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HISTORIA! {MODERNA E CONTEMPORANEA Jos ‘Jobsonde A. Arruda ks JOSE JOBSON DE A. ARRUDA Assistente Doutor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da Univ. de S. Paulo. Professor ¢ coordenador do De- Partamento de Histéria do Curso, Colégio e Faculdades Objetivo HISTORIA MODERNA E CONTEMPORANEA 10.2 edigdo G a A meus pais ’ capa: desenho carlografico: consultoria cartogratica: diagramagao: editora atica s.a. séo paulo ary almeida normanha francisco j. urea e joo t. lopes marcelo martinelil irami b. silva todos os direitos reservados rua bardio de iguape, 110 tel.: pbx 278-9822 (60 ramais) caixa postal 8656 end, teleg. “bomlivro” Esta obraeé uma perspectiva sécio-econdmica da Historia Moderna ¢ Contemporanea. Nela o econdmico e 0 so- cial foram destacados dos aspectos politico e cultural. O politico e 9 cultural, quando abordados, foram sempre analisados num contexto sécio-econémico. Entendemos que os fatos politico-culturais nfo podem ser vistos iso- Jadamente, desvinculados da realidade s6cio-econdmica. E que somente uma anilise global é capaz de dar plena compreensio a realidade histérica, Assuntos menos significativos foram dcixados de lado. Preferimos aprofundar o estudo de temas fundamentais, indispensdveis para 0 entendimento do mundo de hoje e, de certa forma, capazes de nos orientar sobre as princi- pais tendéncias do futuro. Isso explica a extensio de capitulos como os da Revolugao Francesa e da Segunda Guerra Mundial. Apresentacéo Na exposigio, tomamos cuidados especiais com a preci- s&o ¢ a objetividade. A relagao de datas e fatos principais, ao final de cada capitulo, ajuda a reter as informacdes essenciais. A mesma fungfio t&m os resumos, com a cs- trutura do assunto estudado ¢ seus pontos mais impor- tantes. Os documentos transcritos procuram conduzir o aluno & época dos acontecimentos, permitindo-Ihe vivén- cia histérica com o tema. As ilustracées tém como fina- Jidade exclusiva auxiliar na percepgdo dos assuntos. Por isso, demos preferéncia aos mapas, graficos e esquemas, ao invés de reprodugées dos personagens histdéricos. Outra inovagio desta obra é a inchusdo, sempre que pos- sivel, de Historia do Brasil. Scgundo princfpios tradi- cionais, um liyro de Histéria Moderna ¢ Contemporanea deveria conter apenas matéria relativa 4 Histéria Geral. Preferimos, porém, introduzir nosso pais no contexto da Historia Geral, relacionando diretamente os fatos da His- téria do Ocidente © suas implicagdes com a Histéria do Brasil A obra destina-se aos alunos do ensino de 2.° gran, aos candidatos a vestibular, especialmente aqueles que pre- tendem fazer cursos de Ciéncias Humanas. Também sera Util, como ponto de referéncia, aos alunos de primeiro ano das Faculdades de Histéria, Estudos Sociais, Comuni- cacao, Turismo-e Educagao. O Autor CIP-Brasil. Catalogagéo-na-Fonte Camara Brasileira do Livro, SP Arruda, José Jobson de Andrade, 1942- A817h Histéria moderna e contemporfinea / José Jobson 10.ed. de A. Arruda. — 10. ed. — Sio Paulo : Atica, 1979. Suplementado por caderno de atividades e manual do professor. Bibliografia. 1, Hist6ria_ moderna Século 20 L. Titulo. 2. Histéria moderna — CDD—909.08 909.82. 78-1194 Indices para catélogo sistemético: Histéria : Século 20 909.82 2. Historia moderna 1450/1500- 909.08 3. Século 20 : Histéria 909.82 Obra aprovada pela Equipe Técnica do Livro e Material Didatico, Proc. n° 1488/75, publicado no Didrio Oficial do Estado de Sio Paulo de 21-01-76. Indice ~~ (85) 101 WW 119 129 137 145 Af 6 LA fy /93) . Inicio dos Tempos Modernos Transigéo do feudalismo ao capitalismo. A expanstio comercial © maritima européia O Renascimento A Reforma Religiosa As monarquias nacionais As relagGes internacionais O Estado absolutista O absolutismo monarquico / O mercantilismo Tipos de mercantilismo ¢ o sistema colonial A colonizagao curopéia A colonizagao portuguesa: o Brasil As revolugoes inglesas do século XVII As relacées internacionais durante os séculos XVII ce XVUI A crise do Antigo Regime Mecanizagio da industria: antecedentes e carac- teristicas Projegées e difusfio da Revolugio Industrial A critica do Antigo Regime: O Iuminismo A Independéncia dos Estados Unidos 157 Wi 179 189 197 207 219 229 237 245 253 263 273 281 287 A Revolugéo Francesa Napoleio ¢ o Império A Santa Alianga ¢ a Independéncia das Colénias Latino-Americanas A Independéncia do Brasil O movimento liberal e as nacionalidades As reyolugées de 1830 ¢ 1848 ¢ o socialismo A unificacao italiana © alema A industrializagao no século XIX e 0 novo colonialismo A Guerra de Secessiio (1861-1865) A economia brasileira no século XIX A Era Vitoriana A partilha afro-asidtica A Grande Guerra As crises internacionais ¢ a paz armada O conflito europeu e mundial Os tratados do apés-gucrra O periodo entre-guerras As repercussées da Grande Guerra no Brasil A Revolugio Russa de 1917 299 311 319 327 333 347 365 373 379 385 391 397 403 409 417 423 427 436 As democracias liberais A crise econémica de 1929 A luta dos Estados Unidos contra a crise As repercussées mundiais da crise: o Brasil Totalitarismos: Itélia, Alemanha e Espanha A Segunda Guerra Mundial O conflito mundial e as novas condigdes inter- nacionais Reconstrugao da Europa — ONU — Guerra Fria A hegemonia americana O socialismo na Unifo Soviética O progresso econédmico do Brasil O mundo contemporaneo A descolonizagao: Africa ¢ Asia Tendéncias do mundo atual Nacionalismo e descolonizagio: América Latina O Brasil moderna A década dos anos 60 Os primeiros anos 70 Indice analitico Bibliogratia eae gon n § € ine lagos sh Spgs f § | ao p HT) | vine eeerrlae vassalagem SST IT a a er RELAGAO a8 SERVIL : a (Relagéo direitos obrigag6es/ principal: - a define a © sistema : social) a => SERVOS (predutores diretos) RELAGAO SOCIAL NO FEUDALISMO FEUDALISMO CLERO: -oragao NOBREZA: governagao TRABALHADORES: produgao SOGIEDADE ESTAMENTAL: as camadas sociais definem seu jugar na hierarquia pelo nascimento RELAGAO ASSALARIADA (Relago Principal: define 9 sistema a a aoe social) 5 , = a Ss TRABALHADORES RELAGAO SOCIAL ae A CAPITALISMO proprietérios dos meios CAPITALISTAS de produgdo eee ASSALARIADOS {nfo-proprictarios SOCIEDADE DE CLASSES: hiorarquizagho obedece a critérios econdmicos: 10 Inicio dos Tempos Modernos/’ Transicao do Feudalismo ao Capitalismo Do feudalismo ao capitalismo Por volta do século XII, com a desintegragiio do feudalismo, comega a surgir um novo sistema econémico, social ¢ politico: o capitalismo. A caracteristica essencial do novo sistema é 0 fato de, nele, o trabalho ser as- salariado ¢ niio servil, como no feudalismo. Outros elementos tipicos do capitalismo: economia de mercado, trocas monetarias, grandes empresas e preocupacgéo com o lucro. O capitalismo surge com o desenvolvimento do comércio, depois das primeiras Cruzadas. Foi sc formando aos poucos durante o periodo final da Idade Média e s6 atingiu toda a Europa depois do século XVI. A par- tir dai evoluiv até nossos dias, passando por etapas bem caracteristicas. E 0 que veremos a seguir. Etapas do desenvolvimento do capitalismo Da Idade Média até hoje, o capitalismo passou por quatro fascs diferen- tes, cada uma com caracteristicas préprias. A primeira, chamada pré-capi- talismo, corresponde ao periodo de formagio desse sistema. Nessa época — IL séculos XII a XV, aproximadamente jé existiam as caracteristicas gerais do capitalismo, mas o trabalho assalariado ainda nifio estava gencralizado: predominava o trabalho artesanal, constituindo-se os artesfios em pequenos trabalhadores independentes que vendiam o produto de seu trabalho, Nao existiam ainda grandes fabricas onde os trabalhadores recebessem salarios — os préprios artesios eram os donos de suas oficinas, ferramentas e matéria-prima. A partir do momento em que as pequenas oficinas foram substitufdas pelas manufaturas e os ariesfios passaram a trabalhar a troco de um salario, iniciou-se o capitalismo propriamente dito. No inicio o capitalismo foi comercial. Entre os séculos KV e XVII, aproximadamente, 0 trabalho assalariado ja estava generalizado .¢ a ativi- dade comercial suplantara a agricola e a industrial. A Revolug&o Industrial provoca a terccira etapa do desenvolvimento do sistema capitalista, agora com a supremacia da atividade industrial. Essa nova fase, chamada capitalismo industrial, surgiu na Inglaterra, no século XVIIL, ¢ foi, aos poucos, se estendendo ao resto do mundo: no Brasil, por exemplo, a industrializagio data de meados do século XX. Ainda hoje ha nagées que nao passaram pela revolugdo industrial, vivendo, em geral, da agricultura. A etapa atual do capitalismo, nos pafses em que cle mais se desen- volveu, é chamada capitalismo financeiro. Nele, indistria, ont cultura e pecudria dependem dos empréstimos bancarios. Os bancg che- gam a possuir indistrias, casas comerciais, empreendimentos aggtolas ¢ pastoris. E a hegemonia da atividade bancdria. O pré-capitalismo Varios foram os fatores que contribuiram para o surgimento do capitalismo. As Cruzadas propiciaram o renascimento do comércio na Europa, que deu trabalho a numerosos desempregados. Produtos orientais — especiarias, principalmente — comegaram a ser importados ¢ distribuidos a partir dos portos da It4lia. Os saques efetuados nas cidades mugulmanas colocaram numerosas moedas em circulagio. Para explorar esse comércio foram or- ganizadas grandes companhias que possuiam numerosos donos (“acionis- tas”) e barcos. Vdrias rotas comerciais foram desenvolvidas: a do Medi- terraneo ligava as cidades italianas a Constantinopla e a outros portos do litoral oriental desse mar, a da Champagne ligava a Italia A Flandres, de onde partia a rota do Mar do Norte, rumo a Constantinopla. Formou-se, assim, um anel de comércio, que se desenvolveu rapidamente. Rotas se- cundarias se ligavam as principais, formando verdadeiros nés de tréansito onde paravam os comerciantes para trocar ¢ vender seus produtos. Assim surgiram as feiras medievais, que eram de cardter temporario; pouco a pouco elas foram se prolongando e estabilizando, acabando por se tornar centros permanentes de trocas, cidades. 12 Fortaleza cristé no Reino de Jerusalém, denominada o Krak dos Cavaleiros. Nessas cidades, chamadas burgos, habitavam os comerciantes que, por isso, foram chamados burgueses. Os burgueses entravam em acordo com o senhor feudal a quem pertenciam as terras da cidade, pagando-lhe anualmente uma soma em dinheiro; para defender seus interesses con- tra comerciantes estrangeiros, organizavam-se em associagdes. Muitos ar- tesios se estabeleceram nos centros urbanos ¢ organizaram-se, por sua vez, em corporagées de acordo com a mesma profissdo. As corporagdes evitavam a concorréncia externa e a rivalidade entre os artesios de uma mesma cidade, regulando a quantidade, qualidade e preco da produgio de cada um; adequando a produgio ao consumo (dos habitantes do burgo ¢ da zona rural préxima a ele), nao havia risco de superprodugio. As trocas no mercado urbano. Cada artesao tinha. sua prdpria oficina, na qual se trabalhava com as portas abertas, para que os compradores pudessem, a qualquer mo- mento, inspecionar a qualidade do servigo. A matéria-prima ¢ as ferra- mentas pertenciam ao artesfio, que era um shestre na sua especialidade. Seus filhos, ou algum parente, podiam auxilia-lo em troca do aprendizado da profissao; durante esse tempo, os aprendizes eram sustentados pelo mestre. Excepcionalmente, nas cidades muito grandes, onde a inddstria de tecelagem da la cra desenvolvida, os mestres contratavam diaristas, — so estes os antecessores dos assalariados — que s6 se tornariam mais nu- merosos a partir do século XVI. 14 eee. Documento “Em Paris, s6 pode ser ouriyes quem fizer 0 juramento e basico Datas e fatos essenciais trabalhar segundo os usos © costumes dessa profisstio: Nenhum ourives pode trabalhar 0 ouro se nfo for com a melhor técnica, ¢ 0 produto deve exceder em qualidade a todos os ouros trabalhados em outras tetras, Nenhum ourives pode cunhar moeda que no seja tio boa quanto a libra esterlina ou melhor, Nenhum ourives pode ter mais que um aprendiz estran- Biro, que deverd ser parente seu ou de sua mulher, proximo ou distante, desde que isso Ihe apraza, Nenhum ourives pode ter gprendiz privado de menos de dez anos. S6 poderé ter aprendizes sob 2 condigtio de que ganhem com soldos av ano, mais suas despesas de beber © comer, Nenhum ouriyes pode trabalhar A noite se nio for para © rei, a rainha ou seus filhos ¢ irmios, ¢ para o bispo de Paris. Nenhum ourives deve pedégios e outros tributos. Nenhum ourives pode abrir sua forja no dia do Apéstolo (festa dos Santes Pedro ¢ Paulo), salvo se for no séhado ou se tratar de oficina onde trabalhe um Por vez, em rodizio, a qual poderé abrir nestas festas ¢ aos domingos. Tudo © que ganha aquele que abriu a forja nesses dias € colocado na caixa da Companhia dos ouriyes, onde se colocam as moedas para Deus e com o dinheiro dessa caixa dé-se a cada ano, no dia de Péscoa, um jantar aos pobres do Hétel-Dieu de Paris, Os ourives juraram ter e guardar bem ¢ lealmente todas estas -instituigdes. Livre des Métiers d’E, eau, 1. [., t. XI. Collection Histoire J. Mon+ nier, vol. V, pag. 269, Século XII; Séeulo XII: Inicio da desintegragso do feudalismo. Comeco da formacao do cepitalismo. Século XV: Inicio da formacio do capitalismo comer- cial. Séeulo XVIII: Inicio do capitalismo industrial. Século XX: Inicio do capitalismo financeiro, Resumo 1. O capitalismo comeca a surgir a0 mesmo tempo em que se ii feudalismo. Caracterfsticas do capitalismo: trabalho assalariado, eco- nomia de mercado, trocas monetérias ¢ espirito de lucro. | nae 2. As principais etapas do capitalismo sto: pré-capitalismo, niclo capitalismo comercial, capitalismo industrial © capita- Femo france. dos Tempos * aD Renmtghnente do cone aeiths das Cruvaias Modernos /A Expansao ento do comércio depo ! b) Intensifieagdo da circulagdo monetéria. jor volta do século XII, ia a desintegracio do { } c) Descobrimento de noyas rotas de comércio. Sc § | M 3% & Concentraglo; de’ meentetinenes: cliamados nés-de omercial e Maritima transito. ©) Nascimento de cidades ou burgos. | 1) Orennteacio xomettl amt Modisto;/conlesten, > oa Européia oficiais, aprendizes e jornaleiros. Vocabulario Acioiista sadividie gue jossit’ apo “ow agoes de uma f empresa. Artesio: trabalhador individual que possufa os meios de bs produgéio, anes do aparecimento das empresas. Introdugdo Capitalismo: sistema de produg&éo que se baseia no tra- a Dalhoy esealatiads ‘eimai lyre empress O século XVI foi marcado pela agitacio, pelo movimento. Esse dinamismo | Diarista: trabalhador que ganha por dia, ja havia comecado nos fins da Idadc Média, mas foi entéo que tomou Economia de consumo: produg&o destinada ao abasteci- impulso jamais visto. Os europeus se langaram & descoberta e A conquista mento local, auto-suficiente. | de novos continentes e, contornando 2 Africa, ao comércio com os paises Feudalismo: sistema econdmico baseado no trabalho servil, | do Oriente distante. Impérios coloniais foram fundados nas terras da Amé- obrigatario. rica. Coldnias e estabelecimentos comerciais s6lidos e présperos foram organizados na Asia. E de toda essa expansiio a Europa recebeu os frutos Matéria-prima: produto natural destinado & industrializacao. ee e Pgs 4 e a influéncia que determinaram um novo perfodo histérico: os Tempos Nés de transito: cruzamento de rotas onde os mercadores Se Modernos se cncontravam. Sistema: conjunto de partes (estruturas) inter-relacionadas, formando um todo. vy ee Trabalho assalariado: trabalho pago por salirios. Fatores da expansdo européia | Trabalho servil: trabalho prestado, obrigatoriamente, a um | senhor, a) Econémicos Se procurarmos explicar os descobrimentos marftimos dos séculos KV c XVI, veremos que o fator que mais os estimulou foi, sem dtivida, 0 eco- némico. 16 Te A Europa estava passando por uma crise econémica de desenvolvi- mento, nessa Epoca. No século XIV, Passara por uma crise de estagnacio, Porque © sistema de produgio feudal j& nao se adaptava as necessi- dades das cidades grandes; nao se conseguia, por exemplo, obter Produtos agricolas em quantidade suficiente. Desde o século XII, a retomada das atividades comerciais vinha pro- vocando o crescimento e 0 progresso da vida urbana, Com isso, mais gente Passou a morar nas cidades, Para alimentar toda essa Populagao era pre- ciso que a produgio agricola aumentasse, pois ela ja n&o se destinaya s6 aos habitantes de cada feudo © também jé nfo havia tantas pessoas para trabalhar. Mas, em vez disso, aconteceu justamente o contrario: houve um século quase inteiro de secas c as guerras (principalmente a dos Cem Anos) mataram grande numero de lavradores e destruiram as colheitas. A dimi- nuigio da quantidade de Produtos agricolas fez com que © seu preco au- mentasse de muito. Mal alimentadas, as pessoas ficaram mais fracas para resistir As doengas, Principalmente & peste negra, trazida do Oriente pelos mercadores dos meados do século XIV. Assim, a populagiio foi reduzida a um terco. A recuperagio da Europa, depois desse perfodo dificil, foi extraordi- a. A partir do século XV, a populagao voltou a crescer rapidamente, Por volta dos meados do século, entretanto, surgiram novos problemas economicos. O comércio das especiarias, em torno do qual girava toda a atividade mercantil européia, apresentava dois problemas graves: os nobres, que as compravam, estavam empobrecendo cada vez mais; 0 Mediterraneo, por onde os comerciantes de especiarias precisavam passar, tornara-se mono- polio de italianos e arabes. Por isso, o prego dos produtos aumentou con- sideravelmente. Se as especiarias continuassem custando tao caro, dentro de algum tempo ninguém mais teria dinheiro Para compra-las; assim, cra Preciso encontrar uma maneira de baixar © seu prego (climinando og ine termedidrios, ou encontrando novos mercados abastecedores). Outros problemas econémicos somaram-se a esse: 0 da produgio agricola, por cxemplo. Ja vimos que ela se tornara insuficiente para abas- fecer a populagao das cidades. Ora, aumentar a quantidade de terras cul- tivadas ou de pessoas trabalhando nelas nao resolveria a questao. A aqui- sigfio de novos mercados fornecedores, porém, solucionaria o problema, como no caso do comércio das especiarias, Vimos tambéin que a populagao das cidades crescera muito a partir do século XV. Ora, quem consumia os Produtos fabricados nas cidades era a populagiio dos campos vizinhos, além do comércio internacional. No primeiro caso, a produgao ficava limitada A capacidade de consumo — bastante pequena — da populagdo local: os trabalhadores ficavam, assim, impedidos de desenvolver toda a sua capacidade (nfo adiantava produzir se néo havia a quem vender). Para que se pudesse cmpregar toda a capa- cidade produtiva da populacio urbana, scria preciso ampliar o mercado 18 yt consumidor. Isso s6 seria possivel se novos mercados fossem encontrados, © novos mercados sé hayia fora da Europa. No caso do comércio inter. nacional, as cidades ligadas a ele sofriam as conseqiiéncias dos altos ¢ baixos da exportacdo, além dos efeitos de fatores naturais (secas, pragas, enchentes) sobre a produgdo. Ocorria, pois, uma crise de mercado. Por fim, a falta de metais preciosos para a emissio de moedas atra- palhava o comércio. A compra de especiarias desviara para o Oricnte muito metal (inheiro) europeu e o proprio fato de as atividades comer- ciais terem se desenvolvido tornara indispensdvel o aumento das moedas em. circulagéo. Como as minas européias nao produziam metal precioso suficicnte, sé havia uma solugio: obté-lo fora da Europa, através da pro- pria mineragdo, ou entéo por meio de um comércio lucrativo. b) Sécio-politicos Apesar de sua grande importéncia, os fatores econdmicos no foram os Umicos. A ascensiio social de uma nova classe, a dos comerciantes ¢ arte- sdos (burguesia mercantil), também ajudou a expansdo comercial e mari- tima. Desejosos da paz e da estabilidade necessdrias ao bom andamento dos negécios, os burgueses favoreceram a centralizagiio do governo e o for- talecimento do poder do rei. © aumento das rendas, possibilitando ao Estado armar exércitos e aos comerciantes expandir os seus negdcios, contribuiu para as exploragdes maritimas, c) Religiosos O ideal mission4rio em Portugal e na Espanha, que até hd pouco tempo tinham estado em luta contra os mugulmanos, e o espirito de Cruzada ser- viram de pretexto para justificar a expansao européia (as terras pelas quais comegou a expansio eram dominadas, ao menos uma parte, por povos n&o-cristios). dg) Culturais O desenvolvimento da arte da construg&o naval e da navegagdo, 0 uso da bitssola ¢ do astrolabio, aliados A invengio da caravela pelos portugueses, tornaram possivel a navegagio em mar alto. O prépric conceito de que a Terra é redonda (durante a Idade Média acreditava-se que ela tivesse a forma de um disco) levou a conclusio de que seria possivel atingir qual- quer continente pela navegacio maritima em linha reta: partindo de um ponto qualquer e navegando sempre na mesma direc&o, dever-se-ia voltar finalmente ao ponto da partida. 19 ey EUROPA ~ ena reones ly ANF 3 os Freer oR luapsina A , Se ASIA AFRICA 4 CAUCUTE 458) bcmen 2 = (1482-1485) eS. * ‘, i , % e A alee n00 fh 200 | s ESEEMANGA (1408) | “Feamanse*" Etapas da expansio maritima portuguesa. A expansao portuguesa Desde o século XIII Portugal jé mantinha relagGes comerciais estreitas com a Inglaterra, Flandres (Bélgica e Holanda atuais) ¢ as cidades italianas; j4 vinha, também, tomando uma série de medidas para estimular a cxpansaio comercial e maritima: fez acordos internacionais para proteger os navios merecantes dos ataques dos piratas muculmanos. Enguanto foi promovida pelos burgueses, 2 expansdo portuguesa teve fins pacificos e comerciais, nas ocasides em que os nobres as dirigiam, as expedigdes tenderam mais ao saque ¢ A conquista das grandes cidades mu- culmanas, “infiéis”, do norte da Africa. Foi sob a regéncia de Dom Pedro que @ expansiio portuguesa viveu o seu grande momento, quando se tornou um processo praticamente irreversivel. Algum tempo depois comecou a exploragio comercial, organizada sob a forma de concessées e monopélios, que levaria os portugueses as Indias (sé em 1460 se falou pela primeira vez na possibilidade de chegar até la), A importancia que se costuma atribuir & Escola de Sagres na forma- go dos navegadores que se langaram aos grandes descobrimentos é rela- tiva, pois os pilotos interessados no comando das expedigdes procuravam 20 s| 3 EUROPA De > eo ore ey ” Dom Henrique apenas para obter dele o financiamento das suas viagens (0 dinheiro nao era do préprio Dom Henrique, mas da Ordem de Cristo, fundada para combater os drabes). Os descobrimentos se sucederam: Ceuta (1415), Madeira, Agores, Ca- bo Bojador, Cabo Branco, Cabo Verde, Golfo da Guiné, até a passagem do Equador, em 1471. Em 1487, Bartolomeu Dias ultrapassou 0 Cabo das Tormentas. Ao seguir a mesma rota, em 1497, Vasco da Gama tocou Mogambique e Melinde, na Africa Oriental, antes de atingir Calicute, na costa oeste da India, fazendo assim 2 primeira ligacdo direta por mar entre a Europa Ocidental ¢ os paises marftimos do Oricnte (1498). ‘Vasco da Gama voltou a Lisboa em 1499, com suas embarcacées carregadas de especiarias, Para organizar o comércio com o entreposto en- contrado por Vasco da Gama, partiu de Portugal, em 1500, a frota co- mandada por Cabral, que atingiria, de passagem, 0 Brasil. A formagao do Império Colonial Portugués foi iniciada por Afonso de Albuquerque, pelo dominio da passagem do Mar Vermelho em direco & Europa, com o que se conseguiu o monopslio dos produtos orientais. Os portugueses fixaram-se em Goa (capital comercjal do Oeste da India), Diu e Cochim; a tomada de Malaca, em 1511, abriu-lhes 0 caminho da Indochina; em 1517, alcancaram a costa da China e em 1520 foram rece- bidos em Pequim, o que lhes permitiu comerciar com Cantao. Monopélio das especiarias no Império Colonial Portugués (1515-1530). Feitrias qué impeden envio. FULIPINAS an ’ ho nas D4 ESP RO ° : » Bete. oO ais, rs 21 \ glee BS ny Ce ay nS ARBan Saeet o oumatay Ae ook Hoya Que wos -2, OCEANIA Vas Sas y | Os portugueses, muito exploradores a principio, foram aos poucos obrigados pelos orientais a comerciar com mais justiga. Os produtos eram trocados nas feitorias militares que os primeiros fundaram no Oriente. Todos os anos uma frota partia de Lisboa ¢, depois de dobrar o Cabo da Boa Esperanea, aproveitava as mongées de Sudeste para atingir Goa; dois meses depois voltava carregada de especiarias, objetos raros e pedras pre- ciosas. Outros barcos garantiam a ligagio entre a India e os portos mais distantes da China. A proteg&o desse comércio ¢ a manutengZo do monopélio deram por algum tempo aos portugueses a supremacia comercial na Europa, mas de- pois acabaram acarretando tantas despesas que foram tornando antieconé- mica a atividade mercantil: além de ser preciso guarnecer a costa ¢ os por- tos, os barcos eram caros, nao resistiam a muitas viagens e eram comuns os naufrdgios. Com a diminuigio dos lucros, os empresarios portugueses reduziram seus investimentos no Oriente e deixaram todos os gastos a car- go do Estado. Assim, depois de 1530,esse comércio entrou em franco de- clinio. Portugal voltou-se entio para a exploragio comercial agricola do Brasil. A expansao espanhola . Os espanhdis estavam tio atrasados em relagio aos portugueses (nos fins do século XV ainda nio tinham conseguido a total unidade do pais) que foi praticamente por acaso que o italiano Crist6vao Colombo entrou para o servigo dos reis da Espanha. Antes disso, Colombo procurara o rei de Portugal, que nao se interessou pelos seus servigos. Na Espanha, conse- guiu_o apoio de ricos armadores e da Rainha Isabel de Castcla, que Ihe confiou o comando de trés navios prometendo-lhe o cargo de vice-rei das terras descobertas (Colombo afirmava poder alcancar as Indias, navegando para o Ocidente). Partindo das Candrias, depois de navegar 33 dias chegou em 1492 as ilhas Lucaias, Cuba e Sao Domingos. Pensando estar nas Indias, chamou os habitantes da terra de indies, nome que conseryvam até hoje. Depois de retornar 4 Espanha fez ainda trés viagens, nas quais descobriu varias outras ilhas das Antilhas ¢ parte da América Central. Intrigas politicas na corte espanhola (a acusagao de pretender o poder total nas terras do Novo Mundo) fizeram-no cair no esquecimento. Foi um navegador de Florenga, Américo Vespicio, companheiro de Colombo em varias expedigées, que comegou a suspeitar, acabando final- mente por provar que as terras encontradas niio eram as Indias, mas um novo continente, entre a Europa ec a Asia. Dai o nome América. As descobertas espanholas continuaram. Em 1513, Balboa cruzou a América Central ¢ viu pela primeira vez o Oceano Pacifico. Ferntfio de Magalhaes comegou em 1519 a prinieira viagem de navegacéo em torno 22 oy NTE So Selo eae MON As viagens de Colombo e Cabral. do mundo; morreu em 1521, nas Filipinas, antes de termindé-la; quem a completou foi Sebastido del Cano, em 1522, comprovando assim a esferi- cidade da Terra — a expedigio partiu de Cadiz e, navegando sempre na mesma diregio, yoltou ao ponto de partida. Primeira viagem de circunavegaciio. Enquanto os portugueses permaneceram na costa das terras conquis- tadas, os espanhdis penetraram no territério em busca de riquezas, Descobriram, assim, civilizagdes muito adiantadas ¢ ricas, como a dos astecas, no México, e a dos incas, no Peru; assaltaram e escravizaram esses povos, pondo-os a trabalhar nas minas de ouro e prata e na exploragiio Saricala que organizaram para atender ds necessidades das préprias co- mias. Com a descoberta dos metais, obtiveram a hegemonia na Europa, dai as diferengas marcantes na forma de organizacio do comércio colonial dos impérios portugués e espanhol. Os lucros da exploragio colonial foram enormes. Todos os anos uma frota partia de Scvilha para Vera Cruz (no atual México), e voltava carre- gada de metais preciosos. A abundancia de metais promoveu a hegemonia da Espanha na Europa ¢ inflacionou cnormemente os precos, que quadru- plicaram no decorrer do século. O centro da economia européia, que até entéo fora o Mediterraneo, deslocou-se para o Atlintico. A expansao inglesa e francesa AMERICA DO NORTE | “o aes | >, Gi AMERICAl CENTRALSY™ Se a... . é a : a \ AMERICA Q ‘Sy DO - j i j SUL © uf 4 j Bap tex OADet lnalators) 1} Jaccues Cartier (Franga) Se aus be As viagens de exploracdo inglesa e francesa. 24 a 1 Tanto a Franga como a Inglaterra tiveram varios problemas internos que atrasaram ¢ dificultaram a sua expansio: foi demorado o processo de cen- tralizagdo do poder do Estado nas mis do rei ¢ houve varias guerras in- ternas (como a das Duas Rosas, na Inglaterra) e externas (como a dos Cem Anos, entre esses dois patses). O éxito da Espanha e de Portugal estimulou os franceses e ingleses a comegarem também a sua expans&o: Verazzano, florentino, percorreu as costas da América do Norte em nome de Francisco I, da Franga. Jacques Cartier descobriu o estudrio do Rio Séo Lourengo, no atual Canadé, As expedigdes de Giovanni Caboto, a servigo de Henrique VIL, permitiram © reconhecimento das costas do Labrador e Terra Nova. Estas primeiras tentativas foram bastante limitadas nos seus efeitos. Os maiores éxitos de franceses e ingleses, no plano da colonizagao sistcmatica, viriam somente nos .inicios do século XVII. Documento Chegada de Vasco da Gama a Calicute: basico “Neste mesmo dia (domingo, 19 de maio de 1498), & tarde, navegamos ac longo da costa, pouco mais de duas léguas, nas proximidades de Calicute, Ao ancorarmos, quatro em- barcagGes da terra vieram ao nosso encontro; queriam saber quem éramos; aproximaram-se e yoltaram & cidade. No dia seguinte os mesmos barcos vieram ter aos nossos navios. Entéo 0 capitéo-mor enviou um degredado a Calicute. Os habitantes trouxeram até o nosso homem dois intérpretes que falayam castelhano, mouros de Ttinis. O primeiro cum- primento que Ihe deram foi textualmente o seguinte: Diaho, © que o traz aqui?’ Em seguida perguntaram o que vinha- mos procurar, tao longe. Ele Ihes respondeu que vinhamos procurar cristaos e especiarias.« Os mouros responderam: “Por que nao os enviaram aqui nem o rei de Castela, nem © rei da Franca, nem 0 senhor de Veneza?? © degredado respondeu que o rei de Portugal queria evitar que aqueles soberanos atingissem essas paragens; disseram-lhe os mou- ros que o rei fazia hem. Deram-he hospitalidade e o conyideram a comer mel e pao de trigo; ao terminar a refcigfio, yoltou aos navios. Quando retornou a bordo trouxe consigo um dos moures que comegou a dizer ao chegar: ‘Boa sorte!... Boa sorte!... muitos rubis... muitas esme- 25 Datas e fatos essenciais Resumo 26 raldas... Vocés devem dar gragas a Deus por t8los con- duzido a uma terra de tantas riquezas!...’ O que ouviamos nos causou enorme espanto, pois nio podfamos acreditar que houvesse tio longe de Portugal um homem capaz de falar a nossa lingua,” Jornal da viagem de Vasco da Gama, publicado por E. Charton, Voya- geurs Anciens et Modernes, tomo Ill, pig, 243, citado por L. Go- thier c A. Troux, Recueils de Tex- tes d’Histoire, tomo III, Les Temps Modernes, pag. 17. Século XI Século XV: Crise de estagnagiio. Surto de desenyolyimento, 1415: Tomada de Ceuta. 1487: Passagem do Cabo das Tormentas. 1492; Descobrimento da América. 1498: Chegada de Vasco da Gama 4s Indias. 1500: Descobrimento do Brasil. 1522; Primeira viagem de circunayegagéo. 1. A expanséo européia constituiu um elemento funda- mental dos Tempos Modernos. Varios fatores condi- cionaram essa expansdo; econdmicos, sécio-politicos, religiosos e culturais. a) Eeonémicos: estagnagdo da economia européia, es- timulando assim a busca de noyos mercados con- sumidores e fornecedores. b) Sécio-politicos: ascensio social da burguesia mer- cantil e fortalecimento do Estado Nacional. c) Religiosos: presenca dos ideais religiosos ainda resultantes das Cruzadas. d) Culturais: aperfeigoamento técnico dos instrumentos de navegagao: btissola e astrolébi aA id) 2. A expansio portuguesa foi pioneira por uma série de motiyos: a) As atiyidades comerciais dos portugueses eram in- tensas nos fins da Idade Média. b) Em grande parte, sua expansio foi conduzida pela burguesia mercantil, que a orientou para o Sul da Africa, visando ao comércio. c) Quando a nobreza participou da expansio, con- duziu-a para o Norte da Africa, com propésitos apenas belicosos, d) A Fscola de Sagres nfo foi tao importante como. se pensa, Valeu mais pelo estimulo econdmico, €) Os portugueses comegaram em Ceuta (1415) & ter- minaram contornando a Africa em 1487. Em 1498 Vasco da Gama atingiu as {ndias e Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil em 1500. 1) Os portugueses formaram scu Império Colonial nas Indias, transformando Goa na sua capital co- mercial. g) Os custos de manutengio do comércio oriental tornaram-se cada vez mais cleyados, reduzindo os lucros. Em 1550, os portugueses estayam abando- nando as Indias pelo Brasil. A expansiio espanhola diferiu muito da portuguesa: os espanhéis encontraram ouro € prata nas suas coldnias. a) As terras espanholas foram descobertas mais ou menos ao acaso por Cristévio Colombo, que fez varias viagens & terra descoberta em 1492. b) Em 1522, completouse a primeira viagem de cir- cunavegagio iniciada por Fernao de Magalhiies ¢ completada por Sebastido del Cano. ©) Os conquistadores espanhéis descobriram as civili- zacbes précolombianas da América, ricas em me- tais preciosos. d) Um sistema de frotas foi organizado com a fina- lidade de transportar metais preciosos para Sevilha (Espanha). ¢) Esses metais inflacionaram os pregos ¢, juntamente com as especiarias portuguesas do Oriente, forca- ram a passagem do eixo econdmico para o Atlén- tico. 27 4. No século XVI, as expansées inglesa ¢ francesa foram menos significativas. Sua importincia maior estaria no século XVII. a) A demora da Inglaterra e da Franca para entrar na corrida colonial deveu-se a problemas politicos in- temnos e externos; Guerra dos Cem Anos, Guerra das Duas Rosas. b) © interesse franco-britanico concentrowse na Amé- rica do Norte e Canada. Vocabula Astrolabio: UO M Nividide’ melcentllr “elividale, comeiéial (omeen tera troca_ ete.). Concessio (comercial): direito de explorar comercialmente determinado ramo ou regiao. Crise de desenvolvimento: crise que se dé em momento de expansio por causa do aparecimento de elementos que impedem a continuidade dessa expansio. Crise de estagnacio: diminuicao da procura (de bens e servigos). Crise de mercado: desequilfbrio entre a oferta ¢ #) pro- cura. Economia: conjunto das atividades econdmicas (igricul- tura, industria, coméreio); preocupagéo em poupar ec, assim, capitalizar. Entreposto: estabelecimento, feitoria. Estado: territério administrado por um governo sobcrano e dotado de Icis préprias. Feitoria: estabelecimento comercial, em geral situado no litoral. Hegemonia: supremacia, poder de maior influéneia. Inflacionar: cmitir moedas em quantidade exagerada, pro- vocando a sua desyalorizagio.” Intermediario: comerciante. Investir: empregar dinheiro Mereado: conjtinto dos compredores e produtores. Mercado abasteccdor: produtores. Mercado consumidor: compradores. €poca ou ventos favordveis 4 navegacio. direito exclusivo sobre a produgdo ou co- inércio. instrumento para medir a longitude ¢ latitude.. “+t Inicio dos Tempos Modernos/O Renascimento Introdugao O Renascimento marcou o inicio dos Tempos Modernos no plano cultural. Comegou nos fins da Idade Média e atingiu a plenitude entre os séculos XV e XVL A denominagio Renascimento foi resultado da preocupagdo dos homens que viveram esta evolucao cultural, em aproximar a sua época da Antigiiidade. Consideravam, portanto, que a sua €poca via renascer a cultura antiga, a partir da qual se orientavam, em oposigao 4 cultura me- dieval, que desprezavam. Origens do Renascimento O Renascimento comegou na Italia e seu desenvolvimento e difusio foram possiveis gracas a uma série de circunsténcias da histéria italiana. Com o progresso das cidades e do comércio, muita gente enriqueceu a ponto de ficar em condigdes de proteger os artistas e gastar bastante com a Arte; os protetores dos artistas eram chamados mecenas. Estes acabavam conhecidos ¢ respeitados por todos. A Arte os ajudava a conseguir cré- ditos e a divulgar as atividades das suas empresas, contribuindo para o seu progresso. 29 — . ity ce He @ Se, PAISES BAIXOS| POLONIA ESTADOS ALEMAES] ® < ec EUROPA AFRICA EE] Penascimento civt 1 Renascimenso cortesio Principais centros do Renascimento italiano e sua difusiio. \__ Os principes, cada vez mais poderosos, desejando legalizar sua auto- ridade, recorriam 2os humanistas que justificavam e divulgavam seus atos e idéias. \, _ Como o fato de ser mecenas era sinal de prestigio, o interesse social uniu-se ao econdmico e ao politico em beneficio do Renascimento. A produgao artistica foi favorecida pelo equilibrio existente entre as forcas universais representadas pelo Papado e pelo Império, que sc empe- nhavam numa Iuta para o controle politico da Itdlia. Além disso tudo, a Itdlia tinha sempre diante dos olhos os monumen- tos, construg6es e obras de arte da Antigiiidade greco-romana. __ Foi s6 bem mais tarde, por ocasiao das guerras da Itdlia com outros paises, que o Renascimento atingiu o resto da Europa. Em nenhum desses outros paises, no entanto, foi tao “completo” quanto na Itélia — se adqui- riu_caracterfsticas préprias em cada um deles, s6 um aspecto do movi- mento (0 intelectual ou o artistico) mereceu destaque. 30 Desde 0 século XIV, a Itdlia conheceu obras literérias de caracteris- y ticas j4 renascentistas, mas ainda mescladas de elementos medievais (A Di- yvina Comédia, de Dante; Decameraio, de Boccaccio; Africa, de Petrarca); geu periodo de maior produgéio artistica foi entre 1450 e 1550. No res- tante da Europa foi principalmente durante o século XVI que o Renasci- thento produziu suas melhores obras. Caracteristicas do Renascimento Os homens que viveram durante o Renascimento tiveram consgiéncia de que sua época cra bem diferente da Idade Média. Consideravam a cultu- ra medieval muito inferior 4 da Antigiiidade ¢ opunham uma 4 outra, como ge nao houvesse continuidade entre elas. Julgavam viver um periodo de luzes depois das “trevas” medievais. Houve, por isso, um retorno a cultura greco-romana, tanto no plano artistico como na maneira de pensar. Isso trouxe a redescoberta do valor e das possibilidades do homem, que passou a ser considerado o centro de tudo. Na Idade Média, 0 centro era Deus. Foi também acentuada a importancia do estudo da natureza (em vez dos ensinamentos dos mestres e da tradig&o, como na Idade Média). A caracteristica mais marcante do Renascimento foi o seu profundo | racionalismo, isto é, a convicgio de que tudo pode ser explicado pela ra- io do homem e pela ciéncia, a recusa de acreditar em qualquer coisa que _nao tenha sido provada. Os métodos experimentais, a observagao cienti- fica, o desenvolvimento da contabilidade, a organizagao politica racional, que comegaram no Renascimento, siio exemplos desse racionalismo. O Renascimento teve dois aspectos: o civil, ligado as cidades dirigi- das pela alta burguesia e pela nobreza ligada ao comércio, ¢ 0 cortesio, relativo aos principes e nobres da corte. Foi o Renascimento cortesao que se difundiu pela maioria dos paises europeus, pois os temas do Renasci- mento civil s6 poderiam penetrar em regides onde as condigdes sociais ¢ econémicas fossem semelhantes as da Italia, como foi o caso dos Pajfses Baixos (Bélgica ¢ Holanda). O Renascimento intelectual ou Humanismo A revolugio cientifica ¢ literdtia que se deu durante o Renascimento foi chamada Humanismo. Os humanistas eram geralmente homens da Tgreja ou professores protegidos por mecenas. Eram individualistas, isto é, da- vam maior importéncia ao valor ¢ aos direitos de cada individuo do que 31 & sociedade. Muito cultos e grandes admiradores da cultura antiga, via- javam 4 procura de manuscritos que copiavam, corrigiam ¢ comentavam. Para entendé-los, aprenderam grego, hebraico e outras linguas antiga: pressavam-sc no mais puro latim. Seus trabalhos trouxeram um desenvol- vimento extraordinério A literatura de muitos paises da Europa. Os humanistas acreditavam no progresso ¢ na capacidade humanas; tinham uma sede imensa de aprender tudo 0 que fosse possivel. Suas idéias tornaram-se conhecidas ¢ accitas gracas 4 invengao da imprensa, que tor- nou mais facil a reprodugiio das obras literdrias (os livros podiam assim ser obtidos em quantidade muito maior do que até entiio, a pregos mais acessiveis e com grande rapidez). O principal centro humanista foi a Itélia, nos fins do século XV. Os estudos comegados por Dante, Petrarca e Boccaccio foram estimulados pe- Ja chegada de homens cultos vindos de Constantinopla — um dos prin- cipais centros culiurais do Oriente — tomada pelos turcos em 1453. Na cidade italiana de Florenga, Lourengo de Médicis fundou uma academia onde pensadores ilustres tentaram estabelecer um acordo entre o pensa- mento antigo (pagio) e o ideal cristio; foi também ali que Maquiavel re- novou os estudos de histéria e de politica, estabelecendo ém O Prin pe as bases para a organizagao politica do Estado moderno. Os humanistas cri tos procuraram conciliar a filosofia platénica e 0 Cristianismo, pyjncipal- mente Marcilio Ficino e Pico della Mirandola. Os humanistas Paliios de- senvolveram estudos histéricos da Antigiiidade com a finalidade deicriticar os livros sagrados, como € 0 caso de Lourengo Valla. Fora da Italia, 0 maior humanista foi o holandés Erasmo de Roter- dam, que criticou a sociedade do seu tempo em Elogio da Loucura. Na Franga 0 Humanismo triunfou gragas & protegéo de Francisco I, fuadador do Colégio de Franga, onde se ensinava grego, hebraico, filosofia, ma- temétiea, geografia e medicina. Frangois Rabelais satirizou a Filosofia Escoldstica e a Igreja nas obras Gargintua ¢ Pantagruel. © cinismo de Michel Montaigne, em Ensaios, abalou os dogmas da fé. Na Inglaterra Sir Thomas Morus escreveu a Utopia, onde preconizou uma socicdade igualitaria, criticando o capitalis- mo nascente. Sir Francis Bacon desenvolveu seu método da experimenta- ¢do — Novum Organum — de grande importancia pata o conhecimento cientifico. A producao humanista na literatura e no teatro foi fecunda. Na Es- panha, Miguel de Cervantes em Dom Quixote satirizou o feudalismo e os costumes da cavalaria medieval. A mesma critica e mais o fervor reli- gioso aparecem em Lope de Vege, Tirso de Molina c Calderén de la Bar- ¢a que produziram numerosas pegas de teatro. Em Portugal sobressafram- -se Gil Vicente no teatro ¢ Luis Vaz de Camées na cpopéia. Mas William Shakespeare, na Inglaterra, foi o representante maximo da criagdo artis- tica no teatro; escreveu mais de 40 pegas ¢ algumas. de suas obras sio re- presentadas até hoje, como Romen e Julieta, Hamlet, Macheth, Rei Lear, Tilio César ¢ outras. oy A Ciéncia no Renascimento O racionalismo caracteristico do Renascimento fez com que essa época co- nhecesse um notével progresso cientifico, O grande artista italiano Leo- nardo da Vinci descobriu como deveriam funcionar o aviio, o submarino, 0 moinho de vento, a roda de agua etc, O polonés Copérnico descobriu que nao é o Sol que gira em torno da Terra, como se pensava, mas a ‘Terra que gira em torno do Sol. Galileu Galilei foi o mais importante cientista do Renascimento, sendo considerado o fundador da Fisica mo- derna. O alemao Johannes Kepler demonstrou a 6rbila eliptica dos astros, No campo da Medicina, 0 médico alemao Paracclso estudou as drogas me- dicinais, e na Espanha Miguel Servet descobriu a pequena circulagao do sangue. O médico francés Ambroise Paré inventou uma nova maneira de es tanear o sangue. Houve ainda muitos cientistas ilustres no Renascimento, Sua mentalidade ainda nio cra perfcitamente “cicntifica”, de acordo com as idéias de hoje, pois eles confundiam superstigéio e ciéncia (acreditavam em bruxas e fantasmas, por exemplo). O Renascimento artistico Também na Arte 0 Renascimento rompeu com idéias € costumes da Ida- de Média e procurou imitar a Antigiidade. Na Pintura, maior atengio passou a ser dada & natureza, ao homem, a0 movimento, & perspectiva. A Arquiteturg progrediu muito com os esfor¢os para adaptar as técnicas an- tigas as necessidades da época; foram construidos paldcios, casas, monu- meantos ¢ a Basilica de Sado Pedro, em Roma. O Renascimento renovou também a Misica: Palestrina (italiano) adaptou a musica religiosa aos sen- timentos e fs formas de expressio da época. Durante o século XIV, SO- mente Giotto destacou-se na Pintura, E famosa sua tela Sao Francisco pre- gando aos passaros. No século XV, cm Florenga, sob a protecdo dos Mé- dicis e, em Roma, sob 0 mecenato papal, as Artes sofreram notdvel desen- volvimento. O corpo humano ganhou fealismo, mesmo nas pinturas reli- giosas, gragas aos estudos da forma ¢ melhor aplicagao da cor. Nesta fase predomina a escola florentina e so seus expoentes: Masaccio com Expulstio de Adao e Eva do Paraiso, Fra Filippo Lippi com Adoracio, Sandro Bot- ticelli com Alegoria da Primavera. O maior de todos foi Leonardo da Vinci, que fez. estudos cientificos da natureza ¢ do corpo humano; notabili- zou-se pelo jogo de cores, luz e sombra. Suas obras principais: Virgem das Rochas, Ultima Ceia ¢ o retrato de Gieconda (Mona Lisa). 33 No campo da Escultura sobressaiu-se Donatello que procurou glori- ficar o nu: Davi e a estétua do Condottiere Gattamelata, esculpidas em bronze, sao suas obras mAximas. Na Arquitetura, Brunelleschi utilizou as linhas horizontais e elementos decorativos de influéncia romana. No século XVI, o Renascimento atingiu seu apogeu que vai até mea- dos desse século, quando entao inicia a fase de sua decadéncia. O centro artistico passa de Florenca para Roma, ¢ a escola veneziana comega a pro- duzir para a burguesia consumidora. A poesia épica desenvolveu-se com Ludovico Ariosto cm Orlando Furioso c com Torquato Tasso em Jerusalém Libertada. Os pintores da Escola de Veneza retrataram a vida mundana e aperfeigoaram a utilizagdo das cores vivas ¢ do movimento. A técnica do retrato foi desenvolvida. Saio exemplos dessa fase: Ticiano com Deseida da Cruz, Tintoretto com A Cru- cificagao, ¢ Rafael com Madona Sistina, Retrato de Leaio X ¢ Os Cardeais. Sob a protegao do papa destacou-se nessa época Miguel Angelo, pintor e escultor, um dos maiores nomes do Renascimento italiano. Pintou uma parede e o teto da Capela Sistina (Dens Criando o Mundo, Criacdo de Adio, O Dilfvio e Jufzo Final). Nas suas esculturas usou da deformagao Para obter efcito trigico como em Escravo Acorrentado, Moisés cyPicta. Fora da Italia, foi nos Paises Baixos que a Pintu- ra adquiriu maior impor- tancia. Na escola flamen- ga a Arte refletia o luxo dos comerciantes ¢ as telas eram feitas a 6leo com co- res vivas. Peter Breughel fez pintura de carater so- cal, retratande homens comuns, como no Dan- gas Camponesas; Van Eyck, em Adoragio do Cordeiro, explora tema ligioso; Rembrandt, na gio de Anatomia do Dr. Tulp, mostra a vida curo- péia da época. Na Alema- nha, Albrecht Diirer com Adoracio dos Magos, Cristo Crucificado, Os Quatro Apéstolos, salien- ta-se pelas tendéncias mis- Moists, de Miguel Angelo (detalhe). 34, ticas. Hans Holbein fez retratos de Erasmo e Henrique VIII. Na Espa- nha, Murillo desenvolveu o tema da religiosidade em Imaculada Conceicao, El Greco destacou-se por sua pintura emocional, impregnada de realismo mistico e aspectos sobrenaturais; suas obras mais famosas: Pentecostes e © Enterro do Conde de Orgaz. Documento Gargintua escreve a seu filho Pantagruel sobre o ideal basico educacional do Renascimento: “O mundo todo esté cheio de pessoas sdbias, de preceptores cruditos, de grandes bibliotecas; parece-me que nem no tempo de Platdo ou de Cicero havia condigses de estudo como agora... Os bandidos, os carrascos, os aventureiros © 0s cocheiros de agora sao mais educados que os eruditos, os doutores ¢ os tedlogos do meu tempo... Por isso, meu filho, deyes empregar a tua juventude na dedicagiéio ao estudo ¢ as virtudes. Estés em Paris e€ tens como preceptores Epistemon, de grande instrugdo, e outro mestre: a propria cidade de Paris, que te daré muitos exemplos. Vejo que aprendes as lin- guas perfeitamente. Grego, Jatim, hebraico, para as santas leituras, caldeu e drabe paralelamente; e que formas teu estilo na imitagio de Platio e de Cicero (...); que tens toda a histéria na meméria (...). As artes liberais, geo- metria, aritmética e mtisica, eu te fiz apreciar quando tinhas ainda cinco anos; sabes astronomia e direito canénico, Quanto ao dircito civil, conheces de cor belos textos e os criticas com filosofia. Em relagéo ao conhecimento dos fatos da natureza, por fim, vejo que te entregas a ele com curiosidade: nao hé mar, rio ou fonte dos quais nao co- nhegas os peixes; de’ todos os passaros, de todas as érvores, arbustos e frutas das florestas, de todas as ervas da terra e de todos os metais escondidos no ventre dos abismos, mesmo as pedrarias do Oriente ¢ do Sul, nada te € des- conhecido.” Rabelais, Pantagruel, in 1. Gothier e A. Troux. Recueils de Textes d'Histoire, tomo III, pags. 47 ¢ 49. Datas 1350-1450: Pré-Renascimento. ett. 1450-1550: Perfodo mdéximo do Renascimento. 35) Resumo Vocabulario 36 Ly O mecenato constituiu um fator importante do Renas- cimento, ocorrido entre os séculos XV ¢ XVI: a) Os humanistas foram protegidos pelos principes intercssados na centralizagio do poder. b) A preccupacio maior dos mecenas era o prestigio social que a protecio das Artes Ihes conferia. c) A estabilidade politica da Itélia criou condigées para o progresso artistico. d) Dante, Boccaccio e Petrarea foram os represen- tantes do pré-Renascimento. As caracteristicas basicas do Renascimento foram: retorno & cultura greco-romana; antropocentrismo; des- coberta do mundo; racionalismo; caréter civil e corte- sfio da produgdo artistica, Os humanistas eram eruditos preocupados com a con- digo humana: a a) Foram protegidos por Lourengo de Médicis, em Florenga. b) Dos humanistas destacaram-sc Maquiavel com a obra O Principe ¢ Erasmo de Roterdam com O Elogio da Loucura, | © Renascimento cientifico legourhos descobertas im- portantissimas de Leonardo da Vinci, Copérnico, Ga- lileu Galilei e Johannes Kepler. O Renascimento artistico produziu obras excepcionais: a) Pintura: Leonardo da Vinci, a Gioconda. b) Escultura: Miguel Angelo, Moisés. c) Mésica: Palestrina. Mecenas: protetor dos artistas, Sacro Império: Império fundado por Oto I, em 962. Inicio dos Tempos Modernos /A Reforma Religiosa Introducao Nos fins da Idade Média, a palavra reforma era usada com o significado de purificagio interior do crente ¢ de busca da regeneracao da Igreja Catélica. Os reformadores religiosos que com ela romperam, passaram a empregar Reforma para designar o movimento geral de transformagao religiosa. Nao s6 na Igreja Catélica como também — e até principalmente — fora dela. O termo hoje em dia abrange tanto a Reforma Protestante como a Catélica, se bem que a Catélica tenha sido, de certo modo, uma Contra-Re- forma, uma reagio contra a Reforma Protestante. Os catélicos procuram evitar o uso da cxpressio Contra-Reforma . Argumentam que o movi- mento reformista j4 existia na sua Igreja bem antes da Reforma Protestante. Relacées entre Reforma e Tempos Modernos Assim como os descobrimentos maritimos representaram uma revoluciio cconémica e o Renascimento, uma revolugao intelectual e artistica, a Re- forma correspondeu a uma revolugio no terreno zeligioso. Da Idade Mé- dia até o Renascimento, a importincia da Igreja Catélica na vida econd- 37 G ROMA | pe ae ISS Bominio luterano. TITTLE Bominio catvinista ESS Domine angleano ZA ereopterianiemo [7] Feces caivinisias [EB raises recuperadas pelos satcticos Rejorma Protestanie e reagiio catélica nos fins do século XVI. 38 mica, social e politica foi extraordindria — constitufa-se na base sobre a qual se apoiava o Estado, chegando até a superd-lo em certos momentos. Foi a Reforma que pela primeira vez questionou a autoridade do papa (e, por conseguinte, toda a hierarquia eclesidstica), pds em duvida os dogmas e rompeu a unidade religiosa da Europa Ocidental. Fatores da Reforma O desenvolvimento cultural ¢ econdmico dos séculos XV ¢ XVI facilitou a divulgagio dos conhecimentes religiosos e dos anscios dos homens da €poca. Esses anseios ¢ que tornaram possivel a Reforma. Conscientes, de- pois de um longo processo de cristianizagio que durou boa parte da Idade Média, da doutrina c da moral de sua religiao, os cristios passaram a ob- servar 0 comportamento do clero e verificaram que ele nao estava de acor- do com os ensinamentes de Cristo. Acharam, entéo, que nao adiantava se reformarem interiormente, sc o clero — que servia de intermediario entre eles e Deus — nfo mudasse também. O que desejavam cra mudar a es~ trutura da Igreja, nao a sua doutrina, Nao havia propriamente uma crise de fé: a construgio de igrejas, as numerosas peregrinagdes, a fundagao de irmandades leigas ¢ o aparecimento das heresias o provam. Ja havia uma crise na organizagio eclesidstica, independentemente dos abusos. O problema vinha das origens da Igreja e principalmente da Idade Média, quando os chefes da Igreja cram também homens do mundo, isto é, grandes senhores sem preocupagées religiosas. Eis por que os pa- pas do inicio do século XVI protegiam os artistas, formavam aliangas po- liticas com principes e imperadores, guerreavam, viviam em cortes luxuo- sas (cujas despesas cram cobertas pelas contribuigdes dos fiéis) e procura- yam aumentar suas rendas pela acumulagéo de cargos religiosos. As elei- gées do papa chegaram a provocar verdadeiros conflitos politicos entre as grandes familias italianas. Com tudo isso, a autoridade papal ficou des- moralizada. Para superar tal situagio, 0 Concilio tomou a si a supremacia nas decisées dentro da Igreja. Varios humanistas cristaos (Erasmo, por exemplo, autor de uma nova edigfio dos Evangelhos) tiveram consciéncia da necessidade de reformar o clero. Procuravam o verdadeiro cristianismo na Jeitura e comentario da Biblia e no estudo dos grandes escritores cristaéos antigos. Na Franga, um grupo importante de humanistas, radicado na cidade de Meaux, publicou uma colegao de Salmos e as Cartas de Sao Paulo, e traduziu para o fran- cés o Novo Testamento (1521). Nem mesmo os humanistas mais ligados ao papa conseguiram fazer alguma coisa, porque, depois de ter ficado re- solvido que qualquer transformagéo maior na Igreja so poderia ser deci- dida por um concilio, os papas, receosos de que isso diminuisse 0 seu po- der, nunca mais quiseram convocd-lo. S6 quando Lutcro rompeu com a 39 Igreja, um concilio tornou-se indispensdvel. Realizou-se enti&o o Concilio de Trento (cidade da Italia de hoje), para que os bispos se pronunciassem a respeito da crise e tomassem as medidas necessdrias. Tradicionalmente se diz que foram os abusos do clero uma das cau- sas da separagao entre os cristios, Essa afirmagdo nfo é muito correta, pois s6 depois da Reforma é que se passou a falar desses abusos para justi- ficé-la. Na Alemanha, por exemplo, as indulgéncias cram vendidas e cobra- das, em nome do papado, pelo bispo de Brandemburgo e os lucros eram repartidos com os banqueiros Fiiggers, que financiavam o papa na constru- cao da Basilica de Sao Pedro, em Roma, A Reforma de Lutero Monge alemio, professor de Teologia, Lutero aprovcitou os abusos prati- cados nas vendas de indulgéncias para denunciar publicamente as irregu- laridades que o clero vinha cometendo. Lutero afixou 95 teses que con- denavam os abusos do clero na porta da Catedral de Wittenberg, (cidade onde morava), mas s6 mais tarde é que percebeu o alcance de su: gGes: elas atingiam dogmas da [greja, pois declaravam que a salvag: pende sé da fé e nao das obras — as boas ou mis ages dos fiéis. O papa a principio nao deu muita importincia ao caso, mas trés anos depois (1520), como Lutero se negasse a retratar o que tinha afirmado, excomun- gou-o. Condenado também pelos partiddrios do Imperador Carlos V, na Dieta de Worms, Lutero refugiou-se no castelo de Wartburg, onde escre- yeu panfletos ¢ traduziu a Biblia para o alemao. Muitos principes attm: © apoiaram porque desejavam libertar-se em seus dominios da influénci do papa e do imperador, que era catélico. Tal apoio foi decisive na vi- t6ria do luteranismo, Esses principes tomaram as terras pertencentes & Igreja Catdlica, que passaram a ser consideradas propriedades de Estado. A pequena nobreza alema aproveitou a oportunidade para tentar a unificagio da Alemanha, sob a lideranga de Von Hutten e Von Sickingen. Os camponeses também aproveitaram a ocasiéo, mas para se revoltarem, em 1524. O lider deles, Thomas Mintzer, foi capturado no ano seguinte, porém a revolta conti- nuou, com algumas interrupgées, até 1536. Lutero, que cra sustentado pe- Jos principes, condenou os revoltosos. Em 1529 rcuniu-se a segunda Dieta de Spira (a primeira realizara-se 1526), na qual tentou-se impor o catolicismo aos principes lutcranos. Como estes se rebelassem, passaram a ser chamados “protestantes”. Em seguida, organizaram a liga militar de Smalkalde contra o imperador e seus partidarios catélicos. Em 1555, a questao foi finalmente resolvida pela Dieta de Augsburgo: cada principe decidiria que religiao adotar em suas terras. * 40 Critica & venda de indulgéncias. Na Dieta de Augsburgo, Melanchton expe os principios da doutrina luterana. Na Confissio de Augsburgo, exposta por Melanchton — que fora menge junto com Lutero — em 1530, encontram-se os fundamentos do luteranismo: a salvagio nao se alcanga pelas obras mas sim pela {é, pela confianca na bondade de Deus, pelo sofrimento interior. O culto religio- so, muito simples — somente salmos e leitura da Biblia —, é considerado contato direto entre Deus ¢ o fiel, sendo dispensdvel o clero como “inter medidrio”. Lutero conservon apenas dois dos sete sacramentos da religiao cat6lica: batismo e eucaristia ou comunhao. Mesmo assim, na eucaristia acreditava apenas na presenca de Jesus no piio ¢ no vinho, ec niio na trans- formagio do pio e do vinho no corpo e no sangue de Cristo, como os catdlicos acreditam. 4t

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