Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Produriío editorial
Oebora Fleck
lsadora Travassos
Jorge Viveiros de Castro
Marília Garcia
Valeska de Aguirrc
Benjamin Albagli
ClP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORF.S DE LIVROS, RJ
HS79
Inclui bibliografia
ISBN 85-7577-262-7
LUUú
Viveiros de Castro Editora Leda.
R. J;udim Borinico 600 sl. 307
Rio de J2neiro RJ CEP 22461 -000
(21) 2540-0076
V.W\.\•.7ktrll.COm.br / cJiwra@7lctras. Lt)!ll.br
A "NOVA" HISTÓRIA CULTURAL EXISTE?
Roga (Jú1rt1er
tanco às defi nições clássicas da no\·5.o de mencalidadcs como ~1s ceno:i~ t ~r:1-
.
tístici.s da "hi ~t ri .i scri,il do tc:t ·cir ) nível" - t d:1 cultura. Seria neccssi ri o
,. cre, ccnr :1r (ai rh.!.1 que t m iü).ull ·nt c :1rdcrê n .i, esteja au ent e d o li vro cdira-
d p r L::nn Hun r) ,g prnpt . tas :1 1 rr .<: rn ta 1. . n.t mcsnu ::dtur a qu :i n co aos
d~·itt . ,~nirivus pr · Ju· i j 1s pela redu ção da e ,ala de ob crvação, cal como
.1 1 r .. .ni 7:1v.1 e~ pr;lti JVJ i1 umicrostoriti" icaJiana. Ao de~ignar sob uma rn cs-
111«1 n -:to . b( rdagc ns om cão variadas origens, o li vro de Lynn Hunr dava
,·i: ibili fad e e un idade a um conjunto de mudanças que até a{ tinham passado
dc.:sp ·rcebidas - ou tinham sido mal percebidas . .É assim que, cerca de uma
d c1da antes, a categoria de nova história cultural não aparecia de forma algu-
ma no exame de consciência historiográfica proposto por Dominick LaCapra
e Sceve Kaplan (LAO\PRA; KAPLAN, 1982).
A nova história cultural dos anos 1980 era claramente definida em opo-
sição a postulados que até entio tinham governado a história das mentalida-
des (LE GOFF, 1974). Em primeiro lugar, o objeto da história das mentalida-
des é o oposco daquele da história intelectual clássica. Às idéias, que resultam
da elaborétção consciente de um espírito singular, opõe-se a mentalidade, sem-
pre coletiva, que rege automaticamente o conteúdo impessoal dos pensamen-
tos comuns. Tendo por objeto o coletivo, o automático, o repetitivo, a histó-
ria das mentalidades pode e deve tornar-se serial e estatística. Nisso, inscreve-
se na herança da história das economias, das populações e das sociedades que,
no horizonte da grande crise dos anos I 930, e em seguida no imediato pós-
guerra, constituiu o domínio mais inovador da historiografia. Quando, nos
anos 1960, a história das mentalidades define um novo campo de estudos,
promissor e original, fá-lo recomando com freqüência os métodos que asse-
guraram os triunfos da história econômica e social: ou seja, as técnicas da es-
tatística regressiva e a análise matemática de séries.
Duas conseqüências decorrem do primado concedido às séries, e por
conseguinte ao estabelecimento e tratamento de dados homogêneos, repeti-
dos e comparáveis, com intervalos temporais regulares. A primeira é o privilé-
gio dado às fontes mais numerosas, largamente representativas e disponíveis
para um período longo: por exemplo, os inventários post-mortem, os testamen-
tos, os catálogos de bibliotecas, os arquivos judiciais, etc. A segunda consiste
na ten cativa de articular, de acordo com o modelo brauddiano das diferentes
temporalidades (longa duração, conjuntura, acontecimento), o tempo iongo
<las mentalidades, que com freqüência resiscen1 à transformação, com o tem-
po curto dos abandonos brurais ou de rápid as rransferênciJs de crenças e de
sensibilidade.
Urna terceira característica d:1 história. das mentalidades na sua idade de
ouro procede da forma ambígua de pensar a sua relação com a sociedade. A
noção parece, efetival1iente, destinada a apagar diferenças a fim de encontraí
categorias partilhadas por todos os membros de uma mesma época. Entre o~
praticantes da história das mentalidades, Philippe Aries é, sem dúvida, quem
mais fortemente se ligou a uma tal identificação da noção com um sentimen-
to comum. O reconhecimento dos arquétipos de civilização partilhados por
uma soci~dade inteira não significa certamente a anulação de toda a diferença
entre os grupos sociais ou entre clérigos e laicos. Mas estas distâncias são sem-
pre pensadas no interior de um processo de longa duração que produz repre-
sentações e comportamentos essencialmente comuns. Postulando assim a
unidade fundamental (pelo menos tendencialmente) do inconsciente coleti-
vo, Philippe Aries lê os textos e as imagens, não como manifestações de sin-
gularidades individuais, mas para decifrar a expressão ·inconsciente de uma
sensibilidade coletiva ou para encontrar o fundo vulgar de representações
comuns que era espontânea e universalmente partilhado (ARit.S, 1977).
Para outros historiadores das mentalidades, mais diretamente inscritos
na herança da história social, o essencial reside no nó que liga as distâncias
entre as maneiras de pensar e de sentir e as diferenças sociais. Uma tal pers-
pectiva organiza a classificação dos faros d,e mentalidade a partir das divisões
estabelecidas pela análise da sociedade. Daí a sobreposição entre as fronteiras
sociais que separam grupos ou classes e as que diferenciam mentalidades
(MANDROU, 1961). Esse primado do reco.rte social é sem dúvida o traço mais
nítido da dependência da história das mentalidades em relação à história so-
cial na tradição francesa.
Como explicar o sucesso, tanto entre- historiadores como entre leitores,
na França e fora da França, da história das mentalidades, nos anos 1960 e 1970?
Sem dúvida porque uma cal abordagem permitia, na própria diversidade, a
criàção de um novo equilíbrio entre história e ciências sociais. Contestada na
sua primazia intelectual e institucional pdo desenvolvimento da psicologia,
da sociologia e da antropologia, a história enfrentou-as anexando as questões
das disciplinas que punham em causa a sua dominação. A atenção deslocou-
se então para objetos (sistemas de crença, atitudes coletivas, formas rituais ,
etc.) que até ai pertenciam aos seus vizinhos, ma:> yuc: êntravam pler.3.~e~~~
numa história das mentalidades coletivas. Ao apropriar-se dos procedimen-
tos e dos métodos de análise que eram os da história econômica e social, en-
quanto marcava uma deslocação do questionário histórico, a história das
menralídades (no seu sentido mais abran gente) pôde ocup:u a di~uneir.1JJ (e n ;i
h_iscoriogdfica e constituir uma re~posca eftca.z. ao desafio lançado pelas ciên -
Cl3.S sociais.
32
O processo talvez fo sse injusto dado que a hiscóri:i. das mcncalidades nio
rcceve e aplicou apenas uma. definição globalizante da noção. Soube estar atent:i.
às <liscinçócs sociais que comandam, numa mesma sociedade, diferentes ma-
neiras de pensar e de sentir ou diversas visões do mundo, e nem sempre igno-
rou a presença possível, num mesmo i[ldivíduo, de várias mentalidades, dis-
tintas ou mesmo contraditórias. Porém, mesmo se excessiva, a crítica conduzida
contra a modalidade dominante da hi~:tória cultural abriu caminho a novas
maneiras de pensar as produções e as práticas culturais. Do exterior ou do
interior da tradição dosAnnaks, essas novas perspectivas partilharam um cer-
to número de exigências: privilegiar os usos individuais em desfavor das dis-
tribuições estatísticas; considerar, contra a suposta eficácia dos modelos e
normas culturais,.as modalidades específicas da sua apropriação; conceber as
representações do mundo social como constitutivas das diferenças e das lucas
que caracterizam as sociedades. São essas deslocações, concretizadas no recor-
te e na análise dos objetos históricos, que a categoria de nova história cultural
pretendia designar e reunir em 1989.
.)·1
apropri;u11. A intcrrogaç:io levou a um :i reação co nrra o estriro form:1lismo tb
no1wellc critique ou do ntw aiticism, de todas JS ahonhgens qu e qui scr:1111
pensar a produção da signil1caç:ío como construída na relação entre os leito -
res e os tcxrns.
O projeto assumiu formas diversas no seio da história liredria, cenrrand0
3 atenção, seja na relação dialógica enue as propostas das obras e as categoria~
estéticas e interpretativas dos seus públicos QAUSS, 1974); seja sobre a interação
dinâmica entre o texto e o seu leitor, entendido numa perspectiva fenome-
nológica (ISER, 1976); seja sobre as transações que ocorrem entre as próprias
obras e os discursos ou as práticas vulgares que são, ao mesmo tempo, as ma-
trizes da criação estética e as condições da sua inteligibilidade (GREENBLATI,
1988). ,.
Abordagens semelhantes obrigaram ao afastamento em face de rodas as
leituras estruturalistas ou semióticas que remetiam o sentido das obras exclu-
sivamente para o funcionamento automático e impessoal da linguagem, mas
se tornaram, por sua vez, o alvo das críticas da nova história cultural. Por um
lado, elas consideram freqüentemente os textos como existindo em si mes-
mos, independentemente dos objeto:, e vozes que os transmitem, enquanto
que uma leitura cultural das obras relembra que as formas que as dão a ler, a
ouvir ou a ver, também participam na construção do seu sentido. Daí a im-
ponância reconquistada pelas disciplinas ligadas à descrição rigorosa dos ob-
jetos escritos que sustentam os textos: a paleografia, a codicologia, a biblio-
grafia (MCKENZIE, 1986; PETRUCCI, 1995). Daí também a atenção prestada
à historicidade primeira dos textos, aquela que lhes vem do cruzamento entre
as categorias de fixação, de designação e de classificação dos discursos próprios
de um tempo e de um lugar e a sua materialidade, entendida como a modali-
dade da sua inscrição sobre a página, ou da sua distribuição no objeto escrito
(DE GRAZIA; STALLYBRASS, 1993).
Por outro lado, as abordagens críticas que consideraram a leitura como
1
uma "recepção" ou uma 'resposta" universalizaram implicitamente o proces-
so de leitura, tomando-o como um arn sempre semelhante cujas circunstân-
cias e modalidades concretas não teriam importância. Contra um tal apaga-
mento da historicidade do leitor, é bom lembrar que também a leitura tem
uma história (e uma socioiogia) e que a significação dos textos depende das
capacidades, das convenções e das práticas de leitura próprias às comunidades
que constituem, na sincronia ou na diacronia, os seus diferenres públicos
(CAVALLO; CHARTIER, 199 5; BOUZJ\, 1999). A "sociologia :!os textos", en -
rendida h. man eir:1 de D. F lvfcKcmie, tem, pois, por objeto 0 es tudo da.
n1t.xLi id.tJ 'S dt p ublic 1ção , de disse minaçJ.o e de apropriaç:ío dos rc: xros.
·rn~idcra ''mund o <lo texto'' co mo um mundo de objetos e de performances
e o "m und do leitor' como o da "comunidade de interpretação" (FI SH, 1980)
à qual pertence e que define um mesmo conjunto de competê ncias, de nor-
nus e de usos.
Apoiada na tradição bibliográfica, a ((sociologia dos textos" coloca a tô-
nica sobre a materialidade do texto e a historicidade do leicor com uma dupla
intenção. Trata-se, por um lado, de identificar os efeitos produzidos sobre 0
estatuto, a classi6cação e a percepção de uma obra acravés _das transformações
da sua forma manuscrita ou impressa. Por outro lado. trata-se de mostrar que
as modalidades próprias da publicação dos textos antes do século XVIII põem
em questão a estabilidade e a pertinência das categorias que a crítica associa es-
· como as de "obra", "autor", "personagem,, , etc·
pontaneamcnte à literatu..ra.: tais
Essa dupla atenção é fundamento da definição de domínios de investi-
gação próprios a uma abordagem cultural das obras (o que não quer dizer que
sejam específicas a tal ou tal disciplina constituída): ou seja, as variações his-
tóricas dos critérios que definem a "literatura"; as modalidades e os instrumen-
tos de constituição de repenórios de obras canônicas; os efeitos das restrições
exercidas pdo mecenato, os patronos, a academia ou o mercado sobre a cria-
ção literária; ou ainda a análise dos diversos atores {copistas, editores, tipógra-
fos, revisores, etc.) e das diferentes operações implicadas no processo de pu-
blicação dos textos.
Produzidas numa ordem especifica, as obras fogem dela e assumem a sua
existência, sendo investidas por significações que lhes atribuem. por vezes a
longo prazo, os seus diferentes públicos. Assim, o que é necessário pensar é a
articulação paradoxal entre uma diferença- aquela pela qual todas as socieda-
des, em modalidades variáveis, separaram um domínio particular de produ-
ções, de experiências e de prazeres - e dependências - aquelas que tornam a
invenção estética ou intdectual possível e intdig{vel. quando essa invenção é
inscrita no mundo social e no sistema simbólico dos seus leitores ou especta-
dores (CHARTIER, 1998). O cruzamento inédito de abordagens durante muito
tempo estranhas entre si (a crítica textual, a história do livro, a sociologia cul-
tural), mas reunidas pdo projeto da história cultural, enfrenta também um
Jcsafio fundamental: o de compreender como as apropriações particuiares e
inventivas dos leitores singulares (ou dos espectadores) dependem, globalmen-
te, dos efeitos de sentido visados pelas próprias obras, dos usos e das significa-
ções imposca.s pelas formas da sua publicação e circulação, e das competências.
36
r
1
1 categorias e representações qu e domina.ma rclaçáo que cada com uni dade cem
l com essas obras.
O ERUDITO E O POPULAR
Uma segunda questão que mobili:wu a nova história cultural é a das re-
lações entre cultura popular e cultura erudita. Pode-se reduzir os modos de
conceber essas relações a dois grandes modelos de descrição e de interpreta-
ção. O primeiro, desejoso de abolir todas as formas de etnocentrismo cultu-
ral, trata a cultura popular como um sistema simbólico coerente e autônomo,
que se organiza segundo uma lógica estranha e irredutível à lógica da cultura
letrada. O segundo, preocupado em fai:er ver a existência das relações de do-
minação e das desigualdades do mundo social, compreende a cultura popular
a partir das suas dependências e das suas carências face à cultura dos domi-
nantes. De um lado, por conseguinte, a cultura popular é pensada como um
sistema simbólico autônomo, independente, fechado sobre si mesmo; do outro,
ela é inteiramente definida pela sua distância face à legitimidade cultural.
Os historiadores oscilaram durante muito tempo entre estas duas pers-
pectivas, como demonstram, ao mesmo tempo, os trabalhos sobre a religião
ou a literatura, tidas como especificamente populares, e a construção de uma
oposição, reiterada ao longo do tempo, entre a idade de ouro de uma cultura
popular livre e vigorosa e os tempos de censuras e de constrangimentos que a
condenam e a desmantelam.
Os trabalhos de história cultural levaram a recusar tais distinções tão ca-
tegóricas. Para começar, é claro que o esquema que opõe esplendor e miséria
da cultura popular não é adequado à Idade Moderna. Encontramo-lo nos
medievalistas que designam o século XJII como o tempo de uma a.culturação
cristã, que destruiu as tradições da cultura popular laica dos séculos XI e XII.
Caracteriza, igualmente, a oscilação que faz passarem entre 1870 e 1914 as
sociedades ocidentais de uma cultura tradicional, camponesa e popular, para
uma cultura nacional homogênea, unificada, aberra. E um cal contraste dis-
tinguiria no século XX a cultura de mas:ias imposta pelos novos media de uma
cultura oral, comunitária e criadora. O destino historiográfico da cultura po-
1oular é 1d.).'.)!
--~:m , u-de -"'s·-rsemp-
.. ld 1 - -bac,1.
ll...d m~,1.)l'1lllL.Jl..lll
l clU,t U 1 u p"' rer"'" ·'sc . . " do n
- ~- ..,....t..."'~ scm' \. I h ! ' - " • " -'
DISCURSOS EPRÁTICAS
\
.··~..·
' ,,"
logocê nui c1, os. hisco ría lorc.:~ ·n <,ntr.1r~rn1 ·1pr, 10 n: di ~ 11 H1 ;1r1 ,,) , ,.J'.i ;i . <i :
1
foucault entre ''f ormaçôc: · discur ·iv;i ;1' • \ 1:,t ·11 :.l!i 11~<, Í:A-;ur·,i•,, •:" <. <J ~{ \ : :·
1969) ou aquela esta\_ d ·<: i L p<,r Bo11 rd í u nm; '\ ·míd,, pi , , { . · raz: ,,
escolástica" (BOU RDIEU . l 9~7) .
Tais distinções levam a ter cuidado comra un u~Jo it fm ro , 0 a L <, -
ção de "cexco", com freqüêncía indevidamente aplicada a pr~ü , se j prv-
cessos não são de modo nenhum parecid s com a- estrat gías que gov ~ . arr
os enunciados dos discursos. Por outro lado, elas levam a pcmar ue a con -
uuçáo de interesses pelas linguagens disponíveis num d.ado cerr po é el;i pró-
pria limicada pela desigualdade de recursos (materiais, lingüí 'tÍcos e
conceituais) de que os indivíduos disp6em. fu propriedades e ~ posições o-
dais que caracterizam, nas suas distâncias, os diferentes grupos sociais, não
são apenas um efeito dos discursos. Üe!;ignam, igualmente, as s as condições
de possibilidade.
O objeto fundamental de uma história que visa reconhear a maneira
pela qual os atores sociais dão sentido às suas práticas e aos seus enunciado5
situa-se, portanto, na tensão entre, de um lado, as capacidades inventivas dos
indivíduos ou das comunidades e, do outro, as restrições e as convenções que
limitam - com mais ou menos força segundo as posições que ocupam nas
relações de dominação - o que lhes é possível pensar, dízer e fazer. A consta-
tação vale para as obras eruditas e as criações estéticas, sempre inseriras nas
heranças e nas referências que as tornam concebíveis, comunicáveis e com-
preensíveis. Vale, igualmente, para todas as práticas vulgares, disseminadas,
silenciosas, que inventam o quotidiano.
É a partir de uma tal constatação que se deve compreende a releúura..
pelos historiadores, dos clássicos das ciências sociais (Elias, Weber, Durkhe m.
Mauss, Halbwachs) e a importância de um conceico como o de "representa-
ção", que, por si s6, quase chegou a designar a nova história cultural. Esta noção
permite, com efeito, ligar estreitamente as posições e relações sociais com o
modo como indivíduos e grupos se concebem e concebem os ouuos. As re-
presentações coletivas, definidas à maneira da sociologia durkheimiana~ in-
corporam nos indivíduos, sob a forma de esquemas de classifica.ção e juízo, as
próprias divisões do mundo social. São elas que suportam as diferentes moda-
lidades de exibição de identidade social ou de força política, (ai como os sig-
nos, os comportamentos e os ricos os dão a ver e crer. Enfim , as rep t 5en a·
ções coletivas e simbólicas encontram na existência de represenca tes, · dívi-
duais ou oletivos, concretos ou Jb ·rratos, as ga ranti3s da sua e~rab ~i·
sua continuidade.
Nc te · últim o · anos . os cr abalh s de hi stó ri a cultur al fi zeram largo uso
J c.: , ~.l tri pia~ epçã de represent ação. H á du as ra1.õc essen ciais para isso. De
um IJdo, 0 rccu da violência entre os indivíduos que cu acterin as soci eda.-
~i ·s o ·i k rn :lis enue a Id ade Média e o século XV111 , e que decorre do confis-
c p "I menos tendencial) pelo estado do uso legítimo da forç a, subsrituiu
os .o nfronto diretos, brutais e sangrentos pelas luras que têm as representa-
ções co mo instrumento e desafio (ELlAS, 1939). Por outro lado, a autoridade
de um poder ou a dominação de um grupo dependem do crédito concedido
ou recusado às representações·que esse grupo propõe de si mesmo. A nova
história cultural ·propôs assim à história política e à história social que se tra-
tassem as relações de poder como relações de forças simbólicas, como a histó-
ria da aceitação ou da rejeição pelos dominados das representações que visam
assegurar e perpetuar a sua sujeição.
A atenção prestada à violência simbólica, que pressupõe que quem aso-
fre contribui para a sua eficácia pela interiorização da sua legitimidade
(BOURDIEU, 1989), transformou profundamente a compreensão de várias
realidades essenciais, a saber: o exercício da autoridade, baseada na adesão aos
signos, ritos e imagens que a mostram e produzem a obediência (MARIN, 1981;
BOUZA, 1999); a construção de identidades sociais ou religiosas, situada nas
tensões entre as representações impostas pelos poderes ou as ortodoxias e a
consciência de pertencimento de cada comunidade (GINZBURG, 1966;
GEREMEK, 1980); ou, ainda, as relações entre os sexos, pensadas como o in-
culcar, pelas representações e pelas práticas, da dominação masculina e como
afirmação de uma identidade feminina própria, enunciada com ou sem con-
sentimento, pela apropriação ou a recusa dos modelos impostos (DUBY;
PERROT, 1990-92; SCOTT, 1996; BOURDIEU, 1998).
A reflexão sobre a definição de identidades sexuais, que Lynn Hunt refe-
ria em 1989 como um dos uaços originais da nova história cultural, constitui
uma ilustração exemplar da exigência que está presente hoje em toda a prática
histórica: compreender, ao mesmo tempo, como as representações e os dis-
cursos constroem relações de dominação e como eles próprios são dependen-
tes de recursos desiguais e de interesses contrários, que separam aqueles cujo
poder é legitimado daqueles de que essas representações e discursos assegu-
ram (ou devem assegurar) a submissão.
A coerência da nova história cultural será tão forte como o proclamava
Lynn Hunt? A diversidade dos objetos da investigação, das perspectivas
n1ecodológicas e das referências teóricas que conduziram, nestes últimos dez
~nos, a hi stóri a cultural, qualquer que seja a definição que dela se dê, permite-
40
nos ter dúvidas. Seria muiw arriscado junrar numa mesma categoria os rrab,1-
lhos mencionados neste breve ensaio. O que fica, no entanto, é um conjunto
de questões e de exigências parcilhacla,s indepen<lenremenre de fronteiras. Nesce
sentido, a nova história cultural não é, ou já não é, definida pela unidade da
sua abordagem, mas pelo espaço de intercâmbio e de debates construído en-
cre os historiadores que têm como identidade comum a sua recusa <le reduzir
os fenômenos históricos a uma só das suas dimensões, e que se afastaram tan-
to das ilusões do finguistic turn como das heranças redutoras que postulavam
ou o primado do político ou o poder ab5:oluco do social.
BIBLIOGRAFIA
·/ .'
1). , \1 "-) N·1~0N , J"),o berr. 111c
r , grt'at Ctlt masklO't an d ot J70 · epiwdts
- in Fre11 d1 rn l-
tur,tl histrny. Ncw York: Basic Books, 1982.
DAVIS, Nacalie Zemon. Society and cult~re in early n10da11 Fmn ce. Stanfo r<l:
Stanford Universiry Press, 1975.
DE GRAZIA, ivb.rgreta; STALLYBRASS, Pccer. The mareriality of cl,c
shakespcarean texc. Shakespeare· Qmzrterly, v. 44, n. 3, P· 255- 2 83, 1993 ·
DUBY, Georges; PERROT, Michele (Ed.). Storiadelledonne. Roma: Laterza,
1990-92.
ELIAS, Norberc. Üba den Prozess der Zivilisation: soziogenetische u nd
psychogenetische Untersuchungen. Bâle: (s.n.), 1939. Reedições Berna:
Francke AG, 1969; Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1979.
FISH, Stanley. Is there a text in this class?: che auchoricy of incerpretive
communicies. Cambridge: Harvard University Press, 1980.
FO UCAULT, Michd. L'A.rchtologie du savoir. Paris: Gallimard, 1969.
GEERTZ, Clifford. The interpretation ofculture. New York: Basic Books, 1973.
GEREMEK, Bronislaw. /nuti/es au monde: truands et misérables dans l'Europe
moderne (1350-1600). Paris: Gallimard: Julliard, 1980.(Colleccion
Archives).
GINZBURG, Carlo. / Benandanti: stregoneria e culci agrari tra Cinquecento
e Seicento. Torino: Einaudi, 1966.
1
___ . 11 formaggio e i vermi: il cosmo di un mugnaio del SOO. Torino:
Einaudi, 1976.
GREENBLAIT, Stephen. Shakespearean negotiations: the circulation of so-
cial energy in Renaissance England. Berkeley: University of California
Press, 1988.
~RUZINSK.I, Serge. La colonisation de l'imaginaire: sociétés indigenes et
occidentalisation dans le Mexique espagnol, XVIe-XVI1Ie siecles. Paris:
Gallimard, 1988.
HUNT, Lynn (Ed.). ThenewculturaLhistory. Berkeley: UniversicyofCalifornia
Press, 1989.
ISER, Wofgang. Der akt des Lese1zs: Theorie astheticher \Virkung. iv1unchf'n·
\Viíhelm Fink, 1976.
42
JA USS, H:111~ Robert. L1ra,u111gtffh1 d;re,ds Pror1ol·ation. f.r a 11 kfurr am tv!:ii n:
Suhrkamp, 1974 .
LACAPRA, Dornini ck; lv\PLAN, Srevcn L. (Ed.). A1odern Luropca,:
intellectual history: rcappraisa.ls and new perspcctivcs. 1rhaca: Cornell
Univcrsity Press, l 982.
LE GOFF, Jacques. Les mentalirés: une hiswire ambigue. ln: LE GOFF, Jacques;
NORA, Pierre (Dir.). Faire de f'h.~toire 3: nouveaux objcts. Paris: Gallimard.
1974. e. III. p. 76-94.
LLOYD, Geoffrey. Demystifying mentalities. Cambridge: Cambridge
University Press, 1990.
MANDROU, Roberc. lntroduction à la France moderne, 1500-1640: essai de
psychologie historique. Paris: Albin Michel, 1961. Reeditado em 1998.
MARIN, Louis. Le portrait du roi. Paris: Minuit, 1981.
MCKENZIE, D. F. Bibliography antl the sociology o/texts. London: The British
Library, 1986. (The Panizzi lectures, 1985).
PETRUCCI, Armando. Writers and readers in medieval ltaly: scudies in the
history of written culrure. New Haven: Yale Universicy Press, 1995.
SCHORSKE, Carl. Fin-de-siecle Vienna: policies and culture. New York:
Cambridge Universicy Press, 1979.
SCOTT, Joan. Onlyparadoxes to offir. French feminists and che righrs of man.
Cambridge: Harvard Universiry Press, 1996.
VENTURI, Franco. Utopit1 e riforma ne!l1l/uminismo. Torino: Einaudi, 1970.