias horríveis, a

aparente autenticidade de tudo...

— A culpa é sua se tive medo de você — justificou-se. — Sua culpa por não ter revelado

seus segredos antes de nos casarmos.

— Todos têm segredos, Kim. Tenho trinta e dois anos. Sou um homem vivido. Já vi

muitas coisas, fiz outras tantas das quais me arrependo. Casamento não significa que você

deve virar-se do avesso, que deve pôr para fora todos os episódios tristes de sua vida

passada, Kim.

— No seu caso é evidente que não! Quando você disse que se arrepende de muitas

coisas, está querendo dizer que... que... aquelas acusações são verdadeiras?

Seguiu-se um pesado silêncio. Arrependida, Kim desejou poder apagar suas palavras.

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Queria desaparecer no ar.

— O que você pretende fazer, Kim? — Brad disse, por fim. Parecia escolher as palavras

cuidadosamente, mantendo seu humor sob controle. — Você é apenas uma criança. Pensei

que tivesse mais maturidade para o casamento. Quer acabar logo com tudo isso e voltar a

casa do papai e da mamãe?

Ela enterrou a cabeça no travesseiro. O olhar de Brad era distante, anuviado por densa

emoção. Parecia um estranho. Um estranho que usara seu corpo para uma gratificação sexual.

Seu coração parecia prestes a explodir.

A perspectiva de perder Brad, de perder a chance de reconquistar sua felicidade era

dolorosa demais. O orgulho falou mais alto.

— Tenho vinte e um anos, Brad. Não sou mais criança. Além do mais, pensei que

precisasse de minha ajuda para aquele leilão particular em Paris.

— E preciso.

— Então, ficarei até o leilão. — A resposta foi fria, impensada. Por que dissera aquilo, em

vez de gritar e espernear passionalmente que queria ficar com ele, queria continuar com aquela

loucura, queria reviver o calor e a tranquilidade que haviam partilhado antes do casamento?

Mal conseguia respirar. O desespero oprimia seu peito como uma mão de ferro.

— Ok. Iremos para Paris amanhã cedo, um dia antes do leilão. Assim teremos tempo

para providenciarmos um novo guarda-roupa para você.

Erguendo as sobrancelhas, Kim olhou-o sem compreender.

— Por quê? Não preciso de roupas novas.

— Por que não? Bem, perdão, madame. Como foi mesmo a frase que você usou hoje

cedo? — A expressão dele era pura ironia. — "Mulher-acessório". Sim, isso mesmo. Você não

é minha "mulher-acessório"? O tipo de mulher que escolhi como esposa para galgar os

degraus de minha escalada social? Posso não ter o seu status, sua superioridade inata, mas,

tenho dinheiro, muito dinheiro, meu amor. E imagino que uma esposa-troféu esteja sempre

precisando renovar o guarda-roupa...

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CAPÍTULO V

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— A senhora voltará para a festa, ladame?

Madame Fleurie estava parada no hall, sorridente, enquanto Brad levava as malas para o

carro.

— Será no próximo final de semana — a governanta continuou, solícita. — É a cerimónia

do perdão, na cidade. Vous rappelez pas?

Sorrindo, Kim concordou com um gesto de cabeça. Ela se lembrava sim. Junto com os

pais, fora muitas vezes à cidade para participar da festa. Tardes quentes de verão, com o

cheiro adocicado de genêt amarelo, os habitantes vestindo os trajes típicos bretões. A

cerimónia que consistia num anjo de madeira segurando uma espécie de arame com um

estopim para ser aceso, numa simbologia do perdão dos pecados.

— Não sei ainda. — Kim sentiu um nó na garganta. — Não sei exatamente quais são

nossos planos no momento, madame Fleurie...

Na verdade, ela não sabia nem como seriam suas próximas horas! Naquela manhã, o

telefone não parara de tocar. Philip ligara de novo, bradando sua inocência do que quer que

ela o acusava. Seu pai telefonara, depois de saber de seu paradeiro através de Philip.

Sutilmente, ele tentava descobrir o que estava acontecendo. Lucinda também ligara, cheia de

preocupações, obviamente curiosa sobre o misterioso envelope e fuga desesperada de Kim.

Empolgadíssima, Lucinda contou que continuava saindo com Curtis, a quem considerava

um verdadeiro presente dos céus para qualquer mulher e, aparentemente, tão divino quanto

Brad.

Brad passara muito tempo fechado no escritório, recebendo diversos telefonemas, vários

de Curtis que mostrava-se solidário com a crise conjugal que o amigo já enfrentava.

— Acho que será muito bom irmos para Paris hoje — comentara com Brad, logo depois

de conversar com Lucinda.

— Estou começando a sentir-me perseguida. E você?

— Perseguida? Você deve ter bons motivos para dizer isso. Desanimada pela ironia de

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Brad, Kim não respondeu.

Saiu do escritório, voltando para seu quarto na torre. Sofria com aquele clima de conflito.

— É... acho que tenho uma batalha árdua pela frente — resmungou, fechando a porta do

quarto.

Pararam para almoçar no caminho para Paris.

Impessoal e distante, Brad manteve a conversa no campo neutro dos negócios.

Conversaram sobre o leilão onde Kim compareceria no lugar dele. Ninguém poderia saber que

ele estava por trás daquela compra. Marchands de várias partes do mundo estariam presentes.

Se alguém desconfiasse que -Brad Baldwin descobrira algo excitante num quadro fora de

catálogo por ser considerado simples cópia, o preço da obra seria imediatamente inflacionado.

— Eu vi uma foto de um quadro catalogado como "A mulher desconhecida", do século

XVI. Tenho quase certeza que trata-se de um original raríssimo de Catherine Howard

— ele comentou enquanto tomavam café. — Pedi para Geor-ge tentar localizá-lo. Pode

ser um Holbein.

— Com exceção de uma miniatura também de Holbein, da Royal Collection, quase não

existem retratos de Catherine Howard. A história conta que Henrique XVIII destruiu quase

todos, depois que mandou decapitá-la.

— E verdade.

— Você acha que ele se sentiu mais calmo depois que mandou cortar-lhe a cabeça?

— Ela o traiu com outro homem. Foi uma questão de honra e orgulho.

— Sim, claro... honra e orgulho. — Com o olhar fixo em Brad, ela pôs a xícara na mesa.

— Imagino que para muitos homens, a honra e o orgulho nunca poderão ser arranhados...

Brad encarou-a por um longo momento. Por fim, declinou o desafio e, com um gesto de

mão, pediu a conta ao garçom.

No Porsche, já na rodovia rumo a Paris, Kim observava o perfil quase ameaçador do

marido. Embora sentados lado a lado, pareciam infinitamente distantes, como se habitassem

planetas diferentes.

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O único elo que os unia, era o sexo. Remexeu-se no banco, envergonhada pela força

com que aquela chama erótica explodia entre ambos. Uma parte dela adorava isso, mas, um

lado mais sensato ressentia-se com a frieza de Brad, que dizia e repetia que sexo não envolve

amor. Não tinha nem certeza se voltariam a dormir no mesmo quarto! Na noite anterior, ela

subira para dormir no quarto da torre. Brad não impedira. Apenas comentara com a costumeira

ironia, que era muito tarde para ela se trancar em sua torre de marfim!

— Preciso de privacidade — Kim defendera-se furiosamente. — Sou sua esposa, não

uma prostituta de luxo. Você não tem o direito de usar-me quando bem entender apenas...

para sua satisfação física.

— Engraçado, pensei que a satisfação fosse mútua. E, pelo que me lembro, foi você

quem fez questão de consumar nosso casamento. Mas, procurarei não me esquecer do seu

pedido. — O tom de voz fora pacífico, quase cordial. Porém, o olhar e o sorriso extremamente

cruéis e mordazes, abalaram o equilíbrio de Kim.

Lutando para não desmoronar diante dele, Kim saíra apressadamente, buscando refúgio e

proteção no quarto da torre. Depois, numa atitude extremamente tola e infantil, esperara que

ele batesse à sua porta durante a noite. Pior de tudo, porém, fora a frustração que sentira, o

arrependimento por ter agido com tanta estupidez.

A voz firme de Brad trouxe-a de volta à realidade. Olhando pela janela, Kim percebeu

que já enfrentavam o tráfego da cidade.

— Fiz reservas no hotel da Place de Ia Concorde — declarou, citando um dos hotéis mais

caros e sofisticados de Paris.

Kim olhou-o de viés e Brad riu.

— Existe melhor lugar para eu exibir meu "acessório feminino"? Além do mais, como

Paris fica um caos em agosto, com tantos turistas, achei que deveríamos ter um pouco de

tranquilidade e um mínimo de conforto. Concorda? — Olhou-a com o cantos dos olhos. —

Além do mais, a primavera está chegando... É muito mais romântico, não é?

— Certamente não poderia haver nada menos romântico do que esta visita a Paris.

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— Cuidado com o que fala, sra. Baldwin. — Esticou a mão para tocá-la no queixo. —

Estamos em lua-de-mel. Não existe nada mais romântico do que uma lua-de-mel, querida.

Kim não respondeu. Desviou o rosto, fugindo ao contato. Apertou as mãos, percebendo

que as palmas estavam úmi-das. Nervosa. Estava irritada, furiosa, com o próprio marido. Era

ridículo! Como a situação pudera chegar naquele ponto?

Na verdade, reconhecia sua parcela de culpa. Admitia que, ao fugir de Brad horas depois

do casamento, quebrara duas regras preciosas num relacionamento. Ferira o orgulho de Brad,

expondo-o ao vexame diante de todos os convidados, e não confiara nele. O que esperava,

depois disso? Champanhe e rosas? E, agora, por acaso, já confiava nele? Ou ."estava usando

o clássico subterfúgio de esconder a cabeça na areia, enquanto esperava pelo melhor? Sentiu

uma terrível sensação de mal-estar. Se, ao menos, pudesse recuar no tempo...

Champanhe e rosas destacavam-se quando o boy abriu a porta da suíte luxuosa.

Momentaneamente relaxada, ela fitou Brad com expressão emocionada.

— Foi você quem pediu? — arriscou.

— Não. Gentileza da casa, suponho. — O tom negligente alertou-a de novo.

Brad tirou as roupas, atirando-as sobre a cama. Kim respirou fundo, esforçando-se para

não demonstrar seu constrangimento, enquanto ele caminhava em sua direção com a maior

naturalidade. Alto, moreno, musculoso... e nu! Mas, ele foi para o banheiro!

Kim sentou-se na cama. Apoiada na cabeceira, pôs-se a folhear os guias turísticos da

cidade. Seus nervos estavam em frangalhos. Quando Brad saiu do banheiro com os cabelos

úmidos e cheirando a loção pós-barba, ignorou-o. Ou tentou. Ele, sim, deu a impressão de

ignorar a existência dela. Enquanto fingia ler, Kim observava-o, incapaz de não perturbar-se

com a sua presença. Por mais raiva que ele despertasse nela, por mais tensa que fosse a

situação entre ambos, era simplesmente impossível ignorar Brad Baldwin.

Ele estava se vestindo. Camisa impecavelmente branca, terno de linho azul marinho,

provavelmente Armani, a julgar pelo caimento perfeito. Penteou os cabelos e colocou os óculos

escuros. Kim não resistiu à curiosidade.

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— Vai sair?

Expressão impassível, ele verificou as horas no Rolex de ouro.

— Tenho um compromisso em St. Germain Des Pres.

— Posso ir junto?

— Por mais que eu anseie exibi-la para Paris e o mundo, desta vez, não. — Ergueu as

sobrancelhas, demonstrando exagerada preocupação. —Você parece cansada, Kim. Aproveite

para dormir um pouco. Quando eu voltar, iremos às compras na rue de Marignan. Depois, nos

presentearemos com um belo jantar no Les Connaisseurs...

Ele conseguiu dar às palavras um tom arrogante, que sugeria protecionismo. Kim

ofendeu-se. Sentiu o rosto em brasa. Levantou-se com o coração aos saltos.

— Você está tentando me impressionar ou coisa parecida? Para um órfão criado nas ruas

de Los Angeles, você está muito bem informado sobre o jet-set europeu. Parabéns, Brad! Mas,

garanto que perde seu tempo. Não quero fazer compras, nem estou interessada em

restaurantes chiquér-rimosl Você está me tratando como seu eu fosse uma... uma boneca sem

cérebro!

— Não é mais uma definição que se encaixa na figura da esposa-trofeu? — Com um

sorriso ferino, abriu a porta do quarto. — Até mais, querida.

Saiu sem esperar pela reação de Kim.

No quarto silencioso, ela se jogou pesadamente na cama.

Relanceou os olhos pelo quarto, detendo-se na garrafa de Bol-linger ainda no gelo e para

o arranjo de flores multicoloridas.

Lentamente, levantou-se e caminhou até a janela. Avistou a imensa Place de Ia

Concorde, datada do século XVIII, e os jardins da Tuileries se abrindo para o Louvre. Lá estava

ela, num dos hotéis para requintados de Paris, vivendo o que considerava uma sátira de sua

lua-de-mel, sentindo que seu mundo chegava ao fim. As ironias de Brad machucavam-na

demais. Sentia-se mais só do que jamais se sentira em toda sua vida. Por que Brad era tão

orgulhoso... e fechado?

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Ele não falara com ela. Recusara-se a discutir seu primeiro casamento. Não se

preocupara em desmentir as acusações da carta. E, por outro lado, não permitira que ela

saísse do château quando ameaçara partir. O que Brad pretendia com atitudes tão

controvertidas? Tê-la por perto para poder puni-la vinte e quatro horas por dia? Ou para

demonstrar o poder altamente erótico que exercia sobre ela?

Obrigando-se a fazer algo de positivo, decidiu tomar um banho. Tirou a roupa, pendurou

a calça azul e a jaqueta no guarda-roupa. Depois, mirou-se no espelho. Correu as mãos pelo

corpo. Ficara diferente depois que Brad a introduzira nos mistérios do desejo? Estremeceu só

em pensar no modo como os carinhos de Brad a deixava. Ardente, entorpecida e tão, tão

feminina... até o momento que o sarcasmo dele arruinava tudo...

Com um suspiro resignado, prendeu os cabelos no alto da cabeça e foi para o banheiro.

Encheu a banheira e deixou-se embalar pela água morna e pela espuma perfumada. Tinha

tudo para relaxar, mas não conseguia desligar-se dos pensamentos torturantes. Seu cérebro

estava a mil...

O relacionamento dela com Brad caminhava em círculos, com cada qual procurando ferir

mais o outro. Ela o humilhara, abandonando-o logo depois do casamento. Ele a humilhava,

rejeitando-a sexualmente. Em nome do orgulho, ela revidara, atirando-lhe no rosto tudo o que

sabia sobre o primeiro casamento. Não sabia o que atingira mais Brad. As acusações de

brutalidade contra a ex-mulher ou a afirmação de que ele se casava com mulheres de nível

social mais alto para mascarar sua origem humilde.

Fechando os olhos, apoiou a cabeça nos joelhos dobrados. Se não tivesse entrado em

pânico, se tivesse esperado por ele, enfrentando-o com o maldito envelope nas mãos! Se

tivesse exigido uma explicação no ato, talvez, a situação fosse bem diferente. O que Brad teria

feito nesse caso? Teria explicado, falado sobre a ex-esposa? Teria esclarecido o mistério de

como alguém poderia ter forjado aqueles documentos? Como poderia saber se a relutância de

Brad em falar devia-se ao orgulho ou à consciência culpada?

E se for tudo verdade?, gritou uma voz crítica em sua cabeça. E se Brad fosse um

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dissimulado, que escondia sua natureza violenta, até conseguir o que queria? Ele a usara?

Teria se casado com ela apenas porque pertencia a uma família tradicional?

Uma onda de frustração envolveu-a. O Brad que conhecera e a quem amava não tinha

nada em comum com o tipo de homem que atacava violentamente uma mulher. Ele era

corajoso, forte, valente, mas não era violento ou vingativo. Pelo contrário, até. Tivera muitas

oportunidades para testemunhar o temperamento pacífico de Brad. Lembrou-se de quanto a

Harley-Davidson fora roubada da porta da galeria em Old Bond Street. Horas depois, a polícia

capturara o ladrão. Era um adolescente que quase atropelara uma mulher e uma criança, antes

de bater com a moto no muro de uma casa. A moto foi destruída, mas o jovem,

milagrosamente, escapou ileso.

Kim esperava que Brad exultasse com prisão. A polícia explicara que aos dezesseis anos,

o rapaz já era um temido ladrão de automóveis e participante de rachas, e que seria enviado a

um reformatório. Surpreendentemente, Brad pediu que o jovem fosse submetido a um esquema

de cons-cientização. Dois meses enfrentando a realidade daquilo que ele conhecia tão bem,

incluindo vídeos com as vítimas, com acidentes de carros e motos e suas consequências.

Quando Kim comentou a respeito, ele dissera que, por ter crescido nas ruas de Los

Angeles, aprendera como era fácil deixar-se esmagar pela engrenagem do crime. Queria dar

oportunidade aos jovens como aquele que roubara sua moto, e não ajudá-los a afundar ainda

mais no buraco. Decididamente, aquele não era uma atitude condizente com alguém que batia

em mulheres!

Começou a ensaboar-se. Percebeu que estava chorando. Precisava encarar os fatos.

Independente do que sentisse pelo marido, o relacionamento deles poderia estar seriamente

arruinado. Em parte por sua culpa. Em parte por culpa de Brad. Piscou vigorosamente,

tentando conter as lágrimas. De que adiantaria a autopiedade? Pensou que conhecia o homem

com quem se casava. Talvez, na verdade, nunca o conhecera. Aquela era a realidade. Se não

gostasse, seria melhor pensar em algo para fazer, antes que fosse tarde demais...

— Embrulhe esse — Brad ordenou à gerente da butique luxuosa, assim que Kim saiu da

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sala de provas vestindo mais um modelo exclusivo. Era um vestido de noite em crepe

vermelho. A blusa consistia em duas tiras largas, cobrindo os seios. — O verde e o preto

também...

— Brad, são muito ousados. Não estou acostumada a usar modelos assim... — Kim

começou num tom calmo.

Passara a tarde inteira tentando manter-se sob controle. Mesmo sabendo que ele fazia

de propósito, que aquela também era uma forma de vingança, Kim achava muito difícil lidar

com a situação humilhante de ser arrastada de loja em loja como um faíitoche. E sem a aliança

de casamento que sempre atua como um tradicional símbolo de respeitabilidade, não tinha

como proteger-se dos sorrisos maliciosos e das expressões especulativas das vendedoras.

Fizeram o circuito completo. Lingeries, roupas esportes, sociais, de noite, tudo assinado

por Karan, Muir, Chanel, Valentino. Sapatos e bolsas italianos. Bijuterias e jóias valiosas de

Cartier, perfume Chanel...

— Pode embrulhar todos. — Ignorando os protestos de Kim, Brad entregou pela enésima

vez o cartão de crédito para a gerente.

No carro, já de volta para o hotel, Kim decidiu enfrentar o marido.

— Como pôde tratar-me daquele modo nas lojas? Como se eu fosse a amante de um

homem rico! — ela esbravejou. — Como uma reles cortesã sendo recompensada por seus

favores.

Brad soltou uma gargalhada.

— Cortesã? Só mesmo uma burguesa como você para usar esse termo obsoleto, Kim!

Bem, respondendo à sua pergunta, apenas quis ajudá-la. Você ainda não tem experiência

suficiente para escolher as roupas adequadas para uma esposa-troféu.

— Você é odioso, sabia? Além de humilhar-me sem o menor escrúpulo, ainda me obriga

a vestir roupas que não tem nada a ver comigo.

— Oh, que mal agradecida! Escolhi um guarda-roupa de fazer inveja a qualquer mulher e

tudo o que tem a me dizer é que os vestidos não tem nada a ver com você?

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— Brad Baldwin, se é guerra que você quer, então terá.

— Você não está me ameaçando com mais violência, está?

— Mais violência?

— Sim. Meu rosto ainda está dolorido por causa do carinho que você me fez, querida. —

Lançou-lhe um olhar divertido. — Espero que não tenha o triste hábito de agredir seus

namorados, Kim. Talvez eu devesse prevenir Philip. Ou será que ele já está acostumado?

— Oh... vá para o inferno! — explodiu, irritada com a brincadeira.

Assim que entraram na suíte do hotel, Brad gracejou num tom autoritário:

— Use o vestido vermelho no jantar desta noite. Quero exibir meu "acessório feminino"

em todo seu esplendor.

— Como quiser, meu amo e senhor. — Kim retribuiu o sorriso sarcástico. — E o que

deseja que eu vista para dormir? O baby-doll de seda preta? Ou a camisola branca

transparente, de renda?

— Apenas o Chanel Ns 5. Para mim, já é suficiente — rebateu, sorrindo maliciosamente.

Depois, sentando-se numa cadeira, mergulhou no jornal, ignorando-a por completo.

O restaurante do hotel era luxuoso e muito caro. Os garçons circulavam pelo salão com

deferência. Ao fundo, uma música suave. Nas mesas, toalhas brancas de linho, talheres de

prata e pessoas impecavelmente elegantes. Mesmo assim, Kim percebeu que muitas cabeças

se voltavam para observá-la, no vestido vermelho que realçava seu corpo perfeito, enquanto

caminhavam até a mesa previamente reservada. Deixara os cabelos soltos, caindo em ondas

pelas costas. Um pouco mais de maquilagem do que o normal acentuava o verde dos olhos.

Os sapatos de salto alto e o colar de pérolas davam o toque final de glamour.

— As pessoas estão me olhando — ela murmurou assim que o garçom se afastou.

— Com certeza, pensam que você é uma celebridade. Se quer saber, você lembra um

pouco a Cláudia Schiffer. — Desviando o olhar, pôs-se a ler o cardápio. — O que vamos

comer?

— Para mim é indiferente. Esta noite de cabaré é sua. Escolha o que quiser. — Pousou o

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menu sobre a mesa.

— Ok, sem problemas. — Ergueu discretamente o dedo para o mâítre e imediatamente o

garçom voltou.

— Champanhe, por favor. Moét et Chandon está ótimo. Pâté de fois gras, seguido de

salmão, com ervas e creme.

— Segurança de expert! Parabéns! — provocou-o num tom ácido, mordaz.

Kim olhou-o. Mesmo iluminado pela luz suave do castiçal, o rosto de Brad era duro,

sisudo. Sua expressão guardava a habitual máscara de cinismo. O terno preto, a camisa

branca, a gravata de seda discreta, tudo em sua aparência elegante e civilizada encobriam a

rudeza de sua personalidade. Kim sentia-se como se estivesse sentada à mesa para jantar

com um assassino.

— Fale-me sobre você e Philip. — O pedido foi inesperado.

— O quê? — Erguendo as sobrancelhas, Kim fitou-o surpresa. — Brad, acho que você

não ouviu absolutamente nada do que lhe falei nestes últimos meses. Já disse tudo sobre meu

relacionamento com Philip.

— Por que mentiu dizendo que já dormira com ele? Kim respirou profundamente. Tentava

controlar a irritação.

— Já expliquei o motivo.

— Refresque minha memória.

— Achei que você agiria de um modo diferente se soubesse que não era minha primeira

vez. — O rubor cobriu-lhe as faces. E, rubor era algo que decididamente não combinava com a

sua nova imagem sofisticada, concluiu.

— Então, não foi um teste para minha tolerância? Para ver até onde poderia provocar-me

antes de levar uns belos tapas no traseiro?

Remexendo-se graciosamente na cadeira, ela deu de ombros.

— Ora, não seja ridículo.

— Tem certeza?

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Uma onda de fúria crescia dentro dela.

— Quer parar de interrogar-me, por favor? Nem eu mesma sei por que falei aquilo. Eu

estava apreensiva, nervosa, estressada mesmo, e, de repente, a mentira fez-me sentir menos

vulnerável. Foi isso. — Desviou o olhar por um instante. Tocou os talheres de prato, depois

fitou-o de novo. — Quanto a Philip... o quer que eu diga mais sobre ele? Descobri que não o

amava quando conheci você. Terminei o noivado por sua causa. Acho que essa sua repentina

obsessão por Philip é um pretexto. Você me acusa apenas para encobrir sua culpa!

— Minha culpa?

— Sim, sua culpa! Independente do que tenha feito à sua ex-esposa, você cometeu o

pecado da omissão ao manter segredo sobre a existência dela. Que tal redimir-se desse

pecado, Brad? Fale-me de Natália.

Sempre com os olhos fixos nela, Brad apertou os olhos. O garçom aproximou-se

trazendo a champanhe. Kim pegou a taça de cristal em forma de tulipa. Levando-a aos lábios,

sorveu um gole da bebida.

— Já relatei a biografia de Natália, anteontem. O que mais precisa saber?

— Como ela era? Vocês foram felizes? O que aconteceu para ela se machucar tanto e ir

parar na polícia?

Brad contraiu os lábios. Bebeu um longo gole de champanhe.

— Responderei na mesma ordem. Mimada e neurótica. Não. Ela levou uma surra de

alguém a quem devia dinheiro.

Kim registrou as informações, comparando-a com outras que já recebera.

— Ela devia dinheiro para alguém? Mas, você não disse que ela era de família rica? E

que ela e a irmã gémea eram proprietárias de uma galeria em Los Angeles?

A expressão dele era dura, indevassável.

— Sim, disse e não menti. Trata-se de uma longa história, Kim. Digamos que nem

sempre a vida é como pensamos que seja.

Kim inclinou levemente a cabeça. Estava furiosa e confusa. Brad era ótimo em... falta de

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comunicação. Queria sacudi-lo pelos ombros, até arrancar a verdade de dentro dele. Como

não era possível, limitou-se a perguntar:

— Você a amava?

— Na época acreditava que sim. Eu era um garotão de vinte anos. Tinha uma visão

ingénua de um casamento feliz e duradouro, com filhos, cachorros — aquela coisa de família,

de estabilidade, que sempre imaginei lindo e maravilhoso.

— A realidade foi diferente?

— A realidade foi diferente.

— Qual o motivo de você ter sido acusado de agredi-la? — Sua voz soava menos

irritada. A revelação do sonho desfeito de Brad comovera-a.

— Eu a encontrei inconsciente no chão de nosso apartamento. Os pais dela, que nunca

concordaram com nosso casamento, chegaram bem na hora e aproveitaram a oportunidade

para demonstrar toda reprovação.

— Chamaram a polícia e o acusaram?

— Sim. No final, fui absolvido. Mas, cheguei a ficar preso. Kim mordeu o lábio. Precisava

saber mais. Precisava saber de tudo. Após um breve silêncio, insistiu:

— Certamente... Natália sabia que não foi você...

— Sim. Ela sabia que não era eu o agressor. Kim ficou estarrecida.

— Quer dizer que Natália não revelou a verdade, mesmo sabendo que você estava na

cadeia?

— Correto. Kim, você está começando a perceber porque este não é meu assunto

predileto?

— Quem era o verdadeiro culpado?

Os olhos de Brad estavam impenetráveis.

— Como eu disse, é uma longa história. Uma história sórdida. Não poderíamos conversar

sobre outra coisa durante o jantar?

O sorriso amargo sensibilizou o coração de Kim.

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— Que história mais terrível! — Ela se mostrava perplexa. -— Sua ex-mulher parece

totalmente indigna e desleal.

— Em compensação, a atual me assombra com tanta integridade e lealdade.

Kim não respondeu de pronto, abalada com a severidade da comparação.

— Olhe — falou, por fim —, o fracasso de seu casamento pode até tê-lo transformado

num homem ressentido e cínico, mas acho que mereço um pouco de consideração. Acredito

em você. Acredito em sua inocência. Isso não conta nada?

— Eu ainda acho que deveríamos mudar de assunto. — Olhou para o garçom que

chegava com o primeiro prato. — Aqui está o patê. Vamos curtir nosso jantar?

Lá pelo meio do jantar, um casal chegou, acomodando-se numa mesa próxima. Foi o

homem quem viu Brad primeiro. Falou algo para a mulher e ambos se aproximaram para

cumprimentá-lo. Eram franceses, mas falavam inglês fluente. Deviam ter pouco mais de trinta

anos e estavam elegantemente vestidos. O homem de smoking e gravata borboleta. Ela, de

vestido longo, cinza, clássico e discreto. Os cabelos louros eram curtos. A elegância sóbria da

mulher deixou Kim desconfortavelmente consciente de estar vestida para agradar o gosto

masculino. Podia sentir o olhar do homem em seus seios.

— Esta é minha esposa, Kim — Brad apresentou-a enquanto apertava a mão dos recém-

chegados.

O tom patronal, possessivo, sobressaltou-a. O choque aumentou quando Brad completou

a apresentação.

— Ela não fala francês muito bem, mas possui muito outros talentos, não é, meu bem?

O homem avaliava a aparência glamourosa de Kim com um brilho de aprovação no olhar.

O sorriso educado gelou nos lábios dela. As palavras formais de cumprimento morreram na

garganta. Mergulhada num sentimento de humilhação e revolta, perdeu a capacidade de

reação. Viu o casal afastar-se em direção à outra mesa e só depois de algum tempo recuperou

o autocontrole.

— Como pôde, Brad? — Os lábios tremiam e a voz foi pouco mais do que um sussurro.

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— Você não acha que essa sua... brincadeira foi longe demais?

— Que brincadeira?

— Ora, esse seu modo de tratar-me, como se eu fosse propriedade sua. Um cavalo de

raça vestido com as roupas da Barbie!

— Que exagero, Kim!

— Você fez questão de apresentar-me aos seus amigos como uma mulher fútil e sem

cérebro...

— Não são exatamente amigos — ele a interrompeu. — Contatos de negócios. Ele dirige

uma galeria em Paris. Espero que esse encontro casual não prejudique nossas chances no

leilão de amanhã.

Quase no final da noite, Kim descobriu que champanhe era um ótimo antídoto para o

desespero. Depois do comportamento ignóbil de Brad, o desespero e a frustração eram

intensos e sufocantes. Ele a espezinhara diante dos amigos. A pequena vingança a enfurecera.

Teria sido mesmo uma simples vingança? Aquele comportamento cínico faria parte da

personalidade de Brad ou seria apenas em consequência dos efeitos da carta anónima?

Antes, Kim já considerara a explicação dele sobre o passado vaga e insatisfatória. Ele

contara apenas meia história. Continuava escondendo o resto porque ainda o magoava falar

sobre o assunto? Ou para não incriminar-se? Esta última hipótese era terrível demais para ser

encarada. De qualquer modo, Brad incorria no erro da deslealdade, o mesmo erro do qual tanto

a acusava.

Ela deveria ter entendido a crise de soluços como um sinal de perigo. Mas, não levou a

sério até o momento em que decidiu ir ao toalete. Só então percebeu que bebera além da

conta. Desempenhara seu papel razoavelmente bem. Não era esse o comportamento esperado

de uma loira fatal? Beber muita champanhe e depois cambalear pelo salão para o delírio da

assistência?

Não se lembrava de como chegara ao toalete e muito menos de como voltara. Na mesa,

tentou focalizar o rosto moreno do marido.

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— Kim? Você está bem?

Brad estava com o cenho franzido. Pelo menos, ela achava que estava.

— Claro que estou. — O salão rodava vertiginosamente. Lançando-lhe um olhar

interrogativo, Brad levantando-se e segurou-a pelo braço.

— Claro que estou bem — repetiu. Tropeçou numa cadeira. Brad a amparou, impedindo-

a de cair ao chão. — Que pergunta mais boba! — Sorriu para ele. — Estou casada apenas há

dois dias e meu marido me despreza. Por que eu não estaria bem?

Ele apertou os dedos no braço dela, segurando-a com firmeza. Kim saiu do restaurante

do hotel praticamente apoiada no corpo de Brad. O elevador parecia rodar feito um

caleidoscópio. Sempre ajudada por Brad, atravessou o corredor até a suíte.

— Estou bem, sim. Só que minhas pernas estão meio fracas... — resmungou, jogando-se

na cama.

As luzes estavam acesas, mas o quarto ia escurecendo gradativamente. Kim sentia-se

como se estivesse caindo num buraco escuro e profundo. Nada poderia salvá-la.

— O que você está sentindo?

— Nada... — A escuridão se intensificava. Tinha consciência de Brad tirando-lhe o

vestido, depois vestindo-lhe a camisola e colocando-a na cama. A voz dele vinha de muito

longe. Nem ríspida, nem impaciente, mas gentil, solícita, soando como se ele realmente se

preocupasse com ela. Kim adormeceu profunda e instantaneamente.

Nas primeiras horas da manhã do dia seguinte, ela acordou. Deveria ter falado durante o

sono, pois Brad estava a seu lado, murmurando alguma coisa, acariciando os cabelos loiros,

como se ela fosse uma criança. De repente, sentiu uma ridícula ponta de alegria e otimismo.

Se Brad se mostrava tão carinhoso, talvez ainda houvesse esperança. O pesadelo teria um fim.

O casamento seria salvo. Brad diria que a amava e viveriam felizes para sempre.

Agarrando-se a esse possibilidade, adormeceu de novo.

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CAPÍTULO VI

— Cobriram sua oferta? — Brad perguntou num tom mordaz. — Não acredito!

Kim arrepiou-se com a expressão dele. O café ao ar livre, sob as árvores de Champs-

Elysées, fervilhava de gente.

Alheios à atmosfera descontraída que reinava ao redor, Kim ainda não se livrara da

tensão que a acompanhara durante todo o leilão.

— Dispenso sua ironia. — Com a mão ligeiramente trémula, ela pegou a xícara e sorveu

um gole de café. — Obviamente o comprador tinha alguma informação sobre o quadro e estava

preparado para cobrir todas as nossas ofertas, por mais altas que fossem.

— Então não foi uma espécie de vingança de sua parte? A guerra que você ameaçou

ontem?

— Você acha mesmo que eu não honraria os interesses da empresa? — Encolheu-se um

pouco, sentindo que a dor de cabeça se intensificava. Desde a noite anterior sofria as

consequências por ter exagerado da champanhe. —Acredita que eu agiria com tanta

deslealdade?

Brad deu de ombros, num surpreendente gesto de quase indiferença. Kim observou-o

com mais atenção. Havia algo diferente nas atitudes dele que não conseguiu identificar. Ela

saíra do leilão quase em estado de choque. Era a primeira vez que não conseguia bater o

martelo, voltando sem o objeto desejado. Esperava por uma explosão de raiva ou, pelo menos,

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um sinal de desapontamento, de decepção. Em vez disso, Brad parecia divertir-se,

provocando-a.

— Foi uma pena você não ter ido, Brad. Com certeza, teria reconhecido os compradores.

— Possivelmente.

Disfarçando a contrariedade com a aparente indiferença, ela prosseguiu:

— O mais curioso foi que apenas um homem disputou comigo durante todo o leilão.

Quando dei o lance máximo, de repente, uma mulher se levantou, cobriu a oferta, arrematando

o quadro.

— Uma mulher? — A voz de Brad soou muito preocupada.

— Sim, uma mulher. Uns trinta anos, talvez. Alta, bonita, glamourosa, cabelos escuros,

vestindo um Chanel branco e preto.

Brad bebeu um gole de café, expressão enigmática.

— Acha que a conhece? —- ela arriscou.

— Talvez. — Com um gesto, ele pediu a conta. — Hora de arrumarmos nossas malas.

Vamos voltar para o château.

— Nem fomos ao Louvre ainda! E aquele monte de roupas que você insistiu em comprar

para mim? — Kim alfinetou-o com ar inocente. — Por que não ficamos mais um ou dois dias

para que eu possa circular pelas casas noturnas de Paris? Exibir-me sensualmente para

seus... contatos de negócios?

Kim notou os olhos de Brad escurecendo. Virou o rosto displicentemente. O calor da

tarde de verão, o murmurinho de vozes, o ruído de xícaras e pires, o vai-e-vem do tráfego, os

sons, o cheiro, a atmosfera de Paris, formavam um cenário irreal para o conflito que existia

entre eles. Na noite anterior, ela ousara imaginar que a situação estava mudando, mas, na

realidade, tudo continuava exatamente igual. O fiasco do leilão só fizera agravar o que já era

ruim.

-— É isso o que você quer? — Brad a desafiou num tom ríspido. — Será uma nova

faceta de minha esposa que eu ainda não conhecia?

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— Acho que você está certo. Talvez nenhum de nós conhecemos verdadeiramente o

outro. — Levantaram-se assim que Brad pagou a conta. — Esse é um risco que se corre

quando se tem pressa para casar. Minha mãe me preveniu... — Calou-se, arrependida por ter

falado demais.

Quando chegaram ao hotel, a expressão de Brad não era nada amigável.

— Estou pensando em fundar o fã clube das sogras de Brad Baldwin — ele brincou, com

um sorriso amarelo nos lábios.

— Brad, lamento muito... Eu não quis dizer que minha mãe não gosta de você.

— Não lamente. Meu ego pode muito bem suportar a provação.

—- Se quer mesmo saber, minha mãe acha-o divino e maravilhoso! Você tem toda a

admiração dela. Portanto, pare de fazer essa cara de mártir!

— Ok, ok. — Ele ria da reação dela. — Então, sua mãe tem um fraco por americanos?

Ela sabe por que você fugiu de mim no dia do casamento?

— Não. Apenas disse a papai que tratava-se de um assunto pessoal, mas que já

estávamos resolvendo nossas diferenças.

O porteiro abriu-lhes as portas do hotel.

— Estamos mesmo? — Atravessaram o hall em direção à recepção. — Ou foi apenas um

otimismo ingénuo?

— E você quem pode responder.

— Se não existe confiança entre nós, como poderemos falar de nossas perspectivas a

longo prazo? — Brad ponderou num tom apaziguador.

Kim mordeu o lábio.

— Talvez estejamos perdendo nosso tempo — retrucou com uma calma que estava longe

de sentir.

— Vou mandar fechar nossa conta — comunicou ele, encerrando a discussão.

Girando nos calcanhares, Kim entrou no elevador e apertou o botão. Como Brad poderia

ser tão frio? Como poderia ser tão céptico em relação às chances favoráveis para o

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casamento? Indiretamente, acusara-a de sabotar o resultado do leilão. Ele deveria saber muito

bem que, a partir do momento em que os lances ultrapassaram os limites preestabelecidos

pelo interessado, não havia mais nada a fazer. Além do mais, se o retrato fosse mesmo um

original de Catherine Howard, seria muito difícil estimar o valor real. "Incalculável" foi a palavra

que lhe veio à mente.

Passou a mão pelos cabelos. Talvez, seu desempenho não tivesse sido dos melhores. Se

não tivesse bebido na noite anterior, talvez tivesse agido com mais astúcia durante o leilão.

Teria tido maior habilidade para conduzir os lances.

Mas, não poderia recuar no tempo e mudar tudo o que acontecera, assim como não

poderia mudar as atitudes indolentes, patronais de Brad e a aparente falta de confiança nela.

Se as coisas continuassem daquela forma, o casamento deles nunca daria certo porque jamais

conseguiriam recuperar o que estava danificado. A verdade inaceitável feriu-a profundamente

no coração. De tão preocupada com os pensamentos tumultuados, só percebeu que apertara o

botão errado quando o elevador parou em outro andar. Quando, por fim, chegou à porta da

suíte, descobriu que não pegara a chave. A muito custo conteve o impulso de jogar-se no chão

e chorar feito um bebé.

— Acho melhor nos separarmos. — Kim ouviu sua própria voz proferir as palavras num

tom cortês, durante o caminho de volta à região da Bretanha.

— Estamos em viagem de núpcias. — Embora os óculos escuros escondessem a

expressão de Brad, ele dava a impressão de achar graça. — Ninguém se separa em plena lua-

de-mel.

— Se você está preocupado com o comentário das pessoas, então, optaremos por um

casamento aberto. Para mim é indiferente.

Seguiu-se um longo silêncio. Kim continha a respiração numa tentativa de evitar as

lágrimas.

— Se esta decisão drástica deve-se ao fato de não ter arrematado o Holbein, esqueça e

relaxe — disse ele quase com indiferença e um sorriso forçado.

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— Desculpe, mas não estou entendendo. Parece que você não se importa por ter perdido

aquele quadro...

Dando de ombros, soltou a bomba com a maior naturalidade:

— A mulher que o comprou trabalhava para mim.

Kim ficou boquiaberta. Apressando-se em fechar a boca, olhou-o entre furiosa e

estarrecida.

— Brad, você está falando por enigmas, de novo. Poderia ser mais claro?

— Não há mistério nenhum, minha cara. — Lançou-lhe rápido olhar. Seu sorriso, agora,

era de puro divertimento.

Kim sentia o rosto arder à medida que era dominada pela fúria.

— O quadro é nosso, Kim. Nós o adquirimos pelos métodos normais.

— Mas, por que...

— Eu avisei que o leilão atrairia muitos compradores. Sempre haveria o risco de alguém

descobrir nossa ligação e suspeitar de seu interesse pelo quadro. Depois que encontramos

aquele casal no restaurante, os riscos aumentaram. A mulher nada mais era do que uma isca

para tirar esses compradores da jogada.

— Uma isca? -— ela esbravejou. — E você nem se dignou a me contar!

— Ora, você não precisava saber.

— Brad, sou sua esposa e colega de trabalho e, mesmo assim, não precisava saber? Em

outras palavras, você não confiou em mim o bastante para contar! — Cerrando os punhos,

virou o corpo para olhá-lo melhor. — Se não confiou a* mim esse... pequeno truque, então,

provavelmente não confiou na minha capacidade para atuar em seu nome. Acha que eu

pretendia vingar-me ou coisa parecida? Ou que perderia a compra deliberadamente?

— Confesso que essa possibilidade passou pela minha cabeça, sim. — Brad continuava

impassível.

— Sua opinião a meu respeito não poderia ser melhor, poderia?

— Apenas imaginei que você não estava nos seus melhores dias — ele se justificou na

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maior calma. — Você tem andado com seu emocional meio abalado...

— De quem é a culpa?

Ignorando a brusca interrupção, ele completou: — E aquela tremenda ressaca só fez

agravar seu estado já tão... delicado.

Recostando no banco, Kim soltou uma sonora gargalhada.

— Você é hilário, Brad. Até parece que acredita mesmo que essa sua... confissão

impedirá o naufrágio de nosso casamento. Estou começando a crer que tudo o que você

realmente deseja na vida seja uma esposa sem cérebro, sem vontade própria, apenas para

exibir por aí como um trofeu pela sua escalada social. — Ergueu os ombros. — Decididamente

não existe alguém mais arrogante e cabeça-dura do que você, Brad Baldwin!

— Minhas desculpas. — Ele não parecia particularmente arrependido. — Eu deveria ter

confiado o suficiente para permitir que trabalhasse sozinha. Deveria ter confiado em sua

lealdade.

— Aleluia! Tudo isso e mais um pouco. Você não deveria ter caçoado por eu ter perdido

a compra!

— Imperdoável! Ok, eu confesso. Fiquei magoado quando você fugiu de mim. Além do

mais, confiança foi algo que faltou em meu primeiro casamento. Talvez, eu esteja encontrando

dificuldades em me adaptar, principalmente quando corro o risco de ver meu segundo

casamento fracassar também.

Kim respirou fundo. Explosões de raiva não ajudariam em nada. O melhor seria manter-

se calma.

— Por que não conversamos abertamente, Brad? Como dois adultos — ela propôs num

tom apaziguador.

— Não, enquanto você se comportar como uma criança. Ela o olhou, lutando contra as

próprias emoções. Viver

aquele relacionamento era como caminhar sobre ovos. Acusá-lo de falta de confiança era

perfeitamente justificável. Quanto mais pensava sobre isso, mais se convencia da falta de

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confiança de Brad. Primeiro por manter o primeiro casamento em segredo. Depois, pela

explicação nada convincente sobre a agressão sofrida pela ex-mulher. Também, por acusá-la

de manter Philip na reserva. A situação era realmente difícil.

Mas, a posição dela também não era das melhores. Sua reação à carta anónima era uma

prova de sua falta de confiança em Brad. Ela se revelara extremamente imatura para lidar com

a situação, independente de qual fosse a verdade.

A capota do Porsche estava arreada. O sol iluminava os cabelos escuros de Brad. Kim

observou o perfil bem delineado, sentindo o estômago se contrair.

— Realmente, está muito complicado para resolvermos essa questão de confiança, não?

— ela comentou ainda na defensiva.

— Tem razão. Aliás, acho que em se tratando de confiança, estamos empatados.

Com alívio, Kim viu que chegavam ao château. O sol da tarde batia direto sobre as torres

pintadas de rosa, tornando-as vermelho escuro. Lançou um olhar revoltado em direção ao rosto

impassível de Brad.

— Se ao menos descobríssemos quem mandou aquela carta horrorosa! — resmungou

com amargura. — Foi o começo de tudo. Se soubéssemos quem teve a coragem de fazer

tamanha maldade!

— Para quê? Para você, finalmente, decretar minha culpa ou minha inocência? A carta

foi o começo, porém o mais interessante, o mais intrigante, foram justamente as reações que

desencadeou. Concorda?

Brad desceu do carro e Kim o seguiu. Alcançou-o junto ao porta-malas e segurou-lhe o

braço.

— Entendo perfeitamente se não me perdoa minha falta de confiança. Mas, você é tão

misterioso... Os telefonemas particulares, as conspirações às minhas costas, os compromissos

secretos. Acho que tenho todo o direito de saber sobre sua vida.

Virando-se, Brad pegou-a pelos ombros, sacudindo-a com firmeza.

— Calma, Kim! Se, neste momento, eu tivesse respostas para tudo e se tivesse certeza

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de que você acreditaria em mim, eu contaria tudo, juro.

— Contaria? — investiu num tom acusador. — Estou achando que eu seria a última

pessoa a quem você contaria, Brad.

— Se toda a vez que conto alguma coisa, você faz esse tremendo escândalo, fico sem

saber como agir!

Ela tremia, controlando a raiva com toda sua capacidade racional.

— Essa era exatamente a resposta que esperava ouvir de você, Brad. — Com um

movimento brusco, desvencilhou-se dele, marchando em direção ao chateou..

Madame Fleurie foi ao encontro dela. Com esforço, Kim retribuiu o cumprimento.

Enquanto subia a escada, ouviu Brad dizendo à governanta, em francês fluente, que não

precisaria preocupar-se com o jantar e que ela poderia tirar a noite de folga. O que ele

pretendia? Um jantar em algum restaurante fora da cidade? Ou apenas uma oportunidade para

continuarem a discussão sem testemunhas?

Hesitante, entrou no quarto principal, com suas paredes brilhantes e os móveis

suntuosos. Sentou-se na cama. Percebeu que tremia. Choque, medo, raiva. Uma combinação

de tudo. Estava sendo tratada como uma idiota. Desconfiava que Brad sabia muito mais do que

lhe revelara. Parecia sempre estar escondendo algo...

— Fico feliz por encontrá-la aqui — ele falou delicadamente, fechando a porta do quarto.

— Talvez esteja crescendo, afinal.

— Brad, não ouse começar a insultar-me de novo. — Seu coração disparou, estimulado

pela voz dele. Mesmo quando ele falava com rispidez, o tom enrouquecido provocava-lhe as

mais estranhas reações físicas.

— Pensei que iria trancar-se naquela sua torre e deixar-me falando sozinho do lado de

fora.

— Deveria ter feito isso mesmo...

Ele sorriu notando o rosto ruborizado dela.

— Sabe o que eu penso? — ele murmurou, aproximando-se lentamente da cama. — Não

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concordo que deveríamos nos separar. Acho que deveremos lutar para continuarmos juntos.

— Oh, realmente? — Kim recuou quando Brad tocou em seus cabelos. Cerrou os dentes

ao notar o brilho sarcástico dos olhos dele. — Não vejo porquê. A menos que queira poupar-se

da inconveniência de procurar outro pessoa para praticar o sexo.

— Você acha que sou obcecado por sexo, Kim?

Ela sentiu uma onda de calor envolvê-la por inteiro. As pulsações aceleraram. A garganta

secou. .

— Você não ficou sensibilizada com os meus cuidados, na noite passada?

— Não...

A expressão bem-humorada era contagiante. Mas, Kim decidiu que não seria seduzida

por aquele humor cruel novamente. Brad costumava usar desse artifício, combinado com o

intenso magnetismo sensual para conseguir o que queria. Usava-o também para encobrir as

verdades que não queria que ela descobrisse.

— Brad, você deixou bem claro que não confia em mim e que não me ama. Não serei

usada até... até você desistir de agir por conta própria.

Ele se chegou mais perto. De repente, Kim começou a respirar com dificuldade.

— Por que haveria de desistir, se tenho uma constante fonte de satisfação e

entretenimento bem aqui?

Beijou os lábios entreabertos. Kim foi sacudida por tremores que abalaram-na da cabeça

aos pés. O gosto da boca de Brad era muito bom. O beijo fez com que se sentisse quente,

formigando, derretendo. Seria possível odiá-lo e amá-lo e desejá-lo, tudo em questão de

segundos?

A mão dele tocou-lhe a perna. Ela se contraiu como se tivesse sido queimada. Vestia

uma das roupas compradas em Paris. Saia curta, de algodão azul marinho e blusa branca, sem

mangas. Com a outra mão, ele a puxou de encontro a seu corpo. O beijo tornava-se mais

profundo, mais intenso, mais exigente. Beijava-a com tanta feracidade que ela se arqueava,

tomada pelo desejo latente, insidioso, que quase lhe fugia ao controle.

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— Por que você se torna tão mordaz repentinamente? — Kim não resistiu à tentação de

alfinetá-lo. — E orgulho? Você espera provar a quem quer que tenha mandado aquela carta,

que não conseguiram vencê-lo? — Um pensamento passou-lhe pela mente e ela apressou-se

em acrescentar: — Quem sabe se não foi sua ex-mulher quem mandou a carta?

As palavras saíram num ímpeto. Não tinha certeza de como seria a reação dele. Prendeu

a respiração, esperando.

Brad se retraiu por uma fração de segundo. O brilho de fogo nos olhos dele paralisou os

sentidos dela.

— Para uma mulher inteligente, você fala bobagens, às vezes, sabia? — repreendeu-a

num tom gentil. Deitando-a na cama, prendeu-a com uma perna. Abriu os botões da blusa e

desabotoou-lhe o sutiã. Com olhos famintos, fitou os seios expostos. Enterrando a cabeça

entre eles, murmurou com voz enrouquecida. — Minha ex-mulher é passado. Vamos esquecê-

la, sim?

— Será difícil. Afinal, ela poderá estar correndo a Europa em seu encalço, causando-lhe

problemas por onde quer que você vá. — Apesar da indignação, ansiava por sentir a boca

ávida de Brad nos mamilos.

— Esqueça-a — repetiu Brad enquanto tirava-lhe a saia. Ajoelhou-se sobre ela para

saborear o resultado de seu gesto. Com movimentos rápidos, livrou-se das roupas, jogando-as

longe. Depois, inclinou-se sobre ela. A pele bronzeada brilhava como ouro.

Kim sentia-se em brasas, queimando de ansiedade e fúria também. Tudo nela clamava

por Brad. Tudo nela ansiava pela força máscula que saciaria sua fome. Ainda quis reagir, mas

o estado de torpor no qual mergulhava, dominava sua vontade.

— Esqueça-a, Kim. Não precisa preocupar-se com ela.

— Gostaria de acreditar nisso.

— Acredite. — Beijou-a novamente. As mãos desceram dos ombros para a cintura. O

beijo se intensificava, penetrando na intimidade da boca de Kim. As línguas se exploravam,

lutavam, enroscavam-se, arrancando os gemidos abafados dela.

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Kim queria os dedos atrevidos dele em seus seios, nos mamilos, no calor latente entre

suas pernas. As mãos hábeis acariciavam-na em todas as partes e as sensações indescritíveis

arrebatavam-na por completo. Já não conseguia raciocinar. Os ressentimentos dissiparam-se,

consumidos pelas chamas do desejo.

—- Toque-me... Toque-me aqui... — Ela quase não reconhecia a própria voz, trémula e

rouca.

— Onde? — ele zombou, enquanto tirava-lhe a cueca de seda, revelando a rigidez de

sua masculinidade. — Mostre-me. Diga o que quer que eu faça", Kim.

— Oh! — Sacudida por um soluço, ela pegou-lhe a mão para pousá-la nos seios.

Arqueou o corpo ao sentir o toque. Ele apertou o mamilo entre os dedos e as deliciosas

sensações atingiam-na como correntes elétricas. Agarrando-se nos cabelos dele, forçou-o a

abaixar a cabeça. Gemeu quando Brad mordiscou o mamilo, contornando-o com a língua. Qs.

movimentos lentos e sensuais mudavam de um seio para outro. Ela tremia, o corpo em fogo,

impaciente.

— Para uma pessoa que até outro dia não queria saber de sexo, você aprendeu rápido.

— Quero você... — ela murmurou ofegante, sem se importar se Brad a estava

provocando ou não.

— Quer? Mostre-me — pediu ele num fio de voz.

Kim tirou a calcinha e pulou para cima dele, começando a desvestir-lhe a cueca. Sentiu o

corpo rígido entre suas pernas. Engoliu a seco, admirando a virilidade que se revelava diante

de seus olhos. Hesitou por um momento. Logo, porém, fitou o rosto dele, buscando por

segurança.

— Kim, meu bem, você está me deixando louco... — A voz parecia um veludo, tamanha a

suavidade. Nos olhos semicerrados, havia ternura e calor.

Com um gemido de desejo e emoção profunda, ela jogou a cabeça para frente. Os

cabelos loiros cobriam-lhe os seios, o abdómen. Com os lábios entreabertos, permitiu que a

língua tocasse na masculinidade ereta de Brad, delicadamente. O gesto ousado deu-lhe uma

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sensação de posse, de vitória.

Brad não se conteve mais. Segurando-a pelos quadris, ajeitou-a na cama e posicionou-

se para cavalgá-la. O fato de ter-lhe proporcionado uma prazer físico era absolutamente novo

para ela e foi suficiente para derrubar todas as barreiras da inibição. O redemoinho de prazer e

loucura arrastava-a mais e mais...

— Aspargos com óleo de oliva e suco de limão — Brad informou quando Kim entrou na

cozinha do château, horas mais tarde. — Depois, frango à cacciatora. Você deve estar faminta.

Vagarosamente, ela se aproximou do balcão onde Brad preparava os pratos. Com a porta

da cozinha aberta, podiam ver o jardim iluminado pelo luar.

Depois de um banho rápido, Brad vestira-se e descera para a cozinha. Deixara-a

descansando. Os excessos dos momentos de prazer haviam-na deixado em estado de graça,

enquanto Brad parecia ter achado tudo simplesmente excitante.

—- Estou — admitiu, parando ao lado dele. Tentou conter o impulso de abraçá-lo, de

pressionar o rosto nas costas dele.

Extravasar seus sentimentos, até que seria possível, dado o clima cálido do momento, o

que não seria apropriado à luz racional da normalidade. Afinal, eles haviam praticado o sexo,

forçou-se a lembrar-se com realismo. Não haviam reafirmado confiança e amor eternos.

Orgulho e medo impediam-na de abrir o coração para Brad e falar sobre seus sentimentos.

— Lembrei que você gosta de aspargos.

— Obrigada. Muita gentileza sua. — Arriscou um sorriso tímido. — Vejo que você não

dispensou os pratos italianos.

— Ela pegou o escorredor de arroz.

— Claro que não. — Brad observava-a lavando o arroz.

— Adoro comida italiana, você sabe.

— Influência de sua mãe adotiva?

— Sim.

Kim misturou o arroz ao tempero que já ardia na panela. Brad contara-lhe sobre o lar

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adotivo. O pai era americano, a mãe, italiana e já haviam morrido. Por tudo que ele dizia,

parecia que eram uma família feliz, pobre, mas cheia de amor. Seu amor por Brad seria

suficiente para vencer a crise que abalava o relacionamento deles?

Comeram no terraço à luz de velas. Quase conseguiram conversar descontraidamente,

esquecendo as diferenças.

— O jantar estava divino — ela o elogiou depois que terminaram.

— Realmente, estava muito bom.

— A modéstia parece ser seu ponto fraco. — Kim riu levemente.

— Sim.

Os olhares se encontraram e Kim sentiu-se derreter com o sorriso sedutor de Brad. Com

o copo de vinho na mão, brincava com a haste, observando o brilho das chamas refletido no

cristal. O silêncio da noite era quebrado apenas pelo farfalhar das árvores e pelo canto dos

grilos espalhados pela grama.

— Nem sei por que planejamos passar nossa lua-de-mel em Antígua — ela comentou,

por fim. — Aqui é muito mais... romântico.

— Você pode até ter razão.

— O que temos como sobremesa? — Kim mudou repentinamente de assunto. Brad a

fitava de tal modo que seu coração disparou.

— Você — ele murmurou. Segurando-a pelo braço, fez com que ela se levantasse para

sentar-se no colo dele. — E também no café, amanhã cedo.

— Brad! — Meio chocada, meio perturbada, percebeu que ele já estava totalmente

excitado. A protuberância dele aninhava-se perfeitamente entre as pernas dela. Com uma força

magnética, as bocas se tocaram e os efeitos que a língua de Brad provocaram ao introduzir-se

entre os lábios dela, eram devastadores.

— Brad, não podemos... não aqui! — O protesto foi em vão. Ele já começava a afastar as

alças do vestido de algodão

e, de repente, Kim estremecia de satisfação antecipada ao perceber o que ele pretendia

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fazer.

— Claro que podemos — assegurou ele com firmeza. — Estamos em lua-de-mel.

Podemos fazer quando e onde quisermos!

— Seja razoável.

— Por que você acha que dei folga à madame Fleurie esta noite?

Ele levantava-lhe a saia do vestido até a altura das coxas, acariciando a pele macia. Fez

malabarismos até conseguir tirar-lhe a calcinha e quando tocou a doce e úmida intimidade da

mulher, não conteve um gemido de satisfação.

— Oh, querida... — Abria o zíper da calça, colocando a nudez dela contra a sua. — Oh,

doce Kim, acho que morri e fui para o céu...

— Ainda não — ela brincou, trémula, oferecendo-lhe os lábios. Ergueu o corpo para

facilitar a união. — Espere por mim...

— Até o final dos tempos...

O murmúrio for suavemente selvagem. A explosão de sensualidade que seguiu-se foi tão

devastadora que Kim quase acreditou que Brad a amava, que a respeitava num nível de

igualdade, que tudo no casamento deles era perfeito...

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CAPITULO VII

O sol queimava-lhe as costas. Virando-se de barriga para cima, Kim cruzou os braços

sob a cabeça e esticou as pernas.

Quase não dormira na noite anterior. Brad e ela haviam feito amor várias vezes, até

quase o dia clarear. De manhã, haviam decidido fazer um piquenique nos jardins do château.

Logo cedo, pela manhã, o telefone tocara muitas vezes. A maioria, para Brad. Lucinda

também ligara, sempre curiosa sobre as novidades da lua-de-mel. Aproveitou para contar que

Curtis viajara às pressas para os Estados Unidos, mas que prometera voltar em breve. Brad

sugerira que, depois que Curtis retornasse à Inglaterra, ambos passassem alguns dias no

château.

O calor da tarde, o zumbido das abelhas, o silêncio, quebrado apenas pelo canto dos

pássaros, eram relaxantes demais e Kim mal conseguia manter os olhos abertos.

Temia adormecer novamente e acordar, mais tarde, para descobrir que tudo não passara

de um sonho. O breve sonho de uma lua-de-mel perfeita. Virou a cabeça e levantando a aba

do chapéu de palha, viu Brad deitado a seu lado. Brad, de bermudas e dorso nu.

Atrás deles, o caramanchão com o piso decorado, transpirava esplendor em cada coluna,

em cada arco, em cada canto. O perfume das flores se espalhava deliciosamente pelo ar.

— Estou contente que tenha gostado do meu castelo, a ponto de decidir comprá-lo —

Kim comentou, com olhos semicerrados. — Em criança, costumava vir para cá, sentar ali no

caramanchão. Já lhe contei que era meu lugar predileto? Passava horas lendo romances e

sonhando as fantasias de garota.

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Brad abriu um olho, ar sonolento.

— Quantos anos você tinha?

— Quando meus pais compraram o château, eu tinha seis. A partir de então, vínhamos

todos os anos.

— Conte-me sobre suas fantasias de garota.

— Ah... você sabe. — Encolheu os ombros. — Essas coisas de sapo virar príncipe e

outras histórias do género. — Parou, pensativa, por um instante. — Sempre que assistia A

noviça rebelde, umas quinze vezes, no mínimo, ficava imaginando a cena da dança ali, no meu

caramanchão, com um homem lindo de morrer como meu par.

— Não sei como você nunca namorou, pelo menos, a metade dos rapazes desta cidade.

— Não havia menor sombra de ironia nas palavras dele.

— Imagine! — Ela soltou uma sonora gargalhada. —- Já lhe disse. Eu era magra, meio

estrábica, usava óculos e aparelho nos dentes. Todos os namoros só aconteciam na minha

imaginação.

— Acho muito difícil de acreditar. — Brad apoiou-se num cotovelo, avaliando as curvas

esplendidas do corpo dela, delineadas pelo maio.

Kim estremeceu sob o olhar avaliador, sentindo o calor da atração esquentando suas

veias, suas células.

— É verdade... — A voz soou rouca. Se aquela sincronia física era tão fácil, se, com um

olhar, Brad podia derrubar suas defesas, por que não poderiam esclarecer definitivamente

todos os mal-entendidos que tanto atrapalhavam o relacionamento deles? Seria porque,

intimamente, temia que os mal-entendidos jamais poderiam ser esclarecidos?

Desviou o rosto, fugindo ao fascínio daquele olhar. Fingiu-se interessada num pássaro

que pousara a curta distância deles.

Sentia-se diante de uma bomba-relógio. Queria ter coragem para insistir com Brad numa

conversa franca sobre o passado, sobre o primeiro casamento, sobre os possíveis suspeitos da

autoria da carta anónima. Mas, temia que as coisas pudessem mudar repentinamente. Temia

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que a desconfiança e a hostilidade pudessem voltar. Sim, era uma atitude covarde, porém, ela

se agarrava com unhas e dentes àquela trégua porque o amava e não suportava a ideia de

quebrar o clima de encantamento e de doce intimidade que viven-ciavam naquele momento.

— Como você era em criança? — ela perguntou, por fim, olhando-o novamente. — Acho

que era o herói das meninas já na pré-escola.

Brad sorriu.

-— Que nada! Eu era um garoto franzino estudioso que era perseguido pelos meninos

mais espertos que cabulavam aulas. Depois, tornei-me um menino mais esperto que cabulava

aulas...

— E que perseguia outros garotos? — ela arriscou o palpite.

— Depois de já ter sido perseguido? — Lançou-lhe um olhar enviesado. — Não, tornei-

me tão esperto que batia nos outros moleques que perseguiam os franzinos.

— Ok. Um herói! Acho que teria me apaixonado por você, se o tivesse conhecido aos

seis anos.

— Nessa altura, eu teria dezessete. — Sorrindo, afastou os cabelos loiros da nuca de

Kim, que estremeceu. — Você seria criança demais para mim.

— Então... você cresceu num ambiente de violência — ela hesitou em entrar num terreno

tão delicado. Tentava entender "um mundo que parecia tão distante do ambiente protetor e

seguro onde sempre vivera. — Mas, você adotou essa violência para construir uma espécie de

estrutura moral.

— Mas o que é isto? Uma sessão de psicoterapia? — O sorriso tornou-se frio. — Por

acaso, você está tentando abordar a teoria de que, se cresci num mundo violento, cruel, então,

nada mais natural do que agredir minha ex-esposa? Violência gera violência. Não é assim?

— Claro que não! — Kim apressou-se em negar, embora, no íntimo, se perguntando se

não estaria mesmo conduzindo a conversa para aquele campo. Ficou furiosa consigo mesma e

impaciente com a irritabilidade dele.

— Ambos sabemos que viemos de mundos diferentes, Kim. — Deitando-se de costas, ele

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

cruzou os braços na nuca, semicerrando os olhos. Calou-se por um momento, antes de

prosseguir. — Passei minha infância num lugar onde os espertos venciam e os fracos eram os

perdedores. Isso não significa que assimilei esses valores. Aprendi que os fracos precisam de

proteção. Não frequentei as melhores escolas, nem as melhores faculdades. Meus pais não

eram ricos, mas nem por isso carrego grandes problemas comigo. Ou traumas. Batalhei muito

para conseguir o que queria. Isso é tudo.

— As crianças ricas também enfrentam problemas de maltrato, de opressão, de medo...

— Claro que enfrentam. Os problemas existem em todas as camadas sociais. Não sou

preconceituoso.

— Mas fala como se fosse! De qualquer forma, não quis dizer...

— A questão é que nem sempre um moleque pobre de rua consegue vencer,

independente do que faça — continuou ele quase com rispidez. Nos olhos, um brilho

sarcástico. — Será sempre perseguido pelo passado. Mesmo que seja bem-sucedido, que

ganhe montes de dinheiro, Deus o livre de interessar-se por uma garota de outro nível social.

Se as coisas não derem certo, será acusado de corrompê-la, de deixá-la na rua da amargura,

como as pessoas tanto gostam de dizer. — Os lábios se curvaram num sorriso de pouco caso.

— Se as coisas derem certo... oh, aí, todos dirão que ele usou a garota para galgar os degraus

da escalada social, que tudo o que queria era uma esposa-trofeu. Afinal, que outra razão teria

para casar-se com uma socialite?

— Bem, ele poderia estar apaixonado, por que não? — Kim sentiu um nó na garganta, o

coração comprimido no peito.

Tudo começava a ruir novamente. Todos os temores, as inseguranças, as dúvidas cruéis

sobre os motivos reais que teriam levado Brad casar-se com ela, estavam voltando... Os

pesadelos recomeçavam...

— Um cara como esse do exemplo? — O tom da pergunta era delicado, mas cheio de

ironia. — O que ele poderia saber sobre o amor?

Kim mordeu o lábio, lutando contra as lágrimas. Após um breve silêncio, ela ponderou:

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Julia 937 Esse Estranho Amor Rosalie Ash

— Entendo perfeitamente seu ponto de vista. — De repente, percebeu que desejava

desesperadamente ficar sozinha. Fez menção de levantar-se, mas Brad a segurou pela mão,

puxando-a para cima de seu corpo. Enlaçou-a com braços fortes.

— Aonde vai com tanta pressa? — Ele era todo doçura, gentileza. Seu peito era quente e

rijo sob os seios dela.

Kim se contraiu, sentindo os efeitos que aquela proximidade causava em sua corrente

sanguínea.

— Pensava em voltar ao château, tomar um banho e...

— Já? Mas, ainda não terminamos nosso piquenique — avisou-a com ar malicioso.

— Para mim já é suficiente.

— Para mim, não...

— Já ouvi demais sua... sua análise implacável sobre nosso relacionamento.

— Não sabia que tínhamos um — Brad zombou. — Tudo o que fiz, foi uma análise de um

relacionamento hipotético.

— Realmente? — Kim não conseguiu esconder a incredulidade.

— Realmente. E, por falar em relacionamentos, sra. Bald-win, ainda não vi a aliança de

casamento em seu dedo.

— Você mesmo aconselhou-me a deixá-la na gaveta. — desafiou-o. — Não se apresse

em algo do qual poderá se arrepender, foram exatamente essas suas palavras. Lembra-se?

— Claro que me lembro. É minha filosofia. Nunca me apresso. Não cometo esse erro

desde os meus vinte anos.

— Quando casou-se com Natália? — Ofegando, brigava com as ondas de sensualidade

decorrentes de sua posição sobre Brad. Achou difícil mencionar o nome Natália. Não queria

pensar na misteriosa ex-mulher de Brad. Dizendo seu nome, parecia trazê-la para muito perto

deles e dar vida a alguém que era uma figura irreal, nebulosa. — Você se apressou? — ela

insistiu, incapaz de conter-se.

— Sim. Nós nos conhecemos numa festa, passamos as trinta e seis horas seguintes na

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cama e nos casamos no fim de semana.

Kim enfrentou uma onda de ciúme.

— Poupe-me de suas intimidades, sim? — ela resmungou.

— Ora, foi você mesma quem insistiu para saber tudo sobre meu primeiro casamento,

meu bem! — Forçando-a a abaixar a cabeça, beijou-a nos lábios. — Estou apenas contando

que foi algo assim... impulsivo, físico, mesmo. Ficamos casados durante dois anos. Isso porque

não desisto com facilidade. Seis semanas depois, já reconhecia que cometêramos um grande

erro. Não sabíamos absolutamente nada um do outro. Eu estava começando a trabalhar com

obras de arte, começando a ganhar dinheiro com os meus esforços. Tinha a cabeça cheia de

grandes planos para o futuro. Era jovem demais para saber o verdadeiro significado do sexo, o

que fazer para tornar-se um bom marido ou uma boa esposa. Agora você... — Com um

movimento abrupto, jogou-a sobre a manta, aprisionando-a por baixo dele. Fitou-a com um

sorriso devastador. — Você... Ah, se eu a tivesse conhecido nos meus vinte anos, certamente,

teríamos passados as primeiras três semanas na cama...

— Agora, você tem trinta e dois, já não estava na hora de sossegar o facho?

— Cuidado... — Ele riu. — Lembra-se do que aconteceu da última vez que você

questionou minha libido?

— Sim. — Apertou o lábio entre os dentes, contendo o riso.

— Kim... — De repente, o riso morreu, substituído por uma expressão faminta. — Acho

que serei capaz de fazer amor com você cinco vezes por noite, durante os próximos cinquenta

anos.

— Dentro de cinquenta anos, você terá oitenta e dois, meu caro. — Contendo a

respiração, Kim se remexeu, sentindo as mãos dele em seu corpo aquecido pelo sol.

— E daí? Casado com você, serei o velhinho mais assanhado do mundo!

Depois disso, as palavras tornaram-se totalmente irrelevantes. Apesar de ciente que o

comentário fora motivado apenas pelo apelo físico e não pelo amor, Kim sentiu-se como se

Brad realmente a amava. A tensão desapareceu na súbita intensidade de paixão que envolveu

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ambos. Pegando-a nos braços ele a levou para a privacidade do caramanchão, e o resto da

tarde transcorreu entre suspiros, gemidos e risos...

Relaxada e perfumada, depois de um longo banho, Kim saiu do banheiro enrolada numa

toalha felpuda. Sentia-se

radiante, viva, entusiasmada. Em parte devido ao banho de sol, mas, muito mais pela

feliz convicção, pela esperança de que tudo acabaria bem com Brad.

Talvez estivesse sendo extremamente ingénua. Depois do vexame do dia do casamento,

Brad nunca mais dissera que a amava. Porém, a despeito de tudo, o sentimento estava ali,

muito presente. Proximidade, empatia, o que quer que a tivesse atraído a Brad, desde o

momento em que o. conhecera, e que só fizera crescer mais e mais a cada dia. Ele era a

melhor companhia que ela já conhecera. Além disso, Brad possuía a incrível capacidade de

fazê-la sentir-se como se o mundo estivesse esperando para ser conquistado por ela. Com ele,

conhecera o ciúme, a ansiedade, o fogo da paixão. Se isso era amor, estava profunda e

irremediavelmente apaixonada pelo enigmático Brad Baldwin.

Abriu a porta do guarda-roupa de nogueira e começou a escolher uma vestido. Jantariam

num pequeno restaurante da cidade, por sinal, o seu predileto.

Por um segundo, Kim baqueou diante da coleção de roupas extravagantes que Brad lhe

comprara. Não queria pensar na forma cáustica que ele usara para desforrar-se por tê-lo

acusado de querê-la apenas como "esposa-troféu". Também não queria lembrar-se da

condescendente decepção dele quando soubera que ela não arrematara o retrato. Examinou os

vestidos até separar uma túnica de crepe sem mangas, num tom verde-esmeralda. Usaria com

a saia longa creme.

A tendência era que as coisas melhorassem, pensou com muito otimismo. Colocando as

roupas sobre a cama, soltou a toalha, que caiu ao chão. Pegou o pote de loção para o corpo

Chanel, também comprado em Paris, espalhando-a cuidadosamente pelo corpo. Talvez ela e

Brad ainda estivessem cortando as aparas do antagonismo, mas o perfeito entrosamento físico,

com certeza, conduziria ao entrosamen-to emocional. Afinal, haviam obtido algum progresso.

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Brad já se abrira um pouco mais sobre o primeiro casamento. Até mostrara-se espirituoso ao

comentar sobre sua paixão dos primeiros tempos por Natália. Seria uma grande bobagem sua

sentir ciúme de algo que terminara há dez anos.

Resolutamente, ignorando as pequenas vozes interiores que aconselhavam cautela,

fechou o pote, recolocando-o na penteadeira. Depois, vestiu calcinha e sutiã de renda bege e

sentou-se para pentear os cabelos.

Sua pele adquirida um bronzeado dourado pelo dia de sol. Toda maquilagem que

precisava era uma leve camada de pó facial, sombra verde-acinzentada nas pálpebras, rímel e

batom num tom caramelado. Percebeu que estava ficando tarde. Demorara mais do que o

previsto no banho e só teriam tempo para um drinque no terraço antes de saírem.

Tudo levava a crer que a noite seria tranquila e agradável. No dia seguinte, aconteceria a

tradicional festa do pardon na praça principal da cidade. A multidão esperaria ansiosa que o

anjo simbólico atirasse para o céu, trazendo absolvição para todos. Talvez, ela e Brad até

participassem da festa, encarando-a como um novo ponto de partida para o tão atribulado

casamento. Talvez, recomeçassem do zero, perdoando-se mutuamente, sentindo-se unidos de

verdade, exa-tamente do modo como ela acreditara que estavam antes da fatídica carta

anónima...

Com a alma cheia de esperança, vestiu-se, colocou algumas gotas de perfume e após

uma última olhada no espelho, saiu do quarto. Foi direto para o terraço, mas não encontrou

Brad. Voltou para dentro à procura dele. Encontrou madame Fleurie na cozinha preparando o

jantar para ela e o marido.

— A senhora sabe do sr. Baldwin? — perguntou à governanta.

— Ele saiu a cerca de uma hora.

— Disse aonde ia?

— Não, não disse. — Madame Fleurie hesitou por um instante, antes de acrescentar: —

Bem, ele recebeu um telefonema de uma americana e saiu em seguida.

Kim empalideceu. Fitou a governanta com ar interrogativo.

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— Americana? Como sabe?

— Ela falava inglês, mas o sotaque era americano — Madame Fleurie explicou,

encolhendo os ombros.

Parecia que Kim levara um soco no estômago. Sentiu que a esperança e o entusiasmo

que tomavam conta de todo seu ser apenas alguns instantes atrás, de repente, desapareciam,

dando lugar a uma terrível sensação de desastre iminente.

— O que é aquele embrulho que chegou há pouco? — a governanta perguntou com os

olhos bondosos brilhando de curiosidade. — Uma pintura?

Kim cerrou as sobrancelhas. O cérebro acelerado. Se se tratava de uma pintura, com

certeza seria o retrato.

— Não ainda não vi, mas estamos esperando pela entrega de uma pintura, sim. Onde

está a encomenda, madame Fleurie?

— O sr. Baldwin levou para o escritório.

O quadro estava apoiado na escrivaninha. A embalagem sugeria um trabalho de

profissional. Uma firma especializada, talvez. Metade do papel estava cortado, o restante cobria

o retrato. Kim acabou de desembrulhá-lo.

Apesar da apreensão, sentiu uma pontada de excitação ao admirar a pintura. A jovem de

cabelos castanhos compridos, presos no alto da cabeça, vestindo um modelo de veludo

vermelho escuro, próprio do século XVII, poderia muito bem ser Catherine Howard. Estava

levemente danificado pelo tempo. Sem dúvida, haveria muito trabalho pela frente até apurar

sua autenticidade. Raios X, inspeção por microscópios este-reobinocular, e outras tantas

técnicas de averiguação. Mas, dificilmente Brad se enganava em suas intuições.

Virando o quadro para verificar o verso da tela, notou um pedaço de papel colado. Era

rosa, com a borda adesiva, contendo, provavelmente, um recado. Com o coração aos saltos e

uma sensação de mal-estar, leu:

Querido Brad, era nome do velhos tempos!

Nunca se esqueça que também foram bons tempos!

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Sempre com amor, N.

Leu o bilhete inúmeras vezes. E, a cada vez, sentia-se pior. Com passos lentos,

caminhou até a poltrona junto à janela. Sentou-se, largando o pedaço de papel em seu colo.

Até então, a sensação de catástrofe fora vaga, disforme. Porém, agora, passara assumir uma

realidade mais sólida. Algo estava errado, muito errado, mas seu cérebro recusava-se a

funcionar, recusava-se a focalizar precisamente o porquê de sentir-se tão agoniada.

"Querido Brad... Sempre com amor, N." Palavras carinhosas, a inicial N... A sensação de

pânico crescia dentro dela. Respirou fundo forçando-se a pensar racionalmente.

O retrato fora comprado no leilão pela mulher de cabelos escuros. Obviamente, a mesma

mulher providenciara para que fosse entregue no château e a mesma mulher escrevera o

recado.

Levantou-se. Os joelhos estavam fracos. Foi para o terraço, apoiando-se no parapeito.

Com o olhar perdido, não via nada á sua frente. A mulher do leilão! De repente, mentalizando

a figura daquela mulher elegante, reconhecia que seu rosto era-lhe vagamente familiar. Havia

alguma coisa peculiar nela que chamara-lhe a atenção. Evidente que ela era muito mais do

que simples colega de trabalho. Para falar em nome dos velhos tempos, para lembrar Brad dos

bons tempos...

Tal constatação provocou-lhe uma dor quase física, fazendo aumentar ainda mais sua

angústia. A mulher de cabelos escuros nas fotos da polícia, com escoriações no rosto... a

mulher elegante do leilão... a inicial N... Natália?

Kim não conseguia controlar o tremor que a sacudia por inteiro. Sentia-se fisicamente

doente. Essa mulher teria alguma relação com o misterioso compromisso em St. Germain des

Prés? Brad teria se encontrado com a ex-esposa em Paris, conseguindo convencê-la a

representá-lo no leilão? Teria se aliado à ex-mulher para expor ao ridículo a atual esposa?

As dor de cabeça aumentava à medida que tentava encontrar algum sentido naquele

quebra-cabeça. Talvez fosse por isso que Brad se comportava tão cheio de segredos e

mistérios. Ainda estaria envolvido emocionalmente com a ex-mulher? A descrição do primeiro

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encontro apaixonado dele com Natália ainda ecoava em sua mente. A atração por ela fora forte

e profunda. Muitos relacionamentos nunca chegavam a terminar realmente. Talvez fossem um

desses casais que não conseguiam viver juntos, mas que também não podiam ficar separados.

Talvez, por essa razão, Brad nunca comentara sobre o primeiro casamento. Pelo sentimento de

culpa, por saber que jamais se livraria verdadeiramente do primeiro amor.

Imaginava-os juntos em Paris, encontrando-se em segredo, enquanto ela esperava pelo

marido no hotel, sem saber de nada. Talvez, Natália até risse com a facilidade com que Brad

manipulava e enganava a segunda esjiosa.

Um pensamento novo, ainda mais cruel, passou a atormentá-la. A voz de americana que

madame Fleurie ouvira ao telefone, a ausência de Brad... Oh, ele teria se aproveitado do fato

de ela estar tomando banho, para sair sorrateiramente de casa e ir ao encontro de Natália?

Depois de toda intimidade que haviam compartilhado durante a noite, depois dos sentimentos

ridículos de esperança e posse, depois de sua entrega sem reservas, de seu comportamento

desinibido, das loucuras de amor com Brad... O sentimento de dor, de repente, tomou a

proporção de raiva, como uma chama que a queimava por dentro. Brad e a ex-esposa não

precisavam fazê-la de boba. Ela mesma estava se fazendo de bobai

De tão chocada, tão revoltada, tão ultrajada, sentiu uma grande vontade de extravasar

sua ira através da força física. Porém, em vez disso, entrou em casa e com passos decididos,

marchou até o quarto principal. Tirando a mala do armário, começou a guardar suas roupas. A

necessidade de ir embora era imperiosa.

Levou a mala para o carro, abriu a porta do lado do motorista e ia sentar-se quando, de

repente, hesitou. Já fizera isso antes, assustada, frustrada, e arrependera-se do ato.

precipitado. Dessa vez, porém, não cometeria o mesmo erro. Esperaria Brad voltar. Ela o

enfrentaria com a descoberta, exigiria explicações convincentes, agiria como uma pessoa

equilibrada e madura. Do contrário, novamente, e para sempre, ele a acusaria de infantil e

covarde, por preferir fugir a enfrentar a realidade.

Deixou as malas e a bolsa no carro, a chave no contato e, lentamente voltou para dentro

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de casa. Sentou-se no escritório. Não imaginara o quanto estava abatida e tensa até fitar-se

no espelho da parede.

Não precisou esperar muito. Logo ouviu o ruído do Porsche entrando no pátio, da porta

sendo fechada e, depois, o já familiar som dos passos de Brad no hall. Foi um esforço muito

grande para Kim levantar-se para ir ao encontro dele. Brad parecia descontraído, vestindo

calça preta e camisa de seda cinza. Ao vê-la, franziu as sobrancelhas, entre cauteloso e

preocupado.

— Você está bem, Kim? — Com olhar indecifrável, avaliou-lhe a expressão tensa. — O

que aconteceu?

— É você quem vai me dizer. — Não conseguiu evitar o tremor da voz.

— Sou especialista em história da arte e conservação de pinturas, e não em telepatia. —

Ele se mostrava tão irri-tantemente debochado que Kim conteve-se para não perder o controle.

— Por que está tão contrariada, Kim?

— Tudo bem. Vou lhe contar porque estou assim — ela falou lentamente, pronunciando

muito bem as palavras. — Sei onde você esteve até agora e sei também com quem era seu

compromisso.

Brad contraiu os maxilares. Suas feições endureceram. O olhos escureceram e se

estreitaram, fulminando-a. Kim não se intimidou. Embora com o coração aos saltos e as mãos

úmidas, não se deixou intimidar, continuando a encará-lo.

— Continue. — Sua voz soou sinistramente terna. Kim soltou um longo suspiro. Girando

nos calcanhares,

foi para o escritório e arrancou a folha de recado grudada no verso da pintura. Brad a

seguira. Estava atrás dela, enervando-a com sua proximidade. Estendeu-lhe o pedaço de

papel com a mão tão trémula que o deixou cair ao chão. Brad o apanhou. Leu o contexto sem

qualquer reação visível.

— E então? — ela esbravejou sem se preocupar em esconder a revolta. — Você acha

que sou alguma idiota?

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— Prefiro não responder à sua pergunta. Acho que agora estamos entrando em outro

território. Estou sendo acusado de quê, precisamente? De ter um caso extra-conjugal apenas

alguns dias depois do meu casamento?

— Tudo o que sei é que você tem visto alguém cujo nome começa com a letra N. — Kim

lutava com as lágrimas. — Alguém que o trata por querido Bradl Alguém a quem você conhece

há muito tempo! Alguém que diz que o amará para sempre. Pelo amor de Deus, Brad! Mais

claro do que isto, só se essa pessoa escrevesse este recado em letras garrafais à néon e o

pendurasse no alto da torre Eiffel!

— Esclareça-me, por favor. — Brad mostrava-se perigosamente calmo. — Neste

momento, o óbvio escapa à minha inteligência.

— Ora, você não pretende negar que a mulher que escreveu este bilhete é a mesma

mulher com quem se encontrou hoje.

— Não. Não vou negar.

Kim sentiu um calor sufocante. O rosto estava em brasas. Seu corpo tremia. Estava

quase cega de raiva.

— Muito bem! Então, tenho certeza de que não negará que essa mulher é a mesma com

que encontrou-se em Paris. Acertei? A mulher que compareceu ao leilão. A mulher que

providenciou a entrega deste retrato. — Pegando o quadro nas mãos, agitou-o na direção de

Brad. — A mesma mulher que telefonou para cá, marcando o encontro.

Seguiu-se um breve, pesado silêncio. O rosto de Brad era a imagem do sarcasmo.

— Não vejo razão para negar absolutamente nada enquanto você insistir nesse papel

ridículo de inquiridora histérica.

— Suponho que não há razão para continuar perguntando qualquer coisa a você,

enquanto insistir nesse seu papel ridículo de homem misterioso, enigmático, cheio de segredos.

Enquanto insistir em esconder-me as coisas... em usar-me por motivos que desconheço, mas

que beneficiam só a você... ; — Kim, esta comédia já foi longe demais.

— Foi? Talvez você tenha razão. Você não vai poder enganar-me por muito tempo, não é

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mesmo? Quem quer que tenha enviado aquela carta anónima bem no dia do nosso

casamento, obviamente, levou em conta os meus interesses. Quiseram prevenir-me contra

você, não é? Tentaram me dizer que eu havia casado com um homem sem moral, que usa as

pessoas...

— Kim...

Ela não o ouviu, nem percebeu o tom ríspido da voz dele.

— Diga-me apenas uma coisa — ela continuou hesitante. — Até entendo que não

consiga ficar longe de sua ex-esposa. Porém, eu gostaria que me falasse a verdade pelo

menos uma vez, Brad. Vocês estão divorciados? Ou você me escondeu a existência de Natália

por ser bígamo..?

As últimas palavras foram abafadas pela mão de Brad. Ao mesmo tempo que tapava-lhe

a boca, com a outra mão, segurava-a pelo ombro. A raiva transformara o rosto dele numa

máscara de pedra. Ele aumentava a pressão dos dedos na boca e no ombro de Kim,

empurrando-a contra a parede.

Kim ainda segurava o quadro com a mão esquerda. O instinto de preservação, mais a

revolta, deram-lhe forças para reagir. Num movimento rápido, deu um pontapé na canela de

Brad. Aproveitando o momento de surpresa causado pela dor, ela conseguiu livrar-se das

mãos dele. Inconsciente do ato de vandalismo que estava prestes a praticar, ergueu o quadro,

batendo-o contra a cabeça de Brad, que não conteve um gemido e uma imprecação. A

comoção deu tempo para Kim fugir pela porta da frente, correr pelo pátio, já escuro àquela

hora da noite, e entrar no carro.

O motor pegou na primeira tentativa. Felizmente, tivera a boa ideia de deixar a chave no

contato. Cantando os pneus, saiu à toda velocidade, como se estivesse sendo perseguida por

demónios.

Pela estrada escura, Kim atravessava os campos da Bretanha. Com exceção de um velho

Citroen na outra pista, Kim não via mais nenhum outro carro. Quando dois faróis possantes

surgiram, refletidos no espelho retrovisor, vindos do nada, ela sabia que era Brad. Ira e revolta

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fizeram com que pisasse mais fundo no acelerador. Seu Renault não era páreo para o Porsche

que, depois de ultrapassá-la, começou a diminuir a velocidade.

Kim ofegava, enquanto seu cérebro trabalhava rápido. Decidiu blefar. Também reduziu a

velocidade, esperando até Brad pensar que ela pararia ao lado dele. De repente, virando o

volante para a esquerda, numa manobra ousada, ultrapassou-o, acelerando novamente,

exigindo o máximo que o motor poderia proporcionar-lhe.

A sua frente, a estrada serpenteava como uma cobra escura. A direita, as árvores

imensas formavam uma barreira como gigantes ameaçadores. Pelo retrovisor, avistou os faróis

de novo. Piscaram duas vezes, mas parecia que o Porsche perdia velocidade.

A curva seguinte era tortuosa demais. O volante não obedeceu aos comandos dela. Um

solavanco e o carro saiu da estrada, desorientado, sem controle. Tudo aconteceu muito rápido,

ao mesmo tempo que parecia acontecer em câmera lenta. A derrapagem, a queda, o impacto.

O Porsche parou na estrada. Kim ouviu a voz de Brad gritando seu nome. Após algumas

tentativas, abriu o cinto de segurança, mas não conseguiu abrir a porta do carro. Então, a porta

do lado do passageiro foi aberta e Brad apareceu, tirando-a do carro. Estava sendo levada

rapidamente para cima, para a segurança da estrada, nos braços fortes de Brad. Assim que

chegaram no acostamento, ouviu-se um estrondo e o Renault explodiu, transformando-se

numa bola de fogo.

CAPÍTULO VIII

— A senhora sobreviverá, madame. — o médico fechou a maleta, lançando um olhar de

advertência para Kim. — Porém, procure dirigir mais devagar, sim?

— Não se preocupe, doutor. Garanto que serei mais cuidadosa.

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O médico saiu e Brad o acompanhou. Ela sentia o corpo num lugar e a mente em outro.

Tinha muita sorte por estar viva. Brad a salvara. Não lhe passara despercebida a peça que o

destino lhe pregara.

Lá estava ela, no aconchego do quarto de casal, entre os lençóis de linho, exalando

perfume de lavanda, sã e salva. A cabeça ainda doía muito, mas, apesar da gravidade do

acidente, tudo o que sofrera fora alguns cortes e escoriações. Nada de mais preocupante.

Ainda sentia-se muito abalada, mental e emocional-mente. A cena se repetia em sua

mente com uma constância enlouquecedora

— Como se sente, Kim? — Era a voz de Brad, enrou-quecida, ríspida, reprimindo

emoções.

— Otima. Sou perita em catástrofes. Sempre vivi perigosamente.

— De pleno acordo. — Esboçou um sorriso. — Já deveria saber o que me esperava

desde que a conheci.

— Refere-se ao ladrão de bolsas? — Ela riu um riso abafado. Pôs a mão na testa

machucada.

— É melhor dormir um pouco, Kim.

Brad parecia tão distante, tão indiferente, que o coração de Kim se contraiu de dor. Por

um louco momento, ela desejou tocá-lo, agarrar-se a ele, dizer-lhe que, independente do que

acontecesse, precisava muito dele. O orgulho salvou-a de tamanha humilhação.

De repente, sentiu-se uma grande angústia invadi-la. De alguma forma, conseguira entrar

num beco sem saída. Se ficasse ou se partisse, dava na mesma. Brad não a amava. Ainda

estava apaixonado, ou pelo menos, envolvido numa relação de amor e ódio com a ex-mulher.

Como poderia confiar em Brad, se ele insistia em mantê-la à parte de sua vida?

— Creio que devo agradecer-lhe por ter me tirado do carro — disse num fio de voz. —

Você salvou minha vida.

— Eu teria feito a mesma coisa com qualquer pessoa — ele brincou. — Conversaremos

amanhã, Kim. Agora, você precisa descansar.

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Ela o olhou ansiosa. O rosto dele era uma máscara. Simplesmente impossível imaginar

seus pensamentos ou sentimentos. Sem mais nenhuma palavra, ele saiu do quarto, fechando

cuidadosamente a porta. Sobre o quê conversariam? Sobre a melhor maneira de terminarem

aquela imitação de casamento?

Vencida pelo cansaço e pelo sedativo que o médico lhe ministrara, Kim logo adormeceu,

caindo num sono profundo e agitado. E sonhou com um retrato. No sonho, ela estava numa

espécie de igreja, olhando para o quadro. Era o retrato da mesma mulher de cabelos escuros

que vira no leilão. Natália, a ex-esposa de Brad, sorrindo, serena, altiva. De repente, a pintura

tornou-se disforme, surgindo o mesmo rosto machucado das fotos da polícia, com-um talho

bem no centro da tela. Era uma imagem horrível, assustadora, e Kim gritava, corria, tropeçava,

na tentativa desesperada de escapar daquele local.

— Kim! Está tudo bem, Kim. Tudo bem...

Brad estava ao lado dela, na penumbra do quarto. Sentiu a mão dele em sua testa, ouviu

a voz rouca, suave, tentando acalmá-la.

— Abrace-me, Brad, por favor... — Ela não controlava as palavras. Eram palavras tolas,

traidoras, consequências de seu estado debilitado.

Houve um breve momento de hesitação. Depois, ele a enlaçou ternamente, mantendo-a

aconchegada de encontro ao peito, até que adormecesse novamente.

Pelo brilho radiante do sol que entrava pelas frestas das janelas, Kim deduziu que seria

quase meio-dia. Com dificuldade, conseguiu sentar-se na cama e, ao verificar as horas,

constatou que, na verdade, já passava das três. Dormira a noite inteira e quase todo dia

seguinte ao acidente.

Com cuidado e passos vacilantes, foi para o banheiro. A imagem que viu refletida no

espelho era quase tão assustadora quanto o pesadelo que tivera. Um círculo escuro ao redor

do olho e uma escoriação na face. Brad a ajudara a despir-se e emprestara-lhe uma camiseta

para dormir. A simples lembrança daquele momento de intimidade provocou-lhe um arrepio.

Lentamente, tirou a camiseta azul marinho e, apreensiva, examinou o corpo, em busca de

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outros ferimentos. Com exceção de um corte no perna e de um joelho esfolado, parecia estar

milagrosamente ilesa.

Tomou banho, lavou os cabelos, depois escolheu um vestido estampado, um dos tantos

comprados em Paris e que largara no guarda-roupa, junto com sapatos, bolsas, jóias,

perfumes, cremes e outras tantas inutilidades que Brad insistira em presenteá-la. Depois do

triste acidente, ela até achava que fora uma decisão acertada ter deixado tudo aquilo no

château. Afinal, todos aos seus pertences haviam sido queimados junto com o carro. Além do

mais, as flores púrpuras do vestido combinavam perfeitamente com o roxo do olho, ela concluiu

com uma pontada de humor negro.

Brad entrou no quarto no momento em que ela tentava disfarçar os hematomas do rosto

com uma esponja embebida em base facial.

Olhou-o meio desconfiada. Usava jeans e camisa azul-claro. Os cabelos caíam-lhe na

testa. Estava irritantemente charmoso e atraente. Kim cerrou os dentes. Não queria sucumbir

ao seu poderoso carisma. Odiava-o por tudo o que lhe fizera, pela farsa em que transformara o

casamento deles, por tê-la enganado e conspirado pelas costas, fazendo-a de boba...

— Por que a preocupação de esconder os ferimentos? — A expressão dele era friamente

irónica. — Com essas provas irrefutáveis, você poderá bater algumas fotos e mandá-las para a

polícia, acusando-me de agressão. Com duas esposas agredidas no meu currículo, com

certeza passarei alguns anos descansando na prisão!

Com a mão trémula, ela largou a esponja sobre a penteadeira.

— Agora você está apelando, não acha? Aliás, digo mais. Você está sendo muito

inconveniente.

— Talvez. Mas... e daí? Já sou mentiroso, trapaceiro, agressor de mulheres e bígamo.

Acho que outra acusação não vai me fazer muita diferença, não?

— Brad, por favor, pare com isso! — Kim não conteve o soluço que saiu sentido do fundo

da alma.

A expressão de ironia de Brad foi reforçada por um sorriso de desprezo quase ofensivo. A

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muito custo, Kim conteve uma explosão de raiva. Respirou fundo, esperando alguns segundos

para acalmar-se. Depois, decidiu usar da mesma ironia.

— Importa-se se tomar o café da manhã atrasado, antes de continuarmos nossa

discussão?

Um sorriso divertido curvou os lábios dele.

— Ok. Madame Fleurie a espera ansiosamente. Vamos... No caminho até a porta, Kim

esbarrou acidentalmente

nele. O leve contato teve o efeito de um choque de adrenalina. Com a pulsação

acelerada e tentando disfarçar tanta perturbação, ela o seguiu até o terraço. Sentou-se na

sombra. O sol estava muito quente.

A governanta a recebeu com preocupação maternal. Kim ficou encantada ao deparar-se

com um verdadeiro breakfast inglês. As fatias de bacon bem mais grossas do que as

normalmente servidas. As salsichas substituídas por fatias de salsichão frito.

— O sr. Baldwin deu-me as instruções — Madame Fleurie confidenciou com um sorriso

de cumplicidade.

— Maravilhoso! — Kim sorriu agradecida, acrescentando diplomaticamente: —

Exatamente do que eu precisava! — Comida era a última coisa que desejava naquele

momento. Pelo menos, era o que pensava. Quando começou a comer, descobriu que estava

absolutamente faminta.

— Que bom que você não perdeu o apetite — Brad comentou.

— Não como nada desde nosso piquenique de ontem à tarde — ela se defendeu, meio

tensa.

— Ora, não precisa justificar-se — ele rebateu, sempre com aquele ar divertido. — Não

quis dizer que você deveria fazer greve de fome, Kim.

Ela comeu quase toda a comida e tomou café. Brad também bebeu café, recostado na

cadeira. Parecia tão cinicamente desinteressado que Kim se irritou.

— Não sei por que você tem que ficar aí, me observando tomar café — ela reclamou,

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com os nervos à flor da pele.

— Achei que preferia estar fora, divertindo-se com Natália, em vez de divertir-se às

minhas custas.

Seguiu-se um silêncio tenebroso.

— Acho muito difícil divertir-me com Natália. — Brad falou, por fim, com os olhos fixos no

rosto dela. — Natália está morta.

O café quase entornou da xícara de Kim. Tremendo, ela a colocou na mesa.

— Morta? — Ficou estarrecida. — Você está dizendo que ela... ela sofreu um acidente?

Ontem?

O rosto dele refletia amargo desprezo.

— Não a encontrei na cidade, tampouco a matei, se é o que sua imaginação fértil está

concluindo. Ela morreu há sete anos, Kim.

— Mas... — Calou-se abruptamente, perscrutando os olhos azuis, tentando desvendar os

segredos que escondiam. De novo, a raiva, a revolta, insurgiam em seu íntimo. — Não estou

entendendo...

— Claro que não — Brad concordou, encolhendo os ombros. — Você não está

entendendo porque ignora os fatos.

— Suspirou. — Sim, porque se soubesse desse... pequeno detalhe, com certeza, já teria

tirado as próprias conclusões. Quando vai parar de bancar o juiz, o júri e o executor das leis,

Kim?

Ela sentiu que a cor fugia-lhe das faces. Sentia-se oprimida por uma terrível sensação de

mal-eslar.

— Se não conheço os fatos, é porque você sempre se recusou a contá-los para mim.

— E, se você não tivesse fugido no dia do nosso casamento, talvez eu até me sentisse

inclinado a contá-los.

— E, se você tivesse aberto o jogo sobre seu passado antes do nosso casamento, talvez,

nada disso estivesse acontecendo!

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Kim respirava rápido. Passou a mão impacientemente pelos cabelos, observando o rosto

impenetrável de Brad. Ele permanecia em silêncio, absolutamente imóvel.

— Eu tinha o direito de saber o que estava acontecendo, Brad. — A voz tremulou. —

Você não tem feito outra coisa senão jogar comigo, desde que recebi aquele envelope

misterioso...

— Nunca joguei com você, Kim.

— Não? Então por que escondeu deliberadamente que sua ex-esposa está morta?

— Nunca pensei em esconder esse fato. Foi há tanto tempo, Kim... Faz parte de um

passado remoto. Só por esse motivo preferi omiti-lo. Confesso que nunca me ocorreu que você

poderia suspeitar que eu estava me encontrando às escondidas com a minha ex-mulher.

Kim torceu as mãos, num gesto nervoso. Havia ansiedade no olhar dela.

— Suponho que você sempre soube quem mandou aquele envelope.

Ele negou movimentando lentamente a cabeça.

— Não. Descobri apenas ontem à noite, quando encontrei Naomi na cidade.

— Naomi? — Ela o olhou interrogativamente, esperando por uma explicação.

— Minha ex-cunhada.

De repente, as peças do quebra-cabeça começavam a se encaixar, dando um sentido ao

que, até então, parecia muito confuso. Lembrou-se que ele comentara que Natália tinha uma

irmã gémea.

— Então, era Naomi a mulher que compareceu ao leilão em Paris? — atreveu-se a

perguntar. — A gémea de Natália?

A mulher que arrematou o quadro, que o mandou para cá, que escreveu o bilhete?

— Sim, era Naomi — confirmou Brad, com um sorriso amarelo.

— Foi ela quem mandou aquele envelope com as acusações contra você? — A cabeça

de Kim doía tanto que parecia prestes a explodir. Arrancar informações de Brad era o mesmo

que tirar leite das pedras.

— Será que não desiste de tirar conclusões precipitadas? — Brad se levantou. Com as

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mãos nos bolsos, deu alguns passos pelo terraço, parando junto ao parapeito. — Eu contei que

Natália e Naomi eram proprietárias de uma galeria de arte em Los Angeles. Na verdade, quem

cuidava de tudo era Naomi. Para Natália, a galeria era apenas um divertimento, mais um

brinquedo de menina rica. Graças à Naomi, a galeria tornou-se um sucesso, muito respeitada e

bem conceituada. Ao longo destes anos todos, temos mantido con-tato, por motivos

profissionais e pessoais...

— Você a ama? — A pergunta escapou sem que Kim pudesse censurá-la, estimulada

pelo ciúme intenso que a torturava.

— Não acredito no que estou ouvindo, Kim! — Brad parecia ter atingido o limite de sua

paciência. Os olhos azuis pareciam fulminá-la. — Agora você está imaginando que estou

apaixonado pela irmã gémea de Natália! Só por que são fisicamente parecidas?

— Por que não? — Ela odiava aquele tom de zombaria na voz dele. — Sou apenas sua

esposa, lembra-se? Aquela pessoa que não sabe absolutamente nada a seu respeito!

As feições de Brad se endureceram. Seu rosto parecia moldado em pedra. Sua voz, de

repente, tornou-se inexpressiva, fria.

— Ok. Preste atenção, Kim. Naomi e eu somos amigos. Apenas amigos, nada mais.

Ficamos amigos porque tínhamos um interesse em comum: tentar impedir que Natália

arruinasse a própria vida.

— Como assim?

— Natália estava envolvida com drogas.

— Ela era viciada? — Kim não escondia o choque pela revelação.

— Infelizmente, sim. Acabou morrendo de overdose acidental três anos depois de nosso

divórcio. — Após uma breve pausa, ele prosseguiu. — Bem, mas, voltando ao assunto Naomi,

ela veio à Europa cuidar de interesses da galeria. Pedi para Curtis localizá-la. Por isso ela foi

ao meu encontro em Paris e, depois, ao leilão.

— Qual a razão de tanto mistério? — Kim insistiu, querendo saber a verdade a todo

custo. — Por que recorreu a Naomi para representar aquela farsa no leilão?

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Brad a fitava impassível.

— A presença de Naomi em Paris veio a calhar, só por isso. Na verdade, não foi por

causa desse leilão que eu a trouxe para a França.

— Então por quê?

— Naomi era a pessoa indicada para descobrir quem enviou aquele maldito envelope

com a única finalidade de acabar com o nosso casamento. Ela concordou em ajudar-me. Deu

muitos telefonemas, bancou a detetive entre seus familiares e alguns amigos de Los Angeles.

Na noite passada, ligou-me para contar que, finalmente, arrancara a confissão do pai dela...

— O pai dela... seu sogro? — Kim se levantou. Estava agitada demais para permanecer

sentada. — Foi o pai de Natália quem enviou aquele envelope para mim?

— Foi Ned Suzman, sim.

— Mas, por quê?

— Talvez, fosse essa sua ideia de justiça. — O rosto de Brad ainda revelava aquela

expressão cínica. — Ou para evitar que outra pobre garota caísse nas minhas garras

diabólicas? Olhe, nunca me envolvi com drogas, mas ele jura de pés juntos que sou o

responsável pelo vício de Natália. Antes mesmo de nos conhecermos, ela já transava drogas.

Eu não sabia. Só descobri quando já estávamos casados. Porém, aos olhos do pai, ela era a

princesinha perfeita, incapaz de fazer qualquer coisa errada. Portanto, quem mais poderia

induzi-la ao vício, senão eu, um joão-ninguém?

— Oh, Brad...

— Naomi era a única pessoa da família que conhecia Natália suficientemente bem para

pBrceber o que estava acontecendo. Natália conseguiu enganar a todos.

Kim apoiou as mãos no encosto da cadeira. Estava indignada com as revelações de

Brad.

-— Seus sogros o responsabilizam pelo envolvimento da filha com as drogas... Então, por

esse motivo não hesitaram em culpá-lo quando Natália foi agredida.

— Com certeza. Ned Suzman é o típico autocrata que não admite imperfeições em sua

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família. Provavelmente, seja essa a causa da rebeldia de Natália.

Kim permaneceu em silêncio. As palavras de Brad circulavam em seu cérebro. Admitia

que faziam sentido, mas ainda deixavam muitas coisas inexplicadas.

Brad cruzou os braços. Observando o olhar ansioso de Kim, continuou:

— Como já lhe disse uma vez, a história sobre Natália é muito sórdida. E também essa

coisa toda faz com que me sinta muito mal. Por isso não gosto de falar no assunto. —

Respirou fundo, como se quisesse tomar fôlego para prosseguir a narrativa. — Bem, Natália

era a rebelde das duas gémeas. Namorou um viciado em drogas. Na verdade, eram amantes

antes de nosso casamento. O que demorei para descobrir foi que continuaram amantes mesmo

depois do casamento. Realmente nunca terminaram o caso.

— Oh, Brad, isso é terrível...

— Foi ele, o amante, quem a agrediu. Nunca soube direito o motivo. Parece que tinha a

ver com um dinheiro que Natália devia a ele. Por isso, ela escondeu a identidade de seu

agressor. Preferiu deixar que eu fosse preso a confessar a verdade e enfrentar represálias do

pessoal das drogas. Sem falar que, nesse caso, a família descobriria o lado obscuro, marginal,

de sua vida.

— Oh, que loucura...

— Não é uma história agradável — ele concordou com frieza.

— É terrível, isso sim.

— É. — O resposta monossílaba, proferida num tom de

intensa ironia, escondia os sentimentos dele. A distância entre ele e Kim parecia

aumentar ainda mais.

Ela o fitou emudecida para em seguida dizer pausadamente:

— Ainda não entendi por que você não me contou que estava se encontrando com

Naomi.

Brad encolheu os ombros. Sua expressão continuava irritantemente sarcástica.

— Bem, eu não queria criar aquele clima de expectativas inconsistentes antes de

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descobrir com certeza quem havia enviado o tal envelope. — Semicerrou os olhos. — Na noite

passada, finalmente, tive a confirmação. Voltei para o châ-teau para levá-la para conhecer

Naomi no restaurante da cidade. Já que você insistia em não acreditar em mim, só havia um

modo de acabar com suas suspeitas e convencê-la de que realmente não fiz nada de errado.

— Brad abriu os braços num gesto resignado. — Esse modo era fazê-la ouvir uma terceira

pessoa, alguém que, aparentemente, tinha todas as razões do mundo para ficar do lado de

Natália e contra mim...

Kim desviou o olhar. Sentiu o coração pesado, cheio de angústia. Então Brad voltara para

buscá-la. Para apresentá-la a Naomi, a irmã da ex-mulher. Para convencê-la de sua

inocência. No entanto, tudo o que ela fizera, fora atingi-lo com novas acusações.

Lentamente, levantou os olhos para ele. Mordeu o lábio. Depois, admitiu:

— Não sei o que dizer... — Sacudiu a cabeça num misto de culpa e tristeza. — Exceto...

Exceto que lamento muito.

Novo silêncio. Então, Brad murmurou:

— Eu também.

— Creio... Creio que será melhor eu voltar para Londres.

— A voz soou débil, abafada.

— Agora eu gostaria de saber o que a faz acreditar nisso.

— Brad tornara-se perigosamente gentil.

Os olhares se encontraram, travando uma batalha silenciosa e árdua. Uma veia pulsava

freneticamente no pescoço de Kim. O sorriso envolvente, enigmático, nos lábios de Brad

inflamou os sentidos dela.

— Eu deveria ter confiado em você — confessou ela, tomada pela tensão. — Porém, em

vez de confiar, comecei a especular se você era realmente culpado por todas aquelas

acusações. Em me perguntava se você agredira mesmo sua esposa, se você tinha com regra

de vida casar-se com mulheres ricas, de famílias tradicionais, para depois exibi-las como

trofeus. Cheguei até mesmo a acreditar que você estava se encontrando com sua ex-mulher!

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— Respirou fundo para manter-se controlada. — Talvez isso signifique que... que não o amo

tanto assim. — Depois dessa confissão, Kim se sentia fisicamente ferida. Estava morrendo,

com o sangue esvaindo lentamente, até levá-la à morte.

— Verdade. — O tom era desprovido de qualquer emoção. O olhar mais duro do que

nunca. — Talvez não me ame mesmo.

A sensação de peso no coração intensificou-se. Ela queria chorar, mas os olhos estavam

secos.

— Então, vou...

— Fugir de novo? — ele zombou asperamente. — Hum... há um pequeno problema de

um retrato de valor inestimável, danificado e possivelmente sem chance de restauração...

— Ah, não! — Kim reagiu prontamente, furiosa. — Você está se divertindo muito, não!

— E, além do retrato danificado, existe a agressão física do qual fui vítima e que...

— O quê? — Ela arregalou os olhos, encarando-o horrorizada. De repente, captou o

brilho travesso nos olhos de Brad. Sentiu o rosto ruborizado. — Brad, você está achando graça

no fato de nosso casamento estar... irremediavelmente destruído, depois de apenas uma

terrível e miserável semana?

— É importante mantermos nosso senso de humor. — Afastou a mecha de cabelos

pretos que caía-lhe na testa, exibindo um ferimento. — Sorte minha não ter tido uma

concussão.

Kim respirou profunda e sonoramente.

— Já disse que lamento muito. O que você quer que eu faça? Que me humilhe pelo resto

da vida? — Tentou passar por ele, mas um braço forte a impediu de afastar-se.

— Esta noite, haverá a cerimónia do pardon, lembra-se?

Vamos jantar com Naomi no restaurante da cidade. Ela faz questão de pedir desculpas

pessoalmente, pelo pai dela. Promete que não tentará fugir, pelo menos hoje? Ou será que

precisarei trancá-la à chave no quarto da torre? Ela o fitou entre frustrada e resignada.

— Não será necessário. Não se preocupe — assegurou com o nariz empinado e muita

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dignidade.

A meia-noite, quando voltavam da cidade, Kim lançou outro olhar frustrado ao marido.

Haviam encontrado Naomi, o jantar transcorrera agradavelmente, a comida estivera deliciosa.

Depois do café, assistiram ao espetáculo do anjo acendendo simbolicamente a fogueira,

respiraram o cheiro da madeira queimada, presenciaram a alegria contagiante dos moradores.

O que mais ela esperava, além disso?

Bem, em primeiro lugar, Kim imaginara que não simpatizaria com Naomi. Entretanto, a

irmã de Natália era calorosa, amistosa e autêntica. Morena, alta, esbelta, com vestido amarelo

e um discreto colar de ouro, ela pedira mil desculpas pelo comportamento do pai, com um

charme irresistível. Voltaria para Paris naquela mesma noite e parecera sinceramente aliviada

por ver que o novo casamento de Brad sobrevivera àquela confusão toda.

Kim estremeceu ao refletir naquela nova farsa. A atitude impassível de Brad não se

alterara. Depois da discussão ocorrida à tarde, ele a deixara sozinha pelo resto do dia.

Avisando-a que tinha um encontro com um perito em restauração, em Rennes, ele saíra,

levando o retrato danificado. Antes de sair, porém, repetiu que esperava encontrá-la no

château quando voltasse.

Durante todo o jantar, muitas vezes ele passara o braço possessivamente pelo encosto

da cadeira de Kim, aparentemente determinado a convencer Naomi de que formavam um casal

unido e feliz. O toque suave dos dedos nos ombros nus parecia queimar-lhe a pele.

Quando chegaram diante do château, ela não se conteve mais.

— Finalmente podemos acabar com essa comédia. — exclamou.

Brad desligou o motor do Porsche e virou-se para olhá-la.

O brilho do luar iluminava o interior do carro. O rosto de Brad estava meio encoberto pela

sombra.

— Que comédia?

— Ora, de que somos um casal feliz em lua-de-mel!

— Oh... é essa a comédia?!

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— Você me surpreende, Brad — ela continuou, inflamada. — Tanta preocupação para

que sua ex-cunhada não percebesse que seu novo casamento já foi por água abaixo!

— Não foi preocupação. Foi consideração pelos sentimentos de Naomi. Ela já estava

constrangida demais com a atitude do pai. Imagine se soubesse das consequências! Naomi é

uma boa pessoa. Não quis aborrecê-la ainda mais.

Kim mordeu o lábio. Estava prestes a incorrer no mesmo erro novamente: pensar sempre

o pior a respeito de Brad, suspeitar de seus motivos...

— Entendo. Também gostei muito dela — admitiu com franqueza. Lançou um olhar rápido

para Brad. — Não seria mesmo justo. Afinal, ela ia acabar se considerando culpada pelo

fracasso de nosso casamento. — De calças e camisa pretas, Brad parecia um estranho ao lado

dela. Mesmo assim, a presença dele a perturbava demais.

— Muito nobre de sua parte — ele ironizou. — Achei que você faria uma cena quando

Naomi a repreendeu por causa de Philip. Ela é uma típica californiana. Às vezes, é despachada

demais!

Kim riu. Comentara que precisava desculpar-se com Philip por tê-lo acusado

injustamente. Naomi quisera saber quem era Philip. Quando Brad explicara que era o ex-noivo

de Kim, Naomi ficara meio preocupada. Num tom amistoso, aconselhara Kim a certificar-se que

Philip realmente fazia parte do passado.

— Não me ofendi — Kim garantiu. — Pelo contrário, fiquei muito sensibilizada com o fato

de Naomi preocupar-se com nossa felicidade. Obviamente, ela temia que a história se

repetisse, que eu continuasse com meu ex-noivo, como Natália continuou com o dela.

— Com certeza. — Os olhos de Brad eram impenetráveis; o sorriso, frio. — Ela sequer

imagina que você está contando os minutos para voltar à Londres e correr para os braços do

seu nobre Philip.

Kim ressentiu-se com tanta crueldade. Encarando-o, sustentou o olhar cínico.

— Se você realmente acredita nisso, então, Ned Suzman venceu a parada.

Seguiu-se um pesado silêncio. Imóvel, Kim temia que qualquer movimento seu pudesse

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desencadear o fim...

— Isso significa que decidiu ficar? — A voz profunda de Brad não foi mais do que um

sussurro.

— Brad... você quer que eu fique?

— Acho que poderíamos fazer uma experiência...

— Até quando? Enquanto eu conseguir engolir as humilhações? Enquanto eu me sentir

culpada? — ela protestou com veemência. — É isso? Talvez você prefira mesmo uma mulher-

acessório, uma esposa para controlar, manipular e, ocasionalmente, exibir seu efeito

glamouroso para impressionar seu amigos e conhecidos.

— Kim, não... — Pegando-lhe o braço, puxou-a contra o peito. — Meu bem, você não é

a única que se sente culpada.

— Não sou? — Sua voz soou enrouquecida, o pulso batia acelerado. Depois, o corpo

inteiro tremia, em resposta ao beijo voraz de Brad. Beijou-a de um modo tal que todas as suas

defesas caíram por terra. Quando ele se afastou, seus olhos estavam escuros de emoção.

— Não, não é. Olhe, eu deveria ter lhe contado tudo. Sobre Natália, sobre toda aquela

confusão em que se transformou meu primeiro casamento.

— Por que não contou, Brad? — Fitava-o com os olhos semicerrados.

— Porque... eu queria apagar meu passado. Esquecer que existiu. — A expressão dele

era tensa. — Acho que faz sentido, não, Kim? Você fez-me sentir tão bom. Estar com você era

assim... tão certo, tudo tão direito. Além disso, aquele pesadelo todo aconteceu há mais de dez

anos... Era como se tivesse acontecido em outra vida. — Suspirando, acariciou-lhe levemente

a face. — Achei que ignorando, simplesmente, varreria tudo da minha memória e da realidade.

Porém, existem pessoas que estiveram envolvidas e que ainda se ressentem dos fatos, que

não me perdoam... Enganei a mim mesmo pensando que poderia começar uma vida nova ao

seu lado, sem que você soubesse de nada.

— Em outras palavras, não confiou em mim.

— Não quis correr o risco de perdê-la, Kim — ele sussurrou com voz emocionada.

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— Você não confiou em mim — repetiu ela.

— Talvez, não. Na verdade, não acreditei que nosso relacionamento sobrevivesse à

história do fracasso do meu primeiro casamento. Mais ainda. Era tudo tão sórdido que não tive

coragem de contar-lhe.

— Você amou Natália tanto assim?

— Hoje, já não tenho mais tanta certeza de tê-la amado mesmo. O que se seguiu depois,

acho que foi mais uma dor de cotovelo de um jovem imaturo. Ela feriu meu ego, meu orgulho,

Kim. Meu coração permaneceu intocado. Acho que fiquei muito mais vulnerável depois que

conheci você...

— Oh, Brad... — Kim sentiu um nó na garganta. — Não o culparei se me odiar! Você

sempre esteve tão presente, tão solícito, nos momentos mais complicados da minha vida.

Lembra-se de como cuidou de mim quando peguei aquele resfriado?

— Quem garante que não sou um anjo disfarçado?

— É sério! Você foi paciente demais quando eu exagerei na champanhe, sem falar que

salvou-me de ser queimada viva junto com o Renault...

— Kim, minha querida...

— E o que eu fiz por você? — ela se queixou, sentindo o peso das injustiças cometidas.

— Afora acusá-lo de violência criminal...

— Não se esqueça de mencionar colecionador de espo-sas-troféu. — Brad brincava, mas

o remorso consumia Kim.

— E de ter arrebentado um quadro de valor inestimável em sua cabeça!

— De ter posto em dúvida minhas habilidades sexuais! Ela estava meio rindo, meio

angustiada.

— Brad, gostaria de fazer estes últimos dias desaparecerem de nossas vidas.

— Talvez precisássemos deles para nosso amadurecimento. — Roçou-lhe os dedos na

face corada. — Um batismo de fogo? Quer continuar casada comigo, Kim?

— Quero...? — A pergunta deixou-a sem fôlego. Vasculhou sua mente à procura de um

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gesto positivo, romântico, que veio na forma de uma pequena explosão de consciência. —

Espere um minuto. Fique aqui!

— Kim...

Escapando dos braços dele, pulou do carro. Correu para o château, subiu as escadas

direto para o quarto da torre. Abriu a gaveta da mesa de cabeceira, remexendo-a

ansiosamente.

Quase em pânico, olhou ao redor, deparando-se com Brad parado na porta. Os olhos

estavam semicerrados, a expressão interrogativa.

— Procura alguma coisa?

— Meus anéis!

— Aqui... — Lentamente, tirou uma caixa preta do bolso, abrindo-a. Os dois anéis

descansavam sobre a forração de veludo vermelho.

— Mas, como? Isto é, quando...?

— Fiz questão de colocá-los de novo na caixa como uma oferta de paz — ele murmurou

meio sem jeito. — Levei-os para Rennes, ontem, junto com o retrato. Admito que também

preciso penitenciar-me.

— Você? Penitenciar-se? Não! — ela gracejou, com o coração aos saltos.

— Faço qualquer coisa para trazer minha doce esposa-troféu de volta.

— Oh, Brad! Será que você realmente me vê como uma esposa-troféu? — desafiou-o

com uma sonora gargalhada.

— O que você acha?

— Confesso que houve momentos em que comecei a acreditar que sim.

— Desculpe. Eu estava zangado. Precisava de uma vingança.

— Percebi... — ela fez um trejeito. — Mas... na igreja, quando... perguntei se me amava,

você apenas me beijou.

— Não, não a beijei apenas. Eu disse: beije-me e verá. Kim fitou-o com os olhos

radiantes.

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— Oh, Brad...

— Kim, eu a amo. Eu a quero como esposa, companheira, amiga. Nos negócios e no

casamento, principalmente no casamento.

Ela ofereceu-lhe as mãos. Brad pegou os anéis, colocando-os no dedo trémulo de Kim,

um por vez. A mão forte, bronzeada, também tremia levemente. Depois, apertou-a nos braços

com força. O calor dos corpos unidos provocou a sensação maravilhosa de estar finalmente

voltando para casa.

— Fique comigo, Kim. Não fuja mais de mim... — As palavras foram sussurradas contra

cabelos dela.

— Nunca mais — ela prometeu com voz trémula. — Acha mesmo que eu queria ficar

longe de você? Eu o amo, Brad. E você sabe que sempre o amei.

Ele levantou a cabeça. Kim notou os olhos dele cheios de emoção e não conteve as

lágrimas, lágrimas de intensa felicidade.

— Eu me comportei muito mal, punindo-a pela minha própria estupidez. Se eu a perdoar,

será que será capaz de me perdoar também, sra. Baldwin? — Ele lhe acariciava os braços

nus, a pele macia das costas. Com olhar possessivo, perscrutou-lhe o rosto.

— Absolvição mútua? — ela murmurou à beira das lágrimas. — Será que aquele anjo de

madeira já não agiu por nós?

— Talvez sim. — A intensidade de seu olhar fez Kim tremer de ansiedade.

— Seja lá o que tiver que ser perdoado, eu perdoo — ela afirmou simplesmente.

— Tem certeza? E de coração que você diz isso? — Brad a abraçou com tanta força que

Kim passou a respirar com dificuldade.

— Beije-me... — ela o convidou, oferecendo-lhe os lábios entreabertos, num sorriso terno

e corpo arqueado em total entrega. — Beije-me e verá...

Fim.
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