Você está na página 1de 107

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO

CAIO CESAR MUSSOLINI

ENSAIOS EM POLÍTICA FISCAL

SÃO PAULO
2011
CAIO CESAR MUSSOLINI

ENSAIOS EM POLÍTICA FISCAL

Tese apresentada à Escola de


Economia de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas, como
requisito para obtenção do título
de Doutor em Economia.

Orientador: Prof. Dr. Vladimir


Kuhl Teles

SÃO PAULO
2011
Mussolini, Caio Cesar.

Ensaios em Política Fiscal / Caio Cesar Mussolini - 2011.


107 f.

Orientador: Vladimir Kühl Teles


Tese (doutorado) - Escola de Economia de São Paulo.

1. Política tributária. 2. Política tributária -- Brasil. 3. Dívida pública. 4. Ciclos


econômicos. I. Teles, Vladimir Kühl. II. Tese (doutorado) - Escola de Economia de
São Paulo. III. Título.

CDU 336.2(81)
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO

CAIO CESAR MUSSOLINI

ENSAIOS EM POLÍTICA FISCAL

Tese aprovada em __/__/__ para obtenção do título de Doutor em Economia.

Banca Examinadora

Prof. Dr. Bernardo Guimarães (EESP-FGV)

Prof. Dr. Carlos Eduardo Gonçalves (FEA-USP)

Prof. Dr. Fabio Kanczuk (FEA-USP)

Prof. Dr. Luis Fernando Oliveira de Araujo (FGV-EESP)

Prof. Dr. Vladimir Kuhl Teles (orientador) (FGV-EESP)


AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Vladimir Kuhl Teles pelo apoio ao longo do curso de Doutorado, não
apenas em relação à orientação da tese, mas a todo o apoio em termos acadêmicos, e pelo
empenho em me ajudar nos meus primeiros passos profissionais.

Ao professor Fabio Kanczuk pela ajuda prestada na elaboração do Capítulo 2 desta tese e
comentários valiosos sobre o Capítulo 1, além das aulas sobre modelos de business cycle.

Aos demais membros participantes da banca de defesa do doutorado: Luis Fernando Oliveira de
Araujo, Carlos Eduardo Gonçalves e Bernardo Guimarães, professores com os quais eu tive a
honra de assistir aulas de diversos cursos na pós-graduação de Economia, tanto na EESP-FGV
como na FEA-USP.

Aos meus colegas e professores na EESP, em especial aos amigos Ricardo Buscariolli, Ulisses
Neto e Juliana Inhasz, e ao prof. Klenio Barbosa por ter me ajudado na formatação em LaTex.

À minha família, em especial ao meu pai e a minha mãe, por terem sempre me apoiado em minha
opção pela carreira acadêmica em Economia.

À minha namorada e companheira Ana Cecília Delphim de Moraes.

À Giovanna Battaza e Alessandra Iazzetti pela longa amizade.


Resumo

O objetivo desta tese é colaborar com a discussão sobre o papel da polı́tica


fiscal em nı́vel macroeconômico, seja em termos do impacto sobre as flutuações
de curto prazo no produto e demais variáveis agregadas, ou no efeito que esta
exerce sobre o crescimento e bem estar de longo prazo, sendo que uma atenção
especial será dada ao papel dos gastos produtivos do governo.
A análise de curto prazo é baseada em um modelo de Real Business Cycle
(RBC) em que o capital público entra na função de produção como um in-
sumo adicional ao capital privado e ao trabalho, sendo que o governo mantém
o orçamento equilibrado a cada perı́odo. Os resultados indicam que o modelo
consegue reproduzir bem a alta volatilidade dos gastos do governo e o caráter
procı́clico da polı́tica fiscal no Brasil, para o perı́odo de 1950 a 2003. Pos-
teriormente, é feita a estimação dos principais parâmetros que influenciam a
polı́tica fiscal pelo método bayesiano. As variáveis fiscais (investimento, con-
sumo e taxa de impostos) ajudam a explicar boa parte do comportamento das
variáveis privadas. Em termos de bem estar, o modelo prevê que aumentar
o investimento do governo através de uma diminuição no consumo do mesmo
gera um ganho de bem estar considerável, bem como reduções na taxa de
impostos.
A análise de longo prazo é baseada um modelo de gerações sobrepostas e
crescimento endógeno com dı́vida pública, onde o governo executa gastos con-
siderados produtivos e improdutivos. Os resultados do modelo teórico indicam
que o impacto dos gastos produtivos do governo sobre o crescimento de longo
prazo depende negativamente do tamanho da dı́vida, da carga tributária e
do déficit primário, podendo ocorrer um cenário com equilı́brios múltiplos. De
maneira a testar as predições teóricas, é estimada uma equação de crescimento
em função do gasto produtivo e interações com as demais variáveis fiscais para

i
uma amostra de paı́ses heterogêneos, e de fato, comprovam-se empiricamente
os resultados do modelo teórico.

Palavras Chave: Polı́tica fiscal, Capital Público, Ciclos reais, Dı́vida pública,
Crescimento econômico.

ii
Abstract

This thesis aims to contribute with the debate regarding fiscal policy role
on a macroeconomic level, from either the impact over short run output fluc-
tuations and aggregate variables or the effect on long run growth and welfare.
We focus on the productive government spending role.
The short run analysis is based on a Real Business Cycle (RBC) model,
where public capital is an additional input in the production function, along
with private capital and labor, while the government keeps a balanced budget
every period. The model captures quite well the high volatility of government
spending (consumption and investment) and the procyclical behavior of the
Brazilian fiscal policy, in the period 1950-2003. Subsequently, we estimate the
main parameters that influence fiscal policy using bayesian methods. The fiscal
variables (investment, consumption and tax rate) help in explaining the private
variables behavior. The welfare analysis predicts that increasing government
investment through lowering its consumption raises welfare, as well as reducing
the tax rate.
The long run analysis is based on an overlapping generations model with
endogenous growth and public debt, where the government sector can choose
between productive and nonproductive spending. The theoretical model‘s re-
sults indicate that the impact of productive government spending over long
run growth depends negatively on debt size, tax burden and primary deficit,
where a multiple equilibrium outcome is possible. In order to check the theo-
retical claims, we estimate a growth regression that depends on the productive
spending and its interactions with the other fiscal variables for a heterogeneous
sample of countries. Indeed, the main theoretical results are substantiated by
the empirical analysis.

iii
Keywords: Fiscal policy, Public capital, Real business cycle, Public debt,
Economic growth.

iv
Conteúdo

1 Introdução 1

2 Ciclos Reais e Polı́tica Fiscal no Brasil 5


2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.2 Modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2.1 Famı́lias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2.2 Firmas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2.3 Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2.4 Choques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.3 Dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.4 Calibração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.5 Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.6 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3 Polı́tica Fiscal e Análise de Bem Estar no Brasil: Uma Abor-


dagem DSGE Bayesiana 29
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 Modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.2.1 Famı́lias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.2.2 Firmas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.2.3 Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

v
3.2.4 Choques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.3 Estimação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.3.1 Distribuição a priori . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.3.2 Distribuição a posteriori . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.4 Decomposição da variância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.5 Análise de bem estar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.5.1 Alterações na polı́tica fiscal . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.5.2 Alocação ótima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.6 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

4 Polı́tica Fiscal, Dı́vida Pública e Crescimento Econômico 62


4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4.2 Modelo Teórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.2.1 Indivı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.2.2 Firmas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.2.3 Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
4.2.4 Equilı́brio Competitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
4.3 Evidências Empı́ricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
4.3.1 Resultados Pooled . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
4.3.2 Resultados Mean Group . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
4.4 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

vi
Lista de Tabelas

2.1 Valores dos parâmetros e das variáveis no steady state . . . . . 16


2.2 Desvio padrão em relação ao produto - dp(x)/dp(y) . . . . . . 21
2.3 Correlação contemporânea com o produto - corr(x, y) . . . . . 22

3.1 Distribuição a priori . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40


3.2 Distribuição a posteriori . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.3 Ganho de bem estar (%) de alterações na polı́tica fiscal . . . . 48
3.4 Ganho de bem estar - Planejador Central . . . . . . . . . . . . 51

4.1 Estimação OLS e GMM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82


4.2 Estimação Mean Group . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

vii
Lista de Figuras

2.1 Componente cı́clico do produto e demais variáveis . . . . . . . 14


2.2 Funções resposta ao impulso das variáveis privadas . . . . . . 19

3.1 Decomposição da variância do erro de previsão - Retornos cons-


tantes de escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.2 Distribuição a posteriori - Retornos constantes de escala . . . 58
3.3 Distribuição a posteriori - Retornos crescentes de escala . . . . 59

4.1 Estabilidade do Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72


4.2 Aumento dos Gastos Improdutivos do Governo (g) . . . . . . 73
4.3 Aumento dos Gastos Produtivos do Governo (x) . . . . . . . . 74
4.4 Efeito dos Gastos Produtivos (x) no Crescimento . . . . . . . 84

viii
Capı́tulo 1

Introdução

A teoria econômica faz alusão ao fato de que nem sempre o sistema de mer-
cado é capaz de gerar uma alocação socialmente ótima dos recursos de uma
economia. Isto pode ocorrer devido aos fatores conhecidos como “falhas de
mercado”. Por exemplo, alguns bens e serviços possuem um caráter não-
rival e não-excludente (bens públicos), de maneira que o setor privado poderia
não estar interessado em prover esses tipos de bens e serviços, ou fazê-lo de
maneira ineficiente. Determinadas atividades podem gerar externalidades im-
portantes, como no caso de investimentos com educação, o que justificaria
uma forte atuação neste setor por parte do governo. Os monopólios naturais,
presentes em diversos setores de infraestrutura, possuem custos fixos elevados,
sendo muitas vezes mais eficiente ter apenas uma única firma atuando. Estas
são algumas razões que justificariam a presença do Estado na economia.
Assim, à medida que as nações vão ficando mais ricas e os sistemas econômicos
mais complexos, tem-se verificado um aumento no tamanho do governo em
proporção do PIB (medido pelo tamanho dos gastos ou da receita dos impos-
tos) em diversos paı́ses ao longo das últimas décadas. Consequentemente, o
interesse acadêmico pelo estudo da polı́tica fiscal tem crescido, e os modelos
macroeconômicos têm procurado investigar com maior detalhe a interação da

1
polı́tica fiscal com o comportamento do setor privado, em uma abordagem de
equilı́brio geral dinâmica.
O objetivo desta tese é colaborar com a discussão sobre o papel da polı́tica
fiscal em nı́vel macroeconômico, seja em termos do impacto sobre as flutuações
de curto prazo no produto e demais variáveis agregadas, ou no efeito que esta
exerce sobre o crescimento de longo prazo, sendo que uma atenção especial será
dada ao papel dos gastos produtivos do governo. Neste sentido, o arcabouço
teórico seguirá de perto a formulação de Barro (1990), em que o investimento
(capital) público é um fator de produção distinto dos fatores privados.
Esta tese contará com três capı́tulos em formato de artigos, além desta
introdução. No primeiro capı́tulo desenvolvemos um modelo Real Business
Cycle (RBC) com governo e capital público, com o objetivo de explicar os
principais fatos estilizados da polı́tica fiscal no Brasil do pós-guerra (1950-
2003). Em linhas gerais, os gastos do governo (consumo e investimento) são
mais voláteis que os gastos privados, e a razão carga tributária/PIB tem uma
volatilidade baixa. Além disso, a polı́tica fiscal no Brasil é procı́clica: os gastos
aumentam quando o produto aumenta e a razão carga tributária/PIB diminui
quando o mesmo se eleva, ou seja, a polı́tica fiscal não atua como estabilizadora
do ciclo econômico. Os parâmetros do modelo são calibrados e os segundos
momentos teóricos das variáveis são simulados. Os resultados mostram que
um modelo RBC com choques nos gastos do governo e na taxa de impostos
tem um bom desempenho em reproduzir os fatos mencionados.
Dando sequência à abordagem de ciclos econômicos, no segundo capı́tulo
estimamos os principais parâmetros de interesse do modelo apresentado no
capı́tulo anterior, utilizando uma abordagem bayesiana. O modelo apresen-
tado neste capı́tulo difere ligeiramente do modelo anterior pelo fato de consi-
derarmos duas especificações para a função de produção: uma com retornos

2
constantes de escala e uma com retornos crescentes de escala, e considerarmos
a hipótese de que o consumo do governo gere utilidade para as famı́lias. Como
mencionado anteriormente, esta tese é a compilação de três artigos, de modo
que optamos por apresentar todo o modelo novamente no segundo capı́tulo.
Os resultados da estimação da elasticidade do capital público na função de
produção são sensı́veis quanto à especificação utilizada, mas não influenciam na
análise de decomposição da variância das variáveis privadas. De acordo com
a decomposição, os choques na tributação têm um papel bastante relevante
sobre o investimento privado e são fundamentais para explicar a variação nas
horas trabalhadas. Já os choques no consumo do governo contribuem com
um quinto da volatilidade no consumo das famı́lias no curto prazo. De uma
maneira geral, a análise de bem estar demonstra que aumentar o investimento
do governo através de uma diminuição no consumo do mesmo gera um ganho
de bem estar considerável, bem como reduções na taxa de impostos. Em
termos normativos, a economia descentralizada parece estar bastante distante
do que seria o ótimo de Pareto.
No terceiro capı́tulo, focamos no papel da polı́tica fiscal no crescimento de
longo prazo. Para tal, desenvolvemos um modelo de gerações sobrepostas e
crescimento endógeno com dı́vida pública, onde o governo executa gastos con-
siderados produtivos e improdutivos. Diferentemente da abordagem utilizada
nos capı́tulos anteriores, o governo não precisa manter o orçamento equili-
brado a cada perı́odo, e portanto, pode financiar uma elevação nos seus gastos
com emissão de dı́vida pública. Os resultados do modelo teórico indicam que
os efeitos dos gastos produtivos do governo sobre o crescimento dependem
do tamanho da dı́vida, da carga tributária, e do déficit primário, podendo
ocorrer um cenário com equilı́brios múltiplos. Já a estimação econométrica
da equação de crescimento para um painel de paı́ses comprova que o efeito

3
marginal dos gastos produtivos do governo é influenciado negativamente pelas
variáveis fiscais mencionadas. A variável que mais influencia o impacto dos
gastos produtivos sobre o crescimento econômico é a dı́vida pública.
Em suma, as evidências apresentadas nesta tese apontam para a importância
que a polı́tica fiscal exerce tanto sobre as oscilações da economia no curto prazo,
como na determinação do crescimento e bem estar de longo prazo. Em relação
a estes dois últimos pontos, uma atenção especial deve ser dada aos gastos do
governo considerados como produtivos, como em infraestrutura, educação e
saúde. No caso do Brasil, por exemplo, tem se verificado que os investimentos
do governo têm diminuı́do ao longo do tempo como proporção do PIB, mesmo
com um aumento significativo na carga tributária/PIB, devido a um brutal
aumento no consumo do setor público. Sem dúvida, esta orientação do go-
verno brasileiro vem contribuindo para um crescimento do produto abaixo do
que seria possı́vel caso o mesmo procurasse alocar melhor os seus recursos.

4
Capı́tulo 2

Ciclos Reais e Polı́tica Fiscal no


Brasil

Resumo

Neste artigo buscamos desenvolver um modelo de ciclos reais com governo e


capital público, de maneira a explicar os principais fatos estilizados da polı́tica
fiscal no Brasil do pós-guerra (1950-2003). O modelo reproduz bem as princi-
pais caracterı́sticas das variáveis fiscais ao longo do ciclo econômico, notada-
mente, uma volatilidade maior dos gastos públicos (consumo e investimento)
vis-à-vis os respectivos gastos privados e o caráter procı́clico da polı́tica fiscal
brasileira. Dentre as variáveis fiscais analisadas, a razão carga tributária/PIB
é a que menos varia ao longo do ciclo econômico, porém, é a mais importante
para explicar o ciclo do produto, além da produtividade.

5
2.1 Introdução

Os modelos de Real Business Cycle (RBC) têm sido amplamente utilizados


para analisar quantitativamente os ciclos econômicos. De fato, o artigo de
Kydland e Prescott (1982) introduziu uma nova metodologia de análise ma-
croeconômica que tornou-se uma das principais ferramentas de estudo dos
ciclos econômicos. A simulação de economias artificiais e sua comparação com
os dados reais.1
Dada a estrutura relativamente simples do modelo RBC, diversas modi-
ficações têm sido feitas de maneira a aperfeiçoar os seus resultados e ajudar
no entendimento dos ciclos econômicos. Neste sentido, uma das principais
alterações feitas pela literatura é introduzir o governo através da polı́tica fis-
cal ou monetária. Apesar de a literatura brasileira ter analisado o papel da
polı́tica monetária nos modelos RBC (ver, por exemplo, Kanczuk e Botelho,
2003; Kanczuk; 2004a,b), nenhum estudo procurou focar no papel da polı́tica
fiscal.2
Neste artigo buscamos desenvolver um modelo de ciclos reais com governo e
capital público, de maneira a explicar os principais fatos estilizados da polı́tica
fiscal no Brasil do pós-guerra (1950-2003). Dentre eles destacamos os seguintes:

1. O investimento do setor público é a variável mais volátil da economia,


com um desvio padrão cerca de quatro vezes o desvio padrão do produto.

2. O consumo do governo é cerca de duas vezes mais volátil que o produto.

3. Os gastos do governo, tanto em consumo como em investimento, são


mais voláteis que os respectivos gastos privados.
1
Outra contribuição extremamente importante foi o fato de que o modelo utilizado por
eles procurou unificar a teoria de crescimento econômico com a teoria dos ciclos econômicos.
2
Carvalho e Valli (2010) e Silva e Portugal (2010) utilizam uma abordagem DSGE (dy-
namic stochastic general equilibrium) bayesiana para analisar a interação entre papel da
polı́tica fiscal e monetária no Brasil.

6
4. Ambos são positivamente correlacionados com o produto e fracamente
correlacionados com os respectivos gastos privados.

5. A carga tributária/PIB varia pouco ao longo do ciclo comparada ao


produto, e é negativamente correlacionada com o mesmo.

Os resultados encontrados indicam que um modelo RBC com capital público


e choques de polı́tica fiscal parece reproduzir bem os fatos mencionados, mas
exagera na volatilidade do consumo do governo vis-à-vis o consumo privado,
pois subestima consideravelmente a variação deste último.
Não existem muitos estudos analisando os resultados do modelo RBC com
capital público. Ambler e Paquet (1996) introduzem o capital público em um
modelo RBC, em que o governo maximiza o bem estar do agente representa-
tivo, escolhendo os gastos endógenos, dada a taxa de impostos constante e os
choques exógenos nos gastos militares (que não geram utilidade para o agente).
As predições do modelo quanto à volatilidade do investimento público são mais
elevadas do que apontam os dados trimestrais para a economia americana do
pós-guerra. Além disso, o modelo gera uma alta correlação entre os diferentes
componentes do gasto do governo e o produto.3
Em um modelo similar, mas com taxas de impostos sobre o trabalho e o ca-
pital endógenas além dos gastos, Lansing (1998) analisa a polı́tica fiscal ótima
em um ambiente com choques exógenos nas preferências dos agentes por bens
públicos. Assim como no estudo citado anteriormente, mas utilizando dados
anuais, o modelo exagera consideravelmente na correlação entre o investimento
público e o produto (bem como na correlação das taxas de impostos).
É fato amplamente reconhecido que as economias emergentes apresentam
uma volatilidade maior do que as economias desenvolvidas. (ver Neumeyer e
3
No caso do investimento público os dados apontam para uma correlação de apenas 0,27
com o produto, sendo que o modelo gera uma correlação de 0,9.

7
Perri, 2005; Aguiar e Gopinath, 2007). Por exemplo, em uma amostra de 56
paı́ses, Talvi e Végh (2005) observam que as economias em desenvolvimento
(36) são, na média, duas vezes mais voláteis que as economias desenvolvidas
(20) e a polı́tica fiscal é procı́clica, ou seja, expansionista em tempos bons e
contracionista em tempos ruins e, portanto, não atua como estabilizadora do
ciclo econômico. Talvi e Végh (2005) consideram que os gastos são procı́clicos
quando a correlação com o produto é positiva. Por outro lado, a taxa de im-
postos é considerada procı́clica quando é negativamente correlacionada com o
mesmo. Este é um conceito bastante simplificado de prociclicidade da polı́tica
fiscal e é o mesmo que utilizaremos ao longo deste trabalho.
Diferentemente dos EUA, paı́s para o qual o modelo RBC foi originalmente
desenvolvido, os gastos fiscais no Brasil são bem mais voláteis que o produto,
e a polı́tica fiscal é procı́clica. Rebelo (2005) menciona que a pouca variação
nas taxas de impostos e nos gastos do governo não permite concluir que a
polı́tica fiscal seja o grande causador dos ciclos econômicos. De fato, em paı́ses
desenvolvidos verifica-se tal fenômeno, mas em paı́ses em desenvolvimento, a
polı́tica fiscal apresenta uma volatilidade bastante acentuada. Ainda que a
polı́tica fiscal não seja o principal mecanismo gerador dos ciclos econômicos
(mesmo nos paı́ses em desenvolvimento), ela é altamente influenciada pela
volatilidade da economia, podendo ampliar (amenizar) o efeito de choques no
produto.
O artigo segue organizado da seguinte forma. A seção 2 introduz o mo-
delo com polı́tica fiscal exógena. Em seguida, as seções 3 e 4 apresentam os
dados utilizados e o método de calibração, respectivamente. Os resultados são
discutidos na seção 5, e por fim, as conclusões são apresentadas na seção 6.

8
2.2 Modelo

Nesta seção desenvolvemos um modelo de ciclos reais com choques fiscais.4 O


estoque de capital do governo entra na função de produção como um insumo
adicional aos insumos privados, aumentando a produtividade da economia. A
justificativa em separar os dois tipos de capital seria a de que o capital público
e privado não seriam substitutos perfeitos no processo produtivo.5

2.2.1 Famı́lias

Considere uma economia fechada habitada por um continuum de famı́lias


idênticas no intervalo [0,1] em um horizonte de tempo infinito. As preferências
das famı́lias são dadas por


X
E0 β t [lncpt − ψht ] (2.1)
t=0

onde Et é o operador esperança condicional ao conjunto de informação no


perı́odo t, 0 < β < 1 é o fator de desconto, cpt é o consumo privado, ht são
as horas trabalhadas e lt é o lazer, onde lt = 1 − ht . Esta é uma especificação
do tipo trabalho indivisı́vel desenvolvida por Hansen (1985). Estamos consi-
derando uma economia sem crescimento populacional e sem crescimento de
longo prazo da produtividade, de maneira a facilitar a exposição. A restrição
orçamentária das famı́lias é

cpt + ipt ≤ (1 − τt )(wt ht + ut kpt ) + trt (2.2)

onde τt é a taxa de impostos sobre a renda e ipt é o investimento privado.


4
A inclusão de choques fiscais em modelos RBC se inicia com Christiano e Eichembaum
(1992), Braun (1994) e McGrattan (1994).
5
Para uma discussão teórica sobre a separação do capital entre público e privado ver
Barro (1990) e Barro e Sala-i-Martin (1992). Evidências empı́ricas podem ser encontradas
em Kamps (2004), Khokerlakota e Yi (1996), Aschauer (1989) e Otto e Voss (1998).

9
As famı́lias alugam capital e trabalho para as firmas recebendo salários wt e
a remuneração do capital ut . O capital privado kpt segue a seguinte regra de
acumulação:

kpt+1 = (1 − δp )kpt + ipt (2.3)

onde δp é a taxa de depreciação e kp0 é dado. As famı́lias tomam a taxa


de impostos e o gasto do governo como dados.

2.2.2 Firmas

As firmas competitivas utilizam capital e trabalho alugado para produzir bens


yt , tomando como dado o estoque de capital público kgt e os preços dos insumos,
de acordo com a função de produção com retornos constantes de escala nos
6
insumos privados

α 1−α η
yt = ezt kpt ht kgt (2.4)

Assim, temos uma adaptação do modelo de Barro (1990) para uma econo-
mia sem crescimento endógeno, isto é, estamos supondo η < 1 − α . Do pro-
blema de maximização de lucros das firmas temos que os fatores de produção
são pagos pelos seus produtos marginais

kpt α η
wt = (1 − α)ezt ( ) kgt (2.5)
ht

kpt α−1 η
ut = αezt ( ) kgt (2.6)
ht
6
Essa especificação é a mesma utilizada por Ambler e Paquet (1996) e Baxter e King
(1993) e garante que não há lucro econômico. Também é possı́vel utilizar uma função com
retornos constantes de escala nos três insumos, como em Lansing (1998) — o que seria
compatı́vel com lucro econômico positivo.

10
.

2.2.3 Governo

O governo tributa a renda e mantém o orçamento equilibrado de acordo com

τt yt = igt + cgt + trt = ϕigt yt + ϕcgt yt + trt (2.7)

em que uma parcela ϕigt do produto é destinada a investimentos públicos


igt , uma parcela ϕcgt é destinada ao consumo do governo cgt , que não gera
utilidade para as famı́lias e qualquer receita que não é utilizada para cobrir os
gastos correntes é transferida para as mesmas de forma lump-sum, denominada
trt . Note que esta especificação da polı́tica fiscal permite que os gastos do go-
verno e a receita de impostos dependam da variação do produto, ou seja, existe
um componente endógeno no comportamento do governo. O investimento do
governo leva um perı́odo para se tornar produtivo e o estoque se deprecia à
taxa δg . Assim, dado kg0 o capital público kgt segue a lei de formação

kgt+1 = (1 − δg )kgt + igt . (2.8)

2.2.4 Choques

A taxa de impostos sobre a renda τt , e as parcelas de gastos do governo em


consumo e investimento como proporção da renda, ϕcgt e ϕigt respectivamente,
seguem um processo auto-regressivo de primeira ordem, bem como o resı́duo
de Solow zt

zt+1 = ρz zt + zt+1 (2.9)

τt+1 = (1 − ρτ )τ + ρτ τt + τ t+1 (2.10)

11
ϕigt+1 = (1 − ρig )ϕig + ρig ϕigt + igt+1 (2.11)

ϕcgt+1 = (1 − ρcg )ϕcg + ρcg ϕcgt + cgt+1 (2.12)

onde as variáveis sem o subscrito de tempo são os valores de steady state,


0 < ρx < 1 e x são choques normalmente e independentemente distribuı́dos
da variável x, com média zero e desvio padrão σx . Assumimos que os choques
não são correlacionados entre si, isto é, corr(i , j ) = 0, ∀i 6= j.
Assim, as famı́lias escolhem a seqüência de valores {cpt , ht , kpt+1 }∞
t=0 de

maneira maximizar o valor esperado descontado da utilidade (2.1) com base


nas expectativas a respeito dos preços futuros (2.5) e (2.6), dada a restrição
orçamentária (2.2), as leis de formação do capital privado (2.3) e público (2.8),
e os valores iniciais kp0 , kg0 , z0 , τ0 , ϕig0 e ϕcg0 .

2.3 Dados

Utilizamos as séries de dados anuais das contas nacionais divulgadas pelo IBGE
de 1950-2003.7 O produto interno bruto e o consumo do governo foram defla-
cionados pelo deflator implı́cito do PIB, e os investimentos público e privado
pelo deflator da formação bruta de capital fixo. De maneira a utilizar dados
compatı́veis com o modelo teórico, a série de consumo privado foi obtida por
resı́duo de acordo com a identidade das contas nacionais yt = cpt + cgt + ipt + igt
para uma economia fechada. Assim sendo, a nossa série de consumo privado
inclui as exportações lı́quidas. Entretanto, acreditamos que isto não é um pro-
blema, uma vez que as exportações lı́quidas representam, na média do perı́odo,
uma parcela bastante pequena do produto (0,035%).
Os estoques de capital público e privado são de Morandi e Reis (2003).8
7
Apesar das séries de investimento público e privado terminarem no ano de 2006, não
constam os valores de 2004.
8
Os referidos autores construı́ram estas séries pelo método do inventário perpétuo utili-

12
A carga tributária em relação ao PIB foi obtida somando-se a receita das três
esferas de governo do IBGE9 e dividindo este valor pelo PIB.
Um problema particularmente importante é o fato das contas nacionais
não possuı́rem séries de horas trabalhadas. Assim, optamos por utilizar as
horas trabalhadas na indústria de SP da FIESP, que estão disponı́veis desde
1975. Estes dados podem ser obtidos no IPEADATA (www.ipeadata.gov.br).
O resı́duo de Solow foi construı́do de acordo com zt = lnyt − αlnkpt − (1 −
α)lnht − ηlnkgt .
A Figura 2.1 mostra o comportamento das variáveis ao longo do ciclo bra-
sileiro. De maneira a extrair o componente cı́clico das séries, utilizamos o filtro
H-P com parâmetro de suavização 100 sobre o logarı́tmo das mesmas, exceto
para a carga tributária/PIB que está em nı́vel. Podemos notar que o investi-
mento público é a variável mais volátil. De fato, o desvio padrão do mesmo
é cerca de 14,98%, ao passo que, o desvio padrão do produto é de 3,89%. O
desvio padrão do investimento privado também é bastante elevado (10,28%),
porém menor do que o do investimento do governo. Cabe mencionar, que de
acordo com a literatura RBC, o consumo de bens duráveis deve ser visto como
parte do investimento. Entretanto, por não possuirmos uma série separada de
consumo de bens duráveis para o Brasil, estes se encontram dentro da série
de consumo privado, o que provavelmente faz com que o desvio padrão do
investimento privado esteja subestimado.10
O consumo do governo apresenta uma volatilidade maior do que a variação
do produto (6,84%), bem como o consumo privado (4,13%), ao passo que a
carga tributária em relação ao PIB apresenta uma volatilidade bem menor
zando os dados de investimento do IBGE e uma taxa de depreciação que varia no tempo.
9
Estas séries vão de 1950 a 2000. Os anos de 2001, 2002 e 2003, foram extrapolados de
acordo com a variação da carga tributária/PIB no perı́odo, disponı́vel apenas a partir de
1990.
10
Ellery Jr. et al. (2002) constroem uma série de consumo de bens duráveis para o perı́odo
de 1970-1998, encontrando um desvio padrão de 11,23%.

13
Figura 2.1: Componente cı́clico do produto e demais variáveis

.4 .4
.3 .3
.2 .2

.1 .1
.0 .0
-.1 -.1
-.2 -.2
-.3 -.3
-.4 -.4

-.5 -.5
1950 1960 1970 1980 1990 2000 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Investimento do governo PIB Investimento privado PIB

.4 .4

.3 .3

.2 .2

.1 .1

.0 .0

-.1 -.1

-.2 -.2

-.3 -.3

-.4 -.4

-.5 -.5
1950 1960 1970 1980 1990 2000 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Consumo do Governo PIB Consumo privado PIB

.4 .4

.3 .3

.2 .2

.1 .1

.0 .0

-.1 -.1

-.2 -.2

-.3 -.3

-.4 -.4

-.5 -.5
1950 1960 1970 1980 1990 2000 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Carga tributaria/PIB PIB Horas trabalhadas PIB

14
(1,15%). As horas trabalhadas apresentam um desvio padrão de 6,75% e são
fortemente procı́clicas. As correlações entre o consumo e o investimento do
governo com o PIB são 0,48 e 0,30 respectivamente, bem menores do que as
correlações dos gastos privados (0,80 e 0,60). Finalmente, a taxa de impostos
tem uma correlação negativa de -0,37.
Resumindo, os gastos fiscais são mais voláteis que os respectivos gastos
privados, e apresentam uma correlação menor com o produto. Além disso,
não atuam como estabilizadores do ciclo econômico, assim como a carga tri-
butária/PIB, caracterizando uma polı́tica fiscal procı́clica.

2.4 Calibração

O parâmetro η mede a elasticidade do produto em relação ao estoque de capital


público em um arcabouço de função de produção. Não existem estimativas na
11
literatura brasileira para este parâmetro, então optamos por usar um valor
similar ao calibrado por Ambler e Paquet (1996) e Lansing (1998), 0,0467 e
0,0520 respectivamente, i.e., utilizamos η = 0, 05.12
As leis de formação do capital público e privado no steady-state

kg kg ig
= (1 − δg ) +
y y y

kp kp ip
= (1 − δp ) +
y y y

determinam as taxas de depreciação. Utilizando as médias de kp /y = 1, 65,


11
Ferreira e Malliagros (1998) e Mussolini e Teles (2010) estimam a elasticidade de longo
prazo da PTF em relação ao capital público no Brasil.
12
Otto e Voss (1998) obtêm uma elasticidade de 0,06 para o capital público na função de
produção da Austrália através da estimação da Equação de Euler do consumo pelo método
dos momentos generalizados. Kamps (2004) estima uma elasticidade de 0,31 para o capital
público em um modelo de cointegração em painel para paı́ses da OCDE.

15
Tabela 2.1: Valores dos parâmetros e das variáveis no steady state

α η β ψ δg δp h
0,40 0,05 0,92 2,25 0,09 0,10 0,31
ig /y kg /y ip /y kp /y cg /y cp /y τ
0,04 0,42 0,17 1,65 0,13 0,66 0,23
ρz σz ρτ στ ρig σig ρcg σcg
0,96 0,0221 0,80 0,0135 0,69 0,0062 0,92 0,0180

kg /y = 0, 42, ip /y = 0, 17 e ig /y = 0, 04, referentes ao perı́odo de 1950-2003,


as taxas de depreciação pública e privada calculadas são, respectivamente,
0,09 e 0,10. De acordo com as condições de primeira ordem do problema de
maximização das famı́lias podemos calibrar o fator de desconto como

y
β = [(1 − τ )α + (1 − δp )]−1
kp

onde o parâmetro α corresponde à fração de remuneração do capital na


renda. Optamos por utilizar α = 0, 4, valor em linha com Gomes et al. (2003)
e Kanzcuk (2004b) e dado τ = 0, 23 (média de 1950-2003) temos que β = 0, 92.
Finalmente, o parâmetro que mede a desutilidade do trabalho é dado por

1 y
ψ= (1 − τ )(1 − α)
h cp

Seguindo Cooley e Prescott (1995) usamos h = 0, 31, ou seja, no steady-


state cerca de um terço do tempo do trabalhador é dedicado ao processo
produtivo, de modo que ψ = 2, 25. Os parâmetros que determinam o com-
portamento dos choques foram obtidos através da estimação das equações
(2.9), (2.10), (2.11) e (2.12) por um processo AR(1) controlando-se por uma
tendência linear. A Tabela 2.1 resume os parâmetros e os valores das variáveis
no steady-state.

16
2.5 Resultados

Como é bem sabido, o modelo utilizado não pode ser resolvido analiticamente,
de maneira que optamos por seguir o método de solução descrito por Schmitt-
Grohé e Uribe (2004), no qual é feita uma expansão de Taylor (log) de segunda
ordem das condições de equilı́brio em torno do steady-state deterministico. A
partir do modelo linearizado, é possı́vel obter as policy functions, e calcular os
segundos momentos teóricos das variáveis, bem como as funções resposta ao
impulso dos choques.
A Figura 2.2 apresenta as funções resposta ao impulso das variáveis pri-
vadas em relação aos choques de um desvio padrão em z, τ , ig /y e cg /y. É
importante ter em mente que os desvios padrão e a persistência de cada cho-
que apresentam valores distintos, portanto a magnitude das respostas deve
ser analisada com cautela. As variáveis privadas estão medidas em logarı́tmo,
de maneira que os gráficos apresentam desvios em relação ao valor de steady-
state. Optamos por não apresentar o comportamento dos gastos fiscais, uma
vez que este é idêntico ao comportamento do produto. Como pode ser visto na
Figura 2.2, choques na produtividade têm os mesmos efeitos já amplamente
conhecidos pela literatura, de modo que focaremos nos choques fiscais.
Aumentos no consumo do governo produzem um efeito riqueza negativo, de
maneira que as famı́lias respondem diminuindo o lazer, ou seja, aumentando
a oferta de trabalho e, portanto o produto (ver Christiano e Eichembaum,
199213 e Baxter e King, 1993). Com isso, o produto marginal do capital
aumenta, o que incentiva o investimento. O mesmo efeito riqueza negativo
gera uma retração do consumo. Como o choque é temporário, mas apresenta
uma persitência considerável, as variáveis demoram para retornar ao seu valor
13
Curiosamente, os referidos autores admitem que uma das limitações do seu trabalho seja
não separar o capital público do privado, e que isso provavelmente pioraria os resultados
obtidos em relação ao mercado de trabalho.

17
de steady-state.
O caso de choques no investimento público é um pouco mais complicado
de ser interpretado, uma vez que ao mesmo tempo em que o governo está ab-
sorvendo mais recursos da economia, ele está gerando um aumento de capital
público, o que tem um efeito positivo sobre a produtividade marginal do capi-
tal privado e do trabalho. Assim, existe um efeito riqueza negativo e um efeito
riqueza positivo. Neste caso, tanto o consumo como o lazer caem no impacto
devido ao efeito riqueza negativo. Curiosamente, o investimento também cai
no impacto, o que indica que o efeito negativo de uma maior absorção de
recursos por parte do governo se sobrepõe ao efeito positivo sobre a produti-
vidade marginal do capital no curto prazo. De fato, como este choque gera
um aumento na renda permanente dos indivı́duos, e estes desejam suavizar
o consumo, ocorre uma redução do investimento, de maneira que o consumo
não precise cair tanto.14 Entretanto, à medida que o capital público se acu-
mula, ocorre um aumento do investimento e do consumo das famı́lias, até que,
eventualmente, entram em uma trajetória descendente. Ao longo do tempo
o choque produtivo dos gastos do governo vai perdendo efeito e as variáveis
retornam ao valor anterior ao choque.
Já um aumento na taxa de impostos tem um efeito bastante perverso sobre
o setor privado. Choques na taxa de impostos sobre a renda levam a desloca-
mentos da curva de oferta de trabalho, aumentando a variabilidade das horas
trabalhadas e, conseqüentemente, do produto (ver Braun, 1994 e McGrattan,
1994). Por um lado, o salário lı́quido de impostos diminui, induzindo à redução
na oferta de trabalho e à queda no produto. Por sua vez, uma queda neste
último diminui o investimento do governo, o que afeta negativamente o capi-
tal público um perı́odo à frente, reforçando ainda mais a queda no produto.
14
Este resultado é o mesmo encontrado em Kamps (2004) para o caso de um choque
permanente no investimento público.

18
Figura 2.2: Funções resposta ao impulso das variáveis privadas

produtividade carga tributária/PIB


0.08 0.02

0
0.06

-0.02
0.04
-0.04
0.02
-0.06

0
-0.08

-0.02 -0.1
0 10 20 30 40 0 10 20 30 40

investimento do governo/PIB consumo do governo/PIB


0.01
0.02

0.015
0.005

0.01

0
0.005

0
-0.005

-0.005

-0.01
0 10 20 30 40 -0.01
0 10 20 30 40

produto consumo privado investimento privado horas trabalhadas

19
No impacto, o investimento privado também diminui, uma vez que a remu-
neração lı́quida de impostos do capital é afetada negativamente. O consumo
das famı́lias cai mesmo que a sua poupança tenha diminuı́do devido à forte
substituição intratemporal entre lazer e consumo. Exceto por este último,
todas as variáveis privadas apresentam um comportamento monotônico de re-
torno ao valor de equilı́brio.
Nas Tabelas 2.2 e 2.3 os segundos momentos das variáveis do modelo com
múltiplos choques (1) são comparados com os valores dos dados filtrados bra-
sileiros. Como os valores dos parâmetros que determinam o comportamento
do resı́duo de Solow foram obtidos através dos dados que cobrem o perı́odo
de 1975-2003, optamos por reportar os segundos momentos de duas amostras.
A primeira vai de 1950-2003 (Brasil I) e a segunda de 1975-2003 (Brasil II).
Além disso, reportamos o resultado do modelo para cada um dos choques
fiscais conjuntamente com o choque de produtividade, de maneira a verificar
qual variável fiscal parece ser mais importante para explicar o ciclo do produto,
além do choque tecnológico (2, 3, 4 e 5).
O comportamento do consumo privado e das horas trabalhadas não é bem
captado pelo modelo com múltiplos choques, uma vez que a volatilidade é
bem menor que a dos dados reais. Esse resultado é o mesmo encontrado por
Ellery Jr. et al. (2002) e Val e Ferreira (2001), que também utilizam dados
anuais, mas para o consumo agregado (privado mais público).15 Por outro
lado, o investimento privado tem uma variação maior no modelo do que nos
dados brasileiros. Em termos dos comovements, o modelo reproduz quanti-
tativamente muito bem as correlações para o perı́odo de 1975-2003, e capta
as caracterı́sticas qualitativas do perı́odo completo. Entretanto, o principal
interesse neste artigo é analisar o comportamento das variáveis fiscais ao longo
15
Bugarin e Ellery Jr. (2002) desenvolvem um modelo com restrição ao credito que con-
segue reproduzir a alta volatilidade do consumo.

20
Tabela 2.2: Desvio padrão em relação ao produto - dp(x)/dp(y)

(1) (2) (3) (4) (5)


Brasil I Brasil II múltiplos choque choque choque choque
Variável 1950-2003 1975-2003 choques z e ig /y z e cg /y zeτ z
y% 3,89 3,63 3,58 2,81 2,96 3,42 2,79
cp 1,06 0,80 0,58 0,63 0,63 0,56 0,62
cg 1,76 2,18 2,59 1,00 3,06 1,00 1,00
ip 2,64 2,85 3,18 2,70 2,58 3,28 2,69
ig 3,86 4,69 4,49 5,66 1,00 1,00 1,00
h - 1,86 1,10 0,49 0,70 1,03 0,45
τ 0,30 0,29 0,35 - - 0,37 -
dp(cg )/dp(cp ) 1,66 2,73 4,50 1,59 4,84 1,77 1,60
dp(ig )/dp(ip ) 1,46 1,64 1,41 2,09 0,39 0,30 0,37

do ciclo econômico, o que faremos a seguir.


O modelo 1 parece captar bem o fato de o investimento do governo ser a
variável mais volátil da economia, ainda que superestime este valor para Bra-
sil I. A volatilidade do investimento público vis-à-vis o investimento privado
tem um valor muito similar aos dados. Além disso, o investimento do governo
tem uma correlação com o produto idêntica a de Brasil I, diferentemente do
encontrado por Ambler e Paquet (1996) e Lansing (1998), onde os modelos
utilizados por eles geram uma correlação muito elevada com o produto ameri-
cano, o que não se verifica nos dados. A economia artificial também é capaz de
reproduzir a baixa (e positiva) correlação entre os dois tipos de investimento.
Já no caso do consumo do governo, temos que o seu comportamento no
modelo varia mais do que os dados sugerem e, somado ao fato de o consumo
privado variar menos do que nos dados, exagera na razão entre os desvios
padrão. Estes gastos do governo apresentam uma correlação de 0,61 com o
produto, valor próximo ao perı́odo analisado para o Brasil, e bastante diferente
ao que ocorre nos EUA, onde esse valor é praticamente nulo (ver Lansing,
1998).
Finalmente, o modelo gera uma baixa volatilidade da carga tributária/PIB

21
Tabela 2.3: Correlação contemporânea com o produto - corr(x, y)

(1) (2) (3) (4) (5)


Brasil I Brasil II múltiplos choque choque choque choque
Variável 1950-2003 1975-2003 choques z e ig /y z e cg /y zeτ z
cp 0,80 0,66 0,65 0,92 0,72 0,84 0,95
cg 0,48 0,50 0,61 1,00 0,61 1,00 1,00
ip 0,60 0,91 0,91 0,93 0,95 0,93 0,96
ig 0,30 0,43 0,30 0,28 1,00 1,00 1,00
h - 0,81 0,80 0,86 0,78 0,78 0,90
τ -0,37 -0,30 -0,55 - - -0,57 -
corr(cp , cg ) 0,10 -0,23 -0,01 0,92 -0,06 0,84 0,95
corr(ip , ig ) 0,14 0,26 0,12 0,04 0,95 0,93 0,96

bastante em linha com os valores da economia real e uma correlação negativa


com o produto, como acontecem nos dados.16 Resumindo, o modelo gera uma
polı́tica fiscal que não atua como estabilizadora do ciclo econômico.
Como pode ser visto nas Tabelas 2.2 e 2.3, a inclusão dos choques fiscais é
fundamental para explicar o comportamento do investimento público, consumo
do governo e taxa de impostos, como era esperado. Sem eles, o investimento
público e o consumo do governo andam perfeitamente juntos com o produto
e possuem a mesma volatilidade do mesmo, o que não se verifica nos dados.
Entretanto, também é interessante avaliar como a inclusão de cada um desses
choques altera o comportamento das variáveis privadas.
De acordo com a Tabela 2.2 notamos que, dentre as variáveis fiscais es-
tudadas, a carga tributária em relação ao PIB parece ser aquela que mais
contribui para a volatilidade do produto, apesar de ter uma volatilidade pe-
quena. O desvio padrão de y é 3,58 no modelo completo e 3,42 no modelo com
choques em τ e z, ou seja, adicionar os choques em ig /y e cg /y acrescentam
16
De posse dos resı́duos das equações (10), (11) e (12) calculamos as seguintes correlações:
corr(τ , ig ) = 0, 35, corr(τ , cg ) = −0, 08 , corr(cg , ig ) = 0, 11. Ao impormos esses valores
na especificação (ao invés de assumirmos que são iguais a zero), não obtivemos nenhuma
alteração significativa nos resultados, exceto pela correlação entre o investimento público e
o produto (investimento privado) que ficou em torno de 0,17 (-0,10).

22
muita pouca variação ao produto. Como o modelo com choques apenas em z
apresentou um desvio padrão de y de 2,79, verificamos que adicionar choques
em τ aumenta bastante a variação de y, gerando um desvio padrão próximo
ao do modelo completo. Ao mesmo tempo, a flutuação das horas trabalhadas
também é bastante similar no modelo 4 comparada ao modelo 1, o que não
ocorre com os modelos 2 ,3 e 5. De acordo com as funções resposta ao impulso,
este resultado não é surpreendente, uma vez que as variáveis privadas parecem
responder mais aos choques na tributação do que nos gastos do governo. Como
mencionado anteriormente, variações na taxa de impostos têm efeitos muito
distorcivos sobre as decisões dos agentes.17
Em termos dos comovements, o que chama a atenção é a diferença na
correlação entre o consumo privado e o produto nos modelos 2, 3 e 4 em com-
paração com o modelo com múltipos choques. O modelo 2 apresenta o maior
valor. Uma explicação acurada do porque deste resultado é extremamente
complicada, dada a complexidade das inter-relações entre as variáveis estuda-
das. Contudo, podemos utilizar os resultados das funções resposta ao impulso
como uma indicação dos mecanismos atuantes. Por exemplo, considere um
choque positivo em ig /y e z.
De acordo com a função de produção, choques no investimento do governo
têm um papel muito similar à choques de produtividade um perı́odo à frente,
ou seja, atuam como um choque de oferta. Porém, no impacto os mesmos
atuam de maneira mais parecida com um choque no consumo do governo,
ou seja, como um choque de demanda. No momento do choque, a curva de
demanda de trabalho não se altera, mas como o governo está retirando mais
recursos do setor privado, é possı́vel que as famı́lias compensem este efeito,
aumentando a oferta de trabalho e, conseqüentemente, o produto. Como pode
17
Prescott (2002) estima que a França tem um produto por trabalhador 30% menor que o
dos EUA devido aos efeitos negativos sobre a oferta de trabalho das altas taxas de impostos.

23
ser visto na Figura 2.2, o consumo privado cai menos neste caso do que no
caso de um choque no consumo do governo. Ao mesmo tempo um choque
positivo na produtividade aumenta o consumo privado e o produto. Assim, a
correlação entre o consumo privado e o produto tende a ser maior no modelo
que considera choques em z e ig /y.

2.6 Conclusão

Neste artigo foi desenvolvido um modelo RBC com capital público e polı́tica
fiscal para o Brasil. O modelo reproduz bem as principais caracterı́sticas das
variáveis fiscais ao longo do ciclo econômico, notadamente, uma volatilidade
maior dos gastos públicos vis-à-vis os respectivos gastos privados e o caráter
procı́clico da polı́tica fiscal brasileira. Dentre as variáveis fiscais analisadas, a
taxa de impostos é a que menos varia ao longo do ciclo econômico, porém é a
mais importante para explicar o ciclo do produto, além da produtividade. Isso
se deve ao fato de que variações na tributação distorcem, significativamente, a
oferta de trabalho das famı́lias. Assim como outros estudos com dados anuais
para o Brasil, o modelo subestima a volatilidade do consumo (privado). No
caso do investimento (privado), a variação é maior do que apontam os dados,
o que se deve provavelmente ao fato do nosso modelo não considerar custos de
ajustamento de nenhum tipo.
Uma das principais limitações do nosso estudo é o fato de não possuirmos
uma série de horas trabalhadas no Brasil. Além disso, não existem estima-
tivas na economia brasileira para a elasticidade do capital público na função
de produção, de maneira que utilizamos um valor próximo ao da literatura
internacional. Contudo, acreditamos que este artigo é um primeiro passo no
sentido de se entender o comportamento das variáveis fiscais ao longo do ciclo
econômico brasileiro.

24
Bibliografia

[1] Aguiar, M., and Gopinath, G. (2007) “Emerging Market Business Cycles:
The Cycle Is the Trend.” Journal of Political Economy, Vol. 115, pp.
69-102.

[2] Ambler, S., and Paquet, A. (1996) “Fiscal spending shocks, endogenous
government spending, and real business cycles.” Journal of Economic Dy-
namics and Control, 20, 237-56.

[3] Aschauer, D. (1989), “Is public expenditure productive?” Journal of Mo-


netary Economics, 23, p. 177-200.

[4] Barro, R. (1990), “Government spending in a simple model of endogenous


growth.” Journal of Political Economy, v. 98, p.103-125.

[5] Barro, R., and X. Sala-i-Martin (1992), “Public Finance in Models of


Economic Growth.” Review of Economic Studies, 59, 645-662.

[6] Baxter, M. and King, R.G. (1993) “Fiscal policy in general equilibrium.”
American Economic Review, 83, 315-34.

[7] Braun, R.A. (1994) “Tax disturbances and real economic activity in the
postwar United States.” Journal of Monetary Economics, 33, 441-62.

25
[8] Bugarin, M., Ellery jr. (2002) “Liquidity Constraints and the Behavior
of Aggregate Consumption over the Brazilian Business Cycle.” Estudos
Econômicos, v. 32, n. 4, 551-576.

[9] Carvalho, F. A., e Valli, M. O. “An Estimated DSGE Model with Go-
vernment Investment and Primary Surplus Rule: The Brazilian Case.”
XXXII Encontro Brasileiro de Econometria, 2010, Salvador.

[10] Christiano, L.J., and M. Eichenbaum (1992) “Current real-business-cycle


theories and aggregate labor-market fluctuations.” American Economic
Review, 82, 430-50.

[11] Cooley, T. F., Prescott, E. C. (1995) “Economic growth and business


cycle.” Cooley, T. F. (ed.). Frontiers of business cycle research. Princeton
University Press.

[12] Ellery R. G., JR., Gomes, V., Sachsida, A. (2002) “Business cycle fluctu-
ations in Brazil.” Revista Brasileira de Economia, v. 56, n. 2, p. 269-308.

[13] Ferreira, P. C. e Malliagros, T. (1998) “Impactos produtivos da infra-


estrutura no Brasil- 1950/95.” Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28,
n.2, p.315-338.

[14] Gomes, V.; Pessoa, S., Veloso, F. (2003) “Evolução da produtividade total
dos fatores na economia brasileira: uma análise comparativa.” Pesquisa
e Planejamento Econômico, v.33, p.389-434.

[15] Hansen, G.D. (1985), “Indivisible Labor and the Business Cycle.” Journal
of Monetary Economics, 16, 309-327.

[16] Kamps, C. (2004), “The Dynamic Macroeconomic Effects of Public Ca-


pital: Theory and evidence for OECD countries.” Springer.

26
[17] Kanczuk, F. e Botelho (2003), “Preços Rı́gidos e Ciclos Reais Brasileiros.”
Pesquisa e Planejamento Econômico, v.33, n.2.

[18] Kanczuk, F. (2004a), “Ciclos Reais Brasileiros em Dois Setores.” Estudos


Econômicos, v. 34, n. 1, 43-72.

[19] Kanczuk, F. (2004b), “Real interest rates and Brazilian business cycles.”
Review of Economic Dynamics, v. 7, 436-455.

[20] Kocherlakota, N. e Yi, K. (1996) “A simple time series test of endogenous


vs. exogenous growth models; an application to the United States.” The
Review of Economics and Statistics, vol. 78, p. 126-134.

[21] Kydland, F.E., and Prescott, E.C. (1982) “Time to build and aggregate
fluctuations.” Econometrica, 50, 1345-70.

[22] Lansing, K.J. (1998). “Optimal Fiscal Policy in a Business Cycle Model
with Public Capital.” Canadian Journal of Economics, 31.

[23] McGrattan, E.R. (1994) “The macroeconomic effects of distortionary ta-


xation.” Journal of Monetary Economics, 33, 559-71.

[24] Morandi, L., Reis, E. J. (2003) “Estimativa do estoque de capital fixo-


Brasil, 1950-2000.” Rio de Janeiro: IPEA, nov. 2003, mimeo.

[25] Neumeyer, P. A., and Perri, F. (2005). “Business Cycles in Emerging


Economies: The Role of Interest Rates.” Journal of Monetary Economics,
52 (March): 345–80.

[26] Prescott, E. C. (2002) “Prosperity and Depression.” American Economic


Review, 92:1-15.

[27] Otto, G. and Voss, G. M. (1998) “Is Public Capital Provision Efficient?”
Journal of Monetary Economics, 42: 47–66.

27
[28] Rebelo, S. (2005). “Real Business Cycle Models: Past, Present, and Fu-
ture.” Scandinavian Journal of Economics, 107(2), 217-238.

[29] Schmitt-Grohe, S. and Uribe, M.. (2004). “Solving dynamic general equili-
brium models using a second-order approximation to the policy function.”
Journal of Economic Dynamics Control, 28, 755 – 775.

[30] Silva, F. S., e Portugal, M. S. (2010) “Impacto de Choques Fiscais na Eco-


nomia Brasileira: Uma Abordagem DSGE.” XXXII Encontro Brasileiro
de Econometria, 2010, Salvador.

[31] Talvi, E. and Végh., C. E. (2005). “Tax Base Variability and Pro-cyclical
Fiscal Policy.” Journal of Development Economics, 78 (October): 156-
190.

[32] Val, P. R. C., Ferreira, P. C. G. (2001) “Modelos de ciclos reais de negócios


aplicados à economia brasileira.” Pesquisa e Planejamento Econômico, v.
31, n. 2, p. 213-248.

28
Capı́tulo 3

Polı́tica Fiscal e Análise de Bem


Estar no Brasil: Uma
Abordagem DSGE Bayesiana

Resumo

Neste artigo utilizamos o método de estimação bayesiana para um modelo


DSGE com choques fiscais (tributação, consumo e investimento) para o Brasil.
Diferentente de outros estudos, estimamos o parâmetro que mede a elasticidade
do capital público na função de produção e o parâmetro relacionado à utili-
dade dada pelas famı́lias ao consumo do governo. Além disso, consideramos
duas especificações para a função de produção, uma com retornos constantes
de escala e uma com retornos crescentes de escala. O capital público apresen-
tou uma elasticidade de 0,08 e 0,17 dependendo da especificação considerada,
sendo que a utilidade atribuı́da ao consumo do governo foi estimada em cerca
de metade da utilidade atribuı́da ao consumo privado. Apesar dos choques
de produtividade explicarem a maior parte dos movimentos no produto, con-
sumo privado e investimento privado, os choques na tributação são a principal

29
fonte de variação nas horas trabalhadas, além de explicarem boa parte dos
movimentos no investimento privado, e os choques no consumo do governo
tem uma papel importante na variação do consumo privado no curto prazo,
evidenciando a importância da polı́tica fiscal. Os resultados da análise de bem
estar apontaram para uma mudança na composição do gasto público em favor
do investimento e uma diminuição na carga tributária. Em relação ao ótimo
de Pareto, a economia descentralizada gera uma perda de bem estar de cerca
de 25% a 100%, dependendo dos retornos de escala considerados.

30
3.1 Introdução

O estudo dos ciclos econômicos tem se beneficiado amplamente do desenvol-


vimento dos modelos DSGE (dynamic stochastic general equilibrium). Por
serem baseados no comportamento ótimo dos agentes em resposta ao ambi-
ente econômico (microfundamentos) estes modelos não estão sujeitos à crı́tica
de Lucas (1976). Além disso, esses modelos utilizam a mesma estrutura básica
usada na análise de crescimento de longo prazo (Solow, 1956, Ramsey, 1928),
unificando assim a teoria macroeconômica de curto e longo prazo. Não por
acaso, os banco centrais de diversos paı́ses tem procurado desenvolver mode-
los DSGE para seus respectivos paı́ses, visto que estes são uma ferramenta
extremamente útil na decisão de polı́tica econômica e previsão dos agregados
macroeconômicos. Alem disso, com o desenvolvimento de técnicas bayesianas
de estimação, tornou-se mais viável a estimação dos parâmetros estruturais
que governam o comportamento do modelo.
A literatura de modelos DSGE bayesianos para o Brasil ainda é escassa,
principalmente no que se refere aos impactos da polı́tica fiscal nos ciclos
econômicos. Um dos primeiros estudos neste sentido é o modelo desenvolvido
pelo Banco Central denominado SAMBA (Stochastic Analytical Model with a
Bayesian Approach). Neste, é desenvolvido um modelo com rigidez de preços
para uma pequena economia aberta em que a autoridade monetária persegue
uma meta de inflação e a autoridade fiscal uma regra de gastos levando em
conta uma meta de superávit primário. Além disso, 40% dos consumidores são
considerados como não tendo acesso ao mercado de capitais e de credito e, por-
tanto, consomem toda a renda do trabalho a cada perı́odo (não-ricardianos).
Em um estudo bastante similar, mas utilizando um arcabouço de econo-
mia fechada e com o objetivo de estimar a proporção de consumidores não-
ricardianos, Silva e Portugal (2010) concluem que choques nos gastos do go-

31
verno têm um impacto negativo sobre o consumo, mesmo em um modelo em
que existem agentes não-ricardianos. Isto se deve à baixa presença relativa
deste tipo de consumidores para o Brasil, estimada em torno de 10%.
Carvalho e Valli (2010) estimam um modelo em que a autoridade fiscal
brasileira segue uma regra para o superávit primário, o investimento público e
as transferências, sendo que o gasto em consumo é a variável de ajuste. Neste
caso, choques que levem a uma diminuição do superávit primário em relação
à meta levam a um aumento na demanda, gerando uma elevação do produto e
do consumo dos agentes não-ricardianos. Surpreendentemente, também ocorre
um aumento no consumo dos agentes ricardianos, pois este choque leva a uma
diminuição do investimento, devido ao aumento no preço do mesmo.
Diferentemente dos artigos mencionados, utilizamos o método de estimação
bayesiana para um modelo DSGE sem fricções1 , sendo que a única alteração
em relação ao modelo neoclássico é a presença de choques fiscais (tributação,
consumo e investimento), onde os gastos em consumo do governo entram na
função de utilidade das famı́lias e os gastos em investimento do governo entram
na função de produção das firmas (capital público), sendo financiados via tri-
butação sobre a renda. Neste caso, não existe papel para a polı́tica monetária,
sendo que podemos focar mais diretamente no papel da polı́tica fiscal.
Sendo assim, utilizamos dados anuais de 1950 a 2003, o que nos permite
usar a série de investimento público nas estimações, de modo a identificar o
parâmetro de produtividade do capital público na função de produção, pois
esta série de investimento não está disponı́vel em freqüência trimestral. Ape-
sar de existirem estudos de crescimento de longo prazo que buscam analisar
o impacto do capital público no produto e na produtividade total dos fatores
1
Araújo Jr. (2009) também estima um modelo DSGE para o Brasil sem fricções (exceto
por custos de ajustamento do capital), mas não considera a polı́tica fiscal no modelo, focando
no papel dos choques tecnológicos investimento especı́ficos em uma economia aberta.

32
(Ferreira e Malliagros (1998), Mussolini e Teles (2010)), não existem estimati-
vas diretas deste parâmetro para a função de produção brasileira. Carvalho e
Valli (2011) calibram este parâmetro de modo que a remuneração do mesmo em
steady state paga pelos produtores de bens intermediários apenas compense
a depreciação. Em nosso estudo, assim como em Lansing (1998), Baxter e
King (1993) e Ambler e Paquet (1996), o capital do governo é um bem público
provido sem custos para as firmas.
Adicionalmente, consideramos duas especificações para a função de produção,
uma com retornos constantes de escala e outra com retornos crescentes de es-
cala. Aparentemente, não existe um consenso na literatura sobre a melhor
especificação a ser usada, sendo que alguns estudos tem optado pela primeira
hipótese e outros pela segunda. Também estimamos o parâmetro relacio-
nado ao consumo do governo na função de utilidade dos agentes privados e
os parâmetros que determinam o comportamento dos choques fiscais.
No nosso caso, não faz sentido estipular uma regra de superávit primário,
uma vez que este tipo de polı́tica só passou a ser implementada de fato em 1999,
com o surgimento do sistema de metas de inflação. Assim sendo, abstraı́mos da
possibilidade do governo financiar seus gastos via emissão de dı́vida, ou seja,
definimos que o governo mantém o orçamento equilibrado a cada perı́odo.
Analisamos o papel dos choques fiscais na volatilidade das variáveis privadas
através da decomposição da variância e fazemos uma análise de bem estar em
relação a mudanças hipotéticas na polı́tica fiscal, e em relação ao ótimo de
Pareto (planejador central).
Na seção 2 é apresentado o modelo estudado. Na seção 3 são apresentados
o método de estimação bayesiano e os resultados. Na seção 4 é feita a decom-
posição da variância do erro de previsão, e na seção 5 a análise de bem estar.
Finalmente, as conclusões são apresentadas na seção 6.

33
3.2 Modelo

Nesta seção desenvolvemos um modelo DSGE com choques fiscais. Os gastos


em consumo do governo geram utilidade para as familias e o estoque de ca-
pital do governo entra na função de produção como um insumo adicional aos
insumos privados, aumentando a produtividade da economia. A justificativa
em separar os dois tipos de capital seria de que o capital público e privado
não seriam substitutos perfeitos no processo produtivo.2 Sao utilizadas duas
especificações para a função de produção, uma com retornos constantes de
escala e uma com retornos crescentes de escala.

3.2.1 Famı́lias

Considere uma economia fechada habitada por um continuum de famı́lias


idênticas no intervalo [0,1] em um horizonte de tempo infinito. As preferências
das famı́lias são dadas por


X
E0 β t [lnct − ψht ] (3.1)
t=0

ct = cpt + γcgt

onde ct é um agregador de consumo no moldes de Barro (1981) em que


γ > 0, cpt é o consumo privado e cgt é o consumo do governo. Neste caso,
uma unidade de consumo do governo gera a mesma utilidade que γ unidades
de consumo privado, ou seja, cp e cg são substitutos perfeitos, mas (possivel-
mente) não na razão de um para um. Além disso, Et é o operador esperança
condicional ao conjunto de informação no perı́odo t, 0 < β < 1 é o fator de
2
Para uma discussão teórica sobre a separação do capital entre público e privado ver
Barro (1990) e Barro e Sala-i-Martin (1992).

34
desconto, ht são as horas trabalhadas e lt é o lazer, onde lt = 1 − ht . Esta é
uma especificação do tipo trabalho indivisı́vel desenvolvida por Hansen (1985).
A restrição orçamentária das famı́lias é

cpt + ipt ≤ (1 − τt )(wt ht + ut kpt + πt ) + trt (3.2)

onde τt é a taxa de impostos sobre a renda e ipt é o investimento privado.


As famı́lias alugam capital e trabalho para as firmas recebendo salários wt , a
remuneração do capital ut e os dividendos πt . O capital privado kpt segue a
seguinte regra de acumulação:

kpt+1 = (1 − δp )kpt + ipt (3.3)

onde δp é a taxa de depreciação e kp0 é dado. As famı́lias tomam a taxa


de impostos e o gasto do governo como dados.

3.2.2 Firmas

As firmas competitivas utilizam capital e trabalho alugado para produzir bens


yt , tomando como dado o estoque de capital público kgt e os preços dos
insumos, de acordo com a função de produção Cobb-Douglas

θ θ
yt = ezt kptp hθt h kgtg . (3.4)

Assim, temos uma adaptação do modelo de Barro (1990) para uma econo-
mia sem crescimento endógeno, isto é, estamos supondo θg < 1 − θp . Do pro-
blema de maximização de lucros das firmas temos que os fatores de produção
são pagos pelos seus produtos marginais

θ θ
wt = θh ezt kptp hθt h −1 kgtg (3.5)

35
θ −1 θ
ut = θp ezt kptp hθt h kgtg . (3.6)

Consideramos duas especificações alternativas para a função de produção:

1) Retornos constantes de escala: θp + θh + θg = 1. Esta é a mesma es-


pecificação utilizada por Lansing (1998) e Otto e Voss (1998) . Neste caso, a
remuneração dos insumos privados não exaurem a renda, logo existe a possi-
bilidade de lucro econômico positivo (πt ≥ 0).

2) Retornos crescentes de escala: θp +θh = 1 . Esta é a mesma especificação


utilizada por Ambler e Paquet (1996) e Baxter e King (1993). Neste caso a
função de produção possui retornos constantes de escala nos insumos privados,
logo não há lucro econômico positivo (πt = 0).

3.2.3 Governo

O governo tributa a renda e mantém o orçamento equilibrado de acordo com

τt yt = igt + cgt + trt = ϕigt yt + ϕcgt yt + trt (3.7)

em que uma parcela ϕigt do produto é destinada a investimentos públicos


igt , uma parcela ϕcgt é destinada ao consumo do governo cgt e qualquer receita
que não é utilizada para cobrir os gastos correntes é transferida para as famı́lias
de forma lump-sum, denominada trt . Note que esta especificação da polı́tica
fiscal permite que os gastos do governo e a receita de impostos dependam da
variação do produto, ou seja, existe um componente endógeno no comporta-
mento do governo. O investimento do governo leva um perı́odo para se tornar
produtivo e o estoque se deprecia a taxa δg . Assim, dado kg0 o capital público

36
kgt segue a lei de formação

kgt+1 = (1 − δg )kgt + igt . (3.8)

3.2.4 Choques

A taxa de impostos sobre a renda τt , e as parcelas de gastos do governo em


consumo e investimento como proporção da renda, ϕcgt e ϕigt respectivamente,
seguem um processo auto-regressivo de primeira ordem bem como o resı́duo
de Solow zt

zt+1 = ρz zt + zt+1 (3.9)

τt+1 = (1 − ρτ )τ + ρτ τt + τ t+1 (3.10)

ϕigt+1 = (1 − ρig )ϕig + ρig ϕigt + igt+1 (3.11)

ϕcgt+1 = (1 − ρcg )ϕcg + ρcg ϕcgt + cgt+1 (3.12)

onde as variáveis sem o subscrito de tempo são os valores de steady state,


0 < ρx < 1 e x são choques normalmente e independentemente distribuı́dos
da variável x, com média zero e desvio padrão σx . Assumimos que os choques
não são correlacionados entre si, isto é, corr(i , j ) = 0, ∀i 6= j.
Assim, as famı́lias escolhem a seqüência de valores {cpt , ht , kpt+1 }∞
t=0 de

maneira maximizar o valor esperado descontado da utilidade (3.1) com base


nas expectativas a respeito dos preços futuros (3.5) e (3.6), dada a restrição
orçamentária (3.2), as leis de formação do capital privado (3.3) e público (3.8),
e os valores iniciais kp0 , kg0 , z0 , τ0 , ϕig0 e ϕcg0 .

37
3.3 Estimação

Nesta seção utilizamos o método bayesiano de maneira a estimar os principais


parâmetros de interesse do modelo descrito anteriormente. Recentemente, a
estimação bayesiana de modelos DSGE tem sido amplamente utilizada na li-
teratura macroeconômica, sendo em geral preferida à estimação por máxima
verossimilhança, pois além de considerar a informação contida nos dados, uti-
liza de informações a priori dos parâmetros, o que facilita a identificação dos
mesmos. Diferentemente da abordagem estatı́stica clássica, os parâmetros são
considerados variáveis aleatórias, e, portanto, têm uma distribuição de proba-
bilidade associada a elas.
De acordo com Villaverde (2009), na abordagem bayesiana não faz muito
sentido pensar em uma amostra como a realização de um processo gerador de
dados, no sentido de que todos os modelos são ”falsos”. Consequentemente,
o objetivo não é estimar o valor ”verdadeiro”de um determinado parâmetro e
sim buscar uma boa descrição dos dados. Relacionado a esta idéia está o fato
de que o método bayesiano trata a incerteza em relação a diferentes teorias da
mesma maneira que trata a parte estocástica da própria teoria (Sims, 1996), ou
seja, é uma maneira de lidar com o problema de má especificação dos modelos.
Utilizamos as séries de dados anuais das contas nacionais do IBGE para o
perı́odo de 1950-2003.3 São usadas quatro séries na estimação: O logaritmo
do produto interno bruto (PIB), a carga tributária/PIB, o investimento do go-
verno/PIB e o consumo do governo/PIB. O produto interno bruto e o consumo
do governo foram deflacionados pelo deflator implı́cito do PIB e o investimento
público pelo deflator da formação bruta de capital fixo. A carga tributária em
relação ao PIB foi obtida somando-se a receita das três esferas de governo do
3
Apesar das séries de investimento público e privado terminarem no ano de 2006, não
constam os valores de 2004.

38
IBGE4 e dividindo este valor pelo PIB. De maneira a extrair o componente
cı́clico filtramos as séries utilizando uma tendência linear.
Considere o vetor de parâmetros Θ a ser estimado e uma distribuição de
probabilidade a priori p(Θ) associada a ele. Além disso, considere um vetor
de variáveis observáveis X T = {xt }Tt=0 com uma distribuição marginal p(X T )
e uma função de verossimilhança condicional p(X T /Θ) . De acordo com o
teorema de Bayes temos que a distribuição a posteriori é dada por:

p(X T /Θ)p(Θ)
p(Θ/X T ) =
p(X T )

ou

p(Θ/X T ) ∝ p(X T /Θ)p(Θ)

Primeiramente o sistema de equações formado pelas condições de equilı́brio


do modelo é log-linearizado em torno do steady state determinı́stico, sendo
que sua solução pode ser representada por um sistema de espaço-estado. Em
seguida, p(X T /Θ) é computada utilizando-se o Filtro de Kalman. Contudo,
não é possı́vel calcular analiticamente a posterior dada a complexidade do
modelo, sendo que usamos o algoritmo de Metropolis – Hasting para simular
numericamente a distribuição a posteriori 5 .

3.3.1 Distribuição a priori

A Tabela 3.1 apresenta as distribuições a priori dos parâmetros selecionados,


no nosso caso, Θ = (θg , γ, ρz , ρτ , ρig , ρcg , σz , στ , σig , σcg ). Seguindo Smets e
Wouters (2007) os parâmetros de persistência dos processos AR(1) possuem
4
Estas séries vão de 1950 a 2000. Os anos de 2001, 2002 e 2003, foram extrapolados de
acordo com a variação da carga tributária/PIB no perı́odo, disponı́vel apenas a partir de
1990.
5
Para uma descrição do algoritmo de Metropolis-Hasting ver DeJong e Dave (2007)

39
Tabela 3.1: Distribuição a priori

Distribuição Domı́nio Média Desvio padrão


ρz Beta (0;1) 0,5 0,2
ρτ Beta (0;1) 0,5 0,2
ρig Beta (0;1) 0,5 0,2
ρcg Beta (0;1) 0,5 0,2
σz Inv. Gama (0;5] 0,01 0,2
στ Inv. Gama (0;5] 0,01 0,2
σig Inv. Gama (0;5] 0,01 0,2
σcg Inv. Gama (0;5] 0,01 0,2
θg Normal (0;0,5] 0,05 0,1
γ Beta (0;1] 0,3 0,2

distribuição beta com media 0,5 e desvio padrão 0,2. O desvio padrão dos
choques possui distribuição inversa gamma com média 0,01 e desvio padrão
0,2. Estes valores indicam distribuições bastante flexı́veis em termos da espe-
cificação a priori imposta sobre os parâmetros.
A elasticidade do produto em relação ao capital público (θg ) possui dis-
tribuição normal com média 0,05 e desvio padrão 0,1. Esta média está bem
próxima do valor calibrado por Ambler e Paquet (1996) e Lansing (1998). Ou-
tro parâmetro de interesse é aquele que indica a utilidade dada pelas famı́lias
ao consumo do governo (γ), para o qual assumimos uma distribuição a priori
beta com média 0,3, mesmo valor calibrado por Ambler Paquet (1996), e
desvio padrão 0,2.
Os parâmetros que não são de principal interesse neste estudo foram ca-
librados, de maneira a facilitar a estimação. A participação do trabalho na
renda (θh ) foi definida em 60%, valor de acordo com a evidência empı́rica
(Gomes et. al, 2003). A remuneração do capital privado (θp ) foi definida
em 40% para o modelo com retornos crescentes de escala e calculada como
resı́duo (1 − θg − θh ) no modelo com retornos constantes. Seguindo Cooley e
Prescott (1995) a proporção do tempo das famı́lias dedicada ao trabalho (h)
foi estipulada em 0,31.

40
Os outros parâmetros do modelo foram calibrados a partir das condições
de equilı́brio avaliadas no steady state.6 Para o fator de desconto (β) utiliza-
mos o valor 0,94 para o modelo com retornos constantes de escala e 0,92 para
o modelo com retornos crescentes de escala, sendo que para o parâmetro de
desutilidade do trabalho (ψ) utilizamos 2,25. Estes foram obtidos através das
equações de Euler do consumo privado e das horas trabalhadas, respectiva-
mente. As taxas de depreciação do capital privado (δp ) e público (δg ) foram
calculadas de acordo com as leis de formação dos mesmos, com valores de 0,1
e 0,09, respectivamente.

3.3.2 Distribuição a posteriori

As informações que caracterizam as distribuições a posteriori para as duas


versões do modelo se encontram na Tabela 3.2, sendo que os gráficos das
distribuições a priori e a posteriori estão no apêndice 7 .
De maneira geral, os resultados são muito parecidos para os dois mode-
los, exceto pela distribuição da elasticidade do capital público na função de
produção (θg ), sendo que o valor atribuı́do ao logaritmo da densidade mar-
ginal da distribuição a posteriori 8 favorece muito pouco a especificação com
retornos crescentes de escala. O fator de Bayes calculado foi de apenas exp[2]
a favor do modelo com retornos crescentes. Neste caso, consideramos que não
há evidências a favor desta especificação, ou seja, ambas são equivalentes em
termos de ajuste do modelo aos dados. A tı́tulo de comparação, Sungbae e
6
Os valores de steady state correspondem a média no perı́odo 1950 a 2003. Os estoques
de capital público e privado são de Morandi e Reis (2003). As séries restantes foram obtidas
nas contas nacionais do IBGE, exceto pela série de consumo privado que foi obtida por
resı́duo de acordo com a identidade das contas nacionais yt = cpt + cgt + ipt + igt para uma
economia fechada.
7
Para simular a distribuição a posteriori foram geradas 200.000 observações pelo al-
goritmo de Metropolis-Hasting, sendo descartadas as 20% primeiras, com uma taxa de
aceitação de aproximadamente 25%.
8
Este valor foi calculado pelo estimador modificado de média harmônica, através da
amostra gerada pelo algoritmo de Metropolis-Hasting (Geweke, 1999).

41
Schorfheide (2007) consideram que existe evidência a favor de um modelo com
rigidez de preços, em comparação com um modelo com preços (quase) flexı́veis,
baseados em um fator de Bayes de exp[49].
É interessante notar que os dados são bastante informativos em relação aos
parâmetros que determinam o comportamento das variáveis exógenas, uma
vez que os valores estimados são bem diferentes dos valores estipulados pelas
distribuições a priori. Compatı́vel com a literatura, a produtividade apresenta
uma persistência muito elevada (0,95), próxima a de um passeio aleatório. No
caso dos choques fiscais, os gastos em investimento do governo apresentam a
menor persistência (0,65). Isto pode estar refletindo o fato de que este tipo de
gasto no Brasil tenha um caráter mais discricionário do que no caso dos gastos
em consumo, devido ao elevado custo polı́tico de se alterar este ultimo.9 Em
termos de volatilidade, os choques de produtividade apresentam um desvio
padrão cerca de três vezes maior que os choques fiscais, sendo que os choques
sobre a tributação são aqueles com maior variância dentre os que determinam
a polı́tica fiscal.
O modelo com retornos constantes de escala estima uma elasticidade média
para o capital público na função de produção em torno de 0,08, o que implica
uma elasticidade para o capital privado de 0,32. Neste caso, o lucro econômico
representa 8% do PIB. Contudo, a média de θg é estimada com bastante in-
certeza em relação à distribuição a posteriori, com um intervalo de confiança
que inclui como limite inferior um valor próximo a zero. Porém, no caso do
modelo com retornos crescentes de escala este valor é maior, em torno de 0,17,
sugerindo que o capital público tem um impacto mais elevado no processo
produtivo. Esse valores são menores do que o estimado por Aschauer (1989)
9
Por exemplo, Calderón, Easterly e Servén (2003) calcularam que o ajuste fiscal feito no
Brasil, em resposta à crise da divida da década de 80, foi baseado em uma forte queda do
investimento público.

42
Tabela 3.2: Distribuição a posteriori

Retornos constantes de escala Retornos crescentes de escala


Média Moda Intervalo de confiança Média Moda Intervalo de confiança
ρz 0,9503 0,9546 [0,9176 ; 0,9863] 0,9414 0,9496 [0,9024;0,9821]
ρτ 0,7466 0,7555 [0,6272 ; 0,8651] 0,7437 0,7525 [0,6243;0,8622]
ρig 0,6555 0,6638 [0,5072 ; 0,8039] 0,6589 0,6638 [0,5121;0,8091]
ρcg 0,8722 0,881 [0,7970 ; 0,9434] 0,8709 0,8808 [0,8012;0,9459]
σz 0,0313 0,0307 [0,0261 ; 0,0361] 0,0303 0,0296 [0,0256;0,0354]
στ 0,0133 0,0129 [0,0111 ; 0,0153] 0,0134 0,0129 [0,0111;0,0154]
σig 0,0062 0,006 [0,0052 ; 0,0072] 0,0062 0,006 [0,0052;0,0072]
σcg 0,0108 0,0105 [0,0090 ; 0,0124] 0,0108 0,0105 [0,0090;0,0125]
θg 0,0785 0,0437 [0,0001 ; 0,1546] 0,1715 0,1652 [0,0413;0,2982]
γ 0,5091 0,5698 [0,1665 ; 0,8624] 0,506 0,5709 [0,1646;0,8660]
Dens. 571,10 573,02
marg.

para a economia americana (0,39) e Kamps (2004) para um painel de paı́ses


da OECD (0,31), e maiores do que o estimado por Otto e Voss (1998) para a
Austrália (0,06). Entretanto, cabe mencionar que nesses estudos não é usado
o método bayesiano de estimação de um modelo DSGE.
O parâmetro que mede a utilidade dada pelas famı́lias ao consumo do go-
verno apresenta média de 0,51, ou seja, para os agentes privados este tipo
de gasto do governo gera uma utilidade cerca de metade do que a utilidade
gerada pelo consumo privado.10 Assim como no caso anterior, este parâmetro
apresenta um intervalo de confiança bastante amplo. Este resultado é bas-
tante diferente do encontrado por McGrattan (1994) para os dados america-
nos, usando o método de máxima verossimilhança, onde não é possı́vel rejeitar
a hipótese de que este parâmetro é zero. Por outro lado, Aschauer (1985)
estima um valor em torno de 0,23, também para a economia americana.
10
Consideramos também a possibilidade de o consumo do governo gerar uma utilidade
maior que o consumo privado definindo γ ∈ (0; 2]. Os resultados foram virtualmente
idênticos.

43
3.4 Decomposição da variância

A Figura 3.1 apresenta a decomposição da variância do erro de previsão para


o produto e variáveis privadas, em um horizonte de um, cinco e dez anos, além
da variância assintótica, todas baseadas na moda da distribuição a posteriori.
Como os valores da moda são muito parecidos para as duas versões da função de
produção, exceto por θg , os resultados de decomposição são muito similares, de
modo que optamos por reportar somente os resultados do modelo com retornos
constantes de escala. No apêndice, encontra-se uma tabela com os resultados
para ambas as especificações.
De uma maneira geral, os choques de produtividade explicam a maior parte
dos movimentos no produto, consumo privado e investimento privado. Como
visto na sessão anterior, os choques de produtividade apresentam a maior per-
sistência e o maior desvio padrão dentre os choques estimados. Dada a simpli-
cidade do nosso modelo, é provável que outros tipos de choques (por exemplo,
investimento-especifico e monetário) estejam sendo considerados como choques
de produtividade.
No curto prazo (um ano), os choques na tributação explicam cerca de 18%
da variação no produto sendo que os gastos do governo somados explicam
apenas cerca de 1%. Assim, oscilações na produtividade explicam em torno
de 80% do produto em um perı́odo de um ano. Ao longo do tempo essa
participação cresce e diminui a importância dos choques na taxa de impostos.
Smets e Wouters (2007) também encontram que choques na produtividade
aumentam sua explicação no produto ao longo do tempo, uma vez que são
choques mais relacionados com o lado da oferta.
O consumo privado parece ser bastante afetado por choques no consumo
do governo, no curto prazo. Estes explicam mais de um quinto das oscilações
no consumo das famı́lias. Por exemplo, quando o governo resolve consumir

44
Figura 3.1: Decomposição da variância do erro de previsão - Retornos cons-
tantes de escala

produto consumo privado


100% 100%
90% 90%
80% 80%
70% 70%
60% cg 60% cg
50% ig 50% ig
40% 40%
τ τ
30% 30%
20%
z 20%
z
10% 10%
0% 0%
1 5 10 ∞ 1 5 10 ∞

investimento privado horas trabalhadas


100% 100%
90% 90%
80% 80%
70% 70%
60% cg 60% cg
50% ig 50% ig
40% 40%
τ τ
30% 30%
20%
z 20%
z
10% 10%
0% 0%
1 5 10 ∞ 1 5 10 ∞

mais, ele gera um efeito riqueza negativo, pois a utilidade gerada por este tipo
de gasto é menor do que a gerada pelo consumo privado, o que faz com que
as famı́lias diminuam o seu consumo.
Choques na tributação são a principal fonte de variação nas horas traba-
lhadas, sendo responsáveis por cerca de 80% dos movimentos desta variável,
no curto prazo. Isso se deve ao efeito distorcivo que a tributação exerce sobre a
oferta de trabalho das famı́lias. Também tem um papel bastante significativo
sobre o investimento privado, pois afeta diretamente a remuneração lı́quida do
capital alugado para as firmas. No perı́odo de um ano, em torno de 35% da
variação no investimento privado é explicada por choques nos impostos. No
modelo com retornos crescentes (vide apêndice) os choques no investimento do
governo têm um efeito cerca de dez vezes maior sobre o investimento privado
no longo prazo, se comparado ao modelo com retornos constantes. De fato,

45
como a moda de θg neste caso é mais elevada, é de se esperar um efeito maior
dos choques no investimento do governo, uma vez que o impacto de mudanças
no capital público sobre a produtividade marginal do capital privado é maior.

3.5 Análise de bem estar

3.5.1 Alterações na polı́tica fiscal

Seguindo McGrattan (1994)11 analisamos o ganho de bem estar de determina-


das polı́ticas públicas comparando a utilidade das famı́lias avaliada no steady
state (U ∗ ) com a utilidade que elas teriam caso houvessem mudanças nos va-
lores de steady state das variáveis públicas (U ∆ ). Para tal, utilizamos a moda
estimada de θg e γ, e os valores calibrados para os demais parâmetros. Seja

U ∗ = [lnc∗ − ψh∗ ]/[1 − β]

U ∆ = [lnc∆ − ψh∆ ]/[1 − β].

Definindo o ganho de bem estar em termos de variação percentual no con-


sumo (100κ)% das famı́lias, de maneira que esta fique indiferente entre as duas
situações, ou seja, fazendo

U ∆ = [ln(1 + κ)c∗ − ψh∗ ]/[1 − β]

temos que
11
O referido autor compara mudanças nas alı́quotas de impostos sobre o bem estar das
famı́lias.

46
κ = exp[(U ∆ − U ∗ )(1 − β)] − 1.

Valores positivos (negativos) de κ indicam ganho (perda) de bem estar.


A Tabela 3.3 apresenta o ganho de bem estar (GBE) calculado para três
exercı́cios hipotéticos:

1) Mudanças na composição do gasto público em relação ao PIB, isto é,


dada a taxa de tributação sobre a renda e as transferências, como uma al-
teração no investimento do governo as custas de uma alteração de igual mag-
nitude no consumo do mesmo afeta o bem estar das famı́lias.

2) Mudanças na alı́quota de impostos mantendo a parcela dos gastos públicos


em relação ao PIB, ou seja, as custas de alterações nas transferências.

3) Aumentos nos gastos públicos em proporção do PIB financiados por


aumentos na carga tributária/PIB.

O efeito de variações na composição do gasto público sobre o bem estar é


expressivo, e sua magnitude é bastante diferente para os dois modelos consi-
derados. Isto ocorre pois no modelo com retornos constantes a moda estimada
para θg é 0,044 ao passo que no modelo com retornos crescentes este valor é
de 0,165, ou seja, cerca de quatro vezes maior. Cabe lembrar também que os
valores calibrados para o fator de desconto e a elasticidade do capital privado
são diferentes para os dois modelos. Por exemplo, um aumento de 2 pontos
percentuais no investimento do governo/PIB (de 3,8% para 5,8%) acompa-
nhado de uma diminuição de mesma magnitude no consumo do mesmo (de
13,2% para 11,2%) gera um ganho de bem estar de 2,12% no primeiro caso e

47
Tabela 3.3: Ganho de bem estar (%) de alterações na polı́tica fiscal

∆ retornos constantes retornos crescentes


1) ig /y − 2%, cg /y + 2% -4,41 -24,52
ig /y − 1%, cg /y + 1% -1,73 -10,81
ig /y + 1%, cg /y − 1% 1,22 9,09
ig /y + 2%, cg /y − 2% 2,12 16,99
2) τ − 2%, tr/y − 2% 2,08 4,20
τ − 1%, tr/y − 1% 1,05 2,10
τ + 1%, tr/y + 1% -1,07 -2,10
τ + 2%, tr/y + 2% -2,16 -4,20
3) ig /y + 1%, τ + 1% -0,22 6,66
ig /y + 2%, τ + 2% -0,80 11,80
cg /y + 1%, τ + 1% -1,43 -2,23
cg /y + 2%, τ + 2% -2,87 -4,45

de cerca de 17% no segundo. Podemos ver que, apesar do consumo do governo


gerar utilidade para as famı́lias, aumentar a parcela do PIB destinada a este
gasto em detrimento do investimento gera uma perda de bem estar.
Como a tributação sobre a renda (τ ) tem um efeito distorcivo sobre a de-
cisão ótima dos agentes, uma diminuição na mesma gera um ganho de bem es-
tar, mesmo com uma diminuição de igual magnitude nas transferências (tr/y).
Assim como no caso anterior, este efeito é maior no modelo com retornos cres-
centes. Uma diminuição de 2 pontos percentuais na tributação (de 23,1%
para 21,1%) gera um aumento de bem estar entre 2,08% e 4,2%. A titulo de
comparação, Pereira e Ellery Jr. (2009) calcularam que uma diminuição da
tributação sobre o capital de 34,5% para 31% geraria um ganho de bem estar
de 3,71% em um modelo de economia aberta para o Brasil.
Aumentos no investimento público financiados por aumentos nos impos-
tos levam a um ganho de bem estar considerável no modelo com retornos
crescentes, mas possuem um efeito ligeiramente negativo no caso de retornos
constantes. Em outras palavras, mesmo que o aumento na tributação seja
usado em gastos que aumentam a produtividade da economia, temos que o
resultado é prejudicial em termos de bem estar, no caso com retornos constan-

48
tes. Por fim, uma elevação em gastos com consumo do setor público através de
uma carga tributária mais elevada geram uma perda de bem estar maior que
no caso em que o aumento na tributação é repassado para os consumidores via
transferências lump-sum. Este resultado pode estar associado ao fato de que o
consumo do governo gera uma utilidade cerca de metade do valor gerado pelo
consumo privado. Por exemplo, um aumento na carga tributária em 1 ponto
percentual gera uma perda de bem estar de 1,43% no primeiro caso e de 1,07%
no segundo, no modelo com retornos constantes.

3.5.2 Alocação ótima

Outra forma interessante de avaliar o bem estar das famı́lias é comparar o


resultado da economia descentralizada com a escolha ótima de um planejador
central.
Considere o modelo descrito na seção 3.2 em sua versão determinista, onde
o planejador central escolhe a seqüência de valores {cpt , cgt , kpt+1 , kgt+1 , ht }∞
t=0

de maneira a maximizar (3.1) sujeito a restrição de recursos da economia


cpt + cgt + ipt + igt ≤ yt . Neste caso, como γ estimado é menor do que um, e
cp e cg são substitutos perfeitos (não na razão de um para um), temos que o
gasto ótimo em consumo do governo é zero, pois o consumo privado gera maior
utilidade para as famı́lias e custa a mesma coisa em termos de produto.12 Já
os investimentos público e privado ótimos em proporção do produto no steady
state, bem como o consumo privado são, respectivamente,

ig θg δg
=
y δg + 1−β β

12
Uma outra possiblidade
P∞ de incluir o consumo do governo na função de utilidade seria
a especificação E0 t=0 β t [lncpt + γlncgt − ψht ], o que faria com que consumo do governo
ótimo fosse diferente de zero, caso γ > 0. Porém, neste caso não poderı́amos estimar γ, uma
vez que este desapareceria das condições de primeira ordem da economia descentralizada.

49
ip θp δp
=
y δp + 1−β β

cp θg δg θp δp
=1− 1−β
− .
y δg + β δp + 1−β β

Podemos ver que a razão investimento do governo/PIB ótima depende


positivamente do parâmetro associado à produtividade do capital público (θg )
e da taxa de depreciação do mesmo (δg ), e negativamente em relação à taxa de
desconto ( 1−β
β
). Quanto mais produtivo o capital do governo, maior o incentivo
que o planejador tem de alocar recursos para o investimento público, e quanto
maior a depreciação do mesmo, mais elevado tem que ser o investimento de
maneira que este se mantenha no seu valor de equilı́brio. Ao mesmo tempo,
quanto mais pacientes forem as famı́lias, mais elas estarão dispostas a sacrificar
o consumo presente pelo consumo futuro. Esta expressão é similar à calculada
por Turnovsky (2004), quando não considerado crescimento populacional. No
caso do investimento privado a expressão é análoga a do investimento público.
Finalmente, o que sobra em termos de produto é consumido pelas famı́lias.
De maneira análoga a seção 3.5.1, a Tabela 3.4 apresenta o ganho de bem
estar e os valores de ig /y, cg /y, cp /y e cg /y escolhidos pelo planejador central,
bem como os valores de steady state da economia descentralizada. É impor-
tante ter em mente que neste caso não só a composição do PIB é escolhida de
maneira ótima como não existe o efeito distorcivo da tributação.
No modelo com retornos constantes, o ganho de bem estar é de 24,7%.
Este valor é similar ao encontrado por McGrattan (1994) quando considerada
uma situação em que as taxas de impostos sobre o capital e o trabalho fossem
substituı́das por impostos lump-sum. Para o planejador central, o investimento
privado deveria ser cerca de 23% do PIB, ou seja, 5 pontos percentuais maior

50
Tabela 3.4: Ganho de bem estar - Planejador Central

GBE cg /y ig /y cp /y ip /y
Retornos constantes 24,7% 0,0% 2,6% 74,9% 22,5%
Retornos crescentes 101,4% 0,0% 8,6% 69,3% 22,1%
Dados (1950-2003) - 13,2% 3,8% 66,0% 17,0%

do que a média de 1950 a 2003. Apesar do investimento do governo no perı́odo


estar próximo do ótimo, o consumo do governo deveria ser nulo. Como expli-
cado anteriormente, isto se deve ao fato de o consumo do governo gerar uma
utilidade menor que o consumo privado. No modelo com retornos crescentes o
investimento público ótimo deveria ser em torno de 8,6% do PIB, o que faria
13
com que cerca de 30% do produto fosse poupado. O ganho de bem estar
nesse caso seria em torno de 100% . Novamente, esta diferença de resultados
é explicada em parte pela diferença de produtividade do capital público em
14
cada especificação.

3.6 Conclusão

Neste artigo utilizamos o método de estimação bayesiana para um modelo


DSGE com choques fiscais (tributação, consumo e investimento) e capital
público para o Brasil. Para tal, consideramos duas especificações para a função
de produção, uma com retornos constantes de escala e uma com retornos cres-
centes de escala. Os resultados da estimação ficaram muito parecidos para os
dois modelos, exceto para o parâmetro que mede a elasticidade do produto
13
Utilizando um modelo com retornos crescentes de escala similar ao nosso, Turnovsky
(2004) calcula que o investimento ótimo nos EUA deveria ser em torno de 9,7% do PIB
quando a elasticidade do capital publico na função de produção é calibrada no valor de 0,2.
14
Além disso, como κ depende do fator de desconto, e β = 0, 92 no modelo com retornos
crescentes, o ganho de bem estar é maior. Por exemplo, assumindo o mesmo fator desconto
do caso com retornos constantes, ou seja, β = 0, 94, o ganho de bem estar se reduz para
cerca de 67%.

51
em relação ao capital público na função de produção. Este apresentou um
valor médio de 0,08 para a especificação com retornos constantes de escala e
um valor médio de 0,17 para a especificação com retornos crescentes de es-
cala. Entretanto, o valor da densidade marginal da distribuição a posteriori
foi praticamente o mesmo para as duas especificações, de maneira que não foi
possı́vel determinar qual modelo se ajusta melhor aos dados.
A utilidade associada pelas famı́lias ao consumo do governo foi estimada
como correspondendo à metade da utilidade associada ao consumo privado.
Os choques fiscais mostraram-se persistentes ao longo do tempo, sendo que
o investimento público/PIB apresentou a menor persistência. Entretanto, o
desvio padrão estimado para os choques fiscais foi relativamente pequeno se
comparado ao desvio padrão dos choques de produtividade, sugerindo que es-
tes não poderiam ser os principais causadores dos ciclos econômicos. De fato,
como comprovado pela decomposição da variância, os choques de produtivi-
dade explicam a maior parte dos movimentos no produto, consumo privado
e investimento privado. Entretanto, os choques na taxa de impostos são os
que mais contribuem para a variação nas horas trabalhadas e têm um pa-
pel bastante significativo sobre o investimento privado. Além disso, choques
no consumo do governo ajudam a explicar mais de 20% dos movimentos no
consumo das famı́lias, no perı́odo de um ano.
A análise de bem estar demonstrou que aumentar o investimento do go-
verno através de uma diminuição no consumo do mesmo gera um ganho de
bem estar considerável, mas a magnitude deste valor depende bastante da
especificação considerada para a função de produção. Reduções na taxa de
impostos também levam a uma melhora na utilidade das famı́lias, mesmo com
uma diminuição de igual magnitude nas transferências. Um aumento do in-
vestimento público financiado por uma elevação na carga tributária tem efeito

52
ligeiramente negativo para o modelo com retornos constantes, e bastante po-
sitivo para o modelo com retornos crescentes, ao passo que um aumento do
consumo do governo via aumento dos tributos gera uma perda de utilidade, nos
dois casos. Em relação ao ótimo de Pareto, a economia descentralizada gera
uma perda de bem estar de cerca de 25% a 100%, dependendo dos retornos
de escala considerados.
Em suma, os resultados da decomposição da variância não foram sensı́veis
em relação à função de produção utilizada, mas os resultados da análise de
bem estar foram bastante distintos, não tanto em termos qualitativos, mas
em termos quantitativos. De uma maneira geral, estes apontaram para uma
mudança na composição do gasto público em favor do investimento e uma dimi-
nuição na carga tributária. Mesmo assim, qualquer recomendação de polı́tica
pública seria precipitada antes que um estudo mais detalhado seja feito sobre
os retornos de escala da função de produção que considera o capital público e
privado como insumos separados.

53
Bibliografia

[1] Ambler, S., e Paquet, A. (1996) “Fiscal spending shocks, endogenous go-
vernment spending, and real business cycles.” Journal of Economic Dy-
namics and Control, 20, 237-56.

[2] Araújo Jr., E. A. (2009) “Investment-Specific Shocks and Real Business


Cycle in Emerging Economies: Evidence from Brazil.” XXXI Encontro
Brasileiro de Econometria, 2009, Foz do Iguaçu.

[3] Aschauer, D. (1985) “Fiscal Policy and Aggregate Demand.” American


Economic Review, vol. 75, No. 1 (Mar., 1985), pp. 117-127

[4] Aschauer, D. (1989), “Is public expenditure productive?” Journal of Mo-


netary Economics, 23, p. 177-200.

[5] Barro, R. (1981), “Output Effects of Government Purchases.” Journal of


Political Economy, Vol. 89, No. 6 (Dec., 1981), pp. 1086-1121.

[6] Barro, R. (1990), “Government spending in a simple model of endogenous


growth.” Journal of Political Economy, v. 98, p.103-125.

[7] Barro, R., and X. Sala-i-Martin (1992), “Public Finance in Models of


Economic Growth.” Review of Economic Studies, 59, 645-662.

[8] Baxter, M. and King, R.G. (1993) “Fiscal policy in general equilibrium.”
American Economic Review, 83, 315-34.

54
[9] Calderón, C.; Easterly, W. e Servén, L.(2003) “Latin America’s infrastruc-
ture in the era of macroecenomic crises.” em The limits of Stabilization:
Infrastructure , Public Deficits and growth in Latin America, Stanford
University Press.

[10] Carvalho, F. A., e Valli, M. O “An Estimated DSGE Model with Govern-
ment Investment and Primary Surplus Rule: The Brazilian Case.” XXXII
Encontro Brasileiro de Econometria, 2010, Salvador.

[11] Cooley, T. F., Prescott, E. C. (1995) “Economic growth and business


cycle.” Cooley, T. F. (ed.). Frontiers of business cycle research. Princeton
University Press.

[12] DeJong, D. N. e Dave, C. Structural Macroeconometrics. Princeton, NJ:


Princeton University Press; 2007.

[13] Ferreira, P. C. e Malliagros, T. (1998) “Impactos produtivos da infra-


estrutura no Brasil - 1950/95.” Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28,
n.2, p.315-338.

[14] Gomes, V.; Pessoa, S., Veloso, F. (2003) “Evolução da produtividade total
dos fatores na economia brasileira: uma análise comparativa.” Pesquisa
e Planejamento Econômico, v.33, p.389-434.

[15] Geweke, J. (1999) “Using simulation methods for bayesian econometric


models: inference, development and communication.” Econometric Revi-
ews, 18(1):1–126.

[16] Gouvea, S.; Minella, A.; Santos, R.; Souza-Sobrinho, N. (2008) “Samba:
Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach.” Manuscrito
Banco Central, Setembro, 2008

55
[17] Hansen, G.D. (1985), “Indivisible Labor and the Business Cycle.” Journal
of Monetary Economics, 16, 309-327.

[18] Kamps, C. (2004), “The Dynamic Macroeconomic Effects of Public Ca-


pital: Theory and evidence for OECD countries.” Springer.

[19] Lansing, K.J. (1998). “Optimal Fiscal Policy in a Business Cycle Model
with Public Capital.” Canadian Journal of Economics, 31.

[20] Lucas, R. E., Jr. (1976). “Econometric Policy Evaluation: A Critique.”


Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy, vol. 1, p. 19-46.

[21] McGrattan, E.R. (1994) “The macroeconomic effects of distortionary ta-


xation.” Journal of Monetary Economics, 33, 559-71.

[22] Morandi, L., Reis, E. J. (2003) “Estimativa do estoque de capital fixo-


Brasil, 1950-2000.” Rio de Janeiro: IPEA, nov. 2003, mimeo.

[23] Mussolini, C.C., Teles, V. K. (2010) “Infraestrutura e produtividade no


Brasil.” Revista de Economia Polı́tica, 30, 4.

[24] Otto, G. e Voss, G. M. (1998) “Is Public Capital Provision Efficient?”


Journal of Monetary Economics, 42: 47–66.

[25] Pereira, F. M. e Ellery Jr., R. G. (2009) “Sistema tributário, economia


aberta e bem-estar social.” XXXVII Encontro Nacional de Economia,
2009, Salvador.

[26] Ramsey, F. P. (1928) “A mathematical theory of saving.” Economic Jour-


nal, vol. 38, no. 152, pages 543–559.

[27] Silva, F. S., e Portugal, M. S. (201O) “Impacto de Choques Fiscais na


Economia Brasileira: Uma Abordagem DSGE.” XXXII Encontro Brasi-
leiro de Econometria, 2010, Salvador.

56
[28] Sims, C. A. (1996) “Macroeconomics and Methodology.” The Journal of
Economic Perspectives, Vol. 10, 1, 105-120.

[29] Sungbae, A. e Schorfheide, F. (2007) “Bayesian Analysis of DSGE Mo-


dels.” Econometric Reviews, 26, 113-172.

[30] Smets, F. and Wouters, R. (2007) “Shocks and Frictions in US Business


Cycles: A Bayesian DSGE Approach.” American Economic Review, 97,
No. 3.

[31] Solow,R. M. (1956) “A Contribution to the Theory of Economic Growth.”


Quarterly Journal of Economics 70, no. 1: 65-94.

[32] Turnovsky, S. J. (2004) “The Transitional Dynamics of Fiscal Policy:


Long-Run Capital Accumulation and Growth.” Journal of Money, Credit
and Banking, Vol. 36, No. 5, pp. 883-910.

[33] Villaverde, J. F. (2009) “The Econometrics of DSGE Models.” NBER


Working Paper Series, w14677.

57
Apêndice

Figura 3.2: Distribuição a posteriori - Retornos constantes de escala

SE_e_z SE_e_tau SE_e_ig

100 200 500

0 0 0
0.010.020.030.040.05 0.010.020.030.040.05 0.010.020.030.040.05
SE_e_cg rhoz rhotau
400 20
5

200 10

0 0 0
0.010.020.030.040.05 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0.2 0.4 0.6 0.8 1
rhoig rhocg thetag

4
5 5
2

0 0 0
0 0.5 1 0.2 0.4 0.6 0.8 1 -0.2 0 0.2 0.4

58
gamma
2

0
0 0.5 1

Figura 3.3: Distribuição a posteriori - Retornos crescentes de escala

SE_e_z SE_e_tau SE_e_ig

100 500
200

0 0 0
0.010.020.030.040.05 0.010.020.030.040.05 0.010.020.030.040.05
SE_e_cg rhoz rhotau
400
5

200 10

0 0 0
0.010.020.030.040.05 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0.2 0.4 0.6 0.8 1
rhoig rhocg thetag
5
4
5
2

0 0 0
0.2 0.4 0.6 0.8 1 0.2 0.4 0.6 0.8 1 -0.2 0 0.2 0.4 0.6

59
gamma
2

0
0 0.5 1

60
Tabela A1: Decomposição da variância do erro de previsão (%)

Retornos constantes de escala Retornos crescentes de escala


variável perı́odo z τ ig /y cg /y z τ ig /y cg /y

y 1 81 17,76 0,48 0,76 80,07 18,96 0,14 0,84


5 88,44 10,7 0,3 0,55 86,39 11,44 1,56 0,6
10 92,4 6,95 0,24 0,41 89,73 7,32 2,5 0,45
∞ 96,11 3,51 0,15 0,23 94,28 3,22 2,27 0,23

cp 1 75,89 0,94 0,98 22,19 75,01 1,07 0,28 23,65


5 86,09 5,06 0,24 8,61 85,26 6,09 0,36 8,29
10 90,98 4,27 0,12 4,63 89,44 5,12 1,38 4,05
∞ 96,06 1,93 0,08 1,92 94,72 2,08 1,86 1,34

ip 1 63,57 35,79 0,58 0,06 60,32 36,79 2,81 0,07


5 76,07 23,59 0,28 0,05 73,68 24,08 2,16 0,08
10 80,52 19,13 0,3 0,05 77,99 18,64 3,3 0,07
∞ 84,02 15,67 0,27 0,04 83,12 13,77 3,05 0,06

h 1 17,54 77,07 2,1 3,3 16,39 79,51 0,59 3,51


5 19,03 73 2,62 5,34 17,74 73,76 2,88 5,63
10 18,89 71,88 2,74 6,49 17,54 72,15 3,52 6,8
∞ 22,16 68,63 2,62 6,6 21,86 67,88 3,48 6,79

61
Capı́tulo 4

Polı́tica Fiscal, Dı́vida Pública e


Crescimento Econômico

Resumo

Este artigo desenvolve um modelo de gerações sobrepostas e crescimento


endógeno com dı́vida pública, onde o governo pode alocar seus gastos de dife-
rentes formas. Assim, para aumentar a parcela de gastos em saúde, educação
ou infraestrutura como proporção da renda o governo tem de se endividar.
Os resultados indicam que os efeitos dos gastos produtivos do governo sobre
o crescimento dependem do tamanho da dı́vida, da carga tributária, e do su-
perávit primário, podendo ocorrer um cenário com equilı́brios múltiplos. Além
disso, as principais conclusões do modelo teórico foram testadas a partir de
um modelo econométrico para um painel de 74 paı́ses, provendo evidências da
validade do argumento teórico. A variável que mais influencia o impacto dos
gastos produtivos sobre o crescimento econômico é a dı́vida pública. A análise
empı́rica considerou os problemas de endogeneidade dos regressores e a possi-
bilidade de haver heterogeneidade nos parâmetros, bem como dependência em
cross-section.

62
4.1 Introdução

Há uma vasta literatura que busca investigar as relações entre a polı́tica fis-
cal e o crescimento econômico. Diversos trabalhos têm encontrado evidências
empı́ricas de que uma alocação dos gastos públicos em prol de gastos conside-
rados produtivos, como em educação, saúde, transportes e comunicações, afeta
positivamente o crescimento econômico (p. ex. Kneller et al., 1999; Gupta et
al., 2005; Easterly e Rebelo, 1993). Para os casos especı́ficos da América Latina
e do Brasil, existem evidências de que aumentos nos gastos em infraestrutura
afetam positivamente o produto de longo prazo e a produtividade total dos
fatores (e.g. Calderón e Servén, 2003; Ferreira, 1996; Ferreira e Malliagros,
1998; Mussolini e Teles, 2010).
Ao mesmo tempo, outros trabalhos teóricos demonstram que o tama-
nho da dı́vida pública pode afetar o crescimento negativamente (Saint-Paul,
1992; Bräuninger, 2005). Estes trabalhos utilizam um arcabouço onde os
gastos públicos são em consumo, que são considerados improdutivos. O pre-
sente estudo estende estes modelos relacionando dı́vida pública e crescimento
econômico em um arcabouço onde o governo pode alterar a composição dos
gastos públicos entre gastos com consumo e gastos considerados produtivos,
como em infraestrutura, educação e saúde, que podem afetar o produto mar-
ginal do capital privado. Particularmente, será considerado o caso onde o
governo aumenta os seus gastos produtivos através de maior endividamento.
Assim, o propósito do presente artigo é lançar luz sobre a relação entre os
gastos produtivos do governo, dı́vida pública e crescimento econômico.
Diversos trabalhos apresentam modelos onde os gastos públicos afetam o
crescimento em um arcabouço de crescimento endógeno (e.g. Barro, 1990; De-
varajan et. al., 1996; Glomm e Ravikumar, 1997; Chen, 2006), onde o efeito
de tais gastos varia de acordo com a natureza dos gastos, da sua composição

63
e do tamanho da carga tributária. No presente artigo mostramos que tais
conclusões podem mudar se trabalharmos em um ambiente com possibilidade
de endividamento público. Nesse sentido, mostramos que a inclusão de endi-
vidamento torna possı́vel a existência de equilı́brios múltiplos, de forma que
a magnitude do efeito de um aumento dos gastos produtivos no crescimento
depende do tamanho da razão dı́vida-PIB.
Estas questões são de clara importância para o desenvolvimento de polı́ticas
públicas dos paı́ses uma vez que o senso comum tem sido na direção que um
aumento de gastos produtivos é suficiente para aumentar o crescimento. Um
exemplo disso é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) engendrado
pelo governo brasileiro com o objetivo de alavancar o crescimento econômico.
Os resultados do modelo aqui desenvolvido mostram quais as limitações de tal
tipo de polı́tica, e como potencializar seus resultados.
Na segunda parte do artigo estimamos a equação de crescimento fornecida
pelo modelo teórico para uma amostra de 74 paı́ses, utilizando dados anuais
de 1972 a 2004. Os resultados mostraram que a não inclusão das interações
dos gastos produtivos com a dı́vida, o superávit primário e a carga tributária,
podem gerar um viés na estimação do impacto dos gastos produtivos sobre
o crescimento econômico, corroborando as implicações do modelo teórico. Os
resultados se mostraram robustos quando considerados os problemas de endo-
geneidade das variáveis fiscais, heterogeneidade dos parâmetros e dependência
em cross-section.
O artigo segue organizado da seguinte maneira. Na próxima seção desenvol-
vemos o modelo teórico, onde os gastos do governo podem ser financiados com
dı́vida, além da tributação. Na seção 3, estimamos um modelo econométrico
baseado na equação de crescimento do modelo teórico, de maneira a testar as
predições do mesmo. Finalmente, as conclusões são apresentadas na seção 4.

64
4.2 Modelo Teórico

Nesta seção, será desenvolvido um modelo simples de gerações sobrepostas


e crescimento econômico endógeno, onde os gastos públicos podem afetar a
produtividade da economia. O modelo é uma extensão de Barro (1990) e
Glomm e Ravikumar (1997) onde o governo pode se endividar para aumentar
os seus gastos produtivos.

4.2.1 Indivı́duos

Considere um modelo de gerações sobrepostas em que cada geração vive por


dois perı́odos e é formada por um continuum de indivı́duos idênticos no inter-
valo [0, 1]. A função de utilidade de um agente nascido no perı́odo t = 0, 1, ...
é dada por
U = lnctt + βlnctt+1 (4.1)

onde cti é o consumo no perı́odo i do indivı́duo nascido em t e 0 < β < 1.


A geração inicial de velhos é dotada de k0 unidades de capital. As gerações
posteriores são dotadas de uma unidade de trabalho. Os jovens da geração t
têm as seguintes restrições

ctt + stt ≤ (1 − τ )wt , (4.2)

ctt+1 ≤ (1 + rt+1 )stt , (4.3)

(ctt , ctt+1 ) ≥ 0, (4.4)

onde stt = kt+1 + dt+1 é a poupança e dt são os tı́tulos públicos em poder dos
agentes privados. Cada jovem no perı́odo inicial de sua vida toma o salário
wt , a taxa de juros rt+1 e a taxa de impostos τ como dados ao ofertarem
uma unidade de trabalho (inelasticamente) para as firmas em troca de wt . No

65
segundo perı́odo, o indivı́duo não trabalha e tem como renda a sua poupança
acrescida dos juros.

4.2.2 Firmas

Existe uma firma representativa, que busca maximizar o lucro em um ambiente


de competição perfeita e possui função de produção dada por

yt = Azt1−α ktα (4.5)

onde yt é o produto, zt são os gastos produtivos do governo, ou seja, gastos


que afetam o produto marginal do capital, e kt é o estoque de capital alugado
pela firma que segue a lei de acumulação kt+1 = (1 − δ)kt + it , onde δ é a taxa
de depreciação e it é o investimento. Por simplicidade, vamos assumir que
δ = 1. Essa função de produção é idêntica à de Barro (1990) se assumirmos
que a oferta de trabalho é igual ao tamanho da geração de jovens, ou seja, um.
Por sua vez, o governo delimita a quantidade de gastos produtivos como uma
parcela do produto agregado

zt = xyt (4.6)

onde x é a parcela da produção destinada a gastos produtivos. Usando


(4.6) em (4.5) temos que,

1 1−α
yt = A α x α kt (4.7)

Assim, a função de produção da economia exibe retornos marginais cons-


tantes para o capital, apesar de que para a firma os retornos sejam decrescen-
tes. Isso ocorre por causa da externalidade dos gastos produtivos do governo.
A firma não percebe que ao aumentar o estoque de capital, e consequente-

66
mente o produto, ocorre um aumento do gasto produtivo do governo e, por
consequência, uma elevação do produto marginal do trabalho e do capital.

4.2.3 Governo

O governo gasta uma proporção fixa 0 < g < 1 do produto em seu consumo,
além da parcela x e cobra uma taxa de impostos τ sobre a renda dos jovens.
Além disso, ele toma emprestado recursos do setor privado no periodo t emi-
tindo tı́tulos dt+1 que pagam uma remuneração de rt+1 no perı́odo seguinte,
sendo que d0 = 0. Assim, a evolução da dı́vida do governo é dada pelo déficit
primário (g + x)yt − τ wt somado ao pagamento do serviço da dı́vida rt dt

dt+1 − dt = rt dt + (g + x)yt − τ wt (4.8)

Para que o governo atenda à sua restrição orçamentária temos de assumir


que algum componente do orçamento do governo é endógeno, servindo como
variável de ajuste. Dessa forma, vamos assumir que o governo sempre ajusta o
seu endividamento para satisfazer sua restrição orçamentária. Isso é relevante
pois estamos assumindo que toda a vez que o governo resolve aumentar seus
gastos ele decide, em paralelo, aumentar o seu endividamento. No nosso caso
de interesse, que são os gastos produtivos do governo, teremos que estes au-
mentam o produto por elevar a produtividade, porém o seu aumento implica
em um déficit maior, de forma que os gastos produtivos têm um efeito limitado
sobre a economia pois são financiados por aumentos na dı́vida pública.

4.2.4 Equilı́brio Competitivo

Dado k0 , um equilı́brio competitivo para esta economia é uma sequência de


alocações {kt+1 , dt+1 , yt , ctt , ctt+1 , stt }∞ ∞
t=0 e preços {wt , rt }t=0 tal que

67
(i) Dados wt e rt+1 a alocação (ctt , ctt+1 , stt ) resolve o problema de maxi-
mização do jovem da geração t,
(ii) Dados wt e rt a alocação (yt , kt ) resolve o problema de maximização da
firma representativa,
(iii) stt = kt+1 + dt+1 ,
(iv) yt = ctt + ctt−1 + kt+1 + gyt + xyt .
A solução do problema de otimização do jovem no perı́odo t resulta em

stt = β(1 − τ )wt /(1 + β) (4.9)

A maximização de lucro das firmas leva a

∂yt
= αAzt1−α ktα−1 = rt
∂kt

Substituindo (4.6) e (4.7) nesta equação temos que,

1 1−α
rt = αA α x α (4.10)

e, dado que a tecnologia exibe retornos constantes de escala nos fatores priva-
dos não existe lucro econômico, logo

∂yt
yt − kt = (1 − α)Azt1−α ktα−1 = wt
∂kt

e de maneira análoga
1 1−α
wt = (1 − α)A α x α kt (4.11)

Assim, como os gastos produtivos do governo afetam a produtividade da


economia, eles naturalmente afetam também a taxa de juros e os salários. Uma
vez que o presente modelo é do tipo AK, a taxa de crescimento da economia é

68
igual a taxa de crescimento do capital, logo a poupança s afeta o crescimento
no longo prazo. A equação (4.9) mostra que choques no salário de equilı́brio
implicam em uma maior poupança, e a equação (4.11) deixa claro que choques
nos gastos produtivos do governo x aumentam o salário. Assim, aumentos
nos gastos produtivos implicam em choques de produtividade permanentes
e em um aumento do salário. Isso produz um aumento da poupança, do
investimento, e do subsequente crescimento econômico.
Note em (4.9) porém, que o aumento da poupança e, logo, do crescimento
depende negativamente de τ , pois este diminui o ganho lı́quido do aumento da
produtividade. Esse resultado é o mesmo obtido em Barro (1990) e Glomm e
Ravikumar (1997).
Usando (4.7),(4.8),(4.10) e (4.11) na equação (4.9), e após algumas mani-
pulações algébricas temos que a taxa de crescimento do capital é dada por

kt+1 − kt β 1 1−α 1 1−α 1 1−α dt


= −1+ (1−τ )(1−α)A α x α −(g+x−(1−α)τ )A α x α −(1+αA α x α )
kt 1+β kt
(4.12)
dt
A princı́pio vamos assumir que há equilı́brio estável na economia, ou seja, kt

é constante. Neste caso, a equação (4.12) nos informa a dinâmica de equilı́brio


do capital, e consequentemente do produto. No lado direito da equação há
três componentes que nos mostram os caminhos pelos quais um aumento dos
gastos produtivos do governo afetam o crescimento.
A primeira parte da equação mostra que um aumento em tais gastos au-
menta o crescimento, refletindo o seu impacto sobre a produtividade da eco-
nomia, aumentando a poupança agregada e o crescimento econômico. Mais
uma vez é possı́vel notar que o tamanho deste efeito depende negativamente
do tamanho da carga tributária.

69
O segundo componente da equação se tornaria zero quando o déficit primário
em relação ao PIB (g + x − (1 − α)τ ) fosse zero. E mostra que o efeito marginal
dos gastos produtivos do governo depende do déficit primário. Isso mostra que
quando o governo aumenta os gastos produtivos, como em educação, infraes-
trutura ou saúde, isso tem um componente perverso sobre o crescimento uma
vez que aumenta o endividamento do governo e reduz a poupança destinada ao
investimento privado. Note que no caso em que o governo esteja gerando um
superávit primário em relação ao PIB o efeito marginal desta polı́tica sobre o
crescimento é menor, pois diminui o superávit, e portanto, o abatimento da
dı́vida.
O terceiro componente da equação reproduz o impacto indireto dos gastos
produtivos do governo sobre o endividamento, e, logo, sobre o crescimento.
Uma vez que aumentos em x elevam a taxa de juros, e o governo paga juros no
serviço da dı́vida, um aumento dos gastos produtivos têm um efeito sobre os
custos da dı́vida, elevando indiretamente a taxa de endividamento do governo.
Assim, quanto maior for o tamanho da dı́vida pública, mais perversa será esta
relação, e menor será o efeito marginal dos gastos produtivos no crescimento.
Os modelos com equilı́brio orçamentário, como em Barro (1990) e Glomm
e Ravikumar (1997), têm como resultado apenas a primeira parte da equação.
No nosso caso, ao incluir a possibilidade de endividamento do governo, vemos
que há a necessidade de levar em consideração o tamanho da dı́vida e do déficit
primário do governo ao avaliar os impactos dos gastos produtivos do governo
no crescimento econômico.
Dessa forma, a magnitude do impacto de um aumento dos gastos produ-
tivos sobre o crescimento econômico depende do tamanho do déficit primário,
da carga tributária e da dı́vida pública. Em outras palavras, é mais provável
que um aumento de gastos em infraestrutura, educação e saúde, ou quaisquer

70
outros gastos produtivos, impulsionem o crescimento em economias onde o
tamanho improdutivo do governo e a relação dı́vida-PIB sejam menores.
Para verificar se há equilı́brio de steady-state na economia e caracterizá-lo
temos de verificar a dinâmica da dı́vida. Assim, substituindo (4.7), (4.10) e
(4.11) em (4.8) e dividindo por dt temos,

dt+1 − dt 1 1−α 1 1−α kt


= αA α x α + (g + x − (1 − α)τ )A α x α (4.13)
dt dt

Assim, para que as taxas de crescimento de kt e de dt sejam constantes,


ou seja, haja um equilı́brio, é necessário que a relação dt /kt seja constante, ou
seja, que kt+1 /kt = dt+1 /dt . Igualando as equações (4.12) e (4.13) temos uma
equação quadrática na razão dı́vida capital de equilı́brio, cuja solução é dada
por

β 1 1−α √
d [ 1+β (1 − τ )(1 − α) − α − (g + x − (1 − α)τ )]A α x α −1± H
= 1 1−α
k 2[1 + αA α x α ]

β 1 1−α
H ≡ {[ (1 − τ )(1 − α) − α − (g + x − (1 − α)τ )]A α x α − 1}2
1+β
1 1−α 1 1−α
− 4[1 + αA α x α ][(g + x − (1 − α)τ )A α x α ]

Assim, se a solução acima possuir pelo menos uma raiz real, há equilı́brio
de steady-state. Naturalmente, a existência de equilı́brio depende dos valores
dos parâmetros do modelo, e assim como demonstrado exaustivamente em
Bräuninger (2005), o equilı́brio nem sempre será obtido para valores plausı́veis
dos parâmetros.
Na Figura (4.1), onde k̂ e dˆ são as taxas de crescimento do capital e da

71
Figura 4.1: Estabilidade do Equilı́brio

kˆ, dˆ

d
k

dı́vida, as equações (4.12) e (4.13) são plotadas em um exemplo onde assumi-


mos que as duas raı́zes são reais e positivas e (g + x − (1 − α)τ ) > 0.
De acordo com a Figura (4.1) temos um resultado com dois equilı́brios, onde
o primeiro, caracterizado por uma baixa razão dı́vida-capital, e logo, baixa
dı́vida-PIB, e alto crescimento econômico é localmente estável e o segundo,
caracterizado por baixo crescimento e elevada razão dı́vida-PIB é instável.
Na Figura (4.2) avaliamos a situação onde em uma economia que se en-
contra em equilı́brio há um aumento de gastos do governo improdutivos (g).
Neste caso, a curva do crescimento do capital se desloca para baixo e a de
crescimento da dı́vida para cima. Se a economia estiver inicialmente em uma
situação de equilı́brio estável com alto crescimento isso implica em uma queda
do crescimento econômico de steady-state e aumento da razão dı́vida-PIB.
Em uma situação extrema de aumento excessivo de gastos improdutivos as

72
Figura 4.2: Aumento dos Gastos Improdutivos do Governo (g)

kˆ, dˆ

d
k

73
Figura 4.3: Aumento dos Gastos Produtivos do Governo (x)

kˆ, dˆ k̂


d
k

74
duas curvas não se cruzam mais, o que significa que a taxa de crescimento da
dı́vida seria maior que a da economia, implicando em um aumento explosivo
da dı́vida e um colapso absoluto da economia. Esse seria o caso onde não ha-
veria equilı́brio de steady-state. Este resultado é basicamente o mesmo obtido
por Bräuninger (2005).
Porém o caso que estamos mais interessados e que o presente artigo visa
fornecer alguma contribuição é o de aumentos de gastos produtivos do governo.
dt
Diferenciando a equação (4.12) em relação a x com kt
constante, temos que

∂ k̂ 1 1 − α 1−2α β dt 1 1−α
= Aα { x α [ (1 − τ )(1 − α) − (g − (1 − α)τ ) − α ] − x α }
∂x α 1+β kt α
(4.14)
, ou seja, o crescimento do capital pode aumentar ou diminuir dependendo
do valor dos parâmetros. Neste caso, a curva k̂ muda de inclinação como
mostra a Figura (4.3). Igualando a equação (4.14) a zero e fazendo algumas
manipulações algébricas chegamos ao valor crı́tico xc ,

β dt
xc = (1 − α)[ (1 − τ )(1 − α) − (g − (1 − α)τ ) − α ]. (4.15)
1+β kt

Assim como em Barro (1990) e Glomm e Ravikumar (1997), existe um


tamanho ótimo de gastos produtivos do governo em relação ao PIB que maxi-
miza a taxa de crescimento da economia. Caso x esteja abaixo (acima) deste
valor, um aumento do mesmo tem um efeito positivo (negativo) sobre o cresci-
mento. Contudo, diferentemente do resultado dos referidos autores, este valor
não é igual ao parametro de produtividade do gasto público (1 − α).1 Isso
acontece pois estamos considerando que apenas uma parte da arrecadação do
1
Considerando g = 0 e d = 0 em (4.12), ou seja x = τ , é facil mostrar que xc = (1 − α)

75
governo se transforma em gastos produtivos, assim, xc é menor do que (1 − α)
2
. No caso em que a economia está em steady-state este será o mesmo valor
para que ela se mova e continue em equilı́brio.
De acordo com a equação (4.15) nota-se que este x crı́tico depende de
diversos parâmetros da economia. É possı́vel ver, por exemplo, que em paı́ses
onde os agentes são mais pacientes, maior o β, e onde a produtividade dos
gastos do governo (1 − α) é mais elevada o x crı́tico é maior. Por outro lado,
paı́ses onde o governo tem um gasto improdutivo g maior ou uma relação
dı́vida-capital alta o x crı́tico é menor. Em relação a taxa de impostos, o
efeito depende dos parâmetros da economia.
Obviamente, a taxa de crescimento econômico de equilı́brio dependerá
também do deslocamento da curva de crescimento da dı́vida. De maneira
dt
análoga, diferenciando a equação (4.13) em relação a x com kt
constante e
assumindo novamente (g + x − (1 − α)τ ) > 0, temos que

∂ dˆ 1 − α 1 1−2α kt 1 1−α kt
= A α x α [α + (g + x − (1 − α)τ ) ] + A α x α >0 (4.16)
∂x α dt dt

, ou seja, o crescimento da dı́vida aumenta com uma elevação em x. Assim,


na Figura (4.3), a curva dˆ se desloca para cima.
Nesse exemplo, no caso em que a economia se encontra no steady-state
estável, o crescimento econômico pode aumentar, assim como a razão dı́vida-
PIB. Isso ocorre porque o custo fiscal de se aumentar esse tipo de gastos
ainda é pequeno diante dos ganhos de produtividade proporcionados. Como
consequência, a economia ainda tem o fôlego fiscal necessário e uma polı́tica
desse tipo é bem sucedida. Entretanto, se a economia estiver inicialmente
no equilı́brio com alta relação dı́vida-PIB, a taxa de crescimento da dı́vida
β
2
Isto é valido caso [ 1+β (1 − τ )(1 − α) − (g − (1 − α)τ ) − α kdtt ] ∈ (0, 1).

76
passa a exceder a taxa de crescimento do capital, implicando em um aumento
explosivo da dı́vida.
Há pelo menos duas conclusões importantes que extraı́mos deste modelo.
A primeira é que, ao contrário dos modelos até então desenvolvidos, como
Saint-Paul (1992) e Bräuninger (2005), aumentos da relação dı́vida-PIB po-
dem estar atrelados a aumentos de taxas de crescimento em determinadas
circunstâncias. A segunda é que o efeito marginal dos gastos produtivos,
como em infraestrutura, educação e saúde, sobre o crescimento depende do su-
perávit primário do governo, da carga tributária e do tamanho de sua dı́vida.
Logo, as especificações econométricas utilizadas até então, que ignoram essas
não-linearidades, para verificar os efeitos dessas polı́ticas sobre o crescimento,
podem conter viés de variáveis omitidas.

4.3 Evidências Empı́ricas

O modelo teórico prevê que a relação entre crescimento econômico e gastos


produtivos do governo depende negativamente da dı́vida pública, da carga
tributária e do déficit primário. A princı́pio, se estas conclusões estiverem cor-
retas, a estimação de modelos de crescimento que dependem de gastos públicos
e que não levam em conta tais iterações, estará apresentando problema de viés
de variáveis omitidas. Nesta seção, um modelo empı́rico será sugerido para
fornecer algumas evidências da validade destas conclusões.
Diversos problemas empı́ricos delineados em econometria de crescimento
serão considerados a fim de prover evidências adequadas. Em especial, é ne-
cessário considerar os prováveis problemas de heterogeneidade dos parâmetros,
dependência em cross-section, endogeneidade e o efeito não-observado cons-
tante no tempo de cada paı́s (Durlauf et al. 2005, Bond et al. 2010).
Em certo sentido, a própria natureza não-linear do modelo incluindo in-

77
terações das variáveis chave já pode resolver grande parte da heterogeneidade
dos parâmetros, se o modelo teórico estiver correto. Porém, é provável que
outros aspectos institucionais, como corrupção e burocracia, possam afetar o
coeficiente de gastos produtivos na equação de crescimento. Assim, seguindo
a mesma estratégia adotada por Lee et al. (1997) e Bond et al. (2010) em
regressões de crescimento com um painel semelhante ao nosso, utilizaremos
a abordagem mean group de Peasaran e Smith (1995) para tentar resolver a
heterogeneidade dos parâmetros. Ao mesmo tempo, como é provável que os
paı́ses sofram de dependência em cross-section nos choques do processo de
crescimento, utilizaremos a abordagem de estrutura multifator do termo de
erro proposta por Pesaran (2006).
Tais métodos implicam na necessidade de usar séries de dados anuais do
crescimento dos paı́ses. Esta abordagem é possı́vel em nosso caso, pois os
dados de crescimento e os dados fiscais apresentam bastante variância de ano
para ano3 . Um possı́vel problema de utilizar dados anuais para estudos de
crescimento é a possibilidade de que os resultados reflitam comportamentos
de flutuações das séries, e não de longo prazo. Seguindo Bond et al. (2010),
utilizamos especificações econométricas dinâmicas que filtram implicitamente
as flutuações de alta frequência, estando cientes das limitações desta aborda-
gem.
Com um painel de dados para paı́ses, utilizamos uma especificação onde o
crescimento depende de seus valores defasados, além das variáveis de interesse,
em uma versão linear baseada em (4.12). Uma vez que a (4.12) não é uma
equação de equilı́brio, uma alternativa seria estimá-la conjuntamente com a
3
Caso as séries utilizadas fossem de dados que não são medidos em frequência anual
(p. ex. capital humano), que não variam em frequência anual (p. ex. sistemas polı́ticos),
que não variam no tempo (p. ex. origens coloniais), ou que variam pouco no tempo (p.
ex. desigualdade de renda), este método poderia não ser apropriado. Para discussão mais
aprofundada ver Durlauf et al. (2005) e Bond et al. (2010)

78
equação (4.13). Porém, como não há nenhuma variável em (4.13) que não
esteja em (4.12), ela não nos ajuda para identificá-la. Por isso, optamos estimar
a equação (4.12) utilizando two step GMM. Ainda assim, reconhecemos que
esta não é uma relação de equilı́brio, mas apenas uma verificação se as relações
previstas no modelo encontram alguma base nos dados. Logo, o modelo de
regressão é dado por,

T
X
grit = θ0 + αs grit−s + γ0 xit−1 + γ1 xit−1 ∗ τit−1 + γ2 xit−1 ∗ superavitit−1 +
s=1
+γ3 xit−1 ∗ dit−1 /yit−1 + γ4 dit−1 /yit−1 + εi + t + e(4.17)
it

onde grit é a taxa de crescimento do PIB per capita do paı́s i no ano t


em valores percentuais, e T é o número de defasagens da variável dependente
incluı́das entre as variáveis explicativas. As variáveis de interesse são xit e suas
interações com carga tributária, dı́vida e superávit primário. A variável xit é
a soma dos gastos do governo central dos paı́ses com educação, transporte,
comunicações, energia e saúde dividida pelo PIB. A variável τ é a carga tri-
butária sobre a renda em proporção do PIB, a variável superavitit é o superávit
primário do governo central como proporção do PIB e a variável dit /yit é a
razão dı́vida-PIB, todas em valores percentuais. Variáveis dummies por ano
foram incluı́das para representar efeitos comuns no tempo entre paı́ses, t , bem
como o efeito não observado constante no tempo de cada paı́s foi capturado
por dummies de efeito-fixo cross-section, εi , buscando controlar os efeitos de
diferenças institucionais, geográficas, ou quaisquer outras que não se alteraram
durante o perı́odo considerado na amostra.
No steady-state, com as variáveis fiscais constantes, e sem choques, o pro-
duto per capita do paı́s i cresce a uma taxa dada por,

79
θ0 + γ0 xi + γ1 xi ∗ τi + γ2 xi ∗ superaviti + γ3 xi ∗ di /yi + εi
gri = (4.18)
1 − Ts=1 αs
P

Logo, o efeito de longo prazo de um aumento na razão dos gastos produtivos


do governo sobre o PIB do paı́s i será dado por,

∂gri γ0 + γ1 ∗ τi + γ2 ∗ superaviti + γ3 ∗ di /yi


= (4.19)
∂xi 1 − Ts=1 αs
P

Desejamos verificar se as interações de xit com a carga tributária, a dı́vida


e o superávit primário são significativas para o longo prazo. Assim, o que
devemos testar é se as relações γi /(1 − ts=1 αs ), i = 1, 2, 3; são significantes
P

e com sinal correto.


É de se esperar que a própria estrutura dinâmica do modelo faça com
que o uso do método de mı́nimos quadrados produza estimadores viesados
e inconsistentes. Estimadores consistentes podem ser obtidos, caso os cho-
ques eit sejam serialmente não correlacionados, utilizando valores defasados de
variáveis endógenas que não são correlacionadas com eit e eit−1 como variáveis
instrumentais. Além disso, o uso de variáveis instrumentais visa também à
correção da endogeneidade dos valores correntes das variáveis fiscais.

4.3.1 Resultados Pooled

A equação (4.17) foi estimada utilizando um painel de dados não balanceado


para 74 paı́ses para o perı́odo 1972-2004. Os dados de crescimento econômico,
de nı́vel de PIB, de investimento como percentual do PIB e comércio são da
Penn World Tables 6.3, a inflação tem como fonte o World Development Indi-
cators (WDI), os gastos produtivos, a carga tributária e o superávit primário
têm como fonte o Government Financial Statistics (GFS) do FMI, e a razão

80
dı́vida-PIB tem como fonte o BID4 .
Os resultados das estimações para as especificações obtidas utilizando da-
dos anuais pooled são apresentados na Tabela 4.1, onde os parâmetros de
inclinação são, por hipótese, iguais para todos os paı́ses. Nas especificações
GMM grit−1 , xit−1 , xit−1 ∗τit−1 , xit−1 ∗superavitit−1 , xit−1 ∗dit−1 /yit−1 , dit−1 /yit−1
são consideradas endógenas. O conjunto de instrumentos consiste em grit−5 ,
defasagens 5 e 6 do PIB per capita, defasagens 2, 3 e 4 do investimento como
porcentagem do PIB, defasagens 2 e 3 do comércio internacional (soma das
exportações e importações) como porcentagem do PIB e as defasagens 2 e 3 da
inflação. Estas variáveis estão entre as escolhidas como variáveis instrumentais
em estimações similares na literatura, como em Bond et al. (2010)5 . Não há
evidências de auto-correlação dos resı́duos e o teste de sobreidentificação de
Sargan-Hansen não rejeita a hipótese nula de validade dos instrumentos.
As duas primeiras colunas reportam os resultados das estimações utilizando-
se OLS, com até quatro defasagens, com e sem as interações da variável de
gastos com as demais variáveis fiscais. As colunas (iii) e (iv) apresentam os
resultados das mesmas especificações utilizando two-step GMM. Diversas es-
pecificações utilizando diferentes números de defasagens máximas da variável
dependente, T , foram conduzidas, encontrando sempre resultados muito se-
melhantes, como mostram as últimas duas colunas da Tabela, onde é possı́vel
comparar os resultados com T = 1 e T = 4.
Comparando os resultados das estimações em OLS com as estimações em
4
Tabelas no apêndice apresentam o nome dos paı́ses incluı́dos e as estatı́sticas descritivas.
5
Outras estimações utilizando system-GMM foram conduzidas seguindo uma estratégia
alternativa utilizada na literatura, como em Bond et al. (2001) e Gregoriou e Ghosh (2009),
e foram encontrados resultados muito similares, mostrando que os resultados foram robustos
a mudanças na escolha das variáveis instrumentais e do método de estimação. Porém, uma
vez que utilizamos séries anuais, o número de observações em série de tempo aumenta
vis-á-vis o número de paı́ses no painel, tornando um estimador de painel dinâmico, como
system-GMM, inadequado. Assim, optamos por seguir a análise com a mesma estratégia de
Bond et al.(2010) e utilizar um estimador de two step GMM.

81
Tabela 4.1: Estimação OLS e GMM
(i) (ii) (iii) (iv) (v)
OLS OLS GMM GMM GMM
grt−1 0,157? 0,180? 1,029? -0,008 -0,043
(2,63) (2,05) (7,68) (-0,02) (-0,16)
grt−2 0,025 0,009 -0,129?? -0,028
(0,42) (0,12) (-1,87) (-0,30)
grt−3 0,046 -0,014 0,037 0,061
(0,94) (-0,26) (0,83) (0,99)
grt−4 0,022 -0,062 -0,118? -0,037
(0,66) (-1,56) (-2,91) (-0,72)
xt−1 -0,000 0,023 -0,001? 0,356? 0,368?
(-0,41) (0,49) (-4,39) (1,99) (2,40)
dt−1 /yt−1 -0,016? 0,013 0,007
(-2,96) (0,37) (0,27)
xt−1 ∗ superavitt−1 0,001 0,001? 0,001?
(0,48) (1,99) (2,40)
xt−1 ∗ τt−1 -0,001 -0,001? -0,001?
(-0,53) (-1,99) (-2,40)
xt−1 ∗ (dt−1 /yt−1 ) -0,000 -0,001? -0,001?
(-0,49) (-2,00) (-2,41)
Efeito de longo prazo
x -0,001 0,026 -0,002?? 0,352? 0,353?
[-0,40] [0,49] [-1,77] [3,20] [3,40]
x ∗ superavit 0,001 0,001? 0,001?
[0,48] [1,99] [2,40]
x∗τ -0,001 -0,001? -0,001?
[0,53] [-1,99] [-2,40]
x ∗ (d/y) -0,001 -0,001? -0,001?
[-0,50] [-3,23] [-3,41]
Estat. Sargan-Hansen 12,06 4,39 4,52
p-valor [0,12] [0,35] [0,34]

Teste de correlação serial


de primeira ordem -2,10 -1,09 -3,27 0,41 0,64
p-valor [0,03] [0,27] [0,001] [0,68] [0,52]

Teste de correlação serial


de segunda ordem -1,50 -0,34 1,06 1,37 1,09
p-valor [0,13] [0,73] [0,28] [0,17] [0,27]
Nota: Um conjunto completo de dummies de ano e de paı́ses foi incluı́do. As estatı́sticas t estão entre
parênteses. As estatı́sticas z dos efeitos de longo-prazo, o p-valor dos testes de correlação serial e o p-valor
do teste de sobre-identificação de Sargan-Hansen estão entre colchetes.
Nas especificações GMM grit−1 , xit−1 , xit−1 ∗ τit−1 , xit−1 ∗ superavitit−1 , xit−1 ∗ dit−1 /yit−1
são consideradas endógenas. O conjunto de instrumentos consiste em grit−5 , defasagens 5 e 6 do PIB
per capita, defasagens 2, 3 e 4 do investimento como porcentagem do PIB, defasagens 2 e 3 do comercio
internacional (soma das exportações e importações) como porcentagem do PIB e as defasagens 2 e 3 da
inflação.
Significante ao nı́vel de (? ? ) 10%, (? ) 5%.

82
GMM, nota-se que a nossa principal variável de interesse, xt−1 , aparece como
não significativa no modelo OLS, ao passo que nas estimações GMM o seu
efeito é estatı́sticamente diferente de zero. Como é sabido que em um pai-
nel dinâmico o estimador OLS é inconsistente, focaremos nos resultados da
estimações GMM.
Na coluna (iii) não são incluı́das as interações de xt−1 com as demais
variáveis fiscais. Neste caso, o efeito dos gastos produtivos do governo aparece
com um impacto negativo e estatisticamente significante sobre o crescimento
econômico, tanto no coeficiente de curto-prazo quanto no de longo-prazo. Este
resultado aparentemente contra-intuitivo pode estar relacionado ao fato de que
estamos considerando que este efeito é igual para todos os paı́ses da amostra,
independentemente das condições fiscais destes paı́ses. Como mencionado an-
teriormente, é provável que este efeito dependa negativamente do tamanho
da dı́vida do paı́s, do déficit primário e da carga tributária. De fato, como
mostram as colunas (iv) e (v), a inclusão das interações fiscais altera signi-
ficativamente este resultado, o que sugere que a estimação sem as interações
incorre em um problema de viés de variáveis omitidas. Ao incluir as interações
com as variáveis fiscais encontramos um efeito positivo e significante dos gas-
tos públicos, porém tal efeito depende do valor das demais variáveis fiscais
na direção prevista pelo modelo teórico. Assim, os resultados econométricos
nos fornecem alguma evidência de que os dados vão na mesma direção dos
resultados propostos pelo modelo teórico.
O tamanho do efeito dos gastos produtivos sobre o crescimento de longo
prazo foi calculado de acordo com os resultados da coluna (v), utilizando
a equação (4.19) e assumindo um superávit primário de -3% e uma carga
tributária de 23%. Neste cenário, um aumento em 1 ponto percentual no PIB
dos gastos produtivos do governo eleva a taxa de crescimento entre 0,35 e 0,25

83
Figura 4.4: Efeito dos Gastos Produtivos (x) no Crescimento

0,4

0,35

0,3

0,25

0,2

0,15
10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120

dívida / PIB (%)


superavit = -3%; carga tributária = 23%

84
pontos percentuais, para valores da razão dı́vida-PIB entre 10% e 120%, como
apresentado na Figura (4.4). Mudanças nos valores da carga tributária e no
superávit deslocam tal relação para cima ou para baixo. Entretanto, como
os coeficientes de tais interações são muito pequenos, estes deslocamentos não
mudam de forma perceptı́vel tal relação. Isso mostra que as interações com a
carga tributária e com o superávit, embora sejam significantes e tenham o sinal
esperado, não apresentam um efeito de grande magnitude. Tais resultados
sugerem que a razão dı́vida-PIB é a variável mais relevante para determinar o
efeito dos gastos produtivos sobre o crescimento.

4.3.2 Resultados Mean Group

Nesta seção, a equação (4.17) foi reestimada relaxando-se a hipótese de que os


parâmetros de inclinação são iguais para todos os paı́ses. A heterogeneidade
dos parâmetros entre paı́ses é plausı́vel, uma vez que a eficiência dos gas-
tos públicos pode ser diferente diante de condições institucionais alternativas.
Neste caso, os nossos resultados seriam apenas uma estimação inconsistente
do efeito médio entre paı́ses destas variáveis sobre o crescimento (Bond et
al. 2010). Assim, para considerar a provável importância de coeficientes he-
terogêneos, utilizamos a abordagem mean group de Pesaran e Smith (1995),
seguindo a mesma estratégia utilizada por Lee, et al. (1997) e Bond et al.
(2010) em regressões de crescimento com um painel semelhante ao nosso.
O estimador Mean Group significa, em termos simples, estimar a equação
(4.17) utilizando two-step GMM individualmente para cada paı́s, explorando
apenas a variação no tempo, em que os desvios das variáveis com relação à
6
média do grupo são usados, utilizando o mesmo conjunto de instrumentos
da seção anterior, e em seguida obter a média dos coeficientes estimados para
6
Neste procedimento, cada variável zit da equação (4.17) é substituı́da pela variável
PN
transformada z˜it = zit − (1/N ) i=1 zit .

85
Tabela 4.2: Estimação Mean Group
Efeito de longo prazo Média Robusta Média Robusta

permitindo
dependência em cross-section não sim

x 0,025 0,022
[0,01] [0,02]
x ∗ superavit 0,001 0,001
[0,09] [0,04]
x∗τ -0,001 -0,001
[0,02] [0,03]
x ∗ (d/y) -0,001 -0,001
[0,02] [0,01]
Nota: Médias Robustas são reportadas. p-valor entre colchetes.
Todas as especificações incluem grit−1 , xit−1 , xit−1 ∗τit−1 , xit−1 ∗superavitit−1 , xit−1 ∗
dit−1 /yit−1 e dit−1 /yit−1 como endógenas.

os paı́ses. No nosso caso, obtivemos os efeitos estimados de longo prazo dos


paı́ses individualmente e estimamos as médias robustas juntamente com seus
erros padrão7 .
Outro possı́vel problema nas estimações é a existência de dependência em
cross-section. Isto ocorre se o crescimento econômico de um paı́s afetar o cres-
cimento de outros paı́ses, de forma que o resı́duo eit não seria independente
entre os paı́ses. Tal efeito é plausı́vel se acreditamos que há spillovers de
tecnologia, e de acumulação de capital fı́sico e/ou humano (Conley e Ligon,
2002), ou se o crescimento econômico de um paı́s afeta os termos de troca dos
demais paı́ses (Acemoglu e Ventura, 2002). Para corrigir tal problema segui-
mos o procedimento sugerido por Pesaran (2006) de incluir a média amostral
anual do crescimento dos paı́ses como variável explicativa. Este método pode
ser visto também como uma forma de incluir uma tendência mais flexı́vel às
estimações individuais dos paı́ses, onde cada paı́s teria uma resposta diferente
8
sobre os choques comuns no tempo.
A Tabela 4.2 apresenta os resultados estimados pela abordagem mean group
7
Esta é uma variante robusta da abordagem mean group sugerida por Bond et al. (2010).
8
Neste caso, podemos pensar que o termo de erro t na equação (4.17) é substituı́do por
φ i t .

86
dos parâmetros de longo prazo estimados das variáveis de interesse do modelo,
onde as colunas apresentam as especificações sem e com correção para de-
pendência em cross-section. Os resultados das duas colunas são virtualmente
idênticos, sendo que os valores para o efeito de polı́ticas fiscais sobre o cresci-
mento são menores em magnitude que os valores apresentados na Tabela 4.1 ,
apresentando alguma evidência de que as estimações pooled podem apresentar
viés ao não considerar a heterogeneidade dos parâmetros.9 Entretanto, ainda
assim todos os coeficientes de longo prazo permanecem com os sinais sugeridos
pelo modelo teórico e estatisticamente significantes.

4.4 Conclusão

O presente trabalho buscou avaliar como polı́ticas de gastos produtivos do


governo, como em educação, saúde e infraestrutura, afetam o crescimento
econômico de longo prazo. Ao levar em conta a possibilidade de endivida-
mento como forma de financiar estes gastos, um modelo teórico de crescimento
endógeno foi construı́do e foi possı́vel concluir que o efeito marginal dos gas-
tos produtivos do governo sobre o crescimento depende do tamanho da dı́vida
pública, do superávit primário e da carga tributária. Assim, os paı́ses po-
dem ter sucesso ou não em adotar essa polı́tica diante de diferenças em suas
condições fiscais.
O modelo teórico construı́do assumiu um formato AK onde os gastos do
governo afetam a produtividade dos demais fatores na economia similarmente
a Barro (1990). Entretanto, considerou-se que estes gastos são financiados
via dı́vida, e não tributação. Como um aumento de gastos produtivos afeta
a produtividade da economia, também afeta os juros. Assim, o governo tem
9
Em Bond et al. (2010), a estimação com heterogeneidade dos parâmetros também
apresentou uma magnitude menor que a estimação em painel.

87
um efeito perverso nas suas contas de serviço da dı́vida, além do efeito di-
reto de aumento de gastos. Estes efeitos limitam o impacto de choques de
produtividade positivos sobre o crescimento econômico.
Um resultado obtido, diante de algumas hipóteses sobre os valores dos
parâmetros do modelo, foi uma economia com múltiplos equilı́brios, com um
equilı́brio localmente estável com elevado crescimento e baixa razão dı́vida-PIB
e outro instável com baixo crescimento e elevada relação dı́vida-PIB. Os efeitos
dos gastos produtivos sobre o crescimento dependem de em qual equilı́brio a
economia se encontra.
Na segunda parte do artigo, as implicações obtidas pelo modelo foram
testadas com um painel de dados anuais para 74 paı́ses. A análise empı́rica
controlou o efeito não-observado constante no tempo sobre a taxa de cresci-
mento de cada paı́s e a endogeneidade dos regressores. Além disso, conside-
ramos a possibilidade de haver heterogeneidade dos parâmetros, bem como
dependência em cross-section.
Utilizando-se um estimador two step GMM foram comprovadas as con-
clusões de que o efeito marginal do gasto produtivo do governo depende ne-
gativamente do tamanho da dı́vida, da carga tributária e do déficit primário
do governo. Entretanto, as interações com a carga tributária e com o déficit,
embora sejam estatisticamente significantes e tenham o sinal esperado, não
apresentam um efeito de grande magnitude. Assim, a razão dı́vida-PIB parece
ser a variável mais relevante para determinar o efeito dos gastos produtivos
sobre o crescimento. O efeito marginal de um aumento de 1 ponto percentual
nos gastos produtivos do governo (em relação ao PIB) sobre a taxa de cres-
cimento de longo-prazo é de cerca de 0,35 a 0,25 pontos percentuais ao ano,
para valores da razão dı́vida-PIB entre 10% e 120%.
As estimações que permitem heterogeneidade dos parâmetros e dependência

88
em cross-section também resultaram em conclusões similares, ainda que o
efeito marginal dos gastos produtivos do governo mostrou-se menor que as
estimações que ignoram estas questões.
Entretanto, os resultados econométricos apresentados devem ser anali-
sados com cautela. A equação estimada foi baseada em apenas uma das
duas equações que determinam o crescimento em steady-state do modelo pro-
posto. Sendo assim, os resultados encontrados não espelham uma relação de
equilı́brio, mas fornecem alguma evidência de que os dados vão na mesma
direção dos resultados propostos pelo modelo teórico.

89
Bibliografia

[1] Acemoglu, D. e Ventura, J. (2002), “The World Income Distribution.”


The Quarterly Journal of Economics, MIT Press, vol. 117(2), pages 659-
694, May.

[2] Barro, R. (1990), “Government spending in a simple model of endogenous


growth.” Journal of Political Economy, v. 98, p.103-125.

[3] Kneller, R.; Bleaney, M. F. e Gemmell, N., (1999), “Fiscal policy and
growth: evidence from OECD countries.” Journal of Public Economics,
Elsevier, vol. 74(2), pages 171-190, November.

[4] Bond, S.; Hoeffler, A. e Temple, J., (2001). “GMM Estimation of Empi-
rical Growth Models.” Economics Papers 2001-W21, Economics Group,
Nuffield College, University of Oxford.

[5] Bond,S.; Leblebicioglu, A. e Schiantarelli, F. (2010) “Capital Accumula-


tion and Growth: A New Look at the Empirical Evidence.” Journal of
Applied Econometrics, Vol. 25, No. 7, pp. 1073-1099.

[6] Bräuninger, M. , (2005). “The Budget Deficit, Public Debt, and Endoge-
nous Growth.” Journal of Public Economic Theory, Association for Public
Economic Theory, vol. 7(5), pages 827-840, December.

90
[7] Calderón, C.; Easterly, W. e Servén, L.(2003) “The Output Cost of Latin
America’s Infrastructure Gap.” em The limits of Stabilization: Infrastruc-
ture , Public Deficits and growth in Latin America, Stanford University
Press.

[8] Chen, B., (2005). “Economic Growth with an optimal public spending
composition.” Oxford Economic Papers, 58, 123-136.

[9] Conley T.G., Ligon E. (2002), “Economic Distance and Cross-Country


Spillovers.” Journal of Economic Growth, 7, 2, 157-187.

[10] Devarajan, S.; Swaroop, V.; Zou, H., (1996). “The composition of public
expenditures and economic performance.” Journal of Monetary Econo-
mics, 313-344.

[11] Durlauf, S. N.; Johnson, P. A.; Temple, J. R. W., (2005). “Growth Econo-
metrics.” Handbook of Economic Growth, in: Philippe Aghion and Steven
Durlauf (ed.), Handbook of Economic Growth, edition 1, volume 1, chap-
ter 8, pages 555-677 Elsevier.

[12] Easterly, W.; Rebelo, S., (1993). “Fiscal policy and economic growth: An
empirical investigation.” Journal of Monetary Economics, Elsevier, vol.
32(3), pages 417-458, December.

[13] Ferreira, P., (1996) “Infra-estrutura no Brasil, Fatos Estilizados e Relações


de Longo Prazo.” Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 26, no 2,
agosto, p.231-252.

[14] Ferreira, P. C. e Malliagros, T. (1998) “Impactos produtivos da infra-


estrutura no Brasil- 1950/95.” Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28,
n.2, p.315-338.

91
[15] Glomm, G.; Ravikumar, B., (1997). “Productive Government Expenditu-
res and Long-run Growth.” Journal of Economic Dynamics and Control,
21, 183-204.

[16] Gregoriou, A. e Ghosh, S., (2009). “On the heterogeneous impact of pu-
blic capital and current spending on growth across nations.” Economics
Letters, Elsevier, vol. 105(1), pages 32-35, October.

[17] Gupta, S.; Clements, B.; Baldacci, E.; Mulas-Granados, C., (2005). “Fis-
cal Policy, Expenditure Composition, and Growth in Low-Income Coun-
tries.” Journal of International Money and Finance, 24, 441-463.

[18] Lee, K., Pesaran, M. H. e Smith, R. (1997) “Growth and Convergence


in Multi-Country Empirical Stochastic Solow Model.” Journal of Applied
Econometrics, 12(4):357–392.

[19] Mussolini, C.C., Teles, V. K. (2010) “Infraestrutura e produtividade no


Brasil.” Revista de Economia Polı́tica, 30, 4.

[20] Pesaran, M. H. (2006). “Estimation and Inference in Large Heterogeneous


Panels with a Multifactor Error Structure.” Econometrica, Econometric
Society, vol. 74(4), pages 967-1012.

[21] Pesaran, M. H. e Smith, R., (1995). “Estimating long-run relationships


from dynamic heterogeneous panels.” Journal of Econometrics, Elsevier,
vol. 68(1), pages 79-113, July

[22] Saint-Paul, G., (1992). “Fiscal Policy in an Endogenous Growth Model.”


The Quarterly Journal of Economics, MIT Press, vol. 107(4), pages 1243-
59, November.

92
Apêndice

Tabela A2: Paı́ses

África do Sul Eslovênia Maurı́cio


Alemanha Espanha México
Argentina Estados Unidos Mongólia
Austrália Estônia Nepal
Áustria Etiópia Nicarágua
Barbados Finlândia Noruega
Belarus França Panamá
Bélgica Gambia Paquistão
Bolı́via Grécia Paraguai
Brasil Guiana Polônia
Bulgária Holanda Reino Unido
Burundi Honduras República Tcheca
Butão Hungria Ruanda
Camarões Iêmen Senegal
Canadá Indonésia Sri Lanka
Cazaquistão Irlanda Suécia
Chile Islândia Suı́ça
Chipre Israel Suriname
Colômbia Kuwait Tailândia
Costa Rica Lesoto Tajiquistão
Dinamarca Letônia Tunı́sia
Egito Luxemburgo Turquia
El Salvador Maldivas Uruguai
Eslováquia Malta Zâmbia
Marrocos Zimbábue

93
Tabela A3: Estatı́sticas descritivas (%)

Mediana Média Desvio Padrão Min. Max.

Crescimento do PIB per capita 2,50 2,27 5,6 -41,11 56,40


Gastos produtivos do governo/PIB 7,35 8,33 4,03 0,90 30,84
Impostos sobre a renda/PIB 5,46 6.71 4,63 0,47 27,88
Superávit/PIB -3,15 -3,93 6,18 -61,14 62,18
Dı́vida/PIB 44,07 56,75 58,19 0,38 637,52

94

Você também pode gostar