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Revista Lusófona de Educação

ISSN: 1645-7250
revista.lusofona@gmail.com
Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias
Portugal

Cabral, Arlinda
Reseña de "Pedagogia do Oprimido" de Paulo Freire
Revista Lusófona de Educação, núm. 5, 2005, pp. 200-204
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Lisboa, Portugal

Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=34900514

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Recensão Crítica
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Paulo Freire (36.ª ed. 2003; 1.ª ed. 1970)


Pedagogia do Oprimido
Rio de Janeiro: Edições Paz e Terra, 184 p.

Neste livro, Paulo Freire propõe uma sequentemente libertadora enquanto


explicação da importância e necessida- unidade dialéctica entre subjectividade
de de uma pedagogia dialógica eman- e objectividade, a qual gera um actuar
cipatória do oprimido, em oposição à e pensar certos na e sobre a realidade
pedagogia da classe dominante, que para transformá-la, o que se transforma
contribua para a sua libertação e sua em ameaça à classe dominadora, que
transformação em sujeito cognoscente pela sectarização, obstáculo à emanci-
e autor da sua própria história através pação dos homens, transforma o futuro
da práxis enquanto unificação entre em algo preestabelecido a par da manu-
acção e reflexão. Nesta pedagogia, o tenção de formas de acção negadoras
educador, através de uma educação dia- da liberdade. Assim, a Pedagogia do
lógica problematizante e participante, Oprimido implica uma atitude e postu-
alicerçada na confiança no povo, na fé ra radicais baseadas no encontro com o
nos homens e na criação de um mundo povo através do diálogo enquanto ins-
onde cada homem seja valorizado pelo trumento metodológico que permite a
que é, onde a liberdade do povo deve leitura crítica da realidade, partindo da
atender à perspectiva do oprimido e não linguagem do povo, dos seus valores e
do opressor, procura conscientizar e ca- da sua concepção do mundo, transfor-
pacitar o povo para a transição da cons- mando-se numa luta pela libertação dos
ciência ingénua à consciência crítica oprimidos.
com base nas fundamentações lógicas No capítulo 1, o autor procura jus-
do oprimido. Assim, caracteriza-se por tificar o título «pedagogia do oprimi-
um movimento de liberdade que surge a do» explicando que o homem tem de
partir dos oprimidos, sendo a pedagogia transformar-se num sujeito da realidade
realizada e concretizada com o povo na histórica em que se insere, humanizan-
luta pela sua humanidade. do-se, lutando pela liberdade, pela de-
A obra estrutura-se em quatro partes salienação e pela sua afirmação, enfren-
que são precedidas de uma breve in- tando uma classe dominadora que pela
trodução, na qual Paulo Freire chama violência, opressão, exploração e injus-
a atenção para o medo da liberdade ou tiça tenta perpetuar-se.
o denominado perigo da conscientiza- Este capítulo divide-se em quatro te-
ção enquanto processo de evolução de mas. O primeiro refere-se à questão da
uma consciência ingénua ou mítica para consciência oprimida e da consciência
uma consciência crítica, recorrendo à opressora e ao problema da dualidade
radicalização crítica, criadora e con- gerada pela submissão. A pedagogia do

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oprimido, humanista e libertadora, ca- a própria consciência enquanto caminho


racteriza-se pela pedagogia dos homens para algo apreendido com intenciona-
que lutam num processo permanente lidade, em que educador e educandos
pela sua libertação, pelo que tem neces- numa tarefa em que ambos são sujeitos
sariamente de ser feita «com» (p.32) o desmistificam a realidade e criticam-na
povo através da reflexão sobre a opres- para conhecê-la recriando o conheci-
são e suas causas, que gera uma acção mento, descobrindo-se como «refazedo-
transformadora, denominada por «prá- res» (p. 56) permanentes.
xis libertadora» (p. 36). No capítulo 2, o autor fala sobre o con-
O autor destaca a situação concreta de ceito de concepção bancária da educação
opressão e os opressores, assentes nas como instrumento da opressão, caracte-
suas «consciências necrófilas» (p. 45) rizada como um depósito, uma dádiva
e «fortemente possessivas» (p. 45) e ou uma acção «assistencializadora» (p.
na «cultura do silêncio» (p. 47). Refere 60) para com o povo, considerado tábua
Paulo Freire que na luta pela liberdade rasa. Esta pedagogia caracteriza-se por
é necessária a crença no povo através de relações fundamentalmente narradoras
um comprometimento autêntico, de uma e dissertadoras entre um sujeito narra-
comunhão e de uma aproximação que dor, o educador, e objectos ouvintes, os
geram um renascer. educandos, por falar da realidade como
No que respeita à situação concreta de algo parado, estático, compartimentado
opressão e os oprimidos, o autor refere e completamente alheio à experiência
que só na convivência com os oprimidos existencial dos educandos e por recor-
se poderá compreender as suas formas rer à palavra esvaziada da dimensão
de ser, de comportar e de reflectir sobre concreta que devia ter. A educação é
a estrutura da dominação, sendo uma vista como um acto de depositar, o ho-
delas a dualidade existencial que leva mem é considerado um ser adaptável e
a assumirem atitudes fatalistas, religio- ajustável, em que educador e educando
sas, mágicas ou místicas, que não per- se arquivam por não haver criatividade,
mitem a superação da visão inautêntica transformação e saber, pois, segundo
do mundo e de si. o autor, só existe saber na invenção,
No que diz respeito à necessidade da reinvenção, busca inquieta, impaciente
comunhão dos homens para se liberta- e permanente que os homens fazem no
rem, somente quando o oprimido desco- mundo, com o mundo e com os outros, o
bre o opressor e se compromete na luta que se traduz numa busca esperançosa.
pela sua libertação começa a crer em Na visão bancária da educação o saber
si mesmo, sendo «acção cultural» para é uma doação fundamentada na absolu-
a liberdade por ser acção com o povo. tização da ignorância, manifestação ins-
A acção libertadora como resultado da trumental da ideologia da opressão, que
«conscientização» (p. 54) do povo tra- visa transformar a mentalidade do opri-
duz o carácter eminentemente pedagó- mido e não a situação que o oprime.
gico da revolução, em que o método é Neste capítulo o autor defende que os

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homens são seres da procura e a sua vo- cando, dialógico, problematizador, não
cação ontológica é humanizarem-se. é uma doação mas uma devolução or-
Segundo Paulo Freire, os homens edu- ganizada, sistematizada e acrescentada
cam-se entre si mediatizados pelo mun- ao povo dos elementos que entregou de
do, pela educação problematizadora que forma desestruturada. A educação au-
exige a superação da contradição edu- têntica, nas palavras do autor, faz-se de
cador-educando e o diálogo, e em que «A com B, mediatizados pelo mundo»
ambos se tornam sujeitos do processo e (p. 84), incidindo a sua acção na reali-
crescem juntos em liberdade, procuran- dade a ser transformada com os homens,
do o conhecimento verdadeiro e a cul- conhecendo as condições estruturais em
tura pela «emersão» (p. 70) das cons- que o pensar e a linguagem do povo dia-
ciências para uma inserção crítica na lecticamente se constituem.
realidade. O autor chama a atenção para A investigação temática implica uma
que em nenhum propósito, mesmo na li- observação simpática, atitudes compre-
derança revolucionária, o homem aliene ensivas e uma percepção crítica da reali-
os outros nas suas decisões mas sim que dade do povo, constituída pelo seu con-
os incentive à luta pela sua emancipa- junto de dúvidas, anseios e esperanças,
ção no mundo. por parte do educador para que expresse
No capítulo 3, o autor aborda a ques- uma acção cultural, procurando os in-
tão da dialogicidade enquanto essência vestigadores como objectivo da edu-
da educação como prática da liberdade. cação problematizadora centrarem-se
O diálogo assente na palavra é visto na consciência máxima possível e não
como fenómeno humano, pois segundo na consciência real. O programa tem
Paulo Freire não há palavra verdadei- de sair do povo e o tema central deve
ra que não seja práxis, enquanto acto ser o conceito antropológico de cultura
de criação que procura a conquista do descoberto numa visão crescentemente
mundo para a libertação dos homens. crítica.
Na perspectiva de Paulo Freire só O capítulo 4, centra-se nas teorias da
há diálogo com um profundo amor ao acção antidialógica e nas teorias da ac-
mundo e aos homens, com humilda- ção dialógica. O autor começa por rea-
de sincera e mediante a fé no poder de firmar que os homens são seres da práxis
criar do homem, sendo assim um acto e que emergem do mundo objectivando-
de criação e recriação, de coragem e de o, podendo conhecê-lo e transformá-lo
compromisso e de valentia e liberdade. com o seu trabalho. O diálogo com os
Assim, o diálogo faz-se numa relação oprimidos é um compromisso para a li-
horizontal baseada na confiança entre bertação que implica a transformação da
os sujeitos e na esperança transformada realidade, porque os homens são comu-
na concretização de uma procura eterna nicação e diálogo enquanto análise crí-
fundamentada no pensamento crítico. O tico-reflexiva sobre a realidade. Afirma
diálogo começa na busca do conteúdo Paulo Freire que evitar o diálogo é temer
programático que para o educador-edu- a liberdade e não crer no povo, pelo que

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chama a atenção para que as lideranças e com ela para a libertação, visto que a
revolucionárias não se deixem arrastar acção unificadora é indispensável à prá-
para posturas características das classes tica libertadora.
dominadoras, como a absolutização da A manipulação é referida pelo autor
ignorância, a descrença no homem e a como outro instrumento de manutenção
impossibilidade do diálogo. da opressão que leva à massificação,
Neste capítulo o autor começa por re- que anestesia as massas para não pen-
ferir as características da teoria da ac- sarem, pois ao pensarem ganham «cons-
ção antidialógica, que são a conquista, ciência revolucionária ou consciência
a divisão do povo, a manipulação e a de classe» (p. 146) que gera a procura
invasão cultural. O segundo tema em incessante pela libertação. Sobre a or-
destaque refere-se às características da ganização, em oposição à manipulação,
teoria da acção dialógica, que são a co- o autor refere que, ao procurar a unida-
laboração, a união, a organização e a de, a liderança já se encontra a efectu-
síntese cultural. ar a organização das massas populares.
A conquista, que implica um sujeito e Segundo Paulo Freire, a organização é
um objecto conquistado, impõe o anti- um momento altamente pedagógico em
diálogo para oprimir económica e cul- que a liderança e o povo fazem juntos o
turalmente para manter a opressão. A aprendizado da autoridade e da liberda-
co-laboração é referida por Paulo Freire de verdadeiras que ambos como um só
em oposição à conquista, visto que os procuram instaurar com a transforma-
sujeitos encontram-se para a transfor- ção da realidade que os mediatiza.
mação do mundo juntos através do diá- A invasão cultural, caracterizada por
logo que funda a comunicação, nomea- manipulação de conquista, é também
damente através da problematização da uma acção antidialógica, alienante e
sua própria opressão. O autor chama a uma forma de dominar cultural e eco-
atenção para o facto de a liderança revo- nomicamente, procurando incutir a in-
lucionária estar comprometida com uma ferioridade intrínseca nos invadidos.
comunhão com o povo que provoca a Sobre a síntese cultural, em oposição à
«co-laboração» (p. 165), denominando invasão cultural, o autor refere que toda
Paulo Freire esta revolução de biófila na a acção cultural é uma forma sistemati-
medida em que é criadora de vida. zada e deliberada de acção que incide
Dividir para manter a opressão é ou- sobre a estrutura social para mantê-la
tro instrumento das elites opressoras, ou transformá-la, constituindo-se na
que recorrem a formas focalistas de ac- dialeticidade «permanência-mudança»
ção que dificultam a percepção crítica (p. 179).
da realidade, procurando manter o seu Em conclusão, esta obra de Paulo
status quo. Na união para a libertação, Freire é um trabalho de conscientiza-
em oposição ao dividir para manter a ção, recomendado a todos os homens e
opressão, a liderança deve obrigar-se à mulheres que se preocupam com a sua
procura da união dos oprimidos entre si existência, e a todos os educadores em

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particular, pois tem um carácter político


na medida em que, fazendo uma aborda-
gem à valência emancipatória da educa-
ção enquanto instrumento de libertação
de consciências e da necessidade da ac-
tuação do homem na sua própria exis-
tência, afirma que não é suficiente que
o oprimido tenha consciência crítica da
opressão, mas que se disponha a trans-
formar a realidade.
A educação problematizadora caracte-
riza-se pela intencionalidade, afirmando
e fundamentando que alfabetizar é cons-
cientizar, enquanto capacidade de admi-
rar, objectivar, desmistificar e criticar a
realidade envolvente do mundo no qual
o homem ao descobrir-se seu construtor
descobre-se sujeito da cultura e como
tal se afirma como sujeito livre contra
qualquer regime de dominação que visa
a massificação, numa luta pela transfor-
mação e conquista e efectivação da sua
liberdade alcançada pela práxis.

Arlinda Cabral

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