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Isabel Sousa 10º3 nº12

Será que os animais não humanos têm


estatuto moral?

Os animais não humanos têm interesses que devemos respeitar? São por si dignos de
consideração moral ou só os seres humanos merecem tal estatuto? Se atribuímos
dignidade moral aos animais em que nos baseamos para o fazer? Será legítimo?
Isabel Sousa 10º3 nº12

É praticamente consensual que as pessoas têm estatuto moral existindo, contudo,


alguma controvérsia sobre se os animais não humanos ou os embriões humanos o
têm. Esta questão assenta num dos temas mais debatidos na atualidade, sendo,
portanto, de extrema importância.

Com este ensaio, pretendo demonstrar que os animais têm estatuto moral. Para tal,
irei começar por apresentar as principais teorias já existentes. Posteriormente, irei
suportar a minha posição com um argumento, procedendo à sua análise e defesa,
tentando provar que é válido e sólido. Por fim, irei apresentar objeções à minha
perspetiva, tentando responder às mesmas.
Antes de proceder à apresentação dos argumentos, é importante mencionar que o
estatuto moral corresponde a uma característica intrínseca, associada a um indivíduo
ou a uma entidade. Diz-se que um individuo ou entidade tem estatuto moral se é
moralmente importante para a sociedade, isto é, se a sua existência e o seu bem-estar
têm peso moral positivo, se os seus interesses têm que ser considerados na tomada de
decisão.
Vou, portanto, agora apresentar as principais teorias filosóficas que respondem à
questão levantada.

Especismo
Iniciemos pelo Especismo. Este defende que só os seres humanos têm importância
moral. O especista pensa que o simples facto de pertencermos a uma certa espécie
biológica, a espécie Homo Sapiens, nos dá um estatuto moral superior.

Perspetiva tradicional
Com base no especismo, surgiu a perspetiva tradicional. Segundo a perspetiva
tradicional, os animais não humanos também não têm estatuto moral. Esta perspetiva
baseia-se numa visão teleológica, segundo a qual os animais foram criados para o
nosso benefício. Os seus principais defensores foram: Aristóteles, S. Tomás de Aquino
e Immanuel Kant.
Segundo Kant, o princípio fundamental da moral baseia-se na razão, a qual nos manda
tratar os nossos semelhantes como fins e nunca como meios, impedindo-nos de os
instrumentalizar e de, assim, ferir a sua humanidade. Mas não poderemos ferir a
humanidade de quem não é ser humano, pelo que os outros animais nem sequer
fazem parte do universo da moralidade. Assim, este defendia que os animais não têm
consciência de si e existem apenas como meio para um fim, podemos usá-los em nosso
benefício.
Isabel Sousa 10º3 nº12

Os animais não têm consciência de si e existem apenas como meio para um fim. Esse fim é
o homem. Podemos perguntar «Por que razão existem os animais?». Mas perguntar «Por
que razão existe o homem?» é fazer uma pergunta sem sentido. Os nossos deveres em
relação aos animais são apenas deveres indirectos em relação à humanidade.

Immanuel Kant, Lições de Ética, 1775-1780, trad. de Pedro Galvão, p. 23

No excerto acima apresentado, Kant afirma que embora não tenhamos propriamente
deveres diretos em relação aos animais não humanos, é errado causar dor e
sofrimento neles. Estes deveres, designam-se por deveres indiretos. Por exemplo, se
um cão que foi sempre fiel ao dono, o dono deverá mante-lo até morrer como uma
forma de recompensa. Kant afirma que a principal razão pela qual não devemos
maltratar os animais é o facto de que nos poderá levar a maltratar também os outros
seres, os humanos.
No entanto, segundo a perspetiva tradicional, tratar cruelmente os animais quando
isso nos pode trazer benefícios, é aceitável. Assim, Kant defende que o tratamento
cruel nos animais em benefício da ciência é aceitável pois tem um objetivo válido, que
é a aquisição de conhecimento em nome da humanidade.
Deste modo, Kant condena os maus todos aos animais quando são feitos por pura
diversão.

Hoje é muito difícil aceitar esta perspetiva, dado que foi severamente abalada por
Charles Darwin, que desenvolveu a teoria da evolução das espécies por seleção
natural. À luz desta teoria científica, é simplesmente falso que os animais não
humanos existam ou tenham sido criados para nosso benefício: nós descendemos de
outros animais e, tal como eles, somos um resultado da seleção natural, sem qualquer
propósito ou finalidade.
Além disso, do facto de um ser ter sido criado especificamente com um determinado
fim em vista não se segue que usá-lo para esse fim seja correto. Afinal, um casal pode
criar um filho especificamente para o escravizar, mas daí não se segue que seja correto
escravizá-lo.

Perspetiva dos direitos


Tom Rega cria, em resposta a esta questão, uma teoria totalmente distinta da
perspetiva tradicional, a perspetiva dos direitos. Este defende precisamente que não
há qualquer diferença de estatuto moral entre uns e outros, defendendo que
animais e seres humanos têm direitos invioláveis, que se sobrepõem à felicidade
geral. Regan afirma que um ser tem estatuto moral, se é considerado "sujeitos-de-
uma-vida", isto é, se é capaz de experimentar prazer e dor, de ter crenças e desejos, de
realizar ações intencionais, de ter um sentido do futuro. Ora, isso verifica-se não só
nos seres humanos, mas também em alguns animais. Desta forma, certos direitos,
como o direito à vida, à liberdade e à integridade corporal são invioláveis, tanto no
caso dos seres humanos como no caso de alguns animais. Deve-se, pois, acabar
imediatamente com as touradas, os circos com animais, os jardins zoológicos, a
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caça, a experimentação animal, a criação e abate de animais na indústria alimentar,


bem como a ingestão de derivados destes.

Uma objeção a esta perspetiva é o facto de não possibilitar, como referido


anteriormente, a experimentação animal, o que poderá ser um impasse ao
aumento do conhecimento.

Perspetiva utilitarista
Apresento agora um argumento que espelha a minha posição, a perspetiva utilitarista,
apresentada por Peter Singer.

Apoio a ideia de que devemos agir de tal modo que possamos maximizar a
satisfação dos interesses de todos os afetados pelas nossas ações. Esta afirmação
está diretamente relacionada com o Princípio da Maior Felicidade, característica
fundamental do utilitarismo. Logo, devemos agir em prol da felicidade geral, isto é, de
modo a que o bem-estar seja superior ao mal-estar resultante da ação, de um ponto
de vista imparcial.
Por outro lado, penso que aquilo que determina se um ser tem estatuto moral não é a
racionalidade, mas a senciência, isto é, a capacidade de sofrer. O que há de errado em
maltratar uma pessoa ou um animal não é ele ser capaz de refletir sobre isso ou de ser
capaz de o verbalizar, mas sim o facto dessa pessoa ou animal não humano sentirem
dor e estarem, por isso, em sofrimento. Um ser é objeto de consideração moral se
tiver interesses e tem interesses porque pode sofrer. Esta ideia foi introduzida pelo
filosofo Jeremy Bentham.

Um exemplo claro que demostra que este critério é mais plausível, é o facto de termos
de excluir da ética não só os animais, mas também alguns seres humanos, como

Talvez chegue o dia em que a restante criação animal venha a adquirir os direitos que
nunca lhe poderiam ter sido retirados senão pela mão da tirania. Os franceses já
descobriram que o negro da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem
remédio aos caprichos de um torcionário. É possível que um dia se reconheça que o número
de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum são razões igualmente
insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderia
traçar uma linha insuperável? Será a faculdade da razão ou, talvez, a faculdade do
discurso? Mas um cavalo adulto é, para lá de toda a comparação, um animal mais racional,
assim como mais sociável, que um recém-nascido de um dia, de uma semana ou mesmo de
um mês. Mas suponhamos que não era assim; de que serviria? A questão não está em
saber se eles podem falar ou pensar, mas sim se podem sofrer.

Jeremy Bentham, Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação, 1789, Cap. XVII, S

crianças recém-nascidas ou deficientes, caso tomemos como critério a racionalidade.


Ora, isso seria inadmissível.
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Considero também que o especismo é um erro subjacente ao racismo ou sexismo.


Afinal, o racista e o sexista pensa que o simples facto de um ser humano ser de uma
certa raça e sexo lhe dá um estatuto moral superior. Porém, isto é falso. Todos
reconhecemos que discriminar alguém por estas razões é um erro moral grave. Mas,
para sermos coerentes, temos também de reconhecer que discriminar um ser por
causa da sua espécie é um erro moral grave. Não há nenhuma razão para que seja
dada menos importância aos interesses dos animais não humanos do que damos a
interesses análogos de membros da nossa própria espécie.

Decorre, do meu posicionamento, algumas importantes consequências práticas.


Uma delas é a defesa do vegetarianismo. Segunda esta perspetiva, como já havíamos
verificado, uma ação é correta se e só se, de todas as ações alternativas disponíveis, a
ação escolhida maximizar a satisfação dos interesses de todos os que são afetados
pelas suas consequências. Ora ao criarmos animais para os comermos, estamos a
sacrificar os mais importantes interesses dos animais? Quais? Os interesses em evitar o
sofrimento e em continuara a viver. E em nome de quê? Dos nossos interesses em
experimentar sensações agradáveis ao comer carne. Trata-se de um interesse trivial e
injustificável. Poderíamos admiti-lo se não houvesse ação alternativa. Mas há. Temos
claramente alternativas que evitam sofrimentos desnecessários, defendem o nosso
bem-estar e o dos animais que nos habituámos a matar e comer.
E quanto à experimentação animal? Devemos ter o sofrimento animal em conta
sempre que interesses mais relevantes para a maioria dos envolvidos não justifiquem
que se cause dor aos animais. Deste modo, usar animais e fazê-los sofrer para testar
cosméticos ou detergentes, por exemplo, é injustificável. Porquê? Porque o prazer que
os humanos obterão não é superior ao sofrimento animal. Contudo, quando se trata
de experimentação médica com animais e da procura de resposta a doenças graves e
debilitantes, o benefício daí decorrente, desde que com um pequeno número de
animais, pode ser de tal modo relevante que a justifique. Neste caso, não me oponho à
experimentação animal.

Não obstante, existem objeções que podem ser colocadas à perspetiva apresentada.
A primeira objeção que irei referir é o facto de, no que diz respeito à imposição de
sofrimento, a rejeição do especismo levar-nos-ia a concluir que é tão mau fazer sofrer
um ser humano como infligir o mesmo sofrimento a qualquer outro animal.
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A dor e o sofrimento são maus e devem ser evitados ou minimizados, independentemente


da raça, sexo ou espécie do ser que sofre. O maior ou menor sofrimento provocado por uma
dor depende de quão intensa ela é e de quanto tempo dura, mas as dores da mesma
intensidade e duração são igualmente más, quer sejam sentidas por seres humanos, quer o
sejam por animais. Quando consideramos o valor da vida, já não podemos dizer com tanta
confiança que uma vida é uma vida e que é igualmente valiosa quer se trate de uma vida
humana quer se trate de uma vida de outro animal. Não seria especismo defender que a
vida de um ser autoconsciente, capaz de pensamento abstrato ou de planear o futuro, de
atos de comunicação complexos, etc., é mais valiosa que a vida de um ser sem essas
capacidades.

Peter Singer, Ética Prática, 1993, trad. Álvaro Fernandes, pp. 81-82

Tal como Singer afirma no excerto anteriormente exposto, posso sustentar


coerentemente que é muito mais grave matar um ser humano do que matar, por
exemplo, um rato. Posso alegar que a vida dos seres humanos tem geralmente mais
valor do que a vida dos ratos por causa das nossas capacidades mentais superiores ou
do nosso nível de consciência mais elevado. Contrariamente ao que pode parecer, esta
afirmação não é especista, pois não exprime a ideia de que a nossa vida tem mais valor
porque pertencemos à espécie Homo Sapiens.

Outra critica apontada é o facto das experiências sensoriais de prazer e dor serem
subjetivas e singulares, não temos como senti-las pelo outro. Afinal, como poderíamos
comprovar que os animais não humanos a sentem e, portanto, possuem interesses a
serem respeitados? Todavia, ainda que a dor ou o sofrimento sejam subjetivos, o que
impede que possamos experimentar a dor e o sofrimento do outro, podemos deduzir
que ele os experimenta pelos sinais externos revelados em situações em que nós
mesmos sentiríamos tais experiências sensoriais. Deste modo, quando submetidos à
dor ou ao sofrimento eles contorcem-se, choram, gritam ou tentam se afastar da fonte
originária dessas sensações. Assim, embora não possamos experimentar ou medir a
intensidade da dor e do sofrimento dos outros, sejam eles humanos ou não humanos,
podemos inferi-los pelas manifestações externas que apresentam ou ainda pelas
respostas apresentadas a determinados estímulos, os quais nós responderíamos de
modo similar.

Contudo, algumas objeções ainda persistem como, por exemplo, a ideia de que pelo
facto de o ser humano possuir maior consciência daquilo que ocorre em sua vida, bem
como por ter um interesse em existir no futuro, a sua dor e sofrimento seria maior que
aquele sentido pelos animais não humanos, ainda que a situação seja idêntica nos dois
casos; o que justificaria, por sua vez, a maior consideração dos seus interesses em
detrimento dos interesses dos outros animais.
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De acordo com essa ideia de “angústia mental”, o ser humano sentiria essas sensações
com mais intensidade. Com intuito de demonstrar a arbitrariedade desse argumento
afirmo, apesar dessa ideia possuir veracidade em determinadas circunstâncias, não é
válida para todos os casos. Em algumas ocasiões, a consciência limitada dos animais
não humanos pode causar-lhes ainda mais sofrimento do que causaria se eles
conseguissem predizer o que vai lhes ocorrer, e isso pode se aplicar igualmente aos
seres humanos. Para entendermos esse posicionamento mais claramente, vejamos a
seguinte passagem, da autoria de Singer:

A capacidade mental superior de seres humanos adultos normais faz a diferença em muitas
questões: previsão, memória mais detalhada, maior compreensão dos fatos e assim por
diante. No entanto, nem todas essas diferenças apontam maior sofrimento por parte de ser
humano. Em alguns casos, os animais podem sofrer mais, devido à capacidade de
compreensão mais limitada. Por exemplo, se fizermos prisioneiros de guerra, podemos
explicar-lhes que, embora tenham de se submeter à captura, revista e confinamento, não
serão importunados de outras maneiras, e terão a liberdade quando cessarem as
hostilidades. Se capturarmos animais selvagens, entretanto, não podemos explicar-lhes que
sua vida não está ameaçada. Um animal selvagem não consegue distinguir entre uma
tentativa de dominação para confinamento e uma tentativa de morte: uma provoca tanto
terror quanto a outra.
(SINGER, 2010, p. 26).

Assim, pode-se dizer que estas objeções não justificam que os interesses dos animais
não humanos sejam menos válidos, dado que a intensidade da dor é irrelevante, sendo
é impossível medir a dor dos seres humanos, que possuem capacidade de raciocínio e
linguagem desenvolvida, assim como dos demais animais. O que é relevante é que esta
é sentida.

Em suma, penso que os animais não humanos têm um estatuto moral, não devem ser
utilizados apenas como objetos, ser instrumentalizados. Para defender o meu ponto de
vista baseei-me num argumento válido e sólido, a perspetiva utilitarista, com forte
influência de Peter Singer, que afirma que todos os seres sencientes, e como tal
também os animais não humanos, têm estatuto moral. Apoio também que devemos
escolher sempre as ações cujo saldo final apresente mais benefícios para todos os
envolvidos do que prejuízos. Para concluir, apelo ao vegetarianismo e à
experimentação em animais, apenas em certas circunstâncias.

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