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ESTUDO DAS SIMILARIDADES

memórica científica original


ENTRE A TEORIA MATEMÁTICA
DA COMUNICAÇÃO E O CICLO
DOCUMENTÁRIO

William Guedes*
Rogério Henrique de Araújo Júnior**

RESUMO Trata do estudo, no âmbito da ciência da informação, da teoria


matemática da comunicação proposta por Claude Shannon
em 1948 e as suas similaridades com o ciclo documentário no
que tange às etapas que vão desde a seleção, armazenamento
e tratamento técnico de documentos, até a recuperação da
informação pelos usuários. O tema é introduzido apresentando
quatro vertentes dentre as inúmeras abordagens dos sistemas
de comunicação na ciência da informação, representadas pela:
1. comunicação científica; 2. dicotomia entre linguagens natural e
documentária; 3. inserção da teoria matemática da comunicação
na ciência da informação e 4. ciclo documentário, que tem na
recuperação da informação a etapa mais significativa sob o ponto
de vista de um sistema de comunicação. Apresenta a definição, o
escopo e as características da teoria matemática da comunicação,
reforçando o seu caráter pioneiro ao propor, sob bases sólidas, o
cálculo da quantidade de informação que pode transitar por um
canal de comunicação. Aborda também questões relacionadas
com neutralidade do canal de comunicação que estão presentes
em discussões na ciência da informação, tomando como exemplo
a valoração do documento segundo a teoria arquivística. * Mestre em Ciências da Informação
Finalmente, são delimitadas as similaridades da teoria matemática pela Universidade de Brasília, Brasil.
Analista de Finanças e Controle da
da comunicação com o ciclo documentário, onde um documento Controladoria-Geral da União, Brasil.
pode ser visto também como um canal de comunicação, assim E-mail: wguedes@outlook.com.
como qualquer suporte que apresente informação a ser tratada
** Doutor em Ciências da Informação
sob o ponto de vista documentário. pela Universidade de Brasília, Brasil.
Professor da Faculdade de Ciência da
Informação da Universidade de Brasília,
Palavras-chave: Ciência da informação. Teoria matemática da comunicação. Brasil.
Ciclo documentário. Sistemas de comunicação. E-mail: araujojr@unb.br.

1 INTRODUÇÃO ciência. Segundo Perucchi e Araújo Junior


(2011) a legitimação do conhecimento se dá
pela divulgação, verificação e comprovação da

O
s sistemas de comunicação têm sido
estudados por pesquisadores de produção de conhecimento, processo que só é
diferentes áreas de conhecimento, a possível por meio dos sistemas de comunicação
exemplo de ciência da informação e engenharia. científica, que por sua vez encerram indicadores
Na ciência da informação destacamos quatro importantes para a medida da atividade de
vertentes de abordagem para os sistemas de pesquisa, ou seja, a contabilização do número
comunicação. de artigos e trabalhos científicos publicados e o
A primeira aponta para a comunicação impacto dessas publicações entre os pares.
de pesquisas desenvolvidas, onde o seu estudo A segunda vertente pode ser cotejada
é parte integrante do desenvolvimento da na diferença entre linguagem natural e

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William Guedes e Rogério Henrique de Araújo Júnior

documentária. A linguagem natural pode presentes na consideração das etapas do ciclo


ser conceituada como a própria comunicação documentário, notadamente no que se refere ao
humana com a utilização da palavra como forma armazenamento, indexação e recuperação da
de expressão e comunicação entre indivíduos informação.
(emissor e receptor). De outra maneira, é a
forma de interação humana realizada através
do uso de signos, dada por meio da expressão 2 TEORIA MATEMÁTICA DA
escrita ou oral. Já a linguagem documentária, COMUNICAÇÃO
no âmbito da ciência da informação, é aquela
Publicado em 1948, um trabalho do
que objetiva traduzir semanticamente o
engenheiro e matemático norte-americano
conteúdo dos documentos em uma linguagem
Claude Shannon teve especial importância.
mais especializada, criada, exclusivamente,
Pela primeira vez alguém conseguira calcular
para apoiar o processo de busca e recuperação
a quantidade de informação que poderia
da informação, por meio da representação do
transitar por um canal de comunicação. Isso foi
conteúdo dos documentos.
possível a partir análise estatística da frequência
A terceira vertente de abordagem
de ocorrência de letras nas palavras de um
trata da adaptação da teoria matemática da
idioma. Shannon estudou a distribuição das
comunicação, que representa uma das inúmeras
letras na formação de mensagens escritas no
contribuições recolhidas pela Ciência da
idioma inglês. Segundo as regras ortográficas,
Informação para delimitar o seu principal objeto
a probabilidade de umas letras ocorrerem em
de pesquisa, o fenômeno da informação. A teoria
sequência a outras não é igual em todos os casos.
matemática da comunicação se encaixa, segundo
A letra E ocorre mais frequentemente do que
texto clássico de Wersig e Neveling (1975), na
o Q, e a sequência TH mais frequentemente do
abordagem da mensagem – onde a informação
que XP, etc. Shannon, (1948, p. 5). Ele concluiu
é frequentemente usada como sinônimo de
que aproximadamente metade do que se escreve
mensagem, pois o seu conteúdo é medido pela
em inglês é determinado pela estrutura da
quantidade de informação que pode percorrer
linguagem, sendo apenas a outra metade de
um canal de comunicação. Desse modo, a
livre escolha do redator. Ou seja, metade do que
efetividade da comunicação vai ser dada pela
se escreve é redundância imposta pela estrutura
relação entre o resultado esperado pelo emissor e
do idioma (neste caso, o inglês). Na língua
o que ocorre no receptor.
portuguesa, a redundância deve ser ainda maior,
A quarta vertente de abordagem
segundo Fidalgo (2004):
dos sistemas de comunicação é representada
pelo ciclo documentário que está configurado De facto, as partes redundantes da
como um processo composto de operações mensagem constituem algo que não
que vão desde a seleção, tratamento técnico traz novidade e, portanto, serão
(representação do conteúdo dos documentos desnecessárias nesse sentido. A não
apoiada pela utilização das linguagens necessidade da citada redundância
do artigo definido em português em
documentárias), armazenamento em sistema de género e número torna-se clara quando
informação, passando pela criação de produtos comparado com o artigo definido inglês
do processamento dos documentos, até a “the” que não conhece nem género
recuperação da informação pelos usuários, que é nem número. Tendo isto em conta, e
a etapa mais significativa sob o ponto de vista de ainda, sobretudo, a personalização das
formas verbais que existem na língua
um sistema de comunicação. portuguesa em muito maior grau que
Assim sendo, o objetivo deste artigo é na língua inglesa (às seis formas pessoais
mostrar que existem similaridades claras entre as dos verbos portugueses – de eu amo
abordagens das vertentes da teoria matemática a eles amam correspondem no geral
da comunicação e do ciclo documentário. Em apenas duas nos verbos ingleses – I, you,
we, they love, he loves), é quase certo
ambos os casos a problemática que associa a que a percentagem de redundância
escolha, organização, codificação e transmissão em português é superior aos 50% de
da mensagem, questões centrais da teoria redundância que Shannon e Weaver
matemática da comunicação, também estão atribuem à língua inglesa, em que apenas

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metade das letras ou das palavras que Essa abordagem, essencialmente técnica,
escrevemos ou dizemos são de livre não considera o significado das palavras, nem do
escolha de quem fala, e que a outra texto que elas formam.
metade é ditada pela estrutura estatística
da língua. (FIDALGO, 2004, p.5, grifo do
autor). O problema fundamental da
comunicação é o de reproduzir
em um ponto, ou exatamente ou
A redundância significa desperdício do
aproximadamente, uma mensagem
canal de comunicação, porque o acréscimo selecionada em outro ponto.
do número de palavras em decorrência das Frequentemente as mensagens têm
regras do idioma não implica mais informação significado, isto é, elas se referem a
transmitida. Mas ela não deve ser totalmente ou são correlacionadas de acordo
com algum sistema com certas
eliminada, porque contribui para a redução do
entidades físicas ou conceituais. Estes
ruído na comunicação. aspectos semânticos da comunicação
O sistema genérico de comunicação são irrelevantes para o problema de
estudado por Shannon está representado na engenharia. (SHANNON, 1948, p.
Figura 1. 1).

A irrelevância dos aspectos semânticos


Figura 1 – Diagrama de um sistema geral de
da comunicação para a engenharia tem uma
comunicação
razão muito simples: um canal de comunicação
deve ser neutro, permitindo o trânsito de
qualquer mensagem, independentemente de seu
significado.
Essa neutralidade do canal de
comunicação está também presente em
discussões na ciência da informação. Duranti
(1993) faz uma retrospectiva histórica da
valoração de um documento segundo a
teoria arquivística, e relata como o conceito
de avaliação foi acompanhado das ideias de
Fonte: Shannon (1948) imparcialidade, objetividade e profissionalismo
na literatura da Alemanha, dos Estados Unidos,
Ele contém cinco partes: da Inglaterra e do Canadá ao longo do século
• Uma fonte de informação: produz a XX. “A avaliação precisa estar baseada em
mensagem (ou sequência de mensagens) conhecimento derivado de análise e deve ser
que será comunicada ao receptor. A destinada a fornecer um quadro completo
mensagem pode ser de vários tipos: uma da sociedade [...]” (Duranti,1993, p. 330). O
sequência de letras, como em um sistema arquivo, portanto, é o canal de comunicação
telegráfico; um sinal de rádio ou de uma que permite aos registros transitarem entre
ligação telefônica; um sinal de televisão. gerações. Deve ser neutro, para não induzir,
• Um transmissor: é o elemento que opera a privilegiar ou distorcer os fatos, pois só assim
mensagem de modo a produzir um sinal a análise de boa qualidade será possível. “A
que seja adequado para ser transmitido profissão arquivística tem uma responsabilidade
pelo canal. vital com as futuras gerações, de deixar que elas
• O canal: é o meio usado para transmitir o entendam e julguem nossa sociedade com base
sinal do transmissor ao receptor. nos documentos que produziu [...]” (Duranti,
• O receptor: realiza a operação inversa à do 1993, p. 343). O arquivista não deve confundir
transmissor, reconstruindo a mensagem a seu papel de preservador dos registros com
partir do sinal recebido. o de criador de valor (ao avaliar e selecionar
• O destinatário: é a pessoa (ou máquina) à documentos, descartando aqueles que julgasse
qual a mensagem se destina (SHANNON, sem utilidade, por exemplo, estaria alterando o
1948). conteúdo do acervo que deve preservar).

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3 DIFERENTES ABORDAGENS vários tipos de sinais entre o emissor


e o receptor. Mas a teoria tem, penso
PARA OS PROBLEMAS DE eu, um profundo significado que prova
COMUNICAÇÃO que o parágrafo anterior é seriamente
impreciso. Parte da importância da nova
Em 1949, o matemático Weaver (1949), teoria vem do fato de que os níveis B e
publicou o texto Recent Contributions to The C, acima, somente podem fazer uso da
precisão daqueles sinais que venham
Mathematical Theory of Communication no a ser possíveis quando analisados ao
qual apresentou interpretações para o trabalho nível A. Assim, quaisquer limitações
de Shannon e forneceu exemplos que facilitaram descobertas na teoria no Nível A se
sua compreensão. Os dois artigos foram aplicam necessariamente aos níveis B e
então publicados juntos em forma de livro, C. Mas uma maior parte da importância
vem do fato de que as análises no nível
na obra assinada por ambos e intitulada The A revelam que este se sobrepõe aos
Mathematical Theory of Communication. outros níveis mais do que possivelmente
Em seu texto, Weaver dividiu os se poderia ingenuamente suspeitar.
problemas de comunicação em três níveis: Assim, a teoria do Nível A é, pelo menos
em um grau significativo, também uma
Nível A – Problema técnico: quão teoria de níveis B e C. (WEAVER, 1949,
precisa pode ser a transmissão de p. 3).
símbolos?
Nível B – Problema semântico: quão O nível A envolve escolha, organização,
precisamente os símbolos transmitidos codificação e transmissão da mensagem. Os
carregam o significado desejado? problemas associados a essas etapas são,
Nível C – Problema da efetividade: quão
efetivamente o significado recebido portanto, importantes também para os estudos
afeta a conduta da maneira desejada? do ciclo informacional, pois têm reflexos no
(WEAVER, 1949, p. 1). armazenamento, na indexação e na recuperação
da informação.
O problema técnico está ligado, por O ruído, por exemplo, é definido como
exemplo, à transmissão de mensagens escritas uma perturbação que afeta o sinal transmitido,
por correio eletrônico, de voz por telefone ou em qualquer das etapas do processo, de tal
de imagens e sons por televisão. O problema forma que a informação recebida não seja
semântico está relacionado a quão próximas são exatamente aquela que fora enviada. Um pouco
as interpretações de significado na transmissão de redundância permite que se corrija parte desse
e na recepção – o que implica comparar se o erro, de modo a aproximar a mensagem recebida
que o emissor quis transmitir foi compreendido da enviada:
pelo receptor da mensagem. A efetividade
da comunicação é a relação entre o resultado Por exemplo, em um canal telegráfico
sem ruído se poderia economizar cerca
esperado pelo emissor e o que ocorre no de 50% do tempo pela codificação
receptor, ou seja, é o cotejamento entre o impacto adequada de mensagens. Isso não é feito
pretendido pelo emissor com sua mensagem e o e a maior parte da redundância de inglês
que de fato ocorreu com o usuário da informação. permanece nos símbolos do canal. Isto
Weaver entende que o problema de nível tem a vantagem, no entanto, de permitir
considerável ruído no canal. Uma fração
A não está restrito às especificidades técnicas importante de letras pode ser recebida
de engenharia, porque o conteúdo filosófico da incorretamente e ainda ser reconstruída
comunicação, associado aos níveis B e C, não é pelo contexto. (SHANNON, 1948, p.
transmitido quando o nível A é insatisfatório: 24).

A teoria matemática dos aspectos Ruídos comuns são as distorções sonoras


de engenharia da comunicação, nas ligações telefônicas e as interferências
desenvolvida principalmente por nas transmissões de televisão por satélite.
Claude Shannon no Bell Telephone
Laboratories, reconhecidamente se Mas em muitos casos as mensagens podem
aplica em primeira instância apenas ser compreendidas, apesar dos ruídos,
ao problema A, ou seja, o problema justamente porque há conteúdo redundante.
técnico de precisão da transferência de Em outras palavras, os elementos do nível A da

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comunicação (redundância e ruído) têm impacto está relacionada nem tanto ao que diz, mas ao
direto nos elementos dos níveis B e C. que se pode dizer WEAVER, e é explicitamente
A capacidade de um canal de comunicação diferenciada de significado.
é uma medida da quantidade de informação que
pode transitar por ele a cada unidade de tempo. A palavra informação, nessa teoria,
é usada em um sentido especial que
A informação frequentemente não estará em seu
não deve ser confundido com seu uso
estado original, mas terá tido sua forma alterada comum. Em particular, a informação não
justamente para que possa ser transmitida. A deve ser confundida com significado. Na
essa alteração dá-se o nome de codificação. verdade, duas mensagens, uma das quais
Tome-se o exemplo de um pensamento. Ele fortemente carregada de significado e
outra que seja puro disparate, podem
não é transmitido diretamente, mas codificado
ser exatamente equivalentes, do
em palavras (ou em um desenho, ou em sons), e presente ponto de vista, em matéria de
essas palavras é que são comunicadas (de forma informação. (WEAVER, 1949, p. 4).
falada ou escrita). A codificação, portanto, é uma
etapa crítica do processo de comunicação. Para Esse é o modo técnico de abordar o proble-
cada canal de comunicação há uma codificação ma. Quando se quer estudar os demais níveis de
mais apropriada – transmitir um a ideia por texto comunicação, o significado passa a ter importân-
requer elementos diferentes da transmissão da cia. Convém lembrar a distinção entre definição
mesma ideia por imagens. A ideia é a mesma, o e conceito proposta por Belkin (1978, p. 58) “[...]
que difere é a codificação, para compatibilizar uma definição presumivelmente diz o que o fe-
a informação a ser transmitida com o canal de nômeno definido é, enquanto que um conceito é
comunicação a ser utilizado. um modo de olhar para, ou de interpretar o fe-
Weaver alerta para o fato de que o nômeno [...]”. Shannon (1948) e Weaver (1949)
aperfeiçoamento da codificação normalmente trabalharam com um conceito de informação que
implica aumentar o tempo necessário dessa etapa lhes foi útil, sem pretensão de criarem definições:
– codificações melhores são mais demoradas.
Na prática, portanto, há um compromisso a se O conceito de informação não se
estabelecer entre o aproveitamento ideal do canal aplica às mensagens individuais (como
o conceito de significado), mas sim
e a velocidade da comunicação. à situação como um todo, a unidade
Os conceitos discutidos quando da de informação indicando que nessa
abordagem técnica – ruído, redundância, situação a pessoa tem uma quantidade
canal de comunicação, capacidade, codificação de liberdade de escolha, na seleção
– também estão presentes na comunicação de um mensagem, que é conveniente
considerar como um padrão ou unidade
humana. Isso torna possível partir do trabalho de de valor. (WEAVER, 1949, p. 4).
Shannon e Weaver e realizar estudos de sistemas
de comunicação centrados em significado e Como se vê, o conceito de informação
usuários. usado na teoria matemática da comunicação é
específico e estendê-lo a outras situações requer
4 SIMILARIDADE COM O CICLO prudência – afinal, não é uma definição.
DOCUMENTÁRIO Brookes (1980) estabelece relação entre
o que chama de informação objetiva e de
Informação, mensagem, significado, conhecimento objetivo. O significado está
semântica e receptor/usuário são termos usados no conhecimento, que requer interpretação
na ciência da informação e que também estão da informação. Referindo-se à informação
presentes na teoria matemática da comunicação, que comanda uma máquina, ele afirma que
mas não necessariamente representando os a informação que ela usa é simplesmente
mesmos fenômenos. “[...] A ciência da informação uma sequência programada de sinais; não foi
há muito discute o conceito de informação estruturada em conhecimento, continua sendo
[...]” (ZINS, 2008). Na teoria matemática da informação objetiva. A informação objetiva,
comunicação, informação é uma medida da portanto, pode ou não ter significado, o que
liberdade de escolha que se tem ao se selecionar é compatível com o que foi definido na teoria
a mensagem que será transmitida. A informação matemática da comunicação.

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No contexto da ciência da informação, Esta providência é amplamente apoiada


o ciclo documentário congrega a produção, pelo diagnóstico situacional das condições
reunião, processamento técnico, disseminação físicas dos documentos. No caso de
e uso de documentos. De um modo mais documentos arquivísticos, esta etapa
completo e detalhado o ciclo documentário propicia a compreensão dos princípios
pode ser considerado um sistema, pois reúne que regem os documentos, assim como as
em sua estrutura as três etapas centrais de condições físicas das massas documentais
qualquer sistema: entrada, processamento acumuladas;
e saída. As etapas do ciclo documentário • Análise ou condensação: etapa de
preparam as etapas subsequentes em um processamento técnico em que são
movimento de retroalimentação constante, desenvolvidas atividades de sumarização
observando sempre o requisito do usuário, do conteúdo dos documentos, por meio
ou seja, o sistema deve estar calcado na de um número limitado de sentenças ou
perspectiva do atendimento das demandas frases que devem expressar a essência
informacionais dos usuários/clientes. temática do documento. Esta atividade,
Segundo Robredo (2005), as doze segundo Araújo Jr. (2007), é denominada
operações ou etapas da cadeia ou ciclo de representação do conteúdo dos
documentário são: documentos e é realizada com o apoio de
• Seleção: escolha, dentre um conjunto instrumentos de controle terminológico
de documentos, daqueles que podem baseados em linguagem documentária;
responder às disciplinas ou tópicos • Indexação: atividade de processamento
cobertos por um dado serviço de técnico destinada à identificação dos
documentação. Estes documentos têm conceitos de que trata o documento,
vários suportes, dentre eles livros, expressando-os na terminologia utilizada
revistas, documentos de arquivo, mapas, pelo profissional da informação em
filmes discos, coleções de dados, entre linguagem natural ou com a ajuda de
outros; vocábulos ou termos derivados de
• Aquisição: atividade administrativa linguagens documentárias;
para adoção de providências de compra, • Armazenamento dos documentos: etapa
intercâmbio, doação, pagamento, controle onde os documentos, a partir de dados
de chegada. No caso de documentos que os descrevam por meio de sistemas
arquivísticos, a incorporação ao acervo de de classificação, são armazenados de
uma instituição se dará após as etapas de forma a serem encontrados quando
diagnóstico e estabelecimento das idades solicitados pelos usuários nas unidades
documentais. De modo amplo, esta etapa informacionais. Cada uma destas unidades
do ciclo documentário visa assegurar possui especificidades de armazenamento
a incorporação dos documentos aos em estantes, arquivos, microfichas,
acervos; suportes magnéticos, entre outros;
• Registro ou tombamento: atividade • Armazenamento da representação
administrativa na qual são atribuídos condensada dos documentos: etapa onde
números de registro para controle da os elementos descritivos do conteúdo
incorporação dos documentos aos dos documentos, bem como os números
acervos das unidades informacionais. que lhes foram atribuídos na etapa de
Esta atividade é de suma importância registro ou tombamento, constituem
tanto para acervos resultados de um conjunto de dados que caracteriza,
compra ou doação, bem como para de forma condensada, cada documento.
acervos arquivísticos. Nesta etapa fica Estes elementos devem ser registrados
consubstanciada a identificação da ou inseridos em bases de dados para
existência dos documentos; sua conservação, processamento e
• Descrição: atividade de processamento recuperação;
técnico relacionada com o registro das • Processamento da informação
características descritivas dos documentos. condensada: atividade em que os registros

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Estudo das similaridades entre a teoria matemática da comunicação e o ciclo documentário

que contêm os elementos representativos • Recuperação da informação: esta


dos documentos são submetidos a etapa do ciclo documentário constitui a
diversos processamentos manuais ou finalidade do trabalho documentário. Ela
automatizados, que possibilitam a é o resultado das operações realizadas
obtenção de vários produtos, nos quais no processo de busca. Segundo Araújo
a informação encontra-se reordenada Jr. (2007), a recuperação da informação
e organizada de maneira a facilitar sua é reconhecida como a recuperação de
recuperação; referências de documentos em resposta
• Produtos do processamento: etapa às solicitações (demandas expressas por
onde são formados os produtos que informação).
vão compor o portfólio das unidades
informacionais. Vários podem ser os A figura 2 apresenta uma visão geral
serviços documentários a serem ofertados das operações/etapas do ciclo documentário
para os usuários. Podem-se destacar associadas à entrada, processamento e saída
catálogos de diversos tipos, guias de elementos típicos da teoria geral de sistemas.
fundos, cadastros, diretórios impressos Considerando que uma das mais
ou eletrônicos, repositórios institucionais, comuns formas de codificação de ideias é
portais de informação, bases de dados e de a palavra, então um documento pode ser
conhecimento entre outros; visto como um canal de comunicação – e,
• Interrogação e busca: etapa na qual a in- de forma similar, uma pintura, um desenho,
teração entre a gestão do ciclo documen- uma gravação de áudio, etc. Desse modo, o
tário e a realização de pesquisa nos acer- ciclo documentário tem similaridades com o
vos se dá por uma ação de comunicação um sistema de comunicação, sobretudo no
e mediação entre os profissionais da in- que se refere às etapas finais do ciclo, ou seja,
formação e os usuários da unidade infor- processamento da informação condensada,
macional onde o ciclo documentário se produtos do processamento, interrogação e
desenvolve. No âmbito das unidades in- busca e recuperação da informação. Além
formacionais, esta atividade é conhecida disso, é possível estudar esse sistema a partir
como serviço de referência e se reveste de do referencial da análise do problema técnico
grande importância para a recuperação da da comunicação, evidentemente com as
informação; e adaptações conceituais pertinentes.

Figura 2 – Etapas do ciclo documentário

Fonte: Elabrado pelos autores, 2013.

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William Guedes e Rogério Henrique de Araújo Júnior

Como em toda analogia, é preciso deixar o usuário que receberá aquele documento e terá
claros os limites e as diferenças com o trabalho de que interpretar o texto e extrair dele as informa-
referência. Quando a informação tem significado, ções. O sucesso dessa comunicação dependerá
trata-se dos níveis B e C definidos por Weaver, do conhecimento comum da linguagem, de for-
não do nível A. ma que o que uma pessoa codificou (escreveu) a
A teoria matemática da comunicação outra consiga decodificar (interpretar). O tempo
trata da transmissão de bits. Já em um disponível, o conhecimento do assunto, o domí-
documento, o que se quer transmitir são ideias, nio do idioma e a disposição física são fatores li-
significados. O conteúdo de um documento mitadores desse canal de comunicação.
não é a materialização exata das ideias, mas o Portanto, o ruído que pode afetar a
resultado da codificação delas em palavras, em mensagem, a redundância de seu conteúdo e
vídeo, etc. Para cada meio de transmissão haverá as limitações do canal de comunicação devem
uma codificação mais eficiente, mas as ideias ser avaliados também sob a perspectiva de
essenciais devem estar lá, porque são elas que se suas consequências para a compreensão, pelo
quer fazer chegar ao destinatário. destinatário, dos significados que o emissor quis
Para que a comunicação seja bem sucedida, lhe transmitir.
o destinatário e o emissor devem utilizar o Mas, qual o propósito de se estudar o
mesmo esquema de codificação, de modo que ciclo documentário tendo por base uma teoria
um entenda o que o outro quis transmitir. Na matemática? A ciência da informação tem
elaboração de um texto, por exemplo, o adequado característica multidisciplinar e oferece aos
domínio do idioma e uma construção coerente e pesquisadores possibilidades de buscar em
coesa facilitam sua compreensão. Nesse sentido, outras áreas de conhecimento elementos que
ambiguidades funcionam como um ruído na possam contribuir para sua evolução.
comunicação, pois permitem ao destinatário ter
entendimento diferente da intenção do emissor Assim, tanto a partir de um ponto de
vista teórico quanto prático, cientistas
da mensagem.
da informação estão interessados na
Na comunicação humana, o canal de estrutura de seus objetos de estudo –
comunicação é o conjunto de capacidades informação. Mas, como os exemplos
cognitivas dos agentes envolvidos. De um acima indicam, muitos cientistas sociais e
lado há o limite da capacidade de transmitir comportamentais estão interessados em
estruturas subjacentes também. Muitos
informações do emissor – sua habilidade para
engenheiros, baseados no trabalho
traduzir as ideias em um raciocínio articulado, de Shannon e Weaver, dentre outros,
sua fluência no idioma e no assunto; do outro estão interessados em informações. O
lado há o limite do destinatário para absorver que, então, é distintivo sobre a teoria
as informações, decodificar a mensagem e da ciência da informação? Estamos
interessados em informação como
compreender o significado que ela contém. Ou
um fenômeno social e psicológico.
seja, o limite de informação que pode transitar A informação que nós estudamos
pelo canal depende da qualidade da codificação, geralmente se origina de uma ação
que é afetada pelo meio de transmissão a ser humana, de alguma forma, seja um feixe
usado e pelo domínio da linguagem específica de dados emitido de um satélite ou o
texto de um livro sobre a filosofia de
apropriada ao assunto.
Immanuel Kant. Nosso foco principal,
Não é demais frisar que a codificação mas não único, é em informação
deve estar otimizada para o meio de transmissão: registrada e relacionamento das pessoas
uma cena ficará mais bem representada por com ela. (BATES, 1999, p. 1047-1048).
uma fotografia ou por um desenho do que por
um texto; alguns tipos de dados ficam mais Os principais conceitos tratados no
inteligíveis se apresentados em uma tabela, ao modelo de Shannon e Weaver estão presentes
invés de serem descritos em palavras. O papel é o na comunicação humana e é possível
suporte, o meio de transmissão das ideias. aproveitar parte do que foi desenvolvido
A compreensão dos significados que o na teoria matemática da comunicação para
emissor pretendeu transmitir dependerá também estudar o ciclo documental. As mensagens
da capacidade de decodificação do destinatário, humanas, as interpretações e os significados

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Estudo das similaridades entre a teoria matemática da comunicação e o ciclo documentário

estão sujeitos aos mesmos fenômenos – ruído, Se o destinatário tiver um entendimento in-
redundância, restrição de canal. Há elementos correto sobre uma palavra em um texto, ele atri-
essenciais a serem transmitidos, há codificação buirá a ela um significado diferente daquele usado
e decodificação. A explicitação de todos esses pelo emissor, e sua interpretação do texto será ou-
elementos amplia a compreensão de todo o tra. Terá, então, havido uma perda (o significado
processo de comunicação e pode contribuir para que o emissor codificou) em decorrência de um
aprimorar tanto a produção de documentos de ruído (um sentido diferente para aquele texto, in-
arquivo quanto as estratégias de armazenamento, troduzido pela interpretação do destinatário).
busca e recuperação da informação. Na analogia ilustrada na Figura 3, o canal
Uma analogia entre o ciclo documentário e de comunicação é formado pelas capacidades de
o esquema de comunicação descrito por Shannon transmitir e receber as informações. Ou seja, é o
(1948) está representada na Figura 3. conjunto das capacidades técnicas de transmissão
dos documentos, das características cognitivas
do emissor e do receptor, de seus níveis de
Figura 3 – Analogia entre um sistema de concentração e de interesse e ainda do tempo
comunicação e o ciclo documental. disponível para a transmissão.

5 CONCLUSÕES
Diversas etapas do ciclo documentário
podem ser beneficiadas, em termos de eficiência
e efetividade, se forem levadas em consideração
características e restrições discutidas na teoria
matemática da comunicação. A seleção, a
aquisição e o tombamento de documentos devem
guardar coerência com o serviço de informação
que se pretende prestar, e isso implica considerar
o canal de comunicação – como os usuários vão
Fonte: Shannon (1948) solicitar e receber as informações que buscam.
A descrição, a condensação e a indexação
A mensagem é um produto intelectual, devem avaliar os efeitos da redundância presen-
é a materialização das ideias do emissor – o te nos documentos, e também o ruído da lingua-
resultado do processo de codificação –, e pode gem. Isso ajuda a dimensionar o próprio arquivo,
ser apresentada em diversas formas, cada qual facilita o armazenamento e torna a recuperação
adequada a um tipo de comunicação. Diferentes mais objetiva. É fundamental, porém, que se
tipos de ruídos podem afetar a mensagem, mantenha a neutralidade nessas etapas, cuidan-
desde os ruídos do tipo técnico – falhas ou do-se para não inserir juízos de valor sobre o con-
perturbações em sua transmissão – até ruídos no teúdo que se quer preservar.
próprio processo de codificação – distorções no O processamento da informação condensa-
registro das ideias, que afetarão a capacidade de da será mais eficiente se o armazenamento tiver
compreensão do que se pretendeu comunicar. sido de melhor qualidade, e os produtos deve-
Idealmente, o destinatário deve ser capaz rão ser apresentados na linguagem adequada ao
de extrair do documento exatamente as ideias usuário (o que equivale à codificação apropriada
que o emissor quis transmitir. Por definição, para cada destinatário).
toda diferença entre o que se tentou exprimir e A atenção a esses elementos – ruído,
o que o usuário compreendeu pode ser ruído ou redundância, canal de comunicação, codificação
perda. Será ruído se o usuário recebeu (entendeu, – tem reflexos positivos na etapa de interrogação
interpretou) algo que não foi enviado pelo e busca, porque o arquivo está em boa forma,
emissor, e será perda se algo que foi transmitido organizado e livre de informações desnecessárias
não tiver sido recebido. Note-se que o ruído e a ou distorcidas, e acaba por facilitar a recuperação
perda dependem, em parte, do destinatário da da informação, que é a própria finalidade do
mensagem. trabalho documentário.

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William Guedes e Rogério Henrique de Araújo Júnior

STUDY OF THE SIMILARITIES BETWEEN THE MATHEMATICAL THEORY OF


COMMUNICATION AND CYCLE DOCUMENTARY

Abstract This study, in the context of information science, addresses the mathematical theory of communication
proposed by Claude Shannon in 1948 and its similarities with the cycle documentary regarding
the stages ranging from selection, storage and processing technical documents, until the recovery
of information retrieval by users. The theme is introduced by presenting four strands among the
many communication systems approaches in information science, represented by: 1. scientific
communication; 2. dichotomy between natural and documentary languages; 3. insertion of the
mathematical theory of communication and into the information science 4. documentary cycle,
which has in the information retrieval step the most significant one from the point of view of a
communication system. Presents the definition, scope and characteristics of the mathematical theory
of communication, strengthening its pioneering character to propose, under solid basis, the calculation
of the amount of information that can be carried over a communication channel. Also addresses issues
relating to neutrality of the communication channel that are present in discussions on information
science, taking as an example the evaluation of documents in archival theory. Finally, are delimited
the similarities of the mathematical theory of communication with the documentary cycle, where
a document may be seen also as a communication channel, as well as any support that present
information to be treated from the documentary point of view.

Key words: Information Science. Mathematical theory of communication. Documentary chain. Communication
systems.

Artigo recebido em 20/07/2013 e aceito para publicação em 19/07/2014

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