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HISTÓRIA MEDIEVAL

Eriksen Amaral de Sousa


A Criação do Islã
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever a estrutura social do povo árabe antes da criação do islã.


 Sintetizar a biografia de Maomé e as principais características do
islamismo.
 Diferenciar os três grupos mais significativos do islã: sunitas, xiitas
e sufistas.

Introdução
Neste capítulo, você vai ver como surgiu a crença islâmica e como a
sociedade árabe estava organizada antes disso. O islã foi criado como
religião monoteísta pelo profeta Muhammad em 610. Esse evento mu-
dou por completo o destino das tribos envolvidas, que tiveram uma
crescente expansão não apenas pela Península Arábica, mas por grande
parte da Europa, da Ásia e do norte da África. O islamismo é reconhecido
atualmente como uma das maiores e mais jovens religiões mundiais. Essa
tradição religiosa se apoia nos ensinamentos do profeta Muhammad e
na palavra de Allah transcrita para o Alcorão, livro sagrado dessa crença.

A sociedade árabe e o surgimento do islã


Antes do surgimento do islã, a Península Arábica era composta por povos semitas
que, até o século VII, viviam em diferentes tribos nômades que se organizavam
em clãs. Apesar de falarem a mesma língua, esses povos possuíam diferentes
estilos de vida e de crenças em ancestrais comuns, mantidas pela tradição oral.
Seu sustento se baseava na criação de animais, e alguns árabes estavam
envolvidos na agricultura em oásis na parte interna da Arábia. Além disso,
uma das formas mais importantes de subsistência eram os roubos de caravanas,
costume do deserto. A organização das tribos árabes antes do islã era baseada
no sistema badawi clássico (modo de vida nômade).
2 A criação do islã

De acordo com esse sistema, havia um comitê cujos membros eram pessoas
respeitáveis da tribo. As regras eram criadas de acordo com o modo de vida
dos antepassados e não havia terra privada. Prados, águas e, às vezes, até
rebanhos eram propriedades comuns da tribo.
Veja o que afirma Heers (1981, p. 289):

A vida social e política organiza-se somente em função da tribo, submetida a


uma família principal e a seu cheikh. Forma ela, nas cidades do oásis do Iémen,
do Hadramaute (ao sul) e do Hedjaz (a oeste), um bairro compacto, isolado
dos outros e entre os beduínos nômades das estepes ou desertos do Centro
ou do Norte, um círculo de tendas. As tradições, as memórias das rivalidades
ancestrais opõem incessantemente dois grupos de tribos: as do Norte, os
Maaditas ou Nizaritas, que descendem de Abraão por Ismael, e as do Sul, os
Iemenitas, que dele descendem por parte de Qahtân. Os conflitos agravam-se
ainda com os tumultos provocados pelos deslocamentos dos Iemenitas que,
à procura de melhores pontos de água ou atraídos pelos lucros da navegação
no mar Vermelho, emigraram em direção ao norte e fundaram novas cidades.

Os saques e roubos de caravanas, que eram as pedras angulares do comércio,


continuavam, ainda que diminuíssem nesse período. As guerras contínuas
e o tribalismo, embora estivessem prestes a desaparecer, foram os maiores
obstáculos à vida social e ao comércio. Havia a necessidade de uma instituição
que organizasse a vida e os relacionamentos entre as tribos.

Para saber mais sobre o período da criação do islã, leia a história de Ali Babá e os 40
ladrões (2017), que integra o Livro das mil e uma noites.

A Península Arábica era uma terra de tribos em guerra. Tais tribos, no


entanto, tinham certas leis não escritas determinando suas interações umas
com as outras. A lealdade principal de alguém era com a família ou tribo, e a
honra de cada um tinha de ser preservada a todo custo. O islã estava destinado
a destruir muitas das tradições consideradas valiosas pelas gerações anteriores.
Uma das novidades inseridas por essa religião foi a lealdade a Allah, que se
somava à lealdade dos pagãos à família.
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Heers (1981) diferencia os dois principais grupos árabes pré-islâmicos.


Veja a seguir.

 Os beduínos eram nômades e levavam uma vida difícil no deserto ou


nas estepes, utilizando como meio de sobrevivência o camelo, animal
do qual retiravam seu alimento (leite e carne) e suas vestimentas (feitas
com o pelo). Com suas caravanas, praticavam o comércio de vários
produtos pelas cidades da região. Além disso, eram considerados “[...]
guerreiros temíveis, protetores ou saqueadores de caravanas [...]”. Eles
marcaram a cultura árabe com: “[...] direito de fraternidade, prestígio
do chefe, culto da honra, respeito à coragem, à hospitalidade, virtude
da djahiliya (rudeza ou selvageria) [...]” (HEERS, 1981, p. 290).
 As demais tribos, os árabes urbanos, divergiam dos beduínos por serem
sedentários. Entre si, divergiam quanto ao gênero de vida. Enquanto no
sul havia “[...] agricultores dos oásis irrigados onde crescem tamareiras
e árvores aromáticas [..]”, no oeste permanecem os “[...] mercadores,
cambistas e usuários [...]”; além disso, há os “[...] marinheiros do Golfo
Pérsico [...]” (HEERS, 1981, p. 290).

Não obstante, a principal característica da Arábia pré-islâmica, que Muham-


mad estava destinado a desafiar seriamente, era a veneração a inúmeros ídolos
e imagens que representavam os deuses das pessoas comuns. De acordo com
Heers (1981, p. 290), havia uma crença comum nas forças da natureza e nas
manifestações dos djinns (espíritos que habitavam fontes, pedras e árvores
sagradas), mas tanto os nômades quanto os sedentários também veneravam
seus deuses particulares:

A tribo nômade possui seus próprios totens e transporta com ela sua pedra
sagrada, o betyl, posta sobre um camelo, cuja rédea cada chefe segura alter-
nadamente. Por certo, os sedentários e os mercadores, sem dúvida influen-
ciados pelos judeus e os cristãos estabelecidos nas cidades, tentam atrair as
tribos vizinhas quando das grandes peregrinações estacionais, geralmente
no momento das feiras caravaneiras. Eles construíram templos, ou casas de
Deus, o mais das vezes imensos cubos de pedra.

A vida estabelecida, o desenvolvimento do comércio e as riquezas privadas


conquistadas como resultado disso aceleraram o colapso da vida tribal. Os
laços tribais se soltaram. As preocupações econômicas e a ideia de ganhar
mais substituíram a solidariedade tribal.
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Então, já se nota uma aproximação entre uma organização religiosa árabe


e os “povos do livro”, como eram comumente chamados judeus e cristãos,
que foram tolerados durante muito tempo no mundo islâmico. No entanto, as
tribos árabes se mostravam politeístas por excelência. As pregações do profeta
Muhammad representam o evento decisivo responsável pela convergência das
crenças das tribos e pela consolidação do Império Árabe.

O profeta Muhammad é mais conhecido no Brasil como Maomé. No entanto, os


muçulmanos afirmam que não há tradução para esse nome sagrado.

O islã e o seu profeta


O islã, termo árabe que significa “rendição” ou “submissão”, é considerado
uma das mais jovens entre as grandes tradições religiosas mundiais. Suas
origens remontam a uma tradição religiosa monoteísta que se originou e se
espalhou a partir do Oriente Médio no século VII. Os seguidores dessa fé
são conhecidos como “muçulmanos”. Eles acreditam que a inspiração do
seu sistema de crenças vem diretamente de Deus e do profeta Muhammad,
escolhido para entregar os ensinamentos para a população em geral.
Muhammad ibn Abdullah nasceu no ano de 570, em Meca, numa segunda-
-feira correspondente ao 12º dia do mês Rabi al-Awwal. Ele era membro “[...]
de uma família da poderosa tribo coraixita [...]” (CAMPBELL, 2004, p. 344).
Contudo, não chegou a conhecer o pai, que morreu antes de Muhammad
nascer. Quando tinha 6 anos, perdeu a mãe, sendo entregue ao seu avô 'Abd
al-Muttalib, que tornou-se o seu guardião, de acordo com o costume árabe. No
entanto, o seu avô morreu quando Muhammad tinha apenas 8 anos de idade.
Assim, seu tio Abu Talib tornou-se seu protetor oficial. Enquanto ele ainda
era um menino, seu tio decidiu levá-lo em uma expedição de negociação com
as caravanas para as regiões atualmente conhecidas como Síria, Palestina e
Iraque. Dessa forma, Muhammad conheceu inúmeras outras religiões além
das que predominavam em Meca.
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A tradição islâmica afirma que numa das expedições de Muhammad rumo à Síria,
quando a caravana chegou em Busra, certo monge cristão chamado Bahira saiu para
saudar os viajantes. Diz-se que ele era bem versado na fé cristã e que tinha adquirido
a maior parte de seu conhecimento em um livro que mantinha em sua cela.
Percebendo que Muhammad parecia caber na descrição de um último profeta,
a quem Bahira ansiosamente aguardava, ele questionou-o em algum momento,
examinando suas costas para ver se poderia encontrar certa marca que se acreditava
ser um sinal do selo de missão profética. Descobrindo tal marca, alertou Abu Talib e
instruiu-o a zelar com muito cuidado pelo rapaz quando retornasse à cidade de Meca,
pois estava destinado a ter um grande futuro. Diz-se que o monge também o advertiu
particularmente para tomar cuidado com os judeus (O LIVRO DAS RELIGIÕES, 2014).

Ainda jovem, com cerca de 24 anos de idade, Muhammad passa a servir uma
mulher rica e viúva de muita dignidade chamada Khadija. Ela era “mais velha
que ele, casada duas vezes e com vários filhos”. Khadija ouvira falar de sua
confiabilidade (ele era chamado de al-amin, “o fiel”) e empregou-o para cuidar
de sua próxima expedição comercial para a Síria. Muhammad foi acompanhado
por Maysara, filho de Khadija. Quando este jovem relatou a conduta adequada de
Muhammad durante toda a jornada, Khadija quis casar-se com o futuro profeta.
Parece que a proposta veio dela, que, embora já tivesse 40 anos de idade, foi aceita
por Muhammad. Aí, iniciou-se uma relação que duraria toda a vida de Khadija.
Sete crianças nasceram desse casamento, mas três filhos morreram na in-
fância. Khadija faleceu cerca de 10 anos mais tarde, mas as quatro filhas que
deixou seguiram com Muhammad para Medina quando ele deixou Meca, logo
após a morte da esposa. Os nomes das filhas eram Zaynab, Ruqayya, Kulthum
e Fátima. Somente a última se tornou proeminente no islã, como a esposa de
'Ali, um dos primeiros convertidos de Muhammad e seu quarto sucessor oficial.
Segundo o antropólogo e filósofo Campbell (2004), relata-se que no dia 27
do mês do ramadã, em 610, Muhammad meditava em uma gruta no declive
do Monte Hira, a cinco quilômetros ao norte de Meca, quando começou a
receber mensagens divinas:

Conforme lemos em uma reprodução da história, ele meditava sobre o mis-


tério do homem feito de carne perecível quando uma esplêndida visão de
beleza e luz apoderou-se de sua alma e sentidos. E ouviu a palavra. “Recita!”
Ele ficou confuso e apavorado, mas o grito soou claro, três vezes, até que a
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confusão inicial deu lugar à compreensão de sua missão. Seu autor era Deus;
seu objetivo, o homem, a criatura de Deus; seu instrumento, a pena, o Livro
Sagrado, que os homens deveriam ler, estudar, recitar e entesourar em suas
almas (CAMPBELL, 2004, p. 344).

O conto segue desta forma: numa manhã, na caverna, Muhammad ouviu a


voz do anjo Gabriel, por meio do qual Allah falou palavras de sabedoria infinita.
Mais tarde, tais palavras foram recitadas pela primeira vez por Muhammad
a seus discípulos e, em seguida, foram gravadas no que veio a ser conhecido
como Qur’an (“o que foi recitado”) ou, como é vulgarmente chamado, Alcorão,
livro sagrado para a crença islâmica. O Alcorão contém várias revelações
divinas recebidas pelo profeta, na forma de seus ensinamentos. O principal
ensinamento do islã é a crença em Allah, único e verdadeiro deus. Assim, os
seguidores do islã consideram que o Alcorão é o trabalho não de Muhammad,
mas de Deus.
Segundo Goucher e Walton (2011, p. 114), o Muhammad que retornou
da caverna era um homem transformado. Ele trazia a sabedoria e a graça
do divino e estava encarregado de “[...] falar a palavra de Deus, para alertar
a humanidade da iminente chegada do dia do julgamento e da necessidade
de corrigir a ganância e os modos imorais [...]”. Escolhido entre os crentes
da verdadeira fé em Deus, Muhammad dedica o restante de sua vida “[...]
à exortação e ação: exortação para se levar uma vida justa e moral, e
ação de estabelecer uma comunidade devota na qual todos os membros
aceitam, ou se submetem, aos planos e leis de Deus [...]” (GOUCHER;
WALTON, 2011, p. 114). A primeira pessoa à qual ele pregou em seu
retorno foi sua esposa Khadija, que se tornou o primeiro discípulo da
nova religião.

O ramadã é o 9º mês do calendário islâmico. Durante todo o mês, os muçulmanos


praticam jejum, de forma ritualística, do nascer ao pôr do sol. No final de cada
dia, ao término do jejum, são realizadas uma oração e uma refeição especial,
reunindo amigos e familiares em uma celebração de fé e alegria. Esse evento
recebe o nome de iftar.
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O livro sagrado do Islã


O Alcorão reconhece unicamente Allah como a deidade suprema, o único
senhor de todos os mundos. A adoração a Allah era conhecida antes do advento
do islã, como o próprio Alcorão mostra. O livro menciona os pagãos que
recorriam a Allah exclusivamente para protegê-los quando zarpavam em um
barco e que eram ingratos quando ele os entregava em segurança para a terra
seca. Uma das críticas a tais pagãos é que eles dividiam a sua adoração entre
diferentes deuses (Surata 29:65). Em outro trecho, o Alcorão afirma que os
pagãos faziam seus juramentos mais significativos por Allah (Surata 6:109).
Não existe registro de uma imagem de Allah e, embora alguns escritores
tenham tentado identificá-lo com outros deuses árabes, nenhuma evidência real
existe para apoiar a teoria. Parece que o reconhecimento de um ser supremo, o
governante invisível do universo, surgiu do contato com judeus e cristãos que se
estabeleceram ou passaram pela Arábia. Sabe-se que o nome siríaco cristão para
Deus era Alaha e acredita-se que ele possa ser derivado do hebraico Elohim. É
bem possível que o nome Allah tenha vindo do siríaco, especialmente porque os
árabes cristãos sempre se referiram a Deus como Allah, como fazem até hoje.
No livro sagrado islâmico, estão reunidas as revelações do profeta. O
Alcorão é composto por 114 capítulos (suras), subdivididos em versículos. A
eloquência dos versículos, transmitida pelo profeta do islã, tocou numerosos
corações. Acredita-se que as virtudes divinas fluem por meio do discurso de
Muhammad e que não há necessidade de quaisquer debates ou discussões.
Na Figura 1, a seguir, você pode ver como a religião islâmica compreende a
relação entre a palavra de Allah e o Alcorão.

Figura 1. A palavra de Deus revelada aos muçulmanos.


Fonte: O Livro das Religiões (2014, p. 256).
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A partir daí, o profeta Muhammad, então com 40 anos de idade, passa


a professar uma nova religião, o islã, agrupando crenças árabes, cristãs e
judaicas de maneira sincrética, pregando as revelações divinas recebidas por
ele para o público em geral, por meio de seus sermões. Em reuniões públicas,
ele criticou abertamente os males da embriaguez e do comportamento inade-
quado. Além disso, enfatizou a unidade de Deus. A sua pregação lhe rendeu
muitos detratores, mas ao mesmo tempo cresceu o número de pessoas que se
converteram ao islã.
Após a conversão dos primeiros adeptos, o profeta busca disseminar sua fé
entre os beduínos que vinham em peregrinação à cidade de Meca. Entretanto,
sua pregação contrária ao politeísmo desperta o ódio dos coraixitas, grandes
mercadores que dominavam o comércio da região. Eles receavam que a nova
fé monoteísta afastasse os beduínos da cidade.

A cidade do profeta
Muhammad foi perseguido e sofreu um atentado que quase resultou em sua
morte, fugindo para a cidade de Yatreb em 16 de julho de 622. Esse aconte-
cimento crucial na história do islã passou a ser conhecido como “héjira” (do
árabe hidjra, que significa “fuga”, “emigração”). O calendário muçulmano
começa no dia dessa migração.
A chegada do profeta em Yatreb modifica consideravelmente a vida
da cidade. Como Muhammad não encontra oposição, difunde facilmente
suas ideias e dissemina livremente sua fé, chegando a conquistar o governo
local. Yatreb passa a se chamar Medina (em árabe, Madinat al-Nab, ou seja,
“cidade do profeta”). O povo de Medina aceitou o islã com plena fé. Portanto,
a propagação da nova religião ganhou impulso, fornecendo “[...] aos árabes
tanto uma ideologia comum como certas regras bastante rigorosas de vida
social e política [...]” (HEERS, 1981, p. 291).
Em 630, com finanças bem organizadas, um estadista estável e um
vasto exército, o profeta Muhammad conquistou e converteu Meca, des-
tituindo o culto aos demais ídolos e deuses, mas preservando a Caaba
(Figura 2), um local de adoração. Esse templo, segundo a tradição islâ-
mica, foi originalmente construído por Adão, embora o Alcorão afirme
que suas fundações foram levantadas por Abraão e seu filho Ismael, sob
as ordens de Deus.
Nas gerações anteriores à carreira profética de Maomé, no entanto, a Caaba
era o ponto focal de toda a idolatria árabe. De destaque especial foi uma pedra
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preta (al-hajarul-aswad) construída em seu canto nordeste. Se tal pedra foi


adorada como um ídolo, não é certo, mas sua fama como a parte mais sig-
nificativa do santuário sobreviveu na era islâmica. Até hoje, os peregrinos
muçulmanos tentam beijá-la enquanto andam pela Caaba.

Figura 2. Caaba, em Meca.


Fonte: Adaptada de tupaiterbang/Shutterstock.com.

Muhammad não parou em Meca, mas enviou numerosos emissários para


diferentes partes da Arábia a fim de espalhar a palavra do islã. Mesmo
depois de sua ascensão ao céu, esse processo continuou, comandado por
seus califas sucessores. Heers (1981, p. 291) ainda pontua a importância
de Meca ser a sede do governo: é “[...] significativo o fato de que esse
movimento político e religioso tenha partido de Meca, já grande metrópole
econômica [...]”.

A morte do profeta e os conflitos internos


Com a morte do profeta Muhammad, em 8 de junho de 632, logo surgem
disputas internas na doutrina islâmica. Afinal, Muhammad não havia deter-
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minado uma forma de sucessão e, segundo os preceitos da doutrina, o profeta


“[...] possuía o direito divino de governar, mas tal prerrogativa terminava com
sua morte [...]” (O LIVRO DAS RELIGIÕES, 2014, p. 270).
Parte dos adeptos acreditava que apenas alguém da família do profeta
poderia sucedê-lo, pois essa seria a orientação e a vontade de Allá segundo
a interpretação que faziam do Alcorão. Contudo, outros fiéis discordavam,
dizendo que um sucessor deveria ser eleito de acordo com os ensinamentos
da Suna.
Esses grupos, embora seguissem a mesma religião, possuíam a sua
própria interpretação de certos acontecimentos e ensinamentos do islã.
Veja a seguir.

 Os sunitas são direcionados pelos ensinamentos dispostos na Suna


(“feitos do profeta”), da qual deriva seu nome. Eles consideram que
tais ensinamentos são a fonte para a aplicação da lei islâmica. Nas
determinações do Alcorão, os sunitas agem de forma moldada ao
mundo terreno em face das questões de natureza teológica e política.
 Os xiitas se originaram a partir de uma discordância com os sunitas.
Para eles, o sucessor do profeta deveria ser um parente próximo de
Muhammad — no caso, seu genro e primo Ali ibn Abi Talib, casado com
sua filha Fátima. Após seu assassinato, ele foi homenageado por seus
partidários com a fundação do Shi'a 'Ali (“partido de 'Ali”). Desde então,
tais partidários ficaram conhecidos como xiitas. Para eles, o sucessor
do profeta tem uma função espiritual. Desse modo, apenas quem têm
uma ligação direta de parentesco com Muhammad pode desempenhar
a função de imã (autoridade religiosa) e, assim, liderar os islâmicos.
 Os sufistas fazem parte de uma corrente esotérica do islã. Eles se preo-
cupam com as verdades espirituais que Muhammad pregava. Pregam a
contemplação de Allah e a simplicidade, preocupando-se com o desen-
volvimento espiritual em detrimento das questões mundanas. Acreditam
que é possível uma aproximação entre Allah e os homens por meio da
aliança chamada mithaq, que teria ocorrido no início dos tempos.

Como você viu, para os xiitas, só os membros da família de Mohammad,


isto é, os descendentes do casamento de sua filha Fátima com 'Ali, teriam
qualificações para serem os sucessores do profeta (califas ou imãs) na tarefa
de liderar a comunidade islâmica mundial. Em contraposição aos sunitas,
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os xiitas enfatizam a função espiritual do sucessor do profeta, em quem


foi depositada a luz profética. O imã seria, então, um ser protegido. Como
descrevem Blockmans e Hopperbrowers (2012, p. 106), “[...] os xiitas não
rejeitam a Suna, mas têm sua tradição e seu líder espiritual designado por
Allah, o imã, ou imane, que precisa ser um descendente direto de um dos
dois filhos de Ali [...]”.

Existem muitas narrativas históricas adaptadas para outros meios, como literatura,
cinema, história em quadrinhos, etc. Elas exploram outras formas de se contar o passado.
A seguir, veja alguns filmes que abordam a temática do islamismo.
 Maomé, o mensageiro de Alá, de Moustapha Akkad, de 2001: o filme procura ser fiel
aos fatos e narra a vida do profeta desde o início das suas pregações até a sua morte.
 Uma amizade sem fronteiras, de François Dupeyron, de 2003: o filme conta a história
de um homem de fé islâmica que utiliza ensinamentos do Alcorão para educar
um garoto judeu.

BLOCKMANS, W.; HOPPERBROWERS, P. Introdução à Europa medieval: 300–1550. Rio de


Janeiro: Forense, 2012.
CAMPBELL, J. As máscaras de Deus: mitologia ocidental. São Paulo: Palas Athena, 2004.
GOUCHER, C.; WALTON, L. História mundial: jornadas do passado ao presente. Porto
Alegre: Penso, 2011.
HEERS, J. História medieval. 3. ed. São Paulo: Difel, 1981.
O ALCORÃO: livro sagrado do Islã. Rio de Janeiro: BestBolso, 2016.
O LIVRO DAS RELIGIÕES. São Paulo: Globo, 2014.

Leitura recomendada
ALI BABÁ e os Quarenta Ladrões. Porto: Porto, 2017.

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