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26/02/2021

 Estrutura clínica é um modo de lidar com a falta e diante


desta o sujeito tem sua forma de ser, seu modo de gozar, que
o define.

Profª Patricia Amazonas  As estruturas clínicas são formas de organização do


psiquismo para atuar no mundo frente a falta e a castração.
São o modo singular encontrado pelo sujeito para lidar com
esses fatos essenciais da vida humana, para se defender.

 Se analisarmos a palavra “defesa” temos que lançar algumas


reflexões: defesa por quê, de quê e em relação a quê? Em  A castração materna é o operador estrutural primordial na
princípio, o que podemos afirmar é que a defesa é uma constituição dos arranjos subjetivos. O que podemos pensar
espécie de proteção em relação a algo que é ameaçador acerca da castração? Nada além de uma ocorrência
para o sujeito. paradoxal que nunca ocorreu, não ocorre e nunca ocorrerá,
mas que é decisiva para a estruturação psíquica

 No âmbito das formulações das teorias sexuais infantis, a


castração é captação de uma falta; algo que é, à criança,  Eis o momento em que o sujeito tropeça no enigma da falta e
bastante ameaçador. ao mesmo tempo na necessidade de apreender algo que a
realidade apresenta como a falta no Outro primordial, que é a
 Tal ameaça somente toma sentido, para a criança, quando
Mãe. Frente a esse Outro primordial o sujeito pode seguir
esta se vê diante das questões concernentes à sua própria
caminhos que decorrem da maneira como se porta em
castração, especialmente frente ao dilema conflitual: ter
função da falta no Outro.
acesso ao próprio desejo, pela práticas autoeróticas, e deixar
a mãe na falta ou renunciar a condição de ser desejante para
ser o objeto da completude materna.

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 A premissa, da criança, de que todos os seres são iguais por


portarem um mesmo e único atributo, o pênis, formula a  A captação da castração materna é algo impactante para a
universalidade do pênis. Isso é desfeito no encontro com a criança. Ela foi obrigada a se confrontar com a queda de sua
ausência do pênis captada no corpo da mãe. O impacto crença acerca da universalidade do pênis em decorrência
dessa percepção traumática coloca a criança diante da falta: das evidências da realidade.
a mãe é castrada.

 Daí então, o que é evidenciado na realidade vai de encontro


às formulações da criança, de modo que se inaugura um
novo registro: o da falta. A percepção da castração materna,
assim entendida, somente ocorre se for mediada pela falta.

 A criança é pura pulsão, pura libido. Ela deseja tudo! É


 No seio de uma rede inter e intra-subjetiva encontramos o
preciso que seja impedida de satisfazer suas pulsões de
Édipo como possibilidade da primeira escolha de objeto,
forma selvagem. A cultura, através dos Grandes Outros
objeto do primeiríssimo amor, cujas consequências pesarão
(mãe, pai, parentes, professores, amigos...) diminui a
sobre toda a vida do sujeito. Não temos somente a primeira
grosseria das pulsões, adaptando-a ao mundo civilizado. A
escolha, mas também a primeira renúncia.
criança se designa aí, através da falta, como sujeito
desejante. Quando a pulsão é impedida de funcionar como
ela surge, ela é recalcada e pode voltar sob forma de
sintomas, fantasias, sonhos, etc.

 Para todo sujeito, a estruturação de uma organização


psíquica atualiza-se sob a égide dos amores edipianos, isto  Para que a criança se torne um sujeito desejante, é
é, no desenvolvimento da relação que o sujeito mantém com imprescindível que a mãe dê lugar à entrada do pai como o
a função fálica. terceiro que interditará a relação incestuosa mãe-filho,
introduzindo a lei.
 O falo vai ocupar este lugar vazio. O falo simbólico é o
operador em torno do qual giram e se definem as várias  Ser neurótico, psicótico ou perverso é a posição defensiva
estruturas clínicas, pois a forma como cada um vai se que foi possível ao sujeito assumir como sua resposta frente
deparar com esta falta vai levar a diferentes estruturações à questão da castração.
psíquicas

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 A captação da falta na mãe é, para a criança, uma questão


 A atribuição de um saber ao pai é uma modalidade de
enigmática, um mistério a ser desvendado. A criança
negação. Como o que está em jogo é a castração do Outro, a
constata que o objeto de sua primeira descoberta já era de
captação da ausência de pênis no corpo da mãe, estamos
conhecimento do pai.
nos referindo a negação que se faz pelo recalque, ou seja, o
 Assim conclui que o pai já sabia daquilo que ela descobriu, reconhecimento da ausência do pênis na mãe leva o
muito antes dela. Por causa desse saber atribuído ao pai, fica neurótico a substituir o “não tem” pelo “não sei” e a buscar na
explicada, para a criança, a causa de seu nascimento. Em cultura objetos. O não sei é o efeito imediato do recalque.
suma, pela captação da castração materna chega-se à
anterioridade paterna.

 Quer dizer, à suposição de que há alguém que sabe sobre o


 Freud situou o Édipo como o complexo nuclear das
gozo materno corresponde, no sujeito, a um não querer
neuroses. A tarefa do filho consiste em desprender de sua
saber nada sobre isso. Esse modo de negação que ocorre
mãe seus desejos libidinais, para ligá-los a um objeto
pelo recalque é próprio de um retorno: no neurótico a
estranho; em reconciliar-se com o pai, se tiver conservado
negação recai sobre um tipo de representação e dessa
alguma hostilidade quanto a ele, ou a emancipar-se de sua
maneira refere-se ao simbólico. Trata-se de um processo que
tirania, quando, como reação contra sua revolta infantil,
se põe em marcha com o retorno do recalcado, mas que
torna-se submisso.
conduz à revelação do inconsciente por meio das formações
sintomáticas.

 Segundo Freud, o que determinaria a neurose seria a


 Essas tarefas são impostas a todos e a cada um, devendo-se
parcialidade do eu em favor do mundo exterior, em
observar que raramente sua realização é alcançada de modo
detrimento do mundo interior. Neste sentido, ele ressalta o
ideal.
caráter inacabado, fraco, do eu que o desvia das pulsões
 Os neuróticos fracassam parcialmente nessas tarefas, sexuais e as recalca em lugar de controlá-las.
permanecendo um filho submisso à autoridade paterna  Freud descreveu a essência da neurose afirmando que o ego
durante toda a sua vida, sendo incapaz de transferir sua não é capaz de preencher sua função mediadora entre o id e
libido para um objeto sexual estranho. Esse apego aos pais a realidade, que em sua debilidade se retira de algumas
persiste porque as reivindicações libidinais edipianas são porções instintivas do id e, para compensar isso, tem que
recalcadas e, por isso, perenizadas. suportar as consequências de sua renúncia, na forma de
sintomas e fracassadas formações de reação.

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 Então, neurose é um modo de defesa contra a castração,  Existem 3 maneiras de se defender contra o gozo intolerável:
decorre do recalque. O neurótico é submetido a castração e
ao édipo, utilizando basicamente o recalque. Ele simboliza a 1) Sofrer neuroticamente, segundo o modo obsessivo, é sofrer
castração, tem a marca do édipo. conscientemente no pensamento, isto é, deslocar o gozo
inconsciente e intolerável para um sofrimento no pensar.
 Ser neurótico é uma maneira de se defender transformando a
dor da angústia num sofrimento sintomático para não 2) Sofrer como fóbico é sofrer conscientemente com o mundo
sucumbir a um gozo inconsciente intolerável. Ele aceita a que nos cerca, isto é, projetar para fora, para o mundo externo,
castração se submetendo a ela, mas desenvolve uma o gozo inconsciente e intolerável, e cristalizá-lo num elemento
nostalgia sintomática diante da perda sofrida. do ambiente externo, então transformado no objeto ameaçador
da fobia.

3) Sofrer segundo o modo histérico é sofrer conscientemente


 Na histeria o fator característico é a capacidade de
no corpo, ou seja, converter o gozo inconsciente e intolerável
conversão, ou seja, “predisposição psicofísica para transpor
num sofrimento corporal.
enormes somas de excitação para a inervação somática”
(FREUD, 1894, p. 57).
 Na histeria, a excitação, desligada da representação pelo
recalcamento, é convertida ao domínio corporal; nas
 Freud afirma que em toda obsessão encontrar-se-á um
obsessões e na maioria das fobias, a excitação permanece
representação que se impõe ao sujeito e um estado
no domínio psíquico, sendo deslocada para outras
emocional associado que pode ser, por exemplo, de
representações.
angústia, dúvida ou remorso.

 Ao passo que na fobia, esse estado emocional é sempre de  Embora Freud faça inúmeras distinções entre neurose e
angústia, de medo, que não deriva de qualquer lembrança. psicose, ressalta que a irrupção tanto de uma quanto da
Nas fobias evidencia-se o estado emocional de angústia, que outra patologia deve-se a mesma etiologia: a privação. Ou
por uma espécie de processo seletivo, traz à tona todas as seja, “a não-realização de algum daqueles desejos da
representações adequadas para se tornarem alvo de uma infância, sempre indomáveis e tão profundamente enraizados
fobia. na nossa organização psíquica. Dessa forma, o desencadear
para a neurose ou para uma psicose dependerá do
posicionamento do eu diante dessa privação.

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 Se diante de uma situação tensional originária de um conflito  Na neurose, a fuga é utilizada para evitar uma parte da
ele permanecerá fiel à realidade externa e tentando, de realidade, na psicose essa parte é reconstruída ... a neurose
alguma forma, silenciar o id; ou, se o eu se deixa dominar não renega a realidade, ela somente não quer tomar
pelo id e desprende-se da realidade. Dessa forma, Freud conhecimento dela; a psicose renega-a e procura substituí-la”
concebe então que na neurose há uma preservação da
realidade e na psicose, a perda da realidade estaria colocada
de antemão.

 Freud apresenta outra defesa, a partir desse ponto a psicose


 Freud identificou que há um afrouxamento da realidade tanto entra em cena. Nesse tipo de defesa, o eu rejeita a
na psicose como na neurose. A diferenciação percebida representação incompatível/insuportável juntamente com seu
aparece no desfecho que envolve cada um desses processos afeto e se comporta como se a representação jamais tivesse
de constituição subjetiva do aparelho psíquico e na relação existido.
que o sujeito estabelece com a realidade exterior. A psicose
utilizará como saída o delírio e a alucinação e a neurose, por  Segundo Freud, o mecanismo que caracteriza as psicoses é
sua vez, se valerá da fantasia. o forcluir. Freud utilizou essa terminologia referindo-se a um
tipo de recusa arcaica no sentido de expulsão, de eliminação
da ideia da castração.

 O sentido da palavra foraclusão é o de uma defesa enérgica


 O psicótico rejeita a castração. Isto significa a presença da
que afasta da consciência tanto a representação quanto o
rejeição, que leva a uma destruição da realidade e a uma
afeto a ela relacionado.
posterior reconstrução, através da criação de uma nova
realidade, de acordo com os impulsos desejantes do id. Ele
forclui.  A conclusão freudiana é a de que a psicose tem de ser
pensada a partir de uma operação defensiva, sendo que em
 Foraclusão é o mecanismo específico da psicose, através do função da ação de tal operação, aquilo que é rejeitado tem
qual se produz uma rejeição, não há integração no um destino especial, diferente do recalcado. Há um retorno
inconsciente, como no recalque, e há retorno sob forma numa conotação particular, como delírio ou alucinação.
alucinatória no real do sujeito.

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 É, pois com referência a não captação da castração materna  Freud propõe ser a psicose fruto de um distúrbio na relação
que a psicose será então pensada, cujo efeito imediato é a do ego com o mundo externo, cujo resultado ressoa sobre a
ausência da anterioridade paterna. dinâmica de o sujeito ser invadido por um real de
acontecimentos que ele concebe como verídico, mas que os
 Se na neurose temos um processo que ocorre a partir do outros não conseguem perceber. São construções delirantes
que visam dar um sentido subjetivo as ideias, sentimentos e
retorno do recalcado e que conduz à revelação do
inconsciente como formação simbólica, na psicose o abolido percepções que o invadem.
reaparece no real (no delírio).

 Em geral, a psicose implica uma severa deterioração das  Com as funções do ego lesadas, o sujeito psicótico mantém
funções egóicas de forma a causar prejuízo no contato do um contato restrito com o mundo exterior, como se este fosse
sujeito com o mundo externo, com a realidade. Nesta limitado ao seu universo interpsíquico de forma que se
estrutura, o Princípio do Prazer se sobressai em detrimento estabelece uma dinâmica na qual parece que o mundo é só
do Princípio de Realidade. seu.

 Uma diferença entre neurose e psicose é o fato de numa


 Daí então temos duas consequências no campo clínico da neurose o ego, em sua dependência da realidade, suprimir
psicose. Em primeiro lugar, o retorno com exterioridade um fragmento do id (da vida instintual), ao passo que, em
indica que, na psicose, não há centralização do saber, no uma psicose esse mesmo ego, a serviço do id, se afasta de
sujeito, no pai e nem no mundo. Em segundo lugar, em um fragmento da realidade.
decorrência da não centralização do saber, o psicótico opera
com certeza absoluta dada pela alucinação  Assim, para uma neurose o fator decisivo seria a
predominância da influência da realidade, enquanto para
uma psicose esse fator seria a predominância do id. A
neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose
a repudia e tenta substituí-la.

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 Como se dá, na subjetivação perversa, a posição do sujeito  O termo perversão é bastante antigo e significa inversão,
frente à castração materna? Em primeiro lugar, teve acesso à sugerindo a noção de uma norma moral, ou de um
ausência de pênis no corpo da mãe, mas não se dispõe a comportamento natural, dos quais o perverso estaria se
fazer o reconhecimento da realidade captada uma vez que se afastando.
prontifica a desmentir (se opor, negar) a realidade de sua
percepção. Diante da angústia de castração adota uma outra  Do ponto de vista freudiano, o funcionamento da perversão
saída, de modo a coexistirem nele, duas correntes na vida tem suas raízes na angústia de castração e com isso,
psíquica: uma que aceita a ausência de pênis no corpo da mobiliza permanentes mecanismos defensivos para
mãe e outra que nega. contorná-la, por exemplo, a recusa da realidade (desmentir a
diferença dos sexos) e a elaboração de uma formação
substitutiva (investir em outro objeto da realidade - fetiche).

 É conveniente ressaltar que o processo defensivo não  O sujeito na subjetivação perversa, apesar de não
implica, nessas circunstâncias, em uma anulação da reconhecer ter percebido a ausência de pênis na mulher,
percepção (processo que parece ocorrer na subjetivação afirma tê-lo visto à medida que cria para o pênis um
psicótica), mas em uma ação bastante enérgica para manter substituto, visando livrar-se da angústia de castração quando
desmentida uma percepção que se mostra sempre presente. soluciona essa falta, pela imposição do fetiche.

 O fetiche é usado para tamponar a falta captada. É o modo  Portanto, o perverso se subjetiva escolhendo uma posição
utilizado, pelo sujeito, para não reconhecer que captou uma em que desmente a castração materna e usurpa o lugar
falta no corpo da mãe. Desse modo, fica desmentida a referido a anterioridade paterna. Quer dizer, quando não se
castração materna. dispõe a reconhecer a falta no corpo da mãe, fica sem o
efeito da anterioridade paterna.

 A não aceitação, pelo perverso, do efeito da anterioridade


paterna têm consequências: em primeiro lugar, o perverso  A atribuição fálica é universal, então o perverso não
não atribui saber ao Outro, uma vez que, usurpando o lugar reconhece o pai como representante da lei e o contesta. A
do pai, fica sem o efeito da anterioridade paterna e, ocupa a perversão é a recusa da diferença sexual, portanto da
posição de saber absoluto. castração. Para o perverso, todos têm o falo e sustentar essa
crença o protege da ameaça da castração.
 Em certo sentido, o perverso centraliza nele mesmo o saber
e é por isso que, na posição perversa, encontra-se a
dimensão do saber absoluto.

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 Em outros termos, a criança se encerra na seguinte  A perversão não é uma simples aberração sexual em relação
convicção contraditória: de um lado, a intrusão da figura aos critérios sociais estabelecidos e nem se restringe às
paterna deixa entrever para a criança que a mãe, que não formas psicopáticas ou manifestações bizarras.
tem o falo, deseja o pai porque ele o "é", ou porque ele o
 Consiste numa presença inerente ao desejo humano que se
"tem"; por outro lado, se a mãe não o tem, talvez, no entanto,
ancora nas camadas mais primitivas do psiquismo, onde as
o pudesse ter? Para fazer isto, basta lhe atribuir e manter
memórias das vivências de satisfação infantis continuam a
imaginariamente essa atribuição fálica. É esta manutenção
alimentar e sustentar o desejo do adulto, permitindo que as
imaginária que anula a diferença dos sexos e a falta que ela
pulsões agressivas e destrutivas se atualizem.
atualiza.

 O Perverso aceita a angústia de castração sob a condição de  O perverso não se considera um doente e, portanto, fica
transgredi-la. Assim, ele se esgota em demonstrar, longe dos consultórios. Na maior parte do tempo, são sujeitos
regularmente que a única lei que ele reconhece é a lei respeitáveis em sua vida social, profissional e familiar,
imperativa do seu próprio desejo e não a lei do desejo do embora tenham, por outro lado, secretamente,
outro. O perverso não tem outra saída senão subscrever ao discretamente, uma vida paralela que não é vista.
desafio da lei e à sua transgressão, sendo esses os seus
traços estruturais. Ele transgride a norma porque sabe que
ela existe, mas não a aceita.

Referências do Sujeito

NEUROSE PSICOSE PERVERSÃO


 A neurose é o negativo da perversão, no sentido de que o
perverso tem o desejo de fazer e faz e o neurótico tem o Inconsciente Delírio Fetiche
desejo de fazer e recalca.

 O neurótico se submete a lei e o perverso a transgride.

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