Você está na página 1de 8

Marcadores das Hepatites Virais

Embora dados clínicos possam sugerir diferenças, as hepatites virais raramente são
distinguíveis. Ensaios sorológicos sensíveis e específicos permitem ao clínico identificar o
determinante antigênico envolvido, distinguir a fase aguda da crônica, avaliar infectividade,
prognóstico e ter acesso ao estado imune do paciente.

1- HEPATITE A:

Em geral é uma doença autolimitada, de início agudo, com evolução benigna. O período de
incubação é de 15 a 45 dias. A transmissão é predominantemente fecal-oral e de alta
contagiosidade. Clinicamente apresenta-se com mialgia, cefaléia, febre e mal-estar. Apenas
10% dos pacientes apresentam icterícia. A disseminação do vírus da hepatite A (HAV) é
grande, acreditando-se que a maior parte da população seja imunizada naturalmente, através
de infecções subclínicas. Cerca de 70% da população apresenta anticorpos anti-HAV. Não
leva à hepatite crônica ou a estado de portador, e em apenas 0,1% dos casos é da forma
fulminante.

Sorologia:

-Anti HAV IgM: anticorpo produzido contra proteínas do capsídeo viral. Surge com os
sintomas iniciais, aumenta por 4 a 6 semanas e então declina gradualmente até níveis
indetectáveis em 3 a 6 meses. O achado de anti-HAV IgM positivo é indicativo de infecção
aguda.
-Anti HAV IgG: anticorpos IgG específicos são detectáveis no soro na fase aguda ou
convalescente precoce da infecção e permanecem por toda a vida. Promove imunidade
protetora contra a hepatite A.

2- HEPATITE B:

Usualmente tem início mais insidioso e curso clínico mais prolongado. Apresenta período de
incubação de 40 a 180 dias. Sua transmissão é predominantemente parenteral (transfusões e
agulhas contaminadas), mas também pode ocorrer por contato sexual e, e m menor
proporção, através de exposição a saliva e outras excreções potencialmente contaminadas.
Em 50% dos casos de hepatite B não há história de exposição parenteral. Entre 1 e 10% das
infecções pelo vírus da hepatite B (HBV) evoluem para a forma crônica: portador
assintomático, hepatite crônica ativa ou persistente, cirrose hepática e carcinoma hepático.
Hepatite fulminante ocorre em 1% dos pacientes. Os determinantes da evolução da infecção
e severidade da doença estão relacionados principalmente a fatores do hospedeiro tais como:
idade, sexo, raça, genética, imunocompetência e estado nutricional. Porém fatores virais
como cepa do vírus, via de contaminação e magnitude do inóculo também são importantes.

Sorologia:

-HBsAg: também conhecido como Antígeno Austrália, é um determinante antigênico


encontrado na superfície do HBV, em partículas menores não infectantes e em formas
tubulares produzidas por este vírus. Aparece na corrente sanguínea de 2 a 6 s emanas antes
do início dos sintomas ou alteração das transaminases, mantendo-se detectável por até 20
semanas. O HBsAg está presente tanto na fase aguda como na crônica. Pacientes que o
mantém positivo por mais de 6 meses provavelmente permanecerão como portadores ou
desenvolverão hepatite crônica. Reações falso-positivas podem ocorrer neste tipo de ensaio,
principalmente em pacientes heparinizados ou com desordens da coagulação. Reações falso-
negativas podem ocorrer quando o HBsAg encontra-se em níveis inferiores à sensibilidade
de detecção dos métodos utilizados.

-Anti-HBc: refere-se a anticorpos produzidos contra antígenos do nucleocapsídeo (core) do


HBV. Existem dois tipos:

a) Anti-HBc IgM: eleva-se concomitantemente às transaminases e declina gradualmente em


6 a 8 meses, sem correlação com cura ou cronificação da doença. Cerca de 5% dos pacientes
podem manter títulos baixos deste anticorpo por até 2 anos. Assim, a presença de anti-HBc
IgM significa infecção aguda ou recente. Eventos que podem ocasionalmente levar a uma
reação IgM positiva na doença crônica incluem: reativação do HBV por utilização de drogas
imunossupressoras e infecção por subtipos diferentes. Podem ocorrer reações falso-positivas,
mas isto é raro. O anti-HBc IgM pode ser o único marcador detectado nas hepatites
fulminantes quando o HBsAg desaparece, pois a produção é limitada pela necrose hepática
severa.
b) Anti-HBc IgG: surge em torno da oitava semana de infecção e tipicamente persiste por
toda a vida. Este anticorpo não confere imunidade. Pacientes positivos para anti-HBc IgG
mas negativos para HBsAg e anti-Hbs devem ser avaliados posteriormente com as seguintes
possibilidades em mente:

• infecção recente, com HBsAg já negativo e anti-HBs ainda não positivo ("Janela
Imunológica");
• infecção crônica, com HBsAg em níveis baixos, indetectáveis por métodos
convencionais;
• infecção prévia pelo HBV com anti-HBs indetectável.

O anti-HBc IgG é o marcador de escolha para estudos epidemiológicos.

-HBeAg: surge na hepatite aguda, logo após o HBsAg. É uma proteína do nucleocapsídeo
viral do HBV, produzida durante a replicação viral ativa, cuja função é desconhecida. É
encontrada apenas no soro HBsAg positivo. A presença do HBeAg cor relaciona-se com
maior quantidade do vírus completo no sangue. Permanece positivo cerca de 3 a 6 semanas,
período em que há alto risco de transmissão. A exposição ao soro ou fluído corporal positivo
para HBsAg e HBeAg está associada a risco de infectividade 3 a 5 vezes maior do que quando
apenas o HBsAg está presente. A maioria dos estudos retrospectivos conclui que a
persistência do HBeAg está associado à evolução para hepatite crônica.

É particularmente útil para determinar:

-Risco de infecção em acidentes com agulha;

-Risco de participação em procedimentos cirúrgicos de profissionais de saúde cronicamente


infectados;

-Risco de infecção em crianças nascidas de mães infectadas (filhos de mães positivas para
HBeAg têm 90% de chance de desenvolver hepatite crônica).

- Anti-HBe: é detectável em 90 a 95% dos pacientes que foram HBeAg positivos, após 2 a
3 semanas do desaparecimento deste antígeno. É o primeiro sinal de recuperação. O
aparecimento do anti-HBe indica redução do risco de contágio. Pacientes anti-HBe podem
ser portadores crônicos, mas têm melhor evolução e menor risco de transmissão.
- Anti-HBs: usualmente é detectado várias semanas ou meses após o desaparecimento do
HBsAg. Pode persistir por muitos anos e depois cair até níveis indetectáveis (permanecendo
apenas o anti-HBc IgG) ou continuar por toda vida. Não é indicador de cura da hepatite. O
anti-HBs é o anticorpo que confere imunidade, porém é específico para cada subtipo, isto é,
não confere proteção contra infecções futuras por subtipos diferentes do HBV. É possível
que pacientes com anticorpos anti-HBs tenham infecção aguda por outro subtipo, isto é,
terem simultaneamente HBsAg e anti-HBs. A presença de anti-HBs isolado pode ser
encontrado em:

-após vacinação para hepatite B (as vacinas são poliespecíficas);

-infecção pelo HBV, em 1-2% dos casos;

-reação falso-positiva inespecífica para anti-HBs.

Apesar desta sequência de aparecimento de antígenos e anticorpos na hepatite B ser


frequente, alguns casos fogem da perfeição dos livros. Eventualmente todas as combinações
de antígeno e anticorpo são possíveis na prática clínica.
EM RESUMO:

1. Marcadores de infecção aguda:


o HBsAg
o Anti-HBc IgM
2. Marcadores para acompanhar a evolução (avaliar a infectividade e prognóstico):
o HBsAg
o HBeAg
o Anti-HBe
3. Marcadores para controle de cura:
o HBsAg
o Anti-HBs
4. Marcadores em estudos epidemiológicos:
o HBsAg
o AntiHBc IgG
o Anti-HBs
5. Marcador nas imunizações:
o Anti HBs

3 - HEPATITE C:

É a hepatite pós-transfusional mais frequente. O vírus da hepatite C (HCV) é responsável


pela maioria dos casos de hepatite não-A, não-B. Tem curso clínico mais indolente e
prolongado que a hepatite B, porém a maioria dos casos é assintomática. O período de
incubação é de 4 a 20 semanas. Sua transmissão é predominantemente parenteral, podendo
ser disseminada por exposição sexual (atinge 8% dos homossexuais masculinos). Tem
propensão a cronificar-se em 50 a 60% dos casos e, destes, 20 a 25% desenvolvem cirrose.

Sorologia:

-Anti-HCV: aparece de 4 a 32 semanas após o início da doença (em média, 15 semanas)ou


de 10 a 30 semanas após a transfusão (em média, 22 semanas). Os testes de segunda geração
atualmente utilizados tem uma positividade de 65% na fase aguda e sensibilidade de 90% na
fase crônica. Entretanto este teste apresenta algumas restrições:

-longo período de "janela imunológica" de até 6 meses entre infecção e soroconversão;


-pacientes imunodeprimidos, como receptores de transplante renal, ocasionalmente têm
infecção pelo HCV sem anticorpos detectáveis;

-há possibilidade de reações falso-positivas na presença de doenças autoimunes, infecções


por outros flavivírus, como a febre amarela e dengue, e soro antigo.

-PCR para HCV: devido a limitação dos testes que detectam anticorpos anti-HCV, a
demonstração da viremia pode ser necessária. A amplificação do ácido nuclêico viral (RNA)
pela reação em cadeia da polimerase (PCR) é um método efetivo para detecção direta de
vírus circulante. As indicações mais frequentes para realização deste exame são:

-confirmação da infecção em indivíduos com anti-HCV (ELISA ou RIBA) positivos ou


indeterminados;

-diagnóstico precoce em pacientes com hepatite aguda;

-monitorização da hepatite perinatal;

-monitorização do tratamento com interferon da hepatite C.

4 - HEPATITE DELTA:

O vírus da hepatite delta (HDV) é um vírus RNA incompleto que requer o HBV para sua
replicação, isto é, ocorre apenas em pacientes HBsAg positivos. O período de incubação é
de 2 a 12 semanas. Aparece em pessoas com exposição parenteral múltipla: uso d e drogas
endovenosas, hemofílicos e politransfundidos. É raro em profissionais de saúde e
homossexuais masculinos. Existem áreas de alta prevalência na Bacia Amazônica, África
Central, Sul da Itália e países do meio leste. Existem duas formas clínicas:
-Coinfecção: a hepatite delta aguda ocorre simultaneamente com a hepatite B aguda;
-Superinfecção: a hepatite delta aguda é superposta à hepatite B crônica.

Deve ser investigada sempre que um paciente com infecção crônica pelo HBV apresentar
piora súbita (superinfecção) ou, na hepatite B aguda, houver curso bifásico, isto é, algumas
semanas após a infecção primária, aparece uma recorrência dos sintomas (coinfecção). A
hepatite delta aguda tem tendência a ser mais grave ou apresentar-se na forma fulminante,
com mortalidade de 2 a 20%. A hepatite delta crônica é mais severa que as hepatites crônicas
B ou C: cronifica-se cerca de 5% na coinfecção e de 50 a 7 0% na superinfecção e, desenvolve
cirrose 60 a 70% destes.

Sorologia:

-Anti-HDV: surgem anticorpos da classe IgM 5 a 7 semanas após o início da infecção,


enquanto anticorpos IgG aparecem apenas na fase de convalescência, em títulos baixos. Pode
estar presente tanto na fase aguda como na crônica da hepatite B. Uma maneira prática para
saber se há coinfecção ou superinfecção é fazer o anti-HBc: sendo positivo o anti-HBc IgM,
será coinfecção, e sendo positivo apenas o anti-HBc IgG, será superinfecção. Quando o HDV
instala-se, consome o HBsAg, cujo título cai, podendo até negativar-se. Neste caso, curando-
se a hepatite delta, o HBsAg volta a ser detectado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. Álter MJ, et al. Risk factors for acute non-A, non-B hepatitis in the United States and
assotiation with hepatitis C virus infection. JAMA 1990;264:2231-5.
2. Aragna, et al. Serological response to the hepatitis delta virus in hepatitis D. Lancet
1987;1:478.
3. Barbara JAJ, Contreras M. Nono-A, non-B heptitis and anti-HCV assay. Vox Sang
1991;60:1-7.
4. Hollinger BF. Serologic evaluation of viral hepatitis. Hosp Practice 1987:101-14.
5. Hoofnae JH, Hsu HH, Feinstone SM. Acute viral hepatitis. In: Mandell GL, Bennett
JE,Dolin R eds. Principles and Practice of Infecctios Diseases. Churchill Livinstone
1995:1136-53.
6. Mc Pherson RA. Laboratory diagnosis of human hepatitis viruses. J Clin Lab Analysis
1994;8:369-77.
7. Shafritz MD. Variants of hepatitis B virus associated with fulminant liver disease. N
Engl J Med 1992;324:1737-8.
8. Sherlock DS. Chronis hepatitis C. Dis Month 1994:128-96.

Você também pode gostar