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HISTÓRIA

MODERNA

Caroline Silveira Bauer


A construção dos ideais
do liberalismo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Relacionar a construção do liberalismo com a queda dos poderes


absolutistas.
 Diferenciar o sistema liberalista do sistema mercantilista.
 Identificar os principais pensadores da estrutura liberalista moderna.

Introdução
O liberalismo surgiu como um conjunto de ideias que propunha uma
alternativa aos modelos econômicos predominantes na Europa Ocidental
durante a Idade Moderna, na esteira das transformações das mentalidades
daquele período, e, posteriormente, configurou-se como uma teoria do
pensamento econômico, com diferentes matizes e adequações a novas
realidades culturais e históricas.
Neste capítulo, você vai compreender a conjuntura de surgimento
dos ideais liberais, principalmente sua relação com o declínio do poder
absolutista do monarca. Além disso, vai conhecer as diferenças existentes
entre as teorias liberais e mercantilistas em relação às práticas econômicas
e, por fim, aprenderá sobre os principais pensadores do liberalismo du-
rante a Idade Moderna, também conhecido como “liberalismo clássico”.

1 O surgimento do liberalismo
As origens do liberalismo remetem ao século XVII e XVIII, mais especifica-
mente, à oposição ao Absolutismo e sua política econômica, o mercantilismo,
sendo a França e a Inglaterra os dois focos de irradiação desses ideais que,
posteriormente, disseminaram-se pela Europa Ocidental e pela América.
Trata-se do conjunto de ideias proveniente da burguesia ascendente, que se
2 A construção dos ideais do liberalismo

tornou muito poderosa economicamente, mas não possuía poder político nem
espaços para defesa de seus interesses junto às políticas econômicas e sociais
dos Estados absolutistas.
De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 699), a própria
lógica do Estado absolutista criou as condições para seu enfraquecimento
com o surgimento do liberalismo:

[...] tal Estado, na prática, instaura uma rígida separação entre política (ou área
pública) e moral (área particular), eliminando a moral da realidade política e
confinando os indivíduos, tornados meros súditos, na área particular. Porém,
no interior de todo Estado absoluto, cria-se um espaço particular interno,
que a burguesia, uma vez tomada consciência da própria moralidade, ocupa
progressivamente, até torná-lo público, embora não político imediatamente: as
ações políticas começam a ser julgadas pelo tribunal da moral. Este tribunal da
sociedade (clubes, salões, bolsa, cafés, academias, jornais) chama-se ‘opinião
pública’ e age em nome da razão e da crítica. Enquanto na Inglaterra se dá uma
verdadeira coordenação entre moral (opinião pública) e política (Governo),
na França, com o iluminismo, o contraste é radicalizado, preparando desta
forma a crise revolucionária. A burguesia liberal iria se firmando, pois, no
século XVIII, mediante o monopólio do poder moral e do poder econômico, em
relação ao qual o Estado absoluto, enquanto Estado exclusivamente político,
tinha ficado neutro. Sua transformação e sua destruição tiveram origem na
opinião pública e no mercado.

Nesse sentido, os principais rivais da burguesia eram a monarquia e os


nobres aristocratas, suas práticas econômicas e sociais e seus valores – as
dinâmicas do capitalismo se chocavam frontalmente com as estruturas do
Antigo Regime. De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 695),
“as origens do liberalismo coincidem, assim, com a própria formação da
‘civilização moderna’ (europeia), que se constitui na vitória do imanentismo
sobre o transcendentalismo, a liberdade sobre a revelação, da razão sobre a
autoridade, da ciência sobre o mito”.
De maneira geral, podemos afirmar que os principais ideais e valores dessa
classe em ascensão, que se contrapunha aos valores dominantes na época, eram:

 a defesa da liberdade individual;


 a predileção por regimes políticos com a separação entre os poderes;
 o direito e proteção à propriedade privada;
 a concorrência e a livre iniciativa como práticas para o desenvolvimento
do capitalismo.
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Do ponto de vista histórico, a situação era de emergência dos ideais e


valores liberais no âmbito da Revolução Gloriosa, da Revolução Industrial,
da Revolução Francesa e seu apogeu nas revoluções liberais do século XIX,
ou seja, no período de transformações ocorridas na Europa Ocidental do final
do século XVII a meados do século XIX.

De que forma o desenvolvimento dos ideais liberais se relacionam com a Revolução


Industrial? Conforme Bruc (2006 apud SILVA, 2018, p. 33), com a Revolução Industrial:

[...] a manufatura, o comércio e as invenções cresceram significativa-


mente. A Inglaterra ganhou supremacia tanto no comércio quanto na
indústria. Por causa dessa supremacia, o país se beneficiou com o livre
comércio internacional. Os empresários ingleses não precisavam mais
dos antigos subsídios do governo, privilégios de monopólios e prote-
ção tarifária. Com a Revolução Industrial, também surgiram a força
de trabalho livre e a divisão do trabalho – isto é, cada trabalhador se
especializavam em determinada atividade. Foi também nessa época que
leis de delimitação de terras por uso de cercas, cercas vivas e paredes
foram aprovadas, o que colocou as terras em um regime de propriedade
privada. Assim, os camponeses se transformaram em trabalhadores
assalariados dos donos das terras. Os artesãos, que perderam espaço
para as fábricas também se tornaram trabalhadores assalariados. A taxa
de natalidade em alta e a taxa de mortalidade em queda aumentavam
a população e, consequentemente, a força de trabalho.

Esses eventos se relacionam com as mudanças nas mentalidades ocorridas


desde o Renascimento e a revolução científica, culminando com o Iluminismo.
Ou seja, a economia, o comércio e as relações internacionais, assim como outras
esferas da realidade, passaram a ser concebidos a partir de leis universais, que
foram formuladas pelos pensadores liberais do período. Somada às transfor-
mações ocorridas na ciência, é importante destacar as mudanças no âmbito da
religião a partir das reformas religiosas, que fizeram com que os juros e o lucro
deixassem de ser vistos como pecado, bem como abandonassem a compreensão
de que as pessoas nasciam e morriam com o mesmo status social. “As pessoas
deviam ser livres para seguir a lei natural e o interesse próprio, sem restrições
do governo ou de quem quer que fosse” (BRUC, 2006 apud SILVA, 2018, p. 34).
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Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 696) resumem desta forma o sur-


gimento do liberalismo:

Encontramos na história da Europa moderna uma série de fenômenos cul-


turais e sociais, que quebram a ordem que sustentava o mundo medieval e
desarticulam a sociedade. Temos a Reforma Protestante e o surgimento de
uma pluralidade de Igrejas e temos, também, a afirmação de um mercado
aberto, onde novos grupos sociais começam a emergir, a tomar consciência de
si e a entrar em confrontos. O nascimento do Liberalismo se dá, justamente,
no momento em que se percebe que esta diversidade não é um mal, e sim um
bem. Percebe-se, ainda, a necessidade de encontrar soluções institucionais,
que possibilitem a esta sociedade ‘diferente’ sua expressão.

Entre a Revolução Gloriosa (1689) e a Revolução Francesa (1789), o li-


beralismo ficou conhecido como “sistema inglês”, uma forma de governo
cujo regime político era uma monarquia constitucional, em que poder do rei
era limitado por um parlamento e em que havia liberdade civil e religiosa.
Melquior (1991, p. 16) afirma que, na Inglaterra, “embora o acesso ao poder
fosse controlado por uma oligarquia, fora refreado o poder arbitrário, e havia
mais liberdade geral do que me qualquer outra parte da Europa”.
Dessa forma, podemos afirmar que o pensamento liberal surge como forma
de atender os interesses econômicos, políticos e sociais de uma determinada
classe, a burguesia, que se opõe à organização econômica, política e social das
monarquias absolutistas, principalmente na França e na Inglaterra.

2 Diferenças entre o liberalismo


e o mercantilismo
Chamamos de “mercantilismo” o conjunto de práticas econômicas desenvolvido
na Europa Ocidental durante a Idade Moderna desde a metade do século XV
(DEYON, 1992). As características dessas práticas variaram muito entre os
países europeus, mas tinham como um núcleo comum a intervenção estatal
na economia em função do objetivo de unificar o mercado interno, facilitar
as práticas comerciais e fortalecer os incipientes Estados Nacionais. Assim,
houve um incentivo às manufaturas, à instituição de tarifas alfandegárias como
forma de proteger a economia, ao desenvolvimento do colonialismo e à criação
de monopólios. Lembremos que o termo “mercantilismo” foi formulado pelos
seus adversários do século XVII, os fisiocratas e os liberais, para assinalar as
características às quais se opunham. Essa é a mesma interpretação de Mattos
A construção dos ideais do liberalismo 5

(2007, p. 110), que afirma que “é quase impossível caracterizar o que seria o
‘sistema de liberdade natural’ de [Adam] Smith sem fazer referência ao que ele
denomina ‘sistema comercial ou mercantil’, uma vez que o primeiro aparece
praticamente como uma antítese do segundo”.
A política mercantil, segundo essas teorias, entendia a riqueza e o desen-
volvimento como dependentes de um Estado, que deveria unificar a tributação,
controlar a atividade produtiva e estabelecer um sistema alfandegário para
proteger os produtores do seu país. O Estado deveria manter uma balança
comercial favorável, ou seja, exportar mais do que importar; devido à neces-
sidade de manutenção dessa balança favorável, associada ao metalismo, os
governos mercantilistas foram levados a argumentar em favor da autossufi-
ciência interna e da prática do monopólio, ainda que, em inúmeras ocasiões,
esse monopólio não tenha sido respeitado, porque, para os comerciantes, era
muito mais interessante comerciar com o maior número de clientes possíveis.
Assim, podemos afirmar que, para além de nomenclaturas como “mer-
cantilismo”, a economia da Europa Ocidental durante a Idade Moderna foi
marcada por práticas como o metalismo (quantidade de metais preciosos por
ele acumulado, convertido ou não em moedas e títulos), a balança comercial
favorável (regulação das exportações e importações) e o protecionismo estatal
(intervenção do Estado na economia).
Falcon (1991, p. 17) nos auxilia a compreender a conjuntura histórica do
mercantilismo lembrando que ele se identifica com:

[...] aquelas ideias e práticas econômicas que, durante três séculos, estiveram
sempre ligadas ao processo de transição do feudalismo ao capitalismo, e,
mais particularmente, aos problemas dos Estados modernos, absolutistas, e
à expansão comercial e colonial europeia iniciada com grandes navegações
e descobrimentos dos séculos XV/XVI. Indo um pouco mais longe, podemos
ver no mercantilismo o conceito que tenta dar conta da profunda conexão, da
quase impossível dissociação, entre o político e o econômico, a qual constitui
uma das principais características da época situada entre o final da Idade
Média e o início da Revolução Industrial.

As primeiras críticas aos princípios mercantilistas da economia foram


elaboradas pelos chamados “fisiocratas”, principalmente por François Quesnay,
no século XVIII. Influenciados pelas mudanças de mentalidades advindas da
revolução científica, acreditavam que a economia, assim como a natureza,
tinha leis universais que precisavam ser compreendidas e defendiam que a
terra era a única fonte de riqueza de uma nação.
6 A construção dos ideais do liberalismo

Antes de passarmos aos liberais, devemos lembrar da importância que o papel


do indivíduo adquire na Modernidade. De acordo com Amadeo (2015, p. 2):

[...] este parece ter sido o principal tema da história do pensamento político
moderno, a história da definição do indivíduo como proprietário e possuidor
de direitos. Um dos elementos centrais para entender as origens do liberalismo,
isto é a relação entre liberdade, autoridade e propriedade, está relacionado com
as importantes mudanças ocorridas no século XVII nos modos de apropriação
e exploração da propriedade.

Os pensadores liberais clássicos refutariam as práticas mercantilistas e as


doutrinas fisiocratas, principalmente no que diz respeito à riqueza dos países:
diferentemente dos primeiros, que estabeleciam que a riqueza era proveniente
do comércio e da posse de metais preciosos, e dos segundos, que afirmavam que
somente a agricultura produziria riquezas, os liberais defendiam que a riqueza das
nações era proveniente do resultado dos valores de troca nos mercados. De acordo
com Merquior (1991, p. 35-36), o liberalismo clássico pode ser caracterizado “como
um corpo de formulações teóricas que defendem um Estado constitucional (ou
seja, uma autoridade nacional central com poderes bem definidos e limitados e um
bom grau de controle pelos governados) e uma ampla margem de liberdade civil”.
Mas em que contexto emergem essas ideias? Vimos que o pensamento
liberal refuta os pressupostos econômicos do mercantilismo e do fisiocracismo,
mas por quais transformações econômicas passava a sociedade da Europa
Ocidental nesse período? O historiador Falcon (1991, p. 47) nos auxilia a
encontrar uma resposta:

[...] estendendo-se de 1700 ou 1720 até 1810 ou 1815, temos a conjuntura do


século XVIII, a qual, vista como um todo, assinala uma reversão quase geral das
tendências típicas da crise do século anterior. Assiste-se a um rápido aumento da
produção agrícola e manufatureira, multiplica-se o comércio interno e externo,
retoma-se, em parte pelo menos, o afluxo de metais preciosos rumo à Europa,
tendendo então os preços a se elevarem, tal como os salários, embora não ne-
cessariamente na mesma proporção que aqueles. Há também uma retomada, se
é que se pode chamá-la assim, da expansão demográfica, sobretudo a partir de
1740, de um extremo a outro da Europa, aumentando também consideravelmente
o volume do movimento migratório: das áreas rurais para as urbanas, sobretudo
na Europa Ocidental, e das regiões europeias para as colônias americanas. A
grande novidade é a afirmação do caráter capitalista nas transformações que
então têm lugar, com a Inglaterra ocupando aí o primeiro posto, enquanto se
agrava, sobretudo nas regiões ocidentais do continente europeu, a crise das
estruturas senhoriais ou feudais, possibilitando tentativas reformistas, adap-
tações, que revelam a ascensão de uma nova sociedade, capitalista e burguesa.
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De forma bastante esquemática, veja no Quadro 1 as diferenças entre o


liberalismo e o mercantilismo.

Quadro 1. Diferenças entre o liberalismo e o mercantilismo

Liberalismo Mercantilismo

Estado mínimo e descentralização. Fortalecimento do Estado e


centralização política.

Reconhece outras fontes de riqueza A fonte da riqueza de uma nação


que não os metais preciosos e a terra. provém da posse de metais preciosos.

Defende o livre comércio. Defende a proteção tarifária


e os monopólios.

Fonte: Adaptado de Bruc (2006 apud SILVA, 2018).

Assim, como consequências do desenvolvimento do pensamento liberal,


podemos citar:

 as revoluções burguesas ocorridas na Inglaterra e na França, o processo


de independência dos Estados Unidos, a Revolução Industrial e as
revoluções liberais europeias do século XIX;
 a disseminação da defesa da liberdade individual, do direito inalienável
à propriedade, da livre iniciativa e da livre concorrência;
 o debate sobre a democracia e a concepção de Estado com separação
e independência entre os poderes executivo, judiciário e legislativo.

Podemos afirmar, portanto, que o crescimento econômico, o enrique-


cimento da burguesia e o aumento de seu poder político esbarravam nas
políticas econômicas praticadas no Antigo Regime: as práticas mercantilis-
tas, principalmente o intervencionismo e os monopólios, a perpetuação de
privilégios para o alto clero e a nobreza, bem como as técnicas defasadas
de cultivo no campo. Esses fatores dificultavam a formação de um mercado
nacional e internacional mais robusto, assim como geravam entraves para
a industrialização e o livre mercado. Assim, o liberalismo surgiu como
uma concepção de economia e de sociedade que criticará os entraves ao
8 A construção dos ideais do liberalismo

desenvolvimento do capitalismo, propondo reflexões filosóficas e teóricas


que, de acordo com seus teóricos, impulsionariam o progresso econômico
dos Estados Modernos.

3 Os pensadores do liberalismo
Os principais pensadores do chamado “liberalismo clássico” foram Adam
Smith, David Ricardo e Thomas Malthus, mas houve muitos outros pensa-
dores com importantes contribuições para o desenvolvimento dessa “teoria
econômica”. Seus pensamentos se basearam nos valores da liberdade e do
individualismo, opondo-se às políticas econômicas mercantis e à forma de
gestão do Estado absolutista. Não é à toa que as reflexões sobre o liberalismo
surgem na Inglaterra. Para Amadeo (2015, p. 4):

[...] a percepção dos homens do século XVII era uma percepção de indivíduos
com uma mentalidade em fase de transição para concepções políticas moder-
nas, para os quais autoridade e magistratura ainda eram parte de uma ordem
natural; o ponto de partida do pensamento político mais radical foi o colapso
de fato da autoridade política na Inglaterra entre 1642 e 1649.

Vamos conhecer um pouco mais sobre suas trajetórias e suas obras a seguir.

Adam Smith
Adam Smith (1723-1790) é considerado por muitos como o fundador da “eco-
nomia moderna” e o mais importante teórico do liberalismo econômico. Em
sua principal obra, A riqueza das nações: uma investigação sobre a natureza e
a causa da riqueza das nações, defendeu a liberdade comercial (livre competi-
ção), com pouca ou nenhuma intervenção estatal. Sua tese se baseava na ideia
de que a livre competição levaria à queda do preço dos produtos e a constantes
inovações tecnológicas (para o barateamento do custo de produção). Afirmava
que a riqueza de uma nação era resultado da produtividade do trabalho, que
estaria diretamente relacionado à especialização e à divisão. “Smith expõe a
teoria que ele considera correta sobre a natureza e causas da riqueza para, na
sequência, se lançar à tarefa de respaldar a crítica ao mercantilismo no rigor
da teoria econômica [...]” (MATTOS, 2007, p. 111).
A construção dos ideais do liberalismo 9

Conheça um pouco mais sobre a trajetória e as teorias de Adam Smith acessando o link a
seguir e assistindo a um vídeo produzido pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo.

https://qrgo.page.link/iPMRF

David Ricardo
David Ricardo (1777-1823) foi responsável pela elaboração de diversas teorias
econômicas e, em sua obra, dedicou-se a diferentes temas, tais como o comércio
internacional e questões relacionadas à moeda. De acordo com Silva (2018, p. 50),
“David Ricardo formulou o conceito de vantagem comparativa e demonstrou que o
comércio internacional é uma situação de ‘ganho-ganho’ para os países envolvidos.
Essa visão clássica destruiu a equivocada teoria do mercantilismo que defendia
que o colonialismo deveria beneficiar apenas a metrópole à custa da colônia”.

Uma forma bastante interessante de apresentar aos alunos o pensamento de David


Ricardo é iniciar uma discussão perguntando à turma: “por que as mercadorias têm
esses preços, e o que esse valor significa?”. Esse foi um dos questionamentos que
moveram os teóricos econômicos dos séculos XVIII e XIX e que levou a diferentes
intepretações sobre o valor das mercadorias, a moeda e o trabalho (BATISTA, 2012).
David Ricardo afirmava que no valor de um bem está contido o valor da mão de
obra propriamente dita empregada para sua produção, juntamente com as máquinas
e os equipamentos utilizados pelos trabalhadores para produzi-los.
Outra forma de abordar o pensamento de David Ricardo em sala de aula é apresentar
sua teoria sobre a relação entre a emissão de moeda e a inflação:

Durante o conflito com a França, a Inglaterra emitiu muito papel-moeda


para financiamento dos gastos. Ricardo mencionava que o papel-moeda
era uma mercadoria como qualquer outra e, portanto, uma excessiva quan-
tidade a desvalorizaria em relação às demais mercadorias, desta forma,
seria necessária uma quantidade maior de moeda para adquirir bens, o
que geraria inflação. Para essa situação, Ricardo defendia que era preciso
limitar a emissão de papel-moeda e propunha vincular sua emissão à
quantidade disponível de ouro, prática que já havia sido utilizada, mas
que estava em desuso pelo Banco da Inglaterra (BATISTA, 2012, p. 11).
10 A construção dos ideais do liberalismo

Thomas Malthus
Thomas Malthus (1766-1834) conviveu em um círculo de intelectuais do qual
participavam Jean-Jacques Rousseau e David Hume e publicou, em 1798,
Ensaio sobre o Princípio da População, escrita nos contextos históricos da
Revolução Francesa e Revolução Industrial e que, para Souza e Previdelli
(2017, p. 5), “dialoga diretamente com as ideias de transformação social da
primeira e os problemas de distribuição de riqueza da segunda. Sua tese
central – conveniente aos interesses burgueses, enunciada em tom diretivo,
ganharia a condição de ‘princípio’ [...]”.
Até hoje, Malthus é conhecido por suas teorias sobre o crescimento da
população, em que afirmava que a taxa de crescimento da população poderia
ser descrita em uma progressão geométrica, enquanto os recursos naturais
para seu sustento cresciam em uma progressão aritmética. Dessa forma,
defendia políticas de controle do crescimento populacional para evitar a
queda do padrão de vida, mas também argumentava favoravelmente em
relação a fatores que levassem à diminuição da população, como a fome, a
guerra, a miséria e as pragas.

A distribuição da riqueza foi sempre um assunto importante dentro da economia


política e sempre envolveu muitas polêmicas. Antes de se estabelecerem alguns
critérios científicos para a área, que garantiriam a possibilidade de validação dos dados
(como a utilização de fontes primárias públicas), algumas análises foram reelaboradas
com base em parcos materiais empíricos e em muito preconceito (PIKETTY, 2014).
Em relação ao recorte espacial e cronológico em que estamos trabalhando (França e
Inglaterra nos séculos XVIII e XIX), as transformações ocorridas nos âmbitos econômico,
político e social fizeram com que os pensadores passassem a buscar explicações para os
fenômenos do crescimento demográfico e populacional e do êxodo rural, por exemplo,
e seus impactos na distribuição da riqueza, na estrutura social e no equilíbrio político.
Para Thomas Malthus, não restava dúvida: a superpopulação era a principal ame-
aça. Embora suas fontes fossem escassas, Malthus fez o melhor que pôde com as
informações que detinha.
A construção dos ideais do liberalismo 11

Malthus estava muito preocupado com as notícias políticas vindas da França


[Revolução Francesa] e, para evitar que o torvelinho vitimasse o Reino
Unido, argumentou que todas as medidas de assistência aos pobres deveriam
ser suspensas de imediato e que a taxa de natalidade deveria ser severamente
controlada, com a finalidade de afastar o risco de uma catástrofe global
associada à superpopulação, ao caos e à miséria (PIKETTY, 2014, p. 16).

As previsões de Malthus somente podem ser compreendidas se as inserirmos


em uma conjuntura de medo vivenciada pelas elites europeias frente ao processo
revolucionário francês. Boa parte dos teóricos da época possuam “uma visão um tanto
sombria, apocalíptica até, da evolução da distribuição da riqueza e da estrutura social
no longo prazo” (PIKETTY, 2014, p. 16).
David Ricardo, por exemplo, preocupava-se, no longo prazo com o preço da terra.
De acordo com Piketty:

Ricardo “Estava, acima de tudo, interessado no seguinte paradoxo


lógico: se o crescimento da população e da produção se prolonga, a terra
tende a se tornar mais escassa em relação aos outros bens. De acordo
com a lei da oferta e da demanda, o preço do bem escasso — a terra
— deveria subir de modo contínuo, bem como os aluguéis pagos aos
proprietários. No limite, os donos da terra receberiam uma parte cada
vez mais significativa da renda nacional, e o restante da população, uma
parte cada vez mais reduzida, destruindo o equilíbrio social. Ricardo
via como única saída lógica e politicamente satisfatória a adoção de
um imposto crescente sobre a renda territorial (PIKETTY, 2014, p. 16).

Contudo, nenhuma das previsões apocalípticas desses autores se concretizou.


Novamente, seu medo e seu pensamento devem ser contextualizados em relação às
transformações ocorridas na sociedade europeia em função das revoluções burguesas
e da Revolução Industrial.

Portanto, podemos situar os três autores em uma conjuntura de profundas


transformações ocorridas na Europa Ocidental. Da hegemonia das práticas
mercantilistas e dos ideais fisiocratas, com ênfases, respectivamente, no
comércio internacional e na produção agrícola, passou-se a defender a indus-
trialização e o trabalho como fontes de riqueza, ambos pautados por princípios
autorreguladores e de livre concorrência.
12 A construção dos ideais do liberalismo

AMADEO, J. As raízes do liberalismo: liberdade e propriedade no pensamento político do


século XVII. Perspectivas, São Paulo, v. 46, p. 1-28, 2015. Disponível em: https://periodicos.
fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/10052. Acesso em: 30 jan. 2020.
BATISTA, J. M. A evolução da economia: uma abordagem histórica sobre os principais
modelos, teorias e pensadores. RENEFARA: Revista Eletrônica de Educação da Faculdade
Araguaia, Goiânia, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2012.
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília: UnB, 1998.
DEYON, P. O mercantilismo. São Paulo: Perspectiva, 1992.
FALCON, F. Mercantilismo e Transição. São Paulo: Brasiliense, 1991.
MERQUIOR, J. G. O Liberalismo: Antigo e Moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
PIKETTY, T. O capital: no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
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CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS, 13.,2017, Niterói. Anais[...] Niterói:
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mas%20considera%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20a%20contribui%C3%A7%C3%A3o%20
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Leituras recomendadas
BRUE, S. L. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cengage Learning, 2005.
D-09 - Adam Smith. [S. d.; s. n.], 2015. 1 vídeo (6 min). Publicado pelo canal UNIVESP. Dis-
ponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0WG5TeYx_cU. Acesso em: 30 jan. 2020.
DOBB, M. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
DROUIN, J. C. Os Grandes Economistas. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, M. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
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SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das
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A construção dos ideais do liberalismo 13

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