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Psicologia, luta de classes e dominação burguesa no Brasil

Filipe Boechat
Introdução

Há alguns anos, Lacerda Jr. (2013) traçou um breve histórico de nossa formação social com
o fito de melhor situar o surgimento e o desenvolvimento da psicologia em nosso país e,
particularmente, a emergência e a institucionalização de nossa psicologia crítica. O recuo realizado
pelo autor partia da convicção de que “a descrição do que ocorre em um complexo específico de
ideias e práticas – a psicologia brasileira – deve ser realizada a partir de sua inserção em um
complexo mais amplo: a sociedade capitalista brasileira” (idem, p. 218).
Recorrendo aos trabalhos de Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Carlos Nelson Coutinho e
Ruy Mauro Marini, além de outros autores de nossa tradição marxista, Lacerda Jr. recuperou a
história de dependência do capitalismo brasileiro; o processo de modernização hipertardio, marcado
pela conciliação entre frações de nossas classes dominantes; a natureza bonapartista dos regimes
situados entre 1930 e 1964, condição para a garantia do equilíbrio instável de forças opostas; a
histórica exclusão das forças populares dos processos de transformação social, caracterizados por
rearranjos entre frações das classes dominantes e acordos de cúpula, fechados “pelo alto”; o caráter
débil e frágil da burguesia brasileira e a consequente formação de um Estado forte e autoritário,
expressa sob a forma de uma autocracia burguesa, conservadora e contrarrevolucionária (idem, p.
221-222).
Lacerda Jr. concluiu seu panorama do capitalismo dependente brasileiro com o processo de
reacomodação das classes dominantes na derrocada do regime ditatorial e sua unificação em torno
do programa neoliberal, programa este do qual, segundo o autor, permaneceríamos reféns até os
dias atuais, fato que teria implicado na intensificação das desigualdades sociais, na reversão
colonial, na precarização e barbarização dos setores explorados e na ampliação da dependência
cultural (idem, p. 223). Tudo isso para mostrar-nos que a psicologia brasileira nasceu subordinada
às classes dominantes da formação social brasileira e seus correspondentes projetos político-
estratégicos; para mostrar-nos que, “Da mesma forma como a psicologia nos EUA no início do
século XX, na busca por legitimidade social, se associou aos setores dominantes da sociedade norte-
americana, a psicologia brasileira soube rapidamente posicionar-se diante da luta de classes no
Brasil” (idem, p. 219-220).
Todavia, se esses e outros elementos permitiram que Lacerda Jr. indicasse a “miséria
cultural da dependência” (idem, p. 223) como herança da psicologia brasileira, expressa em seu
mimetismo cultural e em sua transparente subserviência aos interesses imediatos das classes sociais
dominantes, por outro lado, permitiram também mostrar que “momentos de rebelião, de desordem e
crises sociais foram fundamentais para o surgimento ou fortalecimento de tendências contrárias às
concepções científicas e artísticas instrumentais à dependência e ao capital” (idem, ibidem).
De fato, como também mostrou o autor, o ascenso do movimento operário, sindical e
popular, no final dos anos de 1970, e o processo de redemocratização, nos anos de 1980, foram
determinantes para a emergência da psicologia crítica brasileira. A expansão do sistema superior de
ensino, induzida pela contrarreforma universitária de 1968 1; a abertura de novos campos de atuação
para os psicólogos, com a redefinição do setor de bem-estar social; o clima ideológico suscitado
pelo processo de redemocratização, tudo isso teria contribuído para dar uma “nova aparência para a
psicologia brasileira” (idem, p. 224), até então marcada pelo conservadorismo, pelo individualismo
e pelo compromisso com as elites e os interesses materiais de nossas classes dominantes.
Ainda segundo o autor, três vetores teriam determinado o desenvolvimento dessa nova
aparência da psicologia brasileira: o engajamento de psicólogos nas lutas por melhores condições
sociais de existência de setores oprimidos e explorados da sociedade brasileira; a chegada ao Brasil
de teorias sociais comprometidas com a revisão das noções tradicionais de poder, ciência,
subjetividade, sociedade etc.; a entrada de psicólogos em novos espaços de atuação e os impactos
da percepção da inadequação de seus referenciais teóricos e práticos (idem, p. 217).
Esse “esboço sobre a história e o desenvolvimento da psicologia crítica no Brasil” (idem, p.
216) permitiu, ainda, que Lacerda Jr. levantasse algumas questões que nos parecem profundamente
pertinentes, sobretudo quando consideramos a atual conjuntura social e política de nosso país. Entre
outras questões não menos importantes, o autor perguntava-nos qual teria sido a efetiva
contribuição dessa nova forma de psicologia para a promoção de processos de insurgência contra a
ordem do capital, para a denúncia e desmistificação da realidade existente e o fomento de processos
emancipatórios.
Alguns anos antes, em apontamentos para uma história da psicologia crítica, Furtado sugeriu
a necessidade de “avaliar a importância da militância em partidos de esquerda ou da própria
influência que um pensamento ou uma teoria revolucionária teria exercido sobre os promotores do
pensamento crítico na Psicologia a partir da década de 60” (2009, p. 248).
Com efeito, conforme nos mostrou Hur, o desenvolvimento da psicologia crítica e a
renovação do perfil profissional do psicólogo, a partir de meados da década de 1980, contou
sobremaneira com a participação de militantes intimamente vinculados a organizações política de
esquerda. Segundo o autor, “O movimento dos psicólogos de esquerda não só atualizou o

1Contrarreforma
prevista no acordo MEC-USAID. Voltaremos sobre esse ponto. De momento, cumpre observar, com
Antunes, que “A expansão da pós-graduação produziu melhorias na qualidade da formação do psicólogo, embora ainda
de forma desigual, pois a articulação entre ensino e pesquisa não se efetivou para todos os cursos, ficando limitada às
instituições que garantiam as condições de trabalho necessárias para a concretização do princípio de indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão” (2012, p. 61-62).
imaginário de transformação social como foi composto por militantes de diversas organizações da
esquerda política”, dentre as quais citava o Partido Comunista Brasileiro, a Ação Popular e a
Convergência Socialista (2009, p. 141).
Discutindo a história da psicologia a partir de suas entidades representativas, sindicatos,
conselhos e demais associações profissionais, Hur chamou nossa atenção para o fato de que a
história da psicologia brasileira costuma centrar-se no âmbito das teorias psicológicas, sintoma
daquilo que Lacerda Jr. (2016) identificou, mais recentemente, como sendo característica do
epistemologismo na psicologia. 2 Por essa razão, Hur recomendava a “construção de uma história da
Psicologia a partir das práticas políticas das entidades representativas da categoria profissional”
(idem, p. 127).
Embora partisse de um referencial estranho e mesmo avesso à tradição marxista, Hur
apontaria alhures que a construção dessa “nova história” (2012, p. 70) seria uma forma “de
refletirmos sobre a organização dos psicólogos, suas práticas políticas e sua relação com a
sociedade e o Estado” (idem, ibidem).
Independentemente dessa diferença entre os referenciais teórico-metodológicos, Hur
levantou questões semelhantes àquelas colocadas por Lacerda Jr.. Referindo-se ao Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) e o Sindicato de Psicólogos do Estado de São Paulo
(SPESP), e concentrando-se, sobretudo, nas gestões que se consolidaram durante o período da
“abertura política” e da redemocratização, perguntava-nos o autor: “Quais foram os
posicionamentos dessas entidades na história brasileira? Elas tiveram uma prática emancipadora ou
perpetuadora das relações de poder instituídas no país?” (idem, ibidem).
O presente capítulo envereda pelas trilhas abertas por Lacerda Jr. e Hur. Buscamos, assim
como esses autores, caminhar na direção da aproximação da Psicologia ao âmbito político ou, como
diriam os mesmos, do desenvolvimento de uma “psicologia política crítica” (HUR & LACERDA,
2016). Procuramos, especialmente, situar a psicologia e a psicologia crítica brasileiras no quadro
geral dos ciclos históricos que marcaram a vida política nacional, vinculando-lhes às
correspondentes estratégias político-revolucionárias de cada um desses ciclos e aos seus respectivos
aparelhos.
O corpo do texto está organizado da seguinte maneira: primeiramente, apresentamos nossas
premissas, categorias e pressupostos teórico-metodológicos. Em seguida, passamos à descrição e
discussão dos resultados até então encontrados, considerando que se tratam de resultados parciais de
uma pesquisa ainda em curso. Buscamos definir, em linhas gerais, dois ciclos de nossa história
política, suas respectivas estratégias hegemônicas e algumas instituições que, segundo nos parece,

2
Hur levanta a seguinte hipótese para esse fato: “Talvez o desinteresse pela produção acadêmica sobre a história das
entidades políticas dos psicólogos seja um reflexo da própria relação dos psicólogos com suas entidades representativas,
ou mesmo com a própria atuação política” (2009, p. 127).
cumpriram ou têm cumprido o papel de aparelhos privados de hegemonia, articulando, como tais, a
base ou a estrutura social com o conjunto de suas superestruturas. Além disso, discutimos a
funcionalidade da psicologia desenvolvida em cada um desses ciclos históricos para a manutenção
da dominação burguesa no Brasil, dando maior atenção ao ciclo histórico atual, dada sua
importância para a definição dos rumos da psicologia crítica desenvolvida em nosso país. Em
seguida, analisamos um caso particular de relação entre a psicologia e a política, como forma de
procurarmos responder a algumas das questões levantadas tanto por Lacerda Jr. quanto por Hur e
avançarmos a partir dos resultados a que chegou Carvalho (2014) em sua tese sobre a “Escola de
São Paulo de psicologia social”. Por último, nas considerações finais, procuramos formular algumas
perguntas que sirvam de norte para os desenvolvimentos futuros de nossa pesquisa e para todos
aqueles que se sentirem interessados em dar prosseguimento às análises até aqui realizadas.
Antes, portanto, de passarmos à apresentação de nossos resultados parciais, convém
explicitarmos premissas, categorias e pressupostos teórico-metodológicos que empregamos neste
capítulo, não apenas por estarmos convencidos de que não existe a possibilidade de um pensamento
politicamente neutro nas ciências humanas (LÖWY, 1978, 2009; NETTO, 2011), como também por
estarmos cientes de que algumas das expressões que empregamos aqui estão sujeitas a
interpretações as mais diversas.

Premissas, categorias e pressupostos teórico-metodológicos

O método para análise, interpretação e explicação das relações de que trataremos neste
capítulo procurou guiar-se pelos pressupostos, pela lógica e pelas categorias provenientes da teoria
social marxiana, teoria social centrada, fundamentalmente, na dialética materialista, na teoria valor-
trabalho e na luta de classe sob a perspectiva da emancipação humana. Situa-se, portanto, nos
quadros da “tradição marxista”, composta, conforme mostrou-nos Netto, por um conjunto de
“vertentes diferenciadas e alternativas de uma já larga tradição teórico-política” (NETTO, 2006, p.
9).
Como nos interessa deslindar os nexos entre estratégias de dominação de classe e os
aparelhos e intelectuais que as põem em marcha, recorreremos a alguns dos conceitos
desenvolvidos pelo marxista sardo Antonio Gramsci. Não porque o identifiquemos como “teórico
das superestruturas”, mas por reconhecermos a importância de boa parte de suas reflexões para uma
compreensão mais nuançada das articulações entre o conjunto das superestruturas e a estrutura
social, assim como para a compreensão dos nexos entre ideologias, intelectuais e a conformação
daquilo que Gramsci chamou de “blocos históricos”. Conforme afirmamos noutra ocasião, a forma
pela qual Gramsci concebeu a participação de aparelhos e intelectuais na conformação e
consolidação de blocos históricos parece-nos elemento decisivo para compreendermos de que
maneira a psicologia participou ou tem participado de estratégias de dominação de classe ao longo
da história da formação social brasileira, independentemente da consciência de seus principais
agentes (BOECHAT, 2017a; 2017b).
Não ignoramos que “Esse súbito interesse pelo autor dos Quaderni del Carcere e redator de
Ordine Nuovo não está [...] isento de segundas intenções e frequentemente se presta a justificar tal
ou qual corrente marxista, ou mesmo a seguir um ‘novo’ teórico que bruscamente vira ‘moda’,
depois de trinta anos de esquecimento (PORTELLI, 1977, p. 13). Também não desconhecemos que
“O que se está fazendo com as ideias de Gramsci exige de nós todos um repúdio frontal: as
universidades norte-americanas e europeias tentam convertê-lo em um representante amorfo do
‘socialismo democrático’” (FERNANDES in AMMANN, 1980, p. 12-13). Mas entendemos que
seria erro crasso descartar suas contribuições ao estudo das formas de dominação burguesa,
sobretudo quando consideramos sua capacidade de articulá-las a uma opção política radical pela
emancipação humana das classes subalternas.
Nesse sentido, estamos de acordo com Fernandes, quando observava que

Ele foi, ao contrário, um pensador marxista muito fecundo e deu ao movimento


político marxista uma impulsão renovadora. Ou seja, ele é, de fato, uma figura
proeminente do pensamento revolucionário e não há sentido em trazê-lo à baila com
o intuito de carregar água para o moinho de um falso movimento de “grass roots”
entre os proletários do chamado “terceiro mundo” (idem, ibidem).

O recurso às suas categorias parece-nos ainda mais oportuno ao considerarmos suas


reflexões sobre o fenômeno a que veio chamar de “transformismo” (GRAMSCI, 2011, p. 315-327).
Afinal, nossa pesquisa tem revelado a importância de compreendermos, nos grupos subalternos,

sua adesão ativa ou passiva às formações políticas dominantes, as tentativas de


influir sobre os programas destas formações para impor reivindicações próprias e as
consequências que tais tentativas têm na determinação de processos de
decomposição e de renovação ou de nova formação (idem, p. 273).

Nossa pesquisa tem revelado, ainda, a importância de estudarmos “as formações próprias
dos grupos subalternos para reivindicações de caráter restrito e parcial”, e as formações que
afirmam a “autonomia integral” dos grupos subalternos, para além daquela autonomia afirmada
dentro de “velhos quadros” (idem, ibidem). Tudo isso para compreendermos de que maneira se
configura a “estrutura material da ideologia”.

Um estudo de como se organiza de fato a estrutura ideológica dominante: isto é, a


organização material voltada para manter, defender e desenvolver a “frente” teórica
e ideológica. [...] tudo o que influi ou pode influir sobre a opinião pública, direta ou
indiretamente, faz parte dessa [...] estrutura material da ideologia (idem, p. 341-342).

Esse estudo não pode perder de vista que a realidade de uma sociedade de classes jamais é
homogênea. Mesmo porque,

Determinado momento histórico-social jamais é homogêneo; ao contrário, é rico de


contradições. Ele adquire “personalidade”, é um “momento” do desenvolvimento,
graças ao fato de que, nele, uma certa atividade fundamental da vida predomina
sobre outras, representa uma “linha de frente” histórica. Mais isto pressupõe uma
hierarquia, um contraste, uma luta (idem, p. 343).

Temos tentado compreender essa heterogeneidade através do estudo da forma como se deu a
assimilação, por parte das classes dominantes, de aparelhos construídos pela classe trabalhadora
brasileira e seus aliados. Partimos, portanto, da premissa de que “As classes dominantes
precedentes eram essencialmente conservadoras, no sentido de que não tendiam a assimilar
organicamente as outras classes, ou seja, a ampliar ‘técnica’ e ideologicamente sua esfera de classe:
a concepção de casta fechada” (idem, p. 279). Mas que, com o desenvolvimento do capitalismo, “A
classe burguesa põe-se a si mesma como um organismo em contínuo movimento, capaz de absorver
toda a sociedade, assimilando-a assim a seu nível cultural e econômico; toda a função do Estado é
transformada: o Estado torna-se ‘educador’” (idem, ibidem).
O exame desse processo supõe uma prévia compreensão de algumas categorias, dentre as
quais destacamos aquelas de “ciclo histórico”, “aparelhos privados de hegemonia”, “estratégia
político-revolucionária” e “psicologia crítica”.
Por ciclo histórico entendemos o arco temporal aberto por transformações econômicas e
políticas de vulto, marcado, sobretudo, pelo acirramento da luta entre as classes sociais e o ascenso
e descenso das classes subalternas. Outra característica consiste no surgimento, assimilação ou
desaparecimento de determinados aparelhos destinados à disputa pela direção moral e intelectual da
sociedade entre suas classes sociais antagônicas. Conforme foi observado,

A consciência de classe se expressa nos “instrumentos políticos”, nas suas práticas


organizativas que emergem como forma de enfrentar os problemas colocados pelo
real. Daí que a noção de ciclo histórico nos remete ao ascenso e descenso da classe
trabalhadora como sujeito político, da construção de seus instrumentos de luta
(instâncias coletivas) e do seu esgotamento como alternativa (MARTINS et al.,
2014, p. 359).

Por aparelhos privados de hegemonia entendemos precisamente tais “instrumentos


políticos”, que podem assumir a forma de associações, jornais, periódicos científicos, institutos,
escolas, universidades, partidos, sindicatos, centrais sindicais etc. Estrutura material da ideologia,
respondem pelo desenvolvimento de teorias e práticas que articulam o conjunto das superestruturas
à estrutura econômica. Tais aparelhos formalmente “privados”, pois que se destacam relativamente
da sociedade pública ou política, prestam-se à função da hegemonia, isto é, da direção moral e
intelectual da sociedade, visando a consolidação daquilo que Gramsci chamou de “bloco histórico”.
Por estratégias políticas compreendemos as estratégias orientadas para a conquista do poder
político. Uma estratégia consiste numa articulação de táticas tendo em vista um objetivo, uma
finalidade. Uma estratégia política consiste numa articulação de táticas tendo em vista a conquista
do poder político. Toda estratégia político-revolucionária, por sua vez, consiste numa articulação
de táticas tendo em vista a conquista do poder político para a defesa e promoção da transformação
das relações sociais dominantes. Além disso, toda estratégia político-revolucionária parte de uma
determinada leitura da realidade que pretende revolucionariamente transformar, dos nexos
estruturais e dinâmicos da realidade social que procura revolucionar, compreensão sem a qual se
torna inviável operar de maneira exitosa sobre a realidade, isto é, de maneira a alcançar o objetivo
previamente almejado.

Uma estratégia [político-revolucionária] refere-se à forma pela qual a classe –


através dos instrumentos coletivos construídos para a luta – interpreta, combina,
organiza e dirige os diversos enfrentamentos particulares no sentido geral da
revolução (idem, ibidem).

Por psicologia crítica entendemos toda psicologia declaradamente comprometida com a


superação das relações sociais de opressão e exploração e seus rebatimentos no plano ideológico.
Nesse sentido, fazemos coro à definição de Lacerda Jr., para quem a psicologia crítica nada mais é
do que

um termo guarda-chuva que abarca toda proposta que busca criticar a sociedade e a
psicologia [e que] abrange um conjunto de ideias e práticas que buscam contribuir
para algum projeto emancipatório e/ou elaborar novas formas de pensar o
indivíduo, a subjetividade, o sujeito e outras categorias importantes para a
psicologia (2013, p. 217).

Dito isso, resta-nos dizer, uma vez mais, que nossos resultados não têm a pretensão de serem
exaustivos ou definitivos. Desejam, antes, servir para deslindar as contradições imanentes à história
da psicologia brasileira, para que possamos melhor orientar nossos esforços emancipatórios e para
que possamos “compreender a gênese e o movimento como processos constitutivos de nosso objeto
de estudo, a Psicologia no Brasil, com a certeza de que muitos estudos e pesquisas são necessários
para que essa compreensão se aprofunde e se amplie” (ANTUNES, 2012, p. 63).
Resultados e discussão

Psicologia e luta de classes no Brasil

Conforme mencionamos, em apontamentos para uma história da psicologia crítica, Furtado


sugeriu a necessidade de avaliarmos “a importância da militância em partidos de esquerda ou da
própria influência que um pensamento ou uma teoria revolucionária teria exercido sobre os
promotores do pensamento crítico na Psicologia a partir da década de 60” (2009, p. 248).
De fato, algumas das ideias e práticas que estiveram presentes no contexto de surgimento da
psicologia crítica brasileira, em meados da década de 1970, formavam parte de estratégias de
natureza político-revolucionária.
No entanto, essa vinculação da psicologia à vida política nacional e à nossa esquerda política
não se aplica apenas à história da psicologia “crítica”.
Como veremos nesta seção, estratégias político-revolucionárias, que visavam, como tais,
articular um conhecimento sobre a realidade brasileira a um conjunto de práticas no objetivo do
revolucionamento das relações sociais estabelecidas, determinaram o curso geral da história da
psicologia brasileira. 3
Em nossa história política, temos duas grandes estratégias, que correspondem a dois
importantes ciclos de nossa formação social: uma primeira estratégia democrática e nacional,
correspondente ao ciclo democrático-nacional, e uma segunda estratégia democrática e popular,
correspondente ao ciclo democrático-popular. Evidentemente, isso não quer dizer que fossem as
únicas estratégias dos seus respectivos ciclos. Antes, significa apenas que “é possível encontrar, em
cada ciclo histórico, certas composições ou configurações estratégicas que pautam todas as demais
posições” (MARTINS et al., 2014, p. 358-359), de maneira que, “Quer sejam favoráveis, quer
sejam contrárias a estas configurações-chave, todas as demais posições são forçadas a se situar em
relação a estas” (idem, ibidem).
Conforme nos mostrou Iasi (2012b, 2017), a estratégia democrática e nacional desenvolveu -
se entre as décadas de 1930 e 1960, tendo como principal aparelho o Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Criado em 1922, o PCB hegemonizou a direção das principais lutas da classe trabalhadora
brasileira até pelo menos o golpe empresarial-militar de 1964 (IASI, 2011). Seu desenvolvimento

3
Cumpre assinalar que tais estratégias contém sempre uma determinada teoria do Brasil, isto é, uma leitura da realidade
social brasileira, descrevendo sua estrutura e a dinâmica de sua formação. Como observou Prado Jr., “A teoria da
revolução brasileira, para ser algo de efetivamente prático na condução dos fatos, será simplesmente – mas não
simplisticamente – a interpretação da conjuntura presente e do processo histórico de que resulta. Processo esse que, na
sua projeção futura, dará cabal resposta às questões pendentes” (1966, p. 15). Conforme assinalou Souza, “Isto, no caso
dos comunistas, torna-se a busca pela apreensão do que há de característico em nosso caminho (não clássico) para o
capitalismo como forma de mapear os passos necessários à construção de um possível caminho (não clássico) para o
socialismo (2013, p. 51, grifos do autor).
acompanhava, nesse sentido, o ascenso do conjunto das classes subalternas suscitado pelas
contradições do processo acelerado de industrialização iniciado após a crise mundial de 1929.
A estratégia democrática e popular, por seu turno, nasceu sob o impacto da derrota da classe
trabalhadora brasileira com o golpe empresarial-militar de 1964, desenvolvendo-se a partir das
necessidades imediatas da luta sindical e, posteriormente, das críticas dirigidas às insuficiências da
estratégia anterior, tanto no que se refere às suas táticas, quanto no que se refere à sua leitura da
realidade social brasileira (IASI, 2017, p. 279-313). Amadurecida ao longo das décadas de 1970 e
de 1980, ela expressava a consciência das forças políticas nascidas da luta contra a carestia, a
precarização das condições de trabalho e a repressão do regime ditatorial.

As condições de trabalho, a intensificação da produção, os salários corroídos pela


inflação mascarada pelas manobras oficiais do então ministro Delfim Netto, levaram
à eclosão das greves no final da década de 1970 e produziram as condições do
rápido alastramento das lutas para além do setor operário, permitindo uma fusão de
classe contra a ameaça comum materializada pela autocracia burguesa (idem, p.
286).

A estratégia democrática e popular contou com dois grandes aparelhos: o Partido dos
Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Fundado nos primeiros meses de
1980, o PT desenvolveria a crítica da estratégia democrática e nacional numa direção bastante
peculiar, revelando traços de continuidade e descontinuidade decisivos para a definição da nossa
atual conjuntura e seus rebatimento no plano ideológico (IASI, 2012a, 2012b, 2017; MARQUES,
2015; MARTINS et al, 2014).
Vejamos, no item seguinte, quais foram as principais características desses ciclos históricos,
suas estratégias e aparelhos, tendo em mente que nosso interesse consiste em saber em que medida
influíram sobre a história da psicologia e da psicologia crítica brasileiras e, particularmente, de que
forma estiveram a serviço da transformação de nossa realidade nacional e da emancipação do
conjunto de nossas classes subalternas.

O ciclo democrático e nacional, suas estratégias e seus aparelhos

O ciclo democrático-nacional situa-se entre os golpes de 1930 e 1964. Este ciclo esteve
marcado pelo ascenso da classe trabalhadora brasileira em virtude das contradições emanadas do
processo de industrialização que se seguiu à crise mundial de 1929 e dos impactos da Segunda
Guerra Mundial na economia e na política brasileiras.
A partir de 1930, o Estado brasileiro viu-se incumbido da tarefa de induzir e acelerar os
processos de industrialização, urbanização e as demais condições para a reprodução ampliada do
capital. O movimento de organização e luta da classe trabalhadora brasileira, sobretudo a partir da
década de 1940, e as exigências impostas pelas economias dos países centrais, em face da crise e da
guerra, impuseram a refuncionalização e o redimensionamento do Estado brasileiro.
As modificações econômicas, políticas e sociais desse período refletiram-se no pensamento
social brasileiro sob a forma de uma ideologia particular: a ideologia do desenvolvimento nacional
(TOLEDO, 1978). No que diz respeito, particularmente, à consciência da classe trabalhadora, essas
transformações contribuíram para a formulação da estratégia democrático-nacional, encampada
pelo PCB (IASI, 2012b, 2017).
O núcleo dessa estratégia consistia na suposição do caráter incompleto do capitalismo
brasileiro. Sendo assim, o fim da exploração da classe trabalhadora brasileira, herança de nosso
passado colonial e escravista, dependeria de uma prévia revolução democrática e nacional. Uma
revolução dessa natureza demandaria uma aliança, por parte da classe trabalhadora, com setores
progressistas da burguesia nacional, supostamente em contradição com os interesses imperialistas e
das oligarquias agrárias, considerados entraves ao desenvolvimento das relações sociais de
produção no Brasil, mantidas em estado “arcaico”, “semifeudal”, “semicolonial” (IASI, 2012b,
2017). Previa-se, portanto, uma etapa democrático-burguesa e, consequentemente, a formação de
uma grande frente nacionalista, como pressuposto para destravar o desenvolvimento do capitalismo
nacional e permitir a organização de um proletariado concentrado e forte, condições materiais
necessárias a uma revolução de caráter socialista. 4
A transposição mecânica e apriorística de uma estratégia político-revolucionária
desenvolvida alhures não tardaria em revelar-se desastrosa. Ao desconsiderar as particularidades de
nossa formação social, a estratégia democrática e nacional conduzia as organizações da classe
trabalhadora a graves erros políticos.
Analisando as continuidades e as rupturas entre a estratégia democrática e nacional a
estratégia democrática e popular a partir dos trabalhos de Caio Padro Jr. e Florestan Fernandes, Iasi
(2012b, 2017) mostrou-nos que, entre as insuficiências dessa estratégia, constavam uma leitura
equivocada da composição e da natureza das classes dominantes brasileiras, que levava à suposição
da existência de uma burguesia nacional em contradição com o latifúndio e o imperialismo, e uma
igualmente equivocada interpretação do fenômeno do imperialismo, que levava a compreendê-lo
como entrave ao desenvolvimento das relações capitalistas. A fusão do capital bancário com o

4A
estratégia era chancelada pela Internacional Comunista (IC). Tendo como pano de fundo a ascensão do fascismo e a
avaliação da necessidade e da viabilidade do “socialismo num só país”, em seu VI Congresso a IC passava ao primeiro
plano de suas preocupações a contradição entre as nações e o imperialismo. Consequentemente, a organização fundada
para organizar e dirigir a classe trabalhadora em âmbito internacional acabava subordinando a contradição existente
entre capital e trabalho à disputa entre nações, ao mesmo tempo em que orientava as organizações da classe
trabalhadora dos países geopolitica e economicamente periféricos a contribuir para o desenvolvimento local do
capitalismo (IASI, 2011, 2012b).
capital industrial e o papel da exportação de capitais (LENIN, 2012) no desenvolvimento das
relações sociais de produção capitalistas no Brasil eram ocultadas por uma interpretação do
imperialismo à maneira de Kautsky, que o via como uma “tendência de toda nação capitalista
industrial a submeter ou anexar, cada vez mais, regiões agrárias mais extensas, qualquer que seja a
origem étnica de seus habitantes” (KAUTSKY apud IASI, 2012b).
A contrarrevolução expressa pelo golpe empresarial-militar de 1964 foi a prova histórica da
insuficiência dessa estratégia. Para Prado Jr., “as graves distorções observadas na interpretação da
realidade política, econômica e social brasileira contribuíram para os erros que vinham sendo
cometidos desde longa data na ação política da esquerda, e que levaram afinal ao desastre de 1° de
abril.” (1966, p. 23) A forma autocrática assumida pelo poder burguês no Brasil (FERNANDES,
1976) mostrou o caráter estruturalmente dependente do capitalismo brasileiro e a inviabilidade de
uma revolução de caráter democrático-burguesa de tipo clássico, revelando a natureza compósita da
burguesia nativa 5 e a inexistência de uma burguesia progressista, democrática, nacionalista, anti-
latifundiária e anti-imperialista, interessada, enquanto tal, em romper com os laços de submissão e
dependência ao imperialismo (IASI, 2012b, 2017; MARQUES, 2015; MARTINS et al., 2014;
FIGUEIREDO, 2014).
As soluções propostas por Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes não nos interessam de
momento, embora elas permitam antever elementos que irão compor a estratégia democrática e
popular (IASI, 2011, 2012a, 2012b, 2017; MARQUES, 2015; MARTINS et al., 2014;
FIGUEIREDO, 2014). Interessa-nos, agora, observar de que maneira o ciclo democrático-nacional
promoveu a criação de diversos aparelhos, alguns dos quais repercutiram profundamente sobre a
história de nossa psicologia.
Vejamos. Referindo-se ao período anterior a 1930, Antunes assinalaria que,

Nessa época, dominada política e economicamente pelos interesses dos produtores


de café, movimentos sociais oriundos das camadas populares, de um lado, e das
camadas médias, de outro, revelam o descontentamento e a necessidade de
transformação da ordem social. Os movimentos populares foram enfrentados por
forte esquema repressivo, o que não impediu a penetração de ideias como o
anarquismo, o anarcossindicalismo e o socialismo, assim como a constituição de um
significativo movimento organizado pelas classes trabalhadoras, do campo e das
cidades (2012, p. 53).

Aos movimentos populares, a repressão. Para as “camadas médias”, a cooptação. O Estado


brasileiro, ao passo que induzia o desenvolvimento capitalista, buscava consolidar sua hegemonia

5Caio
Prado Jr. dirá que “a rápida ascensão dessa burguesia formou uma classe que, apesar de representar distintos
setores e atividades econômicas, se fundia em interesses comuns, sendo, portanto, altamente coesa” (MARTINS et al.,
2014). Fernandes, noutra chave interpretativa, concluirá algo semelhante ao apontar o “padrão de civilização burguesa”
assumido por alguns setores da aristocracia rural brasileira, conformando uma espécie de “congière social” (IASI,
2012b).
avançando sob o conjunto da “sociedade civil”. Realizava, portanto, outro movimento característico
das sociedades capitalistas, igualmente diagnosticado pelo marxista sardo: a “estatização da
sociedade civil” (PORTELLI, 1977). Como parte orgânica desse Estado indutor, surgiam aparelhos
privados de hegemonia com o papel de consolidação do bloco histórico nacional-
desenvolvimentista. Com o aprofundamento das contradições imanentes ao processo de
industrialização capitalista, das quais o aparecimento das ligas camponesas dava testemunho
(AMMANN, 1980), o Estado brasileiro procava legitimar-se através de uma malha de intelectuais
orgânicos, quadros que passavam a compor uma elite promotora e indutora do desenvolvimento
nacional. Tratava-se, portanto, daquele movimento em que a sociedade política encarrega-se da
formação de seus “funcionários”. Como anotou Gramsci,

A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como ocorre


no caso dos grupos sociais fundamentais, mas é “mediatizada”, em diversos graus,
por todo o tecido social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais
são precisamente os “funcionários” (2011, p. 207).

Em outros termos, a coerção buscava revestir-se de consenso (LIGUORI & VOZA, 2017, p.
261-264). E ela o fazia por intermédio da criação de instituições de âmbito nacional, tanto públicas
quanto privadas. Elas seriam operadas, fundamentalmente, por membros da pequena-burguesia ou
das “camadas médias”, que viriam a conformar uma elite sob direção moral e intelectual do novo
bloco de classe dominante.
Dentre as instituições que determinaram o curso da história da psicologia brasileira,
destacamos aqui o Instituto Nacional de Pedagogia (Inep) 6 o Instituto de Seleção e Orientação
Profissional (ISOP) e o Instituto Superior de Estudos brasileiros (ISEB).
O Inep, criado meses antes do golpe que instituiria o “Estado Novo”, era um órgão
formalmente público. Ao Instituto competia, entre outras funções, o desenvolvimento da psicologia
aplicada à educação e à orientação e seleção profissionais, tendo papel destacado na difusão da
pedagogia escolanovista. Segundo Antunes, “a Psicologia aplicada à educação e a psicologia
aplicada às relações de trabalho constituem-se ambas em campos diversos, porém voltados, pelo
menos em última instância, para objetivos comuns, num mesmo contexto histórico” (2017, p. 110). 7

6O
Instituto Nacional de Pedagogia transformou-se em Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) pelo decreto-
lei n°. 580, de 30 de julho de 1938, tendo Lourenço Filho como seu primeiro diretor-geral. Em 1972, o Inep passou a
chamar-se Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, em homenagem àquele que foi seu diretor-
geral de 1952 a 1964. O Inep é hoje responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Para mais informações
sobre os antecedentes do Inep, cf. Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil, organizado por Ana
Maria Jacó-Vilela (2011, p. 375-376).
7Antunes ainda assinalaria que, “Em primeiro lugar, a busca da organização científica do processo produtivo na

indústria equipara-se à busca de uma pedagogia científica para a escola; em segundo lugar, um dos mais destacados
educadores escolanovistas e destes o mais preocupado com a Psicologia, Lourenço Filho, foi um dos mais importantes
contribuidores para o movimento que gerou a aplicação da Psicologia ao trabalho.” (2017, p. 110) Para mais
Esses objetivos comuns consistiam na formação da força de trabalho adequada às novas condições
de produção da vida social e ao desenvolvimento nacional.
O ISOP, por sua vez, criado em 1947 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, criada em 1944),
era formalmente privado. 8 De acordo com Antunes;

O Instituto de Seleção e Orientação Profissional – ISOP, criado na década de 40 por


Getúlio Vargas, foi outra importante instituição que, com a finalidade de formar
técnicos para a indústria e o comércio, foi base para o desenvolvimento de
pesquisas, de diversas modalidades de intervenção psicológica e de formação de
profissionais especialistas nas questões psicológicas relacionadas à organização do
trabalho. (2012, p. 58)

Na primeira edição do periódico Arquivos Brasileiros de Psicotécnica 9, lia-se que a criação


do ISOP objetivava “contribuir para o ajustamento entre o trabalhador e o trabalho, mediante o
estudo científico das aptidões e vocações do primeiro e dos requisitos psicofisiológicos do
segundo.” (FGV, 1949, p. 7) Justificava-se sua criação sobre a convicção de que “a preponderância
do fator humano entre as questões ligadas à racionalização do trabalho constitui, hoje em dia, ponto
de aceitação pacífica.” (FGV, 1949, p. 7-16) Na apresentação do periódico, assim se expressara
Luiz Simões Lopes, então presidente da FGV:

A publicação destes Arquivos visa conclamar os que estudam o assunto do ponto de


vista científico, os profissionais da psicotécnica, os nossos administradores,
empregadores, nas atividades públicas ou privadas, “consumidores” do fator
humano, que tanto necessitam de mão de obra adequada, encetarmos, juntos, uma
forte campanha de aumento da produção nacional, de maior rendimento, de maior
felicidade no trabalho, através da Seleção e da Orientação Profissional. (1949, p. 2)

O ISEB, por seu turno, criado em 1955 e extinto com o golpe de abril de 1964, aglutinou
intelectuais à direita e à esquerda do espectro político: Roberto Campos, Hélio Jaguaribe, Cândido
Mendes, Guerreiro Ramos, Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré... Coube ao Instituto a formulação
da ideologia do desenvolvimento nacional (TOLEDO, 1978), ideologia que definiria a forma
assumida pela psicologia brasileira no período. Entre os intelectuais influenciados pelas
formulações isebianas que definiram o curso da história da psicologia, destaca-se a figura do
educador Paulo Freire10.

informações e obras de referência sobre o papel de Lourenço Filho na história da psicologia brasileira, cf. Dicionário
biográfico da psicologia no Brasil, organizado por Regina Helena de Freitas Campos (2001, p. 209-211).
8Para mais informações sobre a história do ISOP, de sua criação, em 1947, à sua extinção, em 1990, cf. Dicionário

histórico de instituições de psicologia no Brasil (JACÓ-VILELA, 2011, p. 350-351).


9O periódico Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, instrumento de divulgação dos trabalhos do Instituto, foi criado em

1949. Extinto em 1968, passou a chamar-se Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada e, posteriormente, Arquivos
Brasileiros de Psicologia (JACÓ-VILELA, 2011, p. 350; PORTUGAL, 2009).
10A importância de Paulo Freire na estratégia democrática e nacional e sua dívida para com o ISEB foram evidenciadas

por Paiva, em Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista (1980). Convém assinalar sua igual importância para o
Como mostrou Antunes, referindo-se ao processo de autonomização da psicologia,

foi nesse período que a Psicologia, respondendo a demandas impostas pelo modelo
desenvolvimentista de economia e de uma política de intervenção do Estado no
processo produtivo, se estabelece como ciência reconhecida e se consolidam as
modalidades de atuação prática que, pode-se dizer, gestaram as condições para sua
consolidação como ciência e profissão, sendo essa última a que se oficializaria a
partir da Lei nº 4119 (2012, p. 57-58, grifo nosso).

A nova ciência fundava-se numa “concepção política de ‘colaboração de classe’, eliminando


as contradições e conflitos presentes na relação entre capital e trabalho” (idem, p. 85). A Psicologia
e a Pedagodia que se desenvolviam no período não eram mais que “manifestações de um projeto
social para o Brasil, calcado no ideal da modernização e da elevação do país ao patamar das nações
ricas e poderosas.” (idem, p. 84) Visavam, antes de tudo, a construção de “um novo homem,
adequado aos novos tempos” (ANTUNES, 2012, p. 53).

Assim, a Psicologia se desenvolve, se fortalece e se consolida, como ciência e


profissão, na medida de sua capacidade de responder às necessidades geradas por
um projeto político, econômico e social dirigido pela nova classe dominante, a
emergente burguesia industrial, que tem na modernização a base para suas
realizações no campo das ideias e da gestão de seus negócios e da sociedade (idem,
p. 58).

Freitas demonstrara ter acordo com a interpretação de Antunes. Analisando a história da


psicologia comunitária no Brasil, a autora observou que, nesse mesmo período, “o Brasil passava
por mudanças no seu modelo produtivo, saindo do agropecuário e ingressando no agroindustrial, o
que exigia a preparação de uma nova mão-de-obra, mais afeita às demandas de um sistema fabril”
(1996, p. 56).

Dentro deste clima do chamado desenvolvimentismo, o Brasil atravessa a década de


50, assistindo, em diversos locais, cidades e estados, a realização de vários
trabalhos, junto aos setores mais desfavorecidos da população, quase todos com
fortes elementos assistencialistas e paternalistas (idem, p. 57, grifos nossos).

Vimos, no entanto, que tanto setores à esquerda quanto à direita do espectro político
estiveram engajados na promoção do desenvolvimento nacional. Por parte da esquerda, a
modernização capitalista era encarada como etapa necessária para a revolução socialista. Isso nos
parece elemento importante para a crítica de um dualismo presente na historiografia da psicologia
brasileira que conduz a avaliar quase toda a psicologia anterior à década de 1970 como sendo
conservadora porque dedicada ao desenvolvimento do capitalismo. Opõe-se, no mais das vezes

ciclo democrático-popular e sua estratégia, como se depreende do destaque conferido à sua pedagogia para o
desenvolvimento da democracia e da consciência cidadã (GASPARELLO, 2002).
moralmente, uma psicologia conservadora a uma psicologia progressista. Mas, apesar dos
equívocos da estratégia democrático-nacional terem revelado o caráter politicamente conservador
das intenções mais progressistas, não devemos ignorar que alguns psicólogos do período
compreendiam o desenvolvimento como parte de uma estratégia político-revolucionária.
Conforme procuraremos demonstrar, se por um lado, nem toda psicologia politicamente
comprometida com o desenvolvimento do capitalismo é necessariamente conservadora do ponto de
vista moral (uma vez que a tal desenvolvimento pode ser compreendido dentro de uma estratégia
que visa, em última instância, a superação do capitalismo), assim também nem toda psicologia
moralmente comprometida com a superação do capitalismo é necessariamente progressista do ponto
de vista político (uma vez que, contrariamente aos seus propósitos, pode ser funcional à reprodução
da dominação e da hegemonia burguesas e, portanto, à sua supremacia).
Mas, retornemos à nossa argumentação. Mostrávamos, a partir de Antunes e Freitas, que,
entre as décadas de 1930 e 1960, a psicologia brasileira esteve sob o signo do desenvolvimentismo.
(ANTUNES, 2012, 2017; FREITAS, 1996). Freitas, em particular, apontava que “o Brasil atravessa
a década de 50, assistindo, em diversos locais, cidades e estados, a realização de vários trabalhos,
junto aos setores mais desfavorecidos da população, quase todos com fortes elementos
assistencialistas e paternalistas” (idem, ibidem, grifos nossos). Apontava, ainda, que esses trabalhos
“atendiam aos interesses das elites econômicas do país, cujos profissionais, em sua maioria
provenientes das ciências humanas e sociais, ocupavam nesses projetos funções estratégicas
destinadas à prestação de serviços básicos à população” (idem, p. 56-57, grifos nossos).
Não temos muito a acrescentar à interpretação de Freitas, com exceção de uma observação.
Ao identificar os interesses das classes dominantes brasileiras aos interesses das “elites
econômicas” e seus “profissionais” (idem, ibidem), opondo setores sociais “mais favorecidos” a
“setores sociais menos favorecidos” (idem, ibidem), Freitas parece-nos sugerir que as classes
dominantes brasileiras necessariamente identificam-se com seus funcionários, compartilhando de
sua origem e situação econômico-social. Parece-nos, portanto, que Freitas não vislumbrava a
possibilidade de que as classes dominantes brasileiras pudessem vir a realizar seus projetos político-
ideológicos e defender seus interesses materiais por meio da cooptação de funcionários colhidos no
campo de outros setores sociais, como, por exemplo, os “setores sociais menos favorecidos”, para
além das camadas médias ou intermediárias.
Conforme nos mostrou Fernandes, a solução encontrada pelas classes dominantes para
barrar o ascenso da classe trabalhadora brasileira, no que se configurou como o desfecho do ciclo
democrático-nacional, consistiu num golpe e na consolidação de uma autocracia (FERNANDES,
1976, p. 297). Para Fernandes, a revolução burguesa no Brasil, diferentemente das revoluções
burguesas clássicas, não contou com o apoio expressivo das grandes massas populares. Antes,
impondo-se “pelo alto”, prescindindo da aliança com os “de baixo”, a burguesia e seus aliados
lograram impor seu domínio de classe com o seguinte ônus: a conformação de um bloco de classes
diminuto e sem legitimidade social.
Como veremos, será essa a principal questão que as classes dominantes brasileiras buscarão
resolver no período histórico imediatamente seguinte: a questão da legitimidade de seu domínio ou,
em termos gramscianos, a questão de sua hegemonia.
Segundo Iasi (2017), a solução para essa questão passou pela consolidação daquilo que
Florestan Fernandes previra como um dos desfechos, embora improvável, para a autocracia
burguesa: uma democracia de cooptação.

O PT ofereceu a saída para esse impasse. Organizou o consenso em torno de uma


alternativa que garantia os patamares de acumulação de capitais e o apassivamento
dos trabalhadores nos limites da ordem burguesa em troca de dois aspectos
essenciais: emprego e capacidade de consumo para os empregados, e programas
sociais compensatórios, focalizados e neoassistenciais, para os miseráveis (IASI,
2017, p. 311).

A constituição de uma democracia de cooptação e o concomitante apassivamento da classe


trabalhadora brasileira passou pela assimilação de aparelhos criados a partir de suas lutas contras as
expressões mais diretas do domínio burguês no Brasil durante o regime ditatorial. A origem social
de classe desses aparelhos cumpriu papel indispensável neste processo de cooptação. Como
demonstrou Iasi,

O PT não foi o protagonista de uma alternativa socialista para o Brasil, foi o


protagonista indispensável para a consolidação de uma democracia de cooptação e,
com ela, a consolidação de uma ordem burguesa em nosso país. A origem social de
classe do PT e seu comprotimento inicial com as demandas populares não garantem
ad eternum sua localização no campo da perspectiva socialista e revolucionária
(idem, p. 312).

A dominação burguesa no Brasil conquistaria, enfim, sua tão sonhada hegemonia.

A ordem burguesa, cujo desenvolvimento econômico logrou consolidar-se sob a


forma de uma autocracia, encontrou as condições para chegar à forma madura de sua
expressão política em uma sociedade civil burguesa, sob a forma democrática
constrangida pelas determinações da forma capitalista que lhe serve de base.
Transitamos, finalmente, de uma dominação “sem hegemonia” para uma forma de
dominação burguesa “com hegemonia”. Isso não seria possível sem o PT (idem, p.
312).

A conformação do PT e sua funcionalização à dominação burguesa no Brasil deu -se por um


processo de “inflexão conservadora” (IASI, 2012b) que coincide com o movimento a que o
marxista sardo chamou de “transformismo” (GRAMSCI, 2011, p. 318). Como veremos, esse
movimento será uma constante do ciclo democrático-popular, repercutindo decisivamente sobre a
história da psicologia crítica brasileira.

O ciclo democrático e popular, sua estratégia e seus aparelhos

Consideramos o ciclo democrático-popular como sendo o ciclo histórico aberto no final da


década de 1970 com o ascenso das lutas operárias, sindicais e populares contra as políticas de
arrocho salarial, o aumento do custo de vida e o rebaixamento dos salários pela inflação, lutas que
ganharam destaque com as greves do ABC paulista 11. Datam do início deste ciclo o surgimento do
“novo sindicalismo”, com seu novo modo de condução das lutas; das oposições sindicais,
organizações sindicais extra-oficiais, fundadas nas comissões de fábricas; dos movimentos sociais
contra as restrições impostas pela forma autocrática assumida pelo Estado burguês desde o golpe de
1964, movimentos esses apoiados, em larga medida, por setores progressistas da Igreja Católica, em
grande parte vinculados à Teologia da Libertação (MENEGUELLO, 1989).
Este ciclo histórico, que se pautou, basicamente, pelo “processo de alargamento da
democracia, compreendido como a ampliação progressiva de um conjunto de direitos e de
participação política, através da pressão dos movimentos sociais e da ocupação dos espaços no
Estado” (MARTINS et al., 2014, p. 360), caracterizou-se por haver desenvolvido, ele também, uma
ideologia e uma estratégia particulares, bem como aparelhos voltados à elaboração e difusão das
mesmas.
Em que pese haver nascido prenhe de viva radicalidade revolucionária, o descenso da classe
trabalhadora brasileira ao longo do ciclo democrático-popular deu lugar à ideologia da participação
social (AVRITZER, 2009). Na psicologia, essa ideologia tem assumido a forma do que começa a
ser chamado de ideologia do compromisso social (SILVA, 2015). Sua marca principal consiste em
limitar a ideia de emancipação aos quadros da emancipação política e, portanto, à sociabilidade
burguesa (MARX, 2010), sendo constituída pelos conceitos de cidadania, democracia participativa,
inclusão social, justiça social, solidariedade, desenvolvimento social sustentado, economia solidária,
além do clamor pela defesa e ampliação de direitos através de políticas públicas e sociais de caráter
não-assistencialista (“não dar o peixe, mas ensinar a pescar”) e da iniciativa do assim chamado
“terceiro setor” (IOSCHPE, 2005; YAMAMOTO, 1996, 2007, 2012).

11Iasi
(2009), tratando do fenômeno de fusão da classe trabalhadora no ano de 1979, assim resumiu o ascenso grevista:
“Em 1978, começam as primeiras greves na Mercedes, na Ford e, depois, no dia 12 de maio, na Saab-Scânia. Em 1979,
já eram mais de três milhões de trabalhadores em greve em 15 estados brasileiros, entre metalúrgicos em São Paulo e no
Rio, cortadores de cana no nordeste, petroleiros, trabalhadores da construção civil, funcionários públicos (em 1979,
houve mais de 400 greves no funcionalismo público) e muitos outros” (2009, p. 5).
A estratégia desse ciclo nutriu-se da crítica ao etapismo da estratégia democrática e
nacional. Seu ponto nodal consistia em negar, a princípio, qualquer aliança com a burguesia,
colocando abertamente a questão do socialismo (IASI, 2011, 2012a, 2012b, 2017). Supunha -se que
o movimento articulado, sob direção da classe trabalhadora, de ampliação de direitos e de
participação política mediante a pressão dos movimentos sociais e da ocupação dos espaços no
Estado – sintetizado na metáfora da pinça (GUIMARÃES, 1990) – levaria ao conflito com os
interesses de nossas classes dominantes, histórica e estruturalmente inflexíveis (FERNANDES,
1976). “É desse choque que emergiria a necessidade do socialismo” (MARTINS et al., 2014, p.
360).
No entanto, sob o impacto da dissolução do bloco socialista e a queda do muro de Berlim
(NETTO, 2007), das derrotas do movimento sindical (MENEGUELLO, 1989), das transformações
impostas pela “reestruturação capitalista” (TUMOLO, 2002) e das disputas internas ao PT
(COELHO NETO, 2005), essa estratégia sofreu uma “inflexão conservadora” (IASI, 2012b).
Conforme Iasi observou, noutra ocasião,

A dinâmica dos ciclos da luta de classes não é determinada apenas pelas condições
estruturais de uma época revolucionária. As classes encontram-se imersas em
vetores conjunturais, em uma correlação de forças, bebem de uma herança política e
cultural, de maneira que sua própria ação conduz a desdobramentos que, nas
palavras de Engels, constituem um conjunto de ações e reações recíprocas que
levam a um ou outro desfecho, bem distinto daquele que se esperava (2009, p. 17-
18).

Dessa inflexão e seus impactos sobre os principais aparelhos criados pela classe
trabalhadora brasileira, trataremos na sequência do texto. Nesse momento, cumpre lembrar que,
ainda sob a vigência do regime ditatorial, com a crise mundial do início dos anos de 1970, a
economia brasileira entrou em recessão. As altas inflacionárias e o arrocho salarial impunham duras
condições de vida à classe trabalhadora. O “milagre econômico” chegava ao seu fim, sem que o
bolo fosse repartido. Essa situação minava as bases de sustentação do regime ditatorial e exigia uma
nova forma para a manutenção do domínio burguês, uma vez que a dominação burguesa no Brasil
encontrava dificuldades para manter-se sob a forma autocrática. Enquanto a alta cúpula do regime
militar dividia-se entre o recrudescimento do regime e a “abertura lenta, gradual e segura”, e a
grande burguesia monopolista debatia-se entre a repressão ao movimento sindical e a negociação
(IASI, 2009, p. 16), as classes subalternas brasileiras, dirigidas pela classe operária, gestavam, no
seio da sociedade civil, novos aparelhos.
Segundo Carvalho, cujo trabalho analisaremos mais adiante, quando tratarmos do
desenvolvimento da psicologia crítica no ciclo democrático-popular,
a forma-ditadura do Estado burguês não mais se sustentava economicamente; no
terreno da luta de classes, onde se decidem, ao fim das contas, os problemas de
economia, já estavam constituídos dois dos principais instrumentos de organização e
luta da classe trabalhadora brasileira no período: a CUT e o PT (2014, p. 91).

O PT é, sem sombra de dúvidas, um dos aparelhos privados de hegemonia mais


significativos desse novo ciclo. Nascido das lutas do assim chamado “novo sindicalismo”, o PT
logrou aglutinar em torno de si todo um conjunto de forças sociais. Enquanto pólo aglutinador, as
bandeiras empunhadas pelo “novo sindicalismo” foram decisivas para a conformação do grande
bloco de forças que poria em xeque o regime ditatorial, inaugurando o ciclo democrático-popular
(IASI, 2012a, 2012b, 2017; MENEGUELLO, 1989).
No entanto, apesar de ter se apresentado como superação da estratégia democrática e
nacional, o PT acabou reapresentando o etapismo e o desenvolvimentismo que a caracterizaram,
como se depreende de sua suposição da imaturidade da formação social brasileira para a revolução
socialista, deduzindo disso a “necessidade de acumulação de forças dentro da ordem para que se
amadureçam as condições objetivas e subjetivas para a mesma” (SOUZA, 2013, p. 56).
Em seu livro As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o
consentimento, analisando os principais documentos oficiais do partido, Iasi (2012a) mostrou o
movimento que redundou na acomodação do PT aos limites da ordem burguesa. Esse movimento
teria levado o partido, segundo as palavras de Figueiredo, à retomada de velhos “fetiches
desenvolvimentistas e nacionais” (2014, p. 64). Assim sintetizou Musse o movimento realizado
pelo PT:

Organizado a partir das lutas concretas, sindicais, como um movimento político de


afirmação da independência e autonomia da classe operária, o PT apresenta-se,
inicialmente, como representante da “classe trabalhadora”; depois, do conjunto dos
“trabalhadores”; em seguida do “povo”; e, por fim, dos “cidadãos”. A passagem da
“classe” à “nação” atesta a prevalência da estratégia do “gradualismo reformista” e
a subordinação à tática eleitoral, que redefiniram o horizonte social, político e
econômico do projeto partidário (apud IASI, 2012a, p. 10).

A CUT é outra das principais expressões do ciclo democrático-popular. Criada em 1983, ela
deu forma institucional ao “novo sindicalismo”, vindo a tornar-se a maior central sindical do país e
o principal instrumento de organização e luta da classe trabalhadora brasileira.
Pela importância da CUT enquanto instrumento de organização e luta da classe trabalhadora
brasileira no ciclo democrático e popular e pela centralidade desse aparelho na análise de caso que
faremos na seção seguinte, conceda o leitor que façamos um exame mais demorado de seu
desenvolvimento.
No livro Da contestação à conformação: a formação sindical da CUT e a reestruturação
capitalista, Tumolo (2002) desvelou os momentos do movimento que levou a política de formação
da maior central sindical do país a transformar-se de uma formação política classista e
anticapitalista numa mescla de formação instrumental e qualificação profissional.
Segundo o autor, esse movimento de capitulação correspondia à reorientação estratégica da
Central, como resposta política às transformações do mundo do trabalho e às derrotas do
movimento sindical que se acumularam ao longo dos anos de 1980 (idem, p. 102-106).
Como resultado desse movimento, a CUT acabaria por sucumbir às exigências imediatas
postas pela sociabilidade do capital, abandonando paulatinamente uma perspectiva classista e
anticapitalista, substituindo-a pela ideia do “sindicato cidadão”. O principal instrumento de
organização e luta da classe trabalhadora brasileira transformava-se, não sem divergências e
contradições internas, em elemento de cooptação e apassivamento.
Assim Tumolo resumiu as fases do desenvolvimento da Central:

Primeiramente, aquela que vai de 1978-1983 até aproximadamente 1988, que se


caracteriza por uma ação sindical combativa e de confronto. A segunda, cujo
período aproximado é de 1988 a 1991, que pode ser classificada como a fase de
transição e, por último, a mais recente, caracterizada por um sindicalismo
propositivo e negociador. Trata-se, portanto, de uma mudança política substancial,
de um sindicalismo combativo e de confronto, de cunho classista e com uma
perspectiva socialista, para uma ação sindical pautada pelo trinômio
proposição/negociação/participação dentro da ordem capitalista que,
gradativamente, perde o caráter classista em troca do horizonte da cidadania
(idem, p. 129, grifos do autor).

Entre os elementos que caracterizaram a conformação da CUT, Tumolo destacou sua


burocratização; a permanência dos aspectos da estrutura sindical oficial; a filiação à Confederação
Internacional das Organizações Sindicais Livres (CIOLS), de orientação marca damente
conciliatória; a concentração na disputa com outras centrais sindicais, dentre as quais a Força
Sindical; a política de participação no entendimento nacional, especialmente nas chamadas
“câmaras setoriais”. O conjunto desses elementos marcou “a resposta política construída pela
Central para a realidade presente” (idem, p. 131). Isso explicaria, segundo Tumolo, “a CUT do sim
dos ano 90 como superação da CUT do não dos ano 80” (idem, p. 132, grifos do autor).
Para os propósitos da análise que efetuaremos na seção seguinte, cumpre observar que essa
reorientação estratégica da CUT teve impactos diretos na política de formação da Central.
Segundo Tumolo, “a formação sindical vai se transmutando na medida da mudança da estratégia
política da CUT, que vai perdendo, paulatinamente, seu perspectiva classista e anticapitalista”
(idem, p. 181).

O resultado disso é que na sua constituição, a partir de 1987, reforçando-se na virada


da década, a formação sindical da CUT vai adquirindo, gradativamente, um caráter
cada vez mais de formação instrumental, que busca preparar os militantes para
atender às demandas da conjuntura e do cotidiano ou, ainda, que aborda questões
específicas, vale dizer, uma formação que lida com os aspectos conjunturais, do que
uma formação de base que propiciasse uma apreensão da realidade social em sua
dinamicidade contraditória, tendo como eixo central a luta antagônica entre as
classes sociais fundamentais, ou seja, uma formação que tratasse dos elementos
estruturais em seu movimento de múltiplas contradições (idem, p. 181-182, grifos
do autor).

A CUT decide pela implementação de uma política de formação profissional para “permitir
ao trabalhador desempregado voltar a trabalhar de forma digna” (idem, p. 192-195, grifos do
autor). A requalificação profissional passa, então, a ser concebida como tarefa dos próprios
trabalhadores e de sua central sindical, “um serviço de fundamental importância [...] para os
atingidos por desemprego decorrente de alguma modernização tecnológica” (idem, p. 195).
Como destacou Tumolo, nota-se que nessa formulação “há um vínculo direto e imediato
entre desemprego e qualificação profissional ou requalificação profissional, ou seja, essas últimas
são vistas como soluções para o desemprego, razão pela qual passam a ter uma importância
fundamental” (idem, ibidem).
Mas onde estaria o grande problema desse movimento? Ora, como nosso autor resume bem,
“não existe nenhuma comprovação empírica, a não ser localizada e conjuntural, de que a uma maior
e melhor qualificação da força de trabalho corresponda um incremento nas oportunidades totais de
emprego e, pode-se dizer também, de outras alternativas de renda” (idem, p. 197).
O fato é que a busca por respostas imediatas para o desemprego deu lugar às “políticas
alternativas”, que marcariam a inflexão conservadora realizada pela Central.
Uma das políticas alternativas mais expressivas consistiu na criação do Programa Integrar.
Segundo Maria Nilde Mascellani, principal formuladora do projeto pedagógico do Programa,
publicado sob a forma do livro Uma pedagogia para o trabalhador: o ensino vocacional como base
para uma proposta pedagógica de capacitação profissional de trabalhadores desempregados
(Programa Integrar CNM/CUT),

À época, 1995, a imprensa com frequência apresentava reportagens feitas em portas


de fábricas ou locais de aglomeração de trabalhadores. Sucediam-se depoimentos
comoventes sobre a situação que estavam vivendo. A busca de um novo emprego
esbarrava quase sempre na exigência de escolarização, pelo menos do 1º grau.
Procuravam também os serviços públicos de atendimento aos desempregados, na
maioria das vezes, sem êxito. Este dado nos pareceu crucial, ou seja, qualquer ação
dirigida aos desempregados deveria passar necessariamente pela escolarização. E
por que não uma escolarização que assimilasse a formação profissional e desse a
oportunidade de certificação? Foi dessa iniciativa que surgir o Programa Integral
(sic), de capacitação para trabalhadores desempregados" (2010, p. 165-166).
A perspectiva de um “mundo em mudanças” exigia respostas rápidas e imediatas. Como
assinalava Mascellani, “conseguir um emprego, mesmo ao preço da exploração, é o sonho da
imensa maioria da população trabalhadora (idem, p. 161, grifos nossos). Urgia encontrar uma
solução para o problema. Segundo afirmaria, em matéria para o jornal Folha de São Paulo, de 29 de
dezembro de 1999, "tratava-se de uma questão social que exigia resposta rápida." (MASINI, 1999,
n. p.)

Em meados de 1998, foi publicada, pela CUT [...] uma brochura do projeto
Formação Integral denominada “Trabalho e educação num mundo de mudanças” -
Caderno de apoio às atividades de Formação do Programa Nacional de Formação e
Capacitação de Conselheiros (TUMOLO, 2002, p. 200).

Segundo Tumolo, a referida brochura tratava de temas como “globalização”,


“neoliberalismo”, “reestruturação produtiva”, “desestruturação neoliberal” e “modernização
conservadora”, bem como “redes de produção autônoma” baseadas na lógica da “economia
solidária”. O autor observou ainda que todas as propostas articulavam-se a um “novo projeto de
desenvolvimento nacional”, cujo desafio fundamental seria o da “inclusão social” ou “a construção
de uma ‘sociedade cidadã’, ou seja, ‘um modelo alternativo de sociedade, baseado na democracia e
na justiça social’” (idem, p. 206).
Quanto à economia solidária, é deveras expressiva a passagem em que o documento parte
em sua defesa. Paul Singer, intelectual destacado dos quadros do PT, afirmava no texto que "Tudo
leva a acreditar que a economia solidária permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos que
esperam em vão um novo emprego a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria,
individual ou coletivamente” (SINGER apud TUMOLO, 2002, p. 204-205, grifos nossos). O autor
ainda se permitia o seguinte prognóstico:

se a economia solidária se consolidar e atingir dimensões significativas, ela se


tornará competidora do grande capital em diversos mercados. O que poderá
recolocar a competição sistêmica, ou seja, a competição entre um modo de produção
movido pela concorrência intercapitalista e outro movido pela cooperação entre as
unidades produtivas de diferentes espécies, contratualmente ligadas por laços de
solidariedade. Sem guerra-fria, sem ameaça atômica, os homens voltarão a poder
escolher e experimentar formas alternativas de organizar a vida econômica e social
(idem, ibidem).

De acordo com Tumolo, as ideias ali expostas assemelhavam-se a “uma espécie de mistura
de aspectos de um projeto ‘nacional-social-democrata’ com elementos próximos de uma proposta
de socialismo utópico” (idem, p. 208), e que “a análise da realidade ali desenvolvida [...] só poderia
resultar em estratégias ilusórias e sedutoras” (idem, p. 211, grifos nossos). Além disso, segundo o
autor, todos os textos norteadores do Programa desprezavam a análise do modo de produção
capitalista em sua totalidade e processualidade históricas, resumindo-se todos, sem exceção, à

análise conjuntural, que não ascede à totalidade e se restringe aos elementos de


manifestação da realidade presente e, dessa forma, não discutem o capitalismo
contemporâneo balizados por uma análise da totalidade social, que leve em conta os
elementos estruturantes e as contradições que regem a dinâmica de desenvolvimento
capitalista, em seu atual estágio de acumulação (idem, p. 207).

Buscando evitar interpretações de natureza idealista e reducionista, Tumolo concluiu sua


análise frisando que, segundo sua interpretação, a reorientação geral da política de formação da
CUT não se resumia a simples erro teórico, sendo, antes, uma “opção teórico-política”, uma
“escolha política” em resposta aos impasses enfrentados pelo movimento sindical e operário
brasileiros (idem, 211).
O desenvolvimento do projeto e os vultuosos recursos provenientes do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (TUMOLO, 2002, p. 198-199) fizeram com que o Programa rapidamente se
expandisse, passando a incluir a “capacitação de dirigentes sindicais” (MASCELLANI, 2010, p.
189). A esse respeito, Mascellani observava, à época, que

Não se trata aqui, propriamente, do Programa Integrar; entretanto, do ponto de vista


curricular, este Programa trabalha com alguns objetivos comuns e com metodologias
e formas de avaliação muito próximas. O Programa será implantado neste ano de
1999, atingindo cerca de 500 dirigentes em todo Brasil. Os dirigentes serão
organizados em grandes grupos pelo critério de pertencimento às regiões
geopolíticas do Brasil (idem, p. 189).

A imprensa brasileira não deixou de saudar a iniciativa, como mostra a edição de 03 de


agosto de 2000 do jornal Folha de São Paulo. Em matéria intitulada Estudar pode ser uma saída,
podíamos ler o seguinte: “O Programa Integrar, que existe desde 1996 e é mantido pela CUT e pela
Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), foi criado para ajudar metalúrgicos
desempregados a lidar e a superar o problema por meio da requalificação profissional” (2000, n. p.).
Em matéria anterior, de 07 de junho de 1998, reproduzida na site oficial do Programa Integrar,
Jorge Werthein, representante da UNESCO no Brasil e coordenador do Programa
UNESCO/MERCOSUL, ressaltava o compromisso da educação de adultos com as aspirações de
cidadania do século XXI, o fortalecimento da democracia pela habilitação para o exercício público
da participação e da solidariedade, estratégia insubstituível de proteção aos direitos humanos e de
combate à pobreza, à miséria e à exclusão social. O articulista concluía dizendo que

A consolidação progressiva das estruturas democráticas implica formar a população


para participar plenamente da vida política, social e cultural do país. Incorporando a
essa participação consciente segmentos cada vez mais amplos da população,
contribui-se para fortalecer a democracia e garante-se o seu aperfeiçoamento (1998,
n. p.).

Vemos, assim, que o Programa Integrar, longe de ser uma política exclusiva da CUT,
contava com o apoio de organismos internacionais multilaterais, o que nos leva a crer que o
Programa fazia parte de um projeto político-estratégico de muito maior envergadura. Ao que nos
parece, ao promover a difusão de ideias e valores altermundistas no seio de um dos mais
importantes aparelhos de organização e luta da classe trabalhadora brasileira, colocando a
negociação, o diálogo, a solidariedade e a participação como legítimos sucedâneos da luta de
classes em nosso país, o Programa Integrar participava de uma estratégia política de âmbito
mundial, subordinando-se às diretrizes das tais “frentes móveis de ação internacional” examinadas
por Fontes (2010), entidades sob direção das classes dominantes do capital-imperialismo que
adquirem “relativa autonomia de atuação, embora ancoradas em seus Estados de origem”,
“abertamente sustentadas por generosas doações empresariais (e, em alguns casos, também
governamentais), mas sem vínculos diretos”, podendo “expressar interesses comuns de setores
diversificados” (idem, p. 174).
Essa hipótese, no entanto, não a exploraremos aqui, seja porque isso nos levaria longe de
nossos modestos propósitos, seja porque sua comprovação demanda o aprofundamento de nossa
pesquisa. Importante, agora, é sublinharmos que, mais do que expressão ou reflexo passivo do
movimento de inflexão conservadora da CUT e das principais objetivações do ciclo histórico
democrático e popular, o Programa Integrar parece-nos haver contribuído ativamente para a retirar
do horizonte político-estratégico da classe trabalhadora brasileira aquelas alternativas amparadas no
socialismo revolucionário, comprometido, como tal, com a superação do modo de produção
capitalista pela via da luta de classes e na perspectiva da emancipação humana.
Acontece que, além do PT e da CUT, muitos outros aparelhos participaram da consolidação
do ciclo democrático-popular. Alguns desses aparelhos foram criados pela própria classe
trabalhadora brasileira, em luta contra a autocracia burguesa. Outros aparelhos, por sua vez, criados
em circunstâncias diversas, passaram a compor o arco de alianças do PT e da CUT. Não temos,
obviamente, a pretensão de examiná-los todos. Gostaríamos apenas de mostrar de que maneira um
desses aparelhos, criado por aliados da classe trabalhadora, repercutiu sobre a história da psicologia
brasileira, dando lugar ao desenvolvimento de uma psicologia declaradamente comprometida com a
superação do mimetismo cultural e a subserviência aos interesses imediatos das classes
historicamente dominantes da formação social brasileira.
Esses resultados vão ao encontro da tese de Lacerda Jr. (2010), que mostrou de que maneira
o aparecimento de perspectivas críticas em psicologia esteve historicamente determinado pela
dinâmica da luta de classes, pelo ascenso da classe trabalhadora e por diversos movimentos
insurgentes contra as expressões mais imediatas do modo de produção capitalista.
Após mostrar que “O processo de desenvolvimento histórico da psicologia, enquanto ciência
independente, é incompreensível sem uma análise dos caminhos trilhados pela humanidade desde o
advento das revoluções burguesas” (idem, p. 40), o autor mostrou-nos como o marxismo, enquanto
teoria social comprometida com a superação do modo de produção capitalista, desempenhou papel
de destaque no processo de desenvolvimento da psicologia crítica. Segundo Lacerda Jr., “É com a
penetração do marxismo na psicologia que foram desenvolvidas as mais importantes críticas à
psicologia que ampliaram os horizontes da ciência e este processo encontrou, nas ofensivas
históricas do proletariado, sua força fundamental” (idem, p. 172).
O autor ainda indicou “a íntima associação entre, de um lado, a crítica marxista da
psicologia e, de outro, as tentativas de construir alternativas históricas ao capitalismo” (idem,
ibidem), mostrando haver uma relação concreta entre a história da psicologia e as experiências
revolucionárias encampadas pela classe trabalhadora. De acordo com Lacerda Jr.,

Indicador disto é que boa parte das limitações das críticas marxistas à psicologia
encontram, em última análise, sua raiz nas limitações das revoluções do século
passado. [...] na mesma medida em que as ofensivas proletárias foram cada vez mais
esmagadas ou marcadas por deformações resultantes de revoluções passadas, as
“alternativas” à psicologia tornaram-se cada vez menos “alternativas”; cada vez
mais próximas do pensamento moderno decadente e, portanto, voltaram a ter na
apologética sua força fundamental (idem, ibidem).

Essa íntima associação examinada por pelo autor entre a crítica marxista da psicologia e o
movimento de ascenso e descenso das ofensivas proletárias é do maior interesse para o exame do
movimento que apresentaremos na sequência do texto. Ela nos permite ver como o ciclo
democrático-popular entrelaça-se com o história da psicologia brasileira, a partir do exame do
surgimento de uma variante bastante peculiar de psicologia crítica: a assim chamada psicologia
sócio-histórica ou “Escola de São Paulo de psicologia social” (CARVALHO, 2014).
Vejamos. Em sua tese de doutorado A Escola de São Paulo de Psicologia Social: uma
análise histórica do seu desenvolvimento desde o materialismo histórico-dialético, incontornável a
quem se interesse pelo desenvolvimento da psicologia crítica brasileira, Carvalho (2014)
apresentou-nos em detalhes o surgimento e o desenvolvimento dessa variante da psicologia crítica
coetânea à abertura do ciclo democrático-popular.
Segundo o autor, por psicologia social da Escola de São Paulo devemos entender aquela
variante brasileira de psicologia que nasceu da crítica à psicologia social cognitiva, de matriz norte-
americana, hegemônica na década de 1950. Desenvolvida nas dependências do Programa de
Estudos Pós-graduados em Psicologia Social (PEPG-PSO) da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP) sob os impactos da ditadura empresarial-militar e da “crise da psicologia”
(idem, p. 64-101), seu corpus define-se pelo conjunto de reflexões teórico-metodológicas e de
pesquisas empírico-analíticas efetuadas pelo grupo de estudantes capitaneado por Silvia Lane
(1933-2006), sem prejuízo da diversidade das posições teóricas e dos engajamentos políticos de
seus membros. Afinal, como sublinhou Carvalho, “Tais autores e suas obras estão em relação de
unidade, mas não de identidade: entre eles, há apropriações e aprofundamentos muito diversos do
método histórico-dialético. A Escola de São Paulo é – como qualquer outra escola de pensamento –
uma unidade no diverso” (idem, p. 117).
O autor assim resumiu as quatro (principais) fontes da psicologia social da Escola de São
Paulo: “a) obras clássicas e contemporâneas do marxismo; b) as principais referências da Psicologia
Social Cognitiva; c) os autores de referência europeus da ‘Crise da Psicologia’ e, d) a leitura dos
autores soviéticos” (idem, p. 144).
Conforme nos mostrou Carvalho, essa redefinição da psicologia social prestava-se
declaradamente à transformação da realidade social brasileira na perspectiva da emancipação
humana.

O estudo da consciência, da atividade, da identidade, da linguagem, da ideologia e


da alienação e do processo grupal enquanto constituintes do complexo categorial da
Escola de São Paulo de Psicologia Social apenas adquire seu pleno sentido quando
tem-se em conta que a compreensão de tais fenômenos é um momento (teórico) da
transformação social da realidade. Transformar radicalmente a sociedade era o
objetivo (histórico e não de uma ciência em particular) para o qual pretendia
contribuir as formulações teórico-conceituais da Escola de São Paulo de Psicologia
Social (idem, p. 138).

O autor mostrou-nos de que maneira as ações do regime ditatorial impactaram a psicologia


gestada na PUC-SP, dando lugar aos principais elementos definidores de seu projeto: “a
necessidade de estabelecer um vínculo indissociável entre teoria e prática, a construção de uma
ciência voltada para os problemas históricos da realidade brasileira e latino-americana, bem como a
transformação social da realidade brasileira como leitmotiv” (idem, p. 72). Para Carvalho,

O golpe empresarial-militar foi elemento determinante para a constituição de uma


psicologia social que, além de crítica, orientava-se por certa concepção de
transformação da realidade. Tal postura crítica e transformadora exigia mais que
uma disposição para a transformação, exigia a reformulação dos referenciais
epistemológicos, éticos e teórico-práticos da psicologia social (idem, p. 81).

O movimento nacional pela Reforma Universitária, em 1961, as diretrizes do Documento de


Buga, de 1967, sob o impacto do Concílio Vaticano II, e a natureza jurídica especial da PUC-SP,
contribuíram para salvaguardar a intituição das investidas repressivas do regime ditatorial sobre as
instituições de ensino, como o acordo MEC-USAID e a Lei Suplicy, que visavam a subordinação
do sistema de ensino superior aos ditames imperialistas e o silenciamento do movimento estudantil
organizado. A reestruturação da PUC-SP, realizada entre os anos de 1967 e 1970, sua natureza
jurídica específica e a experiência do “currículo em projetos” (que resultou da ocupação do prédio
da PUC-SP pelos estudantes em luta pela ampliação da vagas, maior democracia universitária e
contra o acordo MEC-USAID, em 1968), criaram condições propícias ao desenvolvimento de uma
perspectiva crítica, na contramão do projeto que o regime ditatorial impunha à educação brasileira.
Em que pese toda essa efervencência no âmbito da graduação em psicologia da PUC-SP, a
sistematização de seus resultados demandou a produção de um espaço reservado de ensino e
pesquisa. “O objetivo de uma revisão crítica das teorias da psicologia social, como almejara Lane,
só seria alcançado, posteriormente, no curso de pós-graduação com as pesquisas realizadas por seus
orientandos” (idem, 2014, p. 79). Segundo Carvalho, “Seria na pós-graduação que a massa crítica
dos fundamentos teórico-filosóficos que embasariam uma concepção de ser humano, de ciência e
sociedade para uma psicologia social seria desenvolvida de modo mais profundo e sistemático
(idem, p. 81). Nascia, assim, um novo aparelho: o PEPG-PSO.
A partir do início de seu funcionamento, em 1972, o PEPG-PSO passaria a aglutinar
professores e estudantes de psicologia avessos à psicologia “tradicional”, conservadora,
individualista e elitista. No entanto, apesar de sua intencionalidade crítica, o PEPG-PSO não passou
incólume às determinações do ciclo democrático-popular. Conforme mostrou Carvalho, a psicologia
social da Escola de São Paulo sofrera um significativo giro ideopolítico a partir da incorporação das
teses do neomarxismo, especialmente aquele de Habermas e Heller. Essa inflexão esteve marcada
pelo abandono da tese da centralidade do trabalho em direção às teses da centralidade das
objetivações sociais e da ação comunicativa; pela negação da classe trabalhadora como sujeito
revolucionário; pelo compromisso ético-político para com a democracia e a promoção da cidadania
e pela admissão, de forma cada vez mais recorrente, das teses do fim da ideologia, da classe
trabalhadora, da luta de classes e da revolução socialista.

Se o golpe empresarial-militar e suas determinações abriram um longo período de


reformulações da psicologia social no Brasil, o ciclo histórico – gestado ainda nesse
período que se findava – que se iniciava com a redemocratização do Brasil, também
respondeu por uma série de transformações ocorridas nas produções da Escola de
São Paulo de Psicologia Social. O conjunto de pressupostos do materialismo
histórico-dialético que fornecia as bases da concepção de ser humano, de sociedade
e do sentido da transformação social da realidade seria revisitado (idem, p. 145).

Carvalho analisou as condições histórico-objetivas do neomarxismo (Habermas e Heller, em


particular), identificando-as às transformações sociomateriais do período de expansão econômica do
pós-guerra, e mostrou de que forma sua apropriação pela Escola de São Paulo determinou seu giro
ideopolítico e a referida revisitação do materialismo histórico-dialético operada por seus
intelectuais. Os traços essenciais dessa inflexão conservadora e antimarxista da Escola de São Paulo
de psicologia social seriam

a saída racionalista [idealista] aos problemas postos, na prática, pelo capitalismo à


humanidade; a negação da luta de classes como expressão do conflito entre capital e
trabalho e de sua importância na dinâmica da transformação da sociedade; a
realização da emancipação política (e, portanto, da própria sociedade burguesa)
como objetivo da transformação social; a recusa da violência como método de ação
política; e a substituição da classe trabalhadora como sujeito da transformação social
pelos “novos sujeitos sociais” (idem, p. 240).

Conquanto Carvalho tenha demonstrado os fundamentos sociomateriais ou as condições


histórico-objetivas do surgimento do neomarxismo, não se ocupou em sua tese em investigar os
fundamentos sociomateriais de sua apropriação pela Escola de São Paulo de psicologia social.
Afinal, cumpre notar que a incorporação do neomarxismo pelos intelectuais da psicologia laneana
(SAWAIA, 2002) deu-se em contexto inteiramente diferente daquele que o viu nascer na Europa.
Enquanto o neomarxismo teria sido o fruto ideológico do período de expansão econômica dos
países centrais, sua apropriação deu-se, no Brasil, em tempos de neoliberalismo, com todos os
impactos sociais sobre a classe trabalhadora que tão bem conhecemos. Corre-se o risco, dessa
forma, de uma interpretação idealista para o giro ideopolítico dessa Escola, e de uma condenação
exclusivamente moral de sua inflexão conservadora.
Mas, voltemos à nossa argumentação. Até o presente momento, buscamos apresentar as
estratégias e alguns aparelhos de dois ciclos históricos de nossa formação social. No que diz
respeito ao ciclo democrático-popular, vimos como aparelhos criados pela classe trabalhadora e
seus aliados sofreram um processo de transformismo que se caracterizou, fundamentalmente, pela
progressiva acomodação e conformação aos limites estreitos da sociabilidade burguesa e suas
formas de participação social.
A psicologia surgida no ciclo democrático e popular, como vimos, não fugiu dessa regra
geral. Acontece que, aparentemente, ela não se contentou em refletir passivamente esse processo de
transformismo que procuramos, em suas linhas gerais, apresentar nas páginas anteriores. Na seção
seguinte, analisaremos um caso que nos parece emblemático da participação ativa da psicologia
crítica brasileira nesse processo de transformismo, processo este onde se cruzam, de maneira
orgânica, PT, CUT e a Escola de São Paulo de psicologia social. Ao que nos parece, essa
participação constitui elemento importante no movimento de formação daquilo que Gramsci nomeu
“Estado integral” (LIGUORI e VOZA, 2017, p. 261-264), movimento a partir do qual o Estado
strictu sensu amplia seu âmbito de atuação ao articular-se organicamente com as demais esferas
superestruturais, dentre as quais a “sociedade civil”.
Vejamos, então, se a psicologia sócio-histórica, psicologia crítica desenvolvida durante o
ciclo democrático-popular, de fato participou ou não desse movimento de “integralização” do
Estado brasileiro.

Psicologia e dominação burguesa no Brasil: o caso do Programa Integrar

É conhecida a participação ativa da PUC-SP no processo de formação do PT e de outros


aparelhos do ciclo democrático-popular. Como nos mostrou Meneguello, analisando o processo de
formação do PT:

Fundamentalmente em São Paulo, a maioria dos intelectuais envolvidos nas


discussões partidárias eram elementos ligados ao CEBRAP (Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento), CEDEC, (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea),
UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas - SP), USP (Universidade de São
Paulo) e PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) (1989, p. 61).

Essa participação também envolveu diretamente a psicologia gestada na PUC-SP. Como no


contou Bock, nos anos de 1980, “A partir de um grupo de psicólogos reunidos no Instituto Sedes
Sapientiae, grupo este que fez um estudo assistemático da profissão, lançou-se uma chapa de
oposição à direção do Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo (1999, p. 80). Segundo a
autora, a ação decorria da insatisfação do grupo com as práticas do sindicato, marcadamente
corporativistas e conservadoras e, conforme nos mostrou Hur, abertamente coniventes com o
regime ditatorial (HUR, 2009, 2012).

Neste momento, pode-se dizer que já havia na categoria um avanço e uma


organização política embrionária. A ocupação das entidades era consequência desse
avanço. Portanto, deste ano para a frente, estas entidades - Sindicato [dos Psicólogos
do Estado de São Paulo] e Conselho Regional [de Psicologia - 6ª - SP],
posteriormente Conselho Federal de Psicologia e Federação dos Psicólogos - passam
a ter um papel importante na categoria e sua história. São encontros, congressos,
debates, publicações que refletem claramente uma política de compromisso das
entidades com o avanço da categoria, avanço sempre compreendido como uma
transformação na direção das necessidades da maioria da população, e com a
realidade brasileira (BOCK, 1999, p. 81).

Ainda segundo Bock, “Os psicólogos começavam a assumir lutas ao lado dos trabalhadores,
participando na reconstrução do movimento sindical e na construção da CUT” (idem, p. 81-88). A
psicologia assumia uma posição de classe. “Em 28 de agosto de 1983, com a presença e
participação do Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo, é fundada a CUT – Central Única
dos Trabalhadores. Em outubro desse mesmo ano, o Sindicato decide, em Assembleia, pela sua
filiação à Central.” (idem, ibidem)
Desde então, psicólogos que fizeram parte desse grupo têm participado da construção do
consenso em torno dos conceitos e valores do ciclo democrático-popular. Um exemplo é a própria
Ana Mercês Maria Bock, psicóloga formada nas dependências da PUC-SP, ex-aluna e ex-
orientanda de Silvia Lane e hoje professora titular dessa Universidade. Bock foi presidente do
Conselho Federal de Psicologia por três gestões e atualmente é presidente do Instituto Silvia Lane -
Psicologia e Compromisso Social. Na apresentação à 6ª edição do livro Psicologia Sócio-histórica:
uma perspectiva crítica em Psicologia, publicada em 2015, comentando algumas das mudanças na
realidade social brasileira desde a primeira edição do livro, em 2001, Bock dizia que

No cenário nacional, os Fóruns Sociais Mundiais que aconteciam no Brasil traziam a


necessidade de pensar criticamente as ciências e sua contribuição para a construção
de outro mundo possível. E a vitória de Lula para a presidência da República, em
2003 [2002], abria um novo cenário de possibilidades de atuação profissional e
pesquisa, em prol do enfrentamento das questões sociais de nossa sociedade (2015,
p. 12-13).

Como diria mais tarde, na apresentação de Psicologia e compromisso social, tratava-se de


“rever o compromisso assumido pela Psicologia na sua história”; de “enfrentar desafios que a
Psicologia nos coloca cotidianamente e buscar soluções que efetivamente viabilizem um novo
compromisso para a Psicologia com a sociedade brasileira”; de buscar “um novo futuro e uma nova
história para a Psicologia no Brasil”; de “contribuir como psicólogos para a construção de políticas
públicas a partir da perspectiva da Psicologia.” (2009, p. 10-11). No capítulo Psicologia e sua
ideologia: 40 anos de compromisso com as elites, Bock observava que o psicólogo, em meados
1990, ainda estava distante das camadas populares, “‘atuando em consultórios particulares’, ‘caros
e, portanto, inacessíveis à população pobre do país.’” (idem, p. 19) O compromisso social da
psicologia consistiria, pois, em ampliar o alcance social da profissão, sendo que o eixo central desse
engajamento consistiria na compreesão do compromisso social “como qualidade técnica, como
postura ética e como empenho cidadão” (idem, p. 10) Para ela,

o recado principal está, exatamente, na questão da necessidade de, como psicólogos,


nos dedicarmos e nos capacitarmos para contribuir na construção de políticas
públicas, pois esta é a maneira de ampliarmos nosso compromisso com a sociedade,
colocando a Psicologia ao alcance de quem dela necessite ou queira” (idem, p. 11).

Outro psicólogo formado nas dependências da PUC-SP que se envolveu diretamente com a
construção e consolidação do ciclo democrático-popular e seus aparelhos foi Pedro Pontual. Pontual
foi diretor do Departamento de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República
do governo Dilma Roussef. Em entrevista para o CRP SP, em 2001, Pontual era apresentado como
“Psicólogo e educador, discípulo de Paulo Freire e atual secretário de Participação e Cidadania da
Prefeitura de Santo André, SP”, com “uma trajetória extensa e marcada pelo compromisso social”
(PONTUAL, n. p.). Na entrevista, ao ser questionado sobre o que é fazer política, Pontual
respondeu o seguinte:

Fazer política hoje é, para mim, colocar o instrumental profissional que construí,
como psicólogo e educador, a serviço do “empoderamento” das pessoas, como
indivíduos e como coletividade. Para quê? Primeiro para ampliar, aprofundar e
alargar os estreitos limites de nossa democracia. Um país não pode se contentar com
o direito de votar nos seus representantes. Isso é importante, uma conquista
fundamental, mas democracia é muito mais: significa cidadãos participando das
decisões que afetam seu cotidiano, como atores-protagonistas do espaço público. Há
muito que se caminhar nesse sentido. Construir esse espaço público, essa esfera
pública supõe construir cidadãos ativos, individual e coletivamente. Para mim, fazer
política hoje é apostar nisso (idem, n. p.).

Na entrevista, víamos que Pontual fez parte daquele grupo de estudantes que participou das
primeiras experiências inovadoras da psicologia da PUC-SP. Disse Pontual:

No início dos anos 70, tínhamos discussões na Faculdade de Psicologia da PUC-SP


e havia uma preocupação com a atuação do psicólogo nas comunidades excluídas.
Estavam, naquele momento: Maria Nilde Mascellani, Silvia Lane, Padre Abib,
Renate. Já, então, fiz uma opção clara por colocar meu compromisso à serviço do
amplo contingente da população excluído do acesso a esse tipo de ação profissional
(idem, n. p.).

A entrevista ainda nos informava que Pontual integrou a equipe do Instituto Cajamar
(INCA), nada mais, nada menos que a primeira escola de formação da CUT (TUMOLO, 2002, p.
159 e ss.) 12, e que “acompanhou Paulo Freire na implantação do Projeto do Mova – Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos – durante o governo de Luíza Erundina na Prefeitura de SP”
(PONTUAL, n. p.).
Mas deixemos Bock e Pontual para outra ocasião. Concentremos nossa atenção na produção
teórica e nas práticas de outro psicólogo da Escola de São Paulo, cuja relação com o PUC-SP, o
PEPG-PSO, a psicologia sócio-histórica e o ciclo democrático-popular, suas estratégias e seus
aparelhos, parece-nos fora de qualquer suspeita. Tomemos, como objeto de nossa análise, a teoria e
a prática do psicólogo, professor e pesquisador Odair Furtado, aquele mesmo que nos sugeriu
“avaliar a importância da militância em partidos de esquerda ou da própria influência que um
pensamento ou uma teoria revolucionária teria exercido sobre os promotores do pensamento crítico
na Psicologia a partir da década de 60” (FURTADO, 2009, p. 248).
Odair Furtado, presidente do Conselho Federal de Psicologia entre 2001 e 2004, é autor
destacado da psicologia sócio-histórica no que se refere às relações de trabalho. Formado pela PUC-

12De
acordo com Mascellani, no Instituto Cajamar foram realizadas as primeira etapas da capacitação pedagógica dos
professores e instrutores do Programa Integrar. (2010, p. 186)
SP, foi aluno de mestrado de Silvia Lane, tendo defendido a dissertação intiludada O Consumo via
TV de operários em São Paulo (1992).
Conforme consta em seu currículo Lattes 13, Furtado possui doutorado em Psicologia pela
PUC-SP, é professor do PEPG-PSO e do curso de graduação em psicologia da Faculdade de
Ciências Humanas e da Saúde. Filiado ao Departamento de Psicologia Social desde 1983, coordena
o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (NUTAS) do PEPG-PSO e lidera o
grupo de pesquisa Trabalho e Ação Social, cadastrado no CNPq.
Os projetos de pesquisa e extensão registrados em seu currículo atestam a dimensão de seu
compromisso social. Da mesma maneira, os artigos, livros e capítulos de livros onde versa sobre
temas tão variados quanto consciência, subjetividade, psicologia sócio-histórica, reestruturação
produtiva, saúde mental, formação profissional, economia solidária, espaço público, qualificação,
participação, trabalho, ambientalismo, desemprego, entre tantos outros.
Evidentemente, não temos a intenção de analisar aqui toda sua enorme produção, resultado
do engajamento teórico e prático do autor por mais de trinta anos com a psicologia. Antes,
concentraremos nossa atenção em alguns documentos que nos parecem dar conta de sua
participação numa experiência que expressa de forma paradigmática, segundo nossa compreensão
atual, as formas pelas quais determinada variante da psicologia crítica brasileira contribuiu, no
último ciclo histórico e no atual estágio do capitalismo brasileiro, para a consolidação da hegemonia
burguesa no Brasil.
Vejamos. No caderno de resumos da XXIX Reunião Anual de Psicologia da Sociedade
Brasileira de Psicologia (SBP) 14, os resumos da mesa-redonda Psicologia Social e do trabalho – a
alternativa popular15 traziam-nos um texto intitulado A qualificação profissional e a organização
dos trabalhadores: o caso do Programa Integrar da CNM/CUT. Num pequeno resumo, de
pouquíssimas linhas, Odair Furtado dizia-nos o seguinte:

O Programa Integrar, da CNM/CUT de qualificação e requalificação de


metalúrgicos desempregados, desenvolvido a partir do convênio com a PUC-SP, foi
a experiência piloto de uma política da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da
CUT para transformar os sindicatos filiados em “sindicatos cidadãos”
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA, 1999, p. 28, grifos nossos).

Como “participante dessa experiência” (idem, p. 28), Furtado prometia-nos, ainda, “um
balanço da gestão sindical, como alternativa de gestão organizacional” (idem, ibidem), “a análise do

13Disponível
em http://lattes.cnpq.br/8136642011049373.
14Evento realizado entre os dias 28 e 31 de outubro de 1999 no lnstituto de Psicologia e Fonoaudiologia da PUC -
Campinas (SP).
15
A mesa-redonda contava ainda com a participação de Peter Spink, da FGV/SP, e Leny Sato, da USP, com resumos
intitulados, respectivamente, "Gestão popular - reconfigurando a gestão na perspectiva da psicologia coletiva" e "O
processo social de construção de cooperativas" (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA, 1999, p. 27-28).
significado e o sentido pessoal da experiência para o trabalhador desempregado que vem
participando do curso de Ensino Fundamental do Programa Integrar” (idem, ibidem) e afirmava que
a nova política da Central mostrava que “Os sindicatos devem se preparar para a nova etapa de
reestruturação produtiva e antecipar as consequências do efeito dessa reestruturação para o campo
dos trabalhadores” (idem, ibidem, grifos nossos).
Não encontramos, até o presente momento, registros da fala de Furtado em que pudéssemos
conferir o balanço e a análise prometidos. No entanto, no artigo Psicologia e compromisso social -
base epistemológica de uma psicologia crítica, resultado de uma conferência proferida no I
Congresso Paranaense de Psicologia Social – Práticas e perspectivas da Psicologia Social no final
do Século16, Furtado fez-nos o favor de retomar o relato de sua experência, como forma de
apresentar o que viria a ser, segundo sua compreensão, uma psicologia crítica, social e
politicamente comprometida. Vejamos, pois, o que nos conta nosso autor. Permita, o leitor, que o
deixemos falar à vontade.
Psicologia e compromisso social - base epistemológica de uma psicologia crítica começava
por uma pergunta em forma de provocação. Após recuperar um acontecimento conjuntural e afirmar
que “Conhecemos muito bem o argumento da neutralidade da ciência e já sabemos de seus efeitos”
(2000, p. 128), Furtado perguntava-nos o seguinte: “No campo da psicologia social,
particularmente, qual o grau de independência da produção científica da inevitável contaminação
ideológica?” (idem, ibidem)
Depois, após contemporizar com Louise Lhullier, Leôncio Camino e Salvador Sandoval,
que o autor definia como pesquisadores do comportamento político, Furtado passava a polemizar
com José Leon Crochik, a quem o autor atribuía o pessismo da Escola de Frankfurt. Dizia Furtado:

pode-se notar que o autor está apoiado na visão pessimista da Escola de Frankfurt a
respeito da (im)possibilidade da construção de uma alternativa ao capitalismo dentro
do próprio capitalismo. Somente com este comentário podemos abrir uma grande
polêmica sobre os caminhos das gerações que sucederam a Adorno e Horkheirmer.
Habermas em A Teoria da ação comunicativa, (1994) discute exatamente a
possibilidade da construção de alternativa através do “entendimento” (idem, p. 129).

Imediatamente, apressava-se em afirmar que sua crítica ao pessimismo frankfurtiano e sua


referência à alternativa habermasiana não deveriam ser entendidas como uma defesa do reformismo
ou de posições pós-modernas. Dizia Furtado:

Evidentemente, não pretendo defender a posição reformista de superação do


capitalismo através do desenvolvimento do próprio capitalismo, mas considero que a

16Evento
realizado na cidade de Londrina (PR) entre os dias 4 e 6 de novembro de 1999 e promovido pela ABRAPSO –
Núcleo de Londrina. O artigo fora publicado em dezembro do ano seguinte (2000).
negação do capitalismo faz parte de uma dinâmica dialética que está presente no
próprio desenvolvimento e superação do modo de produção (idem, ibidem).

Em seguida, nosso autor afirmava a necessidade de “uma consideração sobre o campo da


tática e estratégia da esquerda para a tomada do poder” (idem, p. 220). E dizia:

A teoria do partido operário como direção das massas formulada por Lenin no início
do século, a despeito das críticas que sofre atualmente, é a única teoria da
organização revolucionária que temos até hoje. Mesmo toda a discussão em torno
das alternativas que surgiram nos últimos tempos como a FARC na Colômbia, os
verdes na Alemanha, Zapatistas no México ou o PT no Brasil, tem como referência a
teoria leninista de organização (mesmo quando se trata de negá-la) (idem, ibidem).

Após inventariar o que considerava serem os poucos modelos revolucionários até então
existentes – o modelo da “revolução de massas”, da Rússia; da “organização de um exército
revolucionário”, na China; do modelo “foquista”, em Cuba; da “experiência em curso na Colômbia”
(idem, ibidem) – e concluir pelo fracasso de todos os movimentos revolucionários do período da
guerra fria, Furtado observava que,

Ao mesmo tempo, novas táticas foram sendo construídas pelo movimento popular
ou pelas vanguardas políticas. É o caso das lutas no campo do feminismo pela
igualdade de direitos, a organização dos homossexuais, lutas ecológicas, lutas por
direitos do cidadão (como é o caso dos consumidores), a constituição de
organizações que lutam por direitos humanos, a luta pela terra como ocorre com o
Movimento dos Sem Terra (MST) no Brasil etc. (idem, ibidem)

Donde nosso autor concluía que

É preciso reconhecer que em parte tais movimentos compõem a estratégia da


concepção micropolítica e reflete o campo tático de organização. Guattari,
Lapassade e outros não negam as formas de luta mais gerais. Eles não chegam a
trocar as formas gerais pelas formas particulares apesar de priorizá-las. Mas é
inegável que estas formas singulares de luta devem ser consideradas na discussão
sobre novas alternativas de organização das lutas populares. (idem, p. 220-221)

Depois de fazer uma rápida incursão pela vida e pela obra de Martín-Baró e aproximar a
perspectiva do autor àquela de Paulo Freire, Furtado concluía que a tarefa do psicólogo
politicamente comprometido, segundo Martín-Baró, seria “buscar a (re)constituição da identidade
social do trabalhador” (idem, p. 222), a “conscientização do trabalhador explorado e alienado de
sua condição social” (idem, ibidem), uma “ação social no sentido de transformar ou construir uma
verdade política e social” (idem, ibidem), baseada na pesquisa científica “crítica aos campos
científicos que apresentam uma tendência a-histórica, individualista e universalista” (idem, ibidem).
Em seguida, Furtado dizia que “Martín-Baró não teve oportunidade de viver os tempos
atuais e a nova ordem mundial dominada pela política neoliberal que, traduzida, representa a
hegemonia do projeto pós-capitalista depois da queda do muro de Berlim” (idem, p. 223, grifos
nossos). Nosso autor concluía pela semelhança entre os projetos de Martín-Baró, Paulo Freire e
Silvia Lane, e passava a expor algumas possibilidades, segundo seu entendimento, de atuação
“comprometida politicamente” (idem, p. 225).
Trazendo à baila Habermas, Ricoeur e Gramsci 17, aparentemente como exemplos de autores
importantes para a compreensão da “nova ordem mundial”, assim dizia nosso autor:

Penso que o campo de uma psicologia comprometida politicamente é uma


psicologia que entenda que a sociedade capitalista é uma sociedade de classes e que
o chamado capitalismo tardio é produtor de uma complexidade social que exige uma
maior sofisticação da intervenção política. Que a psicologia, por estar inscrita no
campo da linguagem e, neste sentido, concordo com a posição de Habermas e, de
um outro ponto de vista, com teóricos da hermenêutica como Paul Ricoeur, estará
sempre contaminada de conteúdos ideológicos (no sentido marxiano do termo).
(idem, ibidem)

Inscrevendo-se na vertente aberta por Ignácio Martín-Baró, Silvia Lane, Maritza Montero e
Fernando González Rey, Furtado sugeria que a psicologia crítica resgatasse Gramsci, uma vez que
sua obra “representa um marco no campo do compromisso dos intelectuais, que ele denomina como
intelectuais orgânicos, que fazem aliança com as classes trabalhadoras, camponesas e populares.”
(idem, ibidem)
Na sequência, ao comentar o trabalho de iniciação científica de uma de suas alunas sobre a
militância nos “novos movimentos sociais”, Furtado dizia-nos que a “nova conjuntura econômica” e
a “reordenação do Estado (política do Estado mínimo)”, a “presença cada vez maior do 3° setor” e
“a abertura do mercado profissional” seriam fatores de profissionalização da intervenção social do
psicólogo (idem, ibidem).
Logo em seguida, nosso autor retomava o relato de sua experiência junto ao Programa
Integrar. Dizia Furtado:

Temos também um convênio com a Confederação Nacional dos Metalúrgicos


(CNM-CUT). Trata-se de um projeto de qualificação e requalificação de
metalúrgicos desempregados – O Programa Integrar, que busca uma alternativa

17
De cuja ausência na psicologia o autor lamentava-se. Mais tarde, ao tratar do estado atual da psicologia crítica,
Furtado retornaria a lamentar a ausência de Gramsci na psicologia: “Temos também hoje a releitura de Georg Lukács e
de Antonio Gramsci. O primeiro usado muitas vezes como exemplo de submissão ao stalinismo e o segundo como pré-
mentor do eurocomunismo. Mas a potência de Lukács tem sido retomada como forma de discussão do sujeito – sobre a
consciência de classe e a ontologia do ser social. E o segundo vem sendo muito usado, particularmente no campo da
educação. Curioso pensar que fora Adorno e Horkheimer, nunca ouvimos falar dos outros autores na Psicologia.
Curioso porque a educação, a economia, as ciências sociais não prescindem desses autores para exercitar o pensamento
crítico. Por que a Psicologia não precisa deles? Acho que temos aqui um sinal!” (2009, p. 244)
para a política neoliberal do Governo Brasileiro (2003, p. 226, grifos nossos).

Referindo-se à consciência imediata do trabalhador, suas preocupações e temores, Furtado


parecia endossar a tese da existência de uma “outra ordem” social. Assim dizia:

Em estudo de caso que realizamos em 1992, os operários entrevistados não temiam


o desemprego e tinham como preocupação central o futuro dos filhos. A maior ou
menor dificuldade para consumir objetos e serviços era a tônica do momento. A
experiência hoje com o trabalhador metalúrgico é de outra ordem (2003, p. 226,
grifos nossos).

Pois é precisamente a ideia da vigência de uma “nova ordem” que vem imediatamente na
sequência do texto. Apoiado sobre as transformações da economia e da política brasileiras, Furtado
admitia a existência de uma “nova realidade” social, cuja repercussão sobre a consciência do
trabalhador caberia ao psicólogo investigar. Com naturalidade, nosso autor deduzia a necessidade
de adequar a prática da Central às exigências dessa “nova realidade” e suas correspondentes novas
experiências. Eis aí o sentido, para Furtado, do Programa Integrar. Dizia nosso autor:

Em função desta nova realidade, desde o ano de 1996 a CNM/CUT vem


desenvolvendo uma experiência no campo da qualificação e requalificação
profissional que é o Programa Integrar, voltado para metalúrgicos desempregados
com idade entre 25 e 45 anos. [...] O curso tem como objetivo fornecer uma
formação de caráter geral, que amplie o horizonte cultural do aluno e lhe dê
condições de ampliar sua participação social ao mesmo tempo em que discute as
condições sociais e históricas que geram o desemprego do trabalhador no Brasil de
hoje (idem, p. 226-227, grifos nossos).

O conceito-chave para a interpretação dessa “nova realidade” era o conceito de


“reestruturação produtiva”. Sua centralidade para compreensão da “nova ordem mundial”
encontraria expressão no projeto político-pedadógico do Programa. Segundo Furtado,

O sistema de módulos está centrado em um eixo, o nosso core curriculum18, que é o


módulo de reestruturação produtiva. Os módulos de caráter técnico (matemática,
desenho técnico, controle de medidas) estão imbricados a este módulo e os módulos
de caráter geral (História, Geografia, Português, Ciências e Inglês) se remetem
sempre que possível ao módulo de reestruturação produtiva. Além desses módulos o
aluno passa por uma oficina de informática (idem, p. 227).

18Mascellani
reforçou a centralidade do conceito. Segundo a autora, “A área de Reestruturação Produtiva foi
considerada o core curriculum. Como tal, ela deveria relacionar seu conteúdo com os das demais áreas, na sequência,
de modo diferenciado, conforme se tratasse deste ou daquele conteúdo. [...] O core curriculum situado nas questões de
Reestruturação Produtiva forneceu conceitos norteadores [...], por exemplo: automação, globalização, flexibilização,
competitividade etc.” (2010, p. 191-192).
Nosso autor apresentava-nos, ainda, alguns resultados da experiência, dando a entender que
o Programa Integrar mostrava alcançar os objetivos previamente estabelecidos. Assim nos dizia
Furtado:

Nesta experiência notamos que o operário metalúrgico está aprendendo a conviver


com a crise de desemprego e as propostas de auto emprego apontam para a
reconstrução de sua identidade. Mas denotam também que isto ocorre porque a
realidade, as condições objetivas o empurram para isso. No campo do desejo ele
espera alguma solução que garanta a sua condição de metalúrgico, seja através de
alguma solução de caráter paternalista ou através da mobilização e organização da
categoria (idem, ibidem, grifos nossos).

Furtado concluía daí pela plasticidade da “consciência psicológica” 19 do trabalhador, sua


dependência em relação à realidade, atestada pela relação entre desemprego, adoecimento e
alcoolismo. De acordo com nosso autor,

O adoecimento se apresenta geralmente na forma de quadro depressivo, que leva o


trabalhador à paralisia (a vergonha de sair de casa, a vergonha da pecha de
vagabundo). Um recurso típico é o uso da bebida alcoólica. Por outro lado, a
alternativa da organização que permite ao trabalhador compreender o processo que
gera o desemprego e o leva a buscar concretamente uma saída para a crise. O
Programa Integrar representa essa alternativa porque leva esse trabalhador a
reconfigurar tais representações, a enxergar a realidade com outros olhos e permite
que o trabalhador escape do processo auto destrutivo resgatando o seu papel de
sujeito da história (idem, ibidem).

Furtado aproveitava a ocasião para reafirmar seu compromisso social, deixando bem claro
que não se tratava de superar o histórico elitismo da psicologia a partir de uma clara posição de
classe, mas a partir de um compromisso com toda a sociedade. No melhor estilo conciliador,
situando-se ao centro no rigue da luta de classes, dizia Furtado:

Evidentemente, não se trata de construirmos uma psicologia classista, voltada


exclusivamente para os trabalhadores, para as classes populares. Tal compromisso
representa apenas que precisamos romper com uma psicologia que tem sido classista
de uma outra forma. Olhando apenas para um lado da sociedade, para os bem
sucedidos, para o mercado, para quem pode pagar. Uma forma de privatizar o
serviço prestado pelo psicólogo (idem, ibidem, grifos nossos).

Furtando-se da tarefa de definir qual seria essa psicologia que, sob o capitalismo, poderia
ausentar-se de uma determinada posição de classe, assim concluía nosso autor:

Abre-se aqui uma discussão sobre que psicologia é essa que teria um caráter geral
que atendesse a toda a população. Não sei a resposta. Ela está para ser construída a

19No
texto, o autor afirma expressamente evitar o termo “consciência de classe” (idem, p. 227).
partir das próprias condições materiais em que o fenômeno psicológico é construído.
Por isso temos discutido a necessidade da construção de uma psicologia latino-
americana. Uma psicologia que responda concretamente ao campo de nossa
subjetividade (idem, ibidem, grifos nossos).

Até o momento, assim poderíamos resumir o percurso realizado por nosso autor: após uma
rápida referência à teoria da ação comunicativa de Habermas como forma de superação do
pessimismo frankfurtiano e seu embargo à possibilidade de construção de alternativas ao
capitalismo dentro do próprio capitalismo (mas recusando o campo dos reformistas e dos pós-
modernos), e de uma igualmente rápida menção à obra de Gramsci e de sua importância para uma
psicologia crítica, Furtado traçou considerações sobre os fracassos revolucionários durante a guerra
fria. A partir daí, propôs que levássemos em consideração as novas táticas e formas de luta dos
assim chamados “novos movimentos sociais”, dentre os quais o autor incluía o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Comentando a experiência junto ao Programa Integrar,
nosso autor sugeria-nos que o mesmo representava uma alternativa, na medida em que permitiria
adequar a CUT às experiências de outra ordem vividas pelos trabalhadores metalúrgicos,
consequência da vigência de uma nova ordem social, marcada, fundamentalmente, pela
reestruturação produtiva. Essa readequação implicaria a construção de uma nova psicologia,
comprometida não apenas com uma classe social, mas com toda a sociedade, uma psicologia de
caráter geral que estivesse disponível para toda a população e que respondesse às demandas de
nossa subjetividade.
O relato da experiência foi retomado por Furtado em Psicologia e relações de trabalho: em
busca de uma leitura crítica e uma atuação compromissada, capítulo de livro organizado por Ana
Mercês Bahia Bock e intitulado A perspectiva sócio histórica na formação em psicologia (2003). A
natureza do texto (capítulo) e a distância de Psicologia e relações de trabalho… em relação à
experiência do autor fazia-nos crer que se tratava do resultado de uma reflexão mais aprofundada.
Escrito, provavelmente, sob a comoção da vitória eleitoral do PT, o texto de fato revelava outros
aspectos da participação de nosso autor no Programa Integrar que nos parecem importante destacar.
Em Psicologia e relações de trabalho: em busca de uma leitura crítica e uma atuação
compromissada, víamos, uma vez mais, que no cerne de toda essa experiência encontrava-se o
conceito de “reestruturação produtiva”. Segundo as palavras de Furtado, "o centro dessa discussão é
a reestruturação produtiva, porque se trata do pólo crítico desse processo" (FURTADO, 2003, p.
229-230).
“Reestruturação produtiva, precarização do mercado de trabalho e subjetividade” (idem, p.
227), eis a tríade em torno da qual se estruturava a teoria e a prática política e socialmente
comprometida de nosso autor.
Furtado fazia uma avaliação geral da situação nacional, focalizando as áreas afetadas pela
“reestruturação produtiva”. Segundo nosso autor, “Nestas regiões encontraremos o desemprego
tecnológico e, ao mesmo tempo, trabalhadores sem a qualificação necessária para ocupar postos de
trabalho na indústria reestruturada tecnologicamente” (idem, p. 228). “Para complicar um pouco
mais este cenário, as cidades de grande porte no Brasil apresentam a tendência de caminhar para o
campo dos serviços” (idem, ibidem).

A reestruturação e modernização das empresas no mundo todo, e também no Brasil,


vem paulatinamente alterando esse perfil. Os setores de RH estão sendo
terceirizados e a rotina de seleção do pessoal vai se alterando. Os psicólogos passam
a trabalhar como prestadores de serviço fornecendo assessoria para essas empresas
(idem, p. 212).

Em determinadas passagens, Furtado sugeria-nos indicar sua posição de classe,


contraditoriamente, portanto, à afirmação feita no artigo anterior, onde nosso autor dizia que,
“Evidentemente, não se trata de construirmos uma psicologia classista, voltada exclusivamente para
os trabalhadores, para as classes populares” (2000, p. 227). Ao contrário da psicologia
organizacional clássica, comprometida com o aumento da produtividade do trabalho no interesse do
capital, Furtado propunha-nos que a psicologia assumisse o “ponto de vista do trabalhador” (2003,
p. 213). Dizia-nos nosso autor:

por que falar em relações de trabalho e não em psicologia organizacional como tem
sido mencionado atualmente, ou psicologia industrial, como já foi conhecida a
matéria quando foi introduzida no Brasil, por volta de 1929, ou, ainda, psicologia e
recursos humanos? A resposta é simples, porque está na hora de construirmos um
referencial, no campo da psicologia, para trabalharmos do ponto de vista do
trabalhador (idem, p. 213).

Noutros momentos, Furtado mostrava não haver contradição alguma, uma vez que não se
tratava de assumir uma posição de classe, mas apenas de incluir o ponto de vista do trabalhador.
Mesmo porque, segundo sua avaliação, a própria ideia da classes sociais parecia “superficial e
simplista”. Assim se exprimia Furtado:

Não se trata, portanto, de uma mera divisão classista na qual uns optam pelo
capital e outros pelo trabalho. A questão tem outro enfoque, menos superficial e
simplista. Estamos procurando resgatar uma lacuna, eventualmente explorada, mas
não de forma sistemática. Trata-se da elaboração de pensamento crítico que procure
enfocar as relações de trabalho do ponto de vista do trabalhador (p. 215, grifos
nossos).

Para Furtado, essa posição supraclassista (ou anticlassista) encontrava na realidade seu
fundamento. Segundo seu ponto de vista, a “nova realidade” do trabalho, impactada pelas novas
tecnologias da informática e da robótica, estaria superando essa “superficial e simplista” divisão da
realidade social em classes sociais antagônicas. Afinal, para o nosso autor,

é preciso mencionar que inúmeras empresas e empresários têm notado a importância


de tratar o trabalhador para além da noção de mão-de-obra, de engrenagem da
produção, e têm orientado o trabalho do setor de recursos humanos de forma mais
compatível com a interlocução entre capital e trabalho. Estão levando em
consideração o fenômeno de informatização da produção que resulta em novas
relações de trabalho, particularmente no chão de fábrica (idem, ibidem, grifos
nossos).

Ao que nos parece, enquanto com a mão direita Furtado acenava para a inclusão e a
participação social, com a outra ia acenando para a “pedagogia do aprender a aprender” e as teses
sobre a “sociedade de conhecimento”, aquela mesma em que a educação volta-se para “a formação,
nos indivíduos, da disposição para uma constante e inefatigável adaptação à sociedade regida pelo
capital (DUARTE, 2008, p. 11). Daí, talvez, o porquê da insistência de nosso autor na
qualificação/requalificação da classe trabalhadora como alternativa ao desemprego e às políticas de
Estado mínimo do governo brasileiro. Afinal, segundo Furtado,

Essa nova dinâmica produtiva exige um trabalhador mais preparado e mais crítico
em relação às tarefas que desempenha. Exige-se do trabalhador uma formação para
o trabalho mais flexível e capacidade de adaptação às mudanças de tarefas (2003, p.
215).

Furtado dava-nos um exemplo dessa “nova realidade” do mundo do trabalho, onde a luta de
classes passaria ao segundo plano nas relações entre “empresários” e “empregados” (idem, p. 215).

Um exemplo dessa posição foi dado pela Rhodia do Brasil, quando organizou o
seminário Empregabilidade e educação: novos caminhos para o mundo do trabalho.
Para este seminário convidaram antropólogos, educadores, sociólogos, psicólogos,
economistas, cientistas políticos, representantes do mundo do trabalho como
organizações sindicais, centros formativos dos trabalhadores, Dieese etc. A maior
parte dos convidados falava do ponto de vista do campo do trabalho e não do campo
do capital. Comentavam experiências, sobre formação do trabalhador, realizadas
pela Rhodia no Brasil e outras experiências realizadas na França, Holanda e Estados
Unidos que foram consideradas experiências de ponta na formação de trabalhadores
(idem, p. 215-216).

A conclusão impunha-se ao autor com comovente naturalidade, por fidelidade aos seus
irrevogáveis princípios neomarxistas. Segundo lhe parecia, todas essas mudanças no mundo do
trabalho exigiam mudanças no mundo das ideias, cabendo à psicologia crítica a sensibilidade para a
compreensão desse processo. Dizia nosso autor, mostrando uma vez mais sua convicção quanto ao
fato de vivenciar uma nova ordem social:

Assim, temos mudanças tão importantes no âmbito do trabalho, em nossa


sociedade, que torna-se necessário repensá-lo. A psicologia tem também esse
desafio e queremos (re)pensá-lo da perspectiva de quem, efetivamente, como
indivíduo, executa a atividade: o trabalhador (idem, p. 216, grifos nossos).

Aliás, quanto a esse respeito, convém observar de passagem que a referência ao complexo
categorial marxista permanece uma constante na obra de Furtado, desde seus primeiros trabalhos.
Mesmo porque, como nos mostrou Carvalho, a incorporação das teses do neomarxismo não implica,
antes supõe, a permanência da referência ao complexo categorial de Marx, embora mutilado e
completamente desfigurado, subtraído de suas determinações histórico-concretas. Como nos
lembrou o autor, remetendo-nos a uma observação feita por Mézáros,

cumprimentando Marx com a mão esquerda e dando-lhe um tapinha nas costas que
simultaneamente o relegava à era irrevogavelmente passada do “capitalismo liberal”,
Habermas procedeu, em nome da “atualização” do marxismo, à eliminação de todos
os princípios fundamentais de Marx (MÉSZÁROS apud CARVALHO, 2014, p.
209-210).

Furtado realizou uma breve contextualização histórica do trabalho no Brasil, procurando aí


situar a psicologia. Uma vez feita essa contextualização histórica, Furtado passava à descrição da
experiência no Programa Integrar. Dizia nosso autor:

Tivemos a oportunidade de colocar em prática este instrumental teórico em uma


experiência muito produtiva com a requalificação de trabalhadores metalúrgicos, da
Confederação Nacional dos Metalúrgicos - CUT. Trata-se do Programa Integrar,
desenvolvido pela CNM e cujo projeto pedagógico foi desenvolvido pela Professora
Maria Nilde Mascellani. Nesta oportunidade pudemos acompanhar a história de vida
de inúmeros trabalhadores metalúrgicos que estavam desempregados em função da
crise econômica e da reestruturação produtiva (idem, p. 232-233).

Dizendo haver acompanhado as discussões e a implementação de alternativas ao


desemprego pelos sindicados coordenados pela CNM/CUT, Furtado destacava seu interesse pelas
“estratégias pessoais” (idem, p. 233) construídas pelos trabalhadores, desde “a busca de renda nas
circunstâncias possíveis” (idem, ibidem) à “reconfiguração subjetiva” (idem, ibidem). Em seguida,
nosso autor dava-nos a entender que o Programa consistia numa espécie de contra-ofensiva
ideológica, visando contestar as ideias sobre o trabalho e o emprego que conduziam o trabalhador à
auto-depreciação e suas consequências.

O Programa Integrar atua neste campo fornecendo, através de uma formação de


cunho generalista, os elementos para esse trabalhador repensar sua realidade e
reconfigurar a forma como ele constrói o seu sentido pessoal sobre o próprio
desemprego. Em geral, o trabalhador tende a se culpabilizar pelo desemprego.
Acrescente a esse fator que a família, os parentes, amigos, vizinhos etc. também
consideram a perda do emprego como fator de ordem pessoal. Está em jogo a
competência do próprio sujeito em manter seu emprego. Há uma produção de ordem
ideológica que configura o significado do trabalho e do desemprego que serve como
referência para o grupo social, atravessando o espectro social de ponta a ponta
(idem, ibidem, grifos nossos).

O trabalho pedagógico teria por objetivo, portanto, transformar “o significado e o sentido


pessoal do desemprego em vários segmentos de trabalhadores, como é o caso de jovens em busca
do primeiro emprego, de operários desempregados, trabalhadores do setor informal, mulheres etc.”
(idem, p. 233-234). O trabalho do psicólogo, por sua vez, consistiria em auxiliar o trabalhador na
construção de estratégias subjetivas para lidar com a situação do desemprego. Segundo a avaliação
de Furtado,

Não construir estratégias subjetivas para enfrentar a crise quer dizer que [os
trabalhadores] não conseguem desvelar o campo ideológico, que encobrem as
relações de trabalho e que individualizam a origem do problema, que é função da
crise econômica e da reestruturação produtiva. O sentido pessoal do sujeito fica
preso a um campo de significados que está reificado pela própria alienação do
trabalho, transformado em mercadoria (idem, p. 235, grifos nossos).

Sempre “em busca de alternativas” (idem, p. 235), Furtado mostrava haver chegado à
economia solidária, aquela mesmo que, segundo Singer, permitiria, “ao cabo de alguns anos, dar a
muitos que esperam em vão um novo emprego a oportunidade de se reintegrar à produção por conta
própria, individual ou coletivamente” (apud TUMOLO, 2002, p. 204). De acordo com nosso autor,

A uma teoria em psicologia social não basta compreender o mundo, é preciso estar
compromissada com a sua transformação. Temos buscado esse compromisso através
de nossa prática cotidiana, e com relação ao mundo do trabalho temos buscado duas
saídas básicas de compromisso social. A primeira está relacionada com o campo da
Economia Solidária e a constituição de cooperativas populares (FURTADO, 2003,
p. 235).

A segunda saída consistiria no “acompanhamento de experiências organizadas de trabalho e


renda através de prefeituras ou das centrais de trabalho e renda da Central Única dos
Trabalhadores” (idem, p. 236). Para Furtado, a luta de classes podia, enfim, dar lugar à construção
de um mundo solidário. Para isso, as classes subalternas deveriam contar com o compromisso social
de seus “intelectuais orgânicos”, pra quem

A idéia básica é colocar o conhecimento produzido na universidade a serviço das


causas populares. Parte-se do princípio da construção de um mundo solidário e que
isso deve ser iniciado com o primeiro passo (idem, p. 235-236).

Para nosso autor, vivendo sob a “nova ordem” do assim chamado capitalismo tardio,
“produtor de uma complexidade social que exige uma maior sofisticação da intervenção política”
(2000, p 225),
A constituição de coorperativas populares permitiria a elaboração de redes de
cooperativas que, ao mesmo tempo que passam a representar uma alternativa de
renda, passam a representar também uma nova forma de sociabilidade que leva em
consideração a solidariedade. No limite, as redes transformariam o próprio campo
social, transformando a sociedade (FURTADO, 2003, p. 236, grifos nossos).

Furtado concluía seu capítulo apresentando-nos, ao lado das cooperativas baseadas em laços
de solidariedade, o diálogo e o esclarecimento como partes dessa inovadora solução para o
desemprego e seus impactos sobre a classe trabalhadora brasileira, uma vez que os mesmos
permitiriam, ao fim e ao cabo, a “retomada da inserção do sujeito no cotidiano” (item, p. 237, grifos
nossos). Dizia-nos nosso autor:

temos discutido com os trabalhadores a situação produzida pelo desemprego e ao


socializarmos as experiências os trabalhadores constatam que vivem os mesmos
problemas. O diálogo é fator de esclarecimento e fortalecimento da condição
coletiva, superando a visão individualista e desvelando o campo da reificação do
desemprego. Ocorre uma desconstrução do campo dos significados que permite a
reconstrução do sentido pessoal e da formação de novas configurações subjetivas
que garantem uma compreensão maior do fenômeno vivido e uma retomada da
inserção do sujeito no cotidiano (idem, ibidem).

Façamos, agora, um resumo do percurso realizado por nosso autor: Furtado retomou a
centralidade do conceito de "reestruturação produtiva" para a compreensão da suposta "nova
ordem" ou "nova realidade" social do capitalismo tardio ou da hegemonia do projeto neoliberal do
capitalismo do pós-guerra fria. Entre as marcas dessa nova ordem mundial estariam o desemprego
tecnológico, a falta de qualificação dos trabalhadores, o crescimento do setor de serviços, a
modernização das empresas... Um novo capitalismo parecia demandar ao autor uma nova
psicologia. Uma vez que Furtado mantinha-se, aparentemente, convicto de seus princípios
marxistas, materialistas e dialéticos, um novo capitalismo demandava uma nova psicologia marxista
ou, o que parecia dar no mesmo, uma psicologia... neomarxista. Importava, para nosso autor, que
essa psicologia não fosse individualista, conservadora e elitista, mas sócio-histórica, progressista e...
"populista", ou melhor, que ela estivesse disponível para toda a população. Em tempos de
interlocução entre o capital e o trabalho, promovida, segundo Furtado, pelas novas tecnologias e
pela nova atitude empresarial, nosso autor recomendava o diálogo e o esclarecimento. A
qualificação/requalificação e, em último caso, a busca de novas fontes de renda, através de redes de
solidariedade e cooperativas populares, seriam os corolários de novas estratégias subjetivas
construídas pelos trabalhadores em face de um mundo em mudanças. Essas e outras ideias fariam
parte da contribuição daquilo que Furtado entendia ser os “intelectuais orgânicos”, orgânicos,
aparentemente, pelo fato de colocarem-se a serviço das classes subalternas.
De tudo quanto disse nosso autor, destacamos três pontos que nos parecem bastante
problemáticos: a saber, sua opção pelos conceitos de “reestruturação produtiva” e “neoliberalismo”
para explicar as transformações pela quais passavam a economia e a política brasileiras, apoiada
sobre a convicção de que a “nova ordem mundial” daria lugar a uma nova relação entre capital e
trabalho, marcada pela maior interlocução entre ambos; as propostas de qualificação/requalificação
profissional e de economia solidária como alternativas ao desemprego e como processos
socialmente emancipatórios; a concepção de Furtado sobre a função dos intelectuais orgânicos junto
às classes subalternas e a proposta de uma nova psicologia adequada aos novos tempos, colada à
realidade social e às demandas imediatas e cotidianas de nossa subjetividade.
Vimos que, para Furtado, o conceito-chave para a compreensão dessa “nova ordem mundial
dominada pela política neoliberal” (2000, p. 225) era o conceito de “reestruturação produtiva”
(1999, p. 28; 2003, p. 227, 229-230, 232-233, 235). Como nos mostrou Tumolo, a partir de extensa
pesquisa bibliográfica realizada entre 1995 e 1999 (período em que se iniciava a Programa
Integrar), a unanimidade em torno do reconhecimento das transformações pelas quais passavam os
processos e as relações de produção no Brasil não eram garantia de sua compreensão, servindo,
antes, de motivo para a formulação de “estratégias ilusórias e sedutoras” (2002, p. 211). Dizia
Tumolo, à época:

Na atualidade, parece haver uma grande unanimidade: o mundo passa por profundas
e avassaladoras transformações. Se tal constatação é empiricamente verificável –
somos todos atingidos cotidianamente pelos efeitos dessas mudanças –, a
compreensão desse fenômeno em seus elementos essenciais e, mais do que isso, a
apreensão da dinamicidade desses elementos é uma tarefa nada fácil e, a bem da
verdade, ainda incipiente. (idem, ibidem)

Entre essas transformações, suscitadas pela introdução do chamado “modelo japonês” de


produção (também conhecido por “toyotismo” ou “ohnismo”), Tumolo fazia constar, entre outros
elementos, a adoção da filosofia just-in-time de eliminação do desperdício ou de produção enxuta
(lean production); o método kanban de produção puxada; o controle estatístico de processo; a
manutenção preventiva; a horizontalização, a terceirização da produção e a subcontratação; o
controle de qualidade total; as células de manufatura, os círculos de controle de qualidade (CCQ) e
a gerência participativa; a autonomação, a auto-ativação, a desespecialização e a polivalência
operária.
Tumolo mostrou-nos como esses processos respondiam por mais uma ofensiva do capital
sobre o trabalho, o que teria redundado na intensificação da exploração da força de trabalho
(TUMOLO, p. 27-84). Tais inovações tecnológicas e modificações nas formas de organização e
gestão do trabalho, ao invés de representarem o advento de uma “nova ordem” social, em que a luta
de classes dava lugar ao diálogo de classes, eram precisamente os meios pelos quais o capital, após
a crise mundial de 1973, encontrava condições para a retomada de seus patamares de acumulação
(NETTO, 2007).
Ao que nos parece, o emprego por parte de Furtado do conceito de “reestruturação
produtiva” servia de cortina de fumaça, ocultando o fato de que se tratava de um processo de
reestruturação capitalista e, portanto, do movimento do capital em seu processo de reprodução
ampliada, onde a busca pela valorização do valor e pela retomada de patamares sempre crescentes
de taxa de lucro coloca como imperativa a modificação da composição orgnânica do capital em
favor do capital constante (MARX, 2013).
Enquanto Tumolo, apoiando-se em Harvey, vinculava tais transformações à vigência de um
novo padrão de acumulação do capital, a “acumulação flexível” (idem, p. 28), compreendendo as
mesmas como parte do movimento do capital e implicando, com isso, a luta de classes e a
necessidade de organização e formação autônoma dos trabalhadores, Furtado via nas inovações
tecnológicas e nas novas formas de organização e gestão do trabalho uma “nova ordem” marcada
pela “maior interlocução entre capital e trabalho” (FURTADO, 2003, p. 215). Para Furtado, essa
“nova ordem” parecia exigir maior qualificação para permitir a inclusão (e, uma vez incluído, a
negociação e a participação). Para os excluídos, Furtado propunha a criação de novas estratégias
subjetivas e alternativas de geração de renda baseadas na lógica da cooperação e da solidariedade.
Mas, ao não articular tais transformações à concorrência intercapitalista, à modificação da
composição orgânica do capital em favor do capital constante, à luta entre o capital e o trabalho pela
manutenção e elevação das taxas de lucro, nosso autor era conduzido à constatação da vigência de
uma “nova ordem” e, pari passu, à busca por “novas alternativas”. Além disso, ao limitar a crítica
do capital à crítica do neoliberalismo, nosso autor contribuía para ocultar o verdadeiro sujeito das
transformações por que passava a economia e a política brasileiras (o capital em seu processo de
valorização do valor), alimentando ilusões sobre a possibilidade de uma capitalismo mais humano,
sustentável e includente. A crítica ao neoliberalismo fomentava, assim, o social-liberalismo e a
conciliação de classes (CASTELO, 2013).
No que diz respeito às proposta da qualificação/requalificação profissional e economia
solidária, parece-nos evidente sua função no apassivamento da classe trabalhadora e na limitação da
atuação da CUT aos marcos da sociabilidade burguesa. Fazendo com que o trabalhador aprendesse
a conviver com crise de desemprego, a reconstruir sua identidade a partir de propostas de auto-
emprego, a recuperar as condições subjetivas, cognitivas e emocionais, necessárias ao seu
assalariamento ou ao seu engajamento em “redes de produção autônoma” baseadas na lógica da
“economia solidária”, para voltar ao trabalho e reinserir-se no cotidiano, Furtado contribuía para
nutrir ilusões sedutoras sobre possibilidade de integração numa ordem social que é, pela sua própria
dinâmica e estrutura, necessariamente excludente e alienante.
Vimos como Furtado não vislumbrava muitas outras alternativas, em face da “nova
realidade” imposta pela “reestruturação produtiva”, que a organização com vistas ao
esclarecimento, à qualificação/requalificação e à construção de estratégias de auto-emprego, onde o
resgate, por parte do trabalhador, de seu “papel de sujeito na história” significava, pura e
simplesmente, sua reinscrição como mercadoria subjetivamente disponível no mercado de trabalho
ou sua disposição para viver às margens do capitalismo. Mas seria esse o papel reservado ao
psicólogo crítico junto à classe trabalhadora? Caberia a ele resgatar a confiança dos trabalhadores
na possibilidade de reintegrar-se à mercado de trabalho ou, ainda, de viver à margem dele?
Desprezando qualquer análise marxista minimamente lúcida sobre o papel estrutural do desemprego
no rebaixamento dos salários e na intensificação da exploração do trabalhador, e sobre os limites
das alternativas anticapitalistas românticas (MENEZES, 2007), Furtado dizia-nos: “Entendo ser esta
uma forma, entre outras, de trabalho na psicologia que nos coloca no campo daquilo que poderia
denotar o compromisso político do pesquisador e do profissional dessa área” (idem, p. 228). No
entanto, ao que nos parece, estamos aqui em pleno terreno das “estratégias ilusórias e sedutoras”
(TUMOLO, 2002, p. 211). Lembremos que a conformação da CUT a tais alternativas representava
aquele movimento em que a formação política de base, “que propiciasse uma apreensão da
realidade social em sua dinamicidade contraditória, tendo como eixo central a luta antagônica entre
as classes sociais fundamentais” (idem, p. 181-182), dava lugar a uma formação cada vez mais
instrumental, “que busca preparar os militantes para atender às demandas da conjuntura e do
cotidiano ou, ainda, que aborda questões específicas, vale dizer, uma formação que lida com os
aspectos conjunturais” (idem, ibidem).
Com a revolução fora do horizonte, e sem se perguntar em nenhum momento se a uma
modificação da aparência deve necessariamente corresponder uma modificação da essência, nada
mais natural que acenar para a inclusão. Pois é exatamente o que fez nosso autor, que em momento
algum parecia ter dúvidas quanto às possibilidades reais dessa inclusão. Demonstrando comovente
complacência com os ideólogos liberais que justificam o desemprego pela falta de qualificação dos
trabalhadores20, assim Furtado resumia o significado do Projeto Integrar: “trata-se de uma opção

20A funcionalidade da ideologia da qualificação profissional para a reprodução do status quo foi evidenciada por
Lacerda Jr. e Guzzo na discussão que fizeram sobre as tensões e contradições da experiência cotidiana. A partir da
análise da história de vida de uma trabalhadora envolvida em processos de luta por moradia, concluíam os autores:
“María apunta para la capacitación individual como un medio de garantizar la supervivencia en la realidad. Para ella
conseguir un salario mejor depende de la profesión y esta depende de experiencias de empleos anteriores o de estudios.
Ella cree que la garantía de una buena educación permitirá a sus hijos una vida mejor porque así podrán enfrentar el
mercado. De esta forma no es el orden social el que delimita el campo de posibilidades de realización del individuo sino
la capacitación del mismo. Al decir que una buena educación garantiza una vida mejor ella constata el hecho de que los
sectores más elitistas de la sociedad son los “más calificados”. Lo que ocurre el la apropriación de un aspecto aparente
de la realidad: los que tuvieron “éxito”, tuvieron una “buena educación” y esto fundamenta la noción de que la
educación es una vía para garantizar el “éxito”. Todavía, lo que María no percibe es que los privilegiados son los que
definem lo que es una buena educación y las condiciones de accesso a ella” (2012, p. 144).
pedagógica que se assenta sobre a noção de cidadania e de inclusão social. (FURTADO, 2000, p.
226-227, grifos nossos).
Quanto à interpretação dada para o papel dos intelectuais orgânicos, os problemas não nos
parecem menores. Pois o papel dos intelectuais em aliança com as classes subalternas não deve
significar a deferência acrítica aos seus interesses, ideias, valores e temores imediatos. Não se trata
de colocar-se a serviço das classes subalternas, mas de colocar-se a serviço da emancipação da
classes subalternas, o que implica, como vimos, mais do que um simples compromisso “social” ou
“ético-político” 21, uma estratégia político-revolucionária. Mesmo porque, ser psicólogo implica,
necessariamente, ser sujeito ou objeto de alguma estratégia política. Como observou Gramsci,
“Numa determinada sociedade, ninguém é desorganizado e sem partido, desde que se entendam
organização e partido num sentido amplo, e não formal” (2011, p. 272). Nesse sentido, estamos
novamente de acordo com Fernandes, quando o sociólogo paulista observava que “Ser ‘intelectual
orgânico das classes trabalhadoras’ é uma opção política. Mas, não se pode fazer essa opção e ficar
numa ‘prática teórica’ crítica ou rebelde que se compõe com a reprodução da ordem burguesa e com
o Estado capitalista.” (in AMMANN, 1980, p. 13)

Considerações finais

O presente capítulo procurou expor os resultados parciais de uma pesquisa pós-doutoral


ainda em curso no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás
(PPGP-UFG). A pesquisa, que ambiciona identificar os desafios colocados à psicologia crítica
brasileira pela perspectiva de encerramento do ciclo democrático-popular, tem dado atenção
especial ao exame da inflexão ou metamorfose sofrida pela assim chamada “psicologia sócio-
histórica” durante o curso deste referido ciclo.
Nossa pesquisa partiu da hipótese de que a psicologia sócio-histórica, em que pese a
contribuição para o desenvolvimento de uma perspectiva crítica em psicologia, descrevera trajetória
semelhante a algumas das principais objetivações do referido ciclo histórico. De maneira análoga ao
movimento descrito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Central Única dos Trabalhadores
(CUT), a psicologia sócio-histórica teria sofrido uma inflexão ou uma metamorfose que assumiu o
aspecto daquilo que o marxista sardo Antonio Gramsci descreveu como “transformismo”
(GRAMSCI, 2011), afastando seus principais intelectuais de suas referências ideopolíticas iniciais,

21Conforme
sintetizou Carvalho, resumindo antigas considerações de Sawaia, “O compromisso político não pode
assumir a forma de populismo, ou seja, não pode simplesmente ser o carimbo das ações e valores populares como se os
explorados fossem em si e para-si já portadores da verdade histórica. O respeito ao saber popular não deve excusar-se
de enxergar neste mesmo saber popular um veículo de ideologia também condicionado pelas determinações gerais da
exploração” (2014, p. 127).
contribuindo para a consolidação de uma posição contrária aos interesses imediatos daqueles que
envidaram esforços para sua construção. (IASI, 2012a, 2012b, 2017; TUMOLO, 2002)
Temos procuramos, portanto, dar continuidade aos resultados da pesquisa de Carvalho
(2014), que chegou à seguinte conclusão, após exame de algumas das formulações de Lane, Ciampa
e Sawaia:

Tendo substituído o paradigma do trabalho pelo mundo da vida, acatado a


autonomização da esfera das objetivações sociais, aberto mão da teoria do valor-
trabalho para compreender a sociedade a partir das esferas da comunicação
(inversão idealista), das relações intersubjetivas e dos valores, anunciado o fim das
lutas de classe ou o seu marasmo e abandonado qualquer referência à transformação
revolucionária da sociedade por um socialismo ético (ou revolução ética), a Escola
de São Paulo não figura como uma alternativa marxista de psicologia social. O giro
ideopolítico desta escola de pensamento em psicologia social tampouco é apenas
neomarxista, mas é, também, pelas razões aqui já largamente expostas, antimarxista.
(idem, p. 260)

Nossa pesquisa tem investigado de que maneira esse transformismo deita raízes nas
modificações pelas quais passaram a economia e a política brasileiras.
Temos também examinado de que maneira essa metamorfose articula-se com as lutas
travadas pelo conjunto de nossas classes subalternas, com suas derrotas e vitórias, avanços e recuos,
alianças e litígios. De modo geral, vínhamos interpretando todo esse processo como mero reflexo,
no pensamento psicológico brasileiro, da superfície dessas modificações, base empírica donde
retirava sua eficácia ideológica e sua força persuasiva. No entanto, os resultados a que chegamos até
o presente momento têm revelado que esse processo de metamorfose ultrapassa em muito o estatuto
de mero reflexo passivo. Conforme procuramos evidenciar, essa transformação também contribuiu
ativamente para reforçar as mesmas modificações da qual foi expressão, orientando psicólogos na
direção da consolidação do referido ciclo.
A história do desenvolvimento da psicologia crítica brasileira, quando considerada sob esse
prisma, tem conduzido nossa pesquisa às seguintes perguntas: qual teria sido o papel da psicologia
crítica brasileira na formação do grande consenso em torno da limitação da participação aos quadros
da institucionalidade burguesa? Não teria ela, sobretudo ao avançar sobre as políticas públicas,
servido à consolidação do ciclo democrático-popular e, consequentemente, à revelia de toda boa
intenção, contribuído para o apassivamento da classe trabalhadora?
Temos trabalhado para a compreensão desse processo histórico, procurando conhecê-lo na
riqueza de suas mediações e de seus condicionantes sociomateriais. Sempre, é claro, na perspectiva
de contribuir para o projeto de construção de uma sociedade livre das opressões e da exploração.
Interessados que somos pelo fenômeno da ideologia, da alienação e seus congêneres
(fetichismo, reificação etc.), e dado nosso engajamento em processos de educação popular e
formação política, temos dedicado nossa pesquisa à compreensão desse movimento de inflexão,
onde a psicologia comunica-se diretamente com o conjunto das lutas da classe trabalhadora
brasileira. Mesmo porque, como observou Patto,

A história das Ciências Humanas, em geral, e da Psicologia, em particular, não se dá


acima da história política, social e econômica do lugar em que são produzidas, como
se nada tivesse a ver com ela. Não é também uma história que se escreve sobre o
pano de fundo da história do país. A história da Psicologia no Brasil é parte
integrante da história brasileira, é um de seus elementos constitutivos, está implicada
nos rumos por ela tomados, é determinada por ela e um de seus determinantes. (in
BOCK, 2003, p. 31)

As considerações que apresentamos fundamentam-se, ainda, na convicção de que, se


desejamos compreender o movimento de regressão da consciência da classe trabalhadora realizado
no último ciclo, cabe a nós, psicólogos e psicólogas, o exame do conjunto dessas mediações,
mecanismos e processos que, contraditoriamente ao nosso próprio interesse, contribuem para o
apassivamento e entravam a emancipação da classe trabalhadora.
Por fim, gostaríamos de traçar uma última consideração, não menos importante. Como
dissemos, por ciclo democrático-popular compreendemos, em linhas gerais, o complexo e
conturbado período da história brasileira iniciado sob os efeitos do golpe empresarial-militar.
Dentro desse ciclo, portanto, estão compreendidas histórias de incontáveis lutas, muitas das quais
redundaram na perseguição, prisão, tortura, censura, silenciamento, assassinato, na morte física ou
simbólica de indivíduos, grupos, coletivos e organizações comprometidos visceralmente com a
transformação da sociedade brasileira.
Além de todas as vítimas diretas do início desse ciclo, existem milhões de pessoas que
participaram ativamente da construção das objetivações a que nos referimos e que continuam, ainda
hoje, engajadas em lutas semelhantes às que lhe deram certidão de nascimento político. Dentro
desses milhões, face à perspectiva do encerramento deste ciclo, muitos são aqueles que, ao
perceberem a ruína de tudo aquilo que tão penosamente ajudaram a construir, vivem sob o peso
amargo da decepção e da descrença. Muitos se colocam céticos; outros tantos, perplexos. A falta de
perspectiva e a dificuldade em vislumbrar um horizonte teórico e prático alternativo é motivo, para
muitos, das mais diversas reações, num espectro que vai da apatia ao pessimismo.
Gostaríamos de dizer que não ignoramos tudo isso e que, apesar de estarmos engajados na
crítica desta degeneração, metamorfose e transformismo, não nos consideramos excluídos ou à
margem desse complexo, conturbado e doloroso processo. Afinal, se há uma coisa da qual não
abrimos mão é a ideia de que o produto final esconde o processo de sua produção e que, além disso,
a história não tem lado de fora.
Assim, quando nos referirmos à degeneração, transformismo, inflexão ou metamorfose de
algumas das principais objetivações do ciclo democrático-popular, é preciso que esteja desde logo
bem claro que não se trata de responsabilizarmos este ou aquele indivíduo pelas derrotas que nos
tem sido impostas cotidianamente pelas forças políticas dominantes, na sempre presente luta de
classes em nosso país.
Quanto a esse respeito, convém lembrar a observação feita por Marx a respeito de seu ponto
de vista, que entendemos ser também o nosso:

Meu ponto de vista, que apreende o desenvolvimento da formação econômica da


sociedade como um processo histórico-natural, pode menos do que qualquer outro
responsabilizar o indivíduo por relações das quais ele continua a ser socialmente
uma criatura, por mais que, subjetivamente, ele possa se colocar acima delas. (2013,
p. 80)

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