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Lobisomens

& Psicopatas

SABINE BARING-GOULD
ALAN RAFAEL MARTINS DIAS
Copyright © 2017 Alan Rafael Martins Dias
All rights reserved.
ISBN: 1544192959
ISBN-13: 978-1544192956
DEDICATÓRIA

Dedico este livro a você que não gosta de viver nas sombras do
desconhecido…
E a todos que fizeram deste mundo um lugar mais brilhante.
SUMÁRIO

Agradecimento

Capítulo Zero

Minhas Primeiras Testemunhas

Licantropia – O Lobisomem na Antiguidade

Os Lobisomens no Norte Europeu

A Origem do Lobisomem na Escandinávia

O Lobisomem na Idade Média

Galeria dos Horrores

Jean Grenier

Folclore dos Lobisomens

Um Sermão sobre Lobisomens

Causas Naturais da Licantropia

O Lobisomem da Galícia

Marechal de Retz - Investigações

Marechal de Retz - Julgamento

Marechal de Retz - Sentença e Execução

O Bizarro Homem Hiena

Com Outros Olhos


AGRADECIMENTO

Esta obra seria impossível sem os vários anos de trabalho e pesquisa


de Sabine Baring-Gould.
Muito obrigado mestre.
CAPÍTULO ZERO

O capítulo tem este nome, por que contém informações que você provavelmente gostaria de saber antes de começar.

Velocidade

Atleta: 10 metros por segundo


Lobo: 16 metros por segundo

Isto significa que se você estiver a 60 metros de distância do lobo, e ele quiser te atacar, graças a adrenalina, você pode sair correndo como um atleta, que
ainda terá 10 segundos para escapar.
Se você não percebeu o lobo, você terá menos de 4 segundos para agir.
Agora vamos deixar o otimismo de lado, os lobos geralmente atacam em bando.
Porém se tiver sorte, os lobos não estarão com fome e você também estará armado.
Nesta situação, é perfeitamente normal sentir medo de lobos.
Outra coisa, os lobos sentem o cheiro do medo de longe.
A mordida do lobo é uma arma feita para destruir até ossos, tendo a força de um pouco mais de 100 kg / cm².
Imagine um monte de dentes afiados, cada um com esta força, apertando como se fossem pregos atravessando a sua mão. Outras partes do corpo seriam
bem piores e até fatais.
Exercício de terror 3D:
Quando ninguém estiver te olhando.
Concentre se bem.
Junte suas duas mãos como se fosse rezar.
Faça uma boca com elas.
Simule que a boca vai morder o seu rosto na altura dos olhos.
Deu para entender o terror das vítimas, não é mesmo?

“Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. ” Trecho de Mateus 7:15. Origem da expressão “Lobo em pele de
cordeiro”
Praticamente todo mundo hoje sabe o que é um psicopata, é desnecessário uma descrição científica deles.
Tenho certeza, que vocês reconhecerão no livro cada um deles com facilidade.
Confesso que não sabia da capacidade real deles, só descobri depois de pesquisar para escrever este livro, provavelmente você ficará surpreso.

É importante tentar enxergar cada história por vários ângulos, assim você vai sentir e entender o que as pessoas envolvidas viveram dentro de cada contexto
em cada época. Adquira uma mentalidade CSI para explorar as histórias do livro.
Comece se fazendo perguntas bem simples, depois continue evoluindo com as suas ideias.
Por exemplo:
Eu confundiria uma bicicleta grande e bonita, com uma moto de corridas?
Conheço alguém, com mais de 3 anos de idade que cometeria este erro?
Acredito realmente, que alguém no meio rural, não saberia diferenciar um lobo de outra coisa bem maior e mais perigosa?
Todo tipo de pergunta que você se fizer, vai enriquecer sua experiência e suas conclusões.
No final deste livro existe uma surpresa, esperando por quem gosta de ir mais longe.

Vamos começar nossa jornada com fatos reais atualizados. Os dados a seguir são os mais recentes e atualizados que eu pude encontrar em fevereiro de
2017.
“Em 31 de dezembro de 2013, o NCIC (National Crime Investigation Center) continha 84.136 registros ativos de pessoas desaparecidas. Os menores de 18
anos representavam 33.849 (40,2%) dos registros e mais 9.706 (11,5%) eram sobre jovens entre 18 e 20 anos. ”
Fonte FBI: https://archives.fbi.gov/archives/about-us/cjis/ncic/ncic-missing-person-and-unidentified-person-statistics-for-2013

“A cada ano, em média 250 mil pessoas desaparecem no Brasil sem deixar rastro. Dessas, 40 mil têm menos de 18 anos, de acordo com estimativas
oficiais. Apesar da gravidade do problema — que pode ser ainda maior, já que especialistas apostam na defasagem dos números —, o tema tem recebido
pouca atenção do poder público. ”
Fonte Ana Cláudia Barros, do R7 em 25/05/2015:
http://r7.com/PWFn

É bastante interessante acessar a fonte das duas citações, para se ter uma visão mais completa sobre estes dados.

O Brasil, junto com os Estados Unidos não representam nem 10% da população mundial, uma projeção deste fenômeno para o resto do mundo, mostra que
facilmente o número de desaparecidos por ano pode ultrapassar um milhão de casos.
Com um número de casos tão grande, quase tudo que você encontrar no livro pode estar acontecendo ainda hoje e continuar passando despercebido pela
maioria.

“Existe uma guerra mundial silenciosa que vem fazendo milhões de vítimas inocentes ao longo de muito muito tempo, neste livro você vai conhecer alguns
dos inimigos ocultos da humanidade. ”

Este livro é uma adaptação para língua portuguesa do clássico The Book of Were-Wolves (1865) de Sabine Baring-Gould (1834-1924). Sabine publicou
mais de 1240 obras distintas, sendo escritor, romancista, hagiógrafo, antiquário e um grande pesquisador britânico.
Ilustração da capa: Reznik Val
Ilustrações do livro: Tatyana Glebova
Os ilustradores foram escolhidos por terem criado os melhores trabalhos dentre mais de 8.000 ilustrações profissionais do mundo inteiro. Por coincidência
ambos são da Ucrânia…
Depois de mais de 1.000 horas de pesquisa e muito trabalho na adaptação, edição e produção eu posso me apresentar.
Meu nome é Alan Rafael Martins Dias, e sua missão agora é aproveitar esta boa leitura.
MINHAS PRIMEIRAS TESTEMUNHAS

Eu NUNCA vou esquecer a caminhada que fiz uma noite em Vienne (na França), após ter completado o exame de uma relíquia druida desconhecida, “A
Pierre Labie”, em La Rondelle, perto de Champigni. Acabei descobrindo sobre a existência desta estrutura megalítica somente quando cheguei a
Champigni pela tarde, e logo em seguida fui visitar esta curiosidade sem levar em conta o tempo que levaria o trajeto de ida e volta.
Basta dizer que encontrei esta venerável pilha de pedras cinzas com o Sol já se pondo, e eu aproveitei os últimos raios de Sol da tarde planejando e
desenhando um rascunho da estrutura. Somente depois fui procurar a direção do meu caminho de volta. A minha caminhada de aproximadamente dezesseis
quilômetros tinha me cansado, e ao final de um longo dia pesquisando, eu tinha me machucado saltando sobre algumas pedras desta relíquia gaulesa.
Havia um pequeno povoado que estava por perto, então eu me dirigi para lá, na esperança de poder contratar algum transporte, porem eu fiquei
decepcionado. Poucos no lugar falavam francês, e o padre, quando eu perguntei, me garantiu que o melhor transporte do lugar era uma carroça comum com
rodas de madeira maciça e também não existia nenhum cavalo que pudesse ser procurado. O bom homem ofereceu se para me abrigar durante a noite; mas
fui obrigado a recusar, já que eu e minha família seguiríamos viagem bem cedo na manhã seguinte.
De repente o prefeito falou – “Monsieur! Você não pode voltar esta noite através das planícies, por causa dos – dos ” e sua voz diminuiu; “dos loups-
garoux. ”
“Ele disse que deve retornar! ” Respondeu o padre falando em dialeto ao prefeito. “Mas quem irá com ele? ”
“Ah, já sei Padre Curé. Está tudo bem se um de nós acompanha-lo, mas pense no problema de voltar sozinho! ”
“Então dois devem ir com ele, ” disse o padre, “e vocês devem tomar cuidado um do outro enquanto retornam. ”
“Picou me contou que viu o lobisomem ainda essa semana, ” disse um camponês; “ele estava perto de seu campo de trigo mourisco, o Sol já tinha se posto,
e ele estava pensando e voltar para casa, foi quando ele ouviu um barulho do lado distante da cerca. Ele olhou, e lá estava o lobo tão grande quanto um
bezerro contra o horizonte, com a sua língua para fora, e seus olhos brilhando como fogo fátuo. Mon Dieu! Me livre de ir pelo pântano hoje anoite. Por que,
o que poderiam dois homens fazer se fossem atacados por esse lobo demônio? ”
“É tentadora a Providencia ”, disse um dos anciãos da aldeia; “nenhum homem deve esperar pela ajuda de Deus, se ele próprio se joga no caminho do
perigo. Não é assim, padre Curé? Eu ouvi você dizer a mesma coisa na missa do primeiro domingo da Quaresma, pregando a partir do Evangelho. ”
“Isso é verdade ”, vários concordaram, balançando a cabeça.
“Sua língua de fora, e seus olhos brilhando como fogo fátuo! ” Disse o confidente de Picou.
“Mon Dieu! Se eu encontrar o monstro, eu vou fugir, ” disse outro.
“Eu até acredito em você Cortrez, e posso dizer que você faria isso mesmo ”, disse o prefeito.
“Tão grande quanto um bezerro, ” falou o amigo de Picou.
“Se o loup-garou fosse apenas um lobo natural, por que então, ” o prefeito limpou a garganta… “você sabe é melhor não pensarmos nada disso, mas padre
Curé, aquilo é um demônio, pior do que um demônio, um homem demônio, pior do que um homem demônio, um homem lobo demônio. ”
“Mas o que o jovem monsieur deve fazer? ” Perguntou o padre, olhando para os outros.
“Não tem problema, ” eu disse, já que escutara tudo e também entendia o dialeto deles.
“Eu posso voltar sozinho, e se eu encontrar o loup-garou vou cortar suas orelhas e o rabo, e envia-los para o prefeito Maire com os meus cumprimentos. ”
Deu para ver na hora o sinal de alívio dos camponeses, já que se viram livres do problema.
“Ele é inglês, ” disse o prefeito, balançando a cabeça, como se um inglês pudesse enfrentar o demônio com impunidade.
O pântano era uma planície melancólica, parecendo bastante desolador de dia, mas agora, no crepúsculo, era dez vezes mais desolador. O céu estava
perfeitamente claro, e de um tom suave, cinza azulado; iluminado pela lua crescente, com uma curva de luz se aproximando seu leito ocidental. Ao
horizonte havia um brejo, enegrecido com as poças d'água estagnada, onde os sapos faziam um trinado incessante através da noite do verão. Capim e
samambaias cobriam o chão, mas perto da água cresciam uma massa densa de flores púrpuras e junco, onde batia uma brisa suave. Aqui e ali haviam dunas
de areia, cobertas com abetos, parecendo pontos negros contra o céu cinzento; não havia nenhum sinal de habitação em qualquer parte; O único traço de
civilização era a estrada branca, em linha reta que se estendia por milhas através do pântano.
É bem provável que realmente houvessem lobos neste distrito, e eu confesso que me armei com um pedaço grande de pau que arranquei de umas das
primeiras árvores que encontrei perto da estrada.
Este foi meu primeiro contato com testemunhas sobre lobisomens, e o fato de encontrar a superstição ainda tão forte, me deu ideia de investigar a história e
os hábitos destas criaturas míticas.
Devo reconhecer que não fui bem-sucedido em conseguir um exemplar do animal, porém encontrei seus vestígios em todas as direções.
E assim como o paleontólogo reconstruiu um labyrinthodonte a partir de pegadas na rocha fossilizada, e um pedaço de osso, então também essa monografia
se faz completa e precisa, apesar de eu não ter acorrentado um lobisomem diante de mim, eu consegui esboçar e descrever a sua vida.
Os vestígios deixados são de fato bastante numerosos, e embora talvez como o dodô ou os dinornis, o lobisomem pode ter se tornado extinto em nossa
época, mas ele deixou sua marca profunda sobre a antiguidade clássica, ele pisou fundo em neves do Norte, aterrorizou muitas pessoas na idade média, e
ainda uivou entre os sepulcros orientais. Ele pertencia a uma raça ruim, e estamos bastante contentes em nos livrarmos dele e de seus parentes, o vampiro e
o ghoul. No entanto, quem sabe! Podemos estar sendo um pouco apressados em concluir que ele está extinto. Ele ainda pode rondar em florestas da
Abissínia, talvez vagar por estepes asiáticas, ou ainda ser encontrado uivando loucamente em algum quarto acolchoado de hospício.
Nas páginas seguintes nós vamos investigar os casos de lobisomens que podem ser encontrados nas escrituras da antiguidade clássica, as contidas nas
Sagas do Norte, e por último, os numerosos detalhes oferecidos pelos autores medievais. Além disso daremos um esboço relativo a Licantropia.
Então veremos que sob o véu da mitologia existe uma realidade sólida, e que esta antiga superstição contém a reposta para a verdade. Mostraremos que
existe um certo desejo inato por sangue dentro de certas pessoas, permanecendo reprimido em circunstâncias comuns, mas que perde o controle
ocasionalmente, vindo acompanhado de alucinações, e que leva na maioria dos casos ao canibalismo. Vamos então dar exemplos de pessoas que sofreram
isso, casos onde o próprio indivíduo e até mesmo as outras pessoas envolvidas acreditavam realmente ter existido uma transformação em animal, e que nas
suas crises de loucura, cometeram numerosos assassinatos, e devoraram suas vítimas.
Em seguida daremos exemplos de pessoas que sofreram da mesma paixão pelo sangue, que assassinavam por mera satisfação de sua crueldade natural, mas
que não foram vítimas de alucinações, nem cometeram canibalismo.
Também daremos exemplos de pessoas que tinham as mesmas tendências, mas estavam perfeitamente livres de alucinações quando mataram e comeram
suas vítimas.
LICANTROPIA – O LOBISOMEM NA ANTIGUIDADE

O QUE É Licantropia? É a transformação de uma pessoa que mora no campo em um lobo, através de meios mágicos, de modo a capacitá-lo para satisfazer
seu gosto pela carne humana, ou através do julgamento dos deuses em punição por alguma grande ofensa.
Esta é a definição popular. Verdadeiramente consiste em uma forma de loucura, como pode ser encontrada na maioria dos manicômios. Entre os antigos,
esse tipo de insanidade passava pelos nomes de Licantropia, Kuantropia ou Boantropia, porque os afligidos com ela acreditavam se transformar em lobos,
cachorros ou vacas. Mas no Norte da Europa, como veremos, aparece a transformação em urso e na África já aparece como hiena. Uma mera questão de
gosto!
De acordo com Marcellus Sidetes, de cujo poema “A Licantropia” ainda existe um fragmento, escreveu:
“Os homens são atacados por esta loucura principalmente no início do ano, e se tornam mais furiosos em fevereiro; então se retiram a noite para os
cemitérios solitários, e vivem exatamente como cães e lobos. ”
Virgílio escreveu em sua oitava écloga:
“Essas plantas e ervas venenosas, colhidas em Pontus, que Moeris me deu - elas crescem em abundância em Pontus. Com sua ajuda, tenho visto Moeris
virar lobo e se esconder nos bosques, invocando espíritos das profundezas da sepultura, e enfeitiçar o milho semeado em campos distantes. ”
E Heródoto também escreveu:
“Parece que os de Neuri são feiticeiros, se alguém acreditar nos citianos e nos gregos que moram em Cítia; dizem que cada neuriano se transforma, uma
vez por ano, em lobo, e ele continua nesta forma por vários dias, e depois ele retorna a sua antiga forma. ”
Veja também Pomponius Mela:
“Existe uma época fixa para cada neuriano, na qual se eles quiserem, se transformam em lobos, e depois novamente em sua condição anterior. ”
Mas a história mais notável entre os antigos é a relatada por Ovídio em seu trabalho "Metamorphoses", sobre Licaão, o rei de Arcádia, que, entretendo
Júpiter um dia, lhe ofereceu um pedaço de carne humana, e para provar sua onisciência, o deus logo em seguida o transformou em um lobo: Em vão ele
tentava falar; a partir daquele instante.
Suas mandíbulas balbuciavam com espuma, ele só sentia sede...
Sede de sangue, e irado atacou os rebanhos e ficou arfando durante a matança.
Suas roupas se transformaram em pelo, seus membros ficaram tortos;
Virou um lobo, com muitos traços da fisionomia antiga.
Grisalho como antes, com seu semblante raivoso,
Seus olhos brilhavam de selvageria, a própria imagem da fúria.
Plínio relata em Evanthes, que no festival Licaão de Júpiter, alguém da família de Antaeus foi selecionado por sorteio e conduzido à beira do Lago
Arcadiano. Ele então pendurou suas roupas em uma árvore e mergulhou na água, e neste momento ele foi transformado em um lobo. Nove anos depois, se
ele ainda não tivesse provado a carne humana, teria a liberdade para voltar e nadar no lago, assim recuperando a sua forma humana, porém teria
envelhecido, como se tivesse usado seu corpo por nove anos.
Agriopas relata, que Demaenetus, tendo participado de um sacrifício humano arcadiano de Licaão a Júpiter, comeu desta carne, e foi transformado
imediatamente em um lobo, rondando assim nesta forma por cerca de dez anos, após este tempo recuperou sua forma humana e participou dos Jogos
Olímpicos.
A seguinte história é de Petronius:
“Meu mestre tinha ido a Cápua para vender roupas velhas. Aproveitei a oportunidade e convenci o nosso convidado a me fazer companhia por uns oito
quilômetros distante da cidade; porque ele era um soldado, e ousado como a morte. Nós partimos de madrugada, e a lua brilhava como o dia, quando
passávamos entre alguns monumentos, o homem começou a conversar com as estrelas, enquanto eu caminhava e cantava olhando as estrelas. Logo olhei
para trás, e o vi se despir e colocar suas roupas ao lado da estrada. Meu coração imediatamente foi parar na minha boca, eu fiquei como um cadáver;
quando, de repente, ele se transformou em lobo. Não pense que estou brincando: eu não inventaria uma mentira destas nem pela maior fortuna do mundo. ”
“Mas para continuar: depois que ele se transformou em lobo, ele deu um uivo e correu direto para o bosque. No início eu não sabia se eu estava de pé ou de
ponta cabeça, mas, finalmente, fui pegar as suas roupas, eu as encontrei transformadas em pedra. O suor escorria de mim, e eu não conseguia evitar isso. ”
Melissa começou a me perguntar por que eu caminhava tão tarde. “Se você tivesse vindo um pouco mais cedo, ” ela disse, “Você poderia pelo menos ter
nos dado uma ajuda; pois um lobo invadiu a fazenda e massacrou todo o nosso gado; mas, apesar de ter fugido, não foi fácil para ele, pois um servo nosso o
atravessou com uma lança. ”
“Ouvindo isso, eu não conseguia fechar um olho; mas já que era dia, eu corri para casa como um vendedor ambulante que foi aliviado de sua mochila.
Voltando ao lugar onde a roupa foi transformada em pedra, eu não vi nada, havia somente uma poça de sangue; quando cheguei em casa, encontrei o
soldado deitado na cama, como um boi em uma barraca usando uma bandagem de curativo em volta do pescoço. Vi imediatamente que ele era um sujeito
que podia mudar sua pele (versipellis), e nunca mais eu pude comer pão perto dele, não, nem se você me matasse. Aqueles que possuem uma visão
diferente do caso são bem-vindos a dar sua opinião; se eu lhes contei uma mentira, deixem que suas consciências me julguem! ”
Como todos sabem, Júpiter se transformava em touro; Hécuba se tornava uma cadela; Actaeon um veado; os camaradas de Ulisses foram transformados em
suínos; E as filhas de Proetus fugiram pelos campos acreditando serem vacas, e não permitiam que ninguém se aproximasse delas, para que fossem pegas e
presas.
Santo Agostinho declarou, em seu De Civitate Dei, conhecer uma velha que diziam poder transformar os homens em burros através de seus encantamentos.
Apuleius escreveu em seu romance encantador, O Burro Dourado, sobre um herói que através do uso imprudente de alguma pomada mágica, foi
transformado naquele animal de orelhas compridas.
Devemos observar que o local principal da Licantropia era a Arcádia, e é muito possível sugerir que a causa pode ser rastreada até a seguinte circunstância:
Os nativos eram um povo pastoril e, consequentemente, sofriam muito severamente com os ataques e depredações dos lobos. Eles iriam naturalmente
instituir um sacrifício para obter a libertação desta praga, e também a segurança para os seus rebanhos. Este sacrifício consistia na oferta de uma criança, e
foi instituído por Licaão. Em razão do sacrifício humano, e por causa do nome de seu criador, originou se o mito.
Mas, por outro lado, a história está muito bem difundida para que possamos atribuí-la a uma origem acidental, ou traça-la a uma fonte local. Metade do
mundo acredita ou acreditava em lobisomens, e eles supostamente já assombravam as florestas norueguesas onde o povo nunca esteve remotamente
conectado com a Arcádia. Ainda assim as raízes da superstição conseguiram penetrar fundo nas mentes escandinavas e teutônicas, muito tempo antes de
Licaão existir; e basta apenas olhar para a literatura oriental, para vê-la também firmemente enraizada na imaginação dos orientais.
OS LOBISOMENS NO NORTE EUROPEU

Na Noruega e na Islândia, diziam-se que alguns homens eram eigi einhamir, ou seja, não de única pele, uma idéia que tinha suas raízes no paganismo. A
forma mais completa dessa estranha superstição era que alguns homens podiam assumir outros corpos e as naturezas dos seres cujos corpos eles assumiam.
A segunda forma assumida era chamada pelo mesmo nome que a forma original, hamr, e a expressão usada para designar a transição de um corpo para
outro, era skipta hömum, ou em hamaz; enquanto que uma expedição feita usando a segunda forma, era o hamför. Por meio dessa transfiguração, eram
adquiridos poderes extraordinários; A força natural do indivíduo era dobrada, ou quadruplicada; Ele adquiria a força da besta em cujo corpo viajara, além
da sua própria, e um homem assim cheio de vigor era chamado hamrammr.
A maneira pela qual a mudança era efetuada, variava. Às vezes, era vestindo uma pele sobre o corpo, e imediatamente a transformação estava completa; em
outros, o corpo humano ficava deserto, e a alma entrava na segunda forma, deixando o primeiro corpo em um estado cataléptico, com aparência totalmente
morta. O segundo hamr usado era emprestado ou criado para este propósito. Havia ainda uma terceira maneira de se produzir esse efeito - era por
encantamento; a forma do indivíduo continuava inalterada, mas devido ao encantamento os espectadores podiam ver somente a outra forma escolhida pelo
indivíduo.
Tendo assumido alguma forma bestial, o homem que fosse um eigi einhamir só poderia ser reconhecido pelos seus olhos, pois esses não podiam ser
transformados por nenhum poder. Ele então continuava seu curso, e seguia os instintos da besta cujo corpo ele tomou, ainda conservando sua própria
inteligência. A pessoa era capaz de fazer o que o corpo do animal podia fazer, e ainda continuava podendo fazer as coisas que fazia antes como humano.
Podia até voar ou nadar, se estivesse em forma de pássaro ou peixe; e se ele se transformasse em lobo, ou se transformasse em um bruxo, ele teria a raiva e
a maldade das criaturas cujos poderes e as paixões ele assumiu.
Vamos dar alguns exemplos de cada um dos três métodos de mudança de corpos mencionadas acima.
Freyja e Frigg tinham seus vestidos de falcão que elas usavam para visitar diferentes regiões da terra, e é dito que Loki certa vez tomou emprestado estas
roupas, e então apareceu precisamente como um falcão, que teria conseguido ficar despercebido, senão fosse pelo brilho malicioso de seus olhos.
No Vaelundar Kvoeda temos as seguintes passagens:
1.
Virgens do Sul através de Mirkwood voaram,
Justas e jovens, seu destino a seguir;
Na margem do mar, para descansar elas sentaram,
As virgens do Sul, e o linho giraram.
2.
Uma delas levou um abraço de Egil, a linda virgem, com seus braços deslumbrantes.
Svanhvit era a segunda, ela usava plumagem de cisne;
Mas a terceira das irmãs, abraçou o pescoço branco de Vaelundar.

A introdução de Soemund nos diz que aquelas encantadoras moças foram apanhadas depois de deixarem suas peles de cisne ao lado delas na praia e,
consequentemente, não estavam em condições de voar.
Do mesmo modo, roupas de lobos foram usadas na seguinte passagem da selvagem Saga dos Völsung:
Agora deve ser dito que Sigmund pensava que Sinfjötli era muito jovem para ajudá-lo em sua vingança, e antes ele queria testar seus poderes; assim
durante o verão entraram profundamente no bosque e mataram homens pelos seus bens, e Sigmund viu que já conseguira o bastante para o estoque dos
Völsungs…
Anoiteceu enquanto atravessavam a floresta, roubando dinheiro, então encontraram uma casa na qual estavam dormindo dois homens, com grandes anéis
de ouro; eles lidavam com feitiçaria, pois haviam peles de lobo penduradas acima deles dentro da casa; estavam no décimo dia e era o dia no qual eles
deveriam abandonar sua segunda forma. Eles eram filhos de reis. Sigmund e Sinfjötli vestiram as peles de lobo, e não conseguiram sair delas novamente, e
a natureza original dos animais caiu sobre eles, e eles uivaram como lobos. ”
Eles entraram na floresta, cada um tomando sua direção; eles concordaram que deveriam testar suas forças contra até sete homens, mas não mais que isto, e
aquele que encontrasse homens uivaria bem alto para chamar o outro.
“Não vá cometer erros” disse Sigmund, “Como você é jovem e ousado, os homens ficarão felizes em caça-lo. ” E cada um seguiu seu caminho; logo depois
Sigmund encontrou homens, então ele uivou bem alto; e quando Sinfjötli ouviu aquilo, ele correu para cima e matou todos eles - então eles se separaram
novamente. Pouco tempo depois no bosque Sinfjötli encontrou onze homens, ele partiu para o ataque e matou cada um deles. Então ele ficou cansado e se
jogou debaixo de um carvalho para descansar. Sigmund apareceu e disse: “Por que você não me chamou? ” Sinfjötli respondeu: “Qual era a necessidade de
pedir sua ajuda para matar onze homens? ”
Sigmund voou para cima dele e o dilacerou até que ele caísse, e acabou o mordendo na garganta. Naquele dia eles não puderam deixar sua forma de lobo.
Sigmund o colocou nas costas e o levou para casa, para o salão, e sentou se ao lado dele, e disse: “O Demônio usa a forma de lobo! ” Saga dos Völsung,
c.8.
Existe uma outra curiosa história sobre um lobisomem na mesma Saga, a qual eu devo relatar.
“Agora ele fez o que ela pediu, e cortou um grande pedaço de madeira, e o lançou sobre os pés daqueles dez irmãos que estavam sentados numa fila na
floresta, e ali ficaram sentados durante todo o dia e até à noite. E à meia noite veio até eles uma velha lobismulher, enquanto eles estavam sentados no
tronco, ela era enorme e sombria. De repente ela atacou um deles, e o mordeu até a morte, e depois que o tinha comido por inteiro, foi se embora. E na
manhã seguinte, Signy enviou um homem de confiança a seus irmãos, para saber como eles tinham se saído. Quando ele voltou, contou lhe sobre a morte
de um deles, isso a entristeceu muito, pois temia que isso pudesse acontecer com todos eles, e ela não poderia ajuda-los. ”
“Em suma, por nove noites seguidas veio a mesma lobismulher à meia noite, e os devorou um após o outro até que todos estivessem mortos, exceto
Sigmund, e ele ficou sozinho. Assim, quando a décima noite chegou, Signy enviou seu homem de confiança para Sigmund, seu irmão, colocando mel na
mão dele, e lhe dizendo que era para espalhar sobre o rosto de Sigmund e também encher a boca dele de mel. Ele foi rápido até Sigmund, e fez como lhe
foi ordenado, depois disto voltou para casa. E durante a noite veio a mesma lobismulher, como era de costume, planejando devorá-lo, assim como seus
irmãos. ”
“Chegando ela o farejou, bem onde o mel estava espalhado, então começou a lamber seu rosto, e enfiou a língua dentro de sua boca cheia de mel. Sigmund
suportou tudo, até que de repente mordeu a língua da lobismulher; ela levantou se e tentou se soltar, colocando os pés contra um tronco, de modo a
estilhaça-lo em pedaços: Mas ele se manteve firme, e rasgou fora a língua dela pela raiz, sendo assim a morte da lobismulher. Na opinião de algumas
pessoas, esta besta era a mãe do rei Siggeir, e que ela também tinha conseguido assumir esta forma através de feitiçaria diabólica. ” (C.5.)
Existe uma outra história muito bonita sobre o assunto na Saga Kraka de Hrolf; a seguir:
“No norte da Noruega, nas terras altas, reinava um rei chamado Hring; ele tinha um filho chamado Björn. Aconteceu que a rainha morreu, o que foi muito
lamentável para o rei e para todos do reino. O povo o aconselhou a casar se novamente, e assim foi enviado homens ao sul para obter lhe uma esposa. Uma
tempestade com vendaval com feroz caiu sobre eles, de modo que eles tiveram que girar o leme, e navegar a diante do vento, e assim eles foram para o
norte até Finnmark, onde passaram o inverno. Um dia eles foram para o interior, e chegaram a uma casa onde estavam sentadas duas mulheres bonitas, que
os cumprimentaram com boas vindas e perguntaram de onde vinham. Eles responderam contando sua jornada e sua missão, e depois perguntaram às
mulheres quem elas eram, e por que estavam sozinhas, e longe dos lugares favoritos dos homens, embora fossem tão graciosas e atraentes. A mais velha
respondeu - que seu nome era Ingibjorg, e que sua filha se chamava Hvit, e que ela era a namorada do rei Finn. Os mensageiros decidiram que iriam voltar
para casa, se Hvit viesse com eles para se casar com o Rei Hring. Ela concordou, e eles a levaram com eles e encontraram o rei que ficou muito satisfeito
com ela, e os dois tiveram sua festa de casamento, e o rei disse que não se importava com o fato dela não ser rica. Mas o rei era muito velho, o que a nova
rainha logo descobriu. ”
“Havia Carle que tinha uma fazenda não muito longe da morada do rei; ele tinha uma esposa, e uma filha, que era apenas uma criança, e seu nome era
Bera; ela era muito jovem e adorável. Björn, o filho do rei, e Bera a filha de Carle, estavam acostumados, desde crianças, a brincarem juntos, e ambos se
gostavam muito. Carle sabia fazer bem as coisas, ele tinha sido saqueador em seus dias de juventude, e ele era um campeão valente. Björn e Bera se
amavam mais e mais, e eles ficavam muitas vezes juntos.
O tempo passou, e nada importante aconteceu; mas Björn, o filho do rei, cresceu ficando alto e forte; e ele era bem habilidoso em todos os trabalhos viris. ”
“O rei Hring geralmente ficava ausente por muito tempo, saqueando as costas estrangeiras, e Hvit permanecia em casa e governava a terra. Ela não era
amada pelo povo. Hvit sempre era muito agradável com Björn, mas ele pouco se importava com ela. Aconteceu uma vez que o rei Hring foi para o exterior,
e falou com a rainha que Björn deveria ficar em casa com ela, para ajudar no governo, pois achava conveniente que a rainha ficasse orgulhosa e altiva. ”
“O rei disse a seu filho Björn que ele deveria permanecer em casa, e governar a terra com a rainha; Björn respondeu que não gostava do plano e que não
tinha amor pela rainha; mas o rei era inflexível, e deixou a terra com um grande grupo de homens. Björn caminhou para casa depois de sua conversa com o
rei, e foi para seu canto, insatisfeito e vermelho de raiva. A rainha veio falar com ele para animá-lo; e conversou com Björn, mas ele fez com que ela se
retirasse. Ela o obedeceu desta vez. Hvit costumava ir conversar com ele, e dizia o quanto era mais agradável para eles estarem juntos, do que ter um velho
como Hring em casa. ”
“Björn ficou ressentido com este discurso, e lhe jogou uma caixa no ouvido, e pediu que ela partisse, a desprezando. Ela respondeu que isso estava errado,
o fato dela ser rejeitada e mandada embora: e falou ‘Você acha melhor, Björn, amar a filha de Carle, do que ter meu amor e favor, uma bela
condescendência e uma desgraça para você! Mas, em pouco tempo, algo vai ficar no caminho de sua fantasia, e sua tolice. ’ Então ela o golpeou com uma
luva de pele de lobo, e disse, que ele se tornaria um urso selvagem e raivoso; e ‘Não comerás nada além do que as ovelhas de teu pai, que matarás para a
tua comida, e nunca mais deixarás esta forma. ’ ”
Depois disso, Björn desapareceu, e ninguém sabia o que acontecera com ele; e os homens o procuraram, mas não o acharam, como era de se esperar. Agora
precisamos relatar que as ovelhas do rei foram massacradas, chegando o número do rebanho a cair pela metade, e foi tudo obra de um urso cinzento,
enorme e ameaçador.
Uma noite, aconteceu que a filha de Carle viu esse urso selvagem vindo em sua direção, olhando para ela com ternura, Bera achou que reconheceu nele os
olhos de Björn, o filho do rei, então ela fez uma pequena simulação de fuga; a besta acabou recuando e foi embora, mas Bera a seguiu, até chegar a uma
caverna. Quando ela entrou na caverna, apareceu diante dela um homem que a cumprimentou, sabendo que ela era a filha de Carle; e ela também o
reconheceu, pois ele era Björn, o filho do rei Hring. Eles ficaram muito felizes de se encontrarem. Bera e Björn ficaram juntos na caverna por algum tempo,
pois ela não se separaria dele enquanto ela tivesse a chance de ficar com ele; mas ele disse que não seria apropriado que ela estivesse ali com ele, pois de
dia ele era uma besta, e de noite um homem.
O Rei Hring voltou de seus saques, e lhe foi contado tudo o que acontecera durante sua ausência; que seu filho Björn, tinha desaparecido, e que também
uma besta monstruosa aparecera nos campos, e estava destruindo seus rebanhos. A rainha pediu ao rei que matasse a besta, mas ele demorou um pouco
para se decidir.
Em uma noite, quando Bera e Björn estavam juntos, ele disse a ela: “Eu penso que amanhã será o dia da minha morte, pois eles virão para me caçar. Mas
por mim eu não me importo, pois é insuportável viver com essa maldição sobre mim, e meu único conforto é quando estamos juntos; mas agora nossa
união deve ser desfeita. Eu vou lhe dar o anel que está na minha mão esquerda. Você verá a tropa de caçadores amanhã vindo me matar; e quando eu
morrer vá até o rei, e peça lhe para te dar o que está sob a perna dianteira esquerda da besta. Ele vai consentir. ”
Ele lhe falou de muitas outras coisas, até que a forma do urso se abateu sobre ele, e ele saiu da caverna como um urso. Ela o seguiu, e viu que uma grande
tropa de caçadores estava vindo sobre o topo da montanha, e levavam um grande número de cães com eles. O urso se afastou correndo da caverna, mas os
cães e os homens do rei foram atrás dele, e houve uma batalha violenta. Ele cansou muitos homens e antes de ser subjugado já tinha conseguido matar
todos os cães. Mas agora eles tinham fechado o cerco sobre ele, e andavam em torno dele, Björn não conseguia ver nenhum meio de escapar, então ele se
voltou para onde o rei estava, atacou um homem que estava ao seu lado, conseguindo fazer uma brecha no cerco; mas o urso ficou tão exausto que desabou
deitado no chão, e ao mesmo tempo, os homens fizeram um ataque sobre Björn e o mataram. Bera assistiu tudo isso e correu até o rei lhe implorando:
‘Senhor! Poderia me dar o que está debaixo do ombro esquerdo do urso? ’ O rei consentiu. Até este momento os homens do rei já tinham quase esfolado a
pele do urso; Bera foi até lá e arrancou o anel, ficando com ele, mas ninguém percebeu o que ela tinha pegado, e nem procuraram por nada. O rei perguntou
quem ela era, e ela deu um nome, mas não o seu verdadeiro nome.
O rei voltou para casa, e Bera foi em sua companhia, a rainha estava muito feliz, a tratou bem e perguntou quem era ela, mas Bera respondeu como antes.
“A rainha deu uma grande festa, que teve a carne do urso cozida para o banquete. A filha de Carle estava agora nas mãos da rainha, e sem poder escapar,
pois a rainha suspeitava de quem ela era. Então ela veio até Bera bem inesperadamente com um prato, sobre ele estava a carne do urso, que ela ofereceu
para Bera comer. Sabendo que Bera não comeria, a rainha disse: “Está uma maravilha! Você rejeitaria uma oferta que a própria rainha fez pessoalmente a
você. Aceite agora, ou algo muito pior acontecerá com você. ” Então Bera deu uma mordia e engoliu diante da rainha; a rainha cortou mais um pedaço, e
olhou para boca dela; reparando que um pequeno pedaço da carne havia caído, mas Bera não aguentou a aflição e cuspiu fora de sua boca todo o resto,
dizendo que não comeria mais, nem se ela fosse torturada até a morte.
“Talvez você já tenha recebido o bastante, ” disse a rainha, dando uma gargalhada maldosa. (Saga Kraka de Hrolf, c. 24-27, condensados.)
Na canção poema de Faroëse, ‘Finlandês encontrando a paz’ temos o seguinte verso:

Quando este perigo o finlandês viu,


Que aquela feitiçaria lhe tinha feito mal,
Então ele se transformou em um lobisomem:
Ele matou muitos assim.

A seguinte estrofe é de: ‘A ansiedade de Helga Hundingsbana’ (estrofe 31):


Deixa que a lâmina morda,
A qual você empunhou
Só a ti mesmo,
Quando ela fica acima de sua cabeça.
Então vingada será
A morte de Helgi,
Quando tu, como um lobo,
Vagando pelos bosques,
Encontrando nenhuma sorte
E nenhum prazer,
Não cozinhando nenhuma carne,
Aproveitando os retalhos dos cadáveres.

Em todos os casos anteriores houve uma mudança de forma: chegaremos agora aos casos em que a pessoa que é transformada tem uma dupla forma, onde a
sua alma anima uma outra forma.
Na Saga Ynglinga (C. 7) é dito de Odin, que “Ele mudava de forma, seu corpo parecia estar dormindo ou morto, mas ele era um pássaro ou uma besta, um
peixe, ou uma mulher, e ia em um piscar de olhos para muito longe em terras distantes, fazendo seus próprios negócios ou de outras pessoas. ” Do mesmo
modo, o rei dinamarquês Harold enviou um bruxo à Islândia na forma de uma baleia, enquanto seu corpo repousava fortemente rígido em casa. A já citada
Saga Kraka de Hrolf nos dá outro exemplo, onde Bödvar Bjarki, usando a forma de um urso enorme, lutou desesperadamente com o inimigo, que tinha
cercado o salão do seu rei, enquanto seu corpo humano permanecia embriagado próximo de uma lareira.
Na Saga Vatnsdaela, existe um relato curioso de três finlandeses, que ficaram fechados em uma cabana por três noites, pois tinham recebido ordens de
Ingimund, um chefe norueguês, para visitar a Islândia e informa-lo do estado do país, onde ele estava para se estabelecer. Seus corpos se tornam rígidos, e
eles enviaram suas almas a missão, e ao acordarem no final de três dias, deram uma descrição precisa de Vatnsdal, o local onde Ingimund foi
eventualmente se estabelecer. Mas a Saga não relata se os finlandeses projetaram suas almas nos corpos de pássaros ou bestas.
A terceira maneira de transformação mencionada, era aquela em que o indivíduo não se modificava, mas para os olhos dos outros ele estava enfeitiçado, de
modo que os outros não conseguiam detectá-lo, mas o enxergavam apenas sob uma determinada forma.
Existem vários exemplos nas Sagas; como por exemplo, na Saga Greypsonar de Hromundar, e na Saga Fostbraedra. Mas eu irei contar a mais curiosa, que
é a de Odd, o filho de Katla, na Saga Eyrbyggia. (C. 20.)
“Geirrid, uma dona de casa em Mafvahlid, mandou dizer em Bolstad, que Odd, o filho de Katla, tinha cortado a mão de Aud.”
“Quando Thorarinn e Arnkell ouviram isso, saíram de casa cavalgando com doze homens. Eles passaram a noite em Mafvahlid, e cavalgaram na manhã
seguinte para Holt: Odd era o único homem na casa. ”
“Katla se sentou na cadeira alta tecendo fios, e ela ordenou que Odd se sentasse ao lado dela; além disso, ela ordenou que as mulheres se sentassem cada
um em seu devido lugar, e segurassem suas línguas. ‘Pois’ disse ela, ‘Somente eu conversarei’. Quando Arnkell e seu grupo chegaram, eles entraram
direto, e foram para o salão da casa, Katla logo saudou Arnkell, e perguntou quais eram as novidades. Ele respondeu que não havia nenhuma, querendo
saber logo em seguida onde estava Odd. Katla respondeu que ele tinha ido para Breidavik.
‘Nós vamos vasculhar pela casa’ disse Arnkell. ‘Então vasculhem. ’ Respondeu Katla, e ordenou a uma garota para levar uma luz diante deles, e que a
moça destrancasse as diferentes partes da casa. Tudo que eles viram foi Katla tirando fios para fora de sua roca. Eles procuraram por toda casa, mas não
encontraram Odd, então foram embora.
Quando se afastaram um pouco do pátio, Arnkell parou e disse: ‘Como saberemos se Katla não nos enganou, e que a roca em sua mão não era nada mais do
que Odd. ’ ‘Não é impossível! ’ Disse Thorarinn; ‘Vamos voltar. ’ E eles assim fizeram; e quando aqueles em Holt notaram que eles estavam retornando,
Katla disse a suas criadas, ‘Continuem em seus lugares, Odd e eu sairemos. ’
“Quando eles se aproximaram da porta, ela entrou na varanda e começou a pentear e cortar os cabelos de seu filho Odd. Arnkell veio até a porta e viu onde
Katla estava, ela parecia estar acariciando sua cabra, desembaraçando sua crina, a barba e alisando sua lã. Então ele e os seus homens entraram na casa,
mas não encontraram Odd. A roca de Katla estava encostada no banco, por isso pensaram que não poderia ser Odd, e eles foram embora. Contudo, quando
eles chegaram perto do ponto onde eles tinham retornado antes, Arnkell disse, ‘Você não acha que Odd poderia estar na forma da cabra? ’ ‘Não sei dizer, ’
respondeu Thorarinn; ‘Mas se nos voltarmos, colocaremos as mãos em Katla. ’ ‘Nós podemos tentar a sorte novamente, ’ disse Arnkell, ‘e ver o que pode
acontecer. ’ Então eles retornaram.
“Desta vez, quando eles foram vistos no caminho de volta, Katla ordenou a Odd que a seguisse; ela o levou para um montículo de cinzas, e disse lhe para
ele se enfiar lá e não se mexer em por nada. Mas quando Arnkell e seus homens voltaram para fazenda, eles entraram apressados na sala e viram Katla
sentada em seu lugar, fiando. Ela os cumprimentou e disse que seus visitantes iam embora com rapidez. Arnkell respondeu que ela dizia a verdade. Seus
camaradas tomaram a roca dela e a cortaram em dois pedaços. ”
“ ‘Qual é o problema agora? ’ Disse Katla, ‘você não vai poder dizer, que quando veio à minha casa, não fez nada, pois vocês destruíram minha roca. ’
Então Arnkell e o resto do bando procuraram de cima a baixo por Odd, mas não puderam encontra-lo; na verdade, não viram nada vivendo no lugar, a não
ser um porco javali que estava deitado num monte de cinzas, então desistiram e foram embora mais uma vez.
“Bem, quando eles já estavam a meio caminho de Mafvahlid, apareceu Geirrid junto com seus empregados trabalhadores para encontra-los. ‘Vocês não
fizeram direito a busca de Odd, ’ disse ela, ‘mas afirmou em seguida que desta vez então iria ajuda-los. ’ E eles voltaram novamente. Geirrid vestia uma
capa azul. Quando o grupo foi visto, avisaram logo para Katla, dizendo que desta vez eles eram treze, e havia junto uma mulher com vestido colorido,
Katla exclamou, ‘Geirrid aquela troll está vindo! Eu não serei mais capaz de lançar um encantamento sobre seus olhos. ’ Ela se levantou da cadeira e tirou a
almofada do assento, havia um buraco com um compartimento embaixo; ela enfiou Odd dentro disto, fechou a almofada sobre ele, e sentou por cima,
dizendo que sentia uma dor forte no coração. ”
“Desta vez, quando entraram na sala, houveram poucas saudações. Geirrid tirou a sua capa azul e foi até Katla, e tomou dela bolsa de pele de foca que
estava em suas mãos, a levantando sobre a cabeça de Katla. [1] Então Geirrid os ordenou para que quebrassem o assento. Imediatamente eles fizeram isso,
e encontraram Odd.
Odd foi levado na direção de Buland, onde o enforcaram… Porém Katla, foi apedrejada a até a morte sob o penhasco da península. ”
[1. Uma precaução contra o “olho maligno, ” Comparar Saga Gisla de Surssonnar, p. 34. Saga Laxdaela, cc. 37, 38. ]
A ORIGEM DO LOBISOMEM NA ESCANDINÁVIA

Uma das grandes vantagens do estudo da antiga literatura nórdica ou islandesa é o discernimento dado por ela se comparada com a origem das superstições
no resto do mundo. A tradição nórdica é transparente como uma geleira glacial, e sua origem é inconfundível.
A mitologia medieval, é rica e linda, é um composto como o bronze de Corinto (Grécia), no qual muitos minérios puros foram fundidos, ou pode ser como
um grande rio turvo que é alimentado por numerosas nascentes, possuindo suas fontes em lugares distantes.
É uma mistura das primeiras tradições celtas, teutônicas, escandinavas, italianas e árabes, cada uma adicionando uma beleza, cada uma rendendo um
encanto, porém cada acréscimo torna a análise mais difícil.
Pacciuchelli disse: “O Rio Anio flui para o Rio Tibre, puro como cristal ele encontra a corrente turva, e se perde nela, então não existe mais o Anio, mas
agora todo fluxo se torna o Tibre. ” Assim é com cada afluente que cai na correnteza da mitologia medieval. Em qual momento foi misturada suas águas
com o grande e contínuo dilúvio, é impossível descobrir com certeza; ele enriqueceu o fluxo, mas perdeu sua própria identidade.
Se analisarmos um mito em particular, não devemos ir imediatamente ao corpo da superstição medieval, mas atacar um dos afluentes antes sua absorção.
Isto é o que nós iremos fazer, e na seleção da mitologia nórdica, encontramos material abundante, apontando naturalmente para o local de onde ele foi
derivado, assim como a erosão glacial indica a direção que ela tomou e aponta para as montanhas de onde caíram. Não será difícil para nós chegarmos à
origem da crença do Norte em lobisomens, e os dados obtidos assim serão úteis para nos ajudar a elucidar muito do que de outra forma se revelaria obscuro
na tradição medieval.
Entre os nórdicos antigos, era costume de certos guerreiros se vestirem com as peles dos animais que haviam matado, e assim conseguiam transmitir um ar
de ferocidade, calculado para aterrorizar os corações e mentes de seus inimigos.
Estas roupas eram mencionadas em algumas Sagas, sem que fossem atribuídas qualidades sobrenaturais a elas.
Por exemplo, no Njála há menção de um homem i geithedi, vestido de pele de cabra. Da mesma forma, ouvimos falar de Harold Harfagr tendo em sua
companhia um bando de berserkir, que estavam todos vestidos de peles de lobo, ulfhednir, e esta expressão, coberto com pele de lobo, é encontrada como
se fosse o nome de um homem. Assim, na Saga Holmverja, há menção de um Björn, “filho de Ulfhedin, casaco de pele de lobo, filho de Ulfhamr,
transformado em lobo, filho de Ulf, lobo, filho de Ulfhamr, transformado em lobo, que podia mudar de formas. ”
Mas a passagem mais conclusiva está na Saga Vatnsdaela, como será apresentada a seguir: “Aqueles berserkir que eram chamados ulfhednir, tinham pele
de lobo sobre suas armaduras” (C. XVI.) Da mesma maneira que a palavra berserkr, era usada para dar nome a um homem que possuísse poderes super-
humanos, e sujeitos, a uma fúria diabólica, era originalmente atribuído aqueles valentes campeões que andavam com camisa de urso, ou roupas feitas de
pele de urso sobre suas armaduras.
Estou bem ciente de que Björn Halldorson derivou a palavra berserkr de bare of sark, ou seja, sem roupas, e sendo esta derivação geralmente aceita, mas
Sveibjörn Egilsson, uma autoridade indiscutível, rejeita essa derivação como insustentável e a substitui pela que adotei.
Podemos muito bem imaginar que uma pele de lobo ou de urso faria um casaco quente e confortável para um homem, cujo modo de vida exigia que ele
desafiasse todo tipo de clima, e também essa roupa não só lhe daria uma aparência ameaçadora e de ferocidade, mas provavelmente causaria emoções bem
desagradáveis no coração do inimigo, ainda tendo a vantagem de que a pele grossa seria eficaz em amortecer os golpes que choviam sobre ele em batalha.
O berserkr era um objeto de ódio e terror para os pacíficos habitantes do campo, o seu passa tempo era desafiar os pacatos camponeses a um único
combate. De acordo com a lei de posse de terra na Noruega, um homem que se recusasse a aceitar um desafio, perderia todas as suas posses, até mesmo a
mulher de seu coração, e era enquadrado como um covarde indigno da proteção da lei, e cada item de sua propriedade era passado para as mãos de seu
desafiante. O berserkr, portanto, tinha o homem infeliz à sua mercê. Se ele o matasse, as posses do fazendeiro se tornavam suas, e se o pobre homem se
recusasse a lutar, ele perdia todo o direito legal à sua herança.
Um berserkr se convidaria a qualquer festa, e contribuía com sua quota para a diversão do entretenimento, quebrando a coluna ou rachando o crânio de
algum folião que tivesse lhe causado desprazer, ou qualquer um que ele pudesse escolher para matar, por nenhuma outra razão além do desejo de não
perder a prática.
Podemos imaginar que a superstição popular cresceu junto com o medo popular destes piratas com peles de urso e de lobo, e as pessoas acreditavam que
eles eram dotados de muita força, assim como eles eram dotados certamente da ferocidade das bestas cujas peles eles usavam.
Nenhuma superstição pararia por aí, pois a imaginação dos camponeses amedrontados iria rapidamente crescer a respeito desses inescrupulosos
perturbadores da paz pública, lhes dando os atributos até então apropriados aos trolls e aos gigantes.
O incidente mencionado na Saga de Völsung, dos homens sendo encontrados dormindo com suas peles de lobo penduradas à parede acima de suas cabeças,
é muito pouco provável, mas se considerarmos essas peles como sendo usadas sobre suas armaduras, e reduzirmos o extraordinário em toda a história a um
mínimo, podemos supor que Sigmund e Sinfjötli as roubaram com o propósito de se disfarçarem, enquanto viviam uma vida de violência e roubo.
De modo semelhante, a história da “Bela e a Fera ” do Norte, na Saga Kraka de Hrolf, se torna menos improvável, com a suposição de que Björn estava
vivendo como um fora da lei nas distantes montanhas vestindo pele de urso, que efetivamente o disfarçaria “menos os seus olhos” que poderiam ser vistos
brilhando pelos furos no visor da máscara, expondo os olhos que eram sem dúvida humanos. Seu próprio nome, Björn, significa urso; e estas duas
circunstâncias podem muito bem ter um fundo de fato histórico com um toque de romance e fábula; e se removido esses enfeites sobrenaturais, a história se
resolveria pelo simples fato de ter existido um Rei Hring de Updales, que entrou em conflito com seu filho, e cujo filho partiu para os bosques, e foi viver
uma vida de berserkr, em companhia de sua amada, até finalmente ser capturado e morto por seu pai.
Acho que a circunstância repetida pelos escritores das Sagas, dos olhos da pessoa que permaneciam inalterados, é muito significativo, e aponta para o fato
de que a pele foi simplesmente colocada sobre o corpo como um disfarce.
Mas havia outro motivo para que a superstição se prendesse aos berserkir, e investi-los com atributos sobrenaturais.
Nenhum fato relacionado com a história dos homens do Norte está mais firmemente estabelecido, em reais evidências, do que a fúria berserkr sendo uma
espécie de possessão demoníaca. Dizia-se que os berserkir entravam em um estado de frenesi, no qual um poder demoníaco caia sobre eles, os obrigando a
atos que em seus estados sóbrios não agiriam daquela forma. Eles adquiriam força sobre humana, e eram invulneráveis e insensíveis à dor. Nenhuma
espada os feria, nenhum fogo os queimava, um porrete só poderia destruí-los quebrando seus ossos e esmagando seus crânios. Seus olhos brilhavam como
se houvesse uma chama queimando no interior, eles rangiam os dentes, e espumavam pela boca; eles roíam as bordas de seus escudos, e era dito que
algumas vezes mordiam até perfurar o escudo, e quando saíam em disparada para batalha latiam como cães ou uivavam como lobos. [1]
[1 - Saxo Gramm. VII.]
De acordo com o testemunho unânime dos antigos historiadores nórdicos, a fúria berserkr era extinta pelo batismo, e quando o cristianismo avançou, o
número destes berserkir diminuiu.
Mas não devemos supor que essa loucura ou essa possessão ocorria apenas com pessoas que tinham propensão a serem atacadas por ela; outros também
sofreram com ela, houve quem lutou em vão contra a sua influência, lamentando profundamente depois, a sua própria responsabilidade por ter aproveitado
esses terríveis acessos de loucura violenta. Tal qual Thorir o filho de Ingimund, que foi relatado na Saga Vatnsdaela, nesta passagem: “as vezes a crise
vinha sobre Thorir, e era considerada como um triste infortúnio para tal homem, já que ela estava muito além de seu controle. ”
A maneira em que ele foi curado é notável; mostrando o que pode fazer o desejo na mente pagã por uma crença melhor e mais misericordiosa:
Thorgrim de Kornsá teve um filho com sua concubina Vereydr, e por ordem de sua esposa, a criança foi levada embora para ser executada. Os irmãos
(Thorsteinn e Thorir) geralmente se reuniam, e era a vez de Thorsteinn visitar Thorir, e Thorir o acompanhou de volta para casa. No caminho, Thorsteinn
perguntou a Thorir quem era o melhor entre os irmãos; Thorir respondeu que a resposta era fácil, “porque você está acima de nós todos em discrição e
talento; Jökull é o melhor em todas as aventuras perigosas, ” mas eu, ele acrescentou “Eu sou o menos digno de nós irmãos, porque ser berserkr me domina
completamente contra a minha vontade, e eu quero que você, meu irmão, com sua sabedoria, consiga alguma forma de me ajudar. ” Thorsteinn disse:
“Ouvi dizer que nosso parente, Thorgrim, está sofrendo com o fato de seu pequeno bebê ter sido levado embora, por crueldade de sua mulher. Isto foi
terrível. Penso que também é uma questão muito difícil para você ser diferente em natureza de outros homens. ”
Thorir perguntou como ele poderia obter a libertação de seu problema… Então Thorsteinn disse: “Agora eu vou fazer um voto para aquele que criou o Sol,
porque eu acredito que Ele pode tirar a maldição de você, e eu defenderei a causa Dele, em troca, irei resgatar o bebê e trazê-lo de volta para Thorgrim, até
que Aquele que criou o homem o leve para Si mesmo e isto sei que Ele fará! ” Depois disso, deixaram seus cavalos para procurarem a criança. Um criado
de Thorir conseguiu ver o bebê perto do Rio Marram. Ao chegarem eles perceberam que o rosto da criança estava coberto por um lenço, que ainda
continuava se movendo suavemente sobre o seu nariz; a criaturinha já estava quase morta, mas eles a pegaram e saíram correndo para casa de Thorin.
Chegando lá ele conseguiu reanimar o bebê, e lhe deu o nome de Thorkell Rumple.
E sobre os acessos de crise Berserkr? Ele ficou livre para sempre. ” (C. 37)
Mas as passagens mais notáveis sobre o nosso assunto serão encontradas no Aigla.
Existia um homem chamado Ulf (O Lobo), filho de Bjálfi e Hallbera. Ulf era um homem tão alto e forte, que como ele ninguém nunca viu na terra naqueles
dias. Quando ele era jovem saia em expedições vikings e saques… Ele era um grande proprietário terras. Era seu costume levantar cedo, para ir saber sobre
o trabalho dos homens, ou ir para às forjas, e inspecionar todos os seus bens e seus acres; e às vezes conversava com os homens que desejavam ouvir seus
conselhos; pois ele era um bom conselheiro, ele era muito sagaz; contudo, todos os dias, quando a hora caminhava para o crepúsculo, ele se tornava tão
selvagem que poucos se arriscavam a trocar uma palavra com ele, ele também costumava cochilar à tarde.
“As pessoas diziam que ele costumava mudar de forma (hamrammr), por isso eles o chamavam de O Lobo da Noite, kveldúlfr. ” (C. 1.) Nesta e nas
próximas passagens, nós não consideraremos hamrammr como sendo o significado primário de transformação real, mas simplesmente significando que o
sujeito sofre ataques de possessão diabólica, e que sob esta influência, os poderes físicos do corpo ficavam muito exagerados. Nós faremos uma tradução
bem livre desta Saga, que é uma das mais interessantes, iremos considerar que a descrição dada nela sobre Kveldulf se adapta muito bem para demonstrar o
nosso ponto de vista.
Kveldulf e Skallagrim receberam notícias durante o verão de uma expedição. Skallagrim tinha a visão mais aguçada dos homens, e ele avistou o navio de
Hallvard e do irmão, o reconhecendo imediatamente. Ele marcou o próprio curso para um ponto onde eles o interceptariam. Então ele voltou para seus
companheiros, contando a Kveldulf o que tinha visto…
Então logo eles se apressaram e prepararam seus dois barcos; em cada um puseram vinte homens, Kveldulf conduzia um e Skallagrim o outro, e eles
remaram para o local onde interceptariam o navio. Quando chegaram ao lugar onde queriam, ficaram deitados. Hallvard e seus homens tinham espalhado
um toldo sobre o convés, e ficaram dormindo. Quando Kveldulf e seu grupo chegou até eles, os sentinelas que estavam sentados no final da ponte surgiram
e gritaram as pessoas a bordo para acordarem, porque havia um sinal perigo no ar. Hallvard e seus homens rapidamente pegaram as armas.
Kveldulf e Skallagrim subiram para ponte do navio. Kveldulf tinha em sua mão uma machadinha, ele ordenou que seus homens tirassem o toldo do convés.
Mas ele foi para o tombadilho superior do navio. Dizem que nesta hora o lobisomem se manifestou nele e em muitos de seus companheiros. Eles pediram
calma aos homens que estavam diante deles. Skallagrim fez o mesmo andando ao redor do navio. Ele e seu pai não pararam enquanto não terminaram de
acalmar todos. Em seguida Kveldulf foi para o tombadilho superior e levantou sua machadinha, dando um golpe que atravessou o capacete e entrou na
cabeça de Hallvard, o golpe tinha tanta força e que a machadinha ficou metade enterrada na cabeça; em seguida ele a retirou com tanta violência que
levantou Hallvard no ar, e o jogou ao mar. Skallagrim saiu do castelo da proa e matou Sigtrygg. Muitos homens fugiram pulando no mar, mas os homens
de Skallagrim tomaram o barco, e remaram perseguindo e matando todos que encontraram. Assim morreram Hallvard e mais cinquenta homens.
Skallagrim e seu bando tomaram o navio e todos os bens que tinham pertencido a Hallvard… então transferiram rapidamente as coisas de seu próprio navio
para o novo, em seguida trocou de navios, levando o capturado, mas abandonando o próprio. Depois disso, encheram a velha embarcação com pedras,
quebraram tudo e a afundaram. Uma boa brisa surgiu, e eles partiram mar adentro.
Dizem que os homens desta batalha eram lobisomens ou tinham a fúria berserkr, e enquanto eles estivessem sob este efeito, ninguém podia vence-los, pois
eles ficavam muito fortes; mas quando o efeito passava, eles ficavam mais bem fracos do que o normal até se recuperarem.
Foi o que aconteceu com Kveldulf quando ele saiu do estado de lobisomem. Ele se sentiu exausto em consequência da luta, e estava tão completamente
‘exaurido, ’ que foi obrigado a ir para sua cama.
Do mesmo modo, Skallagrim e em seguida seu amado pai tiveram seus ataques de frenesi.
Thord e seus companheiros estavam lutando contra Skallagrim. Thord estava em maior número do que Skallagrim, que já estava cansado. A luta estava
ficando melhor para Thord e seu bando. Mas ao anoitecer, depois do pôr do sol, as coisas ficaram piores para Egill e Thord, pois Skallagrim se tornou
muito forte e atacou Thord o derrubando com tanta força que quebrou seus ossos, o matando.
Em seguida ele também conseguiu agarrar Egill.
Thorgerd Brák era o nome de uma serva de Skallagrim, que tinha sido mãe adotiva de Egill. Ela era uma mulher de grande estatura, tão forte quanto um
homem e meio bruxa. Brák gritou, “Skallagrim! Você agora está atacando seu filho? ” Então Skallagrim soltou Egill e partiu na direção dela. Ela saiu
correndo e fugiu. Skallagrim a perseguiu. Eles correram pelo Digraness, e ela saltou do promontório na água. Skallagrim lançou uma enorme pedra que à
acertou bem entre os ombros, e ela nunca mais voltou para superfície.
O lugar agora é chamado de Brák’s Sound. ” (C. 40.)
Podemos observar nessas passagens do Aigla, que as palavras ad hamaz e hamrammr foram usadas sem a intenção de passar a idéia de transformação na
forma do corpo, embora estas palavras literalmente afirmem isso. Pois elas são derivadas de hamr (pele ou vestimenta), sendo também uma palavra com
representações em outras línguas arianas, portanto é uma palavra primitiva significando a pele de uma besta.
Parece provável que o verbo ad hamaz foi usado primeiro para definir aqueles que usavam peles de animais selvagens, e andavam pelo país como piratas;
mas a superstição popular logo os investiu com poderes sobrenaturais, dizendo que eles supostamente assumiam as formas dos animais em cujas peles eles
estavam disfarçados. O verbo então adquiriu o significado “se tornar um lobisomem, mudar de forma. ” E não parou por aí, mas passou por outra
transformação de significado e finalmente foi usado para identificar os que estavam aflitos com crises de loucura ou possessão demoníaca.
Esta não era a única palavra conectada aos lobisomens que ajudou na superstição. A palavra vargr, lobo, tem um duplo significado, o que pode ter sido a
causa que originou muitas histórias de lobisomens. Vargr é o mesmo que u-argr, inquieto; argr significa o mesmo que earg em anglo saxão.
Vargr tem também um duplo significado em nórdico. Que significa um lobo ou ainda um homem sem deuses. E vargr é o mesmo que were em inglês na
palavra werewolf (lobisomem em português), e o mesmo que garou ou varou em francês. Em dinamarquês a palavra werewolf é var-ulf e em gótico vaira-
ulf.
No livro Romans de Garin o termo é “Leu warou, sanglante beste. ” Já no Vie de S. Hildefons de Gauthier de Consi esta palavra é “lou garol. ”
Da mesma maneira Palgrave assegura em seu livro Rise and Progress of the English Commonwealth (Ascensão e progresso da comunidade inglesa), que
entre os anglo saxões um utlagh ou outlaw (fora da lei em português), era mencionado como possuindo uma cabeça de lobo.
Sabemos que o termo vargr podia ser usado uma hora como lobo e em outra como o fora da lei que vivia uma vida de animal selvagem, longe da
civilização. E que também a forma legal da sentença de punição para estes foras da lei era:
“Ele será levado como um lobo, e será perseguido pelos homens da mesma forma que os caçadores perseguem os lobos por grandes distâncias. ”
Não é de se admirar que as histórias sobre fora leis deveriam ter ficado repletas com relatos míticos de suas transformações em lobos.
O próprio idioma dos nórdicos era enraizado para propagar esta superstição. Os islandeses também tinham expressões curiosas que provavelmente podem
ter causado vários equívocos.
Saint Sidonius Apollinaris escreveu em [Opera, lib. VI. Ep. 4]:
Snorri não apenas relata que Odin mudava de forma, mas ele acrescenta que por seus feitiços ele transformava seus inimigos em javalis. Precisamente da
mesma maneira que a bruxa, Ljot, na Saga Vatnsdaela.
Nesta saga foi dito que ela poderia ter transformado Thorsteinn e Jökull em javalis para correr com as bestas selvagens (C. XXVI.); e a expressão verda at
gjalti, ou gjöltum, que significa se tornar um javali, é frequentemente encontrada nas Sagas.
“Por isso veio Thorarinn com seus homens partindo para cima deles, e Nagle liderou o caminho; mas quando ele viu as armas empunhadas ele ficou
aterrorizado e fugiu correndo para montanha, e se transformou em um javali… E Thorarinn e seus homens correram, para ajudar Nagli, para que ele não
caísse das falésias no mar. ” (Saga Eyrbyggia, C. XVIII.)
Uma expressão semelhante ocorre na Saga Surssonar de Gisla, p.50.
Na Saga Kraka de Hrolfs, encontramos um troll em forma de javali, a quem oferendas divinas eram pagas.
E na Saga Kjalnessinga, C. XV., os homens são comparados aos javalis: “Então começaram a alimentá-los como se faz quando se alimenta javalis e eles
começaram a lutar entre si, e também ficavam babando espuma da mesma maneira. ”
O verdadeiro significado de verda at gjalti é ficar em um tal estado de medo onde se perde os sentidos; mas é suficientemente peculiar para ter dado origem
a histórias supersticiosas.
Eu tenho lidado já a algum tempo com os mitos do Norte relativos a lobos e as transformações animais, porque eu considero a investigação destes mitos
totalmente importante para a elucidação da verdade que repousa no fundo da superstição medieval, e que não é tão acessível como através da literatura
nórdica. Como pode ser visto a partir das passagens citadas em detalhes acima, e a partir de um exame apenas destas referências, o resultado chegado é
bastante conclusivo, e pode ser resumido em poucas palavras.
Toda a superestrutura da fábulas e romances relativa à transformação em bestas selvagens, repousa simplesmente baseado na verdade que entre as nações
escandinavas existia uma forma de loucura ou possessão, onde as pessoas sob esta influência agiam como se tivessem sido transformados em bestas
selvagens brutas, uivando, espumando pela boca, saqueando e massacrando por sangue, prontos para cometerem qualquer ato de atrocidade, e eram tão
irresponsáveis por suas ações quanto os lobos e os ursos, em cujas peles muitas vezes eles se equipavam.
Foi apontado que a maneira pela qual estes fatos se infestaram com características sobrenaturais ocorreu quando houve a mudança do significado da
palavra designada para loucura, o duplo significado da palavra vargr, e acima de tudo pelos hábitos e a aparência destes maníacos.
Nós vamos ver exemplos da fúria berserkr reaparecendo na Idade Média, e até bem recente em nossos tempos (século XIX), não exclusivamente no Norte,
mas por toda França, Alemanha e Inglaterra, e em vez de rejeitarmos os relatos dados pelos cronistas como fabulosos, só porque existe muita coisa
mencionada neles que parece ser fabuloso, poderemos atribuir sim suas origens como sendo verdadeiras.
Podemos aceitar como um provérbio, que: “nenhuma superstição de aceitação geral é destituída de um fundamento verdadeiro. ”
Vamos demonstrar que o mito do lobisomem foi amplamente difundido, não só por toda Europa, mas por todo mundo, nós também vamos nos certificar de
que existe um núcleo sólido de fatos, em torno de uma superstição popular cristalizada; e que um destes fatos é a existência de uma espécie de loucura, na
qual durante os acessos a pessoa atormentada acredita ser uma besta selvagem, e age como tal besta selvagem.
Em alguns casos, essa loucura realmente pareceu ser uma possessão, e os atos diabólicos que o possuído foi impelido a fazer são tão horríveis, que vão
gelar o nosso sangue, chegando a ser impossível se lembrar deles sem se arrepiar.
O LOBISOMEM NA IDADE MÉDIA

O Bispo Olaus Magnus nos deu o seguinte relato:


“Na Prússia, na Livônia e na Lituânia, apesar dos habitantes sofrerem muito com os ataques de lobos durante o ano, devido ao fato destes animais
retalharem o seu gado e existirem em grande quantidade pelos bosques, tudo isto não é considerado como sendo tão grave se comparado com os ataques
que são feitos por homens transformados em lobos”
“Durante a festa do Nascimento de Cristo, à noite, uma grande multidão de homens transformados em lobo se reuniam em certo local, organizados entre si,
e então se espalhavam com uma ferocidade extrema atacando os seres humanos e os animais que não eram selvagens, e faziam os nativos destas regiões
sofrerem muito mais perdas com estes ataques do que os feitos por lobos naturais.
Pois quando eles descobriam uma habitação humana isolada na floresta, eles a cercavam e atacavam cometendo atrocidades, tentavam arrombar as portas, e
se conseguissem, eles devoravam todos os seres humanos e todos os animais encontrados no interior. Eles invadiam as cervejarias, e ali esvaziavam os
tonéis de cerveja ou hidromel, e empilhavam os barris vazios um encima do outro no meio da adega, demonstrando assim sua diferença entre os lobos
naturais…
Entre a Lituânia, a Livônia e Courland existem os muros de um antigo castelo em ruínas. Neste local milhares se reúnem, em uma ocasião fixa, e testam a
sua agilidade em saltar. Aqueles que são incapazes de saltar sobre o muro, como é o caso frequente dos mais gordos, são derrubados com açoites pelos
capitães e assassinados. ” [1. OLAUS MAGNUS: História de Vent. Septent. Basil. 15, lib. XVIII. cap. 45]
“Olaus também se refere no capítulo XLVII sobre a história de um certo nobre que estava viajando através de uma grande floresta junto com alguns
camponeses que se aprofundaram nas artes negras em sua comitiva. Eles não encontraram nenhuma casa onde pudessem se alojar durante a noite, e já
estavam quase famintos. Então um dos camponeses se ofereceu, com a condição que todo o resto mantivesse a boca fechada a respeito do que ele iria fazer,
que era trazer um cordeiro de um rebanho distante.
Ele então se retirou para as profundezas da floresta e mudou sua forma para a de um lobo, atacou um rebanho, e trouxe na boca um cordeiro para seus
companheiros. Eles o receberam com gratidão. O camponês se retirou mais uma vez para o mato, e se transformou novamente em sua forma humana. ”
“A esposa de um nobre na Livônia expressou suas dúvidas a um dos seus escravos sobre a possibilidade de um homem ou uma mulher poder mudar de
forma. O criado se ofereceu imediatamente para lhe dar provas dessa possibilidade. Ele saiu da sala, e logo num instante um lobo foi visto correndo pelo
campo. Os cães o perseguiram, e apesar de ter lutado bastante, os cães conseguiram dilacerar um de seus olhos. No dia seguinte, o escravo apareceu diante
de sua ama cego de um olho. ”

Bispo Majolus[1] e Caspar Peucer[2] relataram as seguintes circunstâncias dos livonianos:


[1. MAJOLI Episc. Vulturoniensis Dier. Canicul. Helenopolis, 1612, tom. II. colloq. 3. ]
[2. CASPAR PEUCER: Comment. de Praecipuis Divin. Generibus, 1591, p. 169. ]
“No Natal, um menino perneta saí pelo país convocando os seguidores do diabo, que eram incontáveis, para uma reunião geral secreta. Quem ficasse para
trás, ou resistisse, seria açoitado por um outro com chicote de ferro até que o sangue fluísse, e seus rastros ficassem em sangue.
Muitos milhares se reuniam. A forma humana desaparecia deles, e todos da multidão se tornavam lobos. À frente ia o líder armado com um chicote de
ferro, e a tropa o seguia, ‘firmemente convencidos em sua imaginação que eles foram transformados em lobos. ’ Eles atacavam os rebanhos de gado e das
ovelhas, mas eles não tinham poder para matar homens. Quando chegavam a um rio, o líder açoitava a água com seu chicote, e ela se dividia, deixando um
caminho seco pelo meio, por onde o bando podia passar. A transformação durava doze dias, e ao final deste período a pele de lobo desaparecia, e a forma
humana voltava ao normal.
Esta superstição era expressamente proibida pela igreja.
Do mesmo modo, São Bonifácio pregava contra aqueles que acreditavam nesta superstição em seu sermão Strigas et fictos lupos. ” (Serm. apud Mart. et
Durand. IX. 217.)

Na dissertação de Müller [1. De {Greek Lukandrwpía}. Lipsiae, 1736.] nós aprendemos, sob a autoridade de Cluverius e Dannhaverus (Acad. Homilet. p.
II.), que um certo Albertus Pericofcio em Muscovy costumava tiranizar e perseguir seus súditos das maneiras mais inescrupulosas. Certa noite, quando ele
estava ausente de casa, todo o seu rebanho de gado, que fora conquistado por meio de extorsões, tinha sido morto. Assim que retornou ele foi informado de
sua perda. O homem perverso ficou furioso e soltou as blasfêmias mais horríveis, exclamando:
“Deixe quem os matou, que os coma, e se Deus quiser, que ele também me devore. ”
Enquanto ele ficava berrando, gotas de sangue começaram a cair sobre a terra, e o nobre homem, se transformou em um cão selvagem, que saiu em
disparada para cima de seu gado morto, e foi rasgando e mutilando as carcaças e começando a devora-las. Sua esposa, que até então estava perto do curral
de confinamento, morreu de medo. Durante estes acontecimentos não houveram somente as testemunhas que ouviram, mas também as que assistiram tudo.
Similarmente é relatado também que havia um nobre na vizinhança de Praga, que roubava os bens de seus súditos e os deixava na mais completa pobreza
através de suas extorsões. Ele tomou a última vaca de uma viúva pobre com cinco filhos, mas como justiça, todo o seu próprio gado morreu. Ele então foi a
falência com várias pragas terríveis, e Deus o transformou em um cachorro, sua cabeça humana, contudo, permaneceu.

É dito que Saint Patrick transformou Vereticus, o rei de Wales, em lobo, e que Saint Natalis, o abade, excomungou uma ilustre família na Irlanda; em
consequência disso, todos os homens e mulheres desta família tomaram a forma de lobos por sete anos e viviam nas florestas e corriam pelos pântanos,
uivando tristemente, e apaziguando sua fome sobre as ovelhas dos camponeses. [1. PHIL. HARTUNG: Conciones Tergeminae, pars II. p. 367. ]
Um duque da Prússia, de acordo com Majolus, tinha trazido um compatriota para ser sentenciado diante dele, porque ele tinha devorado o gado de seu
vizinho. O sujeito era um homem feio e deformado, com grandes ferimentos no rosto, porque ele tinha recebido mordidas de cães enquanto ele estava em
sua forma de lobo. Acreditava-se que ele mudava de forma duas vezes por ano, no Natal e no Solstício de Verão. Dizia-se que ele demonstrava muita
inquietação e desconforto quando os pelos de lobo começavam a aparecer e sua forma corporal mudava.
Ele foi mantido muito tempo na prisão e observado de perto, para que ele não se tornasse um lobo durante seu confinamento e tentasse escapar, mas nada
de notável aconteceu. Se este é o mesmo indivíduo que foi mencionado por Olaus Magnus, como parece ser bem provável, o pobre homem terminou sendo
queimado vivo.

John de Nüremberg relata a seguinte história curiosa. [1. JOHN EUS. NIERENBERG de Miracul. in Europa, lib. II. cap. 42. ]
Um padre certa vez viajava por um país estranho, e se perdeu de seu caminho em uma floresta. Vendo um fogo, ele seguiu em direção a ele, e viu um lobo
sentado perto dele. O lobo se dirigiu a ele com voz humana, e lhe pediu que não tivesse medo, porque “ele era da raça Ossyriana, em que um homem e uma
mulher eram condenados a passar um certo número de anos na forma de lobo. Somente depois de sete anos eles poderiam voltar para casa e recuperar suas
formas anteriores, caso ainda estivessem vivos. ”
Ele implorou para que o padre visitasse e consolasse sua esposa doente, e também lhe desse os últimos sacramentos. Isto o padre consentiu em fazer, após
alguma hesitação, e somente depois que ficou convencido de que as bestas eram seres humanos, tendo observado que o lobo usava suas patas dianteiras
como mãos, e depois que viu a loba retirar sua pele de sua cabeça até seu umbigo, revelando assim as feições de uma mulher idosa.

Existe um artigo interessante de Rhanaeus, sobre os lobisomens de Courland, no Breslauer Sammlung. [2. Supplement III. Curieuser und nutzbarer
Anmerkungen von Natur und Kunstgeschichten, gesammelt von Kanold. 1728.]
O autor diz:
Existem muitos exemplos que não são derivados apenas de boatos, mas sim reconhecidos como indiscutíveis evidências, onde podemos debater o fato de
que Satanás, se não negarmos que tal ser existe, exerce o domínio sobre os Licantropos de três maneiras:
“1. Como lobos eles executam certos atos, como atacar uma ovelha ou mutilar gado, etc.
Porém como qualquer homem da ciência em Courland acredita, os Licantropos realizam seus atos em sua forma humana, e com seus membros humanos,
contudo em tal estado de fantasia e alucinação, que eles se consideram transformados em lobos, e são considerados como tais por outros que sofrem sob
alucinação similar, e desta forma essas pessoas agem em bandos como lobos, embora não sejam lobos verdadeiros. ”
“2. Eles imaginam, quando estão em um sono profundo ou sonhando, que ferem o gado, e isso sem sair de seu corpo; mas na realidade é seu mestre quem
executa em seu lugar, o que sua fantasia ressalta, ou sugere a ele. ”
“3. Foi o mal que controlou os lobos naturais para praticaram algum ato, e depois retratou a cena tão bem para o adormecido, que ele acaba acreditando que
cometeu estes atos por si próprio, apesar de estar imóvel em seu lugar dormindo ou até mesmo acordado. ”
Rhanaeus, relatou três histórias sobre estes tópicos, os quais ele acredita terem boa credibilidade.
A primeira é sobre um cavalheiro que começa em uma jornada, que se encontrou com um lobo envolvido no ato de agarrar uma ovelha de seu próprio
rebanho; ele disparou contra o lobo, e o feriu, de modo que ele fugiu uivando para o mato. Quando o cavalheiro retornou de sua jornada, ele encontrou toda
vizinhança impressionado com a crença de que ele tinha, em um determinado dia e hora, atirado em um de seus inquilinos, Mickel. No inquérito, a Esposa
do homem, chamada Lebba, relatou as seguintes circunstâncias, que foram confirmadas por numerosas testemunhas:
Quando seu marido terminou de semear seu centeio, ele consultou com sua esposa sobre como poderia obter alguma carne, para se ter um bom banquete. A
mulher o aconselhou, para que de modo algum, roubasse do rebanho do senhorio, porque era guardado por cães ferozes. Ele, no entanto, rejeitou seu
conselho, e Mickel partiu em direção as ovelhas de seu senhorio, mas ele se machucou e voltou mancando para casa, e seu ódio pela tentativa malsucedida,
recaiu sobre seu próprio cavalo que levou mordidas por toda garganta. Isto aconteceu no ano de 1684.
Em 1684, um homem estava prestes a atirar sobre um bando de lobos, quando ouviu do meio da alcateia uma voz exclamando:
“Misericórdia! Misericórdia! Não dispare. Nenhum bem virá disso. ”
A terceira história é a seguinte:
Um licantropo foi levado perante um juiz e acusado de feitiçaria, mas como nada pode ser provado contra ele, o juiz ordenou que um de seus camponeses
visitasse o homem em sua prisão, para tentar arrancar a verdade dele, e persuadisse o prisioneiro a ajudá-lo a se vingar de outro camponês que o havia
prejudicado; e isso seria feito mutilando uma das vacas do homem; mas o camponês deveria instigar o prisioneiro a fazê-lo secretamente, e se fosse
possível para ir disfarçado como lobo. O sujeito assumiu a tarefa, mas ele teve grande dificuldade em persuadir o prisioneiro a realizar seus desejos:
contudo eventualmente ele teve sucesso. Na manhã seguinte, a vaca foi encontrada em sua cocheira espantosamente mutilada, mas o prisioneiro não tinha
deixado sua cela: segundo a declaração do vigia, que foi colocado para observa-lo, ele tinha passado a noite em sono profundo, e que só por uma vez tinha
feito um ligeiro movimento com a cabeça, as mãos e os pés.
Wierius e Forestus citam Gulielmus Brabantinus como sendo uma autoridade para o fato, onde um homem de alta posição tinha sido tão possuído pelo mal,
que muitas vezes durante o ano ele ficava em uma condição em que acreditava estar transformado em lobo, e nestas horas ele vagava pela floresta e tentava
agarrar e devorar criancinhas, mas que pela graça de Deus, ele conseguiu recuperar seus sentidos.
Certamente o famoso Pierre Vidal, o Don Quixote poeta de Provençal, deve ter tido um toque dessa loucura, quando, depois de ter se apaixonado por uma
dama de Carcassone, que tinha o nome Loba ou Wolfess, corria pelos campos uivando feito um lobo e se degradando mais como um animal irracional do
que como um homem.
Ele comemora sua loucura lupina no poema A tal Donna. [1. BRUCE WHYTE: Histoire des Langues Romaines, tom. II. p. 248. ]

Job Fincelius [2. FINCELIUS de Mirabilibus, lib. XI.] Relata a triste história de um fazendeiro de Pavia, que como lobo atacou muitos homens em campo
aberto e os fez em pedaços. Após muito esforço o maníaco foi capturado, e então ele garantiu aos seus captores que a única diferença que existia entre ele
um lobo natural, era que em um lobo verdadeiro o pelo crescia para fora, mas nele crescia para dentro. A fim de colocar esta afirmação à prova, os
magistrados foram mais cruéis e sanguinários do que os próprios lobos, mandando cortar fora seus braços e pernas; o pobre coitado terminou morrendo
vítima desta mutilação. Isto ocorreu em 1541.
A idéia da pele ser invertida é bem antiga: versipellis ocorre como um nome de reprovação em Petronius, Lucilius e Plautus, e se assemelha ao hamrammr
nórdico.
Fincelius relata que em 1542, existia uma multidão tão grande de lobisomens perto de Constantinopla que o Imperador, acompanhado de sua guarda, saiu
da cidade para lhes dar uma severa punição, e matou cento e cinquenta deles.
Spranger fala de três senhoritas que atacaram um operário, sob a forma de gatas, e acabaram sendo feridas por ele. Elas foram encontradas machucadas e
sangrando em suas camas na manhã seguinte.
Majolus relata que um homem afligido com licantropia foi trazido a Pomponatius. O pobre homem foi encontrado escondido enterrado no feno, e quando
as pessoas se aproximavam, ele pedia para fugirem, pois ele era um lobo, e os rasgaria. Os camponeses queriam esfolá-lo, para descobrir se o pelo crescia
para dentro, mas Pomponatius o resgatou e o curou.
Bodin conta algumas histórias com grandes autoridades sobre lobisomens; é uma pena que as grandes autoridades de Bodin fossem tão mentirosas, mas a
propósito. Ele diz que o Procurador Geral Real Bourdin tinha lhe assegurado que tinha atirado em um lobo, e que a flecha ficou cravada na coxa da besta.
Poucas horas depois, a flecha foi encontrada na coxa de um homem na cama.
Em Vernon, por volta do ano de 1566, as bruxas e os feiticeiros se reuniram em grandes multidões, sob a forma de gatos. Quatro ou cinco homens foram
atacados em um lugar isolado por um número desses animais. Os homens lutaram firmes com o máximo heroísmo, e tiveram sucesso em matar um gato e
feriram muitos outros. No dia seguinte, um número de mulheres feridas foram encontradas na cidade, e elas deram ao juiz um relato preciso de todas as
circunstâncias relacionadas com seus ferimentos.
Bodin cita Pierre Marner, autor de um tratado sobre feiticeiros, como tendo testemunhado em Savoy (França) a transformação de homens em lobos.
Nynauld relata que em uma vila na Suíça, perto de Lucerne, um camponês foi atacado por um lobo, enquanto ele estava cortando madeira; ele se defendeu,
e cortou fora uma perna dianteira da besta. No momento em que o sangue começou a jorrar, a forma do lobo mudou, se transformando numa mulher sem o
braço. Ela foi queimada viva. [1. NYNAULD, De la Lycanthropie. Paris, 1615, p. 52. ] Uma evidência de que as bestas são bruxas transformadas é o fato
delas não terem caudas.
Quando o diabo toma a forma humana, contudo ele continua com seus pés de bode como o Sátiro, sendo este um sinal pelo qual ele pode ser reconhecido.
Portanto, os animais deficientes em apêndices caudais devem ser evitados, pois são bruxas disfarçadas.
Forestus, em seu capítulo sobre doenças do cérebro, relata uma circunstância que encontrou de sua própria observação, em meados do século XVI, em
Alcmaar na Holanda.
Lá havia um camponês que a cada primavera sofria de um ataque de insanidade; sob esta influência ele corria pelo cemitério, entrava correndo na igreja,
pulava sobre os bancos, dançava, ficava furioso, subia e descia dos lugares e nunca ficava quieto. Ele carregava um bastão comprido na mão, com o qual
afastava os cães, que corriam para cima dele e o feriam, de modo que suas coxas ficavam cobertas de cicatrizes. O seu rosto era pálido, seus olhos ficavam
profundos com olheiras.
Forestus declarou que o homem era um licantropo, mas ele não disse que o pobre homem acreditava ter se transformado em lobo. Em referência a este
caso, ele mencionou sobre um nobre espanhol que acreditava se transformar em urso, e que vagava cheio de fúria entre os bosques.
Donatus de Altomare afirma que viu um homem nas ruas de Nápoles, cercado por uma multidão de pessoas, que em seu frenesi de lobisomem tinha
desenterrado um cadáver e estava levando embora a perna do defunto em cima dos ombros. Isto ocorreu em meados do século XVI. [1. De Medend.
Human. Corp. lib. i. cap. 9. ]
GALERIA DOS HORRORES

Em dezembro de 1521, o Inquisidor Geral Boin na diocese de Besançon, recebeu um caso de natureza tão hedionda que deixou as pessoas da região
aterrorizadas.
Dois homens estavam sendo acusados de feitiçaria e canibalismo. Seus nomes eram Pierre Bourgot ou Peter o Grande, como o povo o tinha apelidado por
causa de sua estatura, e Michel Verdung.
Peter não ficou muito tempo sob julgamento, pois ele fez uma confissão completa de seus crimes voluntariamente.
Cerca de dezenove anos antes do julgamento, na época do mercado de ano novo em Poligny, uma terrível tempestade arrasou o país, e uma das
consequências dela, foi ter espalhado completamente o rebanho de Pierre.
Este é o relato de sua confissão:
“Tudo em vão, ” disse o prisioneiro, “Trabalhei, em companhia de outros camponeses, para encontrar as ovelhas e trazê-las de volta. Eu fui em todos os
lugares em busca delas. ”
“Então por lá apareceram três cavaleiros negros, e o último disse para mim: ‘Onde você está indo? Você parece estar com problemas. ’ ”
“Eu lhe relatei meu infortúnio com meu rebanho. Ele me ordenou que tivesse força de espírito, e prometeu que seu mestre iria tomar conta e proteger o meu
rebanho, se eu confiasse somente nele. Ele me disse, também, que eu deveria encontrar minhas ovelhas desgarradas em breve, e prometeu ainda me dar
dinheiro. Concordamos em nos reunir novamente em quatro ou cinco dias. Pouco depois desta promessa encontrei todo meu rebanho reunido. ”
“No meu segundo encontro, soube do estranho que ele era um servo do diabo. Eu então reneguei a Deus e Nossa Senhora e a todos os Santos e moradores
do Paraíso. Eu renunciei ao cristianismo, e depois beijei sua mão esquerda, que era negra e gelada como a de um cadáver. Então eu caí de joelhos e jurei
minha lealdade a Satanás. Permaneci a serviço do diabo por dois anos e nunca entrei numa igreja antes do fim da missa, ou até que a água benta tivesse
sido aspergida, segundo o desejo de meu senhor, cujo nome mais tarde aprendi era Moyset. ”
“Todas as preocupações com o meu rebanho acabaram, pois, o diabo tinha se comprometido a protege-lo e a manter os lobos afastados. ”
“Esta liberdade de cuidados, no entanto, me fez começar a se cansar de servir ao diabo, e eu recomecei a frequentar a igreja, até que eu fui trazido de volta
à obediência do mal por Michel Verdung, então eu renovei meu pacto e entendi que eu deveria ser suprido com dinheiro. ”
“Num bosque perto de Chastel Charnon, nos encontramos com muitos outros que eu não conhecia; nós dançamos, e cada um tinha em sua mão um cone
verde com uma chama azul. Ainda sob a ilusão de que eu deveria obter dinheiro, Michel me persuadiu a se mover com maior rapidez, e para conseguir
fazer isso, em seguida eu me despi, ele me aplicou uma pomada, e eu acreditei então ter me transformado em um lobo. No começo eu fiquei um pouco
aterrorizado com meus quatro pés de lobo, meu corpo ficou coberto de pelo de uma só vez, mas eu descobri que podia viajar na velocidade do vento. Isso
não poderia ter acontecido sem a ajuda de nosso poderoso mestre, que estava presente durante nossa reunião, embora eu não o percebesse até que eu já
tivesse recuperado a minha forma humana. Michel fez o mesmo que eu. ”
“Quando já tínhamos ficado por uma ou duas horas nesta condição de metamorfose, Michel aplicou-nos a pomada novamente, e tão rápido quanto um
pensamento nós retomamos nossas formas humanas. A pomada nos foi dada por nossos mestres; a minha foi dada por Moyset, a de Michel por seu próprio
mestre, Guillemin. ”
Pierre declarou que não se sentia exausto depois de suas reuniões, embora o juiz investigasse particularmente se ele sentiu alguma exaustão após seu
esforço incomum, das quais as bruxas costumavam reclamarem. Na verdade, o esgotamento resultante de uma transformação de lobisomens era tão grande
que o licantropo ficava muitas vezes confinado à sua cama por dias, e dificilmente conseguia mover as mãos ou os pés, do mesmo jeito que os berserkir e
os ham rammir no Norte ficavam completamente prostrados depois da crise ter passado.
Em uma de suas corridas como lobisomens, Pierre atacou um menino de seis ou sete anos de idade, com os dentes, com a intenção de rasgar lhe e devorá-
lo, mas o garoto gritou tão alto que ele foi obrigado a bater em retirada de volta para suas roupas, e passou a pomada novamente, para recuperar sua forma
e escapar despercebido.
Ele e Michel, no entanto, um dia despedaçaram uma mulher enquanto ela estava colhendo ervilhas; e um homem chamado Monsieur de Chusnée, que veio
em seu socorro, acabou sendo atacado e morto por eles.
Em outra ocasião, eles atacaram uma menina de quatro anos de idade, e a devoraram, com exceção de um braço. Michel disse que a carne estava uma
delícia.
Outra garota foi estrangulada por eles, e seu sangue foi lambido. De uma terceira eles meramente comeram uma parte do estômago.
Num final de tarde quase anoitecendo, Pierre saltou sobre um muro de jardim, e encontrou uma pequena criada de nove anos, se ocupando de retirar as
ervas daninhas do jardim. Ela caiu de joelhos e suplicou a Pierre que a poupasse; mas ele a quebrou o pescoço, e deixou o cadáver, deitado entre suas
flores.
Nessa ocasião, ele não pareceu ter usado a forma de lobo. Ele depois atacou uma cabra que encontrou no campo de Pierre Lerugen, e a mordeu na garganta,
mas a matou com uma faca.
Michel se transformava em lobo com suas roupas, mas Pierre era obrigado a se despir, e a metamorfose não se realizava enquanto ele não estivesse
completamente nu.
Ele foi incapaz de explicar a maneira como o pelo desaparecia quando ele recuperava sua condição natural.
Os depoimentos dados por Pierre Bourgot foram confirmados por Michel Verdung, o que acabou garantindo que os dois terminassem sendo executados.
No final do outono de 1573, os camponeses na vizinhança de Dôle, in Franche Comté, foram autorizados pelo Tribunal do Parlamento em Dôle, a caçar os
lobisomens que infestavam o país.
A autorização era a seguinte:
“De acordo com o anúncio feito pelo Tribunal Soberano do Parlamento em Dôle, que nos territórios de Espagny, Salvange, Courchapon e vilas vizinhas,
onde tem sido muitas vezes visto e encontrado, há algum tempo, um lobisomem, que é dito, já raptou e levou várias crianças pequenas, de modo que elas
não foram mais vistas desde então, e como ele também atacou nos campos ferindo alguns cavaleiros, que o combateram com grande dificuldade e perigo
para as suas vidas: O referido Tribunal, desejando evitar qualquer perigo maior, permitiu, e permite, aqueles que estão habitando ou passando pelos lugares
referidos e outros, não obstante todos os decretos relativos a perseguição, se armarem com lanças, porretes, arcabuzes e varas, procurar e perseguir o dito
lobisomem em todos os lugares onde puderem encontra-lo ou prendê-lo; amarrar e matar, sem incorrer em quaisquer dores ou penalidades…”
Esta autorização foi emitida na reunião do referido Tribunal, no décimo terceiro dia do mês de setembro de 1573. “No entanto, já fazia algum tempo que o
loup-garou tinha sido apanhado. ”
Em um local remoto perto de Amanges, meio envolto em árvores, havia uma pequena habitação de construção mais rude; seu teto era de relva, e suas
paredes estavam manchadas de líquen. O jardim desta cabana estava cheio de lixo, e a cerca em volta dela quebrada. Como o casebre estava longe de
qualquer estrada, e só era alcançado por um caminho sobre terreno alagado e através da floresta, era raramente visitado, e o casal que vivia nele não era do
tipo que fazia muitos amigos.
O homem, Gilles Garnier, era um sujeito sombrio, feio, que caminhava curvado, tinha rosto e a pele pálidas, os olhos profundos sob um par de
sobrancelhas grosseiras e espessas, que se encontravam na testa, tudo isso já era o suficiente para repelir qualquer um. Gilles raramente falava, e quando o
fazia era no dialeto mais comum de seu país. Pela sua longa barba cinzenta e sua vida isolada o apelidaram de o Ermitão de St. Bonnot, embora ninguém
por um momento se quer atribuísse a ele qualquer santidade.
O eremita não era considerado suspeito, até o dia em que alguns dos camponeses de Chastenoy estavam retornando para casa de seu trabalho, através da
floresta, quando os gritos de uma criança e os latidos fortes de um lobo, atraíram sua atenção.
Então eles correram na direção de onde vinham os gritos, e encontraram uma menina se defendendo contra uma criatura monstruosa, que a atacava com
unhas e dentes, e já tinha conseguido feri-la severamente em cinco lugares.
À medida que os camponeses chegaram, a criatura fugiu de quatro para a penumbra do bosque; estava tão escuro que a criatura não pode ser identificada
com certeza, e enquanto alguns afirmavam que era um lobo, outros achavam que haviam reconhecido os traços do eremita.
Isso aconteceu no dia 8 de novembro.
No dia 14, um menino de dez anos desapareceu, ele tinha sido visto pela última vez perto dos portões de Dôle.
O Ermitão de St. Bonnot tinha sido preso e levado a julgamento em Dôle, quando a seguinte evidência foi extraída dele e de sua esposa, e substanciado
com muitos detalhes pelas testemunhas.
No último dia da Festa de São Miguel, sob a forma de lobo, a uma milha de Dôle, na fazenda de Gorge, um vinhedo pertencente a Chastenoy, perto do
bosque de La Serre, Gilles Garnier atacou uma menina de dez ou doze anos, e a matou com garras e dentes; ele então a arrastou para mata, a despiu, roeu a
carne de suas pernas e braços; desfrutou tanto a sua refeição e também inspirado pela afeição conjugal, que acabou levando um pouco da carne para sua
esposa Apolline em casa.
Oito dias depois da Festa de Todos os Santos, novamente na forma de lobisomem, ele raptou outra garota, perto da terra do prado de La Poupee, no
território de Athume e de Chastenoy, e já estava a ponto de matá-la e devorá-la, quando três pessoas apareceram, e ele foi forçado a fugir.
No décimo quarto dia depois da Festa de Todos os Santos, também como um lobisomem, ele atacou um menino de dez anos, a uma milha de Dôle, entre
Gredisans e Menoté, e o estrangulou. Nesta ocasião, ele comeu toda a carne de suas pernas e braços, e também devorou uma grande parte da barriga; uma
das pernas ele arrancou completamente do tronco com suas presas.
Na sexta feira antes da festa de São Bartolomeu, ele raptou um menino de doze ou treze anos, sob uma grande pereira perto do bosque da aldeia Perrouze, o
arrastou para o mato e o matou, com a intenção de comê-lo como ele tinha feito com as outras crianças, mas a aproximação de alguns homens o impediu de
cumprir seu plano. A criança estava, no entanto, completamente sem vida, e os homens que surgiram declararam que Gilles foi visto se parecendo com um
homem e não como um lobo.
O Ermitão de St. Bonnot foi condenado a ser arrastado até o local de execução pública, e ser queimado vivo no local, uma sentença que foi rigorosamente
cumprida.
Nesse caso, o pobre maníaco acreditava verdadeiramente que se transformava em lobo; ele parecia ser perfeitamente sensato em outros pontos, e tinha
plena consciência dos atos que tinha cometido.

Nós chegamos agora a uma circunstância extraordinária, que afetou toda uma família com a mesma forma de insanidade. Nossa informação é derivada do
Boguet's Discours de Sorciers, 1603-1610.
Pernette Gandillon era uma pobre garota em Jura, que em 1598 corria pelos quatro cantos, acreditando ser uma loba.
Um dia ela estava vagando pelos campos afetada por sua loucura de licantropa, quando encontrou duas crianças colhendo morangos silvestres. Cheia de
uma súbita paixão por sangue, ela voou para cima da menina e a teria derrubado, se não fosse por seu irmão, um garotinho de quatro anos, que a defendeu
com uma faca.
Pernette, no entanto, arrancou a arma de sua minúscula mão, o derrubou e cortou profundamente a sua garganta, então ele morreu por causa do ferimento.
Pernette não consegui escapar e foi feita em pedaços pelo povo irado com a horrível tragédia.
Pouco depois, Pierre, o irmão de Pernette Gandillon, foi acusado de bruxaria. Ele foi acusado de ter levado crianças ao sabbath para fazer rituais, e ter
percorrido pelos campos na forma de lobo.
A transformação era feita por meio de uma pomada que ele tinha recebido do diabo. Em certa ocasião Pierre assumiu a forma de uma lebre, mas
usualmente se transformava em lobo, e sua pele ficava coberta de pelos cinzas.
Ele reconheceu prontamente que as acusações feitas contra ele eram bem fundadas e admitiu que, durante os períodos de sua transformação, tivesse atacado
e devorado tanto animais como seres humanos. Quando desejava recuperar sua verdadeira forma, ele rolava na grama úmida de orvalho.
Seu filho Georges afirmou que ele também tinha sido ungido com a pomada, e tinha ido ao sabbath em forma de lobo. De acordo com seu próprio
testemunho, ele havia atacado duas cabras em uma de suas expedições. Numa noite de quinta-feira, Georges ficou por três horas deitado na cama num
estado cataléptico, e depois deste período ele saltou fora da cama. Durante este período ele havia estado na forma de lobo para o sabbath das bruxas.
Sua irmã Antoinnette confessou ter realizado rituais, e que tinha se vendido para o diabo, que já tinha aparecido para ela na forma de um bode negro. Ela
também já tinha participado do sabbath em várias ocasiões.
Pierre e Georges se comportavam como maníacos na prisão, corriam de quatro por toda cela e ficavam uivando tristemente. Seus rostos, braços e pernas
estavam terrivelmente marcados com as feridas que haviam recebido de cães quando eles haviam estado em suas incursões. Boguet explica que eles não
conseguiam se transformar na cela, pelo fato de não terem a pomada com eles.
Todos os três, Pierre, Georges e Antoinnette, foram enforcados e queimados.
Thievenne Paget, era uma bruxa com as mais inconfundíveis características, que frequentemente se transformava em lobismulher, de acordo com sua
própria confissão, ela tinha estado muitas vezes acompanhada pelo diabo em morros e vales, matando gado, atacando e devorando crianças.
A mesma coisa pode ser dita de Clauda Isan Prost, uma mulher manca, Clauda Isan Guillaume, e Isan Roquet, tinham realizado o assassinato de cinco
crianças.
No dia 14 de dezembro, no mesmo ano da execução da família Gandillon (1598), um alfaiate de Châlons foi condenado às chamas pelo Parlamento de
Paris por licantropia. Este homem miserável atraía crianças para sua loja, ou as atacava durante o crepúsculo quando elas estavam perdidas pela floresta, ele
as rasgava com os dentes, e então as matava, em seguida parece que calmamente cozinhava sua carne como comida comum, e a comia com grande prazer.
O número de vidas dos pequenos inocentes que ele destruiu é desconhecido. Um barril todo cheio de ossos de crianças foi descoberto em sua casa. O
homem era perfeitamente lúcido, e os detalhes de seu julgamento estavam tão cheios de horrores e abominações de todos os tipos, que os juízes ordenaram
que os documentos fossem queimados.
Novamente em 1598, um ano memorável nos anais da licantropia, um julgamento aconteceu em Angers, cujos detalhes são bastante terríveis.
Em um local selvagem e pouco frequentado perto de Caude, alguns camponeses encontraram o cadáver de um garoto de quinze anos, horrivelmente
mutilado e todo ensanguentado. À medida que os homens se aproximaram, os dois lobos, que estavam rasgando o corpo, fugiram mata adentro. Os homens
saíram em perseguição imediatamente, seguindo os rastros sangrentos até que finalmente os perderam; quando de repente andando agachado entre os
arbustos, batendo os dentes de medo, eles encontraram um homem seminu, de barba e cabelo compridos e com as mãos tingidas de sangue. Suas unhas
eram longas como garras, e estavam cheias de sangue fresco coagulando, e retalhos de carne humana.
Este é um dos casos mais intrigantes e peculiares que tivemos notícias.
O nome do infeliz era Roulet, e por vontade própria ele confessou que atacara o rapaz e o matara sufocado, e que ele tinha sido impedido de devorar o
corpo completamente pela chegada dos homens ao local.
Roulet provou em investigação ser um mendigo que pedia de casa em casa, no mais hediondo estado de pobreza. Seus companheiros em mendicância eram
seu irmão John e seu primo Julien. Ele tinha ganhado abrigo por caridade em uma aldeia vizinha, mas antes de ser capturado ele tinha se ausentado por oito
dias.
Diante dos juízes, Roulet reconheceu que era capaz de transformar se num lobo por meio de uma pomada que seus pais lhe deram.
Quando questionado sobre os dois lobos que tinham sido vistos deixando o cadáver, ele disse que sabia perfeitamente quem eram, pois eram seus
companheiros, Jean e Julian, que possuíam o mesmo segredo que ele. Foi mostrado a ele as roupas que ele estava usando no dia em que foi capturado, e ele
as reconheceu de imediato; ele descreveu o menino que ele tinha assassinado, deu a data corretamente, indicou o ponto exato onde a ação tinha ocorrido, e
reconheceu o pai do menino como o homem que chegou correndo primeiro quando os gritos do rapaz foram ouvidos.
Na prisão, Roulet se comportava como um idiota. Quando foi preso, sua barriga estava distendida e dura; uma noite na prisão ele bebeu um balde inteiro
d’água, e daquele momento em diante se recusou a comer ou beber.
Seus pais, no inquérito, provaram ser pessoas respeitáveis e piedosas, e ainda provaram que seu irmão John e seu primo Julien estavam ocupados bem
distantes do ocorrido no dia da prisão de Roulet.
“Qual é o seu nome, e qual é a sua situação? ” Perguntou o juiz, Pierre Hérault.
“Meu nome é Jacques Roulet, minha idade é trinta e cinco anos; eu sou um pobre mendigo. ”
“Quais são suas acusações? ”
“De ser ladrão e de ter ofendido Deus. ”
“Não sou ladrão; porém, eu matei e comi a criança Cornier quando eu estava como um lobo. ”
“Meus pais me deram um unguento; eu não sei a sua composição. ”
“Quando você aplica este unguento você se transforma num lobo? ”
“Você estava vestido como um lobo? ”
“Eu estava vestido como estou agora. E tinha sangue nas mãos e no rosto, porque eu estava comendo a carne da criança. ”
“As suas mãos e pés se transformam em patas de lobo? ”
“Sim, elas se transformam. ”
“A sua cabeça se torna como a cabeça de um lobo e a sua boca fica maior? ”
“Eu não sei como a minha cabeça estava na hora; eu usei meus dentes; minha cabeça estava como ela é hoje. Eu já machuquei e comi muitas outras
criancinhas; eu também já estive no sabbath. ”
O tenente criminal sentenciou Roulet a morte. Ele, contudo, apelou para o Parlamento em Paris; e eles decidiram que ele era apenas um pobre idiota e não
um feiticeiro maligno, sua sentença de morte foi comutada para dois anos de reclusão em um hospício (Saint Germain des Prés), para que ele fosse
instruído com palavra de Deus, a qual ele havia esquecido durante sua pobreza extrema.
JEAN GRENIER

Numa bela manhã de primavera, algumas garotas da vila cuidavam de suas ovelhas nas dunas de areia que ficavam entre o mar e uma a vasta floresta de
pinheiros que cobria uma grande porção do território de Landes no sul da França.
O céu claro, o ar puro soprando suave no azul do Golfo de Biscaia, o som do vento, que tocava uma música rica entre os pinheiros que se erguiam como
uma onda verde erguida ao Leste.
A beleza dos montes de areia salpicados com cistus dourados, ou remendados com gencianas azuis, e grama baixa crescendo. O encanto das bordas da
floresta, matizado de várias formas com a folhagem de carvalhos, pinheiros e acácias todas floridas, uma pilha de flores rosas ou brancas, todas
conspiravam para encher as moças camponesas de alegria, e para fazer suas vozes se levantarem em músicas e risos, alegremente sobre os morros e através
das avenidas escuras de árvores sempre verdes.
Quando uma linda borboleta estava atraindo suas atenções, uma revoada de codornas apareceu de repente acima da grama.
“Ah! ” Exclamou Jacquiline Auzun, “se eu estivesse com meu bastão ou um pedaço de pau, eu poderia acertar algumas codornas, e nós teríamos um ótimo
jantar. ”
“Mas eu preferia que elas pudessem voar cozidas direto para nossas bocas, como elas voam por todo lado! ” Disse outra garota.
“Você tem alguma roupa nova para a festa de S. Jean? ” Perguntou uma terceira; “minha mãe estava querendo comprar para mim um bonito chapéu com
laço dourado. ”
“Annette, você vai virar completamente a cabeça de Etienne! ” Disse Jeanne Gaboriant. “Mas qual será o problema com aquela ovelha? ”
Ela perguntou porque a ovelha tinha ficado parada silenciosa atrás dela, ao chegar perto de uma pequena depressão na duna, e depois saiu depressa como se
tivesse ficado assustada com alguma coisa. Ao mesmo tempo um dos cães começou a rosnar e mostrar seus dentes. As garotas correram para o local e
viram uma pequena vala no chão, na qual, havia um menino de treze anos sentado em um tronco de pinheiro. A aparência do rapaz era peculiar. Seu cabelo
era de um castanho avermelhado e grosso, caindo sobre seus ombros e cobrindo completamente sua testa estreita. Seus pequenos olhos cinza-claros
cintilavam com uma expressão de horrível ferocidade e astúcia, e seu rosto apresentava grandes olheiras. A pele era de cor verde oliva escura; os dentes
eram fortes e brancos, e os dentes caninos saíam para fora sobre o lábio inferior quando a boca estava fechada. As mãos do menino eram grandes e fortes,
com unhas negras que pareciam garras de pássaros. Ele estava malvestido, e parecia estar na mais completa miséria. As poucas peças de vestuário que ele
usava estavam em frangalhos, e através dos rasgos, a magreza de seus membros era claramente visível.
As garotas ficaram a sua volta, meio assustadas e muito surpresas, mas o garoto não mostrou nenhum sinal de espanto. Seu rosto relaxou em um sorriso
horrendo, que mostrou toda a gama de suas presas brancas brilhantes.
“Bem, minhas donzelas, ” disse ele com uma voz grossa, “qual de vocês é a mais bonita, eu gostaria de saber; vocês podem decidir entre vocês? ”
“Para que você quer saber? ” Perguntou Jeanne Gaboriant, a mais velha das garotas, com apenas dezoito anos, que tomou a liberdade de falar por todas.
“Porque me casarei com a mais bonita, ” foi a resposta.
“Ah! ” Disse Jeanne de brincadeira; “isto é só ela quiser você, o que é meio difícil, já que nenhuma de nós conhece você ou sabe alguma coisa a seu
respeito. ”
“Eu sou o filho de um sacerdote, ” respondeu o rapaz secamente.
“É por isso que você parece tão sujo e escuro? ”
“Não, eu tenho a cor escura, porque as vezes eu uso uma pele de lobo. ”
“Uma pele de lobo! ” Responderam todas em eco; “e quem deu para você? ”
“Um homem chamado Pierre Labourant. ”
“Não existe nenhum homem com este nome aqui pelas redondezas. Onde ele mora? ”
O estranho garoto soltou uma explosão de gargalhadas satânicas misturadas com uivos.
As garotas pequenas se afastaram, e a mais jovem se refugiou atrás de Jeanne.
“Você quer conhecer Pierre Labourant, moça? Sabe, ele é um homem que tem uma corrente de ferro no pescoço, a qual fica sempre roendo. Você também
quer saber onde ele mora, moça? Ah, é em um lugar cheio de sofrimento e de fogo, onde há muitos companheiros, alguns sentados em cadeiras de ferro,
queimando, queimando; outros deitados em camas ardendo em chamas. Alguns jogam homens sobre brasas ardentes, outros assam homens em labaredas de
chamas, outros são mergulhados em caldeirões de fogo líquido. ”
As meninas tremiam e se olhavam com rostos assustados, e então olhavam novamente para o ser hediondo agachado diante delas.
“Você quer saber sobre a capa de pele de lobo? ” Ele continuou. “Foi Pierre Labourant que me deu; ele me encobriu com ela, e toda segunda, sexta e
domingo, e por cerca de uma hora ao anoitecer a cada dois dias, eu sou um lobo, um lobisomem. Eu já matei cães e bebi seu sangue; mas garotinhas têm o
gosto melhor, sua carne é mais suave e doce, seu sangue é rico e quente. Eu já devorei muitas donzelas, eu costumo fazer minhas incursões para atacar
junto com meus nove companheiros. Eu sou um lobisomem! Ah, se o Sol se pusesse logo eu poderia atacar e devorar uma de vocês! ” Mais uma vez ele
explodiu em uma de suas crises assustadoras de gargalhadas, e as meninas incapazes de suportar o medo por mais tempo, fugiram em disparada.
Perto da vila de S. Antoine de Pizon, uma pequena garota chamada Marguerite Poirier, de treze anos de idade, tinha o hábito de cuidar de suas ovelhas, em
companhia de um garoto da mesma idade, que se chamava Jean Grenier. Ele era o mesmo garoto estranho com quem Jeanne Gaboriant tinha conversado
perto da praia.
A pequena garota se queixava frequentemente a seus pais sobre a conduta do garoto: ela dizia que ele a assustava com suas histórias horríveis; mas seu pai
e sua mãe davam pouca importância a suas queixas, até que um dia ela voltou para casa antes de seu horário habitual tão apavorada, que tinha até
abandonado seu rebanho. Desta vez seus pais levaram o assunto a sério e foram investigar.
A história dela era a seguinte:
Jean costumava dizer para Marguerite, que ele tinha se vendido ao diabo, e que tinha adquirido o poder de percorrer pelos campos após o anoitecer, e
algumas vezes em plena luz do dia, na forma de um lobo. Ele assegurou a ela que já tinha matado e devorado muitos cães, mas que tinha achado a carne
deles menos gostosa que das garotinhas, e que considerava a carne delas uma delícia suprema. Ele disse que já tinha provando este sabor por várias vezes,
mas ele tinha detalhado duas ocasiões: uma vez foi quando ele comeu o máximo que conseguiu, e jogou o resto para um lobo, que tinha aparecido enquanto
comia. Na outra ocasião ele tinha mordido até a morte uma menininha, tinha lambido o seu sangue, e como estava com muita fome, tinha devorado cada
pedaço dela, deixando sobrar apenas os braços e os ombros.
A criança em seguida contou a seus pais, porque tinha voltado para casa aterrorizada.
Ela disse que estava pastoreando as suas ovelhas como sempre, mas Grenier não estava presente. De repente ela começou a ouvir um sussurro nos arbustos,
quando ela olhou em volta, uma fera selvagem saltou sobre ela e rasgou suas roupas do lado esquerdo com suas presas afiadas. Ela conseguiu se defender
lutando com seu cajado de pastor, e também o acertou na criatura conseguindo afasta la. A criatura então recuou alguns passos, e se sentou em suas patas
traseiras como um cachorro, e a encarou com um olhar de ódio tão grande, que ela fugiu correndo de pavor. Ela descreveu que o animal lembrava um lobo,
mas era mais curto e encorpado; seu pelo era vermelho, seu rabo era cotó, e a cabeça era menor do que a de um lobo normal.
A declaração da criança deixou chocada toda paróquia. Pois todos sabiam que várias garotas pequenas tinham desaparecido recentemente sem deixar
pistas, e os pais destas crianças estavam na maior agonia, temendo que seus filhos tivessem se tornado presas deste garoto desgraçado que fora acusado por
Marguerite Poirier. Diante destes novos fatos os casos foram retomados pelas autoridades e levados perante o Parlamento de Bordeaux.
A investigação que se seguiu foi a mais completa que se podia desejar. Jean Grenier era o filho de um pobre trabalhador na vila de S. Antoine do Pizon, e
não o filho de um sacerdote, como ele havia dito. Ele tinha saído de casa três meses antes de sua prisão, e tinha tido vários patrões fazendo trabalhos
diversos, ou ficava vagando pelos campos mendigando. Ele tinha sido contratado várias vezes para pastorear os rebanhos que pertenciam a alguns
fazendeiros, e acabava frequentemente demitido por ser negligente com as tarefas.
O rapaz não demonstrou resistência em contar tudo o que sabia sobre si mesmo, e suas declarações foram examinadas uma por uma, e muitas vezes se
comprovaram estar corretas.
A história que ele relatou sobre si mesmo perante o tribunal foi a seguinte:
“Quando eu tinha dez ou onze anos, meu vizinho, Duthillaire, me apresentou, nas profundezas da floresta ao Lorde da Floresta, um homem preto, que me
marcou com sua unha, e deu para mim e para Duthillaire uma pomada e uma pele de lobo. Desde então eu tenho percorrido pelos campos como um lobo. ”
“O ataque a Marguerite Poirier foi verdadeiro. Minha intenção era de tê-la matado e a devorado, mas ela conseguiu me afastar com seu cajado. Na
realidade, desta vez eu só consegui matar um cachorro branco, mas não bebi o seu sangue. ”
Quando questionado sobre a criança, que ele disse ter matado e comido como um lobo, ele contou que tinha entrado em uma casa vazia no caminho entre
S. Coutras e S. Anlaye, numa pequena vila, a qual ele não se lembrava do nome, e encontrou uma criança adormecida em seu berço; como ninguém estava
dentro para o impedir, tirou o bebê fora de seu berço, levou o para o jardim, saltou a cerca, e o devorou até saciar a sua fome. O que sobrou ele deu para um
lobo.
Na vizinhança de S. Antoine do Pizon ele atacou uma garotinha, que estava pastoreando ovelhas. Ela usava um vestido preto; ele não sabia o seu nome. Ele
a dilacerou com unhas e dentes, e a comeu. Seis semanas antes de ser capturado e tinha atacado outra criança, perto da ponte de pedra, na mesma
vizinhança.
Em Eparon e atacou um cão de um certo Monsieur Millon, e teria matado o animal, se o dono não tivesse saído para fora com seu espadim na mão.
Jean disse que estava com a pele de lobo em sua posse, e que saia caçando crianças, sob o comando de seu mestre, o Lorde da Floresta. Antes de se
transformar, ele espalhava em si mesmo a pomada que preservava em um pote pequeno, e escondia suas roupas no mato.
Ele costumava trilhar seus caminhos por uma ou duas horas durante o dia, isto quando a lua estava em declínio, mas com muita frequência ele fazia suas
expedições a noite. Em uma ocasião ele foi acompanhado de Duthillaire, mas eles não mataram ninguém.
Ele acusou seu pai de o ter ajudado, e de possuir uma pele de lobo; ele também o acusou de tê-lo acompanhado em uma ocasião, quando ele atacou e matou
uma garota na vila de Grilland, que estava cuidando de um bando de gansos.
Ele disse que sua madrasta estava separada de seu pai. Ele acreditava que a razão era seria, porque ela o vira vomitar as patas de um cachorro e os dedos de
uma criança. Ele acrescentou que o Lorde da Floresta tinha proibido ele rigorosamente de roer a unha do polegar da sua mão esquerda, este polegar tinha a
unha mais grossa e mais longa que as outras, e o advertiu para nunca a perder de vista, principalmente quando ele estivesse disfarçado de lobisomem.
Duthillaire foi preso, e o próprio pai de Jean Grenier pediu para prestar depoimentos.
O depoimento dado pelo pai e a madrasta de Jean coincidia em muitos detalhes com as declarações feitas por seu filho.
Os locais onde Grenier declarou ter atacado as crianças foram identificados, e as datas em que ele disse que as ações tinham ocorrido realmente batiam com
as datas relatadas pelos pais dos pequenos desaparecidos.
Os ferimentos que Jean afirmou ter causado, e a maneira como tinha feito, coincidia com a descrição que foi dada pelas crianças que ele tinha atacado.
Ele foi confrontado com Marguerite Poirier, e ele a identificou dentre outras cinco garotas, apontando os cortes ainda abertos no corpo dela, e afirmou que
tinha feito os ferimentos nela com seus dentes, quando a atacou em forma de lobo, e ela havia batido nele com um cajado.
Ele também descreveu um ataque que tinha feito a um garotinho o qual teria matado, se não fosse por um homem que apareceu para o resgatar, e gritou,
“Eu vou te pegar agora. ”
O homem que salvou a criança foi encontrado, e se comprovou ser o tio da criança salva, ele confirmou o depoimento de Grenier, e que tinha gritado as
mesmas palavras mencionadas antes.
Quando Jean foi confrontado com seu pai, ele começou a vacilar em sua história, e a mudar suas declarações.
O julgamento foi longo, e foi visto que o fraco intelecto do menino estava desgastado, então o caso foi adiado. Quando Grenier voltou para o julgamento já
mais velho, Jean contou a sua história como da primeira vez, sem nenhuma mudança importante.
O fato de Jean Grenier ter matado e devorado várias crianças, e de também ter atacado e ferido outras, com a intenção de tirar suas vidas, foi claramente
estabelecido; mas não havia nenhuma prova de que o pai tivesse tido a menor participação em qualquer dos assassinatos, de modo que ele foi absolvido
pelo tribunal sem nenhuma sombra de culpa sobre ele.
A única testemunha que corroborou a afirmação de Jean podia se transformar em lobo foi Marguerite Poirier.
Antes do tribunal dar o veredito do julgamento, o primeiro presidente penal, deu um eloquente discurso, deixando de lado todas as questões de bruxaria,
pacto com demônio e transformação bestial, e corajosamente, declarou que o tribunal tinha apenas de considerar a idade e a imbecilidade da criança, que
era tão estúpido e idiota, que uma criança de sete ou oito anos normalmente seria muito mais racional do que ele. O presidente seguiu dizendo que
Licantropia e Kuantropia eram meras alucinações, e que a mudança de forma existia somente numa mente desorganizada e insana, consequentemente não
era um crime que pudesse ser punido. A tenra idade do menino devia ser levada em consideração, junto com a absoluta negligência de sua educação e
desenvolvimento moral.
O tribunal condenou Grenier à prisão perpétua dentro dos muros de um mosteiro em Bordeaux, onde ele deveria ser instruído em suas obrigações cristãs e
morais; mas qualquer tentativa de fuga seria punida com a morte.
Que prazerosa companhia para os monges! Um pupilo promissor para eles doutrinarem! Tão logo Grenier foi admitido nos recintos da casa religiosa, ele
saiu freneticamente correndo de quatro pelos jardins de sua nova prisão, e encontrando um monte de tripas sangrentas e cruas, ele se atirou sobre elas e as
devorou vorazmente.
Delancre o visitou sete anos depois, e achou que sua estatura havia diminuído, estava muito tímido, e não conseguia olhar ninguém no rosto. Seus olhos
estavam profundos e inquietos; seus dentes estavam compridos e protuberantes; suas unhas pretas e desgastadas em alguns lugares; sua mente estava
completamente estéril; ele parecia não compreender as coisas mais simples.
Jean Grenier relatou sua história para Delancre, e contou lhe sobre como ele corria antes pelos bosques na forma de lobo, disse que ainda sentia o desejo de
comer carne crua, especialmente de garotinhas, que ele dizia serem deliciosas, e acrescentou que se não fosse por seu confinamento ele não demoraria
muito para experimentar aquela carne novamente.
Ele disse que o Lorde da Floresta já o tinha visitado duas vezes na prisão, mas que o tinha expulsado com o sinal da cruz.
O relato dos seus assassinatos coincidia exatamente com o que havia sido apurado em seu julgamento; e além disso a história do pacto que ele havia feito
com “The Black One” (O Preto, O Lorde da Floresta), a maneira de como realizava sua transformação, coincidiam completamente com outras histórias
anteriores
Jean Grenier morreu aos vinte anos de idade, após ter ficado aprisionado por sete anos, um pouco depois que Delancre o visitou. [1. DELANCRE: Tableau
de l'Iinconstance, p 305. ]
Nos casos de Roulet e de Grenier os tribunais julgaram toda a questão da Licantropia, ou da transformação em animal, como tendo a sua origem verdadeira
e legítima, em uma aberração do cérebro. A partir deste momento, os homens da medicina começaram a considerar estes casos, como uma forma de doença
mental que precisava de seus tratamentos, e não um crime a ser punido pela lei.
“É muito estranho saber que ainda existem pessoas no mundo que estão cheias de um desejo mórbido por carne humana, e que este desejo doentio as
impelem a cometerem as mais horríveis atrocidades, caso escapem da vigilância dos seus guardas ou quebrem as barras que os prendem nos hospícios. ”
(Sabine Baring-Gould, 1865)
Será que todas estas pessoas estão realmente identificadas e presas ou sendo tratadas nos dias de hoje?
O número de desaparecidos de forma misteriosa pelo mundo, no começo do século XXI, aumenta ainda mais esta dúvida.
FOLCLORE DOS LOBISOMENS

O folclore inglês é pobre de histórias sobre lobisomens, a razão disto é que os lobos da Inglaterra foram exterminados pelos reis anglo saxões, e por isso
deixaram de ser objeto de terror para o povo. A crença tradicional nos lobisomens, contudo permaneceu forte na mente popular por muito tempo, até quase
desaparecer no século XIX, continuando apenas em músicas e romances.
Nas mentes populares o gato ou a lebre tomaram lugar dos lobos nas transformações feitas pelas bruxas, e nós ouvimos frequentemente que as bruxas vão
ao Sabbath do diabo usando estas formas.
Em Devonshire elas transformavam os mouros em cachorros preto, eu conheço uma história de duas dessas criaturas aparecendo em uma pousada e
bebendo cidra toda a noite, até que o balconista do bar jogou um botão de prata sobre suas cabeças, então elas se transformaram instantaneamente em duas
velhas senhoras pobres que eram suas conhecidas.
Em Heathfield, perto de Tavistock, existe a história de um caçador que cavalgava a luz da Lua cheia junto com seus cães de caça, e a lebre branca que eles
estavam perseguindo acabou escapando e sendo salva por um herói que voltava do mercado, esta lebre depois de resgatada se transformou numa linda
jovem.
Existiram casos de canibalismo na Escócia, mas nenhuma transformação bestial é relatada neles.
Boethius em sua história da Escócia, nos conta de um ladrão e sua filha que devoravam crianças, e Lindsay de Pitscottie nos conta toda a história.
“Por volta do ano de 1460 havia um bandido que praticava os crimes junto de sua família, aterrorizando todo o povo na região de Angus. Este homem
hediondo gostava de raptar jovens e crianças quando tinha a chance de agir sem ser visto, e em seguida os devorava, e quanto mais novos eles eram, mais
ele dava preferência, por achar que suas carnes eram mais gostosas e macias.
Por causa de seus crimes hediondos, abusos e danos causados, ele a esposa e seus filhos foram todos queimados, exceto pela filha menor de apenas um ano
de idade que foi poupada e levada para Dandee, onde ela cresceu e foi educada; e quando ela atingiu a idade adulta, foi condenada rapidamente e queimada
pelos crimes dos pais…” [1. LINDSAY em Chronicles of Scotland, 1814, p. 163. ]
Wyntoun tem uma passagem em sua crônica métrica sobre um canibal que viveu pouco antes de seu próprio tempo, a qual ele pode facilmente ter ouvido
falar pelos contemporâneos sobreviventes. Foi por volta do ano 1340, quando uma grande parte da Escócia tinha sido devastada pelas mãos de Edward III e
a fome se espalhou pelo país.
Em certa passagem de sua crônica métrica Wyntoun conta sobre um açougueiro de Perth, este homem fazia armadilhas para matar mulheres e crianças, e
depois os comia até se fartar. [1. WYNTOUN em Chronicle, II. 236.]
Acreditava-se que o nome dele era Chwten Cleek, aparentemente ele conseguiu escapar e mudar seu nome.
Basta comparar esses dois casos com os registrados em outros dois capítulos anteriores, que podemos ver de imediato como a mente popular na Grã-
Bretanha havia perdido a idéia de conectar a mudança de forma bestial com o canibalismo. Um homem culpado dos crimes cometidos pelo Bandido de
Angus, ou Chwsten Cleek de Perth, teria sido considerado um lobisomem na França ou na Alemanha, e teria sido julgado por Licantropia.
S. Jerônimo, por sinal, trouxe uma acusação abrangente contra os escoceses. Ele visitou a Gália em sua juventude, por volta de 880, e escreveu:
“Quando eu era um jovem na Gália, posso ter visto os Attacotti, um povo britânico que vivia da carne humana; e que quando encontravam rebanhos de
porcos, gado ou ovelhas na floresta, eles cortavam fora os quadris dos pastores e os seios das suas mulheres, pois eles consideravam estas partes como
iguarias finas; ” em outras palavras os Attacotti preferiam matar e comer os pastores do que seus rebanhos.
Gibbon cita esta passagem que diz: “Existe na vizinhança da cidade de Glasgow, uma raça de canibais, podemos contemplar, no período da história
escocesa, os extremos opostos da vida selvagem e civilizada. Essas reflexões tendem a ampliar o horizonte de nossas ideias, e encoraja uma esperança
agradável que a Nova Zelândia pode produzir em um tempo futuro, pessoas muito civilizadas no Hemisfério Sul. ”
Hoje no século XXI, sabemos que esta previsão foi realizada

Se as histórias de lobisomens são escassas na Inglaterra, basta cruzarmos as águas do mar para que elas se tornem abundantes.
No sul da França, ainda se acredita que o destino escolhe certos homens para serem licantropo, ou seja, aqueles que irão se transformar em lobos na lua
cheia.
O desejo de correr os domina toda noite. Eles saem de suas camas, pulam para fora pela janela e mergulham em uma fonte. Depois deste banho, eles saem
cobertos de pelo denso, andando sobre quatro patas e partem em disparada pelos campos e prados, através de bosques e aldeias, mordendo todos os animais
e seres humanos que cruzarem por seu caminho. Com o amanhecer se aproximando, eles retornam para fonte, mergulham nela, perdem seu pelo denso e
voltam para suas camas desertas.
No Condado de Périgord, o lobisomem é chamado de louléerou. Certos homens, especialmente os bastardos, são obrigados a cada lua cheia a se
transformarem nestas bestas diabólicas.
É sempre à noite que se transformam. O licantropo sai fora pela janela, salta em um poço, e depois de ter se contorcido na água por alguns momentos, se
levanta do poço gotejando e vestido com a pele que o diabo lhe deu. Nesta condição o louléerou anda de quatro, e passa a noite correndo pelos campos,
mordendo e devorando todos os cães que encontra. Ao raiar do dia eles abandonam de lado suas peles e voltam para casa. Muitas vezes eles ficam doentes
em consequência de terem comido a carne dura de velhos cães e acabam vomitando as suas patas não digeridas.
Uma grande maldição para eles é o fato de que eles podem ser feridos ou mortos em seu estado de louléerou. Quando o seu sangue jorra com o primeiro de
seus ferimentos, a sua pelagem diabólica desaparece, e eles acabam sendo reconhecidos, para a desgraça de suas famílias.
Um lobisomem pode ser facilmente detectado, mesmo quando desprovido de sua pele; porque suas mãos são largas, e seus dedos curtos, e há sempre
alguns pelos na palma de sua mão.
Na Normandia, aqueles que são amaldiçoados por serem loups-garoux, se vestem todas as noites com uma pele chamada hère ou hure, que foi recebida
pelo diabo. Quando eles correm em seu estado transformado. O Ser do Mal os acompanha e os machuca toda vez que passam perto de uma cruz. A única
maneira pela qual um lobisomem pode ser liberado dessa cruel escravidão, é dando três punhaladas na própria testa. No entanto, algumas pessoas menos
dedicadas a um tratamento alopático, consideram que três gotas de sangue extraídas por uma agulha, serão suficientes para obter a liberação.
De acordo com a opinião dos plebeus de algumas províncias, o loup garou às vezes é uma metamorfose forçada sobre o corpo de uma pessoa amaldiçoada,
que, depois de ter sido atormentado em seu túmulo, abriu caminho rasgando tudo para conseguir sair fora dele. A primeira etapa do processo consiste em
devorar o tecido que envolvia seu rosto; então seus gemidos e uivos abafados começam a ser ouvidos fora do túmulo, durante a escuridão da noite, a terra
da sepultura começa a ceder, e finalmente, com um grito, cercado por um brilho fosforescente, e exalando um odor fétido, ele explode para fora como um
lobo.
Em Le Bessin, eles atribuem aos feiticeiros o poder de metamorfosear certos homens em animais, mas a forma principal que enfeitiçam é a de cachorro.
Na Noruega se acreditava que existiam pessoas que podiam assumir a forma de lobo ou urso (Huse-björn), e depois voltarem a sua forma humana
novamente; este poder é transmitido a eles pelos Trolls, ou aqueles que a possuem são eles mesmos os Trolls.
Em uma aldeia no meio de uma floresta, morava um fazendeiro chamado Lasse, e sua esposa. Um dia ele saiu na floresta para cortar uma árvore, mas tinha
esquecido de fazer o sinal da cruz e rezar o pai nosso, de modo que algum troll ou bruxo lobo (varga mor) jogou sobre ele um feitiço e o transformou em
lobo. Sua esposa chorou por ele durante muitos anos, então em uma véspera de Natal, apareceu uma mendiga, muito pobre e esfarrapada, à sua porta, e a
boa mulher da casa a acolheu, a alimentou bem e foi muito amável com ela. Na sua partida, a mendiga disse que a boa mulher provavelmente veria o
marido de novo, já que ele não estava morto, mas continuava vagando pela floresta como um lobo.
Quase anoitecendo, a mulher foi à sua despensa para guardar nele um pedaço de carne para o dia seguinte, quando de repente ao se virar para sair, percebeu
um lobo de pé diante dela, se erguendo com as patas nos degraus da despensa e olhando para ela com uma aparência de tristeza e fome. Vendo isto, ela
exclamou: “Se eu tivesse certeza de que você é meu próprio Lasse, eu lhe daria um pouco de carne. ” Nesse instante a pele de lobo caiu, revelando seu
marido diante dela com as mesmas roupas que usava na triste manhã quando ela o viu pela última vez.
Finlandeses, lapões e russos não eram vistos com bons olhos pelos suecos, porque eles acreditavam que eles tinham o poder de transformar pessoas em
bestas selvagens. Durante o último ano da guerra contra a Rússia, quando Kalmar foi invadida por um número incomum de lobos, era dito geralmente que
os russos tinham transformado seus prisioneiros suecos em lobos, e os mandavam de volta para casa, assim invadindo o país de certa forma.
Na Dinamarca são contadas as seguintes histórias:
Um homem, que desde a sua infância se transformava em lobisomem, ao regressar uma noite com a sua esposa de uma festa, percebeu que estava quase na
hora em que sua transformação maligna acontecia; assim então ele deu as rédeas para sua esposa, e desceu da carroça lhe dizendo: “Se alguma coisa vier te
agredir, é só contra-atacar com o seu avental. ” Ele então se retirou, mas pouco depois, enquanto a mulher estava sentada na carroça, ela foi atacada por um
lobisomem. Ela fez como o marido tinha lhe ordenado, e o golpeou com seu avental, o lobisomem arrancou um pedaço do avental com uma mordida e
fugiu correndo. Após algum tempo o seu marido voltou, segurando na boca a um retalho do avental de sua esposa. Ela vendo aquilo deu um grito de terror:
“Meu Deus! Como assim marido, você é um lobisomem? ” “Obrigado, esposa, ” disse ele, “agora eu estou livre. ” E desde então sua maldição estava
terminada.
Se uma mulher à meia noite esticar entre quatro varas a placenta que envolve um potro quando ele nasce, e passar por baixo dela nua, ela dará à luz a filhos
sem dor; mas todos os filhos serão lobisomens e todas as filhas serão maras (um tipo de lobismulher que causa pesadelos em homens).
De dia o lobisomem fica na forma humana, embora ele possa ser reconhecido pelas sobrancelhas que se unem acima do nariz. Em um determinado
momento da noite ele assume a forma de um cão de três pernas. E somente quando outra pessoa lhe diz que ele é um lobisomem ou o repreende por isso, é
que ele consegue se libertar da maldição.
De acordo com uma canção popular dinamarquesa, um herói é transformado por sua madrasta em um urso, e luta com um cavaleiro:

Pois foi ela quem me enfeitiçou,


Uma mulher falsa e cruel,
Amarrou um cinto de ferro ao meu redor,
Se não puderes quebrar este cinto,
Cavaleiro, eu te destruirei!

O nobre fez o sinal da cruz,


O cinto quebrou, o urso se transformou,
E veja! Ele é um forte cavaleiro,
E o reino de seu pai recuperou.
Kjaempeviser, p. 147.

Quando um urso velho em Ofodens Priestegjeld foi morto, depois de ter causado a morte de seis homens e de sessenta cavalos, um cinto similar também
foi encontrado preso a ele.
Em Schleswig e Holstein, dizem que se o lobisomem for chamado pessoalmente três vezes pelo seu nome de batismo, ele retoma sua forma humana.
Num dia quente de colheita quando alguns ceifadores tiravam um cochilo, um deles que não conseguia dormir, observou que o sujeito próximo a ele se
levantou suavemente, colocou um cinto e se tornou um lobisomem.
Um jovem de Jägerup que voltava tarde da noite de Billund foi atacado, perto de Jägerup, por três lobisomens, e provavelmente teria sido feito em pedaços,
se ele não tivesse corrido para dentro de um campo de centeio se salvando, pois isto fez com que os lobisomens perdessem seu rastro de odor, devido ao
forte cheiro da plantação.
Em Caseburg, na ilha de Usedom, um homem e sua esposa estavam ocupados no campo fazendo feno, quando, depois de algum tempo, a mulher disse ao
homem que não tinha mais paz, não podia mais ficar e partiu. Mas ela havia feito previamente seu marido prometer, que se por acaso uma besta selvagem
cruzasse seu caminho, ele deveria atirar o seu chapéu na fera e fugir sem machuca la. Ela tinha partido fazia pouco tempo, quando um lobo veio nadando
pelo Rio Swine, e correu diretamente para os camponeses que estavam fazendo feno. O homem atirou-lhe o chapéu, porém o animal o rasgou
instantaneamente. Nesta hora um garoto saiu correndo com um tridente e garfou o lobo pelas costas; no mesmo momento o lobo se transformou, e todos
viram que o garoto havia matado a esposa do homem.
Antigamente haviam indivíduos nas vizinhanças de Steina, que colocavam um certo cinto e então se transformavam em lobisomens. Um homem desta
vizinhança, que tinha tal cinto, se esqueceu um dia de trancá-lo antes de sair, como era de seu costume. Durante sua ausência, seu filho pequeno achou o
cinto; a criança o abotoou ao seu redor e instantaneamente se transformou em um animal, para todos presentes a aparência exterior era como um feixe de
turfa, que ficava rolando feito um urso pesado. Quando os que estavam na sala perceberam isso, correram em busca do pai, que foi encontrado em tempo
de vir e desabotoar o cinto, antes que a criança tivesse feito qualquer travessura. O menino depois disse, que quando colocou o cinto, foi tomado por uma
fome tão grande, que estava pronto para despedaçar e devorar tudo o que passasse em seu caminho.
O cinto supostamente era feito de pele humana, e tinha três dedos de largura.
Em Frísia do Leste (Holanda), se acredita, que quando nascem sete meninas seguidamente em uma família, entre elas uma será necessariamente uma
lobismulher, de modo que os rapazes são lentos em procurar uma destas sete irmãs para casamento.
De acordo com uma curiosa história lituana relatada por Schleicher em seu Litauische Märchen, uma pessoa que é um lobisomem ou um urso tem que
permanecer ajoelhado em um ponto por cem anos antes que possa conseguir a liberação de sua forma bestial.
Na Holanda eles relatam o seguinte conto:
Um homem tinha saído uma vez com seu arco para participar de um campeonato de tiro ao alvo em Rousse, mas quando estava a meio caminho do lugar,
ele viu de repente, um lobo grande saltar fora de uma mata, e correr na direção de uma jovem, que estava sentada em um pasto à beira da estrada
observando vacas. O homem não hesitou, e rapidamente puxou uma flecha, fez mira e disparou, e felizmente atingiu o lobo no lado direito, de modo que a
flecha permaneceu cravada no ferimento, e o animal fugiu uivando para a floresta.
No dia seguinte, ele ouviu que um servo da casa de um grande burguês estava à beira da morte, em consequência de no dia anterior ter sido atingido no
lado direito por uma flecha. Isto deixou excitada a curiosidade do arqueiro, tanto que ele foi visitar o homem ferido, e aproveitando pediu para ver a flecha.
Ele reconheceu imediatamente que era uma de suas flechas. O arqueiro em seguida pediu a todos os presentes que saíssem da sala, ele persuadiu o homem
a confessar que ele era um lobisomem e que devorava crianças. O homem ferido morreu no dia seguinte.
Entre os búlgaros e eslovacos o lobisomem é chamado vrkolak, um nome que lembra o que foi dado pelos gregos modernos {grego brúkolakas}. O
lobisomem grego está intimamente relacionado com o vampiro. O licantropo cai em um transe cataléptico, durante o qual sua alma deixa seu corpo, entra
no corpo de um lobo e sai vorazmente em busca de sangue. No retorno da alma, o corpo está exausto e dói como se tivesse praticado exercícios pesados.
Após a morte, os licantropos se tornam vampiros. Acredita se que estes seres frequentam os campos de batalha em formas de lobo ou hiena, para sugar a
essência dos soldados morrendo, ou entram em casas para roubar os bebês de seus berços.
Os gregos modernos chamam qualquer homem de aparência selvagem, de pele escura, e com membros distorcidos e deformados, de brúkolakas, e
acreditam que eles possuam o poder de correr na forma de lobo.
Os sérvios conectam o vampiro e o lobisomem juntos, e chamam ambos pelo nome vlkoslak. Eles liberam sua fúria principalmente nos invernos rigorosos;
quando realizam suas reuniões anuais, eles retiram suas peles de lobo, e as penduram nas árvores ao redor deles. Se alguém tiver sucesso em roubar a pele e
conseguir queima-la, o vlkoslak fica desde então, desencantado.
O poder de se tornar um lobisomem é obtido ao beber a água empoçada em uma pegada deixada no barro por um lobo.
Entre os russos brancos o wawkalak é um homem que provocou a ira do diabo, então o ser maligno o castiga lhe transformando em lobo e o enviando para
os seus parentes, que o reconhecem e o alimentam bem. Ele se torna um lobisomem amigável e disposto, pois não faz mal, e demonstra seu afeto por seus
parentes lambendo suas mãos. No entanto, ele não consegue permanecer muito tempo no mesmo lugar, e acaba sendo conduzido de casa em casa, de aldeia
em aldeia, por uma irresistível paixão por mudança de cenário.
Esta é uma superstição estranha, pois premia quem se dá bem com o diabo.
Os eslovacos chamam geralmente um bêbado de vlkodlak, porque ele faz de si mesmo uma besta.

Os poloneses têm seus lobisomens, que atacam duas vezes ao ano - no Natal e no solstício de verão.
De acordo com uma história polonesa, se uma bruxa coloca um cinto de pele humana na entrada de uma casa em que um casamento está sendo celebrado, e
se por ele atravessarem, a noiva e o noivo, as damas de honra e os padrinhos, todos eles serão transformados em lobos.
Contudo, depois de três anos, a bruxa irá cobri-los com peles felpudas, viradas para fora; e imediatamente eles irão recuperar sua forma natural. Em uma
ocasião, uma bruxa jogou uma pele de dimensões muito curtas sobre o noivo, de modo que sua cauda foi deixada descoberta, ele retomou sua forma
humana, mas continuou ficando com um pedacinho de cauda.
Os russos chamam o lobisomem de oboroten.
A seguinte receita russa dá os passos para se tornar um lobisomem:
“Aquele que deseja se tornar um oboroten, deve procurar na floresta uma árvore cortada; ele deve apunhalar a árvore com uma pequena faca de cobre, e
andar em volta da árvore, repetindo o seguinte encantamento:
No mar, no oceano, na ilha, em Bujan (ilha mitológica),
No pasto vazio brilha a lua, sobre a copa das árvores.
Num bosque verde, em um vale sombrio.
Na direção do cavalo vai um lobo peludo.
Gado com chifres lutam contra seus caninos afiados e brancos;
Mas o lobo não entra na floresta,
Mas o lobo não mergulha no vale sombrio,
Lua, lua, lua chifre dourado,
O atrevimento do voo das balas, rompem as facas dos caçadores,
Quebram a clava do pastor,
Lança o medo selvagem sobre todo o gado,
Nos homens, em todas as coisas rastejantes,
Que eles não possam pegar o lobo cinzento,
Que eles não possam rasgar sua pele quente
Minha palavra é valorosa, mais importante que dormir,
Mais valiosa do que a promessa de um herói!
“Então salte três vezes sobre a árvore e saia correndo floresta adentro, transformado em lobo. ”
[1. SACHAROW: Inland, 1838, No. 17. ]
Na Armênia existe a seguinte história contada por Haxthausen, em seu Trans-Caucasia (Leipzig, I. 322):
“Um homem viu uma vez um lobo, que estava levando uma criança, passar correndo por ele. Ele o perseguiu o mais rápido que pode, mas não conseguiu
alcança-lo. Por fim, encontrou somente as mãos e os pés de uma criança, e olhando um pouco mais adiante, achou uma caverna, que tinha uma pele de lobo
no chão. Ele pegou a pele e a jogou na fogueira, imediatamente apareceu uma mulher, que uivava e tentava resgatar a pele das chamas. O homem, no
entanto, conseguiu impedi-la, e assim que a pele foi destruída pelas chamas, a mulher se consumiu em fumaça e desapareceu. ”
Na Índia, devido à prevalência da doutrina da metempsicose (transmigração da alma de um corpo para outro; reencarnação), a crença na transformação é
amplamente difundida. Traços de licantropia genuína são abundantes em todas as regiões até onde o budismo chegou. No Ceilão, no Tibete e na China,
uma parte da população nacional também possui esta crença (Século XIX).
No Pantschatantra existe a história do filho enfeitiçado de um Brahmin, que de dia era uma serpente e de noite era um homem.
O pai de Vikramâditya, filho de Indra, foi condenado a se tornar um jumento de dia e um homem de noite.
Um conto moderno indiano nos conta este tipo de história:
Um príncipe se casara com uma macaca, mas seus irmãos se casaram com belas princesas. Em uma festa dada pela rainha para suas enteadas, aparece uma
dama extremamente bela usando lindos roupões. Que não era nenhuma outra, senão a própria mulher macaca, que tinha tirado a sua pele para a ocasião. O
príncipe consegue escapar para fora da festa e queima a pele de macaca, de modo que sua esposa fica impedida de retomar sua aparência favorita.
Nathaniel Pierce conta sobre uma superstição da Abissínia (antigo Império Etíope) muito semelhante à que prevalece na Europa. [1. Vida e Aventuras de
Nathaniel Pierce, escrito por ele mesmo durante sua residência na Abissínia de 1810-19. Londres, 1831. ]
Ele diz que na Abissínia o ouro e os ourives são altamente valorizados, mas que os ferreiros são vistos com desprezo, como um grau seres inferiores. Seus
parentes até atribuem a eles o poder de se transformarem em hienas, ou outros animais selvagens. Todo tipo de convulsões e distúrbios histéricos são
atribuídos ao efeito do seu mau olhado. Em Amhara (região da Etiópia) as pessoas os chamam de Buda (não confundir com Buda do budismo), em Tigré
(região da Etiópia), os chamam de Tebbib. Existem também Budas maometanos e judeus (Budas aqui é uma palavra para transmorfo bestial, nenhuma
relação com budismo). É difícil explicar a origem desta estranha superstição. Estes Budas se distinguem de outras pessoas por usarem brincos de argola de
ouro, e Coffin declara que muitas vezes ele encontrou hienas com esses brincos em suas orelhas, até mesmo entre os animais que ele mesmo atirou ou
matou com uma lança. Mas Coffin nunca conseguiu descobrir como estes brincos foram parar em suas orelhas.
Além de seu poder de se transformar em hienas e outros animais selvagens, todos os tipos de outras coisas estranhas são atribuídas a eles; e os abissínios
acreditam realmente que eles roubam túmulos a meia noite, e nenhum deles se atreveria a tocar o que eles chamam de quanter, ou carne seca em suas casas,
embora não se oporiam a comer carne fresca, se tivessem visto o animal de origem, morto diante deles.
Coffin relata, como testemunha ocular, a seguinte história:
Entre seus servos havia um Buda, e no final de uma tarde quando ainda estava claro, ele veio ao seu mestre e pediu para se ausentar até a manhã seguinte.
Tal servo obteve a licença necessária e partiu; mas mal Coffin virou a cabeça, quando um de seus empregados exclamou: “Olhem! Lá está ele, se
transformando em uma hiena, ” apontando na direção que o Buda tinha tomado. Coffin se virou para olhar e embora não testemunhasse o processo de
transformação, o rapaz havia desaparecido do local em que estivera, a uma distância inferior a cem passos, e em seu lugar havia uma hiena correndo para
longe. O lugar era uma planície, sem arbusto ou árvore para impedir a visão.
Na manhã seguinte, o jovem voltou e foi acusado por seus companheiros da transformação: ele reconheceu mais do que negou, depois se desculpou com o
argumento de que era um hábito das pessoas de sua classe.
Esta afirmação de Pierce é corroborada em uma nota de Sir Gardner Wilkinson para Rawlinson no livro Herodotus (livro IV, cap. 105).
“Acredita se que uma classe de pessoas na Abissínia se transformam em hienas quando querem. Apesar de não querer acreditar, isso me foi dito por
pessoas que viveram lá por anos, sendo que ninguém bem informado tem dúvida disso, ele me disse que certa vez estava andando com um deles, e desviou
o olhar por um momento, ao olhar novamente para seu companheiro, ele o viu sair trotando em forma de uma hiena. Depois reencontrou o seu
companheiro já em sua antiga forma humana. Este tipo de pessoas são os ferreiros. - G.W.”
Uma superstição bastante semelhante parece ter existido na América, por Joseph Acosta. (Hist. Nat. des Indes)
Joseph relata que o governante de uma cidade no México, que tinha sido enviado pelo antecessor de Montezuma, se transformou em águia, tigre e numa
enorme serpente, bem diante dos olhos das pessoas que foram enviadas para captura lo. No entanto ele terminou se rendendo, e foi condenado à morte.
Fora de sua própria casa, ele era incapaz de repetir os mesmos milagres para salvar sua vida.
O bispo de Chiapa, província da Guatemala, em um escrito publicado em 1702, atribui o mesmo poder aos Nagual, ou sacerdotes nativos, que se
esforçavam em trazer de volta à religião de seus antepassados, para suas crianças educadas como cristãos pelo governo. Depois de várias cerimônias,
quando a criança instruída avançava para se tornar cristã, o Nagual de repente aparecia assumindo um aspecto assustador, sob a forma de um leão ou tigre,
e se acorrentava ao jovem cristão convertido. (Recueil de Voyages, tom. II. 187.)

Entre os índios norte-americanos, a crença na transformação é muito forte. A seguinte história se assemelha a uma muito difundida em todo o mundo.
“Um índio fixou sua tenda nas margens do lago Great Bear, levando consigo apenas uma cadela grande com os filhotes. Sempre que o índio saía para
pescar, ele amarrava os filhotes, para evitar que a ninhada se perdesse. Por várias vezes, ao se aproximar da sua tenda, ele ouvia sons saindo dela, que se
pareciam com conversas, risos, choros, gemidos e barulho de crianças; mas ao entrar nela, ele só encontrava os filhotes amarrados como de costume. Sua
curiosidade foi aumentando por causa dos ruídos que tinha ouvido, então ele decidiu descobrir de onde estavam vindo aqueles sons, e o que significavam.
Um dia ele fingiu sair para pescar, mas em vez ir, ele se escondeu bem perto da tenda. Em pouco tempo ele começou a ouvir vozes, então saiu do
esconderijo e entrou correndo na tenda, e se deparou com belas crianças brincando e rindo, com as peles de cachorro jogadas ao seu lado. Ele jogou as
peles de cachorro no fogo, e as crianças continuaram com suas formas humanas, cresceram, e se tornaram os antepassados da nação indígena Dogrib
(Costela de cachorro).
[Traditions of the American Indians, by T. A. Jones, 1830, Vol. II. p. 18.] No mesmo livro temos uma história curiosa intitulada The Mother of the World
(A Mãe do Mundo), que tem uma semelhança muito grande com outro mito mundial: onde uma mulher se casa com um cão, mas de noite o cão deixa de
lado sua pele, e aparece como um homem. Este conto pode ser comparado com o caso de Björn e Bera visto anteriormente.

Vamos continuar este capítulo com um conto da Eslováquia escrito por T. T. Hanush no terceiro volume de Zeitschrift für Deutsche Mythologie.
A filha do Vlkolak
“Era uma vez, um pai que tinha nove filhas, e todas já estavam disponíveis para casamento, mas a mais jovem era a mais bonita. O pai era um lobisomem e
um dia um pensamento lhe veio à cabeça: ‘Qual é a vantagem de sustentar tantas moças? ’ Então ele decidiu coloca-las fora do caminho. ”
“Portanto ele foi para a floresta para cortar lenha, e ordenou que suas filhas deixassem uma delas lhe trazer o jantar. Foi a mais velha quem levou o jantar. ”
“Por que você chegou tão cedo com a comida? Perguntou o lenhador. ”
“Pai, na verdade eu queria que você recuperasse as forças, sem nos agredir, se estivesse com fome! ”
“Boa moça! Sente se enquanto eu como. Ele comeu, e enquanto comia, pensou em um esquema. Ele se levantou e disse: “Minha filha, venha aqui, eu vou
lhe mostrar um buraco que estou cavando. ”
“E para que é este buraco? ”
“Para podermos ser enterrados nele quando morremos, pois, ninguém se importa com nós pobres depois que morremos. ”
“Então a moça foi com ele ao lado do poço profundo. ‘Agora ouça’, disse o lobisomem, ‘você deve morrer e ser jogada lá. ’ ”
“Ela implorou por sua vida, mas foi tudo em vão, ele a segurou e a lançou na sepultura. Então pegou uma pedra grande e a atirou sobre ela, esmagando lhe
cabeça, assim a pobre moça libertou sua alma. Depois que o lobisomem fez isso, voltou ao trabalho e à medida que o crepúsculo avançava, a segunda filha
chegou lhe trazendo comida. Ele contou a ela sobre a cova, a levou até lá e a jogou dentro, em seguida a matou como a primeira. E assim ele fez com todas
as filhas até sobrar a última. ”
“A filha mais nova sabia muito bem que seu pai era um lobisomem, e estava triste por suas irmãs não voltarem; ela pensou, ‘Agora onde elas podem estar?
Será que elas ficaram fazendo companhia para meu pai ou será ficaram ajudando ele no trabalho? ’ Então ela fez a comida para levar para ele, e foi
andando cautelosamente através da floresta. Quando chegou perto do lugar onde seu pai trabalhava, ela ouviu seus golpes cortando madeira, e sentiu cheiro
de fumaça. A moça viu uma grande fogueira e duas cabeças humanas sendo assadas nela. Ela virou as costas para fogueira e seguiu na direção dos golpes
de machado encontrando seu pai. ”
“Veja”, disse ela, “pai, eu lhe trouxe comida. ”
“Boa moça. ” Ele disse. “Agora empilhe a madeira para mim enquanto eu como. ”
“Mas onde estão minhas irmãs? ” Ela perguntou.
“Elas estão mais abaixo no vale colhendo lenha, ” ele respondeu “me siga, que eu te levo até elas. ”
Eles chegaram até o buraco; então ele lhe disse por que o tinha cavado como um túmulo. “Agora, ” ele disse, “você deve morrer, e ser jogada na cova junto
com suas irmãs. ”
“Vire de lado pai, ” ela disse, “enquanto eu tiro minhas roupas, então pode me matar se você desejar. ”
Ele se virou como ela pediu, e então - vupt! Ela deu um empurrão, e ele caiu de cabeça no buraco que ele tinha cavado para ela.
Ela fugiu correndo por sua vida, pois o lobisomem não estava ferido, e logo ele fugiria do poço.
A linda moça ouvia os uivos ecoando através das ruas sombrias da floresta, e rápido como o vento ela corria. Ela escutava o som de seus passos se
aproximando, e a sua respiração ofegante. Então ela jogou para trás o seu lenço. O lobisomem o agarrou com unhas e dentes, e o reduziu totalmente a
pequenos retalhos. Em um instante ele estava novamente em sua perseguição espumando pela boca, e uivando assustadoramente, enquanto seus olhos
vermelhos brilhavam como brasas ardentes. Quando ele começou a se aproximar novamente, ela tirou o vestido e atirou para trás, torcendo para ganhar
mais tempo com isto. O lobisomem atacou o vestido e o rasgou em pedaços, e novamente voltou a persegui la. Desta vez ela lançou atrás dela seu avental,
depois a anágua, depois a blusa, e por fim ela já estava na condição em que tinha vindo ao mundo. Mais uma vez o lobisomem se aproximava; ela saiu da
floresta direto para um campo de feno, e se escondeu dentro de um pequeno montinho de feno. Seu pai entrou no campo, e corria uivando em busca dela,
sem conseguir encontrá-la. O lobisomem começou a revirar os montes de feno, e ficava rosnando e rangendo suas presas brancas brilhantes, louco de raiva
por te la deixado escapar.
A cada passo uma espuma nojenta pingava de sua boca, sua pele fedia suor. Antes dele conseguir chegar naquele pequeno montinho de feno as suas forças
já tinham se acabado completamente, o lobisomem sentiu a exaustão tomar conta de seu corpo, e então se retirou para floresta.
O rei, que saia para caçar todos os dias, estava junto com um de seus cães que ia levando a caça pelo campo de feno, que já estava todo bagunçado havia
três dias sem motivos aparente. O rei, seguindo o cão, acabou encontrando a bela donzela, não exatamente “na palha ”, mas enfiada até o pescoço dentro do
feno. Ela foi levada, com feno e tudo, para o palácio, onde ela se tornou sua esposa, fazendo apenas uma exigência antes de se tornar sua noiva, ou seja,
que não fosse permitido nenhum mendigo entrar no palácio.
Depois de alguns anos um mendigo conseguiu entrar, e é claro o mendigo era ninguém menos que seu pai lobisomem. Ele subiu sorrateiro pelas escadas,
entrou no berçário, cortou as gargantas das duas crianças nascidas da rainha e seu rei, e escondeu a faca sob travesseiro dela.
De manhã, o rei, acreditando que sua esposa era uma assassina a expulsou de casa. Ela saiu do palácio segurando nos braços os príncipes mortos. Um
eremita apareceu para ajudar a rainha e conseguiu devolver a vida aos bebês.
O rei reconheceu seu erro e reencontrou sua rainha perto do campo de feno, trazendo todos de volta para o palácio.
Por ordem do rei os soldados do palácio conseguiram capturar o lobisomem, que foi atirado de um enorme penhasco no mar, e este foi o seu fim.
A rainha e sua família real viveram felizes para sempre.

Esta história tem alguma semelhança com a que Von Hahn em seu Griechische und Albanesische Märchen; eu me lembro de ter ouvido uma história muito
semelhante nos Pirineus; onde um homem foge do lobisomem tirando toda sua roupa, e salta de um barranco muito alto. O lobisomem então não conseguiu
ou não teve coragem de saltar do barranco. A causa de sua fuga também é bem diferente. Ele era um maçom que tinha divulgado o segredo dos maçons, e o
lobisomem era um mestre maçom que o perseguia por isso.
Vale a pena ressaltar que no conto A filha do Vlkolak, o lobisomem ficou completamente exausto, e que foram jogadas roupas para o lobisomem rasgar, do
mesmo modo que as histórias dinamarquesas já relataram. Não parece haver nenhuma indicação de que ele tivesse mudado sua forma, pelo menos
nenhuma mudança é mencionada, porém suas mãos são citadas, e ele ainda xingava e amaldiçoava a sua filha em eslovaco bem claro. A sua crise de fúria
se assemelha muito com a qual Skallagrim, o islandês sofria. Também é uma pena que Brák, a mulher do conto islandês não tivesse conseguido fugir como
a linda garota do feno.
UM SERMÃO SOBRE LOBISOMENS

A seguir uma curiosa amostra de um sermão do final da Idade Média que foi tirado da antiga edição alemã dos discursos do Dr. Johann Geiler von
Kaysersberg, um famoso missionário em Estrasburgo.
O volume tem o título mais ou menos parecido com isso:
“Sobre o caráter dos demônios, bruxas, fantasmas, espíritos e o exército dos furiosos. ”
Esta série estranha de sermões pregados que em Estrasburgo no ano de 1508, foram juntados e escritos por um frade que sempre andava descalço, Johann
Pauli, e depois publicados por ele em 1517. O Dr. Johann Geiler von Kaysersberg morreu em um domingo no meio da Quaresma de 1510.
Existe uma edição em latim de seus sermões, mas se são da mesma série ou não, nós não podemos dizer, pois não tivemos acesso ao raro volume. A edição
alemã é ilustrada com xilogravuras realçadas e inteligentes. Entre as ilustrações, estão representados o Sabbath das Bruxas, o Selvagem Exército dos
Furiosos (Wild Huntsmen) e um Lobisomem atacando um homem.
O sermão era pregado no terceiro domingo da Quaresma. Nenhum texto era usado especificamente, mas havia uma referência geral para o evangelho do
dia. Este é o discurso:
“O que nós podemos dizer sobre os lobisomens? Pois existem lobisomens que correm pelas aldeias devorando homens e crianças. As pessoas dizem que
eles aparecem correndo a toda velocidade, atacando e ferindo as pessoas, e são chamados de Lobisomens ou Homens Ursos. Vocês podem me perguntar se
eu sei alguma coisa sobre eles? Eu respondo: Sim. Eles são, aparentemente lobos, que atacam adultos e crianças, e de acordo com sete causas:
1. Fome voraz
2. Selvageria
3. Idade
4. Curiosidade em experimentar
5. Loucura
6. O Diabo
7. Deus
“O primeiro caso ocorre por causa da fome. Quando os lobos não acham nada para comer no bosque, começam a caçar às pessoas e devoram os homens
quando a fome os leva até eles. Vocês podem perceber bem isto, quando está muito frio, e os cervos vêm em busca de comida até as aldeias, e os pássaros
entram nas salas de jantar em busca de migalhas. ”
“No segundo caso, os lobos comem as crianças por sua selvageria inata, porque são animais selvagens, e isso é propter locum coitum ferum (Por causa dos
impulsos sexuais - em latim). Sua selvageria surge primeiro de sua condição (habitat). Lobos que vivem em lugares frios são encontrados em menor
número, porém são mais selvagens do que os outros lobos. Em segundo lugar, a sua selvageria depende da época do ano. Eles ficam mais selvagens na
época da Candelária (2 de fevereiro) do que em qualquer outra época do ano, e os homens devem estar mais alertas contra eles nesta época do que em
outros períodos do ano.
Existe um provérbio, ‘Aquele que procura um lobo na Candelária, um camponês na terça feira de carnaval e um pároco na Quaresma, é um homem de
coragem. ’ ”
“Em terceiro lugar, a sua selvageria depende de sua idade. Quando os lobos estão jovens, são mais selvagens do que quando ficam mais velhos. Vocês
veem isto em todos os animais. Uma pata selvagem, quando ela tem filhotes é capaz de fazer a maior algazarra por eles. Uma gata luta por seus gatinhos.
As lobas também são assim.
Os lobos atacam de acordo com sua idade. Quando um lobo é velho e fica fraco das pernas, ele não consegue correr rápido o bastante para capturar veados,
portanto ataca e devora homens, que são mais fáceis de pegar do que um animal selvagem. Também é mais fácil dilacerar homens e crianças do que
animais selvagens, pois alguns de seus dentes já quebraram ou caíram depois de velhos.
Você pode observar isto em mulheres velhas, perceba como seus últimos dentes ficaram moles, ou quando elas ainda têm apenas um dente em suas bocas e
elas abrem suas bocas para que as pessoas possam alimentá-las com purês e substâncias ensopadas. ”
“Como quarta causa, os ataques causados pelos lobisomens têm como motivo a curiosidade em experimentar. Dizem que para eles a carne humana é muito
mais saborosa do que as outras carnes, assim depois que um lobo provou da carne humana, ele vai desejar prova-la novamente. Então eles agem como se
fossem velhos bêbados, que depois de conhecerem os melhores vinhos, não se contentam mais com os de qualidade inferior. ”
“A quinta causa surge da loucura. Um cachorro quando está com raiva também fica intolerante, e morde qualquer pessoa, ele não reconhece nem o próprio
dono. Um lobo, é nada mais do que um grande cão selvagem louco, intolerante e que não respeita nenhuma pessoa. ”
“Em sexto lugar, a causa dos ataques é o próprio Diabo, que se transforma e assume a forma de um lobo. Assim, escreveu Vincentius em seu livro
Speculum Historiale. Em uma referência sobre Valerius Maximus nas Guerras Púnicas (entre 264 a.C. e 146 a.C.). Os romanos estavam lutando contra os
homens da África e enquanto o Capitão Valerius Maximus dormia, veio um lobo que tirou sua espada e a levou embora. Este era o Diabo em forma de
lobo.
O assim escreveu William de Paris: ‘Um lobo matará e devorará crianças e fará um maior mal. ’
Havia um homem que tinha a fantasia de que ele próprio era um lobo. Algum tempo depois ele foi encontrado deitado no bosque, ele havia morrido de
fome. ”
“O último caso ocorre por vontade de Deus. Pois Deus algumas vezes castiga certas terras e aldeias com lobos. Então lemos que quando Eliseu quis subir
uma montanha de Jericó, alguns garotos maldosos fizeram uma zombaria dele e diziam: 'Vamos careca, mais força! Vamos cabeça brilhante, suba mais! ’
O que aconteceu em seguida? Eliseu os amaldiçoou. Então apareceram dois ursos do deserto e mutilaram cerca de quarenta e duas das crianças. Assim foi a
vontade de Deus. Podemos ler sobre um profeta que não seguia os mandamentos que recebera de Deus, e que foi convidado a comer pão na casa de outra
pessoa. Quando ele voltava para casa montado em seu burro, apareceu de repente um leão que matou o profeta, porém deixando o burro completamente em
paz. Assim foi a vontade de Deus.
Portanto, o homem deve se voltar para Deus quando Ele trouxer feras selvagens para nos fazer o mal. Para que Ele não os traga nunca mais.
Amém.
CAUSAS NATURAIS DA LICANTROPIA

O que temos relatado a partir das crônicas da antiguidade, ou das tradições e conhecimentos popular, está escondido sob um véu de mitos e lendas; e é
somente a partir destas descrições escandinavas de insanos com a loucura do lobo, e dos julgamentos dos acusados pelo crime de licantropia no final da
Idade Média, é que podemos chegar à verdade, assim respeitando essa forma de loucura que está envolvida em superstição e tanto mistério.
A licantropia não foi reconhecida como doença até quase o fim da Idade Média; mesmo assim, somente de uma forma muito medonha e revoltante, e ela
parece tão distante da nossa realidade do dia a dia, que não é de se estranhar que um observador casual chegue a considerar a sua existência, como sendo
um caso isolado e desconcertante, e prefere a considerar como um mito do que realizar uma investigação e comprovar a verdade.
Neste capítulo, propomos examinar brevemente as condições sob as quais os homens eram considerados lobisomens.
Por mais incrível que pareça, o homem de fato é diferente dos outros carnívoros, pois age no impulso de matar e ama destruir a vida.
É bem verdade que existem muitos que sentem um prazer genuíno em causar e assistir o sofrimento alheio, e existe quem a paixão de matar ou torturar é
tão forte como qualquer outra paixão. Observe o número de meninos que se reúnem ao redor de uma ovelha ou porco quando estes estão prestes a serem
mortos (coisa comum perto dos açougues no século XIX), e ficam observando a luta do animal moribundo com os corações batendo rápido de emoção e os
olhos brilhando de prazer. Muitas vezes eu vi uma multidão de crianças ansiosas reunidas em torno dos matadouros das cidades francesas, observando com
atenção a agonia dos animais sendo mortos, e silenciosos enquanto observam o fluxo de sangue jorrar.
A tendência, contudo, existe em diferentes graus. Em alguns, se manifesta simplesmente como a indiferença ao sofrimento, em outros aparece como o
simples prazer de ver a vida se extinguindo, e em outros, é dominante como um desejo irresistível de torturar e destruir.
Essa propensão é muito abrangente; ela existe em crianças e adultos, nas mentes rudes e nas refinadas, nos bem-educados e nos ignorantes, naqueles que
nunca tiveram a oportunidade de cometer tais atos, e naqueles que praticam habitualmente, apesar da moralidade, religião e leis.
Então só nos resta procurar as raízes da causa.
O caçador e o pescador seguem o instinto natural de destruir, quando empalham animais, pássaros e peixes: a justificativa de colocar comida na mesa não
pode ser feita com justiça, e o desportista pouco se importa com a destruição causada, desde que consiga colocar dinheiro no bolso ou se divertir. A causa
para sua perseguição ansiosa de pássaros e animais deve ser procurada em outro lugar; ela será encontrada no desejo natural de extinguir a vida, que existe
nas sombras da alma.
Por que algumas crianças atacam impulsivamente uma borboleta enquanto ela passa voando por ele? Elas não se importam com o inseto quando ele cai a
seus pés, a menos que este esteja tremendo em sua agonia, quando elas irão assistir com interesse. Uma criança pode atacar a borboleta vibrante
simplesmente porque existe vida nela, e certas crianças possuem um instinto dentro delas, impelindo as a destruir a vida onde quer que a encontre.
Pais e babás sabem muito bem que existem crianças que são cruéis por natureza, e que a humanidade deve ser adquirida pela educação. Uma criança pode
se divertir com uma criatura ferida até sua mãe lhe pedir “acabe com o sofrimento do bichinho. ” Uma criança mal-educada não sonharia em acabar
abruptamente com as agonias da pobre criatura, da mesma forma que ela enfiaria um bombom inteiro na boca e ficaria esperando derreter. A crueldade
inerente pode ser doutrinada e revertida por ensinamentos posteriores, ou pode ser mantida sob restrição moral; até uma pessoa que é praticamente um
Nero (Imperador romano), pode mal conhecer sua própria natureza.
Então por algum acidente, a paixão principal se torna dominante, e a pessoa de repente sai destruindo tudo o que encontrar pela frente. Um relaxamento na
condição moral, um choque para o intelecto racional, uma condição anormal do corpo, podem ser suficientes para permitir que esta paixão doentia se
manifeste.
Como já observamos, esta paixão existe em diferentes pessoas em diferentes graus.
Em alguns casos aparece como uma indiferença de sentimentos pelo sofrimento de outras pessoas. Este temperamento pode levar ao crime, e o indivíduo
que é indiferente com dor em outro, estará facilmente pronto para destruir este outro em seu caminho, se isto atender aos seus próprios fins. Assim como o
mendigo Dumollard, que assassinou pelo menos seis garotas pobres e tentou matar várias outras. Ele parecia não ter sentido muita gratificação ao
assassiná-las, mas também estava completamente indiferente aos seus sofrimentos, tanto que as matou unicamente por causa de suas roupas, que também
eram de pobre de acordo com a descrição. Ele foi sentenciado a guilhotina, e executado em 1862. [1. Um relato completo do julgamento deste homem é
dado por alguém que esteve presente, no All the Year Round, n. 162. ]
Em outros, a paixão pelo sangue se desenvolve paralelamente à indiferença ao sofrimento.
Assim Andreas Bichel seduzia jovens moças para entrarem em sua casa, dizendo possuir um espelho mágico, no qual ele lhes mostraria seus futuros
maridos; quando ele as tinha em seu poder, amarrava suas mãos atrás das costas e as desmaiava com um golpe. Ele em seguida as apunhalava e tirava suas
roupas, sendo estas roupas o principal motivo pelo qual ele cometia seus assassinatos; mas quando matava as jovens ele ficava possuído por crueldade, e
ele retalhava as pobres garotas em pedaços enquanto elas ainda estavam vivas, na ansiedade de examina-las por dentro.
Catherine Seidel foi aberta com um martelo e uma cunha, de seu peito para baixo, enquanto ainda estava respirando. “Eu posso dizer,” ele fez esta
observação em seu julgamento, “que durante a operação eu estava tão ansioso, que fiquei todo tremendo, e quis arrancar um pedaço e comê-lo. ”
Andreas Bichel foi executado em 1809. [1. O caso de Andreas Bichel é relatado no Remarkable Criminal Trials de Lady Duff Gordon. ]
Existe uma terceira classe de pessoas que é cruel e sanguinária, porque nelas a sede de sangue é uma paixão insaciável e furiosa. Em um país civilizado,
aqueles que são possuídos por esta paixão são forçados a controla-la por temer as consequências, ou a satisfazê-la em outras criaturas. Mas na antiguidade,
quando os senhores feudais eram supremos em seus domínios, houveram espantosos exemplos de seus excessos, e as atrocidades de alguns imperadores
romanos que se deixavam levar na sua paixão pelo sangue, é uma questão registrada na história.
Gall nos dá vários casos autênticos da sede de sangue.
Um padre holandês tinha tanto desejo de matar e ver matarem, que ele se tornou capelão de um regimento onde ele poderia ter a satisfação de ver mortes
ocorrendo durante as batalhas. O mesmo homem possuía uma grande coleção de vários tipos de animais domésticos, para assim poder torturar seus filhotes
e depois matar os animais para suas receitas de sua cozinha.
Também conhecia todos os carrascos do país, que lhe enviavam os avisos das execuções, as quais ele andaria por dias só para ter a gratificação de ver um
homem sendo executado.
[2. GALL: Sur les Fonctions du Cerveau, tom. IV.]
No campo de batalha, a paixão é desenvolvida de várias maneiras; alguns se deliciam com o prazer de matar e outros são indiferentes. Um velho soldado,
que esteve na batalha de Waterloo, me disse que, para ele, não havia prazer igual ao atravessar a espada pelo corpo de um homem, e que ele poderia ficar
acordado à noite meditando sobre as sensações prazerosas que esse ato lhe proporcionava.
Com frequência, os salteadores não se contentam com roubo, mas manifestam uma sangrenta inclinação para torturar e matar. John Rosbeck, por exemplo,
é bem conhecido por ter criado e praticado as mais bárbaras crueldades, apenas para testemunhar o sofrimento de suas vítimas, que eram na maioria
mulheres e crianças. Nada o fazia parar com seus atos cruéis, até que foi finalmente executado.
Gall fala de um violinista que, sendo preso, confessou trinta e quatro assassinatos, tudo o que ele tinha cometido, não foi por inimizade ou intenção de
roubar, mas apenas porque matar lhe proporcionava um prazer intenso.
Spurzheim fala de um padre em Estrasburgo, que embora rico, e não influenciado por inveja ou vingança, matou três pessoas, exatamente pelo mesmo
motivo. [1. Doctrine of the Mind, p. 158. ]
Gall relata o caso de um irmão do Duque de Bourbon, o Conde de Charlois, que desde a infância, tinha um prazer incontrolável em torturar animais: depois
que cresceu, viveu para derramar o sangue de seres humanos e praticar vários tipos de crueldade. Ele assassinou muitos sem motivo algum, o Conde atirava
em pessoas que estavam consertando telhados, só pelo prazer de vê-las cair de cima das casas. Louis XI. da França causou a morte de 4.000 pessoas
durante seu reinado; ele costumava observar suas execuções de um camarote vizinho da forca. Ele mandou colocar a forca do lado de fora de seu palácio, e
ele mesmo conduzia as execuções.
Não devemos supor que a crueldade exista apenas nos grosseiros e rudes; ela também é observada frequentemente nos educados e refinados.
Os tiranos sanguinários, Nero, Calígula, Alexander Borgia e Robespierre, cujo maior prazer consistia em testemunhar as agonias de seus semelhantes,
estavam cheios de sensibilidade, grande refinamento e de boas maneiras.
Eu já observei uma jovem talentosa, de considerável refinamento e temperamento nervoso, espetar moscas com suas agulhas num pedaço de tecido, e ficar
admirando o sofrimento dos insetos.
Crueldade pode permanecer latente até que, por algum acidente, ela é despertada, e então brota como uma chama devoradora. Acontece o mesmo, tanto na
paixão pelo sangue como nas paixões de amor e ódio; nós ainda não sabemos com certeza que circunstâncias acionam os gatilhos destas paixões. Amor ou
ódio podem ser dominantes em um peito que está em serenidade, até que de repente uma centelha aparece, a paixão brilha, e a serenidade do coração se
quebra para sempre. Uma palavra, um olhar, um toque, as vezes são suficientes para disparar uma rajada de paixão no coração, e mudar para sempre uma
existência.
O mesmo acontece com a sede de sangue. Ela pode se esconder nas profundezas de algum coração muito querido para nós. Pode arder no peito de quem é
mais querido por nós, e podemos estar perfeitamente inconscientes de sua existência. Talvez as circunstâncias não causem seu desenvolvimento; ou talvez
princípios morais possam prendê-la com grilhões que nunca vão se quebrar.
Michael Wagener relata uma história horrível que ocorreu na Hungria, suprimindo o nome da pessoa, uma vez que ela era de uma família ainda poderosa
no país. Ele relata o que tenho dito, e mostra como um assunto insignificante pode libertar a paixão em suas proporções mais hediondas. [1. Beitrage zur
philosophischen Antropologie, Wien, 1796. ]
Elizabeth, costumava se vestir bem para agradar ao marido, e ela passava metade do dia em seu banheiro. Em uma ocasião, uma criada viu algo errado em
seu vestido, e como recompensa por ter observado isto, recebeu um caixa jogada direto no seu ouvido, que bateu com tanta força que o sangue até
esguichou por seu nariz espirrando no rosto da patroa. Quando as gotas de sangue foram lavadas de seu rosto, sua pele pareceu ficar muito mais bonita,
mais branca e mais transparente nos pontos onde o sangue tinha espirrado. Elizabeth decidiu banhar seu rosto e todo o seu corpo em sangue humano, a fim
de realçar sua beleza. Duas velhas e um certo Fitzko a ajudaram em seu empreendimento. Este monstro (Fitzko) costumava matar a vítima infeliz e a duas
velhas coletavam o sangue, no qual Elizabeth costumava tomar banho às quatro da manhã. Depois do banho ela parecia estar mais bonita do que antes.
Ela continuou com este hábito após a morte de seu marido (1604) na esperança de ganhar novos pretendentes. As meninas infelizes que foram seduzidas
para irem ao castelo, acreditando que conseguiriam emprego lá, eram presas em um porão. Neste lugar elas eram espancadas até ficarem com o corpo todo
inchado. Não era raro a própria Elizabeth torturar as vítimas; muitas vezes ela trocava as roupas das vítimas que estavam sujas de sangue, e então renovava
suas crueldades. Os corpos inchados eram então cortados com navalhas.
Ocasionalmente, ela fazia com que as meninas fossem queimadas e cortadas, mas a grande maioria era espancada até a morte.
Por fim, sua crueldade se tornou tão grande que ela chegava a enfiar agulhas nas pessoas que estavam sentadas junto dela em sua carruagem, especialmente
se fossem de seu próprio sexo. Certa vez uma garota que era sua serva foi totalmente despida, lambuzada com mel e expulsa da casa.
Quando ficou doente e não conseguiu satisfazer sua crueldade, mordeu em uma pessoa que estava se aproximando de sua cama como se fosse uma fera
selvagem.
Ela causou no total a morte de 650 garotas, algumas em Tscheita, em um local fora de suspeitas, onde havia construído um porão para esse propósito,
construiu também outros porões em diferentes localidades, pois o assassinato e o derramamento de sangue se tornaram uma necessidade para ela.
Quando finalmente os pais das filhas desaparecidas e mortas não puderam mais ser enganados, o castelo foi atacado e invadido, então os vestígios dos
assassinatos e torturas foram descobertos.
Os cúmplices de Elizabeth foram executados, e ela ficou presa pelo resto da vida.
Um exemplo igualmente notável será encontrado no relato do Marechal de Retz em outros capítulos posteriores. Ele era um homem talentoso, um erudito,
um marechal capaz e fazia parte da corte; mas de repente o impulso de assassinar e destruir veio sobre ele enquanto estava sentado na biblioteca lendo
Suetonius; ele cedeu a este impulso e se tornou um dos maiores monstros cruéis que o mundo já produziu.
O caso de Swiatek, o canibal da Galícia, também serve de exemplo. Este homem era um mendigo inofensivo, até que um dia, um acidente trouxe à tona sua
crueldade. A fome o impeliu a provar os fragmentos assados de um ser humano que havia morrido em um incêndio, e daquele momento em diante ele saiu
em busca de carne humana.
Monsieur Bertrand era um cavalheiro francês de bom gosto e educação. Um ele dia se debruçou sobre a parede do cemitério em uma aldeia rural tranquila e
assistiu a um funeral. Imediatamente, veio sobre ele um desejo irresistível de desenterrar e rasgar o cadáver que ele havia visto ser enterrado no chão, e por
anos ele viveu como uma hiena humana, predando sobre os mortos. Sua história será contada em detalhes em um capítulo posterior.
Uma condição anormal do corpo às vezes produz esse desejo de sangue. Ela se manifesta em certos casos de gravidez, quando o temperamento perde seu
equilíbrio, e o apetite se torna muito alterado.
Schenk nos dá exemplos: [1. Observationes Medic. Lib. IV De Gravidis. ] Uma mulher grávida viu um padeiro carregando pães no ombro descoberto. Ela
imediatamente ficou com tanta vontade de morder a sua carne, que não comeu nada enquanto o seu marido não convenceu o padeiro, oferecendo lhe muito
dinheiro para que ele deixasse sua esposa o morder. O padeiro acabou cedendo, e a mulher meteu os dentes e seu ombro duas vezes; mas ele não suportou
que ela continuasse. Esta mulher teve gêmeos em três ocasiões, duas vezes vivos, a terceira natimortos.
Uma mulher em uma condição interessante, perto de Andernach, no Reno, assassinou seu marido, a quem ela estava calorosamente ligada, comeu metade
do seu corpo, e salgou o resto. Quando a paixão a deixou, tornou se consciente da natureza horrível de seu ato e se entregou à justiça.
Em 1553, uma esposa cortou a garganta do marido e roeu o nariz e o braço esquerdo dele, enquanto o corpo ainda estava quente. Ela então tirou as tripas
do cadáver, e salgou o resto para comer depois. Pouco tempo depois, ela deu à luz a três filhos, e ela só se tornou consciente do que tinha feito quando seus
vizinhos lhe perguntaram sobre o pai, para que pudessem lhe anunciar a chegada dos pequeninos.
No verão de 1845, os jornais gregos continham o relato de uma mulher grávida que assassinou o marido com o propósito de assar e comer seu fígado.
Já é bem conhecido que a paixão por destruir é dominante em certos maníacos e isto as vezes é acompanhado de canibalismo.
Gruner dá o relato de um pastor de ovelhas que era evidentemente perturbado, que matou e comeu dois homens. [1. De Anthropaphago Bucano. Jen. 1792]
Marc relata que uma mulher de Unterelsas, durante a ausência de seu marido, um pobre trabalhador, assassinou seu filho, um garoto de quinze meses de
idade. Ela picou suas pernas e cozinhou com repolho. Ela comeu uma porção, e ofereceu o resto a seu marido. É verdade que a família era muito pobre,
mas havia comida na casa na época. Na prisão, a mulher deu sinais evidentes de perturbação mental.
Os casos em que a sede de sangue e o canibalismo estão unidos à insanidade são aqueles que corretamente correspondem com a Licantropia. Os casos
registrados em um capítulo anterior apontam sem dúvida para a alucinação que acompanha o desejo de sangue. Jean Grenier, Roulet e os outros, estavam
totalmente convencidos de que haviam sofrido uma transformação. Uma condição desordenada da mente ou do corpo pode produzir algum tipo de
alucinação dependendo do caráter e dos instintos do indivíduo. Assim, um homem ambicioso trabalhando sob monomania (idéia fixa) vai se imaginar
sendo um rei; um homem ambicioso mergulhado em desespero, pode acreditar se encontrar na miséria, ou ficar todo orgulhoso com a vastidão do tesouro
que ele imagina ter descoberto. [2. Die Geistes Krankheiten. Berlin, 1844. ]
O velho que sofre de reumatismo ou gota pode pensar ter o corpo feito de porcelana ou vidro, e o caçador de raposas hostis na lua nova, age como se
estivesse seguindo um bando de lobos. Da mesma maneira, um homem naturalmente cruel, se tiver seu cérebro um pouco desequilibrado, pode achar que
se transformou no animal mais cruel e sanguinário que conhece.
As alucinações sob as quais os licantropos sofrem podem surgir por várias causas. Os escritores mais velhos, como Forestus e Burton, consideram a mania
do lobisomem como uma espécie de loucura melancólica, e alguns não consideram necessário que o paciente acredite em sua transformação para que o
considerem como sendo um licantropo.
No estado atual do conhecimento médico (ano 1865), sabemos que condições muito diferentes podem dar origem a alucinações.
Nos casos de febre severa a sensibilidade é tão perturbada que o paciente é muitas vezes enganado quanto ao espaço ocupado por seus membros, e ele
acredita que eles sejam distendidos ou contraídos sobrenaturalmente. No caso de tifo, não é incomum para o doente, com o sistema nervoso perturbado,
acreditar que ele se tornou duas pessoas ao mesmo tempo na cama, ou foi cortado pela metade, ou ainda ter perdido seus membros. Ele pode considerar
seus membros como sendo feitos de materiais estranhos e muitas vezes frágeis, como o vidro ou ele pode perder sua personalidade para acreditar que se
tornou uma mulher.
Um maníaco que acredita ser outra pessoa, procura entrar nos sentimentos, pensamentos e hábitos da personalidade assumida, e consegue fazer isso porque
ele cria um argumento conclusivo para si mesmo, de que a mudança ocorreu realmente. Ele de agora em diante fala de si mesmo como se fosse o
personagem assumido, e experimenta todas as suas necessidades, desejos, paixões e coisas do tipo. Quanto mais ele se identifica com a nova personalidade
mais se confirma sua loucura, cujo caráter varia com o temperamento do indivíduo. Se a mente da pessoa for fraca ou rude e inculta, a persistência com que
se apega à sua metamorfose é mais fraca, e fica mais difícil traçar a linha entre suas declarações lúcidas ou insanas. Assim como Jean Grenier, que em seu
julgamento declarou muitas verdades comprovadas que estavam misturadas com delírios insanos.
A alucinação também pode ser produzida por meios artificiais, e há evidências proporcionadas pelas confissões dos julgados por licantropia, que esses
meios artificiais foram usados por eles. Refiro-me a pomada tão frequentemente mencionada nos julgamentos de bruxas e lobisomens.
A seguinte passagem é do feitiço em Golden Ass (O Burro Dourado) de Apuleius; provando que as pomadas eram amplamente utilizadas por bruxas para
fins de transformação, mesmo em seu tempo:
“Fotis mostrou me uma rachadura na porta, e mandou me olhar através dela, sobre a qual eu olhei e vi Pamphile primeiro tirar todas as suas roupas, e então,
tendo destravado um baú, tirou dele várias pequenas caixas, e abriu uma das últimas, que continha uma certa pomada. Pamphile ficou esfregando bastante
esta pomada entre as palmas das mãos, e depois no corpo todo, desde os dedos dos pés até o couro cabeludo, e depois que terminou de passar tudo, ela
ficou cochichando muitas palavras mágicas para uma lâmpada (antiga a óleo), como se estivesse conversando com a lâmpada. Então ela começou a mover
os braços, primeiro com movimentos trêmulos, e depois com um suave movimento ondulante, até que uma camada brilhante e tênue se espalhou por seu
corpo, de repente penas fortes e grandes brotaram em todo corpo, seu nariz se tornou um bico duro e torto, seus dedos se tornaram garras curvas, Pamphile
já não era mais Pamphile, ela tinha se tornado uma coruja bem diante dos meus olhos. Logo em seguida, soltou um grito forte desagradável, deu pequenos
saltos, para testar seus poderes, posicionou suas asas, esticou abrindo cada uma totalmente e saiu voando direto para longe.”
“Sendo agora realmente uma testemunha do desempenho da arte mágica, e da metamorfose de Pamphile, eu permaneci por algum tempo em estado de
espanto… Afinal, depois de esfregar os olhos por algum tempo, me recuperei um pouco do espanto e da abstração da mente, e comecei a sentir uma
consciência da realidade das coisas sobre mim, segurei a mão de Fotis e disse: ‘Doce donzela, peço te, me traga uma porção da pomada com que tua
senhora agora se ungiu, e quando me tornar ave, serei teu escravo, e te servirei como um cupido de asas.’ Assim, ela rastejou suavemente para o
apartamento, e rapidamente retornou com a caixa de pomada, apressadamente colocou a em minhas mãos, e imediatamente partiu.”
“Extasiado em um grau extraordinário diante do tesouro precioso, eu beijei a caixa diversas vezes sucessivamente; e imaginando o melhor na esperança de
um voo magnífico, eu tirei minhas roupas o mais rápido possível, enfiei os dedos com vontade na caixa e depois de ter extraído uma grande quantidade de
pomada, a esfreguei por todo o corpo. Quando eu fiquei completamente ungido, balancei os braços para cima e para baixo, imitando o movimento das asas
de um pássaro, e continuei a fazer mais um pouco, quando, em vez de qualquer sinal perceptível de penas ou asas aparecendo, minha própria pele fina,
infelizmente, se tornou uma pele de couro duro, coberta com pelos eriçados, meus dedos das mãos e dos pés desapareceram, as palmas das minhas mãos e
as solas dos meus pés se tornaram quatro cascos sólidos, e da ponta da minha espinha se projetou uma longa cauda. Meu rosto ficou enorme, minha boca
larga, minhas narinas arredondadas, meus lábios inchados, e eu ganhei um par de orelhas bem compridas, ásperas e peludas.
Resumindo, quando cheguei a contemplar minha total transformação, descobri que em vez de um pássaro, eu tinha me tornado um burro. [1. APULEIUS,
Golden Ass]
Nós sabemos do que essas pomadas mágicas eram feitas. Elas eram compostas por narcóticos, a saber, Solanum somniferum, aconite, hyoscyamus,
beladona, ópio, acorus vulgaris, sium. Estes ingredientes eram fervidos em óleo. O sangue de um morcego era então adicionado, mas seus efeitos poderiam
ter sido nulos. Alguns outros narcóticos estrangeiros podem ter sido adicionados a esta fórmula, sem terem chegado ao nosso conhecimento.
Qualquer que tenha sido a causa da alucinação, não é surpresa que um licantropo pudesse ter imaginado se transformar em uma besta.
Nos exemplos dos casos de pastores que já demos, entrar em conflito direto com lobos fazia parte da natureza de seu trabalho. Então não é de se
surpreender que essas pessoas, numa condição propensa a alucinações, se imaginem transformadas em bestas selvagens, e que suas mentes tenham traumas
destes animais.
Quando estavam em seu estado de insanidade temporária, eles deveriam se acusar dos atos de agressividade cometidos pelos animais em que se julgavam
transformados. É um fato bem conhecido de que homens, cujas mentes estão desestabilizadas, se entregam à justiça, se acusando de terem cometido crimes
que realmente ocorreram, e é somente na investigação que sua autoacusação se revela falsa; e, contudo, descreverão as circunstâncias com a maior minúcia,
estando convencidos completamente de sua própria criminalidade.
Nós precisamos dar apenas um exemplo.
Na guerra da Revolução Francesa, a fragata Hermione era comandada pelo Capitão Pigot, um homem duro e um comandante severo. Sua tripulação se
amotinou e levou o navio para um porto inimigo, tendo assassinado o capitão e vários oficiais, sob circunstâncias de extrema barbaridade.
Um aspirante da tripulação escapou, conseguindo identificar um por um, vários dos criminosos, que foram capturados e levados à justiça.
O Sr. Finlayson, atuário do Governo, que naquela época tinha uma posição de oficial no Almirantado, afirmou:
“Na minha própria experiência, fiquei sabendo em ocasiões separadas, de mais de seis marinheiros que voluntariamente confessaram ter dado o primeiro
golpe no Capitão Pigot. Esses homens detalharam todas as horríveis circunstâncias do motim com extrema minucia e perfeita precisão; no entanto, nenhum
deles tinha estado no navio e nunca tinham visto o capitão Pigot em suas vidas. Eles sabiam os detalhes particulares da história através de outros
marinheiros, que foram seus colegas em algumas outras ocasiões. Quando ficavam por longos períodos em uma paragem estrangeira, com fome, sede e
saudades de casa, suas mentes se tornavam enfraquecidas; eles finalmente se julgavam culpados do crime pelo qual haviam passado tanto tempo escutando
histórias de outros colegas marinheiros.
Acabavam então se submetendo, com um prazer sombrio a serem enviados para a Inglaterra acorrentados, para serem julgados. Porém no Almirantado,
sempre fomos capazes de detectar e estabelecer sua inocência, desafiando suas próprias afirmações registradas. ” (London Judicial Gazette, Janeiro, 1803.)
O LOBISOMEM DA GALÍCIA

Os habitantes da Galícia (pequeno reinado na Europa Central antigamente) são pessoas tranquilas e inofensivas de um modo geral. Os judeus, que são 8%
da população, são os mais inteligentes, enérgicos, e certamente os indivíduos mais ricos na província, embora os poloneses propriamente ditos, ou Mazurs,
não sejam pobres.
Talvez o fenômeno mais notável do que qualquer outro naquele reino era o enorme predomínio numérico da nobreza sobre os sem títulos. Em 1837 a
proporção era assim: 32.190 nobres para 2.076 comerciantes.
A média de execução de criminosos é de nove por ano, em uma população de quatro milhões e meio de pessoas, não é um número alto, considerando a
maneira autoritária pela qual a justiça é feita nessa província. No entanto, nos bairros mais tranquilos e bem localizados, ocasionalmente as atrocidades
mais surpreendentes são cometidas, ocorrendo quando menos se espera, e às vezes cometidas pela pessoa menos suspeita.
No círculo de Tornow, na Galícia ocidental - a província era dividida em nove regiões.
Em Tornow, nos domínios de Parkost, existe uma pequena aldeia (no século XIX) chamada Polomyja, que consiste de oito choupanas e uma taberna
judaica. Os habitantes são na sua maioria lenhadores, cortando as árvores coníferas da densa floresta onde se situa a sua aldeia, e as transportando flutuando
pelos fluxos d’água mais próximo até o Rio Vistula.
Nenhum inquilino paga aluguel por sua casa ou pedaço de terra no campo, mas é obrigado a trabalhar um número fixo de dias para seu senhorio: uma
prática universal na Galícia, e muitas vezes causadora de muita injustiça e descontentamento, uma vez que o proprietário exige trabalho de seu inquilino
naqueles dias em que a colheita tem de ser feita, ou a terra está em melhores condições para a lavoura, coincidindo exatamente quando o camponês estaria
alegremente envolvido em sua própria pequena terra. O dinheiro é escasso na província, este é, portanto, a única maneira em que o senhorio pode ter
certeza de receber suas dívidas.
A maioria dos aldeões da Polomyja são miseravelmente pobres; mas cultivam um pouco de milho e criam algumas aves ou uns porcos, juntando tudo
conseguem o suficiente para sustentar suas vidas. Durante o verão, os homens coletam resina dos pinheiros, e uma vez a cada doze anos, tiram um pedaço
da casca, deixando a resina gotejar em um pequeno vaso de barro; durante o inverno, como já foi dito, derrubaram as árvores e as rolam até o rio.
Polomyja não é um lugar alegre, fica enfiado entre densas massas de pinheiros, que derramam uma tristeza sobre a pequena aldeia; no entanto, em um belo
dia, é bastante agradável para as velhas se sentarem à porta de sua casa no campo, sentindo aquela fragrância incomparável de pinho, mais doce do que o
bálsamo das Ilhas das Especiarias, pois não há nada de enjoativo naquele cheiro exuberante e estimulante; ouvindo o som da brisa como uma harpa no topo
das árvores e tricotando tranquilamente meias longas, enquanto os seus netos brincam no meio das flores e samambaias.
No final da tarde, também há algo indescritivelmente belo na floresta. O sol mergulha entre as árvores, e pinta entre os galhos manchas luminosas
douradas, ou cai sobre uma clareira, cheia de esplendor com sua cor alaranjada, criando um forte contraste com a sombra azul escura na beirada ocidental
da floresta ainda virgem. Os pássaros, em seguida, voltam apressados para seus ninhos, um falcão lá no alto, é iluminado com a luz solar; pulando e
brincando entre os galhos, o alegre esquilo vai para sua toca antes da noite chegar.
O sol se põe, mas o céu ainda brilha com o crepúsculo. Um gato selvagem berra nas profundezas da floresta, uma garça passa voando apressada, um
pelicano se equilibra em uma perna só no topo da chaminé da taberna. As corujas começam a aparecer e a piar, uhhh, uhhh, uhhh! Os lenhadores caminham
de volta para casa cantando.
Assim é Polomyja no verão, também muito parecida com ela são as outras aldeias espalhadas pela floresta, a intervalos de poucos quilômetros; em cada
uma, o edifício mais bem construído quando existe é a igreja, não que tenha algo muito notável além de seu campanário bulboso.
Você mal acreditaria, que em meio a toda essa pobreza, um mendigo poderia conseguir algum tipo subsistência, mesmo assim, alguns anos atrás, domingo
após domingo, lá estava um homem venerável de barba branca na porta da igreja, pedindo esmolas.
Os pobres habitualmente demonstravam compaixão e eram generosos, de modo que o velho geralmente ganhava alguns cobres, e muitas vezes alguma boa
mulher o convidava a entrar em sua cabana, e o deixava comer alguma coisa. Ocasionalmente Swiatek - esse era o nome do mendigo, tentava sobreviver
vendendo pequenos ornamentos de bijuteria e miçangas; geralmente, no entanto, ele vivia de esmolas.
Um domingo, depois da igreja, um Mazur e sua esposa convidaram o velho para sua cabana e lhe deram um pedaço de torta e um pouco de carne. Lá
haviam várias crianças, mas uma garotinha, de nove ou dez anos, atraiu a atenção do velho por sua simpatia natural de criança.
Swiatek enfiou a mão no bolso, tirou algo, e em seguida produziu um anel enrolando um pedaço de vidro colorido com papel. Esse adorno ele deu de
presente à menina, que saiu correndo encantada para mostrar sua joia à seus companheiros.
“Essa pequena criança é sua filha? ” Perguntou o mendigo.
“Não, ” respondeu a dona de casa, “ela é órfã; havia uma viúva nesta vila que morreu, deixando a menina, desde então eu tomo conta dela; uma boca a
mais não dificulta muito, e o bom Deus nos abençoa ainda mais. ”
“Sim, sim! Pode ter certeza de que Ele o faz; os órfãos e os desamparados estão sob Seu cuidado especial. ”
“Ela é muito boazinha, e não causa nenhum problema, ” observou a mulher. “Você volta para Polomyja esta noite? ”
“Ah, volto sim! ” Exclamou Swiatek, enquanto a pequena menina corria na sua direção. “Você gostou do anel? Ele é bonito, não é? Eu o encontrei sob um
grande pinheiro à esquerda do pátio da igreja, ainda pode haver muitos lá. Você deve girar três vezes, curvar se à lua e dizer: ‘Zaboi! ’ Então procurar nas
raízes das árvores até encontrar um. ”
“Venham comigo! ” Gritou a menina para as outras crianças; “Vamos lá procurar os anéis. ”
“Vocês devem procurar separadamente. ” Disse Swiatek.
As crianças saíram correndo para o bosque.
“Eu fiz uma coisa boa para você, ” disse o mendigo rindo, “ao livrar você, por algum tempo, do barulho das crianças. ”
“Estou contente com um tempinho de silêncio, ” disse a mulher; “as crianças não iam deixar o bebê dormir com tanto barulho. Você já vai? ”
“Sim, eu tenho que chegar a Polomyja esta noite. Eu sou velho, muito fraco e pobre, ” disse ele com seu gemido habitual, “muito pobre, mas eu agradeço e
rezo a Deus por vocês. ”
Swiatek se despediu e saiu da casa.
A pequena órfã nunca mais foi vista.
O governo austríaco, em meados do século XIX, promoveu vigorosamente a educação entre as classes mais baixas e construiu escolas em toda a província.
As crianças estavam retornando da escola um dia, e brincavam espalhadas entre as árvores, algumas perseguindo um camundongo do campo, outras
colhendo juniper berries, e algumas andando com as mãos nos bolsos, assobiando.
“Cadê o Peter? ” Perguntou um menininho para o outro que estava ao seu lado. “Nós três vamos para casa sempre juntos, pelo mesmo caminho. ”
“Peter! ” Gritou a criança.
“Eu estou aqui! ” Veio a resposta entre as árvores; “Já vou com vocês daqui a pouco. ”
“Lá, estou vendo ele! ” Disse o garoto mais velho. “Tem alguém conversando com ele. ”
“Onde? ”
“Lá, entre os pinheiros. Ah! Eles foram mais longe para sombra, e eu não consigo vê-los mais. Queria saber quem estava com ele; eu acho que era um
homem. ”
Os meninos esperaram até ficarem cansados, e então foram embora para casa, decididos a baterem em Peter por tê-los feito esperar.
Mas Peter nunca mais apareceu.
Algum tempo depois, uma garota, empregada de uma pequena loja mantida por um russo, desapareceu de uma aldeia a oito quilômetros de Polomyja. Ela
tinha sido enviada com uma encomenda de mercearia para uma casa no campo não muito distante, mas afastada da vila principal, e cercada por árvores.
O dia terminou e seu patrão ficou esperando ansiosamente por sua volta, como se passaram várias horas sem nenhum sinal dela, o russo e os vizinhos
saíram procurando por ela.
Uma leve camada de neve cobria o chão, e seus passos puderam ser rastreados nos intervalos onde ela saiu dos caminhos normais. Na parte da estrada onde
as árvores eram mais espessas, encontraram as marcas de dois pares de pés saindo do caminho; mas devido à densidade das árvores naquele ponto e à
suavidade com que a neve caia, pouca neve chegava ao solo, e onde o bosque estava coberto pelos pinheiros, as pegadas foram perdidas completamente.
Na manhã seguinte, uma pesada nevasca encobriu todos os vestígios que poderiam ter sido encontrados à luz do dia.
A garota nunca foi encontrada.
Durante o inverno de 1849, os lobos deviam estar bastante esfomeados, esta era a única explicação que as pessoas conseguiam dar para os misteriosos
desaparecimentos das crianças.
Um menino pequeno tinha sido enviado a uma fonte para buscar água; O jarro foi encontrado de pé junto ao poço, mas a criança havia desaparecido. Os
aldeões se uniram para procurar a criança, e os lobos que foram vistos foram caçados e mortos. Apesar dos esforços não tiveram nenhum sucesso em
encontrar a criança.
Já introduzimos vocês leitores a Polomyja, embora as ocorrências acima relatadas não tivessem lugar entre essas oito cabanas, mas sim nas aldeias
vizinhas. A razão de termos dado um relato mais detalhado desse conjunto de casas, que eram simples cabanas, agora se tornará evidente.
Em maio de 1849, o administrador de Polomyja perdeu um par de patos, e suas suspeitas caíram sobre o mendigo que lá morava, ao qual ele não tinha
muita estima, pois enquanto ele próprio trabalhava pesado, Swiatek se sustentava, mais a esposa e os filhos principalmente mendigando, embora possuísse
terras aráveis suficientes para produzir uma excelente colheita de milho, e também legumes, se fossem pelo menos cultivados com um pouco de trabalho.
Quando o gerente se aproximou da cabana, um cheiro perfumado de assado cumprimentou suas narinas. “Agora eu vou pegar ele no pulo,” disse o homem
para si mesmo, abrindo a porta e tomando cuidado para não ser percebido.
Quando abriu a porta, viu o mendigo arrastar rapidamente algo sob seus pés, e escondê-lo por debaixo de suas roupas compridas. O gerente voou para cima
dele na mesma hora, o pegou pela garganta, chamou de ladrão, e o ergueu fora de sua cadeira. Foi quando a prova do crime monstruoso apareceu. De baixo
da roupa do mendigo, saiu rolando a cabeça de uma garota com catorze ou quinze anos de idade, cuidadosamente decepada fora do corpo.
Em pouco tempo os vizinhos chegaram. O venerável Swiatek foi preso, junto com sua esposa, a filha de dezesseis anos e um filho de cinco anos.
A cabana foi cuidadosamente examinada, os restos mutilados da pobre menina foram encontrados. Em um barril estavam as pernas e coxas, umas partes
cruas, outras cozidas ou assadas. Em um baú estavam o coração, o fígado e as entranhas, todos muito bem preparados e limpos como se tivessem sido
trabalho de um hábil açougueiro; E finalmente, debaixo do forno estava uma tigela cheia de sangue fresco.
Em seu caminho para o magistrado do distrito. O infeliz se jogava repetidamente no chão, lutava com seus guardas e tentava se sufocar engolindo torrões
de terra e pedras, mas acabava sendo impedido por seus captores.
Quando chegou perante o Protokoll em Dabkow, ele confessou que já havia matado seis pessoas e as tinha comido junto com sua família.
Seus filhos, entretanto, afirmaram que o número era muito maior do que ele havia declarado, e isto foi confirmado pelo fato de que os restos de catorze
toucas e chapéus diferentes, junto com os ternos de roupas, foram encontrados em sua casa, tanto masculinos quanto femininos.
A origem do gosto por estes crimes horríveis e depravados foi a seguinte, segundo a confissão do próprio Swiatek:
Em 1846, três anos antes, uma taberna judaica na vizinhança tinha sido queimada, e o dono havia morrido no incêndio. Swiatek, ao examinar as ruínas,
encontrou o cadáver do dono meio assado entre as vigas carbonizadas da casa. Naquela época, o velho estava passando muita fome, tendo ficado sem
comida por algum tempo. O aroma e a visão da carne assada o inspiraram com um incontrolável desejo de experimentar.
Swiatek então rasgou uma porção da carcaça matando sua fome com ela, ao mesmo tempo adquiriu tanto gosto, que não ficou satisfeito enquanto não
conseguiu provar novamente.
Sua segunda vítima foi a pobre menina órfã antes relatada. Desde então, isto é, durante o período de pelo menos três anos, ele frequentemente se saciava da
mesma maneira, chegando realmente a engordar com suas terríveis refeições.
A revolta da população despertada pela descoberta dessas atrocidades foi enorme. Várias pobres mães que haviam lamentado a perda de seus pequeninos,
sentiram suas feridas reabrirem de dor. A indignação popular se elevou ao seu nível máximo, haviam suspeitas de que Swiatek seria despedaçado vivo pelo
povo enfurecido, quando fosse levado para o julgamento. Mas o maldito covarde se salvou da fúria do povo, tomando precauções para garantir um fim
menos trágico, pois na primeira noite de seu confinamento, ele cometeu suicídio, se enforcando pendurado nas barras da janela da prisão.
MARECHAL DE RETZ - INVESTIGAÇÕES

Nós daremos em detalhes a história do homem que dá nome a este capítulo, as circunstâncias que vamos narrar nunca foram contadas com precisão ao
público em geral. O nome de Gilles de Laval pode ser bem conhecido, pois os esboços de sua carreira sangrenta apareceram em muitas biografias, mas
estes esboços eram muito incompletos, porque o material de que eram compostos era pouco. Monsieur Michelet sozinho se aventurou dar ao público uma
idéia dos crimes que trouxeram um marechal da França à forca, e suas revelações eram tais que, nas palavras de Monsieur Henri Martin:
“Até esta era de ferro, que parecia ser incapaz de sentir surpresa com qualquer quantidade de mal, ficou espantada ”
Monsieur Michelet derivou suas informações do resumo dos papéis relativos ao caso, feito por ordem de Ann da Bretanha (Noroeste da França), na
Biblioteca Imperial. Os documentos originais estavam na biblioteca de Nantes e grande parte deles foram destruídos na Revolução Francesa em 1789. Mas
uma análise cuidadosa foi feita deles, e este valioso resumo, que era inacessível a Monsieur Michelet, caiu nas mãos de Monsieur Lacroix, o famoso
antiquário francês, que publicou as memórias do marechal a partir das informações obtidas, e a sua obra é de longe a mais completa que já apareceu, a qual
nós condensamos aqui em três capítulos.
“A imaginação mais doentia e depravada, jamais poderia imaginar o que o julgamento revelou. ”, disse Monsieur Henri Martin.
Monsieur Lacroix foi obrigado a colocar um véu sobre o que aconteceu, e nós aumentamos ainda mais o véu. Entretanto, contaremos o suficiente para
mostrar que este julgamento memorável apresenta horrores provavelmente insuperáveis em todo o volume da história mundial.
Durante o ano de 1440, um rumor terrível se espalhou pela Bretanha, e especialmente através do antigo Pays de Retz (território na França), que se estende
ao longo do Sul do Rio Loire de Nantes para Paimboeuf, no sentido de que um dos nobres mais famosos e poderosos da Bretanha, Gilles de Laval, o
Marechal de Retz, foi culpado de crimes da natureza mais diabólica.
Gilles de Laval, filho mais velho de Gay de Laval, que era bem relacionado com a família real da Bretanha. Gilles de Laval perdeu seu pai quando tinha
vinte anos e se tornou o senhor de uma vasta herança territorial, que foi aumentada por seu casamento com Catherine de Thouars em 1420. Ele investiu
uma parte de sua fortuna na causa de Carlos VII e no fortalecimento da coroa francesa. Durante sete anos consecutivos, de 1426 a 1433, esteve engajado
em campanhas militares contra os ingleses; seu nome é sempre citado junto com os de Dunois, Xaintrailles, Florent d'Illiers, Gaucourt, Richemont, e os
servos mais fieis do rei.
Seus serviços foram rapidamente reconhecidos pelo rei, que o nomeou Marechal da França. Em 1427, ele assaltou o Castelo de Lude, o destruindo como se
fosse uma tempestade; Ele matou com suas próprias mãos o comandante do castelo; no ano seguinte capturou dos ingleses a fortaleza de Rennefort, e o
Castelo de Malicorne; em 1429, participou ativamente da expedição de Joana d'Arc para a libertação de Orleans e a ocupação de Jargeau, ele estava com
ela no fosso, quando ela foi ferida por uma flecha sob as muralhas de Paris.
Como marechal, conselheiro e camareiro do rei participou na direção dos assuntos públicos, e logo obteve toda a confiança de seu mestre. Ele acompanhou
Carlos a Rheims na ocasião de sua coroação e teve a honra de levar a bandeira do rei, trazida para a ocasião da abadia de S. Remi.
Sua coragem no campo de batalha era tão notável quanto sua sagacidade no conselho, e ele provou ser um excelente guerreiro e um político astuto. De
repente, para surpresa de todos, ele se afastou dos serviços de Carlos VII, guardou sua espada, e se aposentou no campo.
A morte de seu avô materno, Jean de Craon, em 1432, o fez tão absurdamente rico, que suas receitas eram estimadas em 800.000 libras; no entanto, em
dois anos, por seu desperdício excessivo, ele conseguiu perder uma parcela considerável de sua herança. As propriedades de Mauléon, St. Etienne de
Malemort, Loroux-Bottereau, Pornic e Chantolé, foram vendidas a John V., duque da Bretanha, seu parente, outras terras e direitos senhoriais ele cedeu ao
Bispo de Nantes, incluindo a capela da catedral naquela cidade.
O rumor logo se espalhou dizendo que esta extensa cessão de territórios eram subornos para o duque e o bispo, tentando impedir o primeiro de confiscar
seus bens, e o outro de excomunga-lo, pelos crimes que o povo o acusava; mas estes rumores eram provavelmente sem fundamentos, porque
posteriormente se provou ser difícil de persuadir o duque da culpa de seu parente, e o bispo era o instigador mais determinado do julgamento.
O marechal raramente visitava a corte do duque, mas aparecia frequentemente na cidade de Nantes, onde se hospedava no Hôtel de la Suze, com um cortejo
digno de um príncipe. Ele tinha, sempre o acompanhando, uma guarda de duzentos homens armados, e um grande número de pajens, escudeiros, capelães,
cantores, astrólogos, etc…, e a todos e ele pagava generosamente.
Sempre que ele saía da cidade, ou se movia para um de seus outros castelos, os gritos dos pobres, que haviam sido refreados durante o tempo de sua
presença, brotavam. As lágrimas escorriam, maldições eram pronunciadas, os gemidos de dor e tristeza se elevavam ao céu, a partir do momento em que o
último servo do marechal deixava as redondezas. As mães haviam perdido suas crianças, bebês tinham sido arrancados do berço, crianças haviam sido
quase arrancadas dos braços maternos, e era sabido pela triste experiência que as crianças desaparecidas nunca mais seriam vistas.
Mas em nenhuma outra parte do país, a sombra desse terror era sentida tão gravemente como nas aldeias vizinhas ao Castelo de Machecoul. Este era um
chateou sombrio, composto de torres enormes, e cercado por fossos profundos, uma residência muito frequentada pelo Marechal de Retz, não obstante sua
aparência sombria e repulsiva.
A fortaleza sombria estava sempre em condições de resistir a um cerco. Neste caso a ponte levadiça seria levantada, a grade seria baixada, os portões
fechados, os homens já estavam armados e os canhões no bastião estavam sempre carregados.
Ninguém, exceto criados, entrou nesse asilo misterioso e saiu vivo. Na província ao redor circulavam histórias demoníacas de terror, e ainda assim era
observado que a capela do castelo era ricamente adornada com tapeçarias de seda, tecidos finos e ouro, que os cálices sagrados estavam incrustados de
pedras preciosas, e que as vestes dos sacerdotes eram de caráter mais refinados. A devoção excessiva do marechal também era notada; dizia-se que ele
assistia a missa três vezes por dia e que gostava apaixonadamente da música eclesiástica. Ele pediu permissão ao Papa, para que uma pessoa carregasse um
crucifixo a sua frente nas procissões.
Mas quando o crepúsculo caia sobre a floresta, uma a uma as janelas do castelo se iluminavam, os camponeses apontavam para uma janela no alto de uma
torre isolada, da qual uma luz clara atravessava a escuridão da noite; eles falavam de um forte brilho vermelho que irradiava da câmara às vezes, e de gritos
agudos pavorosos que saiam dela atingindo os bosques fechados, sendo respondidos apenas pelos uivos de um lobo que se levantava de seu covil
começando suas caminhadas noturnas.
Em certos dias, no mesmo horário, a ponte levadiça era baixada, e os criados de Sire de Retz ficavam na entrada distribuindo roupas, dinheiro e comida aos
mendigos que se aglomeravam ao redor deles pedindo esmolas. Muitas vezes acontecia que haviam crianças entre os mendigos. Como de costume um dos
criados lhes prometiam alguma guloseima se eles fossem para a cozinha com ele. As crianças que aceitavam o convite nunca mais eram vistas.
Em 1440, uma longa revolta do povo quebrou todos os limites, e com uma só voz acusavam o marechal pelo o assassinato de seus filhos, que diziam terem
sido sacrificados ao diabo.
Esta acusação chegou aos ouvidos do duque da Bretanha, mas ele a rejeitou de início, e não teria tomado nenhuma medida para investigar a verdade, se não
fosse pela grande insistência de um de seus nobres. Ao mesmo tempo, Jean do Châteaugiron, bispo de Nantes, e o nobre sábio Pierre de l’Hospital, juiz
supremo da Bretanha, escreveram ao duque, expressando muito nitidamente seus pontos de vista, afirmando que a acusação exigia uma investigação
completa.
John V. estava relutante em se envolver em uma acusação contra um homem que tinha servido tão bem o seu país, e ocupando uma posição tão elevada,
mas finalmente acabou cedendo aos pedidos, e os autorizou a prenderem Sire de Retz e seus cúmplices.
Um sargento de armas, Jean Labbé, ficou encarregado desta difícil missão. Ele escolheu um grupo de bravos cavaleiros, vinte no total, e em meados de
setembro eles se apresentaram aos portões do castelo, e intimaram Sire de Retz a se render. Assim que Gilles ouviu que uma tropa fardada da Bretanha
estava aos portões, ele perguntou quem era seu líder? Ao receber a resposta “Labbé ”, ele começou a ficar pálido, fez o sinal da cruz e preparou se para se
render, observando que era impossível resistir ao destino.
Anos antes, um de seus astrólogos lhe assegurou que um dia passaria pelas mãos de um Abbé (abade), E até aquele momento, De Retz tinha suposto que a
profecia significava que ele acabaria se tornando um monge.
Gilles de Sillé, Roger de Briqueville e outros cúmplices do marechal, fugiram, mas Henriet e Pontou ficaram com ele.
A ponte levadiça foi baixada e o marechal ofereceu sua espada a Jean Labbé. O sargento de armas se aproximou, ajoelhou se ao marechal e desenrolou
perante ele um pergaminho selado com o selo da Bretanha.
“Diga-me o teor deste pergaminho? ” Disse Gilles de Retz com dignidade.
“Nosso bom Senhor da Bretanha, por meio deste vos ordena, meu senhor, que me siga até a boa cidade de Nantes, para se defender de certas acusações
criminais contra você. ”
“Seguirei imediatamente, meu amigo, contente de obedecer à vontade de meu Lorde da Bretanha: mas que não possam dizer que o Senhor de Retz tenha
recebido uma mensagem sem generosidade, eu ordeno meu tesoureiro, Henriet, para entregar a você e seus companheiros vinte coroas de ouro. ”
“Grand-merci, monseigneur! Eu oro a Deus para que ele possa lhe dar vida boa e longa. ”
“Ore para que Deus tenha misericórdia de mim e perdoe meus pecados. ”
O marechal mandou selar os seus cavalos, e deixou Machecoul com Pontou e Henriet, que tinham participado de seus atos.
Foi com euforia que as pessoas das aldeias atravessadas pela pequena tropa viam o terrível Gilles de Laval percorrer suas ruas, cercado por soldados com a
farda do duque da Bretanha e desacompanhado por um único soldado dos seus. Uma multidão se aglomerava nas estradas e ruas, os camponeses deixavam
os campos, as mulheres as suas cozinhas, os trabalhadores desertavam o gado no arado, todos eles seguiam a multidão na estrada para Nantes. A cavalgada
continuava em silêncio. A própria multidão que se reuniu para vê-la, estava em silêncio. De repente mulher gritou:
“Minha criança! Devolva minha criança! ”
Então, um rugido selvagem e violento explodiu dos lábios da multidão, e soou ao longo da estrada de Nantes, só diminuindo quando os grandes portões do
Chateau de Bouffay fecharam o prisioneiro.
Toda a população de Nantes estava agitada e dizia se que a investigação seria fictícia, pois o duque investigaria seu parente e o deixaria escapar com a
rendição de algumas de suas terras.
E provavelmente isto teria acontecido no julgamento, se o bispo de Nantes e o juiz supremo não tivessem decidido conduzir o caso. Os dois não deixaram
em paz o duque, até que ele cedeu às suas exigências de uma investigação minuciosa e um julgamento público.
John V. nomeou Jean de Toucheronde para coletar informações, e para derrubar as acusações feitas contra o marechal. Ao mesmo tempo, deu se a entender
que o assunto não deveria ser investigado a fundo, e que as acusações sobre as quais o marechal seria julgado, seriam suavizadas o tanto quanto possível.
O comissário, Jean de Toucheronde, abriu a investigação no dia 18 de setembro, auxiliado apenas por seu secretário, Jean Thomas. As testemunhas eram
apresentadas individualmente, ou em grupos, se tivessem alguma relação. Ao entrar, a testemunha se ajoelhava diante do comissário, beijava o crucifixo e
jurava com a mão sobre a bíblia que diria toda verdade e nada além da verdade: depois disto ela relatava todos os fatos referentes à acusação que sabia, sem
ser interrompida ou interrogada.
A primeira a se apresentar foi Perrine Loessard, que vivia em la Roche-Bernard.
Ela relatou, com lágrimas nos olhos, que há dois anos, no mês de setembro, o Sire de Retz tinha passado com toda a sua comitiva por Roche-Bernard, a
caminho de Vannes, e tinha se hospedado com Jean Collin. Ela morava em frente à casa em que o nobre estava hospedado.
Seu filho, o mais bonito da aldeia, um garoto de dez anos, atraíra a atenção de Pontou, e talvez do próprio marechal, que estava em uma janela, apoiado no
ombro do escudeiro.
Pontou falou com a criança, e perguntou lhe se ele gostaria de ser um corista; o menino respondeu que sua ambição era ser um soldado.
“Bem, então, ” disse o escudeiro, “eu vou equipá-lo. ”
O garoto então segurou a adaga de Pontou e expressou seu desejo de ter uma arma daquelas no cinto. Depois disso, a mãe correu para cima deles e fez com
que ele deixasse de segurar a adaga, dizendo que o rapaz estava indo muito bem na escola, e estava aprendendo as letras, pois um dia ele seria um monge.
Pontou a dissuadiu desse projeto e propôs levar a criança com ele para Machecoul, e educa-lo para que se tornasse um soldado. Então ele deu ao seu
palhaço cem sols para comprar uma roupa nova para o garoto, e obteve permissão da mãe para leva-lo.
No dia seguinte, seu filho estava montado em um cavalo comprado para ele de Jean Collin, e saiu da aldeia no cortejo de Sire de Retz. A pobre mãe, ao se
despedir, pediu com os olhos cheios de lágrimas ao marechal para que ele fosse gentil com seu filho. A partir desse momento, ela nunca mais teve notícias
de seu amado filho. Ela ficava olhando a comitiva de Sire de Retz sempre que ele passava por La Roche Bernard, mas nunca conseguia ver seu filho entre
os pajens do marechal. Ela perguntava sobre seu filho a várias pessoas da comitiva do marechal, mas eles riam dela; a única resposta que davam era:
“Não se aflija. Ele está em Machecoul, ou então em Tiffauges, ou em Pornic, ou em algum outro lugar qualquer. ” A história de Perrine foi confirmada por
Jean Collin, sua esposa e sua sogra.
Jean Lemegren e sua esposa, e mais Alain Dulix, Perrot Duponest, Guillaume Guillon, Guillaume Portayer, Etienne de Monclades e Jean Lefebure, todos
habitantes de Saint Etienne de Montluc, deram depoimento sobre uma criança pequena, filho de Guillaume Brice da dita paróquia, que tendo perdido seu
pai aos nove anos idade, vagava pelos campos pedindo esmolas.
Essa criança, chamada Jamet, desapareceu de repente no meio do verão, e nada se sabia sobre o seu paradeiro; mas haviam fortes suspeitas dele ter sido
levado por uma velha bruxa que tinha aparecido pouco antes na vizinhança, e depois desapareceu misteriosamente na mesma época que a criança.
No dia 27 de setembro, Jean de Toucheronde, assistido por Nicolas Chateau, notário do tribunal de Nantes, recebeu os depoimentos de vários habitantes de
Pont-de-Launay, perto de Bouvron: a saber, Guillaume Fourage e esposa; Jeanne, esposa de Jean Leflou; e Richarde, esposa de Jean Gandeau.
Estes depoimentos, apesar de muito vagos, ofereceram motivos suficientes para que as suspeitas caíssem sobre marechal. Dois anos antes, uma criança de
doze anos, filho de Jean Bernard, e também outro menino da mesma idade, filho de Ménégué, tinham ido a Machecoul. O filho de Ménégué tinha voltado
sozinho à noite, contando que seu companheiro lhe pedira que o esperasse na estrada enquanto ele ia pedir esmolas nos portões de Sire de Retz. O filho de
Ménégué disse que esperou por três horas, mas seu companheiro não voltou. A esposa de Guillaume Fourage depôs que viu o rapaz com uma velha bruxa,
que o conduzia pela mão para Machecoul. Naquela mesma noite, esta bruxa passou pela ponte de Launay, e a esposa de Fourage lhe perguntou o que tinha
acontecido com o pequeno Bernard. A velha continuou andando e respondeu apenas que a criança agora estava bem provida. O menino nunca mais foi
visto desde então.
No dia 28 de setembro, o Duque da Bretanha se juntou a outro comissário, Jean Couppegorge, e a um segundo notário, Michel Estallure, e aumentaram
assim a equipe de Toucheronde e Chateau. Os habitantes de Machecoul, pequena cidade sobre a qual o Sire de Retz exercia o poder supremo, apareceram
em seguida para depor contra seu senhor. André Barbier, sapateiro, declarou que na última Páscoa, uma criança, filho de seu vizinho Georges Lebarbier,
tinha desaparecido. Ele foi visto pela última vez colhendo ameixas atrás do Hotel Rondeau. Este desaparecimento não surpreendeu ninguém em
Machecoul, e ninguém se atreveu a comentá-lo. André e sua esposa ficaram atormentados por perderem seu próprio filho. Eles saíram em peregrinação até
Saint Jean d'Angely, e ficavam perguntando se era costume em Machecoul comer crianças. Ao voltarem, ouviram falar de mais duas crianças
desaparecidas; o filho de Jean Gendron e o de Alexandre Châtellier. André Barbier fez algumas investigações sobre as circunstâncias do desaparecimento
das crianças, e acabou sendo aconselhado a segurar sua língua, e tampar seus olhos e ouvidos, a menos que estivesse preparado para ser jogado em uma
masmorra pelo senhor de Machecoul.
“Mas, Deus me abençoe! ” Ele disse, “devo acreditar, que aqui aparece uma fada que devora as nossas crianças? ”
“Acredite no que você quiser”, foi o conselho dado a ele, “mas não faça perguntas. ” Na hora em que estava ocorrendo esta conversa, um dos soldados do
marechal ia passando, então todos que estavam juntos saíram bem depressa do local. André, que tinha corrido com os demais, sem saber exatamente por
que fugia, encontrou um homem perto da igreja da Santíssima Trindade, que estava chorando amargamente, e clamando, “Ó meu Deus, me ajude a
encontrar meu pequenino. ” Este homem também teve o filho desaparecido.
Licette, esposa de Guillaume Sergent, residente em La Boneardière, na paróquia de Saint Croix de Machecoul, havia perdido seu filho dois anos antes, e
não o tinha visto mais desde então; ela implorou aos comissários, com lágrimas nos olhos, para que o devolvessem a ela.
“Eu o deixei”, disse ela, “em casa, enquanto eu ia ao campo com meu marido para semear linho. Ele era um garotinho magrinho, e ele era um menino
muito bom. Ele ficou cuidando de sua irmãzinha, que tinha um ano e meio de idade. Ao voltarmos para casa, nós encontramos a menina, mas ela não
conseguiu nos dizer o que havia acontecido com ele. Depois, encontramos no pântano uma pequena jaqueta de lã vermelha que pertencia à nosso querido
filho; mas foi em vão dragarmos o pântano, nada mais foi encontrado, exceto uma boa evidência de que ele não tinha se afogado. ”
“Um vendedor ambulante que vendia agulhas e linhas, ao passar por Machecoul na época, me disse que viu uma velha de roupa cinza e capuz preto que já
tinha comprado dele alguns brinquedos de criança, passar conduzindo um garotinho pela mão. ”
Georges Lebarbier, que vivia perto do portão do Châtelet de Machecoul, relatou a maneira como seu filho havia desaparecido. O menino era aprendiz de
Jean Pelletier, alfaiate do Marechal de Retz e de sua criadagem no castelo. Ele parecia estar levando o jeito para aprender sua profissão, quando no ano
passado, por causa do dia de São Barnabé, ele foi brincar no castelo verde. Ele nunca mais voltou da brincadeira.
Este aprendiz e seu mestre, Jean Pelletier, tinham o hábito de comer e beber no castelo, e sempre riam das histórias sinistras contadas pelo povo.
Guillaume Hilaire e sua esposa confirmaram as declarações de Lebarbier. Eles também disseram que sabiam do desaparecimento dos filhos de Jean
Gendron, Jeanne Rouen e Alexandre Châtellier. O filho de Jean Gendron, com doze anos de idade, trabalhava com Hilaire e tinha aprendido com ele o
ofício de negociante de peles. Ele trabalhava na loja desde os sete ou oito anos de idade e era um rapaz dedicado e trabalhador. Um dia, os senhores Gilles
de Sillé e Roger de Briqueville entraram na loja para comprar um par de luvas de caça. Eles perguntaram se o pequeno Gendron poderia levar uma
mensagem deles ao castelo. Hilaire consentiu prontamente, o menino recebeu de antemão o pagamento para ir, um ângelus de ouro, e saiu prometendo
voltar diretamente para a loja. Mas ele nunca mais voltou. Naquela noite, Hiliare e sua esposa, vendo Gilles de Sillé e Roger de Briqueville retornando ao
castelo, correram até eles e perguntaram o que tinha acontecido com o aprendiz. Eles responderam que eles não sabiam onde ele estava, pois estavam
ausentes caçando, mas que era possível que ele pudesse ter sido enviado a Tiffauges, outro castelo de Sire de Retz.
Guillaume Hilaire, cujos depoimentos eram mais graves e explícitos do que os outros, afirmou que Jean Dujardin, criado de Roger de Briqueville, lhe disse
que sabia de um fosso escondido no castelo, cheio de cadáveres de crianças. Ele disse que ouviu muitas vezes pessoas dizendo que as crianças eram
atraídas para o castelo e depois assassinadas. Ele disse, além disso, que o marechal não seria acusado de ter qualquer participação nos assassinatos, mas que
seus servos supostamente levariam a culpa.
O próprio Jean Gendron deu o depoimento sobre à perda de seu filho, e acrescentou que não era a única criança que havia desaparecido misteriosamente
em Machecoul. Ele sabia sobre mais trinta crianças que também tinham desaparecido.
Jean Chipholon, pai e filho, Jean Aubin, e Clemente Doré, todos habitantes da paróquia de Thomage, depuseram que conheciam um homem pobre daquela
mesma paróquia, chamado Mathelin Thomas, que tinha perdido seu filho de doze anos, e que em consequência disto tinha morrido de tanta tristeza.
Jeanne Rouen, de Machecoul, que há nove anos ainda não sabia com certeza se seu filho estava vivo ou morto, depôs que a sua criança tinha sido levada
embora enquanto cuidava das ovelhas. No princípio ela pensou que ele tinha sido devorado por lobos, mas duas mulheres de Machecoul, agora já falecidas,
tinham visto Gilles de Sillé aproximar se do pastorzinho, falar com ele e apontar para o castelo. Pouco depois o garotinho foi andado naquela direção. O
marido de Jeanne Rouen foi ao castelo para perguntar sobre seu filho, mas não conseguiu obter nenhuma informação. Quando Gilles de Sillé apareceu na
cidade, a desconsolada mãe o suplicou que lhe devolvesse o filho. Gilles respondeu que ele não sabia nada sobre a criança, pois durante este tempo ele
estava com o rei em Amboise.
Jeanne, viúva de Aymery Hedelin, que vivia em Machecoul, também perdera, oito anos antes, o pequeno filho que tinha ido brincar de caçar borboletas no
bosque. Na mesma época, quatro outras crianças foram levadas, as de Gendron, Rouen e Macé Sorin. Ela disse que a história que circulava pela região era
que Gilles de Sillé roubava as crianças para entrega-las aos ingleses, a fim de obter o resgate de seu irmão que era prisioneiro. Mas ela acrescentou que
conseguiu rastrear a fonte desta história até os servos de Sillé, e eram eles que estavam propagando este boato.
Uma das últimas crianças a desaparecer foi a de Noel Aise, que morava na paróquia de Saint Croix.
Um homem de Tiffauges lhe dissera (Jeanne Hedelin) que, para cada criança roubada em Machecoul, sete eram levadas em Tiffauges.
Macé Sorin confirmou o depoimento da viúva Hedelin e repetiu as circunstâncias relacionadas com a perda dos filhos de Châtellier, Rouen, Gendron e
Lebarbier.
Perrine Rondeau entrou no castelo acompanhada por Jean Labbé. Ela entrou num estábulo e encontrou um monte grande de cinzas e pó, que tinha um
cheiro doentio e peculiar. No fundo de uma cova, encontrou uma camisa de criança coberta de sangue.
Os seguintes habitantes da vizinhança de Fresnay: Perrot, Parquete, Jean Soreau, Catherine Degrépie, Gilles Garnier, Perrine Viellard, Marguerite Rediern,
Marie Carfin, Jeanne Laudais, disseram ter ouvido Guillaume Hamelin, na última Páscoa, lamentando a perda de dois filhos.
Isabeau, esposa de Guillaume Hamelin, confirmou estas declarações, dizendo que perdera as duas crianças sete anos antes. Ela tinha naquela época quatro
filhos; o mais velho tinha quinze anos, o mais jovem tinha sete anos, eles foram juntos a Machecoul para comprar pão, mas nunca mais voltaram. Ela
procurou por eles durante toda a noite e durante a manhã seguinte. Ela ouviu também que outra criança tinha desaparecido, o filho de Michaut Bonnel de
Saint Ciré de Retz.
Guillemette, esposa de Michaut Bonnel, disse que seu filho tinha sido levado embora enquanto guardava as vacas.
Guillaume Rodigo e sua esposa, que moravam em Bourg-neuf-en-Retz, depuseram que na véspera do último dia de São Bartolomeu, o Sire de Retz se
alojou com Guillaume Plumet em sua aldeia.
Pontou, que acompanhava o marechal, viu um rapaz de quinze anos, chamado Bernard Lecanino, servo de Rodigo, de pé à porta de sua casa. O rapaz não
sabia falar francês muito bem, falava apenas bas-bretão básico. Pontou acenou para ele e falou com ele em um tom de voz baixo. Naquela noite, às dez
horas, Bernard deixou a casa de seu senhor. Rodigo e sua esposa estavam ausentes. A camareira, que o viu sair, o chamou e disse que a mesa da ceia ainda
não estava limpa, mas ele não prestou atenção ao que ela disse. Rodigo, irritado com o sumiço de seu criado, perguntou a alguns dos homens do marechal o
que tinha acontecido com ele. Os homens responderam zombeteiramente que não sabiam de nada sobre o pequeno bretão, mas que ele provavelmente tinha
sido enviado a Tiffauges para ser treinado como pajem de seu mestre. Marguerite Sprain, a camareira, confirmou a declaração de Rodrigo, acrescentando
que Pontou tinha entrado na casa e falado com Bernard. Guillaume Plumet e sua esposa confirmaram o que Rodrigo e Sprain disseram.
Thomas Aysée e a esposa depuseram sobre o desaparecimento de seu filho de dez anos, que tinha ido mendigar no portão do castelo de Machecoul; e uma
garotinha o viu sendo levado para dentro do castelo por uma oferta de carne.
Jamette, esposa de Eustache Drouet, de Saint Léger, mandou dois filhos ao castelo, um com dez anos e o outro com sete, para pedir esmolas. E desde então
ninguém mais os viu.
No dia 2 de outubro, os comissários se reuniram novamente, as acusações se tornaram mais graves, e os servos do marechal também se mostravam cada
vez mais implicados.
O desaparecimento de treze outras crianças também foi confirmado sob circunstâncias que lançavam forte suspeita sobre os habitantes do castelo. Nós não
daremos os detalhes, porque eles se assemelham muito aos dos depoimentos anteriores.
Basta dizer que, antes que os comissários encerrassem o inquérito, um mensageiro do duque da Bretanha, com manto oficial, tocou a trombeta três vezes,
dos degraus da torre de Bouffay, convocando todos os que tinham acusações adicionais contra o Sire de Retz, para se apresentarem sem demora. Como não
apareceram novas testemunhas, julgou se que os depoimentos estavam prontos, e os comissários visitaram o duque, com as informações que haviam
coletado em mãos.
O duque hesitou quanto aos próximos passos que daria. Deveria ele, julgar e condenar um parente, o mais poderoso de seus vassalos, o mais corajoso de
seus capitães, um conselheiro do rei, um marechal da França?
Embora ainda incerto em sua mente quanto ao curso que deveria seguir, recebeu uma carta de Gilles de Retz, que produziu um efeito bastante diferente do
que se desejava obter.

“MONSIEUR MEU PRIMO E HONRADO SIRE,


É bem verdade que eu seja talvez o mais detestável de todos os pecadores, tendo pecado horrivelmente de novo e de novo, mas nunca falhei em meus
deveres religiosos. Tenho assistido muitas missas, vésperas, etc., tenho jejuado na Quaresma e em vigílias, tenho confessado meus pecados arrependido de
coração e recebido o sangue de nosso Senhor pelo menos uma vez ao ano.
Desde que eu sou mantido na prisão, esperando sua honrada justiça, estou sendo esmagado com um incomparável arrependimento por meus crimes, aos
quais estou pronto para assumir e ser tratado como for adequado.
Por isso vos suplico, monsieur meu primo, que dê licença para me aposentar num mosteiro, e lá levar uma vida bondosa e exemplar. Não me importa para
que mosteiro serei enviado, mas pretendo que todos os meus bens, etc., sejam distribuídos entre os pobres, que são da família de Jesus Cristo na Terra…
Aguardando a vossa clemência gloriosa, na qual eu confio, peço a Deus nosso Senhor para dar proteção a você e seu reino.
Aquele que se dirige a vós está em total humildade terrena,

FRADE GILLES,
Carmelita em intenção. ”

O duque leu esta carta a Pierre de l’Hospital, presidente da Bretanha e ao bispo de Nantes, que eram os mais determinados a levarem a diante o julgamento.
Eles ficaram horrorizados com o tom desta carta terrível, e asseguraram ao duque que o caso estava tão claro, e com tantas testemunhas que seria
impossível para ele permitir que Sire de Retz escapasse do julgamento por um dispositivo tão ímpio como o sugerido na carta. Enquanto isso, o bispo e o
juiz supremo tinham iniciado uma investigação no castelo de Machecoul, e encontraram inúmeros vestígios de restos humanos. Mas um exame completo
não pode ser feito, já que o duque estava ansioso para acobertar seu parente, o tanto quanto possível, e se recusou a autorizar um exame completo.
O duque em seguida convocou seus principais oficiais e realizou um conselho com eles. Eles apoiaram por unanimidade o bispo e de l’Hospital, e quando o
duque John ainda hesitou, o bispo de Nantes levantou-se e disse: “Monsenhor, este caso é tanto para a igreja quanto para a sua corte. Consequentemente, se
o presidente de Bretanha não trouxer o caso ao tribunal secular, pelo Juiz do céu e da terra! Vou citar o autor desses crimes hediondos para comparecer
perante nosso tribunal eclesiástico. ”
A determinação do bispo obrigou o duque a ceder, e foi decidido que o julgamento deveria seguir seu curso sem atraso ou impedimento.
Nesse meio tempo, a infeliz esposa de Gilles de Retz, que havia sido separada dele por algum tempo, e que abominava seus crimes, embora ainda sentisse
afeto por ele como seu marido, recorreu ao duque com sua filha para pedir perdão pelo infeliz homem. Mas o duque se recusou a ouvi la. Então ela foi para
Amboise pedir ao rei que ele intercedesse por aquele que um dia tinha sido seu grande amigo e conselheiro.
MARECHAL DE RETZ - JULGAMENTO

No dia 10 de outubro, Nicolas Chateau, notário do duque, foi ao castelo de Bouffay, para ler ao prisioneiro a convocação para comparecer no dia seguinte
perante os Lordes do l’Hospital, o Presidente da Bretanha, o Juiz Supremo de Rennes e ao Chefe de Justiça do Ducado da Bretanha.
Sire de Retz, que já se considerava noviço na Ordem dos Carmelitas, vestia se de branco e se dedicava a cantar ladainhas. Quando a convocação foi lida,
ordenou um pajem para dar ao notário vinho e bolo, e então ele voltou às suas orações com toda aparência de remorso e piedade.
No dia seguinte, Jean Labbé e quatro soldados o conduziram até a sala da justiça. Ele pediu a Pontou e a Henriet para acompanha-lo, mas isso não foi
permitido.
Ele estava usando todas as suas insígnias militares, como que para se impor aos seus juízes; ele tinha ao redor do pescoço enormes correntes de ouro, e
vários colares de ordens dos cavaleiros. Sua roupa era completamente branca, em sinal de seu arrependimento, exceto pela jaqueta. Sua jaqueta era de seda
cinza pérola, cravejada de estrelas de ouro, e cingida em torno de sua cintura por um cinto escarlate, a partir do qual pendia um punhal longo em bainha de
veludo escarlate. Seu colarinho, punhos e a borda de sua jaqueta eram de uma pelagem branca felpuda, seu chapéu pequeno era branco, tinha uma faixa de
pele felpuda, uma pelagem que só os grandes senhores feudais da Bretanha tinham o direito de usar. Todo o resto da roupa, até os sapatos longos e
pontudos, eram brancos.
Ninguém à primeira vista teria pensado que Sire de Retz fosse por natureza tão cruel e depravado como era de fato. Pelo contrário, sua fisionomia era
calma e pacifica, um pouco pálida e de expressão melancólica. Seus cabelos e bigode eram castanhos claro, e sua barba tinha um corte bem feito. Esta
barba, que não se assemelhava a nenhuma outra barba, era negra, mas sob certas luzes assumia um tom azul, e foi esta característica que deu a Sire de Retz
o apelido de Barba Azul, um nome que foi dado a ele em um romance popular, na mesma época em que sua história sofreu estranhas metamorfoses.
Mas ao se examinar mais de perto o semblante de Gilles de Retz, a contração nos músculos da face, os tremores nervosos da boca, as contrações
espasmódicas das sobrancelhas e acima de tudo, a sinistra expressão nos olhos, logo se percebia que havia algo de estranho e terrível no homem. Em
intervalos, ele rangia os dentes como uma fera que se preparava para atacar sua presa, e então seus lábios se contraíam tanto, e ficavam tão apertados e
colados em seus dentes por assim dizer, que sua própria cor era difícil de saber.
Às vezes seus olhos ficavam fixos, as pupilas se dilatavam totalmente, com um fogo sombrio vibrando neles, a íris parecia preencher toda a órbita. Nesses
momentos, sua pele ficava pálida e cadavérica; sua sobrancelha, especialmente sobre o nariz, ficava coberta de rugas profundas, e sua barba parecia se
eriçar, e assumir seus tons azulados. Mas, depois de alguns momentos, suas feições se tornavam mais serenas, com um sorriso doce repousando sobre elas,
e sua expressão relaxava em uma melancolia vaga e suave.
“Meritíssimos, ” ele disse, saudando seus juízes, “Eu lhes peço que agilizem o meu processo e que julguem o meu infeliz caso o mais rapidamente possível;
pois estou particularmente ansioso para consagrar me ao serviço de Deus, que perdoou os meus grandes pecados. Eu não falharei, vos asseguro, doarei a
várias igrejas em Nantes, e distribuirei a maior parte dos meus bens entre os pobres, para assegurar a salvação da minha alma. ”
“Meritíssimos, ” respondeu seriamente Pierre de l’Hospital: “É sempre bom pensar na salvação da alma; mas, por favor, pense agora que estamos
preocupados com a salvação de seu corpo. ”
“Eu confessei ao padre superior dos Carmelitas, ” respondeu o marechal, com tranquilidade; “e graças a sua absolvição posso lhes comunicar: Eu estou,
portanto, completamente puro e inocente. ”
“A justiça dos homens não está em comum com a de Deus, monseigneur, e eu não posso dizer lhe qual será a sua sentença. Esteja pronto para fazer sua
defesa, e ouvir as acusações feitas contra você, que o tenente Meritíssimo Promotor de Nantes vai ler. ”
O oficial se levantou e leu o seguinte artigo de acusações, que nós condensaremos:
“Tendo ouvido as dolorosas queixas de vários dos habitantes da diocese de Nantes, cujos nomes se seguem (aqui seguem os nomes dos pais das crianças
perdidas), nós, Philippe do Livron, tenente assessor do Meritíssimo Promotor de Nantes, convido o muito nobre e sábio Meritíssimo Pierre de l’Hospital,
presidente da Bretanha, etc., a trazer a julgamento o grande e muito poderoso lorde, Gilles de Laval, Sire de Retz, Machecoul, Ingrande e outros lugares,
Conselheiro de vossa Majestade o Rei, e Marechal da França.”
“Por muitas vezes foi dito que Sire de Retz raptou e fez que ficassem prisioneiras várias crianças pequenas, não apenas dez ou vinte, mas trinta, quarenta,
cinquenta, sessenta, cem, duzentas e mais, e as assassinou e matou de forma desumana, e depois queimou seus corpos até se tornarem cinzas. ”
“Continuando perseverante no mal, o referido Sire, ainda que as autoridades que existam foram ordenadas por Deus, e que cada um deve ser um súdito
obediente a seu príncipe, … assaltou Jean Leferon, súdito do duque da Bretanha, o dito Jean Leferon sendo guardião da fortaleza de Malemort, em nome de
Geoffrey Leferon, seu irmão, a quem o dito senhor tinha dado a posse do referido lugar.”
“O dito Sire forçou Jean Leferon a entregar-lhe o referido lugar, e além disso tomou a posse de Malemort, apesar da ordem do duque e da justiça. ”
“Pois ainda o dito Sire prendeu o Mestre Jean Rousseau, sargento do duque, que lhe foi enviado por ordem formal do dito duque, e espancou seus homens
com seus próprios bastões, embora essas pessoas estivessem sob a proteção de sua graça. ”
“Concluímos que o dito Sire de Retz, assassino de fato de acordo com a primeira acusação, rebelde e criminoso de acordo com a segunda, deve ser
condenado a sofrer castigos corporais e pagar uma multa sobre seus bens e terras mantidos no feudo do dito nobre, e que estes devam ser confiscados e
transferidos à coroa da Bretanha. ”
Esta acusação foi evidentemente elaborada com o propósito de salvar a vida de Sire de Retz; pois o crime de homicídio foi apresentado sem circunstâncias
agravantes, de tal modo que poderia ser negado ou arquivado, enquanto os crimes de assalto e rebelião contra o duque da Bretanha foram colocados em
proeminência exagerada.
Gilles de Retz tinha sido sem dívida advertido do curso a ser tomado, e ele estava preparado para negar totalmente as acusações feitas no primeiro caso.
“Monsenhor, ” disse Pierre de l’Hospital, que ficou visivelmente surpreso com a forma da acusação: “Que justificativas você tem a dar? Faça um juramento
sobre a Bíblia (Gospels) e declare a verdade.”
“Não, meritíssimo! ” Respondeu o marechal. “As testemunhas são obrigadas a declarar o que sabem sob juramento, mas o acusado nunca é colocado sob
este juramento. ”
“Realmente. ” Respondeu o juiz. “Porque o acusado pode ser colocado sob tortura e constrangido a dizer a verdade, se você desejar. ”
Gilles de Retz ficou pálido, mordeu os lábios e lançou um olhar de ódio maligno a Pierre de l’Hospital; depois, recompondo o semblante, falou com uma
aparência de calma:
“Meritíssimos, não vou negar que me comportei erroneamente no caso de Jean Rousseau; mas como desculpa, deixem me dizer que o dito Rousseau estava
cheio de vinho, e ele se comportou de tal forma indecorosa comigo na presença de meus servos, sendo isto totalmente inaceitável. Nem vou negar a minha
vingança sobre os irmãos Leferon: Pois Jean havia declarado que a dita Graça da Bretanha tinha confiscado minha fortaleza de Malemort, a qual eu tinha
vendido a ele, e pela qual eu ainda não recebi o pagamento; e Geoffrey Leferon tinha anunciado alto e claro que eu estava prestes a ser expulso da Bretanha
como um traidor rebelde. Então para puni-los eu retomei minha fortaleza de Malemort. Quanto às outras acusações, não direi nada sobre elas, elas são
simplesmente falsas e caluniosas. ”
“De fato! ” Exclamou Pierre de l’Hospital, cujo sangue fervia de indignação contra o desgraçado que se apresentava diante dele com tamanho desprezo.
“Todas essas testemunhas que se queixaram de ter perdido seus filhos, mentiram sob juramento? ”
“Sem dúvida mentiram, se me acusam de ter alguma coisa a ver com suas perdas. Pois que eu saiba, não sou o guardião delas? ”
“A resposta de Cain! ” Exclamou Pierre de l’Hospital, levantando se de seu assento no fervor de sua emoção.
“No entanto, como você solenemente nega essas acusações, devemos interrogar Henriet e Pontou. ”
“Henriet, Pontou! ” Gritou o marechal, tremendo; “Com certeza eles não me acusarão de nada. ”
“Ainda não, pois eles não foram interrogados, mas eles estão prestes a serem trazidos ao tribunal, e eu não espero que eles mintam em frente da justiça. ”
“Eu exijo que os meus servos não sejam apresentados como testemunhas contra o seu mestre, ” disse o marechal, com os olhos dilatados, as sobrancelhas
enrugadas e a barba azul eriçada no queixo: “um mestre está acima das fofocas e acusações de seus servos. ”
“Você acha então, meu senhor, que seus servos irão acusa-lo? ”
“Exijo que eu, um marechal da França, um barão do ducado, seja poupado das calúnias de pequenos lacaios, e eu os renegarei como meus servos se eles
forem falsos a respeito do próprio mestre. ”
“Monseigneur, eu vejo então que precisaremos colocá-lo sob tortura, ou nada sairá de você. ”
“Esperem! Então eu apelo à sua graça o duque de Bretanha, e peço um adiamento, para que eu possa me aconselhar sobre as acusações feitas contra mim,
as quais eu neguei, e que eu ainda nego. ”
“Bem, vou adiar o caso até o dia 25 deste mês, para que você esteja bem preparado para responder as acusações. ”
No caminho de volta à prisão, o marechal passou por Henriet e Pontou que estavam sendo conduzidos para o tribunal.
Henriet fingiu não ver seu mestre, mas Pontou irrompeu em lágrimas ao encontra-lo. O marechal estendeu a mão, e Pontou a beijou em respeito.
“Lembrem se do que eu fiz por vocês, e sejam servos fiéis. ” Disse Gilles de Retz. Henriet se afastou dele com um estremecimento e o marechal passou.
“Eu irei falar, ” sussurrou Henriet; “pois temos outro mestre além do nosso pobre mestre De Retz, e logo estaremos com o Mestre Celestial. ”
O presidente ordenou ao secretário que voltasse a ler o processo, para que os dois supostos cúmplices de Gilles de Retz pudessem ser informados das
acusações feitas contra seu mestre. Henriet explodiu em lágrimas, tremendo violentamente e gritou que contaria tudo. Pontou, alarmado, tentou impedir seu
companheiro, e disse que Henriet estava perturbado da cabeça, e o que ele estava prestes a dizer seriam os delírios de sua insanidade.
Pontou foi obrigado a ficar em silêncio.
“Eu irei falar, ” continuou Henriet, e não me atrevo a falar dos horrores que sei que aconteceram, diante da imagem de meu Senhor Jesus Cristo; ” e ele
apontou com mão tremendo para um grande crucifixo acima da cadeira do juiz.
“Henriet. ” Pontou murmurou, apertando a mão dele, “você vai destruir a si mesmo, assim como nosso mestre. ”
Pierre de l’Hospital levantou se, e a figura do Cristo Redentor foi solenemente coberta.
Henriet, que estava com grandes dificuldades em superar seu nervosismo, então começou com suas revelações.
O que se segue é a sua parte mais importante:
Ao deixar a universidade de Angers, ele assumiu o cargo de leitor na casa de Gilles de Retz. O marechal gostou dele, e o tornou seu mordomo e confidente.
Quando Sire de la Suze, irmão de Sire de Retz, tomou posse do castelo de Chantoncé, um dos primeiros que chegaram ao local para colocar as coisas em
ordem foi Charles de Soenne, e ele afirmou a Henriet que havia encontrado nas masmorras de uma torre uma quantidade de crianças mortas, algumas sem
cabeça, outras espantosamente mutiladas. Henriet pensou então que aquilo não passava de uma calúnia inventada por Sire de la Suze.
Mas, algum tempo depois, Sire de Retz retomou o castelo de Chantoncé e o cedeu ao duque da Bretanha, uma noite ele chamou Henriet, Pontou, e um certo
Petit Robin para conversar; os dois últimos já conheciam profundamente os segredos de seu mestre. Mas antes de confiar qualquer coisa a Henriet, Sire de
Retz o fez jurar solenemente nunca revelar o que estava a ponto de tomar conhecimento. O juramento foi feito, então Sire de Retz, se dirigindo aos três,
disse que no dia seguinte um oficial do duque tomaria posse do castelo em nome do duque, e que seria necessário, antes que isso acontecesse, “que um
certo fosso ”, fosse esvaziado de cadáveres de crianças, e que seus corpos deveriam ser colocados em caixas e transportados para Machecoul.
Henriet, Pontou e Petit Robin foram juntos, equipados com cordas e ganchos, para a torre onde estavam os cadáveres. Eles trabalharam durante toda a noite
na remoção dos corpos em decomposição, enchendo três caixas enormes com eles, em seguida enviaram as caixas por barco pelo Rio Loire para
Machecoul, onde depois elas foram reduzidas a cinzas.
Henriet contou trinta e seis cabeças de crianças, mas havia mais corpos do que cabeças. O trabalho daquela noite, segundo ele, produziu um trauma
profundo em sua mente, Henriet ficava constantemente assombrado tendo visões dessas cabeças rolando como num jogo de boliche, elas ficavam colidindo
e chorando tristemente.
Henriet depois disto começou a raptar crianças para seu mestre, estando presente enquanto ele as massacrava. Elas eram assassinadas invariavelmente em
um quarto em Machecoul. O marechal costumava banhar se no sangue das crianças; ele gostava de fazer Gilles de Sillé, Pontou ou Henriet tortura-los, e
sentia um prazer imenso em vê-los sofrer em agonia. Mas sua grande paixão era ficar encharcado com sangue deles. Seus servos apunhalavam uma criança
na veia jugular, e deixavam o sangue esguichar sobre ele. O quarto muitas vezes ficava todo impregnado de sangue.
Quando o ato horrível terminava, e a criança já estava morta, o marechal ficava cheio de dor pelo que tinha feito, e se lançava chorando e orando sobre uma
cama ou recitava fervorosas orações e ladainhas de joelhos, enquanto seus servos lavavam o chão, e queimavam na enorme lareira os corpos das crianças
assassinadas. Com os corpos também eram queimadas as roupas e tudo mais que tinha pertencido às pequenas vítimas.
Um cheiro insuportável preenchia o quarto, mas o Marechal de Retz se deliciava inalando.
Henriet confessou que tinha visto quarenta crianças torturadas até a morte desta maneira, ele foi capaz de dar descrição de várias delas, de modo que ficou
possível identifica-las como sendo as crianças relatadas como desaparecidas.
“É quase impossível, ” disse o tenente, o qual tinha sido previamente dada a sugestão de fazer tudo o que era possível para salvar o marechal. “Digo, é
impossível que os corpos pudessem ser queimados em uma lareira no quarto. ”
“Contudo isto foi feito meritíssimo, ” respondeu Henriet. “A lareira era muito grande, tanto no Hotel Suze como também em Machecoul; nós
amontoávamos grandes pedaços de lenha e troncos, e colocávamos as crianças mortas entre eles. Em poucas horas a operação estava completa, e nós
jogávamos as cinzas pela janela no fosso. ”
Henriet se lembrou do caso dos dois filhos de Hamelin; ele disse que, enquanto uma criança estava sendo torturada, a outra estava de joelhos soluçando e
orando a Deus, até chegar a sua hora.
“O que você disse sobre os excessos de Sire de Retz, ” exclamou o tenente promotor, “parece ser pura invenção, e destituído de toda a probabilidade. Os
monstros mais perversos da humanidade nunca cometeram tais crimes, exceto talvez alguns Césares da Roma antiga.” “Meritíssimo, eram exatamente os
atos desses Césares que meu Lorde de Retz desejava imitar. Eu costumava ler para ele as crônicas de Suetonius, e Tacitus, onde suas crueldades foram
registradas. Ele gostava de ouvi-las, e dizia que lhe dava mais prazer cortar a cabeça de uma criança do que participar de um banquete.
Às vezes, ele se sentava no peito de uma criancinha, e com uma faca, cortava fora a cabeça do corpo em um só golpe; outras vezes ele cortava a garganta
com muita suavidade, para que a criança pudesse definhar lentamente e ele pudesse lavar as mãos e a barba com o sangue.
Às vezes a criança tinha todos os membros cortados fora do corpo de uma só vez; em outras ocasiões, ele ordenava que pendurássemos as crianças até que
estivessem quase mortas, e depois as abaixávamos e lhes cortávamos a garganta.
Eu me lembro de ter trazido para ele três meninas pequenas que estavam pedindo esmolas nos portões do castelo. Ele me mandou cortar a garganta delas
enquanto ele ficava olhando.
Nos degraus da casa em Vannes, André Bricket encontrou uma menina bem pequena, que estava chorando porque tinha se perdido da mãe. Ele trouxe a
pequenina, ‘ela era apenas um bebê’ em seus braços para o meu senhor, e a menina foi morta diante dele. Pontou e eu tivemos que nos livrar do corpo. Nós
a jogamos de uma das torres, mas o cadáver ficou preso em um prego na parede externa, então o corpo ficou visível para todos os que passassem. Pontou
desceu por uma corda, e teve muita dificuldade para conseguir desprender o bebê. ”
“Quantas crianças você estima que Sire de Retz e seus servos mataram? ”
“A lista é longa. Eu, da minha parte, confesso ter matado doze com minhas próprias mãos, por ordens de meu mestre, e também lhe trouxe cerca de
sessenta crianças. Eu sei que este tipo de coisa já acontecia em segredo antes da minha participação; pois o castelo de Machecoul ficou ocupado por pouco
tempo por Sire de la Sage. Meu lorde o recuperou rapidamente, pois sabia que haviam muitos cadáveres de crianças escondidos em um celeiro. Havia umas
quarenta lá, todas muito secas e pretas como carvão, porque haviam sido queimadas. Uma das criadas de Madame de Retz foi por acaso ao celeiro e
encontrou os cadáveres. Roger de Briqueville quis matar a criada, mas o marechal não permitiu. ”
“Você tem mais alguma coisa para declarar? ”
“Nada. Eu apenas peço a Pontou, meu amigo, que confirme o que eu disse. ”
Esse depoimento, tão completo e detalhado, produziu nos juízes um profundo sentimento de horror.
A imaginação humana nessa época ainda não tinha penetrado os mistérios da crueldade refinada. Por várias vezes, durante o depoimento de Henriet, o
presidente mostrou seu espanto e indignação fazendo o sinal da cruz no próprio peito. Seu rosto ficou vermelho várias vezes e seu olhar tenso; ele apertava
a mão na testa, para se assegurar de que não estava trabalhando sob um sonho hediondo, e um arrepio de terrível percorria seu corpo.
Pontou não tomou parte no depoimento de Henriet; mas quando este apelou para ele, ele levantou a cabeça, olhou tristemente ao redor da corte, e suspirou.
“Etienne Cornillant, vulgo Pontou, eu te ordeno, em nome de Deus e da justiça, que você declare o que sabe. ”
Esta injunção de Pierre de l’Hospital permaneceu sem resposta, e Pontou parecia se fortalecer na sua intenção de não acusar seu mestre.
Mas Henriet, implorou para seu cúmplice, que desse valor a sua alma, e que seu coração não mais ignorasse os chamados de Deus; mas sim trouxesse à luz
os crimes que tinham cometido junto com Sire de Retz.
O tenente promotor, que até então tinham procurado atenuar ou desacreditar as acusações contra Gilles de Retz, tentou um último recurso para
contrabalançar as confissões prejudiciais de Henriet, e para impedir Pontou de entregar a todos.
“O senhor ouviu, meritíssimo, ” disse ele ao presidente, “as atrocidades declaradas por Henriet, são consideradas por mim e vocês, como puras invenções,
feitas de ódio amargo e inveja com o propósito de arruinar seu mestre. Eu exijo, portanto, que Henriet seja torturado, para confessar que suas declarações
anteriores eram mentiras. ”
“Você se esqueceu, ” respondeu de l’Hospital, “que a tortura é para aqueles que não confessam, e não para aqueles que livremente confessam seus crimes.
Portanto, ordeno que o segundo acusado, Etienne Cornillant, vulgo Pontou, seja torturado se continuar em silêncio. Pontou! Você vai falar ou vai continuar
em silêncio?"
“Meritíssimo, ele irá falar! ” Exclamou Henriet. “Pontou, meu caro amigo, não resista mais contra Deus. ”
“Pois bem, meritíssimos, ” disse Pontou, com emoção: “eu satisfarei vocês; não posso mais defender meu pobre mestre contra as alegações de Henriet, que
confessou tudo por temor da condenação eterna. ”
Pontou então confirmou completamente todas as declarações do outro, acrescentando outros fatos do mesmo caráter, conhecidos apenas por ele mesmo.
Apesar das confissões de Pontou e Henriet, o julgamento não foi apressado. Teria sido fácil ter capturado mais alguns dos cúmplices do desgraçado; mas o
duque, informado de todo o processo, não quis piorar o escândalo aumentando o número dos acusados. Ele proibiu inclusive a realização de investigações
nos castelos e mansões de Sire de Retz, temendo que as provas de novos crimes, mais misteriosos e horríveis do que os já divulgados, fossem reveladas.
O terror se espalhava pelo país devido as revelações já feitas, exigindo que a religião e a moralidade, que tinham sido tão brutalmente violentadas, fossem
rapidamente vingadas.
As pessoas se perguntavam sobre o atraso em pronunciarem a sentença, e alguns com coragem respondiam em voz alta: “Sire de Retz era tão rico que
podia comprar a própria vida. ”
É verdade que Madame de Retz pediu novamente ao rei e ao duque que perdoassem seu marido; mas o duque, aconselhado pelo bispo, recusou estender
sua autoridade para interferir no curso da justiça; e o rei, depois de ter enviado um de seus conselheiros a Nantes para investigar o caso, resolveu não se
envolver.
MARECHAL DE RETZ - SENTENÇA E EXECUÇÃO

Em 24 de Outubro o julgamento do Marechal de Retz foi retomado. O prisioneiro entrou no tribunal vestindo uma roupa de monge carmelita, se ajoelhou e
orou em silêncio antes do julgamento começar. Ao percorrer com os olhos o tribunal, a visão da mesa de tortura, com ganchos e cabos fez um arrepio
percorrer por seu corpo.
“Lorde Gilles de Laval, ” começou o presidente, “você aparece agora diante de mim pela segunda vez para responder a uma certa requisição lida pelo Sr.
Tenente Promotor de Nantes. ”
“Eu irei responder francamente, meritíssimo, ” disse o prisioneiro calmamente; “mas eu me reservo no direito de apelar por uma intervenção benigna por
parte de nossa venerada majestade o Rei da França, de quem sou ou tenho sido, camareiro e marechal, como pode ser comprovado por minhas cartas
patentes devidamente registradas no parlamento em Paris. ”
“Este não é um caso para o Rei da França, ” interrompeu Pierre de l’Hospital; “se você foi camareiro e marechal de vossa Majestade, você também é
vassalo de vossa graça o Duque da Bretanha. ”
“Isso eu não nego; mas pelo contrário, confio que vossa Graça o Duque da Bretanha irá permitir que eu me retire para um convento de carmelitas, onde
poderei me arrepender de meus pecados. ”
“Isto é possível; você vai confessar, ou devo manda-lo para a mesa de tortura? ”
“Não me torturem! ” Exclamou Gilles de Retz “Eu irei confessar tudo. Me digam primeiro, o que Henriet e Pontou disseram? ”
“Eles de fato confessaram. O Sr. Tenente Promotor de Nantes irá ler para você o depoimento deles. ”
“Não é bem assim ”, respondeu o tenente, que continuava demonstrando favorecimento ao acusado; “Eu declaro essas confissões como sendo falsas, a
menos que Sire de Retz as confirme por juramento, o que Deus não permitirá! ”
Pierre de l’Hospital ficou com tanta raiva, que fez um gesto para reprimir esta escandalosa súplica em favor do acusado, e acenou com a cabeça para que
então o secretário lesse as evidências.
Sire de Retz, ao ouvir que seus servos haviam feito tais declarações explícitas de seus atos, permaneceu imóvel, como se estivesse atordoado. Viu que era
em vão se esquivar, e que teria que confessar tudo.
“O que você tem a dizer? ” Perguntou o presidente, quando as confissões de Henriet e Pontou foram lidas.
“Diga o que lhe for conveniente, meu lorde, ” interrompeu o Tenente Promotor, como para indicar ao acusado a linha que deveria tomar: “Pois tudo isto
não passam de mentiras abomináveis e calúnias inventadas para te arruinar? ”
“Infelizmente, não! ” Respondeu Sire de Retz; e o seu rosto ficou pálido como a morte: “Henriet e Pontou falaram a verdade. Foi Deus que soltou suas
línguas. ”
“Meu Senhor! Se liberte do fardo de seus crimes, reconhecendo os de uma vez. ” Disse seriamente Pierre de l’Hospital.
“Meritíssimos! ” disse o prisioneiro, depois de alguns momentos de silencio: “É bem verdade que eu roubava os pequeninos de muitas mães; e que matava
seus filhos, ou causava suas mortes, cortando suas gargantas com punhais e facas, ou arrancando suas cabeças com cutelos; ou então esmagava seus crânios
com martelos e porretes; às vezes arrancava seus membros um após o outro; noutras ocasiões os rasgava só para poder examinar as suas entranhas e
corações; ocasionalmente os enforcava ou causava uma morte lenta; e quando as crianças já estavam mortas eu queimava seus corpos até reduzi-los a
cinzas.”
“Quando você começou suas práticas hediondas? ” Perguntou Pierre de l’Hospital, assombrado pela franqueza dessas horríveis confissões:
“O diabo deve ter possuído você? ”
“O desejo partia de mim sem dúvida, por instigação do diabo: mas esses atos de crueldade me proporcionavam um prazer incomparável.”
“O desejo de cometer essas atrocidades começou há oito anos. Eu tinha saído da corte para ir a Chantoncé, reclamar a propriedade de meu avô, falecido. Na
biblioteca do castelo encontrei um livro em latim - Suetonius, creio eu - cheio de relatos das crueldades dos imperadores romanos. Eu comecei a ler as
histórias encantadoras de Tiberius, Caracalla e outros Césares, sobre o prazer que eles sentiam em observar as agonias de crianças torturadas. Então resolvi
imitar e superar esses mesmos Césares, e naquela mesma noite comecei a fazê-lo. ”
“Por algum tempo eu não confiei meu segredo a ninguém, mas depois revelei a meu primo, Gilles de Sillé, depois ao Mestre Roger de Briqueville, e em
seguida a Henriet, Pontou, Rossignol e Robin. ” Sire de Retz então confirmou todos os depoimentos dados por seus dois empregados. Ele confessou ter
chegado a cometer cerca de cento e vinte assassinatos em um único ano.
“Mais ou menos uns oitocentos em menos de sete anos! ” Exclamou Pierre de l’Hospital, demonstrado dor em sua voz: “Ah! Meu senhor, você estava
possuído! ”
Sua confissão foi muito explícita para o Tenente Promotor conseguir dizer algo mais em sua defesa; porém ele pediu que o caso fosse entregue ao tribunal
eclesiástico, como havia confissões de invocações do diabo e de feitiçaria misturadas com as de assassinato. Pierre de l’Hospital viu que o objetivo do
tenente era ganhar tempo para o Marechal de Retz conseguir uma nova tentativa de obter perdão; contudo ele não pôde resistir e acabou consentindo que o
caso fosse transferido para a corte do bispo.
Mas o bispo não era um homem de deixar um assunto destes se prolongar, e bem depressa um sargento do bispo convocou Gilles de Laval, Sire de Retz,
para comparecer imediatamente diante do tribunal eclesiástico. O marechal foi surpreendido por essa citação inesperada, e não pensou em apelar contra ela
para o presidente; ele apenas assinou a sua citação, e foi imediatamente conduzido para a corte eclesiástica montada apressadamente para seu julgamento.
Este novo julgamento durou apenas algumas horas.
O marechal, agora completamente intimidado, não fez qualquer tentativa de se defender, mas tentou subornar o bispo por clemência, com promessas de
entregar todas as suas terras e bens à Igreja, e implorou para que pudesse se aposentar no Mosteiro Carmelita de Nantes.
Seu pedido foi totalmente recusado, e a sentença de morte foi pronunciada contra ele.
Em 25 de outubro, o tribunal eclesiástico pronunciou o resultado, a sentença foi transmitida ao tribunal secular, que agora não tinha nenhum pretexto para
atrasar a ratificação.
Houve alguma hesitação quanto ao tipo de morte que o marechal deveria sofrer. Os membros do tribunal secular não estavam unânimes sobre este ponto. O
presidente submeteu a forma da execução à votação, coletando os votos ele mesmo; depois se sentou, cobriu sua cabeça e disse com voz solene:
“Apesar da qualidade, dignidade e nobreza do acusado, este tribunal o condena a ser enforcado e queimado. Por isso aconselho você que está condenado, a
pedir o perdão de Deus para obter a graça de morrer em paz, com grande arrependimento por ter cometido tais crimes. E a referida sentença será executada
amanhã de manhã entre as onze e as doze horas. ” Uma sentença similar foi pronunciada para Henriet e Pontou.
No dia seguinte, 26 de outubro, às nove horas da manhã, uma procissão geral composta por metade do povo de Nantes, o clero e o bispo com o bendito
Sacramento, saíram da catedral e circularam pela cidade visitando cada uma das principais igrejas, onde a multidão esperava para ver os três condenados.
Às onze horas os prisioneiros foram conduzidos ao local de execução, que estava no campo de Biesse, do outro lado do Loire.
Três forcas tinham sido erguidas, uma mais alta que as outras, e debaixo de cada um havia uma pilha de madeira, alcatrão e palha.
Era um dia glorioso e com brisa suave, não se via uma só nuvem no céu azul; o Rio Loire corria em silêncio em direção ao mar com sua poderosa água
turva, aparentemente brilhante e azul quando refletia o brilho e a cor do céu. As árvores com flores brancas balançavam ao ar fresco com um agradável
sussurro, e os salgueiros cintilavam acima do córrego.
Uma vasta multidão havia se reunido em volta das forcas; foi com dificuldade que abriram caminho para os condenados, que vieram cantando De
profundis. Os espectadores de todas as idades sabiam o salmo e cantavam com eles, de modo que o som do antigo tom gregoriano podia ser ouvido pelo
duque e pelo bispo, que se recolheram para o castelo de Nantes durante a hora da execução.
Depois do fim do salmo, que foi terminado pelo Requiem aeternam em vez de Glória, Sire de Retz agradeceu aqueles que o tinham conduzido, e depois
abraçou Pontou e Henriet, antes de começar um sermão:
“Meus queridos amigos e servos, sejam fortes e corajosos contra os assaltos do diabo, e sintam grande desgosto e arrependimento por suas más ações, sem
perder a fé na misericórdia de Deus. Acreditem que não há pecado no mundo, por maior que seja, que Deus, em sua graça e bondade, não perdoará, quando
é pedido a Ele com arrependimento no coração. Lembrem se de que Deus está sempre mais pronto para receber o pecador do que o pecador está pronto
para lhe pedir o perdão. Vamos agradecer muito humildemente a Ele por seu grande amor a nós, deixando nos morrer em plena posse de nossas faculdades,
e não nos interromper de repente no meio de nossas transgressões. Vamos expressar tal amor por Deus e tal arrependimento, para que não tenhamos medo
da morte, que é apenas um pequeno incômodo, sem o qual não poderíamos ver a Deus em sua glória. Além disso, devemos desejar ser libertados deste
mundo, no qual há apenas miséria, para que possamos seguir para a glória eterna. Vamos nos alegrar, pois apesar de termos pecado gravemente aqui
embaixo, ainda assim estaremos unidos no Paraíso, nossas almas serão separadas de nossos corpos, e nós estaremos juntos para todo sempre, mas somente
se nós triunfarmos em nosso piedoso e honrado arrependimento antes da hora de nosso último suspiro. ”
Nota para você leitor: Se houver algum lugar parecido com o Quinto dos Infernos, você tem dúvida de que ele não foi para lá?
Sire de Retz tirou o capuz, ajoelhou se, beijou um crucifixo e fez uma piedosa oração à multidão, no estilo de seu discurso aos seus amigos Pontou e
Henriet.
Então ele começou a recitar as orações dos moribundos; o carrasco passou a corda em seu pescoço e ajustou o nó. Sire de Retz subiu em um banquinho
alto, erguido ao pé da forca como uma última honra paga à nobreza do criminoso. A pilha de lenha já estava em chamas antes que os carrascos o
executassem.
Pontou e Henriet, que ainda estavam de joelhos, levantaram os olhos para o mestre e gritaram para ele, estendendo os braços:
“Nesta última hora, monseigneur, seja um bom e valente soldado de Deus, e lembre se da paixão de Jesus Cristo que trabalhou por nossa redenção. Adeus,
esperamos nos encontrar em breve no Paraíso! ”
O banquinho foi derrubado e Sire de Retz caiu. O fogo rugia e as chamas saltaram em torno dele e envolveram seu corpo que balançava.
De repente, misturando se com o forte badalar do sino da catedral, podia se ouvir bem alto o lamento selvagem e sobrenatural do Dies irae. (Famoso hino
em latim da época)
Nenhum som entre a multidão, apenas o crepitar forte do fogo, e a solene canção do hino.
Seis mulheres, veladas e vestidas de branco, e seis carmelitas avançaram carregando um caixão.
As pessoas sussurravam que uma das mulheres veladas era Madame de Retz e que as outras eram membros das mais ilustres casas da Bretanha.
A corda pela qual o marechal foi enforcado foi cortada, e ele caiu em um berço de ferro preparado para receber o cadáver. O corpo foi removido antes que
o fogo o consumisse completamente. Sire de Retz foi colocado no caixão, e os monges e as mulheres o transportaram ao monastério carmelita de Nantes,
de acordo com o desejo do falecido.
Enquanto isto, Pontou e Henriet foram executados; os dois queimaram enforcados até virarem pó. Suas cinzas foram jogadas ao vento.
Depois da execução, na igreja carmelita de Nossa Senhora foi celebrado com toda pompa o funeral do grande, do poderoso, do ilustre Senhor Gilles de
Laval, Sire de Retz, conselheiro do Rei Charles VII, o Marechal da França!
O BIZARRO HOMEM HIENA

É bem conhecido que o romance oriental está cheio de histórias de violadores de túmulos. A superstição oriental atribui a certos indivíduos a paixão por
desenterrar cadáveres. Em uma noite de luar formas estranhas são vistas se movendo às escondidas entre os túmulos, cavando sobre eles com suas unhas
compridas, desejando chegar aos corpos dos mortos antes que os primeiros raios da aurora os obriguem a se retirar.
Esses indivíduos são chamados de ghouls, e aparentemente estes seres precisam da carne dos mortos para fazerem encantamentos ou poções mágicas, mas
muitas vezes são movidos pelo único desejo de dilacerar o cadáver sepultado e perturbar o seu repouso. Existe a possibilidade de que esses ghouls não
sejam meras criações da imaginação, mas sim ressurreicionistas reais. A gordura humana e os cabelos de um cadáver que cresceram na sepultura, fazem
parte dos ingredientes em muitas receitas necromânticas, por isso as bruxas que produzem essas misturas diabólicas, desenterrariam cadáveres para obter os
ingredientes necessários.
Na idade média, o medo dos ghouls chegava a tal ponto, que era comum na Bretanha que os cemitérios fossem providos de lâmpadas a óleo, sendo
queimadas durante a noite, para impedirem as bruxas de se aventurarem sob o véu das trevas abrindo as sepulturas.
Fornari conta a seguinte história de um ghoul em seu livro History of Sorcerers:
No início do século XV, vivia em Bagdá um comerciante idoso que ficou rico com o sucesso de seus negócios, e que possuía um único filho ao qual estava
muito ligado afetivamente. Ele um dia resolveu casá-lo com a filha de outro comerciante, uma moça muito rica, mas sem nenhuma beleza física.
Abul-Hassan, o filho do comerciante, ao ver o retrato da moça, pediu a seu pai para adiar o casamento até que ele pudesse reconciliar sua mente com este
fato. No entanto, em vez de fazer isso, ele se apaixonou por outra moça, a filha de um sábio.
Movido pela paixão, Abul-Hassan não deu sossego a seu pai, para que ele consentisse seu casamento com o objeto de seu amor. O velho pai resistiu o
máximo que pôde, mas vendo que seu filho estava decidido a ter a mão da linda Nadilla, e se mantendo igualmente firme em não aceitar a moça rica e feia,
fez o que a maioria de pais faz sob tais circunstâncias, ele acabou cedendo ao desejo do filho.
O casamento ocorreu com grande pompa e cerimônia, e tiveram uma feliz lua de mel, que poderia ter durado por muito mais tempo, se não fosse por um
pequeno detalhe com consequências muito graves.
Abul-Hassan notou que sua noiva saiu do leito nupcial assim que pensou que ele já estava dormindo, e ela não voltou para casa, até um pouco antes do
amanhecer.
Cheio de curiosidade, Hassan fingiu dormir uma noite e viu sua esposa se levantar e sair do quarto como de costume.
Ele a seguiu cautelosamente, e a viu entrar em um cemitério. Sob a luz do luar, conseguiu perceber que ela foi para um túmulo. Hassan continuou atrás dela
com cuidado e mais curioso ainda.
A cena que ele descobriu dentro do cemitério era horrível. Um grupo de ghouls estava em volta das sepulturas que tinham violado e festejavam comendo a
carne podre dos cadáveres já enterrados a muito tempo.
Assim que conseguiu escapar em segurança, Abul-Hassan voltou para sua cama.
Ele não disse nada à sua noiva até a noite seguinte, quando a ceia foi servida, e Nadilla se recusou a comer, Hassan insistiu novamente que ela comesse, e
quando que ela se recusou mais uma vez, ele ficou irado e exclamou:
“Isso mesmo, fique com fome para aproveitar sua festa com os ghouls! ” Nadilla ficou em silêncio, seu corpo tremia a sua pele ficou pálida, e sem dizer
nenhuma palavra procurou sua cama.
À meia noite Nadilla se levantou de repente e deu um salto sobre seu marido, tentando lhe rasgar a garganta com unhas e dentes, ao conseguir abrir um
corte em seu pescoço, lutou loucamente para sugar seu sangue. Mas Abul-Hassan se defendeu do ataque derrubando Nadilla fora da cama com suas pernas,
e quando ela bateu no chão ele a matou desferindo lhe um golpe fulminante.
Nadilla foi enterrada no dia seguinte.
Três dias depois, à meia noite, ela voltou furiosa da tumba, atacando seu marido novamente, tentando sugar seu sangue. O jovem Hassan conseguiu escapar
mais uma vez, e no dia seguinte abriu o túmulo de sua noiva, colocando fogo no corpo daquele ser até virar cinzas, e em seguida espalhou as cinzas de
Nadilla pelas águas do Rio Tigre.
Esta história conecta o ghoul com o vampiro. Como foi visto em um capítulo anterior, o lobisomem e o vampiro estão fortemente relacionados.
Os antigos acreditavam que as bruxas violavam cadáveres, o que fica bem evidente a partir do terceiro episódio do Golden Ass de Apuleius. Marcassus
também relata que depois de uma longa guerra na Síria, durante a noite, tropas de lâmias, espíritos maus do sexo feminino, apareceram no campo de
batalha, desenterrando os corpos dos soldados mortos e devorando a carne de seus ossos. Essas lâmias foram perseguidas a tiros, e alguns dos jovens
soldados conseguiram matar um número considerável delas, mas no dia seguinte pela manhã, todas elas tinham se transformado em lobos ou hienas.
Existe um fundo de verdade nessas histórias de terror, mostrando ser possível que um ser humano seja possuído pelo apetite depravado em cadáveres
dilacerados, como já foi provado num caso extraordinário levado até a corte marcial de Paris, em 10 de julho de 1849.
Todos os detalhes estão no Annales Medico-psychologiques daquele mesmo mês e ano.
Estes detalhes são repugnantes demais para reproduzirmos aqui. Vamos, no entanto, dar um esboço geral deste caso notável.
No outono de 1848, vários dos cemitérios de Paris foram invadidos durante a noite, e tiveram sepulturas violadas. Os crimes não foram cometidos por
estudantes de medicina, pois os corpos não haviam sido levados, mas eram encontrados despedaçados sobre os túmulos. Primeiro se supôs que a execução
desses ultrajes fosse causada por algum animal selvagem, mas as pegadas encontradas na terra macia deixaram bem claro de que se tratava de um homem.
Uma vigilância severa foi mantida no cemitério Père la Chaise. Mas depois de algum tempo que os cadáveres tinham sido mutilados neste cemitério, estes
atentados cessaram misteriosamente.
No inverno, outro cemitério foi devastado, e em março de 1849, uma arma de mola que tinha sido montada no cemitério de S. Parnasse, disparou durante a
noite, avisando aos guardiões do lugar que o misterioso visitante tinha caído em sua armadilha. Os vigilantes correram para o local do tiro, mas só
chegaram a tempo de ver de longe um homem usando capa de militar, que fugindo pelas sombras, pulou o muro e desapareceu na escuridão.
Marcas de sangue, no entanto, deram provas de que ele tinha sido atingido pela arma quando ela disparou. Ao mesmo tempo, um fragmento de pano azul
arrancado da capa foi obtido, dando uma pista para a identificação do violador de túmulos.
No dia seguinte, a polícia realizou uma busca investigando de quartel em quartel, perguntando se algum oficial ou soldado estava sofrendo por ferimento a
bala recentemente. Desta maneira descobriram uma pessoa. Era um suboficial do 1º regimento de infantaria, de nome Bertrand.
Ele foi levado ao hospital para ser curado de seu ferimento, e durante sua recuperação, ele foi julgado pela corte marcial.
Sua história é esta.
Bertrand foi educado no seminário teológico de Langres, até que aos vinte anos, entrou para o exército. Ele era um jovem de hábitos reservados, franco e
alegre com seus companheiros, por isso era muito querido por eles, tinha refinamento e uma certa delicadeza feminina, e sofria crises de depressão e
melancolia.
Em fevereiro de 1847, enquanto caminhava com um amigo pelo campo, encontraram um cemitério de igreja, cujo portão estava aberto. No dia anterior uma
mulher tinha sido enterrada, mas o sacristão não tinha terminado de enterrar completamente o túmulo, porque tinha começado uma tempestade e ele teve
que se abrigar antes de terminar o serviço.
Bertrand notou a pá ainda ao lado do túmulo e usando suas próprias palavras:
“Vendo a cena pensamentos obscuros vieram a mim, eu tive uma dor de cabeça violenta, meu coração batia com toda força, eu já não controlava minha
razão. ”
Ele inventou alguma desculpa para se livrar de seu companheiro, depois voltou para o cemitério, pegou a pá e começou a cavar a sepultura.
“Logo tirei o cadáver da terra, e comecei a picá-lo com a pá, sem saber bem o que eu estava fazendo. Um trabalhador me viu, e eu me deitei no chão até
que ele ficou fora de vista, então eu joguei o corpo de volta para a cova. Depois fugi do cemitério, todo encharcado de suor frio, para um pequeno bosque,
onde fiquei descansando por várias horas, apesar da chuva fria caindo, até conseguir me recuperar da minha completa exaustão. Quando eu me levantei,
meus membros estavam doendo como se tivessem sido quebrados, a minha cabeça estava zonza. Estas mesmas dores e sensações me acompanhavam
durante cada ataque.
Dois dias depois, voltei ao cemitério e cavei a sepultura com as próprias mãos. Minhas mãos sangravam, mas eu não sentia dor. Rasguei o cadáver em
pedaços e o joguei de volta na cova. ”
Não houve nenhum outro ataque durante quatro meses, até que seu regimento foi para Paris.
Mas um dia em Paris, quando ele estava andando pelos sombrios e tenebrosos becos de Père la Chaise, o mesmo sentimento voltou inundando seus
pensamentos. Naquela mesma noite ele pulou o muro do cemitério, desenterrou uma menina de sete anos de idade e a despedaçou ao meio. Alguns dias
depois, ele abriu o túmulo de uma mulher que tinha morrido durante o trabalho de parto e já estava enterrada há treze dias.
No dia 16 de novembro, ele desenterrou uma velha de cinquenta anos e a retalhou em pedaços, depois ficou rolando entre os pedaços dilacerados.
O Homem Hiena fez o mesmo com outro cadáver no dia 12 de dezembro.
Estes são apenas alguns dos numerosos casos de violação de tumbas que ele realizou.
Ele continuou com suas atividades hediondas até que foi impedido pelo tiro da armadilha em 15 de março.
Bertrand declarou em seu julgamento que, enquanto estava no hospital, não sentiu mais vontade de realizar seus ataques, e que se considerava curado de
suas terríveis inclinações, pois vira homens morrendo nas camas ao seu redor no hospital e disse: “Estou curado, porque hoje eu tenho medo da morte. ”
A exaustão extrema que se seguia aos seus ataques é muito curiosa, pois se assemelha precisamente àquelas que se seguiam as fúrias berserkir dos homens
do Norte e também a dos licantropos.
O caso de Monsieur Bertrand é sem dúvidas muito singular e anômalo, ele mal se enquadra no caráter de insanidade, se parece mais com um tipo de
possessão demoníaca.
No princípio, seus acessos aconteciam principalmente depois de beber vinho, mas depois de algum tempo eles aconteciam sem nenhuma causa aparente. A
maneira pela qual ele mutilava os mortos era diferente. Alguns corpos ele picava com a pá, outros ele arrancava pedaços e estripava com unhas e dentes. Às
vezes, rasgava a boca até às orelhas, abria os estômagos e arrancava fora os braços e pernas do cadáver. Embora tivesse desenterrado também os corpos de
vários homens, ele não sentia nenhuma inclinação para mutilá-los, no entanto se deliciava em rasgar cadáveres de mulheres.
No final de seu julgamento pela corte marcial, Bertrand, o Homem Hiena, terminou sendo condenado a um ano de prisão.
COM OUTROS OLHOS

Você que acredita em tecnologias, nos mistérios da história humana e sabe que ainda existem muitos enigmas no universo, conseguirá apreciar este livro
com outros olhos.
A sua mente é livre para começar uma nova jornada em busca de perguntas e respostas sobre os temas apresentados neste livro.
Se atreva a olhar o livro desta forma, e poderá criar perguntas importantes que ninguém ainda fez, irá conquistar novos horizontes…

No século XIX os céticos acreditavam que a humanidade já se encontrava no seu apogeu, que não existia mais nada a ser inventado ou descoberto.
Não cometa este erro.
A humildade não envenena ninguém.

Um leitor atento como você se lembra bem do Capítulo Zero, da parte sobre o número de desaparecidos.
“A cada ano, em média 250 mil pessoas desaparecem no Brasil sem deixar rastro. ”
Vamos ligar alguns pontos, para descobrir o que aparece.
No fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão sofreu dois ataques nucleares, as bombas atômicas mataram 146.000 pessoas em Hiroshima e 80.000 pessoas
em Nagasaki.
Fica bastante obvio agora quando eu digo que existe uma guerra mundial silenciosa acontecendo.
Quem são os inimigos silenciosos da humanidade?
Eu ainda não conheço todos, mas com absoluta certeza você e eu conhecemos alguns.

Aqui vai aquela filmografia especialmente selecionada para te ajudar enxergar o livro com outros olhos, o empurrão para enriquecer a sua experiência.
Assista alguns e ligue os pontos, muita coisa nova vai fervilhar sua mente:
O Pacto dos Lobos (2001) baseado em uma história real
A Perseguição (2012)
Avatar (2009)
Total Recall - Schwarzenegger (1990)
Total Recall - Novo (2012)
Exterminador do Futuro - Gênesis (2015)
Blade Trinity (2004)
The Lost Boys (1987)
O Terno de 2 Bilhões de Dólares (2002)
Breakdown - Implacável Perseguição (1997)
Os Esquecidos (2004)
Assassino Virtual (1995)
Youtube:
Everything You Know is Wrong - Lloyd Pye - Documentário Completo e Legendado (Emanuel Oliveira)
Reptilianos - A Prova? Abordagem completa Parte 1 (Jornal da Matrix)
La Historia Real del Auténtico Hombre Lobo (mundodesconocido)
The Afterlife Investigations | Edição Brasileira (Completo) [CM+P] (Pozati Filmes)

Como você chegou até aqui, eu acredito que também gostou muito do livro.
Somos muito gratos a você por isso.
Se você por gentileza agora puder deixar a sua avaliação do livro, nós seremos eternamente gratos.
Um grande abraço a você.
Não desapareça e cuide bem das crianças.
Até outra vez.

Alan Rafael

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