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ABSTRACT
The profile of translators in the late 20th century and early 21st century
has undergone significant changes, particularly with regard to the use
of technology tools. These changes also stem from the emergence of
websites, social networks and blogs, which have increased the visibility
of today’s translator, particularly the ‘non-visible’ one widely known as
‘technical translator’. This professional has increasingly relied on the
blog as a powerful tool for both marketing and dissemination of his
own texts, showing that he, as a translator, can not only translate but
also write about translation. This essay seeks to analyze, from a
discourse perspective and with the help of the thinking of
deconstruction, some of the characteristics of two translator’s blogs
widely recognized in the field and respected by peers. The goals are to
Anhanguera Educacional Ltda.
raise some questions on the role of the blog for the visibility of the so-
Correspondência/Contato called ‘technical’ translator, identify what the translator is aiming at
Alameda Maria Tereza, 4266
Valinhos, São Paulo with his blog and start a discussion on what these blogs may or may
CEP 13.278-181 not add to the aspiring translator and to the training of novice
rc.ipade@aesapar.com translators. The author will specifically address identity issues in the
Coordenação profile of blogging translators and the role of the blog’s ‘proper name’.
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Keywords: technical translator; blog; proper name.
Artigo Original
Recebido em: 01/02/2012
Avaliado em: 05/03/2012
Publicação: 30 de março de 2012 79
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1. INTRODUÇÃO
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Todo esse estudo não parece ser feito em relação aos tradutores técnicos. O que
faz com que um tradutor técnico seja considerado “bom”, seja respeitado pelos seus pares
e seja procurado cada vez mais por novos clientes? Que concepções esse bom tradutor tem
de tradução, como ele vê o texto a ser traduzido, como lida com as línguas envolvidas,
quais são suas concepções sobre ética e fidelidade? Onde ele explicita essas concepções?
Tal panorama nos permite, então, justificar a opção pelo estudo dos tradutores “técnicos”,
denominação esta que adotamos para harmonizar com a autoapresentação de alguns
tradutores em seus blogs. Quem são, quais as concepções de linguagem subjacentes aos
seus comentários, quais são suas contribuições ao entendimento da profissão e do
mercado para o futuro tradutor ou tradutor iniciante?
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de Fabiana Komesu nos auxilia a entender a importância e o alcance dessa ferramenta nos
dias de hoje:
Blog é uma corruptela de weblog, expressão que pode ser traduzida como “arquivo na
rede”. Os blogs surgiram em agosto de 1999 com a utilização do software Blogger, da
empresa do norte-americano Evan Williams. O software fora concebido como uma
alternativa popular para publicação de textos on-line, uma vez que a ferramenta
dispensava o conhecimento especializado em computação. A facilidade para a edição,
atualização e manutenção dos textos em rede foi — e é — o principal atributo para o
sucesso e a difusão dessa chamada ferramenta de auto-expressão. (KOMESU, 2010, p.
136–7)
De acordo com Sartori Filho, os blogs podem ser considerados “uma incubadora
de internautas com interesses comuns” (apud MARCUSCHI, 2010, p. 73). Essa
“incubadora” está aberta a comentários, ou seja, é uma ferramenta interativa e
participativa que tem atualização frequente e permite relações ou, mais especificamente,
permite o atravessamento de vozes entre o tradutor blogueiro e o leitor. Por todas essas
qualidades e, acima de tudo, por não apresentar custos para o tradutor, já que também é
gratuito, o blog passou a ser adotado por tradutores com as mais diversas finalidades.
A escolha do blog como suporte material específico para a produção textual põe
em evidência algumas características do tradutor blogueiro, como a importância dada à
interatividade, tanto em relação ao usuário e à máquina, como nas relações interpessoais.
Levando em conta tais características, o processo de seleção dos blogs obedeceu aos
seguintes critérios: em primeiro lugar, buscamos os “dez mais” no Brasil: blogs escritos
em português por tradutores brasileiros, já que o interesse maior é verificar a repercussão
desses blogs no nosso país; em segundo lugar, foram considerados os blogs que tratam de
aspectos gerais envolvendo a tradução e não “soluções tradutórias” ou peculiaridades
linguísticas da língua fonte ou alvo; em terceiro lugar foram priorizados blogs com
atualizações constantes e, finalmente, mas não menos importantes, foram buscados blogs
de tradutores “famosos” na área específica de tradução, que são recorrentemente citados
por seus pares e cujo número de visitantes é significativo.
Neste texto, faremos algumas considerações sobre os dois blogs mais acessados e
com maior número de interações no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Eles
foram citados em uma página da equipe daquela que é considerada a maior comunidade
online de tradutores, o ProZ (http://blogproz.wordpress.com/translation-blogs), que,
entre outras coisas, possibilita o networking entre tradutores, além de divulgar a oferta e
procura de serviços de tradução, informações sobre programas, eventos, etc. e também
são citados e recomendados pelos pares, por exemplo, em outros blogs de tradução e em
redes sociais.
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O blog com o maior número de acessos pertence ao baiano Fábio Said, residente
na Alemanha, tradutor do alemão e do inglês para o português:
http://fidusinterpres.com. Em número de acessos, o Fidus interpres é seguido pelo
http://www.tradutorprofissional.com, pertencente aos paulistas Danilo Nogueira e Kelli
Semolini, naturais respectivamente de São Paulo e São Carlos, tradutores de inglês e
português. Esses dois blogs têm em comum uma característica primordial para nosso
estudo: as inúmeras perguntas enviadas por tradutores iniciantes ou aspirantes a
tradutores e as “dicas” dadas pelos blogueiros. Nesse sentido, o Outro é imprescindível
para a constituição dos dois blogs.
O uso desse suporte público pode parecer paradoxal em relação ao indicado por
Rosemary Arrojo, quando afirma que o trabalho do tradutor “implica uma ética
profissional bizarra”:
um tradutor bem-sucedido é supostamente aquele profissional que propicia aos seus
leitores a ilusão de sua não-interferência na escrita que produz a partir do original. Não
é por acaso, porém, que se diz que a profissão atraia pessoas com “egos fracos”. Paul
Kussmaul oferece o exemplo de um tradutor que identifica uma relação íntima entre
prática tradutória e “estruturas de personalidade fraca”. Segundo o autor, isso se
explicaria na medida em que a tradução e a interpretação são profissões que se
caracterizam pelo serviço aos interesses alheios, “e servir geralmente não combina com
um ego bem desenvolvido” (ver BÜHLER, apud KUSSMAUL, 1995, p. 32) (ARROJO,
2007, p.41)
Essa afirmação nos leva a dois questionamentos: até que ponto podemos
concordar com a afirmação de Kussmaul relativa a “egos fracos”, trazida por Arrojo,
quando vemos a exposição dos tradutores nos blogs? Seriam os blogs exatamente uma
maneira de os “egos fortes” aparecerem, um local onde o tradutor pode ser autor, já que
não se considera como tal na prática tradutória? Em outras palavras: não seria exatamente
por se considerar “invisível” na tradução que o tradutor procura aparecer no blog? Ou, ao
contrário, não seria o tradutor dono de um “ego forte” e, por isso, aparece, expõe-se, quer
ser visto como alguém detentor de um saber?
1 Em janeiro de 2012, Fábio M. Said divulgou e ministrou, por exemplo, seu curso “ATA Webinar for Language
Professionals: How to Blog for 1 Million Visitors”. Por sua vez, Danilo Nogueira e Kelli Semolini divulgaram a primeira
Oficina de Técnicas de Tradução (Inglês–Português), agendada para março do mesmo ano. Apesar de dependerem de
inscrição e pagamentos prévios, aparentemente os cursos são bastante procurados, o que é uma das comprovações da
visibilidade do blog e da influência dos blogueiros no meio.
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Esse enfoque nos permite fazer um questionamento a respeito do papel dos blogs
para os tradutores aqui estudados: a que interpretações e deduções somos levados a partir
da leitura dos posts do tradutor blogueiro, a partir do que ele narra sobre si e seu trabalho?
Quais as consequências e repercussões dessas interpretações e deduções?
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O blog é escrito em português e inglês, mas nem sempre são duas versões de um
mesmo post. Geralmente seus comentários sobre o ofício do tradutor são em português (o
que justifica a origem do livro) e as informações mais pertinentes aos clientes de tradução
estão em inglês. As respostas aos visitantes são feitas na mesma língua da pergunta
(inglês ou português). Há casos em que há exatamente a mesma informação nas duas
línguas, por exemplo: “Fidus interpres is a blog about translation and translators. It targets
primarily at language professionals and students, as well as buyers of translation”. “O
Fidus interpres é um blog sobre tradução e tradutores. Tem como público-alvo principal os
profissionais da língua e estudantes, além de compradores de traduções.” (destaques do
autor) (acesso em 19 set. 2011).
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corresponder àquilo que seus visitantes esperam encontrar: alguém que “sabe” sobre
tradução e sobre o papel do tradutor.
Kelli Semolini nasceu em São Carlos, em 1983, e desde muito nova se interessa por
inglês, que começou a ensinar antes de entrar na UNESP, em Araraquara, em 2002. Na
faculdade, além de se aprofundar no inglês e no português, aprendeu a jogar truco. Ao
se formar, continuou com as aulas de inglês, mas começou a procurar serviços de
tradução e revisão.
Danilo Nogueira nasceu em São Paulo, em 1942 e, também desde muito jovem se
interessa por línguas, porém nunca fez faculdade. Teve uma vida confusa e atribulada
demais para ser narrada aqui. Em 1970, aproveitando uma oportunidade promissora,
resolveu se dedicar inteiramente à tradução, especializando-se em contabilidade,
finanças, tributação e direito societário. Um dos pioneiros da informatização da
tradução, usa programas de tradução assistida por computador desde cerca de 1995.
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profissionais “acadêmicos” de tradução, além de ter escrito artigos, inclusive para revistas
acadêmicas especializadas na área. É interessante observar que ambos destacam o
interesse por línguas desde muito novos e Danilo Nogueira enfatiza o fato de ser “um dos
pioneiros da informatização da tradução”. Não há referência a associações, a trabalhos já
realizados ou aos objetivos do blog, como ocorre no perfil de Said.
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falando, continuam a aparecer tanto nos artigos em livros e periódicos específicos quanto
em blogs e sites sobre tradução.
Em uma primeira leitura dos blogs, observa-se que essa “problemática” continua
presente nas discussões e, mais do que isso, determina desde a forma como os tradutores
se apresentam (no perfil) até os conselhos dados aos iniciantes. Por esse motivo,
esperamos, em trabalho futuro, analisar especificamente como é tratada a importância (ou
não) da formação acadêmica nos blogs escolhidos.
4. O NOME DO BLOG
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explicar, compreender, entender). Como traduzir o nome próprio? O que ele quer dizer?
O nome próprio mostra a singularidade do blog, pois tem a função nominal de permitir
que o blog seja reconhecido por aquele nome.
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Mesmo sabendo das conotações negativas de “fiel tradutor”, Said sugere que seja
considerado apenas o sentido positivo e propõe a metáfora das cartas com a assinatura do
“vosso fiel tradutor” como alguém que comenta a tradução e dá dicas especializadas, o
que pode nos remeter ao já citado Guimarães Rosa e a suas cartas com o tradutor Edoardo
Bizzarri (2003). Percebe-se que, em Fidus interpres, como explicado por Said, o nome
próprio tem o funcionamento de uma assinatura, um nome ou marca firmada em uma
tradução, ou, nesse caso, em um blog (ou livro) designando autoria e concedendo a
legimitidade necessária para o trabalho do “fiel tradutor”. E, como todo texto, pede a
contra-assinatura do Outro, representada por sua leitura.
Em Tradutor profissional não parece haver explicação no site de como o nome foi
escolhido ou do porquê da escolha. Vemos, aqui, que o nome que se diz próprio também
pode ser o desdobramento ou uma apropriação do comum a insinuar-se na língua, ou
seja, o nome comum (tradutor profissional) funciona como nome próprio. Se, por um
lado, esse “nome próprio” se refere a todo aquele que se apresenta como “tradutor
profissional” (o que, em última instância, é um ponto positivo, pois instaura uma
identificação), por outro, conserva sua característica de singularidade, que distingue o
blog dos outros e atribui a Danilo Nogueira (o criador do blog) não só um adjetivo, mas a
prerrogativa de ser o tradutor profissional.
Nos dois casos, a escolha do nome já presta a cada um dos blogs um atributo que
desencadeia leituras, gera expectativas e, mais que descrever, o nome passa a ser
indissociável daquilo que denomina. Assim, podemos ver o nome do blog como uma
predicação, que deixa ver um ponto de vista do blogueiro por trás da nomeação.
As crenças e ideologias do tradutor blogueiro aparecem nos seus discursos (no caso, nos
blogs), que são também uma forma de atuar, de agir sobre o outro. É primordial
reconhecer as condições de produção do blog: o contexto histórico-social, a imagem que o
blogueiro faz de si, do outro e do assunto de que está tratando, além de ser também
essencial reconhecer que todo discurso é um lugar de luta pelo poder do sentido, ou seja,
um lugar em que se travam as polêmicas.
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