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PROJETO LIA MARCHI

ARQUIVO DAS DANÇAS DO ALENTEJO CELINA DA PIEDADE E DOMINGOS MORAIS

CADERNO
DE DANÇAS
DO ALENTEJO
VOL.01
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LIA MARCHI
CELINA DA PIEDADE E DOMINGOS MORAIS

CADERNO
DE DANÇAS
DO ALENTEJO
VOL.01
©
Esta obra está legalmente protegida no que concerne Todos os direitos reservados, conforme a legislação
à sua propriedade em termos de direitos de autor portuguesa de direitos de autor e acordos internacio-
e editoriais. A reprodução parcial do seu conteúdo nais pertinentes, para
– exclusivamente para inalidades educacionais
e culturais – é permitida desde que citada a fonte. Lia Marchi, Domingos Morais, Celina da Piedade

© Textos: Lia Marchi, Domingos Morais,


Celina da Piedade, 2010
Outubro de 2010
© Fotos: Lia Marchi, António Passaporte – Arquivo ISBN 978-989-96896-0-2
Fotográico da Câmara Municipal de Évora, 2010 Depósito legal: 318020/10

Impresso em Portugal
Printed in Portugal

4 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO


vocação da Associação PédeXumbo O Alentejo é a casa da PédeXumbo – que

A é, desde o primeiro sopro de intenções,


trazer a dança e a música tradicional ao
quotidiano. Desde 1998, ano em que foi criada
tem a sua sede em Évora, o local onde muitas
das nossas actividades acontecem e a região
em que queremos continuar a apostar, numa
– a partir da semente da primeira edição do lógica de envolvimento local e intercâmbio com
Andanças – Festival Internacional de Danças as comunidades mais próximas. À medida que
Populares, que a Associação procura tornar esse vamos aprofundando o nosso conhecimento do
objectivo realidade através de diversas iniciativas: património imaterial da região, nomeadamente
festivais, bailes, encontros, aulas, acções de as danças, nosso tema de eleição, e vamos esta-
formação, projectos de investigação, edições. belecendo relações de amizade e cumplicidades
A vocação do projecto Arquivo das Danças do com quem o vive, torna-se clara a urgência da
Alentejo é, sem dúvida, comunicar e com isso sistematização desses saberes e a sua divulga-
criar pontes, laços entre os saberes e as pesso- ção de forma clara e acessível. Para que tenham
as. O olhar que se pretende é sensível à poesia oportunidade de ganhar de novo lugar na vida
no outro, à humanidade que existe no gesto da de cada um!
arte popular e também ao papel estruturante Alentejo com alento... Agradecemos do co-
que as práticas tradicionais têm no indivíduo ração a energia investida por cada membro da
e na comunidade. nossa equipa e pelos nossos colaboradores na
Neste projecto, izemos parceria com uma realização deste projecto.
equipa de colaboradores vindos de outras enti- E ansiamos que este caderno de danças se
dades – o IELT, Instituto de Estudos de Literatura transforme rapidamente em rodas de pares!
Tradicional, e a Olaria Projetos de Arte e Edu-
cação –, no intuito de gerar os melhores frutos
para o diálogo e a prática sobre o repertório de Celina da Piedade
danças do Alentejo. Presidente da Associação PédeXumbo
SUMÁRIO
06 ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM 65 MEMÓRIAS DOS BAILES
por Domingos Morais 65
São João na rua
68
A valsa do Manuel Louricho
17 DANÇA ALENTEJO! 72
Alpalhão
17
Um projeto, muitas perguntas 74
A bicicleta do Fernando Augusto
19
Um arquivo, que arquivo? 76
Um alqueire para dois pés
20
O baile, a dança, o documentar 78
O Casão do Tio Bernardino
21
Um Alentejo, muitos Alentejos
81 VALSAS MANDADAS
25 NOTAS – MANDOS E MANDADORES
[RECOLHAS DE MANUEL ARAÚJO]

26 BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA 82


Baile em Valinho da Estrada
30
Penteei o meu cabelo 84
Manuel Araújo
32
Centro ao centro 86
Grupo de Dança Típica da Queimada,
34
Arquinhos Eusébio José Pereira
36
Água sobe, água desce 87
Rancho Folclórico Danças e Cantares
40
Silva, silva, enleio, enleio Os Rurais de Água Derramada
44
Casaquinha 88
Rancho Folclórico 5 Estrelas de Abril
47
Marcadinha
48
Pezinho 89 VALSAS MANDADAS – PARTITURAS

54 VALSAS MANDADAS 92 AGRADECIMENTOS

58 VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS 95 CRÉDITOS


ALENTEJO
AS FALAS QUE BAILAM
Que assim é já todos sabem, num livro de contos em que descreve alguns
Ninguém pode duvidar; costumes populares e onde o cante surge ligado
O que não baila nem canta à dança, por pares que icavam “horas no baile,
Por certo não sabe amar. andando á roda n’um passo vagaroso, cantando
em coro as modas lentas, entoadas em terceiras,
rquivem-se as danças. Que susto. Arqui- prolongadas em sonoridades singulares e doces”.

A var continua a ser, na linguagem comum,


guardar o que já não se usa, não tem
préstimo, de pouco serve a quem tem mais que
Uma outra notícia(1), talvez anterior, repes-
cada no acervo reunido por Paulo Lima na sua
investigação sobre o fado operário no Alentejo,
fazer do que ocupar-se com velharias. relata a passagem de D. Luís, rei de Portugal
Mas arquivar também é entendido como o (de 1861 a 1889) pelo Castelo do Alvito, onde
cuidado de guardar o que não se quer deitar fora terá conhecido Soia Frade (1853-1897), natural
ou destruir, mesmo que não se saiba bem o que de Messejana, que improvisava versos e era
escolher de entre os objectos, saberes e memórias conhecida nas romarias e bailhos da região,
dos outros. Ou de nós próprios, quando queremos na Senhora da Cola, em São João do Deserto,
contar como somos ou éramos. na Senhora D’Aires, onde cantava e vencia nas
(1)
Ernesto Carvalho, s.d.,
“De roda do lume dos poetas
João Ranita Nazaré indica a data de 1886 para cantigas ao desaio os poetas populares.
populares”, cit. in Paulo Lima a primeira notícia que se conhece sobre os canta- Quando duma vez o rei D. Luiz se achava hospedado
(2004), O Fado Operário no
Alentejo. Lisboa: Ed. Tradisom,
res no Baixo Alentejo, dada por Francisco Manuel no Castelo d’Alvito, onde a miude ia para caçar, o Mar-
pp. 248-254. de Melo Breyner, Conde de Ficalho (1837-1903), quez, velho camarista muito dedicado ao Soberano,

8 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM


procurava distrai-lo proporcionando-lhe divertimentos maior parte, na quasi totalidade mesmo, ás deno- Estava de abalada
compativeis e em harmonia com os habitos regionaes. minadas danças d’amor. lá prò meu montinho.
Era pela “apanha da azeitona”. Saiu-m’uma rosa
Enumera depois algumas danças religiosas (olaré)
– Venha o rancho e que bailem ahi no patio; Sua Ma-
gestade quer ouvir as melhores cantadeiras e ver as que desde o séc. XVII a inais do séc. XIX se re- dançando ao caminho.
caras mais bonitas cá destes sitios. alizavam em toda a região:
Ó como és bonita,
Armou-se o bailarico – D. Luiz, como entendedor, O primeiro genero de danças, embora em manifesta ó como és formosa.
itava as môças e admirava o ainado côro. Numa das decadencia, ainda póde observar-se em diversas fes- Dançando ao caminho
“voltas” uma voz agradabilissima começa: tas religiosas de arraial, onde valentes mocetões de (olaré)
Sou ‘ma pobre camponêsa / Eu não vivo na cidade. / rosto crestado, largas espaduas e amplo thorax, súam saiu-m’uma rosa.
Oh! môças, digam, comigo, / – Viva Sua Magestade! e tressúam, n’uma espantosa desenvoltura de gestos
Viva Sua Magestade! / Deus o faça bem feliz. / Digam, e attitudes, ao langoroso som de tamboril e gaita.
oh! môças, comigo / – Vivia o Senhor D. Luiz! Em Aldeia Nova de S. Bento, do concelho de Serpa,
Quem assim cantava desassombradamente, fora do celebra-se annualmente, em 11 de Julho, uma ruidosa
protocolo, muito á vontade, era a Soia. O Rei gostou, festa, a do Cirio, cujo principal attractivo consiste
dizendo com a sua bonhomia costumada: na exhibição de extraordinaria dança, em que ha
– Bôa voz, bôa voz. complicados movimentos e passos e volteios; uma
(...) dança antiquissima, secular, executada por sete an-
Eram notorias essas festas populares, a que o rei jos (assim chamados) – sete robustos camponezes,
gostava de assistir, bonacheirão, rodeado de ganhões, vestidos de calção e meia, camisola branca, faixa de
de mondadeiras, que lhe sorriam francamente, en- seda a tiracollo, e na cabeça, mostruosos chapeus
carando-o com simpatia. de pello, ornados de lãs e itas e lores e reluzentes
bugigangas de latão!
A Tradição (1899/1904), revista mensal de E fazem a inveja dos camaradas, e o encanto das
etnograia de Serpa, dirigida por Ladislau Piçar- camponezas suas patrícias, estes maganões!
ra e Manuel Dias Nunes, publica em 1899 um (...)
artigo deste último(2) em que se esboça uma E mais e mais danças religiosas, nas festas d’arraial,
por este Baixo Alemtejo fóra: na festa do Espírito
classiicação das danças populares no Alentejo: Santo, em Aldeia Nova de S. Bento; nas festas das
As danças populares do Baixo Alemtejo pertencem, Pazes, em Fialho; na festa da Tumina, em Santo A Tradição, ano I, nº 1, pp.
(2)

em parte, á categoria das religiosas, em parte, na Aleixo; na festa de Santa Luzia, em Pias; etc., etc., etc. 20-23, Serpa, 1899.

ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 9


Ó rama, ó que linda rama E’ de notar que este genero de dança, cuja origem do bailado; d’outras, porém, tão sómente o nome
Ó rama da oliveira remonta a muitos seculos, era outr’ora executado lográmos conhecer.
O meu par é o mais lindo não só por homens, tal como hoje acontece – mas
Que anda aqui na roda inteira também por mulheres, em algumas solemnidades Imagine-se então este baile de roda:
de caracter religioso e oficial. Os bailes de roda, como vulgarmente se designa
Que anda aqui na roda inteira
Aqui e em qualquer lugar este genero de dança, ou são ao meio ou aos pares.
Ó rama, ó que linda rama Dias Nunes diz-nos que todas as danças re- Quando ao meio, homens e mulheres, indistinctamen-
Ó rama do olival feridas faziam parte do programa dos estudos te, formam dando-se as mãos uma grande cadeia
circular. Acto continuo á formação d’esta cadeia,
de A Tradição, prometendo tratar “em seus por- vae para o centro um par, o primeiro que mais les-
menores, a dança respectiva quando tratarmos to andou; e logo irrompe uma cantiga entoada por
de cada uma d’essas festas”, o que infelizmente uma voz, a que outras e outras e todas as vozes dos
não se veriicou. circumstantes, por im, fazem côro.
As danças d’amor, designação que diz bem Ao mesmo tempo – obedecendo todos ao rhytmo
da cantiga – o par volteia no centro como a polkar,
o que lhes dá sentido e as distingue das religiosas e a cadeia vae rodando, rodando sempre, em continuo
ou cerimoniais, são descritas com tal detalhe que movimento. Finda a cantiga separa-se o par: o homem
seria possível, mesmo sem o recurso à imagem, procura, d’entre as do circulo, outra mulher, e a mulher
reconstituí-las. Da lista de danças referidas e que imita o seu primeiro par, substituindo-o por outro homem.
Ficam assim dois pares no meio. Simultaneamente, sem
Dias Nunes nos diz ser incompleta (“os bailes
que os dançadores hajam descançado, começaram
de roda, o maquinéu, os pinhões, o seu pésinho, a moda-estribilho, a cuja musica a cantiga obedecera.
o fandango, os escalhavardos, o sarilho, e o fogo Terminada a moda retira-se o primeiro par, que vae
del fúzil”) apenas os bailes de roda eram prati- encorporar-se na cadeia, e vem para o centro, em
cados, sendo que seu logar, um novo par, escolhido a contento do par
que icou, do mesmo modo por este já fôra escolhido
as demais danças que citámos, quasi que deixaram pelo que o antedecera.
de praticar-se e apenas subsistem na lembrança Depois volta-se ao principio: nova cantiga rhythmada
das pessoas edosas. D’algumas, conseguimos ain- pela moda favorita, pares ao centro em movimen-
da, não sem grande dificuldade, recolher a musica to de polka, e a grande cadeia – mãos entre mãos
propria, que todas possuiam, e reconstituir a fórma – a rodar, a rodar continuamente.

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A substituição do par mais antigo faz-se sempre Será que os barulhos, balhos e funções, de
que a cantiga termina e a moda-estribilho principia.
que nos fala José da Silva Picão(5) em 1903,
Do par que se encontra no meio ao indar o baile,
diz-se – que icou saramago. são os bailes rurais, realizados nos terreiros
e arraiais das feiras e festividades cíclicas?
Esta profunda ligação da poesia amorosa (por E nos intervalos das jornadas de trabalho
vezes de escárnio e mal dizer), do cante e da nos campos ou junto das casas para celebrar
dança, e do carácter narrativo de algumas modas o gosto de viver e sentir-se parte da comuni-
que poderíamos designar por baladas será um dade? Sem palcos, sendo quase todos parti-
dos caracteres distintivos da lírica dançada no cipantes e alguns observadores atentos dos
Alentejo que a ilia nas bailias da poesia ibérica bons costumes? Com a música possível, apenas
medieval. Ana Paula Guimarães ajuda-me nesta cantada ou tocada na gaita de beiços ou por In Nós de Vozes. Lisboa: Ed.
(3)

possível ligação, no seu “Por Maio: entre bailias tocadores que dançavam por vezes tocando Colibri , pp. 177-191, 2000.
e baladas(3)”: a viola ou a concertina nas costas do par que
Dicionário de Termos Literários.
(4)

No fundo, é essa intimidade entre a dança e a po- abraçavam, para nada se perder? São Paulo: Editora Cultrix, pp.
esia que a balada expõe se se lhe quiser entender Susana Bilou Russo, na sua investigação sobre 54-55. 8ª ed., 1997 [1974]
a ascendência. as “Histórias e percursos da viola campaniça(6)” (5)
José da Silva Picão (1983),
diz-nos que “... segundo o que parece, já em 1899, “Costumes dos campónios”,
E cita Massaud Moisés(4), que reforça o ca- se pressente uma readaptação do contexto social in Através dos Campos: Usos e
Costumes Agrícolo-Alentejanos.
rácter popular destes poemas épico-líricos, de dos bailes”. Dias Nunes(7), refere mesmo Lisboa: Publicações Dom
assunto novelesco, estruturados em dísticos, Estes bailes populares, que hoje em dia se realizam
Quixote, pp. 151-224.
por vezes com refrão, circulando entre povos dentro de casa, eram feitos ao ar livre e em redor de (6)
Tese de mestrado inédita,
anglo-saxónicos, gregos, romenos, inlandeses, mastros; mas isto – relatam os velhos – há uns bons orientada pela Prof. Paula Go-
eslavos, balcânicos, espanhóis e portugueses, quarenta anos, ainda no tempo em que o adufe se dinho, datada de 2003 e com
impunha como instrumento da moda. publicação prevista pelo IELT.
a distinguir da balada de circulação erudita. Para
este autor, balada e bailada possuem o mesmo e descreve-os nesse inal de século: (7)
A Tradição, 1899, p. 124.
étimo latino, ballare.

ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 11


Realisam-se, de ordinário, os bailes populares na bém uma isionomia própria, embora estejam
casa de fora, ou da entrada, que é por via de regra o presentes noutras regiões do país, sob outras
melhor e mais espaçoso compartimento das pobres
designações. E à semelhança do romanceiro, dos
habitações térreas dos camponezes. As raparigas,
unicamente, são convidadas para estes bailes; os contos populares, da música e instrumentos, há
rapazes, esses apresentam-se alli sem nenhuma uma intensa circulação que explica termos no
espécie de convite. Á porta da rua, o dono ou a dona que à dança importa, o que poderíamos chamar
da casa – mais vulgarmente a mulher – recebe pra- variantes que coincidem nos passos e coreogra-
senteira o bello sexo e vae parlamoniando com os ia, embora com adaptações locais, quer nas
mancebos que chegam. – Dá licença que veja o seu
danças, quer na música ou nos termos que as
balho ? – é a pergunta sacramental de todos os ra-
pazes, ao pisarem garbosos o limiar. A dona de casa : descrevem. São corridinhos, fados, fandangos,
– Se é p’ra balhar, entre ; agora se é só p’ra ver e fazer pezinhos, puladinhos, raspas, seguidilhas, viras,
pouco, – não senhor, – rua! – E’ p’ra balhar... – Então, entre outras.
entre. Quando o baile é ao meio o recem-chegado pede A tipiicação ensaiada por Margarida Moura
licença a qualquer dos individuos que formam a cadeia no texto Dança Popular Portuguesa(8) para as
e n’ella se incorpora sem mais cerimonias. Agora se o
variáveis coreográicas é bem mais eicaz para
baile é aos pares a coisa não vae tão facilmente, pois
se faz mister que algum dos cavalheiros dançantes
saber o que distingue e aproxima as diferentes
esteja disposto, ou se disponha, a ceder a sua dama. danças do que as estéreis discussões sobre a ori-
gem, localização geográica e autoria destas. São
Parecem-nos bem deinidos os contornos das três os parâmetros considerados: 1 – estrutura
danças populares no Alentejo. Predominam os espacial / formação espacial; 2 – estrutura rítmi-
bailes cantados, tendo como pólo de difusão as ca; 3 – gestos técnicos / movimentos, incluindo
feiras, festas e arraiais populares, por vezes com os dos membros inferiores, superiores e tronco.
designações e adaptações locais à semelhança Mas, para compreender como se chegou
(8)
Margarida Moura (2005), das modas cantadas. a uma determinada ixação coreográica, há que
Dança Popular Portuguesa.
Lisboa: Universidade Técnica As saias no Alto Alentejo e as valsas (bailes) considerar outras condicionantes que resultam
de Lisboa. mandadas da Serra de Grândola ganharam tam- quer da mudança permanente que qualquer

12 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM


grupo social vive, quer das tentativas de re- alentejano. Ali, a tradição não tinha senão uma regra Vai de roda cantem todos
ixa: no alto (terceira superior à melodia) só cantava cada qual sua cantiga
gulamentação por parte das autoridades civis eu também cantarei uma
uma voz, fosse masculina ou feminina.
e religiosas. Vimos como os bailes populares que a mocidade me obriga
De resto, imperava a liberdade e conveniência do
abandonam os terreiros e passam a ser reali- momento: tanto cantavam as mulheres só, como os
zados dentro de casas ou nas nascentes “socie- homens, como todos em conjunto. Não havia fainas
dades”, que em inais do século XIX respondem agrícolas em que não se ouvisse cantar e os tempos
a uma estratificação das classes, cada uma de lazer eram invariavelmente ocupados a cantar
e a bailar. (pág. 29)
com as suas representações e os seus modos
(...)
próprios de se divertir e conviver. O que se dançava? Ou seja, que géneros músico-
A permanência em algumas aldeias alenteja- coreográicos eram interpretados na viola campaniça?
nas do cante e da dança “à moda antiga”, como Fundamentalmente dois: os bailes propriamente ditos,
nos contaram pessoas que lá viveram, é descrita isto é, os bailes antigos, criados inicialmente para
a própria bailação, como o fandango (Vila Verde de
por José Alberto Sardinha no seu livro sobre
Ficalho e zona das Amoreiras, concelho de Ourique
a Viola Campaniça: O Outro Alentejo(9): e Odemira), o puladinho, o estravanca, o corridinho, as
Na Aldeia Nova, ou por haver tantos tocadores ou valsas, as mazurcas; e todos os cantares, ou as mo-
por haver muita mocidade, bailava-se e cantava-se das, que, tendo por função primordial serem apenas
muito, armando-se balhos e festas todos os Domin- cantadas, foram posteriormente adaptadas à dança,
gos e dias santos. Durante o Verão era na rua (a rua como é costume do nosso povo, que tem tendência
principal tinha um jeito de largo), especialmente nos a dançar todas as músicas que ouve, entre os quais os
dias consagrados às festas de S. João, Santa Isabel, conhecidos corais polifónicos ou “modas alentejanas”.
S. Pedro e Santa Maria, altura em que os mastros se Esta é uma das funções pouco conhecidas destas
encontravam erguidos e se convivia e dançava em modas, mas inequivocamente praticada, segundo
seu redor. No Inverno recorria-se a casas amplas, às todos os depoimentos das pessoas mais velhas que
vezes arrecadações, mas também se não passava inquirimos, às quais dirigimos preferencialmente
uma semana sem bailarico e cantoria, quase sempre o nosso inquérito de campo. (...)
ao som da viola campaniça. Sob o ponto de vista coreográico, podemos distinguir
As moças cantavam muito bem, frequentemente três tipos de dança: um género mais antigo, em que
sozinhas, fazendo a polifonia tradicional do canto os pares evoluem sobretudo sem se agarrarem, com (9)
Editado pela Tradisom em 2001.

ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 13


Está uma roda parada desenhos coreográficos mais complicados, como esta estratiicação social: ao «Clube» pertencem os
à espera de haver quem mande é o caso do fandango; outro mais recente, em que latifundiários, os membros das proissões liberais,
pois agora mando eu incluiremos as danças de matriz oitocentista, como os altos funcionários públicos e, desde data recente,
siga a roda p’ra diante alguns comerciantes mais endinheirados; a «Artística»
o corridinho, o puladinho, as valsas e as mazurcas,
que já apresentam evoluções com os pares agarrados; é frequentada por artíices de boa posição, lojistas,
À direita andou
e ninguém se enganou e os bailes de roda, que, sendo coreograicamente pequenos funcionários e propietários, ao passo que
Tudo certo, devagar antigos (...), se foram historicamente adaptando às o «Atlético» se destina sobretudo aos trabalhadores
palminhas, mãos no ar sucessivas formas musicais que os tempos foram rurais. Os operários industriais frequentam igualmente
introduzindo, ao longo dos séculos, no uso das gentes. o «Atlético», se bem que um reduzido número seja
Faça frente com seu par também admitido na «Artística». (...)
No Alentejo, acabaram por receber, como forma mu-
meia volta puladinha Em ocasiões festivas, organizam-se bailes para os
vamos dar uma voltinha sical mais consentânea à sua evolução coreográica,
membros das sociedades e respectivas famílias. É
precisamente as modas alentejanas.
nestes bailes que se iniciam muitos namoros, em
Tudo certo, devagar Esta ligação das “modas” aos bailes de roda é-nos
que se formaliza a natureza estratiicada da escolha
e a moça vai ao ar conirmada por todos os informadores (...). (p. 157)
Palminhas, acabou dos cônjuges.
Baile de roda, terminou Em Vila Velha não existem sociedades recreativas. Os
Nas vilas e cidades eram outras as regras bailes realizam-se em casas particulares, e aqueles
que condicionavam as práticas culturais. A de- que os frequentam enquadram-se estritamente no
marcação de classe revela-se nos interditos que sistema de estratiicação social vigente, que determina
condicionam o relacionamento e o namoro dos igualmente o modo como as pessoas se agrupam
(10)
José Cutileiro (1977-2004), durante as festas públicas locais.
Ricos e Pobres no Alentejo: Uma jovens, descritos em 1971 por José Cutileiro(10):
Sociedade Rural Portuguesa. Helder Costa(12) conta com hilariantes de-
Lisboa: Livros Horizonte. Os jovens eram levados a conviver apenas com mem-
bros do seu próprio grupo social. A frequência da talhes como eram os bailes da sua juventude,
Vila Nova é o nome ictício
(11) escola, os bailes, as festas e as visitas que as famílias em Grândola e arredores nas décadas de 50
dado pelo autor a uma vila faziam reciprocamente obedecem às limitações im- e 60 do século passado, distantes já dos bailes
alentejana. O mesmo acontece postas pela posição social e contribuem para impedir
com Vila Velha. populares que nas aldeias continuaram até aos
o lorescimento de ligações sentimentais, as quais
viriam a entrar em conlito com aquela. nossos dias:
(12)
Hélder Costa (2005).
O Saudoso Tempo de Fascismo. As sociedades recreativas existentes em Vila Nova (11),
Lisboa: Edição Parvoíces. onde os jovens se reúnem frequentemente, relectem

14 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM


Hola que tal, como te va cor e gostava de dançar. A música anglo-saxónica
Te ves, muy bien viria mais tarde, a partir da década de 60, disputar
Dime que fue
as escolhas musicais dos jovens nas festas e os
De aquel amor
Que te ilusionó (13) repertórios dos músicos e grupos ou conjuntos
(...) que animavam os bailes. A rádio e as emissões
O baile tinha começado há minutos, e aí estava, glo- regulares de televisão foram determinantes, a par
riosa, a luta pela conquista. com as edições fonográicas, para uma mudança
(...) O baile tinha vários obstáculos: sentadas à vol-
radical nas preferências das novas gerações.
ta da sala, estavam as raparigas e na segunda ila
as mães, as tias, as avós, a que nós chamávamos O processo de folclorização do país é determi-
o “arame farpado”. nante para compreender as mudanças na dança (13)
Canção em voga nos anos 50 do
(...) E inalmente havia a verdadeira luta entre nós, popular. Jorge Dias descreve-o, em 1970 (14), séc. XX, cantada por Sarita Montiel
para ver quem conseguia dançar “com ela”. Porque e provavelmente tocada por um
em “Da música e da dança, como formas de conjunto de baile ou numa apare-
havia sempre uma “ela”. Bonita, especial, estranha,
expressão espontâneas populares, aos ranchos lhagem de som.
ou porque era diferente, ou porque não era da terra,
ou porque era parecida com (...) a Marilyn (...) ou a folclóricos” e o livro de Pierre Sanchis(15), de 1983,
Comunicação feita no XXIX
(14)

Soia Loren ou com outro qualquer mito inacessível revela as interdições dos poderes civis e religio- Congresso Luso-Espanhol (Lisboa,
que víssemos no cinema ou nas revistas. sos sobre as romarias portuguesas. Em Vozes do 31 de Março a 4 de Abril de 1970).
“Lamientos de cabrones”, diziam os jovens em tom de Separata do tomo III da actas.
Povo: A Folclorização em Portugal(16), de 2003,
brincadeira, dessas músicas que eram as preferidas
e em “ ‘Camponeses estetas’ no Estado Novo: Pierre Sanchis (1983),
(15)
para dançar. E eram as que aligiam mais o “arame
arte popular e nação na política folclorista do Arraial, Festa do Povo. Lisboa:
farpado”, senhoras que só icavam felicíssimas quando Publicações Dom Quixote.
nos viam a dançar o vira ou um corridinho do Algarve. Secretariado da Propaganda Nacional”, de 2007,
de Vera Marques Alves(17), esclarecem-se muitos (16)
Salwa el-Shawan Castelo-Bran-
co, e Jorge Freitas Branco (orgs.),
Os boleros e canções da moda, em castelha- dos ainda visíveis efeitos na dança popular e nos Vozes do Povo: A Folclorização em
no, os sambas brasileiros e as músicas da rádio ranchos folclóricos e etnográicos. Portugal. Oeiras: Celta Editora.
dos cançonetistas da época eram os repertórios Jorge Dias faz esta referência ao Alentejo: (17)
Tese de doutoramento, ISCTE,
que toda uma juventude das vilas e cidades do O Alentejo tinha épocas do ano, em que desciam os Departamento de Antropologia,
Alentejo e doutras regiões do país conhecia de “ratinhos” da Beira e subiam os algarvios para traba- Lisboa, 2007

ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 15


lharem nas fainas dos campos, e formavam grupos A Emissora Nacional de Radiodifusão já tinha come-
em que reinava a animação desses jovens que vinham çado a partir de 1933, a difundir programas musicais
ganhar uns escudos às terras do pão. Nos períodos de que mais tarde incluíam também fados e música
descanso, após as refeições servidas no campo, era folclórica. A música popular, que até então estava
frequente cantaram e dançarem, enquanto os jovens relacionada com uma certa região, foi-se começando
alentejanos dançavam bailes de roda. a apresentar como uma ementa variada, onde se ofe-
recia de tudo. (...) Em 7 de Março de 1957 organiza-se
E enumera algumas das causas para a mu- a Rádio Televisão Portuguesa. (...) A televisão oferece
também programas de folclore musical. Em todas
dança: as regiões do País, ouvem-se as canções dos outros,
Por volta de 1925, eram frequentes os gramofones e vê-se como eles dançam.
de corda, transportáveis, que as pessoas abastadas
levavam para as casas de campo, mas a sua acção Dança e baile são designações que na En-
era muito limitada. Porém, quando se começaram
ciclopédia da Música em Portugal no Século
a utilizar nas festas pequenos motores geradores
de electricidade, com gira-discos e altifalantes, os XX(18) merecem entradas diferentes e referências
resultados foram fulminantes. Foi um autêntico golpe bibliográicas distintas. Susana Sardo e Clara
de morte no folclore musical de certas regiões. (...) Nunes assinam o baile, e Daniel Tércio e Maria
Como o comportamento da gente nova se fosse trans-
formando com o tempo, alguns bispos começaram
José Fazenda a dança. Outras entradas que
a querer proibir que as festas profanas estivessem têm directa ligação com as danças no Alentejo,
associadas às festas religiosas. A tradição de ir à festa são, além das danças populares (malhão, chula,
religiosa ou à romaria estava, desde há séculos, asso- corridinho, fandango, saias, p. ex.), a dança das
ciada a uma noção de festividade que também tinha
os seus aspectos lúdicos; e isso fez com que as festas itas e o balho de Cristina Brito da Cruz (desig-
populares tomassem também uma nova feição. Mais nação também usada no Alentejo e Beira Baixa),
tarde começou a própria Guarda Republicana a exigir o baile mandado de Margarida Moura, o baldão
licenças para fazer festas ou bailes, certamente para de Maria José Barriga, o bailarico de Susana
melhor poderem controlar desmandos, mas foi mais
um elemento que ajudou à extinção das festas popula- Sardo. As entradas dos instrumentos populares
(18)
Direcção de Salwa el-Shawan
Castelo-Branco, editada em res, onde se conservava certo tipo de folclore musical. portugueses, sem excepção, fazem referência
2010 pelo Círculo de Leitores. (...) aos contextos de utilização que incluem a dança.

16 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM


Encontramos por todo o país referências Em Espanha, alguns autores distinguem os Vou cantar uma cantiga
a danças que, em inais do século XIX e no pri- termos baile e dança (danza). Joaquin Diaz(20) Não sei se cante, se não,
Mulheres casadas no balho
meiro quartel do século XX, eram uma das alerta para a imprecisão com que linguistas, Não têm aceitação
marcas distintivas nos bailes da alta sociedade musicólogos e coreógrafos os usam: “unos pien-
e também das classes média e pequeno-bur- san que la danza tiene um carácter solemne y
guesa. Valsas, polcas, mazurcas, schotish, pas distinguido, haciendo derivar el vocablo del fran-
de quatre, galope, quadrilhas eram ensinadas cês antiguo danzier; el termino bailar (sinónimo
no Real Colégio Militar, na Escola Académi- de sotar) tendria, por el contrario, un carácter
ca, no Colégio Inglês e em muitas sociedades más popular”.
recreativas. Um Tratado de Dança(19) de E. Ze- Reira-se que alguns tratadistas do Renasci-
noglio ou o Novissimo e Completo Manual de mento consideram dança a que era executada
Dança, “tratado theorico e pratico das danças por senhores e nobres, com movimentos ele-
de sociedade..., com indicações do professor de gantes e passos lentos, sem utilizar as mãos,
dança Alvaro Dias Patricio” (de 1888), foram enquanto que o baile teria como características
utilizados na difusão das danças e nas normas o movimento de braços e de cintura com que os
de cortesia e regras sociais a que ambos os au- camponeses mostravam a sua alegria e viviam
tores dedicam muitas páginas. Algumas dessas as suas festividades. Também se considerava
danças viriam a ser popularizadas, adoptando os a dança como sujeita a regras ixas que o execu-
mesmos nomes ou designações aproximadas. tante seria obrigado a respeitar, enquanto o baile (19)
Ernesto Zenoglio (s. d.),
Tratado de Dança: Contendo Todas
Outras já eram conhecidas em várias regiões por seria uma forma de expressão mais espontânea as Danças de Sala e Respectivas
circuntâncias históricas diversas e nem sempre e menos sujeita a regras. Musicas. Lisboa: Livraria Ferreira
Editor (séc. XIX).
esclarecidas (invasões francesas, presença Para Joaquin Diaz, a distinção estará na es-
de exércitos espanhóis e ingleses, permuta pecialização que a dança adquire, à semelhan- (20)
Joaquin Diaz, e Carlos Porro
permanente com territórios limítrofes). Para ça de outros ofícios, organizados em grémios (2007), Los Bailes. Edição da
Fundação Joaquin Diaz
as comunidades que as adoptaram, são con- e actividades: um conteúdo artístico que pode ser para o Museo Etnográico
sideradas como danças populares. apreciado por espectadores. Estes pertencem de Castilla y Leon.

ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 17


a diferentes estratos ou classes, sendo os mais o elemento ritual no Baile popular por permitir
comuns, em Espanha, a Corte e a rua em cidades a coesão do grupo e ser uma importante fonte cultural
em que se expressam inúmeros valores.
e aldeias. Os artistas da Corte, com receitas
próprias e dos mecenas, desenvolvem a dança
em escolas, relexo das modas e caprichos das Os arquivos de que falávamos no início já
épocas e pessoas. Nas aldeias, a função social não assustam ninguém. Nem residem mais em
do baile sobrepõe-se à estética. Quase todos os locais fechados e baientos, longe de quem lhes
actos importantes durante as festas abriam ou quer bem e deles sabe tirar partido. São acervos
terminavam com um baile(21). organizados e abertos, a que se tem acesso na
Se alternaban así la mazurca y el pericón con temas Internet. Constituídos por testemunhos organiza-
tradicionales, y el chotis o el tango bailados con más dos a que se chega por diversos classiicadores,
o menos garbo, servian de intermedio a las jotas del e objecto de um constante renovar pelos di-
país. La polca y la mazurca, bailes del XIX, habían ferentes olhares e saberes que os consultam.
caído em desuso en los salones ciudadanos pero se
O Arquivo das Danças do Alentejo apenas
mantenían – algunos se han tradicionalizado después
– en el medio rural.
pretende dar a conhecer e de preferência a
reinventar o gosto e a fruição que a sua prática
O baile social, que Carlos Porro(22) deine como proporciona.
eminentemente relacional, sem negar as compo-
nentes lúdica e artística, resulta da necessidade Domingos Morais
de juntar, reunir, estar acompanhado. E diz-nos IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional
Universidade Nova de Lisboa
ainda que
Estando quase perdidos (de forma relativa ou pelo
menos consciente) o carácter ritual do Baile, enquanto
(21)
Op. cit. p. 7 dança de adoração e veneração, ligado aos elementos
naturais, a água, as plantas, os animais, os astros
(22)
Op. cit. p. 19 e as divindades criadoras, subsiste apesar de tudo

18 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO ALENTEJO – AS FALAS QUE BAILAM


DANÇA ALENTEJO!
UM PROJETO, Neste contexto de colaboração, onde soma-
MUITAS PERGUNTAS mos para poder multiplicar, iniciamos uma pri-
meira campanha de pesquisas sobre as danças
ocumentar as danças tradicionais do do Alentejo, dividida em duas etapas: abril a junho

D Alentejo e mostrar o espírito e o sentido


do baile popular deste e neste especíi-
co território foi para nós estimulante desde as
de 2010 e setembro e outubro do mesmo ano.
Nos caminhos que se abriram muitas foram as
nossas perguntas e as perguntas que se apre-
primeiras conversas acerca do tema que, ainal, sentaram por outras vozes.
se consolidaram no desenvolvimento do projeto Sabendo que no momento não chegaríamos
Arquivo das Danças do Alentejo, no ano de 2010. a todas as respostas, acreditando na longevidade
Conversas que uniram vontades e capacidades deste projeto e no comprometimento dos envol-
vindas da diversidade de experiências. vidos, optamos por tratar, neste primeiro Caderno
O processo para se chegar ao projeto e a cons- de Danças, algumas das questões centrais que
trução de seus objetivos contou com a vocação permeiam esta iniciativa, e elegemos algumas
inequívoca de dançar e fazer bailes da Associação regiões e repertórios pontuais dentro do vasto
PédeXumbo, com o desejo obstinado de documen- território alentejano.
tar e valorizar tradições populares da nossa equipe Como, porque, com quem e para quem do-
e com a percepção da importância do acesso cumentar danças tradicionais foram indagações
a este acervo que conduz as realizações do IELT que nos acompanharam ao longo do trabalho.
– Instituto de Estudos de Literatura Tradicional Elas nos conduziram, orientaram, nos izeram
da Universidade Nova de Lisboa. reavaliar nossas posturas e condutas em campo.

DANÇA ALENTEJO! CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 19


Documentar danças tradicionais foi sempre A árdua tarefa de documentar danças tradi-
um propósito que nos remeteu ao movimento cionais, “os muitos porquês” decorrentes dela, as
e à linguagem em movimento, pelo que não nos incursões de campo então realizadas mostraram
parecia possível prescindir do registro audiovi- saberes sobrepostos que se entrelaçavam no ato
sual e de uma documentação das peças que de dançar. Para chegar a este bordado, tecido
facultasse aos nossos interlocutores mostrar com arte e cerimônia, foi necessário perceber que
nos seus próprios corpos, com seus próprios a trama envolvia valorizar para então registrar
sentidos, a sua dança. e divulgar. Verbos que também se traduzem em
Também nos pareceu razoável, diante da gostar e acreditar, criar documentos para a pre-
rápida evolução tecnológica e da presença da servação, mostrar o que se fez a im de praticar
tecnologia audiovisual como linguagem emi- e incentivar a (re)apropriação destes conheci-
nente na atualidade, que os registros a que nos mentos pela nossa geração e pelas que virão.
propúnhamos usassem deste recurso como con- Pouco sentido teria a nosso ver investir na
dutor dos documentos do repertório, razão pela documentação destas danças não fosse para
qual este caderno remete muitas observações dançá-las, ensiná-las a novos e mais dançadores
e comentários a uma compilação de endereços naquele que é nosso espaço de consenso: o baile.
(links) disponibilizados na Internet. E é justamente para culminar no baile, para
Esta estratégia permite ao nosso leitor con- dar vida ao terreiro, ao arraial e mais recente-
sultar na Internet documentos audiovisuais mente às tendas dos festivais, para contribuir
das peças que referenciamos. Cabe dizer que nesta entidade física e de personalidade singular,
a socialização dos conhecimentos e um acesso embora de corpo coletivo, chamada baile popular,
alargado às danças sempre foi objetivo deste que empreendemos esta documentação. Para
trabalho. Acreditamos que a melhor maneira quem? Para quem quiser. Para quem for ao baile.
de dar espaço e lugar a um repertório é dá-lo Para quem dança. Para quem ainda virá a dançar.
a conhecer e partilhá-lo para que sua força re- Um baile inclusivo, composto pelas chamadas
verbere além do que podemos imaginar. “danças sociais”, onde o que realmente importa

20 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO!


não é a diiculdade coreográica, mas sim a par- No princípio de tudo, sabíamos apenas que
tilha, o inserir-se, é o que move nossa proposta. o material era disperso, que as fontes não esta-
Reforça a maneira de pensarmos no baile como vam acessíveis a um público alargado, que seria
necessidade do encontro, como momento que preciso ir a muitos lados, conversar com muitas
transforma a tristeza em suor e faz brotar a roda, pessoas, cavar fundo. A esta ação de congregar
o par, o riso, o namoro, a sociabilidade da aldeia. várias vozes, experiências, distintas documenta-
De certo modo, ordenados o como, o por- ções, chamamos arquivo.
quê e o para quem no âmbito geral das nossas Melhor reforçar que uma das inalidades deste
proposições, foi preciso libertar o nosso olhar. trabalho, a ser atingida a médio e longo prazo,
Permitir que não fôssemos nós a criar as pri- é a de constituir uma ferramenta de consulta na
meiras respostas, a respondermos somente as Internet, que congregue séries de documentos de
nossas perguntas. Tarefa exigente. Foi preciso danças tradicionais e populares do Alentejo em
ir até a aldeia e deixar que ela nos mostrasse diversos formatos e suportes, portanto oriundas
o que se faz hoje em dia, o como se faz e o que de fontes múltiplas, praticadas em outros tempos
lá se pensa deste fazer. Foi preciso ouvir o que e nos dias de hoje, disponibilizadas gratuitamente.
se lembra de um fazer passado, qual o espaço Acreditamos que a principal virtude deste
para um fazer presente, que desejos, que ga- nosso futuro arquivo será reunir documentos
nhos e que perdas o baile do Alentejo tem para e permitir sua consulta por subtemas que interli-
olharmos, vermos, aprendermos, interagirmos guem informações e facilitem uma visão ampliada
e, sim, dançarmos. do tema geral. Se esta congregação de saberes
hoje dispersos puder incentivar novas práticas
UM ARQUIVO, QUE ARQUIVO? e pesquisas e fomentar a discussão sobre o mate-
rial “arquivado” teremos dado alguma contribui-
O nome arquivo surgiu já nos primeiros encon- ção, conseguindo juntar tantas falas, tornando-as
tros, durante os primeiros diálogos, nas relexões de algum modo uma conversa, visibilizando, assim,
para compor a estrutura do projeto. as muitas vozes que dançam no Alentejo.

DANÇA ALENTEJO! CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 21


O BAILE, A DANÇA, ça concêntrica, servia como expressão cultural
O DOCUMENTAR e artística, por meio do cantar, do tocar, do dançar,
do contar, do conviver das várias gerações, do per-
O baile popular é razão e inalidade de encon- petuar nos jovens a continuidade dos saberes locais.
tro, nasce da festa, do trabalho, da cerimônia Dançar era oportunidade de convívio e de
e da fé, gera a possibilidade da construção de extravasar as durezas do dia-a-dia, era também
uma nova rede social e da diversão e catarse. oportunidade de descobrir territórios, fosse ao
Em Portugal e de forma extrema no Alentejo andar vários quilômetros para ir ao baile do outro
do cantar, ele ilustra a vida da aldeia como um monte, fosse ao tocar na mão do par.
momento ao mesmo tempo habitual e singular. A dança popular, assim como o corpo popu-
Em tempos em que o trabalho era duro, lar registram ainda hoje essas marcas de um
o dinheiro e os meios materiais eram escassos homem moldado pelo seu meio, pelos sentidos
e a diversão era produzida pela própria comu- que a vida lhe imprime, pelos costumes de um
nidade – no sentido, no fazer e nos meios –, determinado cotidiano. Os dançadores locais de
o baile constituía-se na festa por excelência. Não um repertório tradicional têm uma expressão
havendo outras formas de entretenimento, era própria e constroem nos seus gestos signiicados
preciso dançar e muitas vezes cantar para poder que vão além do movimento e da dança.
dançar, a im de produzir divertimento com as Documentar a dança popular de uma região
próprias mãos e, claro, com os próprios pés. Nas pressupõe, no nosso entender, documentar o
aldeias que povoavam o território, construídas objeto em si, ou seja, seus movimentos e passos
no seio dos valores e práticas rurais, permeadas especíicos, sua coreograia e conjunto, seu corpo
pelo isolamento, ele era no dizer da maioria da físico, individual e coletivo, e documentar o seu
população “a única diversão que se tinha”. entorno, o porquê de se fazer, os signiicados
A dança no Alentejo, eminentemente inclusiva, que lhe impõem seus dançadores, os contextos
proporcionava o toque, a troca, o prazer. Além que levam ou levaram determinada comuni-
disso, rodeada pela sociedade rural e sua for- dade a dançar seu trabalho, festa e fé daquele

22 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO!


modo, para que, desta forma, se compreenda permite estar em movimento, que relete de
esta multiplicação de expressões, para que se dentro e se esforça para reletir com um olhar
possa ler no movimento um corpo popular, que de fora sobre os contextos, mecanismos e diá-
representa no físico o seu pensar. logos que se estabelecem ao longo do seu fazer.
Intrigante tarefa é esta que alia as particula-
ridades de ver o movimento e o pensamento do UM ALENTEJO,
movimento. E no Alentejo, no tempo corrente, MUITOS ALENTEJOS
torna-se ainda mais complexo reunir as práticas
e as memórias à volta da vida rural e do baile Nesta primeira realização concreta empre-
popular em um território tão marcado pelo es- endida pela Associação PédeXumbo no sentido
vaziamento físico. de documentar danças portuguesas, o Alentejo
Um dos maiores desaios deste processo de surgiu naturalmente. Destacamos aqui três ra-
documentação é o despovoamento do Alentejo zões fundamentais para isso: a) ele é a sede da
e a consequente transformação da vida rural. associação que tem aí desenvolvido projetos
A este fator somam-se as questões que cons- de continuidade; b) observa-se a presença de
troem e reconstroem o projeto de um arquivo de um baile eminentemente inclusivo em diver-
danças, tais como: suportes técnicos e padrões sas partes do território; e c) entendeu-se como
conceituais que se escolhe para documentar, importante desmistiicar a idéia estranhamente
qualidade técnica dos registros, veículos de difundida de que não haveria danças no Alentejo.
disseminação da informação, capacidade de Durante as pesquisas descobrimos que breves
análise dos contextos a partir dos registros dos citações das danças e dos bailes apareciam em
entornos das danças, condições para registrar textos literários, periódicos, crônicas e narrativas
os repertórios a partir de núcleos de dançadores locais, indicando práticas de tempos idos. Aliás,
locais, entre outras. numa primeira incursão bibliográica em busca
O Arquivo das Danças do Alentejo é um pro- de referências sobre as danças da região, conir-
jeto de registro das danças tradicionais que se mamos a hipótese de que seria uma contribuição

DANÇA ALENTEJO! CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 23


válida oferecer mais material à comunidade • Bailaricos populares • Maquinéu
com o cuidado de organizá-lo de maneira a ser • Bailes de roda • Palminha
alcançado com relativa facilidade.
Estes lampejos sobre um Alentejo a dançar • Bailes de mastro • Pézinho
e as notícias que nos chegavam dos dias de hoje, • Modas de balhar • Picadinho
pelo telefone, via e-mails, pelos depoimentos • Balhos campaniços • Pinhões
de quem vive e faz baile por estas terras nos
• Danças encadeadas • Puladinho
levaram a organizar uma lista das danças en-
contradas nas fontes bibliográicas e nas fontes • Cerimónias • Pulante
orais. Isto feito, seguimos para as aldeias em • Chegadinho • Raspa
busca do baile.
• Corridinho • Raspadão
Estabelecemos uma primeira lista de danças
e nela acrescentamos ainda algumas peças, • Dança das itas • Redondinha
fruto dos depoimentos e gravações em campo. • Danças de jogo • Saias
A nosso ver, ela não está fechada, mas serve
• Dança dos Corcovados • Salto em bico
neste momento como uma boa referência do que
se dançou no Alentejo no passado e do que se • Dança dos Entrouxados (ou bico e tacão)
dança na atualidade, no âmbito de um repertório • Danças marcadas • Sarapateado
tradicional e popular, que segue:
• Escalhavardos • Sarilhos
• Fado • Seguidilhas
• Fandango • Tope
• Fogo del fúzil • Valsa mandada
• Marcadinha (ou sagôrra)
• Marchas • Vira

24 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO!


Dar lugar a uma dança num projeto de docu- passo que se dança. Já uma peça dita popular
mentação, creditá-la como pertencente a uma está presente há um tempo que pode ser mais
região, enquadrá-la em um contexto e designá- facilmente situado e ganhou espaço no gosto
la como tradicional ou popular foi sempre uma e nas práticas locais, a ponto de ser incorpora-
questão que mereceu cuidadosa atenção no da no cotidiano e por vezes na construção da
projeto. Nosso critério partiu do pressuposto identidade. Não raro, é também reconhecida
de que, primeiramente, quem deve considerar pela população como “pertença local”, como
uma dança “local” são os dançadores da região. conteúdo apropriado e defendido pelo interesse
E, depois de ouvir em variados depoimentos que que desperta. Por ainidade, ganha espaço no
determinada dança era considerada expressiva “gosto popular”.
em determinado lugar, antes de compreendê-la Um exemplo concreto que permeou nossas
como parte da cultura local, chegava o momento pesquisas de campo foi o vira, dança associada
de levantar considerações tais como: há quantas ao Norte de Portugal.
gerações o objeto de estudo a ser documentado Temos encontrado o vira em localidades do
vinha sendo praticado, em que ocasiões usava- Alentejo pelas quais já tivemos oportunidade
se dançar o tema, qual a frequência, quais os de passar. Por exemplo, no Alentejo Litoral,
signiicados atribuídos a ele e que lembranças tem sido dançado por ranchos folclóricos, as-
despertava? sim como no Alto Alentejo. Mas ainda antes da
As nomenclaturas aqui usadas – tradicional existência dos ranchos, ele estava presente nos
e popular – em alguns momentos se tocam, bailes populares e nos bailaricos armados ao im
entrelaçam-se. De modo geral, uma peça cha- dos trabalhos rurais. Nas entrevistas que temos
mada de tradicional está presente em uma co- feito, não raro pessoas a volta dos seus 50, 60,
munidade ou localidade por tanto tempo que já 70 anos e mais dizem lembrar dos seus avós
se tem diiculdade de saber quando começou dançando o vira. São signiicativos estes relatos
ou de onde veio ou quem terá composto origi- da troca das danças de região para região, muitas
nalmente o verso que se canta ou inventado o vezes impulsionada pelas levas de trabalhadores

DANÇA ALENTEJO! CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 25


que iam e vinham em busca de trabalho nas Nas comunidades rurais, o baile não é popular,
mondas e ceifas, das Beiras, do Algarve e não nem tradicional, é apenas baile. Lá se dança
só. Os dançadores de hoje têm-nos dito que “o que se gosta”, “o que dá vontade”, “o que
o vira é do Alentejo, que aprendeu-se em tempos é bom para dançar”.
idos e dança-se há muito e com gosto, pelo que Um vasto território a nossa espera. Uma sur-
consideram-no deles. Novamente ressaltamos: preendente memória comum dos bailes canta-
a apropriação pelos que dançam é um crité- dos, uma inesperada força em particularidades
rio relevante e, portanto, ao constatarmos sua de repertórios locais. Um Alentejo que, além de
prática signiicativa, listamos o vira como uma cantar, ainal dança.
dança alentejana. Nesta primeira edição do projeto Arquivo das
O aprendizado de repertórios e seu uso conti- Danças do Alentejo, dedicamos as atenções
nuado fortalecendo a presença e importância tan- a duas realidades diversas: Baixo Alentejo, no
to de músicas quanto de danças populares, que entorno de Castro Verde, enfocando os bailes
por vezes se tornam com o tempo tradicionais, cantados e as danças de roda, e no Alentejo
é uma constante neste vasto universo da tradi- Litoral, na Serra de Grândola, na localidade de
ção oral. A nosso ver, a transição de uma peça Melides e arredores, com as práticas a volta das
(musical ou dançada) de popular para tradicional valsas mandadas.
é um processo que se dá ao longo de muito tempo, Neste caderno convidamos os nossos leitores
e nem sempre será possível estabelecer quando a descobrir a beleza, diversão e afeto das dan-
começa ou termina. ças do Alentejo e a aprendê-las por meio dos
Há que se dizer que os bailes eram populares. endereços na Internet apresentados.
O olhar de fora é que os tornou tradicionais, ao
analisá-los e imputar-lhes – aos conteúdos e aos A todos, boa viagem!
conhecimentos locais ali retratados – valoração
e temporalidade.

26 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO!


NOTAS
OS FILMES AS LEGENDAS DAS ILUSTRAÇÕES
Este caderno apresenta uma série de ende- No capítulo Bailes cantados apresentamos
reços disponibilizados na Internet com registros alguns esquemas a im de auxiliar o leitor a iden-
audiovisuais das danças descritas nos capítulos tiicar posições iniciais e movimentos das danças,
Bailes cantados e Valsas mandadas. representados pelos seguintes signos:
Os videogramas possibilitam ao leitor uma
visualização da execução das danças e estão
divididos em duas categorias: homem mulher
Registros de consulta – ilmes realizados no
ano de 2010 no âmbito do Projeto Arquivo das > O rosto dos dançadores, que corresponde
Danças do Alentejo. à direção para a qual estão voltados é represen-
Outras fontes – ilmes publicados na Internet tada pela área branca. A área negra representa
por vários autores que permitiram a utilização as costas dos dançadores.
dos mesmos para exempliicar as peças destes
repertórios.
No intuito de facilitar a consulta e o estudo das mãos em cadeia
(mão esquerda com mão esquerda,
danças, todos os ilmes referidos neste Caderno mão direita com mão direita)
de Danças do Alentejo Vol. 01 estão disponíveis
no endereço:

www.memoriamedia.net/dancasdoalentejo par dá a mão par dá a mão


(homem mão esquerda, (homem mão direita,
mulher mão direita) mulher mão esquerda)

NOTAS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 27


BAILES CANTADOS
UMA PRÁTICA COLETIVA
memória de um baile cantado está pre- faz hoje nos grupos corais alentejanos, ou to-

A sente em diversas regiões do Alentejo.


Muitos ainda lembram que o cantar era
natural e corriqueiro. As histórias cotidianas eram
cado por instrumentos locais como a gaita de
beiços, a viola campaniça, a concertina e mesmo
o acordeão, quando disponíveis.
cantadas nos casamentos, batizados, almoços, Um baile cantado à moda antiga, como se fez
trabalhos rurais, matanças de porco, festas de por tantas décadas nos montes, nas ceifas, nas
santos, entre outros. Assim, foi se formando um casas, nas ruas e à volta dos mastros(2), hoje não
repertório local, hoje entendido como tradicional. parece factível. Entretanto, a força das músicas
O cantar era também possibilidade concreta e a diversão que nos proporcionam as danças
de realizar o baile, dado que em muitas ocasiões de roda sublinham a riqueza e a aceitação deste
não havia um tocador nem mesmo instrumentos. repertório, que acreditamos encontrará novos
Por vezes, como no caso dos trabalhos rurais, espaços para a sua prática.
seria impensável arranjar um tocador, pelo que Muito embora em geral não se vejam estas
(1)
Os grupos corais alentejanos
são coros polifônicos compostos
era preciso cantar para dançar. danças nos bailes populares das atuais festas
por homens ou mulheres ou, em Neste capítulo, abordaremos algumas danças das aldeias do Alentejo, quando elas são invo-
alguns casos, são coros mistos, que compunham o vasto repertório dos bailes cadas em ocasiões como oicinas de danças,
cujo repertório é formado pelas
modas tradicionais da região. populares na região do Baixo Alentejo, no con- pesquisas de campo e encontros de amigos,
Estas peças são cantadas celho de Castro Verde. nota-se que tanto quem já as conhece, quanto
a duas, três ou quatro vozes
chamadas de: Ponto, Alto, Vale dizer que este mesmo repertório poderá quem ouve (e dança) pela primeira vez passa
Segundas e Baixo. A voz ter sido cantado a vozes(1) nos bailes, como se pela experiência do baile inclusivo e da dança
»

28 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


»
de grupo. Em outras palavras, identiica-se com água desce – dança de jogo; Silva, silva, enleio, denominada Ponto, voz do
solista (correspondente a 1ª voz)
o repertório, consegue executá-lo, participa, enleio – dança encadeada; Casaquinha – dança inicia a moda marcando
interage, e apreende o seu conteúdo musical marcada; Marcadinha, Pezinho – danças de par. a tonalidade em que se cantará
naquela execução. O Ponto sola
e coreográico. É possível dizer que, atualmente, dança-se até o im do segundo verso.
As danças aqui apresentadas retratam ape- mais no Alentejo do que se fazia há duas ou três A seguir, a voz denominada
nas parte do que se dançava nos bailes de décadas quando algumas tradições culturais Alto (correspondente a 2ª voz),
cantando uma terça acima da
outros tempos. Foram selecionadas já que: locais foram “abandonadas” pelos jovens que voz do Ponto, inicia solando
a) apareceram como exemplos nas entrevistas sentiam necessidade de ruptura social com no começo dos dois segundos
versos da quadra, e logo
realizadas em campo; b) faziam parte de temas aqueles valores, na altura associados pejora- é acompanhada pelo coro que
executados por grupos e tocadores da região; tivamente à pobreza, a tempos de diiculdade dá prosseguimento a música.
c) representam diferentes danças que contêm e a populações pouco instruídas. Para mais informações sobre
o canto polifônico no Alentejo
passos e movimentos variados, alargando as Atualmente, em parte como resultado deste e as funções das vozes, ver refe-
possibilidades para a composição de um baile processo e somado entre outros fatores a rápida rências em: OLIVEIRA, Ernesto
Veiga de, 2000, Instrumentos
sobre um repertório local. e intensa troca de informações, os repertórios Musicais Populares Portugueses,
Na pesquisa realizada nesta etapa estivemos são outros, assim como os tocadores. Nos bailes 3ª ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian/Museu
em Castro Verde, São Marcos da Atabueira, pelo Alentejo os acordeões ou sintetizadores Nacional de Etnologia,
Aldeia do Corvo, Panóias, Sete. Nossas princi- eletrônicos executam peças variadas, desde Apêndice III, pp. 390 e 391.
pais fontes foram: Pedro Mestre, Grupo Coral Quim Barreirros à popularíssima kizomba (gênero
(2)
Os mastros eram troncos
e Etnográico As Papoilas do Corvo, Ana Cor- proveniente de Angola), passando por música erguidos nos adros e nos terrei-
reia, Hermínia Horta, Grupo Coral Feminino As popular brasileira, marchas, corridinhos, polcas, ros em homenagem aos santos
populares e santos padroeiros.
Atabuas, José Dionísio, Manuel Bento, Maria mazurcas e outras. Enfeitados com ervas e lores
Cesaltina Bailão, entre outras colaborações. É raro assistir, nos dias que correm, um baile constantemente renovadas,
permaneciam montados
Baseados nos depoimentos, nas referências e em que os próprios dançadores cantem a música durante longos períodos, na
nas sugestões destas pessoas, selecionamos as que se dança. De certa forma, não fará sentido altura das festas joaninas e dos
padroeiros. À volta dos mastros
seguintes peças: Penteei o meu cabelo, Centro ao para a população local retomar o baile nos moldes realizavam-se bailes de roda
centro, Arquinhos – danças de roda; Água sobe, das aldeias e dos mastros dos santos populares. com os repertórios locais.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 29


Em idos tempos, festejava-se no Alentejo so desejo de querer explicá-lo de uma única
como em todos os lados, comendo e bebendo, maneira. Optamos, em alguns casos por indi-
dançando e cantando. Hoje, como em muitos car os movimentos, mantendo a abertura para
lados, canta-se menos. E o repertório do que a possibilidade de outras alternativas de exe-
se dança também mudou. cução. Seguindo este mesmo caminho, apenas
Alguns entrevistados airmam que muitas das indicamos a moda e a cantiga (3), assumindo
modas cantadas pelos grupos corais têm dan- a possibilidade de variações, tanto na ordem
ças próprias e que foram em tempos passados em que se canta cada uma destas partes da
modas cantadas em bailes e, por vezes, neles canção, quanto no número de repetições que
(3)
Os termos moda e can- criadas – oportunidade em que rapazes e rapa- as mesmas podem ter.
tiga são usados no repertório
tradicional do Baixo Alentejo
rigas despicavam-se e compunham versos para É preciso dizer que no Baixo Alentejo, nas
para designar as partes de uma animar a festa e descrever os temas locais que no últimas duas décadas, uma série de iniciativas
música. O nome moda é usado
para designar a música em si,
convívio despontavam como a história do grupo. individuais e institucionais marcam uma colabo-
associada à melodia que lhe Com o passar do tempo, torna-se difícil recupe- ração signiicativa com a pesquisa, a documen-
caracteriza, correspondendo
também à parte da letra que
rar na memória dos mais idosos os detalhes e as tação e o fomento das práticas dos repertórios
dá nome à peça e que também especiicidades de determinada dança. Também tradicionais. Trabalhos como os empreendidos
pode ser entendida como o re-
frão da canção. O termo cantiga
não se pode dizer ao certo que sempre se dançou por José Francisco Colaço Guerreiro com o pro-
é usado para uma série de qua- unicamente deste ou daquele jeito quando se grama radiofônico Património, José Alberto
dras improvisadas, cantadas
entre as repetições da moda.
trata do baile popular. Mesmo porque o baile Sardinha com a pesquisa sobre as violas cam-
Estas quadras, as cantigas, não popular acontecia em diferentes localidades paniças, as pesquisas de João Ranita da Nazaré,
são ixas, podem ser cantadas
ao gosto e seus textos apare-
e não havia uma única regra. O sapateado, que cá a Moda – Associação do Cante Alentejano, a
cem em diferentes músicas começa com a direita, lá faz-se com a esquerda. Cortiçol – Cooperativa de Informação e Cultura
com as melodias adaptadas
às modas. Vale ressaltar que a
O que se nota é que o tal sapateado aparece, de Castro Verde, Manuel Bento, tocador que é
estrutura dos textos, tanto das marcando uma singularidade naquela dança. uma referência de aprendizagem para as novas
modas quanto das cantigas,
é composto por quadras, ou
Ao longo desta pesquisa aprendemos a aceitar gerações, Pedro Mestre, que tem realizado pes-
seja, estrofes de quatro versos. a variante. Deixamos o baile ganhar do nos- quisas e documentação em diversas localidades,

30 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


os grupos corais de homens e mulheres, entre o leitor, tanto o experimentado quanto o iniciante,
outros, constroem uma rede de informação, que usamos as letras das modas e cantigas como
resulta também na possibilidade de registrar guia do movimento deste dançador-cantador
danças outrora comuns no território. que, agora, toma o baile para seu corpo e voz.
Por im, ressalta-se que os registros de consul-
ta apresentados neste capítulo, gravados durante
a pesquisa de campo, que remetem a endereços
na Internet (links) com ilmes das danças, são
apontamentos de momentos especíicos. Por
vezes, reforçam as variantes, servindo como
um registro visual para as descrições e como
apenas mais uma possibilidade de execução.
Procuramos, ao indicá-los, facilitar uma aproxi-
mação visual com a descrição escrita da dança.
Esperamos que, por meio deles, o leitor amplie
suas possibilidades de apreensão do conteúdo.
Seguindo esta mesma linha de aceitação das
variantes, optamos por não marcar os compas-
sos e o número de passos de um movimento
em relação a estes, pois entendemos que, no
caso dos bailes cantados, a dança dependerá do
cante, pelo que tornam-se mais que propícias
a improvisação e a variação. Desta forma, não
indicamos uma única regra onde existem múl-
tiplas abordagens, certos de que nelas reside
a maior riqueza do baile. Entretanto, para guiar

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 31


PENTEEI O MEU A DANÇA
As danças de roda cantadas pelos dançado-

CABELO res eram comuns nos bailes do Baixo Alentejo.


Nestas danças, destacavam-se a variedade das
DANÇA DE RODA modas e o improviso das cantigas.
A peça aqui registrada serve como modelo para
ESTRUTURA MUSICAL um sem-im de modas (como, por exemplo, Venho
Melodia A três vezes com a moda da Ribeira Nova, Não quero que vás à monda, Fui
Melodia A uma vez com uma cantiga colher uma romã, Sobe acima ó laranjinha, entre
outras) que podem ser usadas para esta mesma
FONTE estrutura coreográica da dança.
roda dupla, mãos em cadeia
Grupo Coral e Etnográico (homens dentro,
As Papoilas do Corvo (Aldeia do Corvo) mulheres fora) POSIÇÃO INICIAL
Andamento: andante Roda dupla (duas circunferências)(1). Pares
lado a lado. Homens do lado de dentro da roda,
mulheres do lado de fora(2). Orientação da roda:
sentido anti-horário.
Braços em cadeia, ou seja, braços cruzados,
mão direita com mão direita, mão esquerda com
mão esquerda.
Para dar as mãos, fazer como se fosse um
“aperto de mão”.

MOVIMENTO
Pares marcham no sentido anti-horário e se-
guem alternando o sentido da roda quando ter-

32 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


PENTEEI
O MEU CABELO
Moda
mina a melodia, quer da moda, quer da cantiga Maria Bárbara Cavaco Faustino e Maria Vitória
Penteei o meu cabelo
(momento em que termina também a quadra), Felizberto), Ana Valadas, António Guerreiro, Celina Penteei-o para trás
retornando-se assim ao princípio da melodia. da Piedade e Pedro Mestre. Gravação realizada Com uma travessa nova
na Aldeia do Corvo, a 10 de setembro de 2010. Que me deu o meu rapaz (2X)
DETALHE Que me deu o meu rapaz
Toda cheia de pedrinhas
Para mudar o sentido da roda, os pares não OUTRAS FONTES
Penteei o meu cabelo
soltam as mãos, viram o corpo de mãos dadas. <http://vimeo.com/15647908> Entrudanças Ficou-me todo às ondinhas (2X)
Os homens mantêm-se do lado de dentro da roda. 2ª Parte. Registro da Oficina de Danças Tra- Ficou-me todo às ondinhas
(No movimento do virar do corpo, o par vira de dicionais Alentejanas realizada em Entradas. Ficou-me todo ondulado
frente um para o outro.) Festival Entrudanças, 2010. Monitor: Pedro Mes- Penteei o meu cabelo
Para trás e para o lado (2X)
tre. Acordeão: Celina da Piedade. Participação:
Exemplo de cantiga
ALGUMAS VARIAÇÕES Grupo Coral e Etnográico As Papoilas do Corvo
Há ondas, meu bem há ondas
– O andamento da dança pode variar, conforme e Grupo Coral Feminino As Atabuas. Há ondas sem ser no mar (2X)
o cantar. Montagem com diversas danças. A referência Há ondas no teu cabelo
– O passo de marcha pode ser “puleado”, ou seja, a esta estrutura coreográica aparece do início E há ondas no teu olhar (2X)
um pouco saltitado, acompanhando sempre o até aos 2’06’’ na moda Marcela, Marcelinha. (1)
Margarida Moura deine a roda
andamento da música. Neste trecho aparecem possíveis variações que dupla que referimos: “os pares
descrevem duas rodas, ou seja um
– Pode-se alternar o sentido da marcha em outros os pares podem executar na forma como viram elemento do par contribui para a
compassos da música, mais ou menos vezes. para mudar o sentido da roda. deinição de uma roda exterior e
o outro elemento contribui para
a deinição de uma roda interior”
(Margarida Moura (2005), Dança
REGISTRO DE CONSULTA Popular Portuguesa. Lisboa: Uni-
<http://vimeo.com/15646191> Registro da versidade Técnica de Lisboa).
dança. Dançadores: Grupo Coral e Etnográico As (2)
Em geral a formação das rodas
Papoilas do Corvo (Amerildes Maria Francisca, nas danças tradicionais faz-se com
os homens do lado de dentro da
Maria Luísa Afonso, Bárbara Maria, Hermínia Hor- roda e as mulheres do lado de fora.
ta, Ilda Maria Constantino, Maria Adelina Santos, Pode-se fazer a composição inversa.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 33


CENTRO AO CENTRO POSIÇÃO INICIAL
Forma-se uma roda simples (uma única circun-
DANÇA DE RODA ferência). Não há uma ordem de pares deinida
na formação da roda. Todos de mãos dadas, lado
ESTRUTURA MUSICAL a lado, voltados para o centro da roda.
Melodia A duas vezes com a moda
Melodia A duas vezes com uma cantiga REGISTRO DE CONSULTA
<http://vimeo.com/15646477> Registro da
FONTE dança. Dançadores: Grupo Coral e Etnográico
Grupo Coral e Etnográico As Papoilas do Corvo (Aldeia do Corvo), Manuel As Papoilas do Corvo (Amerildes Maria Francisca,
Bento (Aldeia Nova) e Pedro Mestre (Sete) Maria Luísa Afonso, Bárbara Maria, Hermínia
Horta, Ilda Maria Constantino, Maria Adelina
Santos, Maria Bárbara Cavaco Faustino e Maria
Vitória Felizberto), Ana Valadas, António Guerreiro,
Andamento: moderado Celina da Piedade e Pedro Mestre. Gravação
realizada na Aldeia do Corvo, a 10 de setembro
de 2010.
<http://vimeo.com/15646234> Registro da
música. Voz e viola campaniça. Tocador: Pedro
Mestre. Gravação realizada em São Marcos da
Atabueira, a 9 de setembro de 2010.

OUTRAS FONTES
<http://vimeo.com/15647908> Entrudanças
2ª Parte. Registro da Oicina de Danças Tradi-
cionais Alentejanas realizada em Entradas. Fes-

34 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


tival Entrudanças, 2010. Monitor: Pedro Mestre. a esta estrutura coreográica aparece dos 3’21’’
Acordeão: Celina da Piedade. Participação: Grupo até aos 5’35’’. Nesta referência observamos varia-
Coral e Etnográico As Papoilas do Corvo e Grupo ções no uso de rodas concêntricas e na introdução
Coral Feminino As Atabuas. Este trecho apresenta instrumental que faz a dança iniciar com o andar
uma montagem com diversas danças. A referência e não com a ida ao centro.

A LETRA DA MODA DIZ: MOVIMENTO:

Vai de centro ao centro ao centro » A roda fecha ao centro


Vai de centro ao centro ao meio » A roda abre e fecha ao centro roda simples
sem ordem de pares deinida
Agora é que eu vou andar » A roda abre (sem ser obrigatoriamente
Com meu amor em passeio » A roda anda no sentido anti-horário homem/mulher alternado)
Com meu amor em passeio » A roda anda no sentido horário
Com meu bem a passear
Vai de centro ao centro ao meio » A roda fecha ao centro
Agora é que eu vou andar » A roda abre

NA CANTIGA: MOVIMENTO:

Exemplo de cantiga:
»
(1)
Quanto aos registros de consulta
Minha mãe p’ra m’eu casar A roda anda no sentido anti-horário observamos que, no registro da
Ofereceu-me uma panela (2X) música, a cantiga é cantada uma
vez, enquanto que no registro da
Possível variação: alternar o sentido do movimento dança repetem-se os dois primei-
Depois de me ver casada da roda uma ou mais vezes. ros versos e, a seguir, repetem-se
os dois segundos versos da canti-
Partiu-me a cara com ela (2X)(1) ga. Ressaltamos que a opção ica
a critério dos executantes.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 35


ARQUINHOS POSIÇÃO INICIAL EM RODA
Roda dupla. Forma-se uma roda de pares, ho-
DANÇA DE RODA mem e mulher lado a lado. Homens para dentro
da roda, mulheres para fora da roda. Mão direita
ESTRUTURA MUSICAL do homem segura mão esquerda da mulher.
Melodia A duas vezes com a moda Os pares viram-se no sentido horário e no
Melodia A duas vezes com uma cantiga sentido anti-horário, alternadamente, ou seja,
os pares icam em roda, frente a frente.
FONTE
Grupo Coral e Etnográico As Papoilas do Corvo (Aldeia do Corvo), MOVIMENTO
Manuel Bento (Aldeia Nova) e Pedro Mestre (Sete) Os pares no sentido anti-horário iniciam a mar-
cha levantando os braços.
A DANÇA Os pares no sentido horário iniciam a marcha
Em tempos idos fazia-se esta dança em roda. Atualmente, faz-se também baixando-se e passando por baixo do arco formado
em ila, caso o número de pares seja pequeno. pelos braços do par que está à sua frente de
braços erguidos.
Andamento: andante Depois de passar o “arco”, o par ergue os
braços e o par que vem a seguir passa por baixo
dos seus braços.
Simultaneamente, os pares seguintes
repetem esta mesma sequência com os pares
que vão encontrando no decorrer da marcha.
A roda segue neste movimento.

36 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


DETALHE Felizberto), Ana Valadas, António Guerreiro, Celina ARQUINHOS
Quando se dança em fila, os pares estão da Piedade e Pedro Mestre. Gravação realizada
Moda
dispostos num único sentido. O primeiro par na Aldeia do Corvo, a 10 de setembro de 2010. Ó moças façam arquinhos
vira o seu sentido, icando de frente para a ila <http://vimeo.com/15029991> Registro da Ó moças façam arcadas
e inicia a caminhada com o movimento de erguer música. Voz e viola campaniça. Tocador: Pedro Pra passar o meu benzinho
os braços e baixá-los alternadamente formando Mestre. Gravação realizada em São Marcos da Pra passar a minha amada
os “arquinhos”. O segundo par, que agora passa Atabueira, a 9 de setembro de 2010. Pra passar a minha amada
Pra passar o meu benzinho
a ser o primeiro, executa o mesmo movimento <http://vimeo.com/15667881> I Encontro
Ó moças façam arcadas
e assim sucessivamente. Ao chegar ao im da ila de Tocadores. Nisa, 2002. Baile. Registro: Miguel Ó moças façam arquinhos
o primeiro par vira o sentido e está novamente de Barriga e Maya Rosa. Exemplo de cantiga
frente para a ila, repetindo-se a sequência.
1
Vá de roda cantem todos
REGISTRO DE CONSULTA Cada qual sua cantiga (2X)
<http://vimeo.com/15031444> Registro Eu também cantarei uma
Que a mocidade me obriga (2X)
da dança. Dançadores: Ana Valadas, António
2
Guerreiro, Celina da Piedade, Domingos Morais, O Sol é que alegra o dia
Dora Alexandra Algarvio, Luísa Côrte, Milena Pela manhã quando nasce (2X)
Luísa Martins, Pedro Mestre, Sophie Coquelin Ai de nós o que seria
e Vítor Cordeiro. Gravação realizada em Castro Se o Sol um dia faltasse (2X)
Verde, a 11 de setembro de 2010.
<http://vimeo.com/15030547> Registro da
dança. Dançadores: Grupo Coral e Etnográico
As Papoilas do Corvo (Amerildes Maria Francisca,
Maria Luísa Afonso, Bárbara Maria, Hermínia Horta,
Ilda Maria Constantino, Maria Adelina Santos,
roda dupla, braços braços
Maria Bárbara Cavaco Faustino e Maria Vitória pares lado a lado abaixados erguidos

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 37


ÁGUA SOBE, A DANÇA
Nos repertórios dos bailes cantados, algumas

ÁGUA DESCE danças propunham jogos e brincadeiras, indicados


nas letras das modas e cantigas.
DANÇA DE JOGO O exemplo aqui apresentado é uma dança de
jogo cantada pela roda que propõe na letra da
ESTRUTURA MUSICAL moda ações que os pares improvisam ou, como
Melodia A três vezes com a moda sugere a própria letra, “brincam”.
Melodia A uma vez com uma cantiga
POSIÇÃO INICIAL
FONTE Forma-se uma roda simples (uma única circun-
Grupo Coral e Etnográico As Papoilas do Corvo (Aldeia do Corvo) ferência). Não há uma ordem de pares deinida
e Pedro Mestre (Sete) na formação da roda. Todos de mãos dadas,
Andamento: andante lado a lado, voltados para o centro da roda. Uma
mulher ica no centro da roda, um homem ica
do lado de fora da roda. Este será o par que inicia
a “brincadeira”, o jogo.

38 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


A LETRA DA MODA DIZ: MOVIMENTO: ÁGUA SOBE,
ÁGUA DESCE
Ao passar a ribeirinha » A roda inicia o movimento andando em passo Moda
Água sobe, água desce (2X) “puleado” no sentido anti-horário e continua Ao passar a ribeirinha
neste movimento durante toda a moda. Água sobe, água desce (2X)
Dei a mão ao meu amor
Antes que ninguém soubesse
O homem que está fora da roda e a mulher que (2X)
está dentro (chamados a partir de agora de: o Se tu és o meu amor
par) acompanham o sentido do movimento da Dá-me cá abraços teus (2X)
roda durante toda a moda. Se não és o meu amor
Saudinha, adeus, adeus (2X)

Dei a mão ao meu amor » O par dá a mão. Mão esquerda do homem se- À frente do amor
Brincas tu, brincarei eu (2X)
Antes que ninguém soubesse (2X) gura mão direita da mulher passando sobre os
Anda cá para meus braços
braços dos integrantes da roda. Ninguém te quer mais do que
eu (2X)
Se tu és o meu amor » O par abraça-se passando sobre os braços dos Exemplo de cantiga
Dá-me cá abraços teus (2X) integrantes da roda. Os corações também choram
E eu ainda não sabia (2X)

Se não és o meu amor » O par desfaz o abraço e despede-se acenando. Ontem à noite acordei eu
Ao pranto que o meu fazia (2X)
Saudinha, adeus, adeus (2X)

À frente do amor » O par brinca, propondo movimentos. Exemplos


Brincas tu, brincarei eu (2X) de brincadeira: levantar e abaixar, bater palmas,
erguer os braços, esconder-se, entre outros.
Permanecem neste jogo.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 39


Anda cá para meus braços » O homem entra na roda e dança com a mulher
Ninguém te quer mais do que eu (2X) em passo de marcha.

NA CANTIGA: MOVIMENTO:

Exemplo de cantiga: » O par permanece dançando no centro da roda.


Os corações também choram
E eu ainda não sabia (2X)

Ontem à noite acordei eu


Ao pranto que o meu fazia (2X)

NA REPETIÇÃO DA MODA: MOVIMENTO:

» O par desfaz-se, a mulher retorna à roda no lu-


gar de um homem que segue para fora da roda.
O homem retorna à roda no lugar de uma mu-
lher que segue para o centro da roda. Forma-se
assim um novo par para continuar a brincadeira.
Repete-se toda a sequência.

POSSÍVEIS VARIAÇÕES REGISTRO DE CONSULTA


– Alternar o sentido do movimento da roda entre <http://vimeo.com/15647361> Registro da
as quadras da moda, ou entre moda e cantiga. dança. Dançadores: Grupo Coral e Etnográico As
– Em rodas muito grandes, jogar com dois ou Papoilas do Corvo (Amerildes Maria Francisca,
mais pares brincando ao mesmo tempo. Maria Luísa Afonso, Bárbara Maria, Hermínia

40 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


Horta, Ilda Maria Constantino, Maria Adelina OUTRAS FONTES
Santos, Maria Bárbara Cavaco Faustino e Maria <http://vimeo.com/15647826> Entrudanças
Vitória Felizberto), Ana Valadas, António Guerrei- 1ª Parte. Registro da Oicina de Danças Tradicio-
ro, Celina da Piedade e Pedro Mestre. Gravação nais Alentejanas realizada em Entradas. Festival
realizada na Aldeia do Corvo, a 10 de setembro Entrudanças, 2010. Monitor: Pedro Mestre. Acor-
de 2010. deão: Celina da Piedade. Participação: Grupo Coral
e Etnográico As Papoilas do Corvo e Grupo Coral
Feminino As Atabuas.
Este trecho apresenta uma montagem com
diversas danças. A referência a esta estrutura
coreográica aparece dos 2’00’’ até aos 3’50’’ na
moda aqui apresentada. Nos registros referencia-
dos como Entrudanças 1ª Parte e Entrudanças 2ª
Parte (http://vimeo.com/15647908) é possível
assistir a outras danças de jogo que também
propõem brincadeiras nas letras das modas, tais
como José Marques (ou Paspalhão), Triste viuvi-
nha e Moda do rato.
<http://vimeo.com/15647725> Alentejo –
Bailes de roda – Patrimônio89. Neste registro
publicado por José Francisco Colaço Guerreiro,
vemos um baile de roda realizado em 1994 na
Aldeia Nova de Ourique. Ao longo deste trecho
podemos ver a moda Andorinha – uma peça que
roda simples pode ser executada como dança de jogo ou como
sem ordem de pares deinida
(uma mulhar dentro, um homem dança de roda – e uma dança de roda com os
fora, braços por cima da roda) braços em cadeia, na moda Lampião.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 41


SILVA, SILVA, FONTE
Grupo Coral Feminino As Atabuas (São Marcos

ENLEIO, ENLEIO da Atabueira) e Pedro Mestre (Sete)

DANÇA ENCADEADA A DANÇA


As danças chamadas encadeadas(1) apresen-
ESTRUTURA MUSICAL tam o enleio, passo em que os dançadores andan-
Melodia A uma vez com a moda do em sentido alternado, cruzam-se segurando
Melodia B com repetição das duas últimas estrofes da moda a mão da pessoa à sua frente, passando ora pelo
Melodia A uma vez com a cantiga lado de fora da roda, ora pelo lado de dentro.
Andamento: andante Nesta dança, o enleio aparece na roda, mas
poderá ser executado em outras formações como,
por exemplo, em ila.

POSIÇÃO INICIAL
Roda simples, formada por pares agarrados,
braços voltados para o centro da roda.

42 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


Par agarrado: Homem e mulher de frente um Passo base: Dois passos para um sentido, dois
para o outro. Mão esquerda do homem segura passos para o sentido contrário.
mão direita da mulher. Mão direita do homem > No começo desta dança, os pares agarrados
nas costas da mulher. Mão esquerda da mulher voltados para o centro da roda, iniciam o passo
sobre o ombro do homem. base com o pé esquerdo do homem e direito da
Observação: Muitos dançadores
mulher, portanto em direção ao centro da roda. locais quando formam um par, ao
fazerem este ou outro passo dito
de base, antes de mudar o sentido
MELODIA A || INTRODUÇÃO MOVIMENTO: do movimento, levantam um pé
INSTRUMENTAL: um pouco mais que o comum.
Este leve detalhe lembra o passo
“puleado” que referenciamos em
Quando houver introdução » Pares agarrados, voltados para o centro da outras danças da região, tanto
a pares quanto em roda. Dentre
instrumental, independentemente roda, dançam dois passos para o centro da roda as que registramos aqui, por
de sua duração. e dois passos para fora, indo e voltando para vezes nota-se na marcadinha, na
casaquinha, no pezinho, ou neste
o ponto em que estavam no início da música. exemplo de dança encadeada
esta forma regional de acentuar,
ou “personalizar” a dança. Não há
MELODIA A || NA CANTIGA: MOVIMENTO: uma regra especíica sobre como
executar o movimento, mas é inte-
ressante notar esta “marca local”,
Exemplo de cantiga: que poderá aparecer com mais
Algum dia eu cantando » Pares agarrados, mantendo o passo base, ou menos intensidade em alguns
dançadores.
Ria-se o céu, ria a terra (2X) fazem giros no sentido anti-horário, de forma
a se deslocar em conjunto com a roda. (1)
O termo encadear é amplamente
utilizado nos repertórios dos bailes
populares do Baixo Alentejo e por
E agora icam chorando » Pares agarrados fazem giros no mesmo passo, vezes refere-se não a execução do
Já eu não serei quem era (2X) agora no sentido horário, de forma a voltar ao enleio, mas ao uso de alguma posi-
ção em cadeia, como por exemplo
lugar que estavam no início da cantiga. a posição das mãos nas danças de
roda. Ver detalhes na página 30.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 43


MELODIA B || A LETRA DA MODA DIZ: MOVIMENTO:

Silva, silva, enleio, enleio » Os pares soltam os braços.


Silva, silva, enleado, enleado
A roda faz o enleio.
Não me venhas cá dizer
Ó sim, sim, meu bem amado Homens andam no sentido anti-horário e mu-
lheres no sentido horário.
Ó sim, sim, meu bem amado
Ó sim, sim, ó meu recreio Mão esquerda do homem pega a mão esquerda
da mulher a sua frente e continua segurando
Silva, silva, enleado, enleado durante o cruzamento, como se a conduzisse
Silva, silva, enleio, enleio (2X) para o próximo par, cruzando os homens por
fora da roda e as mulheres por dentro da roda.

A seguir, com a mão direita, o homem pega


a mão direita da próxima mulher que encontra
e segura até que ela passe por ele, como se
a conduzisse para o próximo par, cruzando os
homens por dentro da roda e as mulheres por
fora da roda.

Repete-se a sequência do enleio.

Os pares continuam enleando até ao im


da moda.

44 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


MELODIA A || CANTIGA OU REPETIÇÃO MOVIMENTO:
INSTRUMENTAL DA MELODIA:

» Nesta altura formam-se novamente os pares


agarrados, que podem voltar a repetir
a sequência descrita no início ou dançam livre-
mente mantendo sua posição em relação
à formação da roda.

REGISTRO DE CONSULTA
<http://vimeo.com/15040534> Registro da
dança. Tocador: Pedro Mestre (viola campaniça).
Dançadores: Ana Valadas, António Guerreiro, Ce-
lina da Piedade, Domingos Morais, Dora Alexan-
dra Algarvio, Luísa Côrte, Milena Luísa Martins
e Vítor Cordeiro. Gravação realizada em Castro
Verde, a 11 de setembro de 2010.

enleio

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 45


CASAQUINHA A DANÇA
As danças chamadas marcadas continham
DANÇA MARCADA pelo menos um elemento nos passos que acen-
tuava os tempos da música pisando (“marcando”)
ESTRUTURA MUSICAL os pés no chão, com mais força que o regular.
Melodia A duas vezes com a moda || Melodia B uma vez instrumental Nesta peça os casais executam uma brin-
Melodia A duas vezes com a moda || Melodia B uma vez instrumental cadeira de ir e vir, com o objetivo de chegar ao
centro da roda. Os pares agarrados, dispostos
FONTE em roda, voltados para o centro, dançam quatro
Manuel Bento (Aldeia Nova) e Pedro Mestre (Sete) passos à frente e dois atrás, marcando com os
Andamento: andante pés no mesmo lugar o terceiro e o quarto passo.
Neste caso, os passos são batidos durante
o retorno da roda. Desta forma, anda-se um
pouco mais à frente do que para trás e depois de
algumas repetições os pares chegam ao centro.

POSIÇÃO INICIAL EM RODA


Roda simples, formada por pares agarrados,
braços voltados para o centro da roda.
Par agarrado: Homem e mulher de frente um
para o outro. Mão esquerda do homem segura
mão direita da mulher. Mão direita do homem
nas costas da mulher. Mão esquerda da mulher
sobre o ombro do homem.
> Inicia-se a caminhada com o pé esquerdo
do homem e direito da mulher em direção ao
centro da roda.

46 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


MELODIA A || A LETRA DA MODA DIZ: MOVIMENTO: CASAQUINHA
Moda
Que é da casaquinha » Pares agarrados, voltados para o centro da Que é da casaquinha
Oli doli doli dó roda, dançam quatro passos em direção ao Óli doli doli dó
Está toda rasgada
Está toda rasgada centro da roda, a seguir dois passos no senti- Ó purum pum pum (2x)
Ó purum pum pum do contrário (para fora da roda), e “marcam” Já não vai à missa
o terceiro e quarto passo batendo os pés no Óli doli doli dó
Sem ser amanhada
Já não vai à missa chão alternadamente, sem se deslocar. Ó purum pum pum (2x)
Oli doli doli dó
Sem ser amanhada Repetem esta sequência quatro vezes en-
Ó purum pum pum (2X) quanto cantam duas vezes a letra da moda.

MELODIA B || INSTRUMENTAL: MOVIMENTO:

Na falta de um instrumento, os » Cada par agarrado, mantendo-se na forma-


dançadores cantarolam a melodia B ção da roda, faz uma volta (360º ou mais)
no sentido horário e, a seguir, faz uma volta
no sentido anti-horário, dançando levemente
“puleado”. O passo destas voltas segue a con-
tagem 1, 2, 3, pés alternados.

Detalhe: As voltas dependem da dinâmica do


par. A referência é a melodia B, ou o canto; ou
seja, ao im de cada quadra, muda-se o senti-
do da volta. roda simples
de pares agarrados

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 47


MELODIA A || A LETRA DA MODA DIZ: MOVIMENTO:

Que é da casaquinha » Os pares agarrados terminam o movimento


Oli doli doli dó das voltas, virados para fora da roda.
Está toda rasgada
Ó purum pum pum Repetem a sequência de andar para a frente e
para trás. (Neste caso, primeiro distanciando-se
Já não vai à missa do centro da roda e, depois, aproximando-se do
Oli doli doli dó centro da roda.)
Sem ser amanhada
Ó purum pum pum (2X)

MELODIA B || INSTRUMENTAL MOVIMENTO:

» Repetem os movimentos das voltas descritos


anteriormente até ao im da música.

REGISTRO DE CONSULTA <http://vimeo.com/15646709> Registro da


<http://vimeo.com/15646556> Dança ilus- dança em roda. Tocador: Pedro Mestre (gaita de
trada por um par acompanhado do tocador. Toca- beiços). Dançadores: Ana Valadas, António Guerrei-
dor de gaita de beiços: Pedro Mestre. Dançadores: ro, Celina da Piedade, Domingos Morais, Dora Ale-
Ana Valadas e António Guerreiro. xandra Algarvio, Luísa Côrte, Milena Luísa Martins,
<http://vimeo.com/15646646> Dança ilus- Pedro Mestre, Sophie Coquelin e Vítor Cordeiro.
trada por um par cantando. Dançadores: Ana <http://vimeo.com/15646774> Registro da
Valadas e Pedro Mestre. Gravações realizadas dança em roda, cantada. Os mesmos dançadores
em Casével, a 10 de setembro de 2010. do registro anterior. Gravações realizadas em
Castro Verde, a 11 de setembro de 2010.

48 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


MARCADINHA MOVIMENTO
O par dança livremente em passo levemente
DANÇA DE PAR “puleado” acompanhando a música com algumas
variações como, por exemplo:
ESTRUTURA MUSICAL – dois passos (laterais) em um sentido e dois
A A B B que se repete várias vezes passos no sentido contrário;
– um passo (lateral) em um sentido e um passo
FONTE no sentido contrário;
Manuel Bento (Aldeia Nova) e Pedro Mestre (Sete) – voltas alternadas para o sentido anti-horário
e a seguir para o sentido horário.
A DANÇA
A marcadinha é uma das várias danças de par que compunham os REGISTRO DE CONSULTA
bailaricos do Baixo Alentejo. <http://vimeo.com/15646889> Dança ilustra-
da por um par acompanhado de tocador. Tocador:
POSIÇÃO INICIAL Pedro Mestre (gaita de beiços). Dançadores: Ana
Par agarrado: Homem e mulher de frente um para o outro. Mão esquer- Valadas e António Guerreiro. Gravação realizada
da do homem segura mão direita da mulher. Mão direita do homem nas em Casével, a 10 de setembro de 2010.
costas da mulher. Mão esquerda da mulher sobre o ombro do homem. > Indicamos referência de marcadinha com
outra música e algumas variações na coreograia.
<http://vimeo.com/15646889> Registro da
Andamento: vivo dança em roda. Tocador: Pedro Mestre (gaita de
beiços). Dançadores: Ana Valadas, António Guer-
reiro, Celina da Piedade, Domingos Morais, Dora
Alexandra Algarvio, Luísa Côrte, Milena Luísa
Martins, Pedro Mestre, Sophie Coquelin e Vítor
Cordeiro. Gravação realizada em Castro Verde,
a 11 de setembro de 2010.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 49


PEZINHO A DANÇA
Pezinho é o nome dado a algumas danças de
DANÇA DE PAR par dançadas em diversas regiões de Portugal,
entre elas o Alentejo.
ESTRUTURA MUSICAL Há um pezinho campaniço, ensinado por Ma-
Melodia A duas vezes com primeira quadra da moda nuel Bento, muito dançado nos bailes do Baixo
Melodia B uma vez com segunda quadra da moda Alentejo, que descrevemos a seguir.
Além deste, indicamos (por meio da partitu-
FONTE ra, da letra e de um endereço na Internet para
Manuel Bento (Aldeia Nova) e Pedro Mestre (Sete) consulta de registro audiovisual) a referência
de outra versão da dança, chamada de pezinho
e também conhecida pelo nome Ai dizem mal
Andamento: andante
dos caçadores, bastante dançada nos bailes
da região.

POSIÇÃO INICIAL
Par agarrado: Homem e mulher de frente um
para o outro. Mão esquerda do homem segura
mão direita da mulher. Mão direita do homem
nas costas da mulher. Mão esquerda da mulher
sobre o ombro do homem.

50 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


MELODIA A || A LETRA DA MODA DIZ: MOVIMENTO: PEZINHO
Moda
Ponha aqui o seu pezinho » Homem afasta e aproxima (lateralmente) Ponha aqui o seu pezinho
Ponha aqui ao pé do meu (2X) o pé direito do corpo ao mesmo tempo em que Ponha aqui ao pé do meu (2X)
a mulher, em espelho, afasta e aproxima (late- Tire lá o seu pezinho
Que é pra eu lá pôr o meu (2X)
Tire lá o seu pezinho ralmente) o pé esquerdo do corpo.
Que é pra eu lá pôr o meu (2X) Ora agora viras tu
Ora agora viro eu
O homem e a mulher batem os pés ao mesmo Ora agora viras tu
tempo três vezes alternando o pé. Viras tu mais eu (2X)

A seguir, repetem a mesma sequência, come-


çando com o outro pé (esquerdo do homem,
direito da mulher), mantendo-se em espelho e
batendo os pés três vezes no im.

Repetem este conjunto quatro vezes.

MELODIA B || A LETRA DA MODA DIZ: MOVIMENTO: Observação: Nos bailes populares,


por vezes o par começa esta dança
com o pé esquerdo, por vezes
Ora agora viras tu » Os pares fazem uma volta (360º ou mais) para com o pé direito. Nesta descrição
convencionamos iniciar pelo pé
Ora agora viro eu cada lado. O passo desta volta equivale à con- direito do homem e esquerdo da
Ora agora viras tu tagem 1, 2, 3, levemente “puleado”. mulher. Da mesma forma, com
relação ao movimento de bater os
Viras tu mais eu (2X) pés alternadamente três vezes há
quem inicie com o pé direito, há
quem inicie com o pé esquerdo.
» Repetem-se as duas partes acima descritas. Nos registros de consulta, apre-
sentamos as duas variações.

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 51


REGISTRO DE CONSULTA
<http://vimeo.com/15040435> Registro da
música. Voz e viola campaniça. Tocador: Pedro
Mestre. Gravação realizada em São Marcos da
Atabueira, a 9 de setembro de 2010.
<http://vimeo.com/15040497> Dança ilustra-
da por um par acompanhado do tocador. Tocador
de viola campaniça: Pedro Mestre. Casal de dança-
dores: Ana Valadas e António Guerreiro.Gravação
realizada em Casével, a 10 de setembro de 2010.
<http://vimeo.com/15040468> Variação da
execução. Detalhe dos pés. Passos base executa-
dos por Pedro Mestre. Gravação realizada em São
Marcos da Atabueira, a 9 de setembro de 2010.
<http://vimeo.com/15667984> I Encontro
de Tocadores. Nisa, 2002. Manuel Bento e Pedro
Mestre. Registro: Miguel Barriga e Maya Rosa.

52 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA


PEZINHO REGISTRO DE CONSULTA
<http://vimeo.com/15040388> Dança ilustrada
(OUTRA VERSÃO) por um par. Cantada. Dançadores: Ana Valadas e
Pedro Mestre. Gravação realizada em Casével, a
AI DIZEM MAL 10 de setembro de 2010.

DOS CAÇADORES PEZINHO


DANÇA DE PAR (OUTRA VERSÃO)
AI DIZEM MAL
DOS CAÇADORES
ESTRUTURA MUSICAL
Moda
Melodia A uma vez com a cantiga
Ora ponha aqui
Melodia A uma vez com a moda Ora ponha aqui
O seu pezinho
FONTE Ora ponha aqui
Manuel Bento (Aldeia Nova) e Pedro Mestre (Sete) Ora ponha aqui
Ao pé do meu (2X)
Andamento: vivo
Ai ao tirar
E ao tirar o seu pezinho
Ai um abraço
E um abraço lhe dou eu

Ai dizem mal
Dizem mal dos caçadores
Ai por matarem
Por matarem os pardais

Ai os teus olhos
E os teus olhos meu amor
Ainda matam
Ainda matam muito mais

BAILES CANTADOS – UMA PRÁTICA COLETIVA CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 53


Aldeia do Corvo, 2010.
VALSAS MANDADAS
valsa mandada, que encontramos em vá- quais devem ser os passos executados pelos

A rias aldeias dos concelhos de Grândola e


Santiago do Cacém(1), no litoral do Alente-
jo, pode ser considerada a principal dança presente
bailadores, pelo que não há espaço para modas
cantadas neste repertório.
Segundo os dançadores e tocadores, existe
nos bailes do campo, ou bailes do monte, também um sem-im de músicas por eles identiicadas
chamados de funções ou funçanadas. Há notícias como valsas mandadas. São, na sua maioria,
destes bailes, realizados pela população rural da consideradas de domínio público, não se saben-
região, desde a segunda metade do século XIX. do identiicar por quem ou quando teriam sido
(1)
Há registros e depoimentos Esta dança, também designada por valsa compostas. Algumas exceções são peças de
sobre o costume de dançar sagorra(2), pode ser dançada ao longo de toda tocadores renomados como Joaquim Dimas
a valsa mandada nas localida-
des de: São Francisco da Serra, uma noite compondo um baile inteiro. É uma e seus ilhos José Dimas, António Dimas e Her-
Santa Margarida, Santa Cruz, valsa de três tempos, atualmente tocada ma- menegildo Dimas, Manuel Louricho(5) e Fernando
São Bartolomeu da Serra, San-
to André, Cruz de João Mendes, joritariamente na concertina ou no acordeão, Augusto, que nunca foram registradas, sendo em
Melides e Grândola. instrumentos identiicados pelos dançadores alguns casos já consideradas em domínio público.
locais como “os do toque da valsa”. Há tempos, A valsa mandada é dançada em uma roda
Sagorra: dos sagorros, do
(2)

campo. Esta denominação a valsa terá sido tocada no instrumento dispo- de pares. O homem fica à direita da mulher,
está presente no discurso dos nível: como a guitarra(3) ou a gaita de beiços. diferenciando-se da posição base do par nas
mais idosos, que se lembram
da valsa ser assim chamada. O importante era viabilizar o toque(4). rodas de muitas danças populares.
Na região de Castro Verde A música destas valsas é somente instru- Costuma-se dizer que, ao ouvir o toque da
(Baixo Alentejo) registramos
depoimentos em que a valsa mental, porque o mandador, ou os mandado- valsa, os casais vão se formando e seguem para
mandada da Serra de Grândola res – iguras centrais no desenvolvimento do o centro do salão, mantendo-se num passo de
é também conhecida como
valsa sagorra. baile – falam durante toda a música; mandam dois tempos. Quando a roda está formada,

56 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS


o homem do primeiro casal que foi ao centro mesmo sentido e “pisam certo”, ou seja, sincro- (3)
Alguns entrevistados contam
do célebre tocador conhecido
é o mandador que inicia uma sequência de man- nizam o movimento. É obrigatório iniciar a roda como Tio Zé Palhotas – tido por
dos, começando pelo passo básico chamado sempre pelo singelo, que, como muitos mandos, muitos como o primeiro a ter
um acordeão de escala cromá-
singelo(6). Depois de concluir a sua sequência pode ser executado à esquerda ou à direita. tica na região de Melides. Antes
(cujo número de mandos é aleatório), o mando Uma vez que a roda esteja sincronizada no sin- disso, tocou durante vários
anos o acordeão de escala
é passado ao próximo homem da roda a im de que gelo, o mandador segue indicando aos dançadores diatónica (concertina). Tio Zé
todos possam mandar. A passagem do mando uma série de passos que devem ser realizados Palhotas costumava dizer que
quando chegava às funções, em
segue o sentido anti-horário, no qual se desloca com perfeição, a im de desaiar quem executa sua juventude, ouvia de longe
a roda e em geral faz-se com as seguintes inter- e mostrar para quem assiste a destreza dos que três sons: “o da guitarra a tocar
venções: “ica no singelo e manda adiante” ou “vai dançam. No decorrer da dança, se o mandador a valsa, o do mandador a dizer
os mandos, o dos homens a
o mando”. Nos dias atuais, poucos são os manda- demorar um pouco para mandar a próxima i- jogar às cartas”.
dores, o que tem se tornado uma das principais gura, todos os pares executam o singelo para
(4)
Em geral, os dançadores
diiculdades para dar continuidade a este baile. a esquerda e para a direita, até o mandador dar locais costumam dizer que os
Os mandos são os passos coreográicos, as i- continuidade ao mando. O singelo é a igura de bailes são sempre “melhores”
quando há um tocador, um ins-
guras que compõem os desenhos da roda da valsa. base desta dança. trumento. Nas entrevistas na
Sua sequência é estabelecida pelo mandador, que Os mandos compõem uma linguagem à parte região de Melides, depoimen-
tos apontaram que, não raro,
improvisa a seu tempo, conforme sua vontade. e embora procurem ser descritivos, indicando usava-se cantar as chamadas
Em geral, cabe aos homens o papel de man- a ação a ser realizada, cada dançador, a im de per- “modas de roda”, enquanto
se esperava pela chegada do
dador, embora possam existir mulheres que ceber os movimentos e executá-los em sincronia tocador. As modas de roda
também exerçam esta função. No caso de uma com o conjunto(7), precisa compreender o voca- compunham um repertório de
canções que eram dançadas
mulher mandar a valsa, ela dança no lugar do bulário base dos mandadores – por vezes quase como os bailes cantados regis-
homem de modo a executar os movimentos um dialeto – que rapidamente encadeiam ordens trados neste caderno na região
do Baixo Alentejo. Embora as
como se fosse “o homem” do par. como: “singelo”, “furta aí”, “meia cadeia”, “dois músicas variassem de região
O mando básico, o singelo, é o passo usado rasteiros”, “escoiar”, “arrecuar”, entre outros(8). para região, a dança é descrita
de forma similar: em roda com
para acertar o movimento da roda e permitir ao A valsa mandada destaca-se pela riqueza co- os braços em cadeia, em passo
mandador veriicar se todos os pares estão no reográica, que decorre da evolução dos passos, de marcha. Esta prática,
»

VALSAS MANDADAS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 57


»
segundo airmam dançadores formando séries de iguras elaboradas. Além nos filmes de consulta disponibilizados na In-
mais idosos, caiu em desuso,
mas ainda se recordam de sua disto, a improvisação constante exigida dos man- ternet, apontam para improvisos de sequências.
frequência nos bailes de sua dadores – os coreógrafos da valsa – que todo Para facilitar a sua compreensão, apresentamos
juventude. É digno de nota que
em tempos idos costumava-se o tempo criam novas sequências de movimento a descrição de alguns mandos isoladamente. En-
sair de Melides a pé, levando – revela o requinte desta dança. tretanto, ressaltamos que as virtuosidades deste
gado rumo a Feira de Castro
Verde – tida por muitos, nessa Vale ressaltar que a valsa mandada marca um repertório revelam-se na formação da roda e na
altura, como a maior feira do repertório que se diferencia em relação à grande improvisação dos mandadores.
Sul – em uma viagem que
durava cerca de três dias e que maioria das danças que compunham os bailes Ao longo da segunda metade do século XX,
certamente marcava oportuni- populares do Alentejo – de modo geral, danças a valsa mandada, assim como outras tradições
dade de trocas de repertórios.
sociais de simples realização, que primavam pelo populares, sofreu uma queda em sua prática,
(5)
Manuel Louricho foi um baile inclusivo. Ela, em contraponto, traduz-se em chegando a ser considerada por alguns como
tocador renomado que terá uma dança que necessita do conhecimento prévio “morta” aproximadamente em meados dos
composto pelo menos uma
valsa mandada. Tocava a peça dos passos indicados por quem comanda a roda: anos 1970. Entretanto, a despeito da falta de
com frequência nos bailes, os mandos. São muitos os relatos de que a valsa interesse das novas gerações e de contextos
tornando-a conhecida pelo seu
nome. Com a música já famosa, previa a exclusão do par que errasse o passo. de rápida e intensa urbanização na região que
surgiram quadras populares A complexidade e a especiicidade de execução não favoreciam sua prática nos bailes rurais,
para o tema. Publicamos no
capítulo “Memórias dos bailes” dos mandos era frequentemente usada para reduto da valsa(9), ela continuou a ser dançada
as quadras populares e quadras impedir que rapazes de outras terras viessem ocasionalmente em festas e encontros locais,
compostas por Manuel Araújo
para esta valsa (ver página 70). a dançar com as raparigas de determinada lo- além de entrar para o repertório dos ranchos
Nos registros audiovisuais calidade. De certa forma, a valsa servia para e grupos etnográicos.
de consulta, apresentamos
o tocador Fernando Augusto marcar quem pertencia aquele grupo, e quem, Nesta primeira década do século XXI a prática
executando esta valsa. dentro dele, se destacava como intérprete. da valsa mandada, embora restrita a contextos
(6)
A descrição do singelo, bem
A sequência de mandos, o encadear das diferen- especíicos, vive uma renovação e alimenta-se
como de outros mandos bási- tes iguras é o que caracteriza a valsa. Um mando de iniciativas que poderão ser decisivas para
cos para formar uma sequência
encontra-se na página 59 deste
isoladamente não representa o rico universo desta a transmissão dos repertórios às novas gera-
caderno. dança, pelo que os registros aqui apresentados, ções. Destacam-se neste período os seguintes

58 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS


contextos favoráveis a continuidade da prática sem dançar a valsa mandada e tivessem ocasião Além dos mandos executa-
(7)

dos pelo par, alguns mandos


e repasse do repertório: a) a valsa faz parte do para relembrar e conversar sobre as práticas dependem da troca de casal,
repertório de ranchos e grupos como, por exem- associadas aos bailes rurais que existiam na tais como: “passa” e “ica” ou
“passo e dobrado”.
plo: Rancho Folclórico 5 Estrelas de Abril (Bairro região. Durante esta etapa da pesquisa do pro-
do Isaías, Grândola), Grupo de Dança Típica da jeto Arquivo das Danças do Alentejo, pudemos (8)
Um único mando implica em
Queimada (Valinho da Estrada, Melides), Grupo contar com estas sessões para documentação movimentos diferentes para o
homem e para a mulher. E ain-
de Valsa Mandada de São Francisco da Serra (já fora dos contextos de apresentação. da, a cada sentido da realização
extinto), Rancho Folclórico Danças e Cantares Os Colaborando também para nossos registros do mando (direita ou esquerda)
alteram-se os movimentos de
Rurais de Água Derramada, Rancho Folclórico e para uma renovação de interesses pela dança, cada integrante do par. Dois dos
Ninho de uma Aldeia de São Bartolomeu da foram fundamentais: o apoio de mandadores maiores desaios para aprender
e ensinar a valsa mandada são
Serra b) a valsa mandada foi tema de pesqui- como Eusébio José Pereira e Manuel Sobral, que compreender a linguagem dos
sas que resultaram em publicações especíicas em várias sessões e entrevistas nos auxiliaram; mandos, portanto, saber execu-
tar prontamente as iguras
ligadas ou não a academia; c) presença da valsa a presença constante do tocador Fernando Au- e ter um par de professores
em veículos de comunicação como a Internet, gusto – conhecedor dos bailes e repertórios do para ensinar, permitindo que
cada integrante do par observe
retratando as apresentações dos grupos e ran- Alentejo, tornou-se o som da dança na maioria seu correspondente.
chos e registros em geral, favorecendo a proje- das nossas gravações em Melides, permitindo que
(9)
Nota-se uma grande diferen-
ção da dança na comunidade local e fora dela; o baile se formasse em poucos minutos; os con- ça entre os bailes realizados no
d) realização de oicinas em eventos culturais tatos com Maria Adélia Botelho, Marlene Mateus, campo (as chamadas funções)
e os bailes das sociedades
e festivais de dança, oportunizando o contato Grupo de Dança Típica da Queimada, Albertino (como, por exemplo, a Casa do
de outros públicos com o repertório. Gamito, entre outros, que marcaram nossos ca- Povo) em Melides. Os repertó-
rios de dança, os costumes e
É importante enfatizar o consistente trabalho minhos com o repertório de danças da região. práticas sociais eram diferentes
empreendido por agentes locais como Manuel A complexidade da valsa mandada e a va- nestes contextos. A valsa era
dançada nas funções e não
Araújo, que no ano de 2009 iniciou uma série de riedade de passos são um desaio constante aparecia nos salões urbanos.
encontros para dançar a valsa no Centro de Dia para os que desejam entrar nesta roda. A sua Para ilustrar estes ambientes,
ver página 78, capítulo “Memó-
de Melides. Estes encontros semanais tornaram- singularidade e beleza, sem dúvida, conquistam rias dos bailes – O Casão do Tio
se ocasião para que os utentes do Centro pudes- novos e velhos dançadores. Bernardino”.

VALSAS MANDADAS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 59


VALSAS MANDADAS
DESCRIÇÃO DE MANDOS
seguir, listamos procedimentos gerais para PROCEDIMENTOS GERAIS

A dançar a valsa, bem como descrevemos


alguns mandos introdutórios. Nos regis-
tros de consulta referenciados, disponibilizados
• A roda inicia sempre seus mandos pelo singelo
à esquerda, considerado o passo base.
na Internet e nas recolhas de Manuel Araújo, • O singelo apenas é considerado mando no início
apresentadas nas páginas 82 a 88, o leitor en- da roda, no singelo por fora e no singelo por
contrará outros mandos e poderá alargar suas dentro. Nas outras situações é utilizado para
práticas neste repertório. manter o sincronismo da roda.
Ressaltamos que as primeiras cinco igu- • O usual é alternar o sentido (esquerda/direita) das
ras descritas (singelo, três corridos, passa por iguras, ou seja, preferencialmente não se manda
diante, voltinha e meia cadeia) seguem a ordem duas ou mais iguras seguidas em um mesmo
e a referência publicada na Internet por Manuel sentido, para que os mandos sejam mais rápidos.
Araújo e Luísa Araújo em 2010. Nestes ende- • Na valsa mandada, em geral, não se usa repetir
reços, listados aqui nos registros de outras uma mesma igura duas vezes para o mesmo
fontes, os dançadores disponibilizaram na rede lado. Caso ele não mande uma nova igura, os
uma série de ilmes intitulados Valsa mandada pares permanecem no singelo, até que ele
– iniciação, nos quais demonstram os passos mande outro passo.
isoladamente. • O comando “pra lá” indica à direita e o comando
“pra cá” indica à esquerda. Em geral usa-se
mandar o “pra lá” e raramente se diz o “pra

60 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS


cá” quando se faz o mesmo ou outro mando MANDOS INTRODUTÓRIOS
para a esquerda.
Exemplo: Posição básica do par: Par voltado para
Meia cadeia pra lá (direita) o centro da roda. Homem à direita da mulher.
Meia cadeia (à esquerda) Mão esquerda do homem nas costas da mulher.
• Para passar o mando ao próximo mandador da Mão direita da mulher nas costas do homem.
roda, diz-se: “Fica no singelo e manda adiante” Mão direita do homem segura mão esquerda
ou “Vai o mando”. da mulher.
• Na formação do par, na valsa mandada, o ho- > O par, na roda da valsa mandada, retorna
mem ica à direita da mulher. sempre a esta posição básica. Para estudar os
• A maioria dos mandos são executados pelo mandos isoladamente, sugerimos partir sempre
mesmo par. Há algumas exceções em que o desta posição.
mando pede para que se troque de par.
• A roda da valsa mandada é uma roda sim- Singelo
ples de pares voltados para o centro da roda
e desloca-se no sentido anti-horário. 1 Homem e mulher pisam sobre o pé de base
• A estrutura musical da valsa mandada é terná- (esquerdo do homem e direito da mulher).
ria. Na dança, quando os pares são de adiantada 2 Um passo lateral à esquerda: pisam em simul-
idade ou se está em fase de aprendizagem, tâneo o pé direito do homem e o pé esquerdo
acentua-se o tempo forte de cada compasso. da mulher.
Utiliza-se o mesmo procedimento no mando 3 Homem e mulher pisam sobre o pé de base
“três corridos” (direita ou esquerda). (esquerdo do homem e direito da mulher).
• Em geral, a contagem dos tempos para execu- 4 Um passo lateral à direita: pisam em simul-
ção de um mando é de seis tempos. Há mandos tâneo o pé direito do homem e o pé esquerdo
em que se contam quatro tempos para fazer da mulher.
o movimento.

VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 61


Três corridos ou três compassos 3 Segundo passo lateral à direita: pisam em
ou três avançados simultâneo o pé esquerdo do homem e o pé
Os mandadores usam os nomes: corridos, direito da mulher.
compassos e avançados para designar esta i- 4 Terceiro passo lateral à direita: pisam em
gura, que consiste em avançar três passos no simultâneo o pé direito do homem e o pé es-
sentido indicado. Adotamos aqui o nome corrido. querdo da mulher.

Três corridos à esquerda Passa por diante


1 Homem e mulher pisam sobre o pé de base Figura realizada em seis tempos. O par inicia
(esquerdo do homem e direito da mulher). pisando sobre o pé de base (pé esquerdo do
2 Primeiro passo lateral à esquerda: pisam em homem e pé direito da mulher). O par solta os
simultâneo o pé direito do homem e o pé es- braços para executar o movimento.
querdo da mulher.
3 Segundo passo lateral à esquerda: pisam em Passa por diante à esquerda
simultâneo o pé esquerdo do homem e o pé A mulher passa por trás do homem, ou seja,
direito da mulher. por fora da roda, e retorna à sua posição natural
4 Terceiro passo lateral à esquerda: pisam em – à esquerda do homem.
simultâneo o pé direito do homem e o pé es- O homem mantém-se no lugar dançando no
querdo da mulher. passo base da valsa durante os seis tempos,
enquanto a mulher passa por diante.
Três corridos à direita O par termina voltado para a esquerda.
1 Homem e mulher pisam sobre o pé de base
(esquerdo do homem e direito da mulher). Passa por diante à direita
2 Primeiro passo lateral à direita: pisam em A mulher passa pela frente do homem, ou
simultâneo o pé direito do homem e o pé es- seja, por dentro da roda, e retorna à sua posição
querdo da mulher. natural – à esquerda do homem.

62 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS


O homem mantém-se no lugar dançando no Posição básica do par: baixam as mãos que
passo base da valsa durante os seis tempos, estão nas costas, soltando-se.
enquanto a mulher passa por diante. Mantém segurando mão direita do homem
O par termina voltado para a direita. com mão esquerda da mulher.
Executam o “passa por diante” sem soltar
Voltinha as mãos, erguendo os braços e acompanhando
O casal faz uma volta (360º) em seis tempos. o movimento da volta desenhada pela mulher.
A meia cadeia à esquerda termina com o par
Voltinha à esquerda virado à esquerda.
Inicia com o pé esquerdo do homem e o direito A meia cadeia à direita termina com o par
da mulher, que ao longo de seis tempos fazem virado à direita.
uma volta em sentido anti-horário, terminando
virados para a esquerda. Batidinho ou batido
Consiste em bater o pé acentuando o últi-
Voltinha à direita mo passo. Pode ser mandado isoladamente ou
Inicia com o pé esquerdo do homem e o direito como componente de outra igura. Diz-se: “Um
da mulher, que ao longo de 6 tempos fazem uma batidinho à esquerda” (ou direita). Ou ainda:
volta em sentido horário, terminando virados “Três corridos à esquerda (ou direita), o último
para a direita. é batido” (ou seja, executa-se o mando, acentu-
ando o último passo).
Meia cadeia (à esquerda e à direita)
Esta igura, realizada em seis tempos, asseme- Dois rasteirinhos
lha-se muito ao mando “passa por diante”. Entre- Consiste em dar dois passos “rasteiros”, rá-
tanto, nesta volta, o par mantém as mãos dadas. pidos, curtos e juntos ao chão.
O par inicia pisando sobre o pé de base (pé Executa-se este mando à esquerda, à direita,
esquerdo do homem e pé direito da mulher). à frente e atrás.

VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 63


Escoiar ou escovinhar Par ao natural
Nesta igura, raspa-se a planta dos pés no Indica que, ao im de um mando no qual a mu-
chão, efetuando movimento semelhante ao es- lher icou à direita do homem, ela deverá retornar
covar, que dá nome ao mando. Dependendo da à posição do par usada na valsa mandada, ou
localidade, adota-se “escoiar” ou “escovinhar” seja, à esquerda do homem. Diz-se em algumas
para a mesma ação. localidades: “Mulher ao natural”.
Manda-se, por exemplo, “Três corridos à di-
Arrecuar reita”, e no decorrer desta igura manda-se “Vira
Este mando consiste em andar para trás três o par e três à esquerda” (rotação de 180º), e a
passos: “Arrecuar” (à esquerda ou direita). mulher icou à direita do homem no im deste
mando. Diz-se a seguir: “Passa por diante para
Furta aí lá (direita) icando o par ao natural” (a mulher
É uma expressão derivada do verbo furtar volta à posição chamada “natural” do par na
(roubar, tirar). “Furta aí” tem duas utilizações. valsa mandada).
No decorrer dos três corridos, manda-se “Furta
um mais três” e recua-se um passo, ao executar
o terceiro passo da igura, dando-se de seguida
mais três passos em frente. Ou então é utilizado
no im das iguras, a indicar que terminou a igura
e que se deve manter o singelo.

64 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS


REGISTROS DE CONSULTA dor). Gravações realizadas em Melides, a 28 de
setembro de 2010.
<http://vimeo.com/15667819> Valsa mandada.
Registro da música. Composição e interpretação: <http://vimeo.com/15667953>
Fernando Augusto. Gravação realizada no Centro <http://vimeo.com/15667967> Duas sequên-
de Dia de Melides, a 28 de setembro de 2010. cias da dança. Encontros de Valsas Mandadas
do Centro de Dia de Melides. Tocador: Fernando
<http://vimeo.com/15667828> Valsa do Augusto. Dançadores: participantes dos Encontros
Manuel Louricho. Registro da música. Composi- de Valsas Mandadas do Centro de Dia de Melides
ção: Manuel Louricho. Interpretação: Fernando (em geral: António Isidro Pinela, Antónia Maria
Augusto. Gravação realizada no Centro de Dia Chainho, Armindo Chainho, Cacilda Mendes, Eu-
de Melides, a 28 de setembro de 2010. sébio José Pereira, Maria Pereira, Manuel Sobral,
Olívia Umbelina Chainho, Manuel Luís, Maria Luísa
<http://vimeo.com/15667864> Dança ilustra- Matias Chainho, Manuel Araújo, Silvina Rodrigues
da por um par acompanhado de tocador. Tocador: António). Gravações realizadas no Centro de Dia
Fernando Augusto. Dançadores: Maria Pereira de Melides, a 28 de setembro de 2010.
e Eusébio José Pereira (mandador). Gravação
realizada no Centro de Dia de Melides, a 28 de <http://vimeo.com/15667993> Registro da
setembro de 2010. dança. Encontros de Valsas Mandadas do Centro
de Dia de Melides. Tocador: Fernando Augusto.
<http://vimeo.com/15667897> Dançadores: participantes dos Encontros de
<http://vimeo.com/15667929> Valsas Mandadas do Centro de Dia de Melides
<http://vimeo.com/15667941> Três sequên- (em geral: António Isidro Pinela, Antónia Maria
cias da dança ilustradas por um par acompanhado Chainho, Armindo Chainho, Cacilda Mendes, Eu-
de tocadora. Tocadora: Marlene Mateus. Dança- sébio José Pereira, Maria Pereira, Manuel Sobral,
dores: Luísa Araújo e Manuel Araújo (manda- Olívia Umbelina Chainho, Manuel Luís, Maria Luísa

VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 65


Matias Chainho, Manuel Araújo, Silvina Rodrigues OUTRAS FONTES
António). Gravação realizada no Centro de Dia de Referenciamos a seguir cinco registros, pu-
Melides, a 01 de junho de 2010. blicados na Internet por Luísa e Manuel Araújo
com o título Valsa Mandada – iniciação, nos quais
<http://vimeo.com/15668010> apresentam os mandos: singelo, três corridos,
<http://vimeo.com/15668021> Duas sequên- passa por diante, meia cadeia e voltinha. Dança-
cias da dança. Baile de aniversário no Centro de dores: Luísa Araújo e Manuel Araújo (Mandador).
Dia de Melides. Gravação realizada em Melides, Gravações realizadas em Melides, 2010.
a 16 de junho de 2010.
<http://vimeo.com/15647535> Singelo – I.
<http://vimeo.com/15647638> Três corridos – II.
<http://vimeo.com/15647461> Passa por diante – III.
<http://vimeo.com/15647420> Meia cadeia – IV.
<http://vimeo.com/15647683> Voltinha – V.

Destacamos ainda que no sítio da PédeXum-


bo – Associação para a Promoção da Dança e da
Música (<http://www.pedexumbo.com>), na se-
ção Aprendemos > Recolhas > Valsas mandadas
estão publicados registros áudio no formato mp3
de cinco valsas interpretadas por Marlene Mateus.

A PédeXumbo editou em 2008 o DVD Manda


Adiante – Valsas Mandadas na Serra de Grândola
(Realização: Tiago Pereira). Neste ilme encontra-se
documentação sobre o repertório da valsa, bem como
referências a tocadores e mandadores.

66 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – DESCRIÇÃO DE MANDOS


SÃO JOÃO NA RUA

Em Castelo de Vide, Dona Belmira ganha a


vida com seus biscoitos tradicionais: os escal-
dados, os esquecidos, os de mel, o bolo into
da Páscoa. Quem percebe o gosto dos bolos
da aldeia logo vê que são biscoitos a sério.
No im de tarde, sentada mais o marido
em pequenas cadeirinhas postas na calçada,
ela conta do imenso São João que faziam na
rua. Na mesma rua que há 10 anos não vê
mais a festa.
A festa era rija, com direito a mastro, sar-
dinhas, fogueira e altar feito em uma porta
da rua separada para isto. Ah claro, bailes!
E ainda versos pregados às portas das pes-
soas – que lhes escrevia uma senhora que
tinha muito jeito. E assim, contam eles, quem
vinha à festa entretinha-se subindo a ladeira
aos poucos, lendo os versinhos em cada porta.
E completa ela que o baile era na casa em
frente, pois a rua muito íngreme não dava
jeito para dançar.
Pergunto-lhe um pouco ingenuamente quem
era convidado, ao que ela responde brilhante-
mente: “Ah! Naquele tempo não havia convida-
dos, era pra quem queria, pra todos!”
Mastro em Castro Verde,
MEMÓRIAS DOS BAILES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 67 detalhe, 2010.
Bailarico no intervalo do trabalho,
68 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO 1940 – 1950.
MEMÓRIAS
DOS BAILES
Como em todos os tempos, como em todos para os bailes novas músicas, outras roupas,
os lugares, sempre houve alguém que desejou regras diversas.
estender a mão ao outro, unir-se a ele, ombro As memórias registradas nas nossas via-
a ombro, passo a passo, corpo a corpo, e fazer gens mostram que os bailes tinham um espa-
disso motivo e razão para comemorar o prazer ço alargado na sociedade rural alentejana e
de dançar, de estar junto. serviam de pretexto para encontros, namoros,
Os bailes no Alentejo nunca deixaram de troca de informações e coesão do grupo. Mui-
existir. Entretanto, assim como a vida rural tas vezes eram a única ocasião para tanto.
na região passou por intensas transforma- As histórias que os dançadores contaram
ções nas últimas décadas, também eles se com os olhos a rever as cenas, tantas ve-
transformaram, tanto em seu repertório de zes com o corpo a revisitar o gesto, formam
música e dança, quanto nos seus contextos uma ponte que permite ao leitor visitá-los em
e motivações, na sua frequência, nas prá- outros lugares do tempo: nos nossos encon-
ticas sociais a eles associadas, nos hábitos tros durante a pesquisa, ou no baile de cada
e costumes da população local, que trouxe um deles.

CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO | 69


A VALSA DO
MANUEL LOURICHO

Manuel Louricho era um tocador muito


conhecido e renomado que, de tanto tocar
valsas mandadas, virou parte desta história.
O tocador compôs uma valsa muito admirada
por todos. Há quem diga ainda hoje: “Toca
a valsa do Manuel Louricho!” – e se o músico
entende de valsas mandadas, já sabe qual é.
A valsa também icou famosa e alguém fez
uma letra, que se cantava muito pelos lados
da Serra de Grândola.
Um outro Manuel, este Araújo, aproveitou e
compôs mais oito estrofes para juntar às quatro
primeiras que já ninguém sabe quem compôs.
A letra em homenagem ao Manuel Louricho
conta dos bailes de valsa mandada nas aldeias
e da vida a volta deles.

Manuel e Luísa Araújo,


professores de valsa mandada, 2010. 70 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO MEMÓRIAS DOS BAILES
Tenho uma concertina Ia de Melides Vai um bolo a lanço
Da marca Rongines Balhar às funções E a festa animada
Foi feita a propósito (ou: de Na aldeia apanhava Mas anda aí gente
encomenda) Grandes cabações Bem desabusada
Na Vila de Sines
Era a pedaleira Ó Manuel Louricho
Ó Manuel Louricho Que lá me levava Pára lá a valsa
Toca lá a valsa Por estas veredas Que andam-me a mijar
Mete a mão nos baixos Eu até voava Na leira da salsa
Faz a parte falsa
O Ti Zé Cheinho É de madrugada
Comecei a tocar Nunca se embaraça Acaba a função
Era muito moço Vai formando a roda Já passamos todos
Numa concertina Pra mandar a valsa Um belo serão
Com barbelas d´osso
Faz meia cadeia Ó Manuel Louricho
Lá na Chaparrinha Corridos à direita Tens o grão na asa
Lá no Chaparral Fica no singelo Guarda a concertina
Lá na Malhadinha E está a valsa feita E vai pra tua casa
Lá no Malhadal

(...)

MEMÓRIAS DOS BAILES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 71


Ana Correia, Albertino Gamito e sua esposa Aldina [à esquerda],
Hermínia Horta [em baixo]. Dançadores no Centro de Dia de Melides,
Maria Adélia Botelho, Manuel Sobral [página à direita], 2010.

72 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO


CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO DANÇA ALENTEJO | 73
Algum dia em eu cantando
Tremia o céu e a terra
Agora já ninguém treme
Já eu não serei quem era (*)

ALPALHÃO

Mais um dia começa no lar dos idosos em


Alpalhão, vila próxima a Castelo de Vide.
As crianças da escola aproveitam os Tempos
Livres para conviver com os idosos e juntos
preparam um Terço de lores de plástico, muito
parecidas com as antigas lores de papel que
enfeitavam as festas dos Santos Populares
e tantas outras.
A animadora do lar, Lídia Rolim, é ilha da
professora Maria José, da Escola do Primeiro
Ciclo (a única do local, sendo que, depois do 4º
ano as crianças vão para Nisa ou Portalegre).
Ambas pertencem ao grupo de mulheres que
retomaram as Contradanças do Carnaval,
uma tradição local que mistura marcha com
passos encadeados e a pares. Juntas e em
separado conversam com os idosos e buscam
cantigas, relatos, memórias e passos de
danças. Formam um repertório para o grupo

Baile de aniversário,
Centro de Dia de Melides, 2010. 74 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO MEMÓRIAS DOS BAILES
dançar em apresentações, a im de representar
as tradições da terra.
Dona Maria José cantou versos que
aprendeu nos bailes da juventude apoiada
em suas duas bengalas, acompanhados de
alguns passitos de dança.
Dona Amélia conta da febre que eram os
bailes por lá – muitas vezes diários! E ensina
que as raparigas tinham um lenço para levar
ao baile. Por vezes, quando era possível, feito
com o mesmo pano das blusas: “Sim, porque
tínhamos costureiras que nos faziam as blusas
e se sobrasse pano, fazia-se com o mesmo
tecido para combinar” – relembra.
Os lenços eram para que os rapazes
pusessem a mão sobre ele na hora de formar
o par na dança e assim, não sujassem as
blusas. “Porque não queríamos as blusas
sujas” – observa. Se o rapaz fosse namorado
ou quisessem ambos o namoro deixava-se
que ele levasse o lenço. Se quisesse ele
namorar tentava levá-lo e a rapariga, caso não
o quisesse, não deixava que ele lhe roubasse
o lenço. E acrescenta ainda que as raparigas
sentavam-se no colo das mães e os rapazes
vinham tirá-las do colo delas para dançar.
Nesta altura, tinha ela 19 anos! Hoje tem 80.

* Dona Maria José Siqueira, 91 anos, canta ao pé do ouvido no lar, em Alpalhão.


( ) MEMÓRIAS DOS BAILES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 75
A BICICLETA
DO FERNANDO AUGUSTO

Os tocadores sempre foram iguras espe- Deu-lhe a bicicleta e lá foi Fernando Au-
ciais. Dão longa vida aos bailes estes artistas. gusto com a concertina às costas por qui-
Fernando Augusto, de Melides, é um afa- nhentos metros. Apeou, deixou a bicicleta
mado tocador de concertina e acordeão. e a concertina na estrada e seguiu a pé. Al-
A história da sua vida está entrelaçada com gum tempo depois passava o senhor da aldeia
os bailes populares. É um destes músicos que com a bicicleta e a concertina e seguia mais
nas suas narrativas contam das memórias quinhentos metros com o transporte que
do mundo. servia para aliviar o caminho aos dois. Mais
Em constantes visitas a Melides, muitos a frente, Fernando Augusto reencontrava
foram os relatos das aventuras que em suas a bicicleta e a concertina e montava por mais
décadas de bailes pelo Alentejo viveu. quinhentos metros passando pelo seu co-
Certa vez, no Centro de Dia, Manuel Araújo lega, que seguia o mesmo tanto a pé, para
e o tocador, ao pé do jogo de cartas, relembra- depois encontrar à frente, primeiro o veículo
ram a seguinte passagem. Fernando Augusto e depois o tocador com o qual se revezava
era tocador solicitado e costumava viajar para na caminhada. Interessante estratégia para
fazer bailes em outras localidades. Ia para facilitar a pernada até a aldeia.
atender várias aldeias e vilas e icava fora por Foi numa destas que Fernando Augus-
mais de quinze dias. to um dia enganou-se no caminho e tomou
Numa destas jornadas apanhou a camio- a estrada errada numa bifurcação. Nunca
nete com a concertina às costas, rumo a São mais passava por ele o colega e nunca mais
Luís, próximo de Odemira, Baixo Alentejo. chegava a aldeia. Foi preciso voltar muito
Lá chegando, como de costume, esperava- atrás para achar a bicicleta e a concertina...
o um senhor da aldeia Vale Ferro com uma E mais ainda para achar o caminho do baile...
bicicleta a pedal.

76 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO MEMÓRIAS DOS BAILES


MEMÓRIAS DOS BAILES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 77
UM ALQUEIRE PARA DOIS PÉS

António Nunes é o atual ensaiador do de milho com seus pais e conta que acaba-
Rancho Nossa Senhora da Alegria, de Cas- da a tarefa o patrão dava o lanche e seguia
telo de Vide. Sempre viveu na região e está o baile – que nunca faltava nestas ocasiões.
no rancho desde 1967, desde os primeiros Não havia tocadores nestas alturas. Quem
tempos do grupo. lá estava ia para trabalhar, não se pagava
Antes de haver ranchos, viveu os bailes um tocador para ir até lá. Se houvesse um
do campo e reviveu nas histórias dos mais na região, o patrão por vezes chamava para
velhos as memórias e realidades dos bailes fazer a festa maior. Dançava-se o vira, as saias
do povo da região. Ainda foi a desfolhadas e o que mais soubessem.

78 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO MEMÓRIAS DOS BAILES


Mandadores de Melides em roda
de conversa no centro de dia, 2010.

Nunes nos conta:

“A ver quem dançava melhor para animar aplaudido. Era o melhor deles nessa noite.
a festa. Até havia uma medida que chamava- Era uma medida em madeira. Chamava-se
se o alqueire que serve para medir os ce- o alqueire. Voltava-se a medida para cima
reais, tanto trigo como milho. Dançava-se e ficava uma tábua. Era uma caixa, um cai-
em cima de uma medida. Portanto, uma xote. Era o alqueire. E quem não caísse de
medida que terá 30 ou 40cm por 30 ou 40cm. lá de cima era o melhor dançarino. Tentava-
Quem soubesse dançar melhor em cima se... porque não era muito fácil. Lembro de
dessa medida com os pezinhos era o mais ouvir falar muito.”

MEMÓRIAS DOS BAILES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 79


O CASÃO DO TIO BERNARDINO

Luísa e Manuel Araújo são de Melides.


Lá passaram sua juventude. Mudaram para
a Margem Sul do Tejo em busca de oportuni-
dade de trabalho, criaram os ilhos e voltaram
para sua terra de origem. Neste regresso,
aprenderam a dançar a valsa mandada, que
hoje ensinam. E na sua história de vida, as
histórias dos bailes da terra.
Nos dias atuais, diz o senhor Manuel, as
Oicina de valsa mandada, Évora [em cima], 2010.
regiões mais representativas em termos das
Papoilas do Corvo, Aldeia do Corvo [em baixo], 2010. valsas mandadas são Santa Margarida da
Serra, Ademas, São Francisco da Serra.
“Houve tempo em que ninguém mais dança-
va a valsa por aqui: Ninguém!” – frisa o senhor
Manuel. Ele credita em parte esta decaída da
valsa e dos bailes de modo geral na região
à partida dos homens para lutar nas Guer-
ras Coloniais. Na década de 1960 havia ainda
muitos bailes em Melides. Em 1962, foram
poucos os homens da terra que foram para
Angola, mas em 1964 e 1965, nas campanhas
de Moçambique e Guiné, muitos homens da
região foram mobilizados e as famílias sofriam
por eles, a comunidade sentia sua ausência
e assim os ânimos para os bailes eram menores.

80 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO MEMÓRIAS DOS BAILES


Foi também a partir desta altura e um pouco O senhor Manuel conta do Dia da Feira
mais adiante que apareceram os bailes com de Melides, um acontecimento local em que
aparelhagem. Manuel e Luísa contam de um havia dois bailes apinhados de gente por lá.
personagem da região, que morava em Grândo- Um deles era o baile na Casa do Povo (que
la, o Sr. Fialho. Este senhor tinha um gira-discos icava em outras instalações – diferentes das
e vinha de graça, por gosto, a Melides com que hoje abrigam os bailaricos semanais com
a aparelhagem para fazer bailes. No começo o pessoal do Centro de Dia).
poucos aderiram, mas com o tempo mais pes- A Casa do Povo de Melides promovia bailes
soas passaram a frequentar este tipo de baile. que eram destinados aos seus sócios, mas
Os bailes com tocadores em geral tinham quem era conhecido da região podia lá chegar
uma entrada, de valor pequeno. Cobrava-se que o deixavam entrar. A entrada era gratuita,
entrada justamente para angariar fundos a Casa do Povo pagava o tocador.
para pagar ao tocador, que aquela altura Nestes bailes havia uma série de regras. As
deveria ganhar mais ou menos por baile mulheres e raparigas entravam por uma porta
o que ganhava um trabalhador por dia de ser- e os rapazes por outra. As mulheres icavam
viço. O senhor Fernando Augusto, tocador de no salão do baile propriamente dito, sentadas
acordeão que desde sempre tocou nos bailes em cadeiras e em um longo banco que rodeava
do Alentejo, informa que o valor pago ao mú- o salão retangular. Em um canto icava o senhor
sico dependia da sua fama. Um tocador que Fernando Augusto, tocador de acordeão.
levasse mais gente ao baile ganhava mais. Os rapazes icavam em uma sala separada,
Em geral os valores poderiam ser entre 40 e só podiam entrar no salão quando a música
escudos, 80 escudos, 100 escudos. O senhor começasse. Se não estivessem dentro da tal
Fernando, afamado, levava muita gente ao sala, a música não começava. O pai do senhor
baile, mais de cem pessoas (na altura os Manuel era contínuo e trabalhava na Casa do
bailes com cinquenta, cem pessoas eram Povo. Era encarregado de colocar os rapazes
bailes enormes) e assim ganhava a volta de todos na saleta e não deixava a música andar
120 escudos. se eles não estivessem nela.

MEMÓRIAS DOS BAILES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 81


O senhor Manuel compara o início da mú- arroz, cereais. Tinha um armazém e no dia da
sica ao estouro da rolha do champagne! Feira lá juntava gente que pagava uma entrada
Saíam todos para apanhar o par que que- pequena (justamente para pagar o tocador)
riam. Se demorassem quando lá chegavam e ia lá dançar. O senhor Manuel lembra-se
já não tinham a rapariga desejada... Fim da deste baile no Casão acontecer somente no
música, todos os rapazes de volta à saleta. dia da Feira de Melides.
Pequeno intervalo de um ou dois minutos, Nos bailes do Casão do Tio Bernardino dan-
raparigas de volta às cadeiras, inspeção feita, çava-se a moda do campo. Não havia tantas
nenhum rapaz no salão... Podia começar regras como na Casa do Povo. Ficavam todos
tudo outra vez. juntos numa sala, conversando uns com os
Dona Luísa acrescenta que o baile da Casa do outros, rapazes e raparigas. E o repertório era
Povo era muito disciplinado, tinha muitas regras... o mesmo das funções (nome que se dava aos
Na Casa do Povo, nessa altura, não se dan- bailes rurais na região).
çavam valsas mandadas, dançava-se o tango, Nas funções ou funçanadas dançava-se a
valsas “normais”, os êxitos do momento, um valsa mandada, a meia passada, o raspadão.
fado, as chamadas “séries” – músicas umas Imperava a valsa mandada ou sagorra, como
pegadas nas outras. também era chamada. Valsa sagorra, dos
No dia da Feira de Melides havia outro gran- sagorros – os do campo.
de baile. Lá o senhor Manuel chegou a ir, mas Muita gente fazia bailes no campo para
nunca dançou, pois não conhecia o pessoal. Ia ajudar a pagar a construção da sua casa. Lá
pra apreciar. Era um baile mais popular, como os juntavam os vizinhos e convidavam gente
do campo: o baile do Casão do Tio Bernardino. para o baile, cada um pagava uma entrada,
Tio Bernardino era proprietário de terras vendiam-se comidas e bebidas. “As pessoas
– “Mas não era rico”, acrescenta dona Luísa, iam para ajudar as outras, eram solidárias” –
“tinha que trabalhar para viver”. Semeava trigo, acrescenta o senhor Manuel.

82 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO MEMÓRIAS DOS BAILES


VALSAS MANDADAS
MANDOS E MANDADORES
[RECOLHAS DE MANUEL ARAÚJO]

s experientes dançadores que entrevis- também ter no corpo e na mente estas iguras,

O tamos dizem que para ser um bom man-


dador é preciso reunir certos atributos,
entre eles, ter uma boa voz, para que todos os
de forma que naturalmente consiga ditá-las aos
dançadores, construindo e executando no mo-
mento um mando que mostre a arte desta dança.
componentes da roda escutem o que se manda, Nos dias atuais, uma das maiores diiculdades de
conhecer bem os mandos e respeitar os compas- formar uma roda para a valsa é encontrar quem sai-
sos (o balanço da música). ba mandar e, desta forma, ensinar os movimentos.
Além de saber executar cada mando, um A im de ilustrar algumas sequências na ex-
bom mandador deve encadear bem os passos, periência criativa destes artistas, publicamos
ou seja, deve ser capaz de construir de improviso nas páginas a seguir recolhas de Manuel Araújo,
uma boa sequência: bonita para quem assiste que registrou mandos e mandadores ao longo
e instigante para quem executa. de décadas em bailes populares e apresenta-
Para compor a coreograia da valsa, não bas- ções de ranchos e grupos da região, em diversas
ta saber os mandos individualmente, é preciso gravações para sua extensa pesquisa.

VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 83


VALSA MANDADA
BAILE REALIZADO EM VALINHO DA ESTRADA, MELIDES, 1983

Mandadores » Joaquim Tojeira José Chainho Manuel dos Canhotos

Recolha Faz a meia cadeia à direita Furta uma vez Para trás, tudo certo
Manuel Araújo Singelo icou Sempre singelo Faz a meia cadeia à direita
Furta aí Meia cadeia de fora o homem Marca pra diante
Faz três corridos pra lá Meia cadeia à esquerda Outra meia cadeia à esquerda
Furta aí Voltinha à direita Muda a mulher e compasso
Meia cadeia à esquerda, para Meia cadeia à esquerda à esquerda
o outro lado a mulher e furta aí Dois compassos para fora Fazemos a meia cadeia, muda
Passa e dobra pra lá Singelo a mulher e marca pra diante
Mulher à esquerda e três Mulher ao natural Volta à direita
corridos Meia cadeia, de fora o homem Meia volta, furtou
Passo dobrado à direita Três corridos à esquerda Passa e dobra
Singelo Meia cadeia à esquerda Marca pra diante
Furta aí Cadeia os dois Três corridinhos à direita
Passo dobrado pra lá Dois compassos agora Pra trás e tudo certo
Para o outro lado a mulher Compasso à direita Furtou
e furta aí Volta à direita
Manda adiante Passa pela frente e manda
adiante

84 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES


António Perpétuo Joaquim Tojeira

Voltinha à direita Três corridos à direita, vai Três corridos à direita


Marca pra diante recuando três com o par, Meia cadeia à esquerda
Singelo sempre avançando mais três. Furta aí
Três corridos à direita, agora Singelo por dentro Abre pra lá
Vai recuando duma vez Dá meia volta Singelo marcou
Avançando mais três Marca pra diante Sempre singelo
Singelo por dentro Sempre singelo Singelo
Singelo ainda Meia cadeia à direita Faz a meia cadeia à direita
Muda o par para a direita, Par natural Furta aí
devagarinho Devagarinho por dentro Faz a cadeia corrida à mulher
Singelo sempre Singelo e passa o homem
Meia cadeia à direita, Três corridos à direita Certo
devagarinho Arrecuando uma vez
Singelo por dentro E avançando mais três Termina o toque
Voltinha à direita Singelo por dentro
Marca por dentro Voltinha
Dobrando pra fora uma vez, Marca por dentro
dobrando para dentro, uma Do outro lado a mulher
pancadinha com o pé direito. Mulher natural à esquerda
É agora. Singelo
Voltinha e manda à direita

VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 85


VALSA MANDADA
MANDOS EXECUTADOS E ENSINADOS POR MANUEL ARAÚJO

Mandador » Manuel Araújo

Manuel Araújo nasceu em Singelo Voltinha à direita, no im da volta passo


1946 em Melides. Formado
Meia cadeia à esquerda e dobrado à direita
em Educação Física, sempre
esteve ligado ao ensino Meia cadeia à direita Voltinha à esquerda, no im da volta
e pesquisa das danças popu- Meia cadeia à direita com três compassos passa por diante à esquerda
lares portuguesas. Realizou
recolhas sobre as valsas Meia cadeia começada em cima Voltinha à direita, no im da volta
mandadas, outras danças e acabada em baixo passa por diante à direita
e cantares da região da Serra
de Grândola. Atuou como
Meia cadeia começada em baixo Passa por diante à esquerda
músico em diversos grupos e acabada em cima Passa por diante à direita
de música popular. Foi inte- Meia cadeia à direita e faz três compassos Passa por diante à direita com três compassos
grante do Grupo de Valsas
Mandadas de São Francisco (corridos, ou avançados), à direita Três corridos à esquerda
da Serra, onde aprendeu Meia cadeia à esquerda e faz três compassos Três corridos à direita
a dançar e a mandar. Mais
recentemente, tem ministra-
(corridos ou avançados), à esquerda Três corridos à direita, furta um mais três
do oicinas para ensinar Voltinha à esquerda Três corridos à esquerda, furta um mais três
e divulgar a valsa mandada Voltinha à direita Três corridos à direita vira o par e três à es-
em festivais, escolas e even-
tos culturais. Voltinha à esquerda, no im da volta passa querda. (Aqui altera a posição inicial do par.
e ica à esquerda De imediato é necessário mandar o mando
Voltinha à direita, no im da volta passa seguinte, para o par voltar à sua posição
e ica à direita normal – natural)
Voltinha à esquerda, no im da volta passo Passa por diante pra lá, icando o par ao natural
e dobrado à esquerda Três corridos à direita, o último é batido
Três corridos à esquerda, o último é batido

86 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES


Três corridos à direita e marca para dentro Um batidinho à esquerda
com meia cadeia Passo e dobrado à direita
Três corridos à esquerda, mais três arrecua- Passo e dobrado à esquerda
dos, outros três avançados Passo e dobrado com o segundo par icando
Três corridos à direita, mais três arrecuados, com o primeiro à esquerda
outros três avançados Passo e dobrado, dobra só
Três corridos à direita e faz a meia cadeia Dobra pra fora e ica, furta um compasso
à direita e passa por diante pra lá
Três corridos à esquerda e faz a meia cadeia Dobra pra fora com a parte à franciscana
à esquerda Dobra pra fora, e vai um batidinho ao centro
Dois rasteirinhos à esquerda Dobra pra fora, dobrando sempre,
Dois rasteirinhos à direita singelo por dentro
Dois rasteirinhos à frente Passa e ica à direita
Dois rasteirinhos atrás Passa e ica à esquerda
Cadeamos por cima à direita
Enrola a mulher à esquerda
Enrola a mulher à direita icando no singelo
por fora
Desenrola à esquerda icando no singelo por
dentro

VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 87


VALSA MANDADA
GRUPO DE DANÇA TÍPICA DA QUEIMADA – VALINHO DA ESTRADA,
MELIDES, 2008

Mandador » Eusébio José Pereira

Recolha Tudo certo aí Vai a mesma parte à direita sempre dobrado


Manuel Araújo É o singelo à esquerda Tudo certo aí
Passa e dobra à direita Voltinha à esquerda
Eusébio José Pereira nasceu Meia cadeia à esquerda Fica aí no singelo, voltamos todos para dentro
em 1933. É natural de Vale
dos Linhos, São Francisco Enrolamos a mulher à direita É rapaziada! Vai tudo escoiar!
da Serra, e reside em Ade- Furta aí O par mudou e tudo escoiou
mas, Santa Cruz, ambos no
concelho de Santiago do
Arrecuamos três corridos à direita – rapaziada malina!
Cacém. Mandador do Grupo Dois rasteiros à esquerda É o par à esquerda e ica aí no singelo
de Dança Típica da Queima- Voltinha à direita Cadeamos os dois à esquerda
da, também participa dos
encontros de valsa no Centro Tudo certo aí Passo e dobra à direita
de Dia de Melides, atuando Meia cadeia por trás das costas à esquerda Voltinha à esquerda
como ensaiador.
Singelo Cadeamos por cima à direita
Tudo certo
Dobramos para fora com três compassos
É o batido dobrado para dentro
Tudo certo aí
Voltamos para fora com três compassos
Furta aí

88 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES


VALSA MANDADA
RANCHO FOLCLÓRICO DANÇAS E CANTARES
OS RURAIS DE ÁGUA DERRAMADA

Mandos retirados de registro áudio do grupo, 2005

Vamos lá rapaziada isso tudo certo Tudo certo Recolha


Faz a meia cadeia à esquerda Faz meia cadeia à esquerda Manuel Araújo
Passou e dobrou à direita Voltinha à direita e troca o par
Voltinha à direita e troca o par Marcou singelo à esquerda O Rancho Folclórico Danças
e Cantares Os Rurais de
Tudo certo Tudo certo Água Derramada foi criado
Faz meia cadeia com o par da frente Passou e dobrou à esquerda e faz logo meia em 1996 em Água Derrama-
da, Grândola.
Dois passinhos à esquerda cadeia à direita
E outros dois pela direita Tudo certo
Tudo certo Voltinha à direita e troca o par
Voltinha à direita e troca o par Mais dois passinhos à esquerda
Marcou singelo à direita E outros dois à direita
Fica aqui no singelo Tudo certo
Faz meia cadeia à esquerda, vá lá rapaziada e Faz meia cadeia à esquerda
tudo certo Passou e dobrou à direita
Voltinha à direita e troca o par Voltinha à direita e troca o par
Tudo certo Faz meia cadeia à esquerda
Três passinhos avançados Passou e dobrou à direita
E outros três arrecuados Voltinha à direita e cada qual às suas
Mais três avançados e o último é batido Tudo certo

VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 89


VALSA MANDADA
RANCHO FOLCLÓRICO 5 ESTRELAS DE ABRIL
APRESENTAÇÃO DO GRUPO, GRÂNDOLA, 2006

Mandos criados e executados pelo grupo

Recolha Fica aqui singelo Enleio: mulher enrola junto ao homem, dão
Manuel Araújo Voltinha à direita um passo atrás e dois corridos. Desenrola e
Voltinha à esquerda enrola outra vez, mais três corridos pra frente,
O Rancho Folclórico do Isaías Tudo certo desenrola com meia cadeia e ica no singelo.
foi criado em 1979 no Bairro
do Isaías, em Grândola. Passou e dobrou (variações para esquerda
e direita) Faz que faz mas não faz: singelo à esquerda,
Três corridos à direita, mais três arrecuados, o homem vai para a direita, mulher à esquer-
mais três pra lá da, roda com outro par e volta ao par.
Três pancadinhas (variações para direita,
centro e esquerda)
Cadeia os dois
Meia cadeia pra lá e ica no singelo por fora,
faz outra vez meia cadeia à direita e ica sin-
gelo por dentro
Meia cadeia pra lá
Cadeia a mulher

90 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – MANDOS E MANDADORES


VALSA MANDADA

Andamento: vivo Autor: Fernando Augusto

VALSAS MANDADAS – PARTITURAS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 91


VALSA DO
MANUEL LOURICHO
Andamento: vivo Autor: Manuel Louricho

92 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO VALSAS MANDADAS – PARTITURAS


VALSA MANDADA

Andamento: vivo Popular

VALSAS MANDADAS – PARTITURAS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 93


AGRADECIMENTOS
realização deste caderno e, para tanto, com que nos receberam e acompanharam no

A da pesquisa no Alentejo em busca das


suas danças tradicionais e populares,
só foi possível graças aos apoios, acolhidas
nosso trabalho.
À Direção Regional da Cultura do Alentejo
e à professora Aurora Carapinha, por apoiarem
e parcerias de amigos e instituições que torna- este projeto.
ram este projeto realidade. Juntos, exercitamos Ao apoio do Ministério da Agricultura, do De-
a alegria do baile! Assim, agradecemos e muito: senvolvimento Rural e das Pescas, co-inanciado
pelo LEADER, no âmbito do PRODER.
Ao Instituto de Estudos de Literatura Tradicio- Ao Pedro Morais, mestre da animação digital
nal da Universidade Nova de Lisboa e à Fundação que, sempre a postos, nos apoiou incondicio-
para a Ciência e a Tecnologia do Ministério da nalmente e fez milagres para a qualidade das
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. nossas gravações.
À professora Ana Paula Guimarães, por acre- Ao Miguel Barriga, que nos emprestou seus
ditar nesta idéia e dar o empurrão inicial. saberes e equipamentos tecnológicos para as
À equipe do IELT, à Anabela Gonçalves e à Oria- imagens das danças.
na Alves, pelo apoio logístico, atenção e cuidado. Ao apoio da Câmara Municipal de Castro Verde
À Organização dos Estados Ibero-America- e do Vereador da Cultura Paulo Nascimento, bem
nos, pelo apoio concedido a esta iniciativa. Ao como de sua equipe, que tem acolhido iniciativas
acompanhamento de Claudia Castro, Escritório à volta da música e dança tradicional e nos rece-
Regional de Brasília. bem com todo cuidado nas nossas visitas à região.
Ao Centro Nacional de Cultura e a Guilherme Ao Pedro Mestre e à sua Viola Campaniça Pro-
d´Oliveira Martins, pelo apoio e entusiasmo duções, que nos acompanham sempre no Alentejo,

94 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO AGRADECIMENTOS


trazendo música, dança e amizade à nossa estrada. ras, dançaram nas gravações e nos ensaios das
Aos nossos amigos e apoiadores nas valsas descrições de danças, nos auxiliando com sua
mandadas, Luísa e Manuel Araújo, pela incansá- presença, companhia e disponibilidade: Ana Vala-
vel revisão dos mandos e sua presença, energia, das, António Guerreiro, Dora Alexandra Algarvio,
alegria e continuidade em campo. família Marchi, família Rebelo Morais, Filipa
À Junta de Freguesia de Melides, que tem Marques, Gabriel Piedade e Ana Rosa Piedade,
apoiado nosso projeto e a cultura da região, mo- José Francisco Colaço Guerreiro, L. M. Stein,
bilizando pessoas e recursos em prol da tradição. Lúcia Serralheiro, Luísa Côrte, Margarida Moura,
À Casa do Povo de Melides, que cedeu seu Margarida Ribeiro, Maurício Osaki, Milena Luísa
espaço para nossas gravações e encontros em Martins, Teresa Rebelo, Rafael Corrêa da Cunha,
torno da valsa mandada. Rita Wengorovius, Rui Júnior e Vítor Cordeiro.
Ao Sr. António Agostinho e à Resultado Puro, Aos amigos Joana Negrão, Francisco Pimenta
que nos apoiaram lindamente, trazendo para e Mercedes Prieto, que nos auxiliaram com as
as danças nosso insubstituível carro: o Cara descrições das danças.
Negra – sem o qual não teríamos conseguido A todos os amigos e colaboradores que ao
voar de Castro Verde para Castelo de Vide em longo da pesquisa comentaram o blogue das
tempo recorde. danças do Alentejo e com seus conhecimentos
A Joana Andrade, Tiago Malato e Francisca e impressões alimentaram as nossas.
Neto, pelo apoio fundamental em Castelo de Aos amigos Francis Haisi e Marlon Braga, pelo
Vide e arredores. apoio técnico no blogue do projeto.
Ao Aparthotel do Castro, que cedeu suas ins- A Marinardes Marchi, sempre a primeira leitora.
talações para realização de parte das nossas gra- A todos os dançadores e tocadores que
vações de registro das danças em Castro Verde. nos receberam, individualmente ou em grupo,
Aos amigos deste projeto, que facilitaram e dividiram conosco seu saber e sua arte. No
nosso dia-a-dia, acompanharam nossas viagens Alto Alentejo: António Maria Carrilho Nunes
em campo, participaram das nossas aventu- e Rancho Nossa Senhora da Alegria de Castelo

AGRADECIMENTOS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 95


de Vide, João Augusto Mouro Canário, Maria Barborita Botelho, Dorília Maria, Encarnação
Catarina Mimoso e Maria Dinis Pereira Carmo Martins, Evangelina Maria Sabino, Flora Souza
(Dinis Galucho). No Alentejo Litoral: Albertino Sabino, Joaquina Marreiros, José Diogo, Maria
Pereira Gamito e Aldina Pereira, Eusébio José Bárbara da Costa, Maria Eugénia Silva e Mariana
Pereira e Maria Pereira, Fernando Augusto, Gru- da Silva). E ainda o Grupo Coral Alentejano Os
po de Dança Típica da Queimada, José Pereira Amigos do Barreiro (Sr. Castro e Sr. Caturra).
e Josélia Pereira, Manuel Sobral, Maria Adélia Agradecemos a todos os dançadores e dan-
Botelho, Marlene Mateus e todos que parti- çadoras do Alentejo que, ao continuar o baile,
ciparam dos encontros de valsa mandada no cuidam das danças e das nossas andanças.
Centro de Dia de Melides. No Baixo Alentejo:
Ana Correia, Flor de Maria Gonçalves e Grupo
Coral Feminino As Atabuas (As Atabuas são:
Alice Batista, Ana Domingos Correia, Beatriz
Silvestre, Célia Batista, Ernestina Palma, Ester
Camacho, Flor de Maria Gonçalves, Isabel Luís,
Maria Eduarda Bravo, Maria do Carmo Bravo,
Maria dos Anjos Matoso, Maria Isabel Costa,
Maria Matilde Gil, Patrícia Pilar, Sara Luís, Silvina
do Rosário e Vera Silvestre), Hermínia Horta
e Grupo Coral e Etnográico As Papoilas do Corvo
(As Papoilas são: Amerildes Maria Francisca,
Maria Luísa Afonso, Bárbara Maria, Hermínia
Horta, Ilda Maria Constantino, Maria Adelina
Santos, Maria Bárbara Cavaco Faustino e Maria
Vitória Felizberto), José Dionísio, Maria Cesaltina
Bailão e amigos de Panóias (Antónia de Jesus,

96 | CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO AGRADECIMENTOS


CRÉDITOS CADERNO DE DANÇAS
DO ALENTEJO, VOL. 01

Coordenação editorial:
Domingos Morais e Lia Marchi
Autora: Lia Marchi
PROJETO Colaboradores:
ARQUIVO DAS DANÇAS Celina da Piedade e Domingos Morais
DO ALENTEJO
Transcrições musicais: Celina da Piedade
Edição de partituras: Eduardo Paes Mamede
Coordenação:
Domingos Morais e Lia Marchi Fotos: Lia Marchi exceto página 66, autor:
Pesquisa de campo: António Passaporte, propriedade: Arquivo
Lia Marchi Fotográico da Câmara Municipal de Évora
Assistentes de pesquisa:
Celina da Piedade, Pedro Mestre, Manuel Araújo Revisão de textos: Manuel Coelho
Design gráico: InvisibleDesign.pt
Produção executiva: Impressão: Diana Litográica do Alentejo
PédeXumbo – Associação para a Promoção
de Música e Dança / Sophie Coquelin Registros audiovisuais
Captação e seleção:
Blogue danças do Alentejo: Lia Marchi Domingos Morais e Lia Marchi
http://arquivodancasalentejo.wordpress.com Finalização e montagem: Miguel Barriga

CRÉDITOS CADERNO DE DANÇAS DO ALENTEJO | 97


Este livro foi impresso no ano de 2010,
pela gráica Diana Litográica do Alentejo,
no formato 210X148mm,
em caracteres FlamaBasic e Rockwell Std,
sobre papel Couché Matte de 115g/m,
com uma tiragem de 1.000 exemplares.

Todos os ilmes referidos neste Caderno


estão disponíveis no endereço:

www.memoriamedia.net/dancasdoalentejo

www.pedexumbo.com || www.olariacultural.com.br || www.ielt.org


S E T L E
S ET LINH E SÃ LO D A E M DE S A V EGR RA C A NI CAS QU IRA P A DA A A ME S TAG A GI A DA S
E A R E O R D L O R S I S E D D S D D O
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A TA A C SA
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A A E T D A E B R
PO ÉVO IRA N S C RAIS TEIR DA S S DA MAS DOS IÃO A M SÃO IQU AS M O SE A M O SÃ OU PAN
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S L O A T I T O I S S T U E P R BU I D A A A D M
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CA ISA DES AIS IRA ERR BUEI IDES RRA IEST A D DA AS TE D ASTI RGA AR ADE NT AS
N LI RR TE S A L A G ID OS EM N EB A M E MO B
RA ME AGA GIES DA A AT ME S TAG DA AR ARC AD S MO O S A M SÃO IQU IAS O SE TA
S T A A D AS O ÃO G M E A SÃ T O UR Ó SÃ AN
MA DOS O D ARID COS EM E D ASTI MAR ÃO IQU NÓI OR SAN EIR A O PAN OR S R
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S E M Ã I A SÃ S R R LH P D D PA P O RA IS
O NTA RO S OUR NÓI IOR RVO BAR A SE LPA AM IA DO TRA SCO E AL AM IA D EST ANC DE V
SA I A A A O A D A C E ES I D C E A R
O RRE ERR O P O M DO C RAD SCO IDE DAS ALD DA RANC E VI DAS ALD O D ÃO F ELO A E
BA DA S ALHÃ MP EIA EST NCI DE V MEA ETE NHO O F O D MEA ETE LINH RE S AST PÓVO V
C O ALP CA ALD DA FRA LO A E E S ALI E SÃ TEL A E DE S VA EG RA C SA TRO S
S S O O D V O A L I S I
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ST UEI PO ERR TABU LID RRA TEIR SER ABU LID GAR GIE IDA OS D EMA NTE EBAS AR M
S Q IRA S A E G A IES DA AT E TA D A R C D M O S M ÃO
AI E A DA M TA G A A SM S O GA AR E A S ÃO TA S RI
REALIZAÇÃO

APOIO CULTURAL

MINISTÉRIO DA CULTURA
DIRECÇÃO REGIONAL DE CULTURA DO ALENTEJO
Casa do Povo de Melides
 

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