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ciEda n cias sociais
so ciê
sociedade em movimento
ciências sociais
7
Afrânio Silva Eduardo Guimarães Otair Fernandes de Oliveira
Mestre em Ciência Política pela Universidade Fede- Doutor em Saúde Coletiva (Ciências Humanas e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade
ral do Rio de Janeiro. Professor de Sociologia do Co- Saúde) pela Universidade do estado do Rio de Ja- do estado do Rio de Janeiro. Professor da Uni-
légio Pedro II e da Seeduc. Pesquisador do Ibam. neiro. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais versidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Coor-
pela Universidade do estado do Rio de Janeiro. denador do Leafro.
Bruno Campos Professor de Sociologia do Colégio Pedro II.
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Uni- Raphael M. C. Corrêa
versidade Federal do Rio de Janeiro. Professor pós- Fátima Ferreira Doutor em Ciência Política pela Universidade do
-graduado de Sociologia das redes pública e priva- Doutora em Educação pela Universidade Estácio estado do Rio de Janeiro. Mestre em Planejamen-
da do estado do Rio de Janeiro. de Sá. Mestre em Ciências Sociais (Sociologia) to Urbano e Regional pela Universidade Federal do
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ba- Rio de Janeiro. Bacharel e licenciado em Ciências
Bruno Loureiro charel e licenciada em Ciências Sociais pela Uni- Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janei-
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade versidade do estado do Rio de Janeiro. Professo- ro. Professor de Sociologia do Colégio Pedro II.
Federal do Rio de Janeiro. Professor de Sociolo- ra de Sociologia do Colégio Pedro II.
gia das redes pública e privada do estado do Rio Rodrigo Pain
de Janeiro. Lier Pires Ferreira Doutor em Ciências pelo Curso de Pós-Gradua-
Doutor em Direito pela Universidade do estado ção em Desenvolvimento, Agricultura e Socie-
Cassia Miranda do Rio de Janeiro. Mestre em Relações Inter- dade (Estudos Internacionais Comparados) pela
Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade nacionais pela Pontifícia Universidade Católica Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Pro-
Católica do Rio de Janeiro. Bacharel e licenciada do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela fessor da rede pública do estado do Rio de Janeiro.
em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Universidade Federal Fluminense. Bacharel e
Rio de Janeiro. Professora de Sociologia da rede licenciado em Ciências Sociais pela Universi- Rogério Lima
pública do estado do Rio de Janeiro. dade Federal Fluminense. Professor de Socio- Doutor em Ciências Humanas (Sociologia) pela
logia do Colégio Pedro II. Professor do Iuperj e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor
Clarissa Tagliari Santos do Ibmec/RJ. de Sociologia do Colégio Pedro II.
Mestre em Sociologia (Antropologia) pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro. Bacharel e licen- Marcelo Costa Vinicius Mayo Pires
ciada em Ciências Sociais pela Universidade Fede- Mestre em Sociologia (Antropologia) pela Uni- Mestre em Sociologia (Antropologia) pela Uni-
ral do Rio de Janeiro. Professora de Sociologia do versidade Federal do Rio de Janeiro. Professor versidade Federal do Rio de Janeiro. Professor
Colégio Pedro II. de Sociologia do Colégio Pedro II e da Faetec. de Sociologia do Colégio Pedro II.

1a edição
© 2014 Afrânio Silva, Bruno Campos, Bruno Loureiro, Cassia Miranda,
Clarissa Tagliari Santos, Eduardo Guimarães, Fátima Ferreira, Lier Pires Ferreira,
Marcelo Costa, Otair Fernandes de Oliveira, Raphael M. C. Corrêa,
Rodrigo Pain, Rogerio Lima, Vinicius Mayo Pires

Coordenação editorial: Cesar Brumini Dellore


Edição de texto: Siomara Spinola
Coordenação de design e projetos visuais: Sandra Botelho de Carvalho Homma
Projeto gráfico: Daniel Messias, Everson de Paula, Rafael Mazzari
Capa: Criação: Sandra Botelho de Carvalho Homma
Produção e direção de arte: Everson de Paula
Finalização: Otávio dos Santos
Foto: Desfile de bonecos gigantes no carnaval de Olinda (PE, 2005).
© Hans von Manteuffel/Opção Brasil Imagens
Coordenação de produção gráfica: André Monteiro, Maria de Lourdes Rodrigues
Coordenação de arte: Maria Lucia F. Couto, Patricia Costa, Wilson Gazzoni Agostinho
Edição de arte: Alan Dainovskas Dourado
Editoração eletrônica: Grapho Editoração
Edição de infografia: William Taciro, Mauro César Brosso, Alexandre Santana de Paula
Ilustrações: Alexandre Affonso, Eduardo Francisco, Guilherme Casagrandi,
Klayton Luz, Ronaldo Barata
Cartografia: Anderson de Andrade Pimentel, Fernando José Ferreira,
Guilherme Luciano
Coordenação de revisão: Elaine C. del Nero
Revisão: Cárita Negromonte, Laila D. Santocchi, Márcia Leme, Renato da Rocha,
Salete Brentan, Tatiana Malheiro, Viviane T. Mendes
Coordenação de pesquisa iconográfica: Luciano Baneza Gabarron
Pesquisa iconográfica: Camila D’Angelo, Etoile Shaw, Odete Ernestina Pereira
Coordenação de bureau: Américo Jesus
Tratamento de imagens: Arleth Rodrigues, Bureau São Paulo, Marina M. Buzzinaro,
Resolução Arte e Imagem
Pré-impressão: Alexandre Petreca, Everton L. de Oliveira Silva, Fabio N. Precendo,
Hélio P. de Souza Filho, Marcio H. Kamoto, Rubens M. Rodrigues, Vitória Sousa
Coordenação de produção industrial: Wilson Aparecido Troque
Impressão e acabamento:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sociedade em movimento. -- 1. ed. -- São Paulo :


Moderna, 2014.

Obra em 4 v. para alunos do 6o ao 9o ano.


Vários autores.
Bibliografia

1. Ciências sociais (Ensino fundamental).

14-03676 CDD-372

Índices para catálogo sistemático:


1. Ciências sociais : Ensino fundamental 372

ISBN 978-85-16-09441-6 (LA)


ISBN 978-85-16-09442-3 (LP)

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Todos os direitos reservados
EDITORA MODERNA LTDA.
Rua Padre Adelino, 758 – Belenzinho
São Paulo – SP – Brasil – CEP 03303-904
Vendas e Atendimento: Tel. (0_ _11) 2602-5510
Fax (0_ _11) 2790-1501
www.moderna.com.br
2014
Impresso no Brasil

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A

P rezado aluno,
Na escola, você aprende a exercitar seu direito à diferença, ao
mesmo tempo que toma contato com os mais variados aspectos
da nossa sociedade e da nossa cultura. Este livro tem o objetivo
de contribuir para a compreensão das sociedades e das cultu-
ras para além do senso comum, pois é apenas ao compreender
como se formam os valores que orientam a ação dos indivíduos
nas diferentes sociedades que nos tornamos capazes de desen-
volver uma visão crítica do mundo e nos posicionar de forma
autônoma e criativa.
As Ciências Sociais vão ajudá-lo a entender como a nossa
sociedade se constrói sobre identidades plurais. O enten-
dimento das diferenças culturais, livre de preconceitos, é
fundamental para a construção de uma sociedade justa e
igualitária. Compreender as causas das questões sociais
é o primeiro passo para a criação de um mundo diferente.
Esperamos que os debates promovidos ao longo deste
livro ajudem-no a rever antigas ideias e formular novas
questões sobre a realidade social. Esse novo olhar para
o mundo passará a fazer parte do seu dia a dia.

Desejamos a você um ótimo estudo!

Os autores
ORGANIZAÇãO dO lIvRO
Seu livro está organizado em
9 unidades, que apresentam a
seguinte estrutura: abertura,
capítulos, seções o estranho
familiar, Visões de mundo
e Direito é direito, mais
atividades e Indicações.

abertura De unIDaDe
Um pequeno texto apresenta o
assunto que será desenvolvido
na unidade.

As questões propostas em
Começando a unidade
relacionam os elementos
da abertura da unidade
com o que você já sabe

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


sobre o assunto.

Os objetivos da unidade
listam as habilidades que
você vai adquirir após o
estudo dos conteúdos nela
apresentados.

Capítulos
No glossário você encontra
Cada unidade é composta explicações sobre as
de dois capítulos, que palavras destacadas no
desenvolvem os conteúdos texto.
de modo claro e organizado,
integrando texto e imagens.

Ilustrações, fotos, charges,


gráficos e outros elementos
visuais exemplificam
e complementam os
conteúdos desenvolvidos
na unidade.

o estranho famIlIar
A seção apresenta fatos
sociológicos ocorridos em
diferentes sociedades e
momentos históricos que
se contrapõem à nossa
realidade, provocando certo
estranhamento. As atividades
valorizam a cultura da
diversidade e da tolerância.
Explorando o cotidiano
Propostas de pesquisa
que estimulam
atIVIdadEs a construção do
conhecimento a partir
Revisão e compreensão da sua realidade.
Atividades de releitura
e fixação dos principais
conteúdos da unidade. O que pensamos sobre
Temas para discussão
em forma de debates ou
Interpretação e prática seminários que estimulam
Questões de interpretação a reflexão crítica, a
e aplicação de conceitos das elaboração de argumentos
Ciências Sociais estudados e a exposição de seus
na unidade, com apoio de conhecimentos.
textos complementares e
elementos visuais.
Obter informações
Questões de releitura e
VIsõEs dE mundO fixação das principais ideias
Textos citados com apresentadas no texto.
pequena introdução
contextualizadora
Interpretar
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

estimulam a leitura e a
compreensão de texto. Questões para você
relacionar, interpretar e
avaliar as informações
contidas no texto.

Refletir
Sugestões de reflexão,
pesquisa ou elaboração
artística relacionam
o texto da seção ao
conteúdo da unidade.
dIREItO é dIREItO
A seção trata do
conjunto de normas e
direitos presentes na IndIcaçõEs
sociedade para você
desenvolver uma Sugestões de leituras,
postura cidadã crítica. vídeos e sites comentadas
complementam o conteúdo
da unidade.

Multimídia interativa
IntERaçãO Hip-hop
Atividade de encerramento
do volume, com orientações
de realização, que
desenvolve as capacidades
de avaliação, criação e
proposição, preparando
você para um papel de conteúdo digital
protagonista na sociedade Indica vídeos, animações e
em que vive. outros recursos no livro digital.
sUMÁrIo

unIDaDe 1 Os significados de cultura 10


CApÍtUlo 1 – A produção da cultura ................................................. 12
Os usos do termo cultura no cotidiano, 12
o estranho familiar – Raio-X do cidadão norte-americano ................................. 15
O significado de cultura para as Ciências Sociais, 16 – A cultura
como prática: cultura popular e cultura erudita, 18

CApÍtUlo 2 – Cultura e interpretação do mundo social ....... 20


A função da cultura nas sociedades humanas, 20 – A cultura
como experiência cotidiana, 21 – A cultura como elemento
de organização social, 22 – A cultura e a decodificação do
mundo, 23 – A cultura e os sistemas simbólicos, 24 – Afinal,
qual é o papel da cultura nas sociedades humanas?, 25

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atividades .............................................................................................................................................. 26
Visões de mundo – A cultura condiciona nossa visão de mundo ...................... 28
Direito é direito – Patrimônio imaterial da cultura brasileira ............................ 30
Indicações ............................................................................................................................................ 31

unIDaDe 2 Identidades sociais 32


CApÍtUlo 3 – Identidade e alteridade ............................................ 34
A construção da identidade, 34 – Identidade e cultura, 35 – Interação
social e a construção da identidade, 35 – Identidade e a descoberta
da alteridade, 36
o estranho familiar – Coreia do Sul lidera cirurgias para
“ocidentalizar” traços do rosto ................................................................................................. 39

CApÍtUlo 4 – Estereótipo, preconceito e discriminação ...... 40


Identidade e valor, 40 – Discriminação e segregação, 43 – Existe
preconceito e discriminação no Brasil?, 44
atividades .............................................................................................................................................. 46
Visões de mundo – Identidade .............................................................................................. 48
Direito é direito – Leis e discriminação: avanços e desafios .............................. 50
Indicações ............................................................................................................................................ 51
unIDaDe 3 Encontros culturais 52
CApÍtUlo 5 – Etnocentrismo, diversidade e
relativismo cultural ..................................................... 54
O que é a cultura?, 54 – A biologia, a geografia e a cultura, 54 – A geografia
determina a cultura?, 54 – A biologia determina a cultura?, 56 – O
etnocentrismo, 57 – O relativismo cultural, 59
o estranho familiar – “Pés de lótus” ................................................................................... 61

CApÍtUlo 6 – Multiculturalismo e transformação


cultural ............................................................................... 62
A dinâmica cultural, 62
atividades .............................................................................................................................................. 66
Visões de mundo – Beijos e abraços .................................................................................... 68
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Direito é direito – Conhecimentos tradicionais e proteção do


patrimônio cultural .......................................................................................................................... 70
Indicações ............................................................................................................................................ 71

unIDaDe 4 Culturas no Brasil 72


CApÍtUlo 7 – Formações culturais brasileiras ........................... 74
Um país plural, 74
o estranho familiar – Feijoada: breve história de uma
instituição comestível ................................................................................................. 79

CApÍtUlo 8 – Expressões culturais no Brasil ............................. 80


Origens coloniais das expressões culturais, 80 – Exemplos de
expressões culturais brasileiras, 82
atividades .............................................................................................................................................. 86
Visões de mundo – Pra que discutir com Madame .................................................... 88
Direito é direito – A diversidade nos currículos escolares ................................... 90
Indicações ............................................................................................................................................ 91

unIDaDe 5 Estratificação e desigualdade social 92


CApÍtUlo 9 – Estrutura social e a produção
das desigualdades ....................................................... 94
Estrutura social, 94 – Desigualdade real de oportunidades e condições, 97
o estranho familiar – Família avança no ritmo do
progresso do Brasil .......................................................................................................................... 99
CAPÍTULO 10 – Estratificação social: castas, estamentos
e classes ........................................................................ 100
Estratificação social e a produção das desigualdades, 100 – Formas de
estratificação social, 101
Atividades .......................................................................................................................................... 104
Visões de mundo – Alagados ................................................................................................ 106
Direito é direito – Trabalho doméstico .......................................................................... 108
Indicações ........................................................................................................................................ 109

UNIDADE 6 Raça, etnia e desigualdade 110


CAPÍTULO 11 – A ideia de raça e etnia ............................................. 112
Raças humanas: construção social, 112 – Etnia: combate ao racismo
e valorização da diversidade cultural, 116
O estranho familiar – A prova do lápis, os “brancos de honra”

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e outros absurdos do “apartheid” ...................................................................................... 117

CAPÍTULO 12 – Desigualdade étnico-racial no Brasil ............ 118


Desigualdades e relações raciais no Brasil, 118 – As cores da
desigualdade, 119 – Combate às desigualdades étnico-raciais: ações
afirmativas, 121
Atividades .......................................................................................................................................... 124
Visões de mundo – Pesquisa da UFSCar aponta desigualdade
racial na ação da PM ................................................................................................................... 126
Direito é direito – Ações afirmativas nas universidades públicas ............... 128
Indicações ........................................................................................................................................ 129

UNIDADE 7 Gênero e sexualidade 130


CAPÍTULO 13 – Sexualidade e gênero ............................................. 132
As noções de “sexo” e “gênero”, 132 – Relações de gênero e a dominação
masculina, 133 – Identidade de gênero, 135
O estranho familiar – Meninos e meninas aprendem tarefas
domésticas na escola: aula obrigatória na Suécia ................................................... 137

CAPÍTULO 14 – Desigualdades de gênero no Brasil ................ 138


Divisão desigual do trabalho doméstico, 138 – Mulheres no mercado de
trabalho, 140 – Mulheres na política, 141 – Vidas divididas, 142
Atividades .......................................................................................................................................... 144
Visões de mundo – O feminismo: valeu a pena, sim! ............................................. 146
Direito é direito – Lei Maria da Penha ........................................................................... 148
Indicações ........................................................................................................................................ 149
unIDaDe 8 Economia e sociedade 150
CApÍtUlo 15 – A produção e distribuição da riqueza ........... 152
A produção da riqueza, 152 – A distribuição da riqueza no mundo, 156
o estranho familiar – Desigualdades sociais nos Estados Unidos:
como é o “sonho americano”? ............................................................................................... 157

CApÍtUlo 16 – Desigualdade econômica e pobreza


no Brasil ......................................................................... 158
Entendendo a pobreza, 158 – A desigualdade econômica, 160
atividades .......................................................................................................................................... 166
Visões de mundo – Vidas secas ........................................................................................... 168
Direito é direito – O Programa Bolsa Família ............................................................ 170
Indicações ........................................................................................................................................ 171
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unIDaDe 9 Questões sociais nas cidades 172


CApÍtUlo 17 – Habitação, segregação e violência .................. 174
Para pensar a cidade, 174 – A cidade nas Ciências Sociais, 174 –
Segregação residencial, 176 – Violência na cidade, violência da cidade, 178
o estranho familiar – Protesto de sem-teto atrai a classe
média francesa ................................................................................................................................. 179

CApÍtUlo 18 – O direito à cidade ..................................................... 180


A urbanização, 180 – Urbanização e capitalismo, 181 – A luta pela
cidade, 182 – O que fazer?, 183
atividades .......................................................................................................................................... 184
Visões de mundo – A palavra é: gentrificação ........................................................... 186
Direito é direito – Política urbana .................................................................................... 188
Indicações ........................................................................................................................................ 189

InterAção – Projetar a cidade dos sonhos:


utopia, sustentabilidade e cidadania 190

referências bibliográficas ............................................................... 192


1
UnidAde
OS SIGNIFICADOS
DE CULTURA

enS
imag
lSar /Pu
io SÁ

M iguel é um menino de
tÔn
o an

13 anos que frequenta a


C
mar

escola como a maioria dos


adolescentes. Certo dia, Miguel
acordou cedo para mais um dia
de aula. Enquanto tomava o café da
manhã, ouviu de seu pai a seguinte
frase:
— Miguel, você precisa se dedicar
mais aos estudos para que no futuro
você tenha mais cultura do que eu e
sua mãe.
A frase intrigou Miguel, mas, como já
estava atrasado, deixou para pensar no as-
sunto depois. Por coincidência, na escola,
durante a aula, a professora fez o seguinte
comentário:
— A cultura é a alma de um povo.
Novamente, Miguel ficou sem entender o
significado da frase. Quando o sinal do inter-
valo tocou, ele saiu correndo da sala e ficou
ruminando sozinho a sua dúvida.
Ao chegar em casa, Miguel sentou-se no sofá
para assistir à TV e qual não foi sua surpresa quan-
do o apresentador do noticiário anunciou:
— A programação cultural deste final de semana
está cheia de novidades. Vários filmes, shows e peças
teatrais entram em cartaz na cidade.
Então, Miguel não resistiu e perguntou para
sua mãe:
— Mãe, afinal de contas, o que é
cultura? Para que ela serve?

10
Começando
a unidade

Como você responderia à pergunta: O que


é cultura? Você sabe qual é o papel da
cultura nas sociedades humanas?

dos entos
ifica
t e s sign onhecim icipação
n c rt
ifere eus a pa o da
os d se nos s stimule a funçã
s o bre b a e . E e m
tir m d tiz
refle ltura, co a unida roblema
vem u d p
n o s de termo c dutório alunos
lu ro s
Os a ídos ao exto int é que o social.
u t a
atrib s e no objetivo o da vid
io
prév sse. O anizaçã
la g
da c ra na or
cultu

Grupo Samba de Roda do


Quilombo de Japaratuba,
em Laranjeiras (SE, 2013).

Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Distinguir o significado de cultura segundo as
Ciências Sociais e segundo o senso comum.
• Compreender o papel da cultura na interpre-
tação da vida social.

11
CAPÍTULO

1 A produção da cultura

Os usos do termo cultura no cotidiano


Na historinha que abre o nosso livro, Miguel nos apresenta duas
questões. Neste capítulo, vamos procurar responder à primeira delas:
O que é cultura?
A dúvida de Miguel faz sentido. No nosso cotidiano é bastante comum
ouvirmos a palavra cultura ser mencionada em diferentes situações e
com distintos significados. Que significados são esses?
Podemos pensar a cultura e seus diferentes significados resumindo-a

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em três tipos básicos: cultura valor, cultura alma coletiva e cultura
mercadoria.
Cultura valor
No nosso exemplo, quando o pai de Miguel utilizou o termo pedindo
ao filho que se dedicasse mais aos estudos para ter mais cultura, ele
reproduziu algo bastante comum: a percepção da cultura como algo que
hierarquiza as pessoas e as sociedades, isto é, organiza-as segundo uma
escala de valor, grandeza ou importância. Por esse motivo, algumas so-
ciedades são consideradas hierarquicamente superiores a outras, e essa
noção é tão difundida que, em geral, sequer questionamos os critérios
utilizados para essa classificação. Trata-se da cultura como valor.
A percepção da cultura como valor acontece quando se entende a
cultura como um conjunto específico de conhecimentos acumulados por
uma sociedade, e de tal modo valorizados, que a colocam num patamar
superior a outras formas de saber. Dessa maneira, quem possui mais
acesso a esse conjunto de conhecimentos assume uma posição hierár-
quica acima daqueles que não “atingiram” o mesmo status, ou seja, o
lugar que uma pessoa ocupa na estrutura social e sua posição de prestígio
adquirida por meios políticos, econômicos ou culturais.
Se determinado país, por exemplo, possui uma forma de organização
considerada mais complexa em relação a outras sociedades, ele adquire
status de superioridade em relação a outros. É o caso de países europeus
desenvolvidos, como França, Suíça, Alemanha e Dinamarca, entre outros,
tidos como símbolos da civilização ocidental e por isso geralmente mais
valorizados do que nações latino-americanas ou africanas. Também é
exemplo da noção de cultura valor afirmar que os povos que não domi-
nam a escrita formal ou não falam diferentes línguas são incultos. Nesse
caso, comunidades tradicionais, como as indígenas, são desvalorizadas
em relação às sociedades ocidentais de origem europeia (figuras 1 e 2).

12
Karim Sahib/aFP
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renato SoareS/PulSar imagenS

Figuras 1 e 2. A
percepção da cultura
como valor hierarquiza
as diferentes
expressões culturais.
Acima, bailarinos do
Royal Ballet de Moscou
apresentam coreografia
de O lago dos cisnes
em Dubai (Emirados
Árabes Unidos, 2012).
Ao lado, dança do
Kuarup na Aldeia
Yawalapiti no Parque
Indígena do Xingu,
em Gaúcha do Norte
(MT, 2012).

Esse uso do termo cultura é característico do senso comum, que traduz


a primeira forma de compreensão do mundo, dada pela nossa experiência,
sem que haja reflexão ou verificação prévia. Assim, esse significado de
cultura não corresponde à compreensão científica das Ciências Sociais,
como veremos adiante. No entanto, é uma forma ainda bastante repro-
duzida no cotidiano.

13
Cultura alma coletiva
Quando a professora de Miguel afirmou que “a cultura é a alma de um
povo”, isso significa que, por meio dela, podemos identificar e diferenciar
uma sociedade ou um grupo social de outros.
A cultura diferencia a sociedade brasileira da chinesa ou as diferentes
culturas existentes em cada região do país. Nesse caso, a cultura repre-
senta a identidade de determinado grupo (figura 3). Trata-se da cultura
como alma coletiva.
Figura 3. Desfile de bonecos gigantes

lino Sultanum/Futura PreSS


durante o carnaval em Olinda (PE, 2014).
O carnaval pode ser considerado uma
expressão da “alma coletiva” brasileira.

GLOSSÁRIO
Cultura de massa: conjunto dos

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


bens culturais produzidos pela
indústria cultural e difundidos pelos
meios de comunicação; expressões
culturais produzidas com objetivo
comercial.
Indústria cultural: produção e
distribuição de bens e serviços culturais
(obras de arte, filmes, espetáculos,
divulgação de ideias, circulação de
informação etc.) em escala industrial,
Entretanto, não há uma hierarquização das culturas, ou seja, não se
dirigida a um grande número de pessoas; pode dizer que uma cultura é melhor ou mais desenvolvida do que outra.
processo característico da chamada Cada cultura é percebida como resultado das experiências coletivas de
sociedade de massas e da cultura
de massa.
povos e grupos sociais ao longo do tempo. Portanto, cultura é algo que
todos os indivíduos e coletividades possuem, variando a sua expressão.
As culturas são diferentes entre si, não superiores ou inferiores umas
às outras.
Cultura mercadoria
ChriStie’S imageS/CorbiS/latinStoCK

Mercadoria é qualquer produto que se pode comprar ou vender. Essa é


uma forma de expressão das sociedades capitalistas. O termo cultura
é utilizado como sinônimo de atrações da chamada cultura de massa
(figura 4). Nesse caso, os significados da cultura como valor e como alma
coletiva são modificados para se tornar fonte de lucro, que é a renda dos
capitalistas obtida com a venda de mercadorias.
Apesar de também ser bastante difundida em nossos dias, ela repre-
senta um olhar limitado para a cultura. A indústria cultural reduz a cultura
a obras e experiências que podem ser comercializadas, como livros, CDs
e DVDs. É a cultura como mercadoria.

Figura 4. A cultura como mercadoria encontra sua expressão


na cultura de massa, da qual a chamada pop art é uma
das principais expressões. Marilyn, de Andy Warhol, 1967.
Serigrafia sobre papel, 91 cm 91 cm.

14
O ESTRANHO FAMILIAR Raio-X do cidadão norte-americano

“ O cidadão norte-americano desperta num leito vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia,
construído segundo padrão originário do Oriente ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma
Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, café, planta abissínia, com nata e açúcar.
antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de [...]
cobertas feitas de algodão, cuja planta se tornou
Depois das frutas e do café vêm waffles, os quais
doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carnei-
são bolinhos fabricados segundo uma técnica
ro, um e outro domesticados no Oriente Próximo;
escandinava, empregando como matéria-prima
ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China.
o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia
Todos esses materiais foram fiados e tecidos por
Menor. Rega-se com xarope de maple inventado
processos inventados no Oriente Próximo. Ao le-
pelos índios das florestas do leste dos Estados
vantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram
Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo
inventados pelos índios das florestas do Leste dos
de alguma espécie de ave domesticada na Indo-
Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos
china ou delgadas fatias de carne de um animal
aparelhos são uma mistura de invenções europeias
domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada
e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o
por um processo desenvolvido no Norte da Europa.
pijama, que é vestiário inventado na Índia, e lava-se
com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, [...]
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

faz a barba que é um rito masoquístico que parece Ao inteirar-se das narrativas dos problemas
provir dos sumerianos ou do antigo Egito. estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agra-
decerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-
[...]
Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha a rua
-europeia, o fato de ser cem por cento americano. ”
LINTON, Ralph. O homem: uma introdução à antropologia. 3. ed. São Paulo:
através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; Martins, 2000. Disponível em: <www.pragmatismopolitico.com.br/
e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha 2011/05/perfeito-raio-x-do-cidadao-norte.html>. Acesso em: 8 abr. 2014.

descoberta pelos índios da América Central e toma


um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Atividade
Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas
estepes asiáticas. De caminho para o breakfast, para A ironia é uma figura de linguagem por meio da qual
para comprar um jornal, pagando-o com moedas, se transmite uma mensagem contrária àquilo que se
invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma pensa. Após ler o texto, responda às perguntas a seguir:
série de elementos tomados de empréstimo o es- a) Explique como o autor discute a questão da cultura
pera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica por meio da ironia.
inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela b) Seria possível desenvolver um texto sobre o “cida-
primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado dão cem por cento brasileiro” utilizando a ironia?
na Itália medieval; a colher vem de um original Elabore uma proposta em dupla.
romano. Começa o seu breakfast, com uma laranja

Voluntários carregam a bandeira estadunidense


durante parada de 4 de Julho, que comemora
o Dia Nacional da Independência dos
Estados Unidos, em Washington, DC
(Estados Unidos, 2011).
BILL O’LEARY/THE WASHINGTON POST/GETTY IMAGES

15
O significado de cultura para as
Ciências Sociais
Qual o significado de cultura para as Ciências Sociais? Como a cultura
é compreendida cientificamente? Quais as diferenças em relação ao modo
como o termo é empregado no cotidiano, pelo senso comum?
A palavra cultura deriva do termo latino colere, que em português
significa cultivar. Nesse sentido, remete à ideia de algo que é construído
progressivamente. Nas Ciências Sociais, é principalmente a Antropologia
que dá forma à explicação científica da cultura.
Animação Do ponto de vista antropológico, a cultura é indissociável da própria
existência humana. É resultado do constante processo de criação, apren-
O conceito de cultura na
dizagem, transmissão e reelaboração dos significados pelas diferentes
Antropologia
sociedades. Em outras palavras, é o conjunto de todas as produções
humanas através dos tempos. Isso significa que cada um de nós, ao
estabelecer relações sociais uns com os outros, criamos, aprendemos,
transmitimos e reelaboramos a cultura.
Os antropólogos têm produzido muitas definições de cultura. Uma

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


das mais conhecidas é a de Edward Tylor que, em 1871, definiu cultura
como “o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral,
leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
homem enquanto membro de uma sociedade.”
No entanto, como parte de uma análise científica das Ciências Sociais,
a concepção de cultura possui outras interpretações que valorizam
aspectos diferentes. O antropólogo estadunidense Clifford Geertz, por
exemplo, procura analisar a cultura como um sistema simbólico (figura 5).
Nesse sentido, a cultura é resultado do significado que damos às nossas
práticas sociais e às dos grupos sociais com os quais interagimos. Como
as diferentes práticas sociais recebem muitos significados, a cultura
seria o entrelaçamento de todos eles, uma infinita teia de significados.
Images & storIes/alamy/glowImages

Figura 5. Toda cultura atribui variados


símbolos e significados a objetos, roupas
ou partes do corpo humano. O véu usado
pelas mulheres em algumas culturas faz
parte de uma tradição que estabelece
determinado padrão de vestimenta.
Na foto, jovens universitárias em Mardin
(Turquia, 2012).

16
Como um conjunto de padrões de comportamento, crenças, conheci-
mentos e costumes que distinguem um determinado grupo social, a cultura
deve ser compreendida com base no significado que os membros de uma
sociedade atribuem ao que fazem. É importante procurarmos compreen-
der expressões culturais de grupos sociais minoritários, cujas práticas e
saberes podem não estar representados nas expressões mais valorizadas
de determinada sociedade.
Assim, podemos compreender a cultura como algo em constante
processo de criação e reformulação por meio das múltiplas interações
e experiências históricas de cada sociedade e grupos sociais (figura 6).
Ao nascer, somos inseridos em um ambiente cultural. Nele crescemos,
Figura 6. Para as Ciências Sociais, a cultura
assimilando seus códigos, mas, ao mesmo tempo, interagindo com indi- é resultado das múltiplas interações
víduos e grupos que possuem códigos diferentes dos nossos, produzindo realizadas por indivíduos e coletividades.
a diversidade que nos faz humanos.
Cultura material e imaterial
Quando saímos à rua, observamos casas, prédios, templos religiosos,
monumentos. Vemos também diferentes tipos de vestimenta e ornamentos
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

utilizados pelas pessoas com as quais cruzamos. Se formos assistir a um


jogo, admiramos os estádios, ginásios e demais construções esportivas.
Quando vamos a um museu ou biblioteca, identificamos quadros, livros,
esculturas e outros objetos produzidos por artistas. Na rua, muitas ve-
zes nos deparamos com pessoas que desenham ou esculpem variadas
imagens. Em nossa casa, temos objetos, móveis, livros e equipamentos.
O que todos esses elementos têm em comum? Eles representam material-
mente a cultura humana. São, portanto, exemplos da cultura material,
que pode ser entendida como o conjunto dos bens concretos (palpáveis)
de uma coletividade.
A cultura imaterial é formada por

g. evangeliSta/oPção braSil imagenS


práticas, expressões, representações
e saberes dos indivíduos e grupos que
compõem uma determinada sociedade.
Cada uma das expressões imateriais da
cultura se origina dos significados que
os seres humanos dão aos diferentes
aspectos de sua vida, que são chamados
de símbolos. São exemplos da cultura
imaterial as crenças, as danças, as mú-
sicas (figura 7).

Figura 7. A capoeira é reconhecida


como patrimônio da cultura imaterial
brasileira. Na foto, capoeiristas em
Cumuruxatiba, Prado (BA, 2014).

17
A cultura como prática: cultura popular e
cultura erudita
Para as Ciências Sociais, o mundo humano é essencialmente um
sistema simbólico. Isso significa que organizamos e construímos nosso
mundo com base nesse sistema. Tudo aquilo que é produzido pela nos-
sa cultura expressa uma determinada forma de pensar a organização
da vida social.
No dia a dia, a inserção das pessoas na vida social exerce influência
no modo como elas vão compreender e agir no mundo. Todas as práticas
e saberes produzidos pelos seres humanos têm relação direta com sua
posição social. Dessa forma, considerando a posição dos indivíduos e
grupos sociais, é possível identificar dois tipos de práticas culturais: a
cultura popular e a cultura erudita.
Cultura popular
A cultura popular, como o nome já diz, está relacionada às prá-
ticas e saberes produzidos pelas classes dominadas ou populares.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Resulta das interações dos diferentes componentes desses grupos
e se caracteriza por estar presente em diferentes ambientes sociais,
fugindo por vezes dos códigos e símbolos oficiais da sociedade. No
Figura 8. As obras da cultura popular Brasil, o samba, o frevo e o maracatu, por exemplo, são elementos da
retratam de modo direto as cenas cultura popular, que expressam experiências cotidianas do povo por
do cotidiano do povo. Brincando, de
Barbara Rochlitz, 2007. Óleo sobre tela, meio de símbolos próprios e familiares às camadas populares de uma
30 cm 50 cm. sociedade (figura 8).
galeria JaCqueS ardièS, São Paulo

18
Cultura erudita
A cultura erudita, por sua vez, se desenvolve entre as elites intelec-
tuais, econômicas e políticas. Essa cultura se caracteriza pela produção
de elementos culturais voltados ao consumo das classes dominantes.
A música clássica e as teses científicas são exemplos da cultura erudita
(figura 9).

RodRigo Capote/FolhapRess
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Afinal, o que é cultura? Figura 9. Manifestações da cultura


erudita, como concertos, são cada vez
É possível agora responder à pergunta feita por Miguel? Afinal, o que mais acessíveis ao público em geral.
é cultura? Concerto da Orquestra Sinfônica do Estado
de São Paulo (Osesp) regido pelo alemão
Vimos que a cultura é produzida pelos seres humanos por meio Claus Peter Flor, em São Paulo (SP, 2011).
das interações estabelecidas entre eles na sociedade em que vivem.
Percebemos que as Ciências Sociais, em particular, a Antropolo-
gia, compreendem a cultura como o conjunto de práticas e saberes
produzidos pelos seres humanos em diferentes contextos e tempos
históricos. Portanto, a cultura é resultado das múltiplas interações
que estabelecemos em nosso cotidiano e que pode ser representada
de modo material ou imaterial.
Podemos dizer que tudo o que fazemos em nosso dia a dia: dormir,
comer, estudar, ler, namorar, passear etc. faz parte da cultura e que,
quando interagimos uns com os outros, estamos expressando os códigos
e valores de nossa cultura e, ao mesmo tempo, reelaborando e recriando
esses códigos.

19
CAPÍTULO

2 Cultura e interpretação
do mundo social

A função da cultura nas sociedades humanas


Sabemos agora que a cultura é produzida pelas ações e interações
humanas, constituindo-se um patrimônio coletivo no qual somos inseridos
a partir de nosso nascimento e no qual vivemos toda a existência. Desse
modo, foi possível responder à primeira pergunta feita por Miguel na
história que lemos no início da unidade. Contudo, a segunda indagação
de nosso personagem ainda aguarda uma resposta. Neste capítulo, vamos

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


falar sobre o papel da cultura na interpretação do mundo social.
Vamos usar nossa imaginação para entender qual é a função da cultu-
ra nas sociedades humanas. Imagine que você e seus colegas de turma
embarcaram em uma viagem, sofreram um acidente e ficaram isolados em
uma ilha no meio do oceano, sem perspectiva de resgate imediato (figu-
ra 10). O que vocês precisariam fazer para sobreviver? Numa situação como
Figura 10. No filme O senhor das
essa, vocês precisariam, em primeiro lugar, encontrar água, comida e abri-
moscas, estudantes ingleses se veem go, eventualmente algumas ferramentas de trabalho, entre outras coisas.
isolados em uma ilha após um acidente Além disso, teriam de definir as tarefas e responsabilidades de cada um,
aéreo e precisam garantir a sobrevivência
coletiva. Para isso constroem uma nova as regras que todos deveriam obedecer e os meios de proteger o grupo de
interpretação de suas relações sociais. possíveis ameaças. Talvez um de vocês resolvesse registrar a experiência.
Columbia/everett ColleCtion/eaSyPix

20
Ao encontrar soluções para as situações apresentadas, vocês come-
çariam a construir um ambiente cultural e a descobrir que a cultura
tem duas tarefas principais: resolver os problemas práticos da vida em
sociedade e organizar a vida social. Com o tempo, veremos que ela passa a
ter outro importante papel: possibilitar a interpretação do mundo social.

A cultura como experiência cotidiana


Na vida em sociedade, todos os dias somos colocados diante de um
conjunto de situações que precisam de respostas coletivas. Ao longo da
história humana, muitas perguntas vêm sendo respondidas de acordo
com as interações realizadas por diferentes grupos em contextos geo-
gráficos e históricos distintos. O que todas as culturas humanas têm
em comum é o fato de sempre encontrarem caminhos para resolver os
impasses e dilemas sociais (figuras 11 e 12).

delFim martinS/PulSar imagenS


Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Jorge araúJo/FolhaPreSS

Figuras 11 e 12. Uma das funções


da cultura é resolver os problemas
enfrentados pelas sociedades humanas.
Acima, pequeno produtor de cebola em
área rural irrigada no distrito de Umãs,
em Salgueiro (PE, 2010). À esquerda,
enterro coletivo das vítimas do massacre
de Eldorado dos Carajás (PA, 1996).

21
A cultura como elemento de
organização social
A execução das tarefas e responsabilidades que nos cabem na vida em
sociedade não depende apenas da nossa vontade pessoal. Nossas ações
e escolhas não são resultado exclusivo de nossas decisões. Elas estão
orientadas e limitadas por normas, regras e estruturas que são coletivas
e construídas historicamente, por meio das múltiplas interações que es-
tabelecemos uns com os outros. Desse modo, percebemos que a cultura
também é um elemento de organização social (figura 13).
J. l. bulCão/PulSar imagenS

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Figura 13. Pessoas atravessam um Ao criar normas, regras e estruturas ou desenvolver técnicas, saberes e
cruzamento na faixa de pedestres em
Brasília (DF, 2011).
práticas para resolver problemas e organizar a vida cotidiana, os seres
humanos constroem os elementos que vão constituir a cultura. Quando
uma nova doença passa a afetar a humanidade, por exemplo, cientistas
realizam pesquisas para encontrar sua cura, hábitos
daniel CaStellano/gazeta do Povo/Futura PreSS

de higiene são modificados e normas de conduta


são criadas (figura 14). Depois de algum tempo, elas
acabam sendo incorporadas à rotina e se tornam
parte do patrimônio cultural.
Nossos hábitos, comportamentos e atitudes são
resultado de um patrimônio cultural acumulado e
transmitido socialmente. É esse patrimônio que
nós usamos como ferramenta para decodificar o
mundo à nossa volta.

Figura 14. O surgimento de doenças altera


os hábitos sociais. Aluna higieniza as mãos
com álcool gel, instalado no corredor de
uma escola em Curitiba (PR, 2010).

22
A cultura e a decodificação do mundo
Vimos que a cultura se desenvolve para atender a duas necessida-
des da vida em sociedade: resolver problemas e organizar a vida social.
Neste tópico, vamos discutir outro aspecto importante: a cultura como
um conjunto de códigos e instrumentos que funcionam como filtro (ou
lente), nos permitindo perceber e interpretar o mundo.
Os seres humanos criam representações do mundo e desenvolvem o
que chamamos de símbolos, conjuntos de sinais que possuem significados
compartilhados por determinados grupos sociais e servem de referência
para a coletividade. A linguagem é um sistema de símbolos.
Quando nos comunicamos via oral ou escrita, as palavras que utiliza-
mos nomeiam elementos do nosso mundo. A comunicação só é possível
porque partilhamos os mesmos sinais e conhecemos os mesmos códigos
(figura 15).
Quantas vezes você já ouviu alguém pronunciar palavras que não
conhece? Isso significa que naquele momento vocês não compartilham
os mesmos símbolos. Imagine alguém que viaja para um país de língua
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

completamente diferente. Provavelmente, essa pessoa enfrentará difi-


culdades de comunicação, pelo menos até que compreenda os códigos
utilizados.

Fernando Favoretto/Criar imagem

Figura 15. A linguagem é um dos sistemas simbólicos da cultura. Na foto, um grupo de


alunos compartilha a leitura de um livro no pátio de uma escola em São Paulo (SP, 2009).

23
A cultura e os sistemas simbólicos
Você compreende o sentido das palavras grafadas nos livros porque
conhece os códigos e sinais da língua portuguesa. Se você pegar um livro
escrito em japonês ou russo, por exemplo, vai perceber que os sinais são
distintos ou estão organizados de outro modo. É apenas conhecendo
os códigos que orientam a escrita que nós podemos compreender uma
mensagem (figura 16).

Comodore/ShutterStoCk
PROTEGER SÁBIO SEGURO DEUS SONHO

Figura 16. Apenas quando compartilhamos

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


os códigos que dão significado às nossas
TEMPO CONFIANÇA VERDADE SÓ ESTRELA
práticas sociais, somos capazes de
compreender o significado de uma
mensagem. Na imagem ao lado, vemos
alguns símbolos do alfabeto Kanji, com
tradução aproximada em português. Os kanji
são caracteres da língua escrita japonesa
adaptados dos caracteres chineses da época
da Dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.). BRILHANTE FELICIDADE ALMA RESPEITO SENTIR

A cultura se organiza por meio de um conjunto de sistemas simbólicos.


Eles são divididos em: linguagem, tecnologia, valores, crenças e normas.
A linguagem se refere às formas de comunicação. A linguagem in-
formacional, por exemplo, difere de outras formas de linguagem falada
ou escrita. É por meio dessa linguagem que você pode compreender o
funcionamento do seu equipamento eletrônico, seja um computador
ou celular.
A tecnologia remete ao controle e à transformação do meio ambiente.
Quando falamos em soluções para os problemas do cotidiano, a tecnologia
disponível tem um papel central.
Os valores constituem ideias e interpretações do mundo que servem
de parâmetro para determinar o que é aprovado socialmente. Pessoas
que participam dos mesmos grupos sociais tendem a compartilhar valores
semelhantes, ainda que não necessariamente iguais.
O sistema de crenças resulta da aplicação de determinados valores
para analisar ou se posicionar diante de situações concretas. A crença de
que estudar é o caminho para ascender socialmente motiva a maioria das
pessoas que frequentam universidades.
As normas e regras se referem à regulação objetiva dos comporta-
mentos e ações dos membros de uma população. Independentemente do
que se possa pensar das leis de trânsito, elas são normas coletivas que
devem ser cumpridas, colocando-se o infrator (aquele que descumpre
as normas e regras) sob risco de punição.

24
Afinal, qual é o papel da cultura nas
sociedades humanas?
Do ponto de vista da prática cotidiana, os sistemas simbólicos estão
em constante interação e servem de referência para que possamos inter-
pretar e dar sentido ao mundo no qual estamos inseridos. Cada pessoa
tem na cultura os elementos de referência para interpretar o mundo e
nele atuar socialmente (figura 17).
Será que agora conseguimos responder à segunda dúvida de Miguel:
Para que serve a cultura?
Ao observar as nossas sociedades, percebemos que, apesar de ser-
mos indivíduos singulares, compartilhamos muitas coisas entre nós:
linguagem, valores, hábitos, crenças e normas. Isso é possível graças
a um elemento central para a construção, existência e perpetuação da
vida social: a cultura.
Figura 17. A cultura brasileira pode ser
Assim, considerando o que discutimos neste capítulo, podemos dizer representada por diferentes elementos
que a cultura é o filtro pelo qual observamos, compreendemos e atuamos simbólicos: personalidades, símbolos
no mundo. A cultura, portanto, serve para nos constituirmos como seres nacionais, comidas, danças e festas
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

folclóricas. Ciranda no jardim, de


humanos, resolvermos os problemas cotidianos e organizarmos nossa Barbara Rochlitz, 2006. Óleo sobre tela,
vida social. 30 cm   50 cm.

galeria JaCqueS ardièS

25
ATIVIDADES

REVISÃO E COMPREENSÃO
1. Marque a alternativa correta, de acordo com o que foi estudado ao longo da
unidade 1.
a) A cultura valor é produzida como forma de obter lucro.
b) A cultura alma coletiva é caracterizada pela religião de um grupo.
c) As Ciências Sociais estudam as diferentes culturas para que possamos definir aquilo
que é certo ou errado.
d) A cultura definida como as produções e manifestações que representam a identi-
dade de um grupo é chamada de cultura mercadoria
e) Para as Ciências Sociais, uma cultura não é boa nem ruim, melhor ou pior que outra.
Elas são apenas diferentes.
2. Relacione as colunas de acordo com o que você entendeu sobre cultura material e
imaterial.
( A ) Cultura material ( ) Músicas ( ) Roupas
( B ) Cultura imaterial ( ) Monumentos ( ) Religião

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


( ) Culinária ( ) Folclore
( ) Livros
3. Explique o que você entende das seguintes frases do capítulo 2.
a) “A cultura se desenvolve para atender a duas necessidades da vida em sociedade:
resolver problemas e organizar a vida social.”
b) “A cultura é o filtro pelo qual observamos, compreendemos e atuamos no mundo.”
4. Complete as lacunas do texto.
Cultura de massa cultura popular
“Quando o ainda não era o modelo econômico vigente no mundo,
a cultura popular era vista como um conjunto de manifestações humanas
que exemplificam as crenças, os mitos, os símbolos, as imagens, o folclore, os
hábitos e os valores. A partir da Revolução Industrial e, consequentemente, da
implantação do capitalismo, a se bifurcou, criando, assim, um novo
segmento, a cultura de massa. BANCO DE PALAVRAS:
SOCIALISMO;
A cultura de massa é uma mercadoria, que visa sempre gerar o lucro. As CULTURA POPULAR;
pessoas, que antes eram importantes para a produção cultural, limitam-se a CULTURA MERCADORIA;
CONSUMIDORAS;
apenas exercer o papel de , tornando-se secundárias nesse sistema. Além
PRODUTORAS;
disso, elas também perdem a autonomia. Os indivíduos passam a querer um CULTURA DE MASSA;
determinado produto não pela necessidade, mas por todos terem. PROLETÁRIAS; POPULARES;
ANTROPOLÓGICAS;
Ao contrário do que acontecia com a popular, a não se limita a um ter- CAPITALISMO; CETICISMO;
ritório. Ela é globalizada, já que consegue unir elementos de diversas sociedades. DEFENSORAS; SOCIOLÓGICAS;
ALIENAÇÃO.
Elas também se diferenciam pelo fato de que a cultura popular é produzida pela
e para a massa, enquanto a de massa apenas para a massa e pelo capitalismo.
Atualmente, a cultura popular está em decadência. Hoje, as simples manifes-
tações não são tão valorizadas como eram antes da Revolução Industrial.
O que está em destaque no momento é o que é imposto pelo capitalismo, no
caso, aquilo que gera lucro. [...]”
VANNUCCHI, Aldo. Cultura brasileira. São Paulo: Loyola, 1999. p. 109.
Disponível em: <http://culturaquasepopular.wordpress.com/2011/05/18/
cultura-de-massa-x-cultura-popular>. Acesso em: 13 mar. 2014.

26
Interpretação e prátIca
5. Observe as imagens reproduzidas abaixo e assinale as alternativas com C (correta)
ou F (falsa), justificando cada resposta.

Vishal shah/shutterstock

dietMar teMPs/shutterstock

Matej kastelic/shutterstock

Mario Friedlander/Pulsar iMagens


Da esquerda para a direita: mulher indiana; menino etíope da etnia Suri; jovem estadunidense; índia da etnia Kayapó Gorotire, do Pará.

As imagens acima evidenciam que a cultura humana é bastante:


a) ( ) diversificada; c) ( ) estatizada; e) ( ) ecológica.
b) ( ) profissional; d) ( ) masculina;
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

6. Com base nas imagens reproduzidas a seguir, assinale as alternativas com C (cor-
reta) ou F (falsa), justificando cada resposta.
igor Bulgarin/shutterstock

stokkete/shutterstock

À esquerda, a bailarina
Anna Dorosh se apresenta
no Dnepropetrovsk Opera
and Ballet Theatre, em
Dnepropetrovsk (Ucrânia,
2011). À direita, músico de
uma orquestra toca violoncelo.

As imagens selecionadas nos revelam expressões da cultura:


a) ( ) erudita; c) ( ) material; e) ( ) nipo-americana.
b) ( ) popular; d) ( ) mercadoria;

explorando o cotIdIano
7. Com base no que aprendemos nesta unidade, vamos explorar o cotidiano?
Escolha uma telenovela e assista aos capítulos diariamente durante uma semana.
Com base no que foi discutido na unidade sobre cultura de massa e indústria cul-
tural, debata com os colegas as seguintes questões:
• Que aspectos retratados na novela se assemelham ou se diferenciam da cultura da
sua região?
• Os estilos de vida dos principais personagens são parecidos ou diferentes daqueles
adotados pelos moradores da sua cidade?
• Os ambientes e paisagens retratados nas cenas podem ser encontrados ou não na
região onde você vive?
• Alguma situação ou costume evidenciado na trama se relaciona com sua experiência
cotidiana?

27
visões de mUndO

O modo como A cultura condiciona nossa


interpretamos o mundo visão de mundo
depende de nossa
“Ruth Benedict escreveu em seu livro O crisântemo e a espada que
formação cultural. a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo.
Afinal, a cultura é o filtro Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm
visões desencontradas das coisas. Por exemplo, a floresta amazôni-
através do qual damos ca não passa para o antropólogo — desprovido de um razoável co-
sentido ao mundo. nhecimento de botânica — de um amontoado confuso de árvores e
arbustos, dos mais diversos tamanhos e com uma imensa variedade
de tonalidades verdes. A visão que um índio Tupi tem deste mesmo
cenário é totalmente diversa: cada um desses vegetais tem um signi-
ficado qualitativo e uma referência espacial. Ao invés de dizer como
nós: ‘encontro-lhe na esquina junto ao edifício x’, eles frequente-
mente usam determinadas árvores como ponto de referência. Assim,

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


ao contrário da visão de um mundo vegetal amorfo, a floresta é vista
idome/ShutterStoCK

como um conjunto ordenado, constituído de formas vegetais bem de-


finidas. [...] Mesmo o exercício de atividades consideradas como par-
te da fisiologia humana pode refletir diferenças de cultura. Tomemos,
por exemplo, o riso. Rir é uma propriedade do homem e dos primatas
superiores. O riso se expressa, primariamente, através da contração
de determinados músculos da face e da emissão de um determina-
do tipo de som vocal. O riso exprime quase sempre um estado de ale-
gria. Todos os homens riem, mas o fazem de maneira diferente por
motivos diversos. [...] Tal fato se explica porque cada cultura tem um
determinado padrão para este fim. Os alunos de uma nossa sala de
aula, por exemplo, estão convencidos de que cada um deles tem um
modo particular de rir, mas um observador estranho a nossa cultura
comentará que todos eles riem de uma mesma forma. Na verdade, as
tim gainey/alamy/glowimageS

edSon Sato/PulSar imagenS

De cima para baixo, em sentido anti-horário: crianças em Kampong Phluk (Camboja, 2011);
meninas no povoado rural de Andhra Pradesh (Índia, 2012); menino yanomâmi na aldeia Ixima,
Santa Isabel do Rio Negro (AM, 2011).

28
diferenças percebidas pelos estudantes, e não pelo observador de fora,
são variações de um mesmo padrão cultural. Por isto é que acredita-
mos que todos os japoneses riem de uma mesma maneira. Temos a
certeza de que os japoneses também estão convencidos de que o riso
varia de indivíduo para indivíduo dentro do Japão e que todos os oci-
dentais riem de modo igual.”
LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 67-69.

rod edwardS/viSitbritain/britain on view/getty imageS


Atividades
obter InformAções
1. O que afirma Ruth Benedict em seu livro?
2. Qual a diferença do olhar do antropólogo e do índio sobre a floresta
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

amazônica?

InterpretAr
3. Por que o índio e o antropólogo veem a floresta amazônica de modo
diferente?
4. Se o riso é uma atividade fisiológica, por que os seres humanos riem
tom CoCKrem/lonely Planet imageS/getty imageS
de modo distinto, de acordo com o texto?

refletIr
5. Observe as imagens da seção e discuta com os colegas a seguinte
questão: as pessoas riem do mesmo modo ou de maneira diferente?
PatriCia a. Jordan/Photolibrary/getty imageS

edSon Sato/PulSar imagenS

De baixo para cima, em sentido anti-horário: crianças Nunamiut em Anaktuvuk (Alasca, 2011); menina
yanomâmi na aldeia do Castanha, Barcelos (AM, 2010); menino no Parque Nacional de Luangwa Sul,
Mambwe (Zâmbia, 2013); menina em praia da ilha de Thanet, Kent (Inglaterra, 2014).

29
DIREITO é DIREITO

patrimônio imaterial da cultura brasileira


Ao longo dos anos, legislações específicas com idioma como veículo); b) as expressões artísti-
a finalidade de preservar e proteger bens culturais cas; c) as práticas sociais, rituais e atos festivos;
como patrimônio de um povo, país, região ou da d) os conhecimentos e práticas relacionados à
humanidade nasceram como frutos de tratados natureza e ao universo; e) as técnicas artesanais
internacionais por meio do estabelecimento de tradicionais.
acordos entre diferentes países. O patrimônio A Constituição brasileira reconhece a inclusão
cultural entendido como o conjunto de todos dos bens culturais que são referência dos diferentes
os bens (materiais ou imateriais) passou a ser grupos formadores de nossa sociedade no patrimô-
reconhecido pelo seu valor e pela sua relevância nio a ser preservado pelo Estado, em parceria com
para a permanência e a identidade de uma deter- a comunidade. Esses bens culturais de natureza
minada cultura, uma herança do passado com a imaterial dizem respeito a práticas e domínios da
qual convivemos e que repassamos às gerações vida social que se manifestam em saberes, ofícios e
futuras. modos de fazer; celebrações; formas de expressão

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Em 1972, a Organização das Nações Unidas cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e lugares
para a Educação e a Cultura (Unesco) promoveu um como mercados, feiras e santuários que abrigam
tratado internacional chamado Convenção Sobre práticas culturais coletivas.
a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Na- Entre os vários exemplos de patrimônio imate-
tural com o objetivo de orientar a identificação, a rial da cultura brasileira, podemos mencionar: o
proteção e a preservação do patrimônio cultural e samba de roda do Recôncavo Baiano; as matrizes
natural de todo o mundo pelo reconhecimento de do samba do Rio de Janeiro: samba de terreiro,
seu valor para a humanidade. Como complemento, partido-alto e samba-enredo; o Círio de Nossa Se-
em 2003, a Unesco promoveu uma nova conferên- nhora de Nazaré; o ofício das baianas de acarajé;
cia, denominada Convenção Para a Salvaguarda o jongo da Região Sudeste; a Feira de Caruaru; o
do Patrimônio Cultural Imaterial, que teve como frevo; o tambor de crioula; o modo artesanal de
principais finalidades: a) a salvaguarda do patrimô- fazer queijo de Minas Gerais; a roda de capoeira;
nio cultural imaterial; b) o respeito ao patrimônio o ofício dos mestres de capoeira; a Festa do Divino
cultural imaterial das comunidades, grupos e in- do Espírito Santo de Pirenópolis (Goiás); o ritual
divíduos envolvidos; c) a conscientização no plano Yaokwa do povo indígena Enawene Nawe; o sistema
local, nacional e de seu reconhecimento recíproco; agrícola tradicional do Rio Negro.
d) a cooperação e assistência internacionais.
Reconhecido nessa convenção da Unesco como
importante fonte de diversidade cultural e garan- Reflexão
tia de desenvolvimento sustentável, o patrimônio
1. O que está previsto na legislação brasileira
cultural imaterial se caracteriza por ser transmi-
federal, estadual ou municipal referente à
tido de geração a geração, ser constantemente preservação e proteção do patrimônio ima-
recriado pelas comunidades e grupos em função terial cultural?
de seu ambiente, interação com a natureza e sua
história, gerando um sentimento de identidade 2. De acordo com o texto, o que é patrimônio
e continuidade e contribuindo para a promoção cultural imaterial?
do respeito à diversidade cultural e à criatividade 3. Qual a relação estabelecida entre patrimônio
humana. O patrimônio imaterial compreende: e diversidade cultural?
a) as tradições e expressões orais (incluindo o

30
INDICAÇõEs

reProdução
para ver Uma história da cultura

reProdução
Baraka afro-brasileira
Walter Fraga; Wlamyra R.
Direção: Ron Fricke.
de Albuquerque. São Paulo:
Estados Unidos, 1992.
Moderna, 2009.
Baraka é um filme não verbal
Os autores fazem uma histori-
no qual paisagens e cenas
cização que permite ampliar o
cotidianas de seis continen-
conhecimento da cultura popular e tradicional
tes e 24 países, incluindo o
trazida ao Brasil pelos povos africanos, generi-
Brasil, fazem o papel de narrador, revelando
camente denominada cultura afro-brasileira.
ao espectador a diversidade das manifesta-
ções culturais da humanidade. A árvore de carne e outros

reProdução
Bebês contos

reProdução
Lia Minápoty e Yaguarê
Direção: Thomas Balmès.
Yamã. São Paulo:
França, 2010.
Tordesilhinhas, 2012.
O documentário acompanha
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O livro traz seis contos da mi-


a vida de quatro bebês, do
tologia do povo Maraguá, que
nascimento aos primeiros
vive na região do rio Abaca-
passos, em diferentes locali-
xis, no Amazonas. Os episódios, crenças e tra-
dades, revelando as diferen-
dições narrados permitem experimentar um
ças culturais entre as sociedades humanas no
pouco do cotidiano e da produção cultural ma-
relacionamento de mães e pais com seus filhos.
terial e imaterial dessa comunidade indígena.
Índios no Brasil – Quem são eles?
Direção: Vincent Carelli. Brasil, 2000. para navegar
Disponível em: <www.youtube.com/watch?
v=HA_0X2gCfLs>. Acesso em 10 abr. 2014.
Linha do tempo do Observatório da
Diversidade Cultural
O vídeo faz parte de uma série produzida pela
<http://observatoriodadiversidade.org.br/
TV Escola que apresenta algumas das etnias
site/pesquisa/linha-do-tempo>
indígenas mais representativas no Brasil atual,
evidenciando o desconhecimento da população O site apresenta a cronologia da documentação
não indígena sobre esses povos, ao mesmo jurídica internacional sobre diversidade cultu-
tempo que valoriza a diversidade cultural. ral desde 1945 (ano de fundação da Unesco).
Afroreggae
para ler <www.afroreggae.org>
reProdução

O site oferece amplo conteúdo político e cul-


A invasão cultural
tural relacionado à cultura negra e à cultura
norte-americana
popular produzida nas periferias das gran-
Júlia Falivene Alves.
des cidades.
São Paulo: Moderna, 2004.
Com uma abordagem sócio-
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
-histórica, a autora mostra a <www.cnfcp.gov.br>
evolução do capitalismo no No site é possível encontrar fotos, vídeos,
Brasil. A forte influência dos Estados Unidos textos, base de dados e informações rele-
na cultura nacional torna o brasileiro um con- vantes sobre diferentes expressões culturais
sumidor de produtos culturais estadunidenses. brasileiras.

31
2
UNIDADE
IDENTIDADES
SOCIAIS

O s trechos a seguir nos contam um


pouco da história de Mowgli:
“— Você não vai esquecer que é um
lobo? Os homens não vão fazê-lo es-
quecer? — perguntou o Irmão Cinzento
ansiosamente.
— Nunca. Vou sempre lembrar que eu amo
você e todos lá no covil; mas vou lembrar para
sempre que fui expulso da Alcateia.
Durante três meses depois dessa noite,
Mowgli quase nunca atravessava o portão da
aldeia, tão ocupado que estava em aprender os
modos e os costumes dos homens. Primeiro teve
que colocar roupas, algo que o aborrecia demais;
e depois teve que aprender sobre dinheiro, algo
que não entendia absolutamente, e também sobre
plantio, algo que não achava necessário.
[...] quando estavam perto da aldeia, Mowgli avis-
tou luzes e ouviu as buzinas e os sinos do templo.
Metade da aldeia parecia estar esperando por ele
bem na entrada. – Isso deve ser porque matei Shere
Khan, disse a si mesmo. Mas uma saraivada de pe-
dras passou zunindo por seus ouvidos, e os aldeões
gritavam:
— Feiticeiro! Filhote de lobo. Demônio da selva! Vai
embora! Sai depressa ou o sacerdote vai transformá-lo em
lobo de novo! Atira, Buldeo, atira!
— O que quer dizer isto tudo? — perguntou Mowgli, deso- A história de Mowgli pode servir para iniciar uma discussão sobre o
processo de construção social da identidade. Para viver na aldeia, a
rientado, enquanto as pedradas aumentavam. primeira providência de Mowgli foi aprender os costumes humanos.
Ao agir assim, o “menino-lobo” pretendia se tornar semelhante aos
— Eles não são diferentes da Alcateia, esses seus irmãos — habitantes da aldeia, compartilhar seus códigos para ser aceito
pela comunidade de humanos. No entanto, para a alcateia e para
disse Akela, sentado na maior calma. – Acho que, se as balas e as a aldeia, o menino não era bastante lobo nem humano e, por isso,
pedras querem dizer alguma coisa, eles querem expulsar você. [...] foi expulso de ambos os grupos. A história mostra que é preciso
compartilhar um número suficiente de características (formas
— De novo? Da última vez era porque eu era um homem. Agora de pensar, sentir e agir) para nos identificarmos e sermos
reconhecidos por um grupo social. A identidade social é um
é porque eu sou um lobo. Vamos embora, Akela.” atributo importante para entendermos a formação dos grupos.

John Charles Dollman. Mowgli feito


KIPLING, Rudyard. O livro da selva. líder de Bandar-log, 1918. Óleo
São Paulo: Ática, 2012. p. 61-72. sobre tela. 95,7 cm x 128,3 cm.

32
Começando
a unidade

Segundo o texto, como Mowgli se preparou para


viver na aldeia? Por que ele agiu dessa forma? Como
o menino explica sua expulsão da alcateia? E da al-
deia? O que isso nos diz sobre pertencer a um grupo?

THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/ KEYSTONE BRASIL -


SHIPLEY ART GALLERY, GATESHEAD

Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
mowgli: menino selvagem, criado por lobos na Índia Central. • Reconhecer o processo de formação
irmão cinzento: lobo, irmão de alcateia de Mowgli. das identidades sociais.
Akela: lobo líder da alcateia e mentor de Mowgli. • Compreender a construção social dos
shere Khan: tigre arrogante e cruel, inimigo de Mowgli e de sua alcateia. estereótipos e preconceitos e suas
buldeo: caçador veterano da aldeia em que Mowgli viveu para aprender consequências para o convívio social.
as maneiras humanas depois de ser expulso da alcateia.

33
CAPÍTULO

3 identidade e
alteridade

A construção da identidade
É no convívio com o outro, o diferente, que aprendemos a nos identi-
ficar com aqueles que nos são semelhantes e fazem escolhas parecidas
com as nossas. Se uma pessoa se identifica como indiana é porque não
é nigeriana, chinesa ou colombiana. Se eu me declaro pardo é porque a
cor da minha pele não é branca, amarela ou preta. A nossa identidade
está ligada ao reconhecimento do diferente. A identidade, portanto, se

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produz em um jogo de diferenças.
A identidade é um processo contínuo de construção social, realizado
apenas porque existe a diferença, isto é, o “outro”, que vemos como di-
ferente de nós (figura 1).
O ser humano sempre viveu em grupos. A vida coletiva é tão essencial
para a humanidade que não podemos imaginar a existência fora dela.
O ser humano é, portanto, um ser social que constrói sua identidade por
Figura 1. Criamos as fronteiras do
meio de sua cultura. Aprendemos que as diferenças entre as sociedades
“eu” com base na imagem do “outro”. resultam da diversidade cultural. Na cultura serão também desenvolvidas
Embora as crianças da foto sejam muito as diferentes identidades sociais que caracterizam cada sociedade ao longo
semelhantes fisicamente, cada uma delas
é uma individualidade e constrói sua de sua história. A própria ideia de humanidade como uma identidade uni-
identidade no contato com o outro. versal é resultado de crenças culturais desenvolvidas na história recente.
WoNG sze yueN/
shuTTersTock

34
Identidade e cultura

ToP FoTo/aGB PhoTo/keysToNe Brasil


Uma evidência de que a cultura e a vida coletiva nos fazem humanos
pode ser encontrada em histórias como as de Amala e Kamala, as “meninas
lobas”. Entre o final do século XIX e o início do século XX, apareceram
diferentes relatos de crianças descobertas em estado selvagem, crianças
que, por algum motivo, foram separadas de seus familiares e sobreviveram
sob os cuidados de animais da selva.
Amala e Kamala foram encontradas na Índia em 1920, com idades presu-
míveis de 1 ano e meio e 8 anos, respectivamente. Após serem resgatadas,
as meninas não sobreviveram por muito tempo. A primeira morreu apenas
um ano depois; a segunda viveu por mais nove anos. Segundo depoimento
daqueles que as abrigaram, o comportamento de ambas não apresentava
nada de humano. As meninas não permaneciam em pé, comiam e bebiam
como animais, sem usar as mãos, e gostavam de carne crua (figura 2).
Figura 2. A humanidade é um produto da
cultura. Um bebê criado entre animais não
Interação social e a construção apresentará comportamentos humanos.
Na foto, Kamala se alimenta lambendo a
da identidade
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tigela, sem usar as mãos. (Índia, c. 1920.)

Ao longo do processo de socialização, os indivíduos desenvolvem sua


capacidade de agir e pensar de modo reflexivo, construindo sua identidade.
Esse processo decorre dos processos de cooperação, competição e conflito
que marcam a interação social. A construção da identidade faz parte do
processo de socialização e ocorre na relação com os outros, portanto, é
marcada tanto pela identificação quanto pela diferenciação e rejeição em
relação a determinadas posições, ideias, pontos de vista e comportamentos.
A solidariedade marca a possibilidade de estabelecer um grupo social.
No entanto, a convivência nos diferentes grupos também implica choque
de interesses e percepções diversas acerca da experiência no mundo.
Durante um conflito, uma das partes pode optar em rejeitar a posição
do outro ou incorporar seus argumentos, ampliando a percepção do
problema que levou ao conflito. Quando compreendemos a perspectiva
do outro, reconhecendo e valorizando sua forma de ver o mundo, assu-
mimos o relativismo cultural, segundo o qual nosso julgamento não é o
único critério possível para entender a vida (figura 3).
Nikolay DoychiNov/aFP

Figura 3. Quem são essas crianças?


Quem olha para elas? Para quem elas
olham? A fotografia é uma arte que
possibilita olhar o outro e refletir sobre
si mesmo. Crianças de etnia cigana
posam para foto em bairro da cidade
de Nikolaevo (Bulgária, 2013).

35
Identidade e a descoberta da alteridade
Quando pensamos em identidade, uma imagem recorrente é o documento
de identificação, com foto 3x4 e número de registro geral, o RG. Essa é
a nossa identidade perante o Estado. Trata-se de um documento legal.
Se pensarmos de forma mais abstrata, nos distanciando das referências
concretas que condicionam nossos pensamentos, podemos perceber a
identidade como algo que não muda em uma situação de transformação.
Sentimos nossa identidade como uma consciência sobre a nossa própria
personalidade. Nesse sentido, nossa identidade é como reconhecemos a
nós mesmos, é a certeza de que a imagem que vemos refletida no espelho
somos nós (figura 4).
Xavier arNau/veTTa/GeTTy imaGes

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 4. A identidade é uma
construção social por meio da qual nos
reconhecemos dentro de um grupo.

Mais do que um simples documento, para as Ciências Sociais a identi-


dade é aquilo que nos distingue como seres singulares em meio a outras
pessoas, com as quais nos identificamos e das quais nos diferenciamos
(figura 5). Nossa identidade é marcada por nossa origem e história de
vida, por nossas ideias e escolhas. Para definir nossa identidade social
é necessário viver em sociedade, ou seja, viver a experiência do contato
com os outros.
Blaj GaBriel/shuTTersTock

Figura 5. Nossa identidade não


é apenas um documento, mas o
resultado de múltiplas interações com
o mundo ao longo de nossa vida.

36
Alteridade
Alteridade é uma palavra de origem latina (alter: “outro”). Para as
Ciências Sociais, o conceito de alteridade significa a capacidade de se
colocar no lugar do “outro”. Essa capacidade nasce da consciência de que
constituímos nosso “eu” ao nos diferenciar dos outros (“eu não sou você”).
Quando nos colocamos no lugar do “outro”, compreendemos o ponto de
vista alheio (figura 6).

oliver laNG/aFP
Figura 6. A alteridade nos permite
pensar de forma diferente do pensamento
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

predominante e ver a realidade a partir do


olhar do outro. Mulher observa escultura
do artista plástico australiano Ron Mueck,
exposta no Neue Nationalgalerie Museum,
em Berlim (Alemanha, 2006).

Ao mudar de perspectiva, somos capazes de estranhar nossa própria


cultura, isto é, somos capazes de nos espantar com aquilo a que esta-
mos acostumados. A alteridade nos permite enxergamos o mundo por
novos ângulos. Esse é o caminho para criar oportunidades de diálogo e
formações sociais menos excludentes (figura 7).

celso PuPo/FoToareNa

Figura 7. A religião cumpre um papel importante na formação da identidade. Aprender a conviver com a diferença
é fundamental para construir uma cultura de paz. Representantes de diversas religiões participam de ato
ecumênico durante Campanha Copa da Paz, no Rio de Janeiro (RJ, 2014).

37
identidade e papéis sociais
Ao longo de seu processo de socialização, o indivíduo constrói sua
identidade social, assimila valores de diferentes grupos e assume dife-
rentes papéis na sociedade. Por isso, a identidade social também pode
ser entendida como o conjunto dos diferentes papéis e posições sociais
que cada indivíduo desempenha ao longo de sua vida.
No ambiente profissional, por exemplo, as pessoas exercem funções
e papéis sociais distintos e ocupam diferentes posições hierárquicas
(figura 8). Contar com o outro e desenvolver uma relação de confiança
é fundamental para que qualquer trabalho seja desenvolvido de forma
eficiente.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 8. Em um hospital, os papéis Com papéis estabelecidos socialmente, a interação social confere al-
sociais de médicos, enfermeiros,
recepcionistas e assistentes de serviços
guma previsibilidade à vida. Isso acontece porque os indivíduos atuam de
gerais demarcam identidades sociais acordo com determinados padrões de comportamento relativos à posição
construídas na diferenciação das funções. social que ocupam. O papel social estabelece o comportamento esperado
de um indivíduo dentro do grupo. Podemos, então, pensar os indivíduos
como atores que interpretam papéis determinados pelas posições sociais
estabelecidas nos diferentes grupos.
Na escola, por exemplo, os professores esperam dos alunos uma atitu-
de interessada durante as aulas e participação nos trabalhos propostos.
Os alunos, por sua vez, esperam que seus professores sejam competentes,
atenciosos e justos na avaliação de seu desempenho escolar. O reconhe-
cimento das expectativas vinculadas aos papéis sociais sinaliza o modo
como os indivíduos atuam no ambiente.
Nossa identidade social, orientada pela posição que ocupamos na
sociedade e pelo papel que desempenhamos em determinados grupos,
define o modo como encaramos o mundo, nossos valores e perspectivas.
Dessa maneira, tomamos consciência de que nossa identidade é apenas
uma entre tantas outras identidades formadas na sociedade.

38
O ESTRANHO FAMILIAR Coreia do Sul lidera cirurgias para
“ocidentalizar” traços do rosto
“ A Coreia do Sul virou um polo de cirurgias lugar, o implante de queixo para que o rosto fique
plásticas na Ásia. Os rostos nas ruas de Seul, capital menos redondo, com a forma mais oval, também
do país, são bem diferentes dos que aparecem em como os ocidentais.
muitos cartazes de publicidade. Olhos grandes, nariz Lee-Kyung Mi, de 28 anos, fez a primeira cirur-
mais proeminente: o padrão de beleza ocidental gia há um ano, para fazer a dobrinha do olho. Há
dita a moda e os coreanos tentam ficar um pouco algumas semanas, fez o implante de nariz. ‘Eu me
mais parecidos com o que veem nos anúncios. olhava no espelho e não ficava satisfeita’, disse ela,
[...] ‘agora tenho mais confiança no trabalho e para en-
Um prédio no centro de Seul é dedicado intei- contrar pessoas. Até consegui achar um namorado’.
ramente à cirurgia plástica. É onde funciona a BK, Essa tendência tem muitos críticos, que recla-
a maior clínica do país. mam do que chamam de imperialismo cultural e
Logo na entrada, o argumento para convencer estético do Ocidente, que provoca baixa autoestima
aqueles que ainda estão em dúvida: as fotos com em jovens orientais. É um assunto polêmico.
antes e depois de vários pacientes. Um museu [...] ” KOVALICK, Roberto. Jornal da Globo. Disponível em: <http://
mostra a evolução plástica no país e entende-se g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2012/02/coreia-do-sul-
a grande diferença das cirurgias feitas no Brasil: lidera-cirurgias-para-ocidentalizar-tracos-do-rosto.html >
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Acesso em: 14 abr. 2014.


enquanto aqui, a maioria é para mudar o corpo, na
Coreia do Sul, é para mudar o rosto.
[...] A clínica tem 18 salas, geralmente lotadas. Atividade
São mais de 100 pacientes por dia. É a cirurgia
plástica em escala industrial.
O que você pensa dessa prática tão comum na
Coreia do Sul? Você acredita que ela é resultado
Kim-Byung Gun, diretor da clínica, explica que
de uma troca cultural entre diferentes sociedades
metade das cirurgias feitas na clínica é para criar a ou a imposição de um padrão de beleza visto como
dobrinha e abrir um pouco mais os olhos. Depois, superior? Vamos realizar um debate guiado por
vem o implante de nariz, para que fique maior e essas indagações.
mais anguloso como o dos ocidentais, e, em terceiro

JUNG YEON-JE/AFP

Jovem observa cartaz publicitário de uma clínica de cirurgia plástica exposto


em uma estação de metrô de Seul (Coreia do Sul, 2014).

39
CAPÍTULO

4 Estereótipo, preconceito e
discriminação

Identidade e valor
Aprendemos que a construção das identidades é um exercício de
classificação que nos diferencia do “outro”. Os princípios de classi-
ficação estão intimamente associados à cultura que compartilhamos
e, portanto, atribuem valor ao “outro”. Desde muito cedo, aprendemos
a classificar comportamentos e grupos em categorias: “certo” e “er-
rado”, “bom” e “mau”, “feio” e “bonito”, “inferior” e “superior”. Assim, as

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diferenças – como as de cor e sexo, por exemplo – são frequentemente
transformadas em desvantagem, gerando preconceitos e desigualdades
que atingem determinados grupos (figura 9). Vamos entender como
isso acontece estudando a relação entre os conceitos de estereótipo,
preconceito e discriminação.
© 2014 kiNG FeaTures syNDicaTe/iPress

Figura 9. Nós utilizamos o grupo ao


qual pertencemos como referência
para classificar os demais.
Estereótipos e preconceitos
Para que servem os rótulos? Nas embalagens, eles identificam o
conteúdo dos produtos, facilitando a compra dos consumidores. Nos
relacionamentos humanos, os rótulos rompem o processo reflexivo de
construção da identidade e o substituem por qualidades atribuídas pelos
outros.
O sexo ao qual pertencemos, nossa classe social, etnia, idade, pro-
fissão e nacionalidade acabam orientando a forma como os outros nos
percebem e podem ser fonte de preconceitos e processos de exclusão
de determinados indivíduos e grupos.

40
Os rótulos sociais produzem uma imagem simplificada do indivíduo,

FraNk rumPeNhorsT/DPa/corBis/laTiNsTock
pois não são capazes de expressar sua complexidade. Nesse processo,
as diferenças deixam de ser valorizadas e passam a ser vistas como algo
negativo e indesejável, fazendo aquele que é rotulado se sentir discri-
minado. Essa é uma das fontes de reprodução da exclusão de diferentes
grupos sociais.
Em um vídeo intitulado O perigo da história única, a escritora nige-
riana Chimamanda Ngozi Adichie fala sobre a relação entre sua vida e
os estereótipos sobre a África. Por meio de sua experiência pessoal,
Chimamanda destaca as consequências negativas de uma história única
para a construção das identidades e revela como mudou sua percepção
Figura 10. Segundo Chimamanda Ngozi
sobre o mundo e sobre si mesma quando teve acesso a outras histórias Adichie, o perigo dos estereótipos é que eles
(figura 10). reduzem a história de um povo ou grupo
a uma única história. Acima, a escritora
Ao se reproduzir uma única história, baseada na versão do dominador, fotografada na Casa da Literatura, em
sem considerar a contribuição de diferentes povos, os indivíduos constroem Frankfurt (Alemanha, 2014).
sua identidade com base em um modelo que muitas vezes nada tem a ver
com a sua realidade, com suas características pessoais ou preferências.
A imposição de padrões estabelecidos pelas culturas dominantes promo-
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ve uma identificação “falsa”, na medida em que as pessoas se espelham


em referências com as quais não se identificam. Esse é um mecanismo
que revela o poder existente por trás da construção das identidades.
No nosso cotidiano é comum escutarmos frases e expressões como:
“Japoneses são inteligentes”, “Americanos são arrogantes”, “Brasileiro
gosta de carnaval e futebol”, “Mulheres são românticas”, “Índio é pregui-
çoso”, “Judeu é pão-duro” etc. Todos esses exemplos constituem formas
de identificação e classificação que reduzem um grupo (de determinada
religião, nacionalidade, região, classe social, cor, etnia, sexo ou orientação
sexual) a características generalizantes, baseadas em padrões fixos e
preconcebidos, sem distinção de características individuais. É aquilo que
as Ciências Sociais denominam estereótipo (figura 11).
Os estereótipos são como rótulos que aplicam uma suposta quali-
dade ou defeito a todo um grupo. Eles operam, portanto, por meio de
generalizações (“Todo americano é...”; “Todo judeu é...” etc.) que nos
levam a conclusões superficiais e falsas sobre o caráter, inteligência,
beleza, sentimentos e comportamentos dos indivíduos apenas porque
pertencem a determinado grupo.
ryoT

Figura 11. Estereótipos são imagens


simplificadas de determinados grupos sociais.

41
Estereótipos como expressão e reforço de preconceitos
Por serem superficiais, os estereótipos expressam e reforçam
preconceitos. Preconceitos são julgamentos prévios, em geral nega-
tivos, sobre determinados grupos e indivíduos. As ideias que sustentam
os preconceitos têm como origem informações incorretas ou incompletas.
Além de infundadas, já que anteriores a um exame cuidadoso e comple-
to da realidade, elas são também muito arraigadas, difíceis de serem
erradicadas, mesmo quando novas evidências as contradizem.
O fenômeno do preconceito possui duas dimensões: uma afetiva (sen-
timentos em relação ao outro, como medo, ódio, desprezo, desconfiança,
superioridade) e outra cognitiva (formulação de ideias sobre a maneira
de ser do outro).
Os preconceitos – e os estereótipos que ajudam a reproduzi-los – são
aprendidos na vida em sociedade. Eles não são manifestações isoladas de
GLOSSÁRIO indivíduos, mas produtos de uma coletividade. A família, a escola, os amigos
Gênero: nas Ciências Sociais,
e os meios de comunicação transmitem e reproduzem ideias que reduzem
designa a diferença que determina os diferentes grupos sociais a características generalizantes. Na mídia, é co-
papéis atribuídos a homens e mulheres mum a veiculação de estereótipos de gênero e cor. Durante nosso processo

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


e a identidade sexual dos indivíduos nas
diversas sociedades e culturas.
de socialização, muitas vezes incorporamos sem perceber essas imagens
estereotipadas e, assim, as reproduzimos ao longo da vida, sem refletir.
Os preconceitos e estereótipos têm consequências importantes na
produção de desigualdades sociais. O fenômeno da discriminação nos
ajuda a entender como isso ocorre (figura 12).
maurício PesTaNa

Figura 12. Os estereótipos produzem a


associação entre criminalidade e determinadas
características físicas e sociais.

42
Discriminação e segregação
Os estereótipos negativos são discursos que atribuem condições
de incapacidade e inferioridade a determinados indivíduos ou grupos.
Em outros termos, eles definem o lugar que devem ocupar na sociedade:
um lugar de subordinação. Mulheres, negros, indígenas e homossexuais
são alguns dos grupos que costumam ser alvo de preconceito, receben-
do tratamento desigual ou desfavorável em função de características
particulares (nesses casos, de gênero, cor, condição sociocultural e
orientação sexual). Podemos afirmar que os estereótipos e preconceitos
ajudam a manter as relações de poder numa sociedade.
A discriminação é a manifestação do preconceito na prática. Discriminar
é instaurar uma separação, distinguir ou tratar alguém desigualmente ou Animação
de forma desfavorável em função de suas características raciais, sociais, União civil homossexual
religiosas, de gênero etc. Ao discriminar estamos negando oportunida-
des com base na atribuição de valor negativo a certos grupos: mulheres,
negros, pobres, homossexuais, idosos etc. Isso ocorre, por exemplo,
quando se nega emprego a uma pessoa que pertence a um desses gru- Figura 13. Nos Estados Unidos, em
1957, um grupo de pessoas hostilizou
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pos. Percebemos, portanto, que preconceito, estereótipo e discriminação uma estudante negra que tentava entrar
são fenômenos que se entrelaçam, produzindo desigualdades sociais. no colégio após a decretação de uma lei
federal que estabelecia o fim da divisão
Em alguns países, como África do Sul e Estados Unidos, o preconceito entre colégios destinados a brancos e
e a discriminação assumiram a forma de políticas oficiais de segregação negros. A foto mostra Elizabeth Eckford
entre brancos e negros. Essas políticas instituíram a separação e o sendo seguida por pais de alunos brancos e
vigiada por policiais enquanto caminha em
isolamento desses grupos, criando espaços reservados para habitação, direção à entrada da Central High School,
transporte e ensino (figura 13). em Arkansas (Estados Unidos, 4 set. 1957).

Francis Miller/TiMe liFe PicTures/GeTTy iMaGes

43
Existe preconceito e discriminação
no Brasil?
Embora o Brasil nunca tenha implantado políticas oficiais de segre-
gação, isso não significa que no país não exista preconceito. Inúmeros
casos de agressão a mulheres, negros e homossexuais demonstram que a
sociedade brasileira tem um grande desafio pela frente a fim de superar
tais práticas. Além disso, é bastante comum as pessoas não admitirem o
próprio preconceito (figura 14).
pedro leite

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 14. Muitas vezes as pessoas A escola, como instituição social, não está isenta dos preconceitos e
negam ser preconceituosas, mas suas
ações e palavras indicam o contrário. discriminações existentes em uma sociedade. Em 2009, a Fundação Instituto
de Pesquisas Econômicas (Fipe) realizou um estudo a pedido do Ministério da
Educação (MEC) sobre preconceito e discriminação nas instituições públicas
de ensino. De acordo com os resultados, ambos são uma realidade nas escolas.

44
As principais vítimas de ações discriminatórias (acusações injustas,
humilhação e agressão) são negros, pobres e homossexuais (figura 15).

rDsTockPhoTos/shuTTersTock
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 15. Segundo estudo realizado pela Unesco no Brasil, mais de 40% dos homens
gays relataram ter sido agredidos fisicamente na escola. A bandeira com as cores do
arco-íris, usada pelo movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros), é reconhecida mundialmente como símbolo das minorias sexuais.

Os preconceitos se revelam de maneira clara nos

sTuDio 1oNe/shuTTersTock
xingamentos e em diferentes formas de hostilização,
mas eles também se manifestam de modo sutil por
meio de piadas, apelidos e ditados populares, de modo
a parecerem inofensivos e “sem intenção” de ofender.
No entanto, o preconceito e a discriminação por
parte de alunos, professores ou funcionários têm
impactos negativos no rendimento escolar e podem
levar os indivíduos discriminados a internalizar uma
imagem negativa de si mesmos, em vez de valorizar
suas características (figura 16).
O bullying é uma forma de discriminação que Figura 16. A beleza negra ainda é pouco valorizada no Brasil.

compreende todo tipo de agressão verbal ou física

m. BusiNess imaGes/shuTTersTock
direcionada a um indivíduo ou grupo de forma in-
tencional e repetitiva. Embora ocorra no ambiente
de trabalho e nas relações sociais em geral, essa
prática é mais comum no espaço escolar. Os alunos
vítimas desse tipo de violência frequentemente
desenvolvem depressão e baixa autoestima devido
ao sofrimento psicológico, o que pode levá-los a
abandonar a escola (figura 17).
A educação que valoriza a diversidade possibilita
questionar e desconstruir ideias preconcebidas. Só
por meio do reconhecimento e da valorização do
outro é possível promover a igualdade de oportuni- Figura 17. O bullying é uma forma de violência que se origina dos
dades e direitos. estereótipos e preconceitos.

45
atividades

Revisão e compReensão lares nessa condição era de 22,9%, em 2005 essa


1. Observe a foto reproduzida abaixo. taxa saltou para 30,6%: isto é pouco mais de um
terço dos lares brasileiros. Entretanto, a emancipa-

Franz Soukup/aSablanca/Getty ImaGeS


ção feminina ainda está longe de acontecer, pois a
média salarial das mulheres ainda é bem inferior
a dos homens, e muitas dessas ‘chefas’ de família
cumprem a continuação da jornada de trabalho
na maioria dos lares brasileiros.”
FERREIRA, Vanessa Alves; MAGALHÃES, Rosana. Obesidade entre
os pobres no Brasil: a vulnerabilidade feminina. In: Ciência & saúde
coletiva, v. 16, n. 4, 2011. Disponível em:<www.scielo.br/scielo.
php?pid=S1413-81232011000400027&script=sci_arttext>.
Acesso em 31 jul. 2014.

Jovem da comunidade Paduang com o típico colar de sua Texto 2


cultura, em Baan Tong Luang (Tailândia, 2011).
“Está na Constituição: uma empresa não pode
Como a ideia de alteridade pode nos ajudar a desna- discriminar pessoas por raça, etnia, cor da pele,
turalizar o preconceito sobre as culturas diferentes na hora de contratar ou definir salários e bonifi-
da nossa? cações. O mesmo vale para a questão de gênero,
isto é, a nossa lei maior proíbe a discriminação de
2. Encontre 12 conceitos das Ciências Sociais relacio- homens e mulheres. Apesar disso, ainda hoje é
nados a identidade e alteridade e escolha dois deles comum casos de empresas que pagam um salário
para escrever sua definição. menor para a mulher, mesmo quando ela exerce a
B A B mesma função, com as mesmas responsabilidades
I Y Ç T M G L A A
U Ç D Ç A A S O E T S L B
e experiência do que o homem.”
à S à P R E C O N C E I T O D O N CALIXTO, Bruno. Senado aprova multa para empresa que pagar
A L T E R I D A D E B Ã A R U B M S T salários inferiores a mulheres. In: Época, 6 de março 2009. Disponível
D O C C I S G R E N D E A Ã T U O E R R R em: <http://revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2012/03/
I G I L O E A E E A R A Ç U E U N N D S M senado-aprova-multa-para-empresa-que-pagar-salarios-inferiores-
G S L U S Ã I S R U Ã U A S A L A N G I T C G mulheres.html>. Acesso em: 20 jun. 2014.
A C G C C Y M C O N T U B U L L Y I N G A D D
O L R O D I L E D T N I O N O N L L T E A T I O L
R R I Y N D G Y E U L R Ç D R N Ã E A S B U Ã Ç E
4. Observe a charge.
I R M L C E G C S L I G B R D D Ç T M T I S Y I U
R R U I E A N Y N I O U N G I N Ã R S M E M M I N A O
A Y M N T I T S E G R E G A Ç Ã O M Ç N R T C T T N G
N Y A A L M I P O U L M G O Y C N N L T E C M M E R O
G G Ç O D D A U A N B B M U D T G S D O L S B R T
A A Ã E D A P T L A D C C O M B G A U T G R O A R
M N O O L D E R D G B R U S S B Ç Ã M I U D N Ç Y
Ç M C D E L O A L Y L L Ç N A G N S P T B D Ã
I S G E B S O D Y E S T R A N H A R O N T O O
D C M M O O E U S E U G N Ã M Ã Ç Ç C U T
I D G A C R U C M A R O G L N R Ç O I B L
G Ç B I B N E Ç N A U D C N L D C Ç T
R G A G G C L B N C I U Ã I D Ç M
rIco

L A Ã S Ç B C E N O Ã T M
C Y N N Ã E Ã D R
M Ã E

inteRpRetação e pRática
A charge reproduzida revela uma forma de deprecia-
3. Com base na leitura dos textos a seguir, faça uma
ção do pobre na medida em que considera as repre-
análise das relações de trabalho no Brasil utilizando sentações da elite superiores às das classes menos
conceitos estudados na unidade. favorecidas.
Texto 1 As identidades formadas com base em rótulos
“Ser chefe de família não é mais função dos impostos podem funcionar como mecanismos de
homens. Cresce o número de lares sob a respon- produção de desigualdades sociais? Justifique
sabilidade de mulheres. Em 1995, o percentual de sua resposta.

46
5. Certa vez, em uma entrevista, perguntaram ao escritor b) Como podemos interpretar os motivos dos coloni-
nigeriano Wole Soyinka, Prêmio Nobel de Literatura, o zadores para implantar um processo de segregação
que ele achava das questões tribais africanas, conside- em um país cujo povo que compartilhava uma mesma
radas causas de conflitos naquele continente. O autor de identidade social?
Abeokutá respondeu que, ao se referirem a conflitos em c) Como podemos pensar as consequências em nos-
países como a Irlanda, por exemplo, as pessoas nunca di- sa sociedade de episódios como a guerra civil em
zem que a “tribo irlandesa” católica assassinou membros Ruanda?
da “tribo irlandesa” protestante. Em seguida, afirmou
que, com a divisão arbitrária do território africano entre
ExploRAndo o cotidiAno
os países europeus pelo Congresso de Berlim, em 1885,
diferentes nações foram costuradas de forma aleatória. 6. Nesta unidade compreendemos o processo de for-
Na maioria das chamadas nações modernas africanas mação das identidades como uma construção social
vivem diferentes nações, com exceção de Ruanda, país e simbólica, realizada necessariamente tendo como
com uma população bastante homogênea, com um povo referência da existência do “outro”, do diferente.
que fala a mesma língua e onde casamentos interétnicos Aprendemos também sobre a construção social dos
são comuns. No entanto, foi justamente lá que houve estereótipos, preconceitos e discriminações e suas
um dos maiores massacres das últimas décadas, um consequências para o convívio social. Vamos explorar
verdadeiro genocídio. Segundo Wole Soyinka, essa o cotidiano?
situação resultou da política colonial belga, que criou Divididos em grupos de quatro alunos, façam uma
pesquisa e selecionem duas reportagens de jornal,
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

uma espécie de “tribo de elite”, os tutsis, considerados


fisicamente mais semelhantes aos europeus. Enquanto revista ou site que abordem formas de preconceito
isso, os hutus foram reduzidos a cidadãos de segunda e discriminação existentes no bairro, município,
classe, transformados em servos dos tutsis. Na época, estado ou país.
foram criadas até carteiras de identidade distinguindo O grupo deverá apresentar os casos de preconceito
os dois grupos. Essa hostilidade centenária, criada e discriminação existentes na sociedade brasileira,
artificialmente, afetou a relação entre vários povos do identificados nas reportagens e, com o auxílio do
Congo e até mesmo de algumas partes do Zâmbia. professor, sugerir medidas que visem a construir
uma relação de respeito à alteridade. O resultado
reProDução

desse trabalho pode ser apresentado em um evento


para toda a comunidade escolar.

o quE pEnsAmos sobRE


7. Observe a fotografia reproduzida a seguir.

DoN BorouGhs/PhoToliBrary/GeTTy imaGes

"Não sobraram demônios no inferno", disse o missionário. "Eles Crianças interagem em uma escola do subúrbio
estão todos em Ruanda.", diz a frase estampada na capa da de Joanesburgo (África do Sul, 2010).
revista Time de 16 de maio de 1994, sobre o genocídio no país.
• Que características diferenciam essas crianças?
Com base nas situações descritas, responda: • O que marca a identidade delas?
a) Como a construção de identidades com base em • Tomando como referência o debate sobre a construção
rótulos e estereótipos explicam os conflitos internos da identidade, junte-se aos colegas e imaginem o que
em países como Ruanda? se passa na cena.

47
visÕes de MUNdO

A construção da Identidade
identidade não é um “Às vezes nem eu mesmo
processo fácil. Ela é sei quem sou.
cheia de dúvidas e Às vezes sou
‘o meu queridinho’.
incertezas, mas também
Às vezes sou
uma fase de descobertas, moleque malcriado.
de reconhecimento de si Para mim
como um ser especial. tem vezes que eu sou rei,
herói voador,
caubói lutador,
jogador campeão.
Às vezes sou pulga,
sou mosca também, que voa e se esconde
de medo e vergonha.
Às vezes
eu sou Hércules,
Sansão vencedor,
peito de aço,
goleador.
Mas que importa
O que pensam de mim?
Eu sou eu,
sou assim,
sou menino.”
BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 1985.

48
Atividades
obtER inFoRmAçÕEs
1. Identifique o gênero literário e o assunto do texto.
2. O autor reconhece em si diversas características. Algumas que ele
se atribui, outras que lhe são atribuídas. Cite três delas.

intERpREtAR
3. Relacione a identidade da qual fala o autor com o conceito de alte-
ridade estudado na unidade.
4. Ao final do poema, o autor assume uma identidade específica. Que iden-
tidade é essa?

REFlEtiR
5. Faça um exercício semelhante ao realizado pelo autor. Liste cinco
características que você considera determinantes para a sua iden-
tidade e compartilhe com seus colegas de sala. Faça uma tabela com
as características que vocês compartilham e outra com as não
compartilhadas. Depois promovam um debate. É possível perceber
uma identidade coletiva na turma?

49
DIREITO é DIREITO

leis e discriminação: avanços e desafios


Uma das mais importantes leis internacionais criadas para proteger

aNDere aNDrea PeTrlik/shuTTersTock


a igualdade e promover o respeito à diferença é a Convenção sobre a
Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. Essa lei, que
entrou em vigor no Brasil em 1969, define “discriminação racial” como
“qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas na
raça, cor, descendência, nacionalidade ou origem étnica com o pro-
pósito ou efeito de anular ou impedir o reconhecimento, o gozo ou o
exercício, em pé de igualdade, dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais nos campos político, econômico, social e cultural ou
qualquer outro da vida pública”. A Convenção estabelece o combate

aNDere aNDrea PeTrlik/shuTTersTock


à discriminação e incentiva a elaboração de estratégias de promoção
da igualdade.
O Direito brasileiro foi profundamente influenciado por essa Conven-

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


ção. O maior marco contra todos os tipos de discriminação é a Consti-
tuição Federal de 1988. Ele consagra, pela primeira vez, a redução das
desigualdades sociais e a promoção do bem comum, sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação
(art. 3o, incisos III e IV).
A Lei n. 7.716/89, alterada pela Lei n. 9.459/97, definiu os crimes

aNDere aNDrea PeTrlik/shuTTersTock


resultantes de discriminação de cor e raça, etnia, religião e procedência
nacional. O racismo, que era uma mera contravenção penal (infração consi-
derada de menor gravidade), passou a ser crime, tornando-se inafiançável
(não passível de pagamento de fiança) e imprescritível (não perde seu
efeito mesmo depois de um longo tempo). Quanto à injúria ou ofensa de
caráter discriminatório, a partir da Lei n. 9.459/97, passou a ser consi-
derada crime no caso de utilização de elementos referentes a raça, cor,
etnia, religião ou origem.
No entanto, as decisões que condenam criminalmente a prática do
racismo ainda são raras no Brasil. Segundo levantamento feito em 2011
pelo Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Rela-
ções Raciais (Laeser), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
70% dos processos de crimes raciais são vencidos pelos réus. Para os
pesquisadores, esse fato revela o despreparo dos profissionais do Judi-
ciário com a temática e o conservadorismo que atrapalha e desqualifica
o discurso das vítimas.

Reflexão
Com base na sua observação da realidade e no que aprendeu nesta uni-
dade e nesta seção, você acredita que as leis que preveem a repressão
e a punição da discriminação são suficientes para promover a igualdade
social? Justifique.

50
INDIcAÇõEs

para ver A cor do preconceito


Carmen Lucia Campos,

reProDução
Hiato
Sueli Carneiro e Vera Lúcia
Direção: Vladimir Seixas.

reProDução
Vilhena de Toledo.
Brasil, 2008.
São Paulo: Ática, 2006.
Em 2000, um grupo forma-
Mira é uma adolescente ne-
do por pessoas sem-teto e
gra, ótima aluna de uma esco-
moradores de favela decide
la de periferia, que consegue
ir a um shopping center na
uma bolsa de estudos num colégio de elite. A
Zona Sul do Rio de Janeiro,
partir daí ela irá deparar com uma série de pos-
causando mal-estar entre
turas racistas, preconceituosas e intolerantes.
clientes e lojistas e reve-
lando a segregação existente entre as classes Omo-Oba: Histórias de princesas
sociais na sociedade brasileira. Kiusam de Oliveira.

reProDução
Duelo de Titãs Belo Horizonte: Mazza
Edições, 2009.
Direção: Boaz Yakin.
reProDução
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

EUA, 2000. Com base em mitos africa-


nos das comunidades de
Herman, um técnico negro
tradição ketu, o livro foca
de futebol americano, é con-
questões de gênero, bus-
tratado para trabalhar com
cando reforçar e valorizar
um time: os “Titãs”. Além da
a identidade feminina.
indiferença dos jogadores,
Herman tem de enfrentar para navegar
um tenso relacionamento com seu assisten-
te, um técnico branco, que o hostiliza.
Fundação Palmares
<www.palmares.gov.br>
A negação do Brasil O site reúne um grande acervo sobre cultura,
Direção: Joel Zito Araújo.
reProDução

arte e legislação relacionado ao combate ao


Brasil, 2000. racismo e à promoção da igualdade racial e
Partindo de uma discus- de respeito à diversidade cultural.
são sobre a questão racial
Museu do Índio
no Brasil, o documentá-
rio mostra como as nove- <www.museudoindio.org.br>
las reforçam ou revitalizam No site encontram-se disponíveis informações
estereótipos que geram pre- que contribuem para uma maior conscienti-
conceito e discriminação. zação sobre a atualidade e a importância das
culturas indígenas brasileiras, servindo como
para ler importante ferramenta de divulgação da diver-
reProDução

clara dos Anjos sidade existente entre as centenas de grupos.


Lima Barreto. São Paulo: Portal Geledés
Ática, 2011. <www.geledes.org.br>
O livro traz uma discussão O site traz uma grande quantidade de notícias
sobre o preconceito racial sobre discriminação de gênero e etnia, além
vivido por uma jovem cuja de conteúdo sobre cultura e história africanas.
trajetória é marcada pela hu- Também oferece seções sobre saúde, políti-
milhação e discriminação. cas públicas, educação e direitos humanos.

51
3
UNidAde

ENCONTROS
CULTURAIS

tock
Atins /L

E m 2012, o Brasil presenciou


um fenômeno de imigração
em massa de haitianos, que co-
doUG
LAs e
nGLe/c
oRbis

meçaram a chegar ao Acre através


das fronteiras da Bolívia e do Peru
em busca de trabalho e melhores
condições de vida. Muitos desses
imigrantes, que entram no país ile-
galmente, acabam em situação de-
gradante, vivendo em praças públicas
ou alojamentos precários. O governo
brasileiro decidiu fechar e fiscalizar
as fronteiras até regularizar a situação
dos haitianos no Brasil, mas, ainda as-
sim, imigrantes continuaram chegando.
O aumento da imigração haitiana vem
incomodando o governo do estado do
Acre, que teme a ocorrência de conflitos
devido à superlotação dos alojamentos e
à falta de alimentos. Essa situação levou
as autoridades governamentais a propor a
proibição da entrada de imigrantes. O gover-
no federal, por sua vez, afirma que a situa-
ção está sob o controle da Polícia Federal e
que o Brasil não deve fechar suas fronteiras,
já que o Haiti passa por uma crise econômica
e acolher sua população faz parte da política
brasileira de Direitos Humanos. Podem ser ressaltados aspectos referentes ao preconceito
contra diferentes culturas, o temor da população local em
relação ao aumento da concorrência por emprego e rivalidades
regionais. É importante destacar diferenças culturais que
Começando permitam aos estudantes refletir sobre a experiência do “eu”
e o “outro”. Cite exemplos como os casos de hostilidade
a unidade em relação aos médicos cubanos participantes do programa
Mais Médicos, lançado em 2013 pelo governo federal; aos
imigrantes brasileiros e mexicanos que cruzam ilegalmente
No dia a dia, é comum depararmos com notícias sobre a fronteira do México para entrar nos Estados Unidos; aos
nordestinos que vivem no Sudeste etc. Destaque também o
a resistência de alguns países à entrada de imigrantes papel do governo na mediação dos conflitos.
em seu território. Por outro lado, sabemos que vivemos Imigrantes haitianos que ingressaram no Brasil
uma época de intercâmbio econômico e cultural por meio pela fronteira com a Bolívia aguardam refeição
da globalização. O que justifica que, nestes tempos de oferecida pelas autoridades brasileiras na praça
globalização, existam práticas contra imigrantes? principal de Brasileia (AC, 2012).

52
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Compreender os conceitos de etnocentrismo,
relativismo cultural e diversidade cultural.
• Identificar características marcantes da cul-
tura globalizada e multicultural no mundo
contemporâneo.

53
CAPÍTULO

5 Etnocentrismo, diversidade
e relativismo cultural

O que é a cultura?
Vimos que a palavra cultura possui diferentes significados. Quando
dizemos que um município se destaca pela cultura da cana-de-açúcar,
significa que nele se pratica com sucesso o cultivo desse produto. Quando
dizemos que determinada pessoa é muito culta, significa que ela tem
uma ampla bagagem de conhecimento. Em outra situação, a palavra pode

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


ser empregada para se referir à “cultura de massas”, ou seja, a como a
transmissão de comportamentos e hábitos de uma grande parcela da
população de uma sociedade por meios de comunicação como o jornal,
a televisão, o rádio e a internet. Outro significado da palavra cultura
se refere à identidade de uma sociedade, um povo ou uma nação. Por
exemplo: a “cultura brasileira”, a “cultura indígena”, a “cultura africana”.

A biologia, a geografia e a cultura


O que difere os seres humanos em termos de comportamento social?
A cultura. Ela influencia diretamente a maneira como as pessoas se com-
portam, agem e falam, além dos hábitos, costumes, expressões artísticas e
linguísticas. Apesar da valorização que as diferentes expressões culturais
ganharam nas últimas décadas, nem sempre a distinção entre os seres
humanos foi compreendida dessa maneira. As primeiras concepções so-
bre as diferenças entre as sociedades humanas afirmavam que existiam
fatores geográficos e biológicos que diferenciavam as pessoas.

A geografia determina a cultura?


A noção de que o hábitat das populações humanas explicaria as dife-
renças culturais já foi defendida por muitos pensadores. Pensar que o
clima, a vegetação, o relevo e os recursos naturais seriam fatores deter-
minantes do comportamento dos indivíduos era uma ideia atraente, pois
permitia uma analogia fácil com o estudo do comportamento dos animais.
Segundo essa forma de pensar, os inuítes, pelo fato de habitarem o extre-
mo norte da América, uma região polar, de clima rigoroso, desenvolveriam
GLOSSÁRIO uma cultura própria no que diz respeito à habitação (iglus, na época de caça
e pesca, ou casas de madeira, nos períodos permanentes), à alimentação
Iglu: pequena casa de forma arredondada, (baseada em uma dieta rica em proteínas, uma vez que o frio impede a
construída com blocos de gelo.
plantação de cereais) e às vestimentas (peles de urso, raposa ou foca).

54
Assim, a organização e o modo de vida dos inuítes seriam totalmente
determinados pelo meio ambiente no qual estão inseridos.
Qual a limitação desse pensamento? Se compararmos os inuítes com
os lapões (que habitam o norte da Europa, abrangendo os territórios da
Rússia, Finlândia, Noruega e Suécia), vamos perceber um tipo de cultura
completamente diferente. Embora vivendo sob condições geográficas e
climáticas semelhantes, os lapões se diferenciam dos inuítes nos modos
de caçar, pescar e se vestir, nos hábitos de alimentação e nos tipos de
habitação (figuras 1 e 2).
É claro que a geografia exerce forte influência nas estratégias de
sobrevivência dos diferentes grupos humanos, mas não pode ser consi-
derada elemento determinante, como acontece com as espécies animais.
Se analisarmos o caso dos indígenas brasileiros do Xingu, veremos que
seus costumes são completamente diferentes
dos costumes dos inuítes. Por habitarem uma

ARctic-iMAGes/coRbis/LAtinstock
região com clima mais quente e vegetação farta,
a alimentação, o tipo de vestimenta, os hábitos
e a sociabilidade desses indivíduos apresentam
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

características totalmente distintas. No entanto, os


diversos grupos indígenas que ocupam o Parque
Nacional do Xingu desenvolvem diferentes formas
de caça, pesca e agricultura. Assim, percebemos
as limitações do determinismo geográfico para
explicar as diferenças culturais das sociedades
humanas.
White Fox/tips/ZUMA pRess/GLoW iMAGes

Figuras 1 e 2. Povos que vivem em condições geográficas e climáticas semelhantes podem desenvolver hábitos,
costumes e culturas bastante diferenciados. No alto à direita, homem conduz uma rena em Jukkasjärvi (Suécia, 2010).
Acima, um inuíte trabalha na construção de iglus em Nanuvut (Canadá, 2013).

55
A biologia determina a cultura?
No que se refere à questão biológica, afirmava-se que o comporta-
mento social dos seres humanos era condicionado por características
inatas, capazes de determinar a superioridade de um indivíduo sobre
outro pela suposta inteligência, disposição e capacidade de realização.
A ideia de que a cultura de um povo ou nação poderia ser explicada por
critérios raciais e genéticos resulta desse pensamento. Acreditava-se
que a natureza de um povo seria capaz de provar que alguns seriam mais
evoluídos que outros. Essa perspectiva serviu como justificativa para a
dominação de uma cultura sobre outras, como ocorreu nos processos
de colonização europeia da África, da Oceania e das Américas. Os euro-
peus acreditavam estar em um grau de evolução superior aos povos que
habitavam esses continentes. Colonizadores ingleses no sul da África
se valiam desse pensamento evolucionista, chamado darwinismo social,
para justificar a opressão dos povos nativos com o objetivo de instalar
infraestrutura para exploração de seus recursos naturais, em especial
minas de ouro e diamantes.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Pensamento biologista no Brasil
Acreditar que a cultura e o comportamento humanos, ou fenômenos
históricos e sociais como o colonialismo, são resultantes de diferenças
biológicas entre os povos é um exemplo de biologismo. No Brasil, essa
Figura 3. O processo de branqueamento da
população brasileira é enaltecido na obra de
teoria foi difundida no século XIX. Naquela época, era comum acreditar
Modesto Brocos, A redenção de Cam, 1895. que o Brasil era um país naturalmente atrasado e que dificilmente atingiria
Óleo sobre tela, c. 199 cm x 166 cm. um estágio de “progresso”, modernidade e “civilização” como a Europa.
O quadro mostra quatro gerações de
brasileiros, em que a última é representada A explicação dada para esse destino determinista era o fato de o país
por uma criança branca. ter uma população composta predominantemente de negros e mestiços.
Segundo esses teóricos, questões ligadas a fatores
MUseU nAcionAL de beLAs ARtes, Rio de JAneiRo

biológicos determinavam o “atraso” do Brasil. Assim,


a língua, a religião e a alimentação das populações de
origem africana eram consideradas “atrasadas”, exem-
plos de um estágio inferior de evolução. Como conse-
quência desse pensamento, defendia-se a ideia de que
o Brasil só poderia superar o atraso e a desigualdade
se conseguisse “branquear” a população (figura 3).
A vinda de imigrantes europeus surgiu como resposta.
A miscigenação de imigrantes brancos com brasileiros
seria a solução para mudar as características biológicas
da população. O negro ou o mestiço nascido de mãe ou
pai branco seria considerado “mestiço superior”, mais
próximo da “civilização” europeia. O argumento biologista
não compreende a cultura como uma construção histórica
e social, julgando o comportamento de um povo como
algo inato, ou seja, predeterminado pela composição
física e genética dos indivíduos. As Ciências Sociais, no
entanto, ensinam que a aquisição da cultura depende
da aprendizagem, e não da transmissão genética, ou
seja, é um processo social, e não biológico.

56
O etnocentrismo
O etnocentrismo (ethno = povo; centrismo = centro) consiste na visão
de mundo de um grupo étnico que considera seus valores, ideias, hábitos
e características culturais superiores aos de outros. Ao colocarmos nossa
cultura como centro ou modelo para julgar as demais, o “outro” é visto
como inferior, irracional, excêntrico. Como consequência do etnocen-
trismo, seres humanos foram expostos como animais em feiras, circos e
zoológicos (figuras 4 e 5).
O etnocentrismo opera, portanto, por meio de uma hierarquização
cultural: uma cultura é entendida como superior e as demais como in-
feriores. Isso significa posicionarmos o grupo do “nós” no topo de uma
hierarquia (que podemos imaginar como uma escada), de onde olhamos
o grupo do “outro” de cima para baixo.
Se voltarmos ao exemplo dos intelectuais brasileiros do século XIX, é
possível compreender o conceito de etnocentrismo. Naquele momento,
a cultura europeia era considerada o “centro”, a referência e a meta para
todas as outras culturas. A população e a cultura brasileira estariam dis-
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tantes da cultura europeia e, portanto, desvalorizada em relação a ela.


the bRidGeMAn ARt LibRARy/keystone bRAsiL – bibLiotecA nAcionAL dA FRAnçA, pARis

JeAn-GiLLes beRiZZi/RMn-GRAnd pALAis/otheR iMAGes – MUsée des civiLisAtions de L’eURope et de LA MéditeRRAnée, MARseLhA

Figuras 4 e 5. Durante séculos, diversos “shows étnicos” com grupos considerados


“exóticos” ou “selvagens” foram realizados na Europa. Acima, pôsteres do “Jardim
Zoológico de Aclimatação” de Paris: somalis (à esquerda) e lapões (à direita),
em litografias coloridas do século XIX.

57
O olhar cultural
Nós costumamos olhar o mundo pelo recorte dado por nossa cultura.
Quase todo o tempo, estamos agindo de forma etnocêntrica, julgando
outras culturas sob a nossa perspectiva. Geralmente, temos o hábito de
estranhar tudo aquilo que não nos é familiar. Essa dificuldade gera ideias
preconceituosas a respeito de outros povos.
A tradição cultivada na Índia, por exemplo, de considerar a vaca sa-
grada, símbolo de adoração religiosa, com direito a circular livremente
pelas ruas e calçadas das cidades indianas (figura 6), causa grande estra-
nhamento para nós, assim como o hábito dos chineses de consumir carne
de animais domésticos, como cães e gatos. No México, o Dia dos Mortos
é uma data festiva, comemorada com grandes celebrações, enquanto no
Brasil a data é motivo de luto pela morte dos entes queridos (figura 7).
Figura 6. Em países onde a vaca não

JAn WLodARcZyk/ALAMy/GLoW iMAGes


é considerada um animal sagrado, sua
livre circulação nos grandes centros
urbanos provoca estranhamento. Vaca
descansa em uma rua de Jaisalmer, no

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estado do Rajastão (Índia, 2013).

Figura 7. Casal fantasiado posa durante


comemoração do Dia dos Mortos no
cemitério de San Jeronimo Chicahualco,
em Metepec (México, 2013).
MARio vAZqUeZ/AFp

58
Muitos hábitos e costumes de outras culturas causam estranha-
mento – e até repulsa – por serem diferentes dos nossos. No entanto,
o etnocentrismo também pode ser observado em uma mesma cultura.
A separação entre “cultura popular” e “cultura erudita” é um exemplo.
Há quem considere inferiores os saberes populares, valorizando práticas
associadas ao saber erudito. A palavra erudito designa aquele que adquire
conhecimento, instrução e cultura principalmente por meio da leitura.
Como exemplo de prática etnocêntrica em uma mesma cultura, po-
demos mencionar as diferenças existentes entre as chamadas “tribos
urbanas” (figura 8).

kevinG3/ALAMy/GLoW iMAGes
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 8. Punks, skatistas, roqueiros


e funkeiros são alguns dos grupos que
formam as chamadas “tribos urbanas”.
A identificação com determinados grupos
se dá pela maneira de agir, se vestir, falar,
enfim, um modo semelhante de significar
e compreender a sociedade em que vive.
Na foto, roqueiros punks participantes
do Rebellion Festival, em Blackpool
(Reino Unido, 2011).

O não reconhecimento do “outro” e a tentativa de julgá-lo sob o pon-


to de vista do “eu” e de uma visão de mundo própria geram constantes
casos de intolerância e preconceito, que, não raro, terminam em ações
violentas. Devido aos desdobramentos violentos que o etnocentrismo
promoveu nas relações coloniais e entre diferentes grupos de uma mes-
ma sociedade, antropólogos passaram a enxergar as culturas sob outra
ótica, revelando as características culturais específicas de cada povo.
Essa posição, que passou a se opor ao determinismo cultural, recebeu o
nome de relativismo cultural.

O relativismo cultural
O relativismo cultural estabelece um contraponto ao determinismo da
visão etnocêntrica. A ideia de “relativismo” se opõe ao “determinismo”,
mas o que significa dizer que algo é relativo? É comum escutarmos a fra-
se: “Isso é muito relativo”, quando alguém acredita que uma opinião em
relação a determinado assunto não pode ser aceita como verdade única.
Relativismo, portanto, significa que existem opiniões variáveis de acordo
com as circunstâncias. Ter uma postura relativista em relação a outras
culturas é aceitar diferentes pontos de vista e entender que não existe
uma cultura melhor do que a outra, pois não existe um critério de compara-
ção que seja válido. Cada cultura possui um modo de dar significado à vida.

59
Pontos centrais do relativismo
Nesse sentido, o relativismo cultural é uma proposta de análise que
apresenta alguns pontos centrais:
a) compreende qualquer elemento de uma cultura (cerimônia, vestimenta,
alimentação etc.) dentro do contexto cultural no qual surgiu, e não
pelo “olhar de fora”;
b) defende que as culturas são relativas e, por isso, não há cultura ou
elemento que possa ser definido como “padrão absoluto” para julgar
os diferentes padrões culturais;
c) estabelece que as culturas são equivalentes e, portanto, não se pode
definir uma escala de valores evolutiva ou hierarquia entre elas.
Os defensores do relativismo cultural entendem que uma cultura é
tão válida quanto qualquer outra, pois trata-se de uma experiência que
um conjunto de seres humanos construiu ao longo de sua vivência em
sociedade. Um posicionamento favorável ao relativismo cultural é com-
preendido como a chave para o reconhecimento e a convivência entre as
diferentes culturas (figura 9).

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 9. A compreensão
do mundo por meio do
relativismo cultural mostra
que cada cultura é única,
apresentando uma história
particular e atribuindo
significados próprios às suas
experiências. A intolerância
religiosa é uma forma de
etnocentrismo.

a diversidade cultural
As práticas etnocêntricas levam frequentemente ao preconceito, ao
desrespeito e à intolerância entre as culturas. O não reconhecimento da
diversidade cultural impossibilita a coexistência pacífica entre os povos.
O entendimento da existência de diferentes culturas, suas particulari-
dades, seus costumes e significados torna possível a construção de
caminhos para o diálogo e o entendimento entre os povos. É comum
vermos na televisão, rádio, jornal e internet campanhas contra o pre-
conceito, o racismo, a intolerância religiosa. Essas campanhas refletem
o esforço constante de percebermos outras culturas não como exóticas,
“primitivas”, “atrasadas” ou rudimentares, mas como um modo diferente
de enxergar o mundo. Essa perspectiva é o caminho para o respeito e a
diversidade cultural.

60
O ESTRANHO FAMILIAR “Pés de lótus”

“ O enfaixamento dos pés foi um costume chinês [...]


praticado nas crianças e adolescentes durante quase A sociedade chinesa foi estimulada a apoiar a
mil anos, desde o início do século X até a primeira abolição dessa prática com acordos contratuais
metade do século XX. entre famílias, que prometiam o casamento de seus
A prática de enfaixar os pés durante o período de filhos com filhas que não tiveram os pés amarrados.
crescimento das meninas jovens ocasionava fraturas
Quando os comunistas tomaram o poder na
nos ossos e desvios articulares. Progressivamente
China em 1949, eles foram capazes de impor uma
os pés ficavam deformados e com seu tamanho
proibição estrita, inclusive em áreas isoladas da
reduzido, além de ser extremamente doloroso e
incapacitante para as meninas e adolescentes China. Em Taiwan, o enfaixamento foi proibido pelo
submetidas a essa prática. governo japonês em 1915. Essa proibição permanece
em vigor até hoje.
Várias teorias tentam explicar a origem do en-
faixamento dos pés. Os pés pequenos eram lou- Estima-se que cerca de 2 bilhões de pessoas foram
vados pelos poetas desde a época de Confúcio, submetidas a esta prática, desde o século 10 até
2.500 anos atrás. A deformação para redesenhar 1949, quando o enfaixamento dos pés foi proibido
o pé das mulheres se tornou o mais belo e o mais pelo regime comunista chinês. ”
excitante espetáculo de sensualidade da época. [...] Os pés de lótus – O antigo costume chinês do enfaixamento dos pés.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Disponível em: <www.clinicaecirurgiadope.com.br/artigo/19>.


Outra suposição seria um fato histórico de
Acesso em: 29 abr. 2014.
970 d.C., no reinado de Li Yu. Durante uma apresen-
tação de dança, em cima de um pedestal em forma
de lótus dourado, a dançarina colocou seus pés em Atividade
longas tiras de pano de seda, como as faixas de uma
bailarina atual. Li Yu ficou tão emocionado com a Após a leitura do texto, siga as instruções abaixo:
beleza de seus movimentos que outras mulheres a) Escolha um conceito debatido ao longo da unidade
seguiram o exemplo dos ‘pés de lótus’. O que come- para explicar os motivos pelos quais tendemos a
çou como uma ferramenta para facilitar a dança foi
rejeitar e considerar revoltante a prática descrita
gradualmente adotado como moda entre a classe
alta. As mulheres começaram a enfaixar seus pés,
no texto.
concentrando-se cada vez mais atentamente sobre b) Ressaltadas as claras diferenças culturais entre
a forma desejada e o tamanho do pé. Como era Brasil e China, podemos pensar no exemplo dos
inevitável, a popularidade das classes superiores “pés de lótus” para refletir sobre certas práticas
propagou-se a todos os níveis da sociedade, o que estéticas presentes em nossa cultura? Justifique
era apenas um modismo tornou-se um modo de sua resposta.
vida para milhões de mulheres em toda a China.
MARK RALSTON/AFP

A busca de um padrão de beleza leva a práticas


polêmicas em diferentes sociedades, tanto
no Ocidente quanto no Oriente. À esquerda,
uma senhora de 86 anos de idade mostra seus
pés de lótus, sentada à frente de sua casa,
na província de Yunnan (China, 2007). Acima,
a ilustração representa a deformação do pé
provocada pelo enfaixamento.

61
CAPÍTULO

6 Multiculturalismo e
transformação cultural

GLOSSÁRIO A dinâmica cultural


Globalização: processo crescente As culturas são dinâmicas e estão em constante transformação. Nas
de interdependência e influência
internacional que afeta a vida social
últimas décadas, esse processo de transformação se acelerou devido à
e cultural das sociedades devido às intensificação do processo de globalização e ao avanço tecnológico, com
transformações políticas e econômicas ênfase especial para as tecnologias de comunicação e informação. Para en-
que facilitam a comunicação, as trocas
comerciais e as ações políticas ao redor
tender melhor o impacto dessas mudanças para a cultura, vamos analisar a
diversidade cultural e o multiculturalismo nesse novo cenário (figura 10).

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


do globo.
O multiculturalismo é muito importante para entendermos melhor a
relação entre as lutas pela afirmação do direito à diferença e os proces-
sos de globalização, que tendem a aumentar as desigualdades sociais e
excluir alguns grupos que se encontram à margem da sociedade. Nesse
sentido, o multiculturalismo pode ser compreendido como a multiplicidade
de culturas coexistindo em um mesmo espaço.

RôMULo FiALdini/AceRvo ARtístico-cULtURAL dos pALácios


do GoveRno do estAdo de são pAULo, são pAULo, sp
Figura 10. O multiculturalismo defende
que, ao relativizar a cultura do “outro”,
somos capazes de estabelecer uma cultura
de inclusão social. A obra reproduzida ao
lado representa a diversidade étnico-racial,
resultado da nossa formação social.
Tarsila do Amaral. Operários, 1933.
Óleo sobre tela, 150 cm x 205 cm.

Outra forma de compreender o multiculturalismo diz respeito à maneira


como um Estado lida com essa diversidade a fim de garantir tratamento
igualitário para todos. Para seus defensores, a relevância da cultura se
baseia no fato de ela ser o espaço privilegiado onde se luta pelos direitos
capazes de reduzir as desigualdades sociais promovidas pela organização
social e econômica capitalista.

62
Cultura na era da globalização: homogeneização
ou fragmentação?
A globalização é um processo multidimensional que exerce influência
sobre as diferentes esferas de uma sociedade: econômica, política, social
e cultural. Podemos identificar efeitos positivos na globalização. As trans-
formações tecnológicas que caracterizaram esse processo de crescente
interdependência internacional, que afeta a vida social e cultural das
sociedades, “encurtaram distâncias” entre as culturas, disseminando
padrões culturais mais democráticos e tolerantes, capazes de relativizar
noções mais resistentes à aceitação da diferença ou promover o respeito
aos direitos humanos. No entanto, seu lado negativo se revela, por exemplo,
na imposição de uma cultura sobre outra, na reprodução de uma versão GLOSSÁRIO
única da História, que ignora a contribuição de diferentes etnias, ou na Hegemonia: dominação política
determinação de modelos econômicos e políticos pelos países economi- e econômica de um povo sobre
camente desenvolvidos. outros; superioridade ou predomínio
incontestável.
A televisão e o cinema são frequentemente utilizados para difundir
estereótipos que distorcem os costumes e a identidade dos povos. Desse
modo, apenas as potências mais ricas, que controlam os meios tecnológi-
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Figura 11. A charge ilustra a


cos, podem aspirar a uma hegemonia cultural global. A desigualdade de “americanização” da cultura. Toda
a pluralidade de identidades é
recursos cria uma desigualdade de condições de difusão de sua cultura, padronizada de acordo com um modelo
podendo levar a uma situação de homogeneização cultural, ou seja, de de cultura capitalista ocidental.
eliminação das singularidades culturais. É o caso
das músicas e dos filmes produzidos nos Estados

ALexei tALiMonov/WWW.cARtoonstock.coM
Unidos, que dominam o mercado fonográfico e
cinematográfico internacional, disseminando a
cultura estadunidense por todo o mundo. É por
meio da cultura que são transmitidos hábitos
e costumes identificados e valorizados como
“superiores”. Assim, os costumes e hábitos culti-
vados pelas minorias acabam perdendo espaço
e importância.
A homogeneização global que ocorre em
virtude do processo de globalização é aquela
em que as culturas nacionais se enfraquecem
(figura 11).
Em contrapartida, é possível identificar outra
tendência: o reforço de algumas identidades
nacionais e locais por meio da resistência à
globalização. A luta dos angolanos residentes
em Luanda pela preservação de seu idioma, a
rebelião dos indígenas de Chiapas, no México,
contra seus opressores ou a campanha dos
franceses pela identidade camponesa con-
tra a sociedade de consumo são exemplos
de resistência à homogeneização. No Brasil,
diferentes povos e comunidades tradicionais
lutam contra a opressão e a extinção de suas
tradições.

63
Multiculturalismo
O multiculturalismo enfatiza a ideia de que as culturas minoritárias
são discriminadas e consideradas movimentos particulares, mas me-
recem reconhecimento público e devem ser amparadas e protegidas
por lei.
A política multiculturalista combate a homogeneidade cultural, princi-
palmente quando esta é considerada única e legítima, submetendo outras
culturas a um padrão estabelecido pelo grupo dominante.
O multiculturalismo também pode ser entendido como uma estraté-
gia política de reconhecimento e representação da diversidade cultural,
diretamente relacionado às lutas dos grupos culturalmente oprimidos.
O educador Peter McLaren destaca quatro tipos de multiculturalismo
(figura 12).
FIGURa 12. TIPOs DE MULTIcULTURaLIsMO sEGUNDO PETER McLaREN
Multiculturalismo Multiculturalismo Multiculturalismo liberal Multiculturalismo
conservador humanista liberal de esquerda crítico

Defende a construção Visa a políticas Enfatiza a diferença Compreende a

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de uma cultura comum, de assimilação e, cultural e sugere que representação de etnia,
unitária e nacional. embora presuma que a ênfase na igualdade classe e gênero como
A diversidade cultural, vivemos numa cultura das etnias abafa resultado de lutas sociais
étnica ou sexual igualitária em termos diferenças culturais mais amplas sobre
deve ser assimilada de etnia e sexo, aponta importantes, entre signos e significações,
à cultura tradicional, as desigualdades elas, as responsáveis enfatizando a tarefa
geralmente definida de oportunidades por comportamentos, central de transformar as
por padrões patriarcais, educativas nos sistemas valores, atitudes, estilos relações sociais, culturais
brancos, europeu e capitalistas. cognitivos e diferentes e institucionais nas
estadunidense. práticas sociais, como quais os significados são
classe e etnia. gerados.

Fonte: Elaborado pelos autores com base em: MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez, 2000.

Ao rejeitar todo preconceito ou hierarquia, o multiculturalismo crítico


ou emancipatório baseia-se no respeito aos pontos de vista e às inter-
pretações do “outro”. Podemos dizer que o multiculturalismo crítico é
um movimento teórico, político e social que defende a valorização das
diferenças e questiona a desigualdade das relações sociais, tendo como
objetivo a transformação social.
Esse multiculturalismo luta contra as posturas conservadoras que
sustentam o mito da harmonia entre as diferenças. Essa construção ideo-
lógica nega que as relações culturais são marcadas por antagonismos
e conflitos, sustentando estereótipos e estigmas que recaem sobre as
chamadas “minorias”, naturalizando as diferenças e obscurecendo o
exercício do poder.
Multiculturalismo: tolerância ou respeito pelo outro?
Ao alterar nossa percepção de tempo e espaço, o atual processo de
globalização também alterou nossa relação com o “outro”, ampliando
nossas possibilidades de contato com diferentes modos de vida. Nesse
contexto, coloca-se a necessidade de uma postura democrática frente à
pluralidade cultural e do exercício da alteridade.

64
Sob a ótica do multiculturalismo crítico, o reconhecimento do “outro” GLOSSÁRIO
adquire um significado mais complexo e profundo. Não se trata simplesmente
Estratificação social: processo de
de tolerar, de “suportar” a existência do “outro”, mas de respeitá-lo, aceitando divisão da população ou de um grupo
seu valor. Essa postura compreende diálogo, reconhecimento e negociação social em segmentos, segundo um
das diferenças e não admite o uso de força, violência ou dominação. princípio hierárquico.

Identidade de povos e comunidades tradicionais


A identidade social é a maneira como uma pessoa se define. As identi-
dades são fabricadas por meio da marcação da diferença, que ocorre por
meio de sistemas simbólicos de representação e de formas de exclusão
social. A “identificação” é um importante fator de estratificação social.
De um lado, encontram-se aqueles que criam e reformulam sua iden-

RicARdo AZoURy/pULsAR iMAGens


tidade mais ou menos segundo sua própria vontade; de outro, aqueles
que tiveram negada a escolha de sua identidade e se veem oprimidos
por identidades a eles impostas. Esse é o caso dos povos e comunidades
tradicionais, que possuem suas próprias formas de organização social e
modos de vida, ocupando o território e aproveitando seus recursos na-
turais por meio de conhecimentos e práticas transmitidas pela tradição.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A terra lhes dá os meios de subsistência. Os seringueiros, por exemplo,


dependem diretamente da floresta amazônica. Chico Mendes, líder
seringueiro, lutou em defesa da floresta e de seus povos. Uma de suas
bandeiras era a criação de reservas extrativistas (figura 13).
Outro elemento importante para a caracterização de uma comunidade
tradicional é o autorreconhecimento dos indivíduos como membros de
uma cultura singular, com uma identidade diferenciada. Grupos indígenas,
quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, quebradeiras de coco (figura 14),
castanheiros e ciganos, entre outros, são exemplos de povos e comuni-
dades que desenvolveram modos de vida peculiares.
Os povos e comunidades tradicionais defendem que as políticas públicas Figura 13. As populações tradicionais
devem levar em conta as especificidades de cada grupo e regularizar a vêm ganhando visibilidade, sobretudo
política fundiária. Esse é um dos problemas enfrentados pelas populações pela crescente preocupação com o
meio ambiente. Seringueiro extrai látex
ribeirinhas, para as quais a regularização da moradia é fundamental para no Projeto de Assentamento Extrativista
garantir o uso sustentável da terra e as condições de vida das famílias. Chico Mendes, em Xapuri (AC, 2012).
pALê ZUppAni/pULsAR iMAGens

Figura 14. Os povos e comunidades


tradicionais constituem exemplo da
riqueza sociocultural brasileira, mas são
testemunho de invisibilidade perante a
sociedade e o Estado. Quebradeira de
coco de babaçu em reserva extrativista
de Carrasco Bonito (TO, 2010).

65
atividades

Revisão e compReensão
1. Formule uma crítica à ideia de que as condições climáticas determinam
a construção cultural de um povo.
2. Com base nos estudos contemporâneos das Ciências Sociais, é possível
afirmar que a riqueza cultural presente no mundo pode ser explicada
por argumentos biológicos ou genéticos? Justifique sua resposta.
3. Segundo as Ciências Sociais, existem duas possibilidades distintas de
analisar os elementos culturais produzidos por outras sociedades. Iden-
tifique e diferencie essas visões com base nos conceitos elaborados.
4. Qual das visões sobre a diversidade cultural discutida na questão anterior
o trecho abaixo representa? Justifique com argumentos concretos.
“Quantas línguas foram criadas nesse espaço de tempo! A cria-
tividade humana é realmente inesgotável e é a pluralidade cultural
que torna o mundo atraente, interessante, curioso e surpreendente.”
MARTINS, Maria Helena Pires. Somos todos diferentes!: convivendo

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com a diversidade no mundo. São Paulo: Moderna, 2001, p. 44-45.

5. Leia com atenção os trechos a seguir.


I – Os colonizadores europeus, ao chegarem à América e se de-
pararem com os povos indígenas, logo perceberam que esses eram
selvagens, já que viviam praticamente sem vestimentas, viviam ba-
sicamente da subsistência e proclamavam sua fé a diversos deuses.
II – Por mais que eu, criado na cultura ocidental, possa estranhar o
fato de certos povos acreditarem na ideia de que certos animais tão
comuns como a vaca e o porco são sagrados, devo procurar entender os
motivos que os levaram a construir tal tipo de pensamento e respeitá-los.
Com base na discussão promovida na unidade, relacione os trechos às
visões do relativismo cultural e do etnocentrismo, justificando sua escolha.
6. Exponha um argumento que justifique a necessidade de fortalecer a
lógica do multiculturalismo nas relações culturais contemporâneas.

inteRpRetação e pRática
7. Observe os quadrinhos a seguir. Eduardo mEdEiros

66
O cartunista ironiza o ponto de vista dos “civilizados” em relação aos
povos ameríndios. Leia as alternativas abaixo e assinale a(s) alternativa(s)
correta(s). Justifique todas as respostas.
a) As práticas adotadas pelos povos “civilizados” são exemplos de relati-
vismo cultural, já que consideram os aspectos da cultura ameríndia em
seu próprio contexto.
b) A tentativa de integrar os ameríndios à “civilização” indica um sinal
evidente de negação do direito à diferença cultural.
c) Os “civilizados” se dispõem a estabelecer uma relação de igualdade
com os ameríndios.
d) Do ponto de vista dos “civilizados”, os ameríndios carecem daquilo que
é “natural” segundo seus padrões culturais.

Explorando o cotidiano
8. É comum estranharmos hábitos, comportamentos e costumes de outros
povos. Às vezes, agimos de forma etnocêntrica sem perceber. No entanto,
o contato com outras culturas possibilita uma reflexão sobre a nossa
própria cultura.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Abaixo, seguem dois conjuntos de imagens representativas de diferen-


tes culturas. O primeiro se refere ao vestuário e o segundo, às danças.
1. Vestimentas
juan-carloS muñoz/BioSphoto/afp

m. BuSinESS imaGES/ShuttErStock

WoraWan Simaroj/alamy/GloW imaGES


Mulheres da etnia Masai (Quênia, 2014). Mulheres ocidentais Mulheres da etnia Padaung
(Estados Unidos, 2014). (Mianmar, 2012).
2. Danças
rEnato SoarES/pulSar imaGEnS

kzEnon/ShuttErStock

Emídio BaStoS/opção BraSil imaGEnS

Dança Yamuricumã em aldeia da Grupo de mulheres e homens ocidentais Caboclos de lança dançam maracatu
etnia Kamayurá, em Gaúcha do Norte dançam em uma disco club (Estados rural em Nazaré da Mata (PE, 2011).
(MT, 2011). Unidos, 2013).

Faça o seguinte:
a) Mostre as imagens a dois amigos, vizinhos ou familiares.
b) Peça que analisem cada um dos temas e expressem seu ponto de vista
sobre as diferenças culturais evidenciadas nas imagens.
c) Anote e compare os pontos de vista dos entrevistados.
d) Apresente seu trabalho para a turma e preste atenção na apresentação
dos colegas.

67
visÕes de MUNdO

Observar práticas, Beijos e abraços


costumes e “Os franceses se beijam, e não apenas quando estão se condecoran-
manifestações culturais do. Mas dois franceses só chegam ao ponto de se beijar no fim de um
de outras sociedades longo processo de desinformalização do seu relacionamento, que co-
meça quando um propõe ao outro que abandone o ‘vous’, e eles pas-
é uma experiência sem a se tratar por ‘tu’, geralmente depois de se conhecer por alguns
enriquecedora, mas anos. Não sei se existe um prazo certo para o ‘vous’ dar lugar ao ‘tu’,
mas é um passo importante, e até ele ser dado o cumprimento entre
pode se constituir em
os dois jamais passará de um seco aperto de mãos.
fonte de estranhamento e Os russos se beijam com qualquer pretexto e dizem que a progressão,
perplexidade. A perspectiva lá, não é do aperto de mão para o abraço e o beijo, mas de beijos proto-
colares para beijos cada vez mais longos e estalados. Na Itália, os homens
relativista nos permite andam de braços dados na rua, sem que isso indique que são noivos,
compreender e respeitar a e o beijo entre amigos também é comum. Os anglo-saxões são mais
comedidos e mesmo os americanos, que são ingleses sem barbatana,

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


diversidade cultural.
reagem quando você, esquecendo onde está, ameaça abraçá-los. Nin-
guém é mais informal que um americano, ninguém mais antifrancês
na velocidade com que chega à etapa equivalente ao ‘tu’ sem nenhum
ritual intermediário, mas a informalidade não se estende à demons-
tração física. Até aquele nosso hábito de bater no braço do outro quan-
do se aperta a mão, aquela amostra grátis de abraço, eles estranham.
Já nós somos da terra do abraço; mas também temos nossas hesi-
tações afetivas. O brasileiro é expansivo, mas tem, ao mesmo tempo,
um certo pudor dos seus sentimentos. O meio-termo encontrado é o
insulto carinhoso. Não sei se é uma característica exclusivamente bra-
sileira, mas é uma instituição nacional.
— Seu filho da mãe!
— Seu cafajeste!
São dois amigos que se encontram.

68
— Não, Só me faltava encontrar você. Estragou meu dia.
— Este lugar já foi mais bem frequentado…
atividades
Depois dos insultos, se abraçam com fúria. Os sonoros tapas nas OBtER InFORMaçÕEs
costas — outra instituição brasileira — chegam ao limite entre a cor-
dialidade e a costela partida. 1. Qual o tema do texto?
Eles se adoram, mas que ninguém se engane. É amor de ho- 2. De acordo com o autor, as formas
mem. Quanto maior a amizade, maior a agressão. E você pode ter de cumprimento entre amigos são
certeza que dois brasileiros são íntimos quando põem a mãe no iguais em todas as sociedades?
meio. A mãe é o último tabu brasileiro. Você só insulta a mãe do
seu melhor amigo. IntERPREtaR
— Sua mãe continua na zona?
3. Por que um estrangeiro não fa-
— Aprendendo com a sua.
miliarizado com nossos costumes
— Dá cá um abraço!
não compreende o modo como nos
E lá vêm os tapas. Um estrangeiro despreparado pode levar al-
cumprimentamos?
guns sustos antes de se acostumar com a nossa selvageria amorosa.
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— Crápula! 4. Qual o conceito que explica essa


— Vigarista! sensação de incompreensão com
— Farsante!
os costumes de outra cultura?
— My God! Eles vão se matar!
REFlEtIR
Não se matam. Se abraçam, às gargalhadas. Talvez ensaiem alguns
socos nos braços ou simulem direitos no queixo. Mas são amigos. 5. Reúna-se com seus colegas e re-
Depois de algum tempo o estrangeiro se acostuma com cenas como flitam sobre a importância do re-
esta. Até acha graça. lativismo cultural na compreensão
— Olha aqueles dois se batendo. Até parece briga. Um está baten- das práticas e costumes de outra
do na cara do outro. Devem ser muito amigos. Agora trocam pon- cultura.
tapés. É enternecedor. Agora um pega uma pedra do chão e… Acho
que é briga mesmo!
Às vezes é briga mesmo.”
VERISSIMO, Luis Fernando. O Estado de S. Paulo, 9 nov. 1992.

69
DIREITO é DIREITO

Conhecimentos tradicionais e proteção do patrimônio cultural


A forma como os povos e comunidades tradicio- No atual momento do capitalismo globalizado, a
nais se relacionam com o ambiente constitui um sociedade que busca hegemonia tenta impor suas
exemplo de patrimônio cultural, devido ao saber leis sobre a propriedade intelectual por meio de
prático que valoriza e preserva o meio em que acordos bilaterais e multilaterais, com objetivo
vivem. No entanto, essas características muitas de se apropriar e tornar mercadoria os conhe-
vezes são vistas pelas sociedades modernas como cimentos tradicionais, o patrimônio genético e a
símbolo de “atraso”. biodiversidade. Observamos nos países pobres a
Para os povos e comunidades tradicionais, a transformação cultural dessas comunidades e a
valorização da natureza está relacionada à sobre- perda da biodiversidade em função da apropriação
vivência material, à preservação dos costumes, da mercantil da sociobiodiversidade pelos países ricos.
língua e de toda herança cultural. Além disso, os O multiculturalismo denuncia essa situação,
símbolos e mitos são característicos do modo de afirmando que essa apropriação requer proteção
vida tradicional e de sua íntima relação com o meio legislativa e discussão em torno das suas consequên-

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


em que vivem. cias e impactos para as comunidades tradicionais.
Esses povos possuem um conhecimento rico, Os conhecimentos tradicionais são fruto de um
fruto da sua relação próxima com a natureza. Essa processo social de aprendizado, desenvolvimento,
diversidade faz parte do patrimônio histórico e criação e troca, passados de geração em geração.
cultural brasileiro, que tem na pluralidade étnica É aceitável que esse conhecimento seja transmi-
e cultural uma de suas principais características. tido, mas não que sejam apropriados sob a forma
Como consequência dessa diversidade, ocorre uma de patentes. Como foram gerados e transmitidos
relação conflituosa entre uma sociedade que busca a no decorrer de sua história, também devem ser
hegemonia e a apropriação do saber, de um lado, e a protegidos como patrimônio histórico e cultural.
proteção aos saberes locais e tradicionais, de outro. A Constituição Federal de 1988, nos artigos 215
e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao
edson GRAndisoLi/pULsAR iMAGens

reconhecer a existência de bens culturais de na-


tureza material e imaterial.
Os bens culturais imateriais são práticas e domí-
nios da vida social que se manifestam em saberes,
ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de
expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdi-
cas. Essas manifestações estão sob a proteção do
Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional), uma autarquia do Governo do Brasil,
vinculada ao Ministério da Cultura e responsável
pela preservação do acervo patrimonial, tangível e
intangível, do país.

Reflexão
As populações indígenas constituem um exemplo muito
expressivo de comunidade tradicional existente no Brasil. D
 iscuta a importância da preservação do patri-
São cerca de 220 sociedades indígenas culturalmente
distintas, que falam em torno de 180 línguas. Na foto, mônio material e imaterial das culturas indígena
indígenas do povo Desano, etnia do Alto Rio Negro, da família e quilombola.
linguística Tukano, em Manaus (AM, 2013).

70
iNDicaÇões

Para ver a cabana do Pai Tomás

RepRodução
avatar Harriet Beecher Stowe.

RepRodução
São Paulo: Ediouro, 2002.
Direção: James Cameron.
EUA, 2009. Ambientado nos sul dos
Estados Unidos do sécu-
A ficção científica, passa- lo XIX, numa época em
da no ano de 2154, retra- que a escravatura era uma
ta a colonização dos Na´vi realidade na América, o li-
pelos seres humanos. Um vro original se tornou um
dos terrestres envolvidos símbolo de libertação. A
na missão é enviado para versão infantojuvenil re-
viver entre os Na´vi antes do ataque, geran- lata de forma romanceada a resistência dos
do uma série de impasses e reflexões sobre a negros estadunidenses contra a brutalidade
riqueza dos padrões culturais daquele povo. dos senhores e o tráfico de escravos.

RepRodução
Vídeo Histórias do tio Jimbo
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Avatar
Nei Lopes. Belo
Horizonte: Mazza
Edições, 2007.
Tainá – uma aventura na
RepRodução

Nesta ficção infantojuve-


amazônia
nil, o personagem tio Jimbo
Direção: Tânia Lamarca; conta a seu sobrinho Dudu
Sérgio Bloch. Brasil, 2009. histórias sobre expoen-
O filme conta as aventu- tes da História africana e
ras de Tainá, uma indiazi- a trajetória do negro na Diáspora, passean-
nha órfã que vive com o avô do pelas culturas árabe, banto e ioruba e por
às margens do rio Negro. países como Caribe, Estados Unidos e Brasil,
Conhecedora das histórias entre outros.
e tradições de seu povo, ela se torna guardiã
da floresta até que, perseguida por trafican- Para navegar
tes de animais, chega a uma pequena vila,
onde conhece Joninho, que lá reside com sua Observatório da Diversidade cultural
mãe, uma bióloga. <http://observatoriodadiversidade.org.br/site>
O site reúne notícias, iniciativas, referências
Para ler
bibliográficas, indicações de links e diversas
etnias e culturas outras informações relacionadas à diversi-
RepRodução

Nereide Schilaro dade cultural.


Santa Rosa. São Paulo:
centro cultural Quilombinho
Moderna, 2004.
<www.quilombinho.com.br>
O livro aborda o conceito
de cultura e reforça a ideia Criado em 2003, como “Projeto Quilombinho”,
de que as culturas são di- o centro promove atividades com a finalidade
nâmicas e diversificadas, de valorizar o aprendizado da cultura afro-bra-
permitindo uma reflexão sobre as noções de sileira. Pelo site é possível conhecer os proje-
relativismo e pluralidade cultural. tos e eventos, além de acessar textos e fotos.

71
Ao refletir sobre o sincretismo religioso entre catolicismo e candomblé, é importante destacar
aspectos litúrgicos – como cânticos, rituais e imagens de santos e orixás – e princípios
éticos de cada uma das religiões. É importante desconstruir preconceitos ao mostrar como a
população expressa sua fé e seus valores. Evidenciar o papel do Estado como agente repressor
de práticas culturais populares é uma boa estratégia para
mostrar aos alunos que conflitos sociais de classe também
estão presentes na produção cultural nacional. Além disso,
deve ser reforçado o fato de que a formação sociocultural
brasileira se produziu pela mistura de diferentes elementos
étnicos e culturais que ajudam a conformar sua
originalidade e multiplicidade de identidades,
hábitos, costumes, valores, símbolos e práticas.

Começando
a unidade

Como uma religião pode expressar a cultura de um Wilma Ramos.


país? No Brasil, as religiões afro-brasileiras foram Candomblé –
criadas pela mistura de diferentes influências na nossa Saída de Ião.
formação cultural. Como a ideia de sincretismo nos Acrílico sobre tela.
permite pensar o Brasil como um mosaico cultural? 60 cm x 80 cm.

72
14
UNIDADE
UNIDADE

CUltUrAs
No BrAsIl

Paulo
o
iès, sã
A
cultura brasileira é uma criação

s ard
elaborada com base nas práti-

cque
ria Ja
cas culturais de diferentes povos. As

Gale
religiões afro-brasileiras são exemplos
dessa mistura étnica que resultou no
sincretismo religioso. Sincretismo é a
fusão de elementos de diferentes cul-
tos religiosos ou elementos culturais. O
candomblé, proibido por muito tempo no
Brasil, encontrou nos santos católicos a
possibilidade de sobreviver à repressão
da polícia. No entanto, esse encontro de fé
mostra como o sincretismo religioso cons-
truiu práticas culturais singulares a partir
do contato entre diferentes nações.
Mãe Menininha do Gantois, famosa ialorixá
(mãe de santo) de Salvador, na Bahia, nunca
deixou de assistir à missa. Comungava de ma-
nhã na Igreja Católica e celebrava os rituais do
candomblé à noite. Além de coordenar todas as
atividades do terreiro, Maria Escolástica – seu
nome de batismo – acompanhava as telenovelas,
escutava no rádio programas evangélicos e música
popular. Maria Bethânia, que ainda hoje frequen-
ta o Gantois, era uma de suas cantoras preferidas.
Entre seus admiradores estavam muitos artistas e
Objetivos da unidade políticos, alguns dos quais não seguiam nenhuma
Ao final desta unidade, você poderá: religião, mas compreendiam o valor dos rituais de cul-
• Compreender o processo de formação do povo to aos orixás como demonstração de espiritualidade,
e da cultura brasileira como resultado das beleza e princípios éticos para a vida em sociedade.
relações sociais estabelecidas historicamente O mosaico cultural brasileiro foi construído a partir
por diferentes grupos étnicos. do encontro de diferentes expressões culturais.
• Identificar algumas das principais expressões
culturais que formam a identidade nacional.

73
CAPÍTULO

7 Formações culturais
brasileiras

Um país plural
O Brasil é um país plural. Quando temos a oportunidade de conhecer
outras cidades, estados ou regiões, ou pelo menos ter acesso a seus
elementos culturais, identificamos uma série de particularidades: expres-
sões, ritmos musicais, comidas, modo de falar, roupas e comportamentos,
entre outras.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


A impressão de que existem vários países dentro de um só pode ser
explicada por fatores como a vinda de diferentes povos para um território
já habitado por diversos grupos indígenas e a miscigenação entre eles.
Ao se instalar no novo espaço, esses povos reproduziram e reinventaram
sua cultura (figura 1). Diferentemente da antiga América espanhola, que
Figura 1. O espaço geográfico brasileiro é se desdobrou em diferentes países, o processo de independência do Brasil
marcado por diversas culturas, formando um deu origem a um país de proporção continental.
verdadeiro mosaico cultural. Sandra Pereira
Peixoto de Aguiar. Favela alegre, 1960. Nesta unidade vamos apresentar um “guia de viagem”, buscando
Técnica mista. 72 cm x 113 cm. compreender a origem da formação cultural brasileira.
Galeria Jacques ardiès

74
Contextualização histórica
O Brasil é o maior país da América do Sul e o quinto do mundo em
extensão territorial. Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é de 190.732.694 mi-
lhões de habitantes, distribuídos pelas cinco regiões: Sul, Sudeste, Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Esses são dois dos fatores pelos quais o Brasil
é considerado um país de dimensões continentais.
A formação cultural brasileira é extremamente rica, diversificada e
heterogênea pelo fato de sua composição social ser marcada por diferentes
influências culturais (principalmente indígenas, africanas e portuguesas,
mas também de outros imigrantes europeus, além de povos árabes e asiá-
ticos). Devido a essa heterogeneidade, temos de tomar cuidado ao falar de
“cultura brasileira” como se ela fosse única e homogênea. Compreender
a multiplicidade na formação cultural do Brasil é uma tarefa que exige
compreensão crítica da nossa história (figuras 2 a 6).
Figuras 2 a 6. A variedade e as influências
LuLa Sampaio/opção BraSiL imagenS

marCoS anDré/opção BraSiL imagenS


A B
presentes na culinária brasileira revelam
a diversidade cultural do país. As fotos
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mostram pratos típicos de cada região:


A: pato no tucupi (Norte), B: moqueca
(Nordeste), C: galinhada (Centro-Oeste),
D: feijoada (Sudeste) e E: barreado (Sul).
CeSar Diniz/puLSar imagenS

Diogoppr/ShutterStoCk

JoSé DiaS/opção BraSiL imagenS


C D E

No início do século XVI, o Brasil era parte do império colonial portu-


guês, que se estendia também pela África e Ásia. Ao longo do processo
imigratório, mais de 2 milhões de portugueses vieram para o país, ins-
talando-se principalmente no território que hoje forma o Rio de Janeiro.
Tratava-se, na maioria, de camponeses empobrecidos que apostaram na
busca de um futuro melhor em terras brasileiras. Na expressão da época,
eles vinham “fazer o Brasil”.
No entanto, nem todos os que ajudaram a construir o Brasil vieram
de forma voluntária. O comércio de africanos se estendeu de meados do
século XVI a meados do século XIX, abastecendo o território brasileiro
de mão de obra escravizada. Esse fenômeno representou mais de tre-
zentos anos de convivência brasileira com a violenta prática da escra-
vização. Deve-se destacar a utilização do trabalho escravo nos engenhos
de cana-de-açúcar do Nordeste e do Rio de Janeiro e, mais tarde, nas
plantações de café do Vale do Paraíba.

75
Indígenas, portugueses e africanos
Cabe ressaltar que os africanos vindos para o Brasil não podem ser
incluídos na categoria de imigrantes por não terem tido a oportunidade
de escolher seu destino voluntariamente: eram capturados e trazidos à
força. Contudo, junto com os indígenas e portugueses, constituem uma
das três principais matrizes formadoras da população brasileira. Estima-
tivas indicam que cerca de 3,5 milhões de africanos foram comprados na
África e vendidos no Brasil durante os trezentos anos em que vigorou o
tráfico negreiro. Esses indivíduos pertenciam a diferentes grupos étnicos
oriundos de locais que atualmente fazem parte dos territórios de Angola,
Nigéria, Camarões, Serra Leoa, Libéria e Senegal, entre outros (figura 7).
Fundação BiBlioteca nacional, rio de Janeiro

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 7. As gravuras de Jean-Baptiste Após a proclamação da independência do Brasil, ao longo dos sécu-
Debret registram a diversidade cultural
dos povos africanos que foram trazidos
los XIX e XX, muitos imigrantes europeus desembarcaram no país, prin-
forçadamente para o Brasil. Acima, “Escravas cipalmente italianos (figura 8), alemães e espanhóis. O destino principal
negras de diferentes nações”, gravura do eram as plantações de café do interior paulista e a agricultura familiar
pontor francês que integra a obra Viagem
pitoresca e histórica pelo Brasil, 1834-1839. em terras cedidas pelos governos estaduais do Sul, em especial de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul.
No final do século XIX, chegaram os sírios e libaneses, que se des-
tacaram como hábeis comerciantes, instalando-se principalmente na
Região Norte, onde exploraram o comércio da borracha nos estados do
Pará, Amazonas e Acre.

76
arquivo histórico municiPal João
sPadari adami, caxias do sul
Figura 8. Imigrantes italianos em
lavoura de Caxias do Sul (RS, 1911).

Em 1908, o navio Kasato-Maru (figura 9), proveniente do Japão, inau-


gurou a imigração asiática. Os japoneses se concentraram em áreas de
atividade agrícola nos estados de São Paulo e do Paraná.
Outra corrente imigratória importante foi a de judeus, a partir de 1920,
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

provenientes da Europa Central (Hungria, Polônia, Romênia e Rússia).


Esse fluxo foi intensificado pela ascensão do nazismo, quando um gran-
de número de alemães judeus buscou refúgio no Brasil, instalando-se
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

coleção João emilio Gerodetti

Figura 9. O navio Kasato-Maru tornou-se


símbolo histórico da imigração japonesa
ao trazer para o Brasil a primeira leva
desses imigrantes. Santos (SP, 1908).

O reconhecimento da diversidade cultural


Vimos nas unidades anteriores que entre os vários significados da
palavra cultura existe aquele que se refere à identidade de uma socie-
dade, de um povo ou de uma nação. Aprendemos que, ao olhar o mundo
apenas através do recorte dado pela nossa cultura, agimos de forma
etnocêntrica, desvalorizando outras culturas. Vimos também que as
práticas etnocêntricas frequentemente levam ao preconceito, ao desres-
peito, à intolerância, e que o não reconhecimento da diversidade cultural
impossibilita a coexistência pacífica entre os povos.

77
Desconstruindo o eurocentrismo:
formação de um povo multicultural
Nas últimas décadas têm sido desconstruídas as teses que consideravam
a formação do Brasil monocultural, baseada nos valores do colonizador.
A visão eurocêntrica, formulada com base na utilização dos conhecimentos
produzidos pelos povos europeus como referência universal, foi dominan-
te até o início do século XX e desconsiderava as contribuições culturais
e científicas de povos africanos e indígenas (figura 10). A reprodução
desse pensamento promoveu o enfraquecimento da autoestima desses
grupos e de seus descendentes, contribuindo para reforçar uma ideia
equivocada de inferioridade cultural da África e da América.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 10. A ilustração representa
a descaracterização dos valores
indígenas pela incorporação de
traços civilizatórios baseados
no eurocentrismo. Por meio da
violência e da falsificação histórica,
essa corrente inferiorizava a
contribuição de negros e indígenas
na formação cultural brasileira.

A escravidão, a catequese e o eurocentrismo, no entanto, não foram


capazes de destruir os valores desses povos. No Brasil, apesar das con-
dições desumanas a que foram submetidos os trabalhadores africanos
escravizados e da tentativa de destruir suas tradições, a cultura africana
foi reelaborada com o objetivo de orientar os valores e costumes de seus
descendentes. O mesmo aconteceu com os indígenas, que resistiram à
tentativa de conversão de sua cultura aos princípios europeus, princi-
palmente religiosos.
Durante todo o século XX houve um movimento de revisão dessa cha-
mada “produção oficial” do conhecimento humano nos meios acadêmico
e literário, até então fortemente influenciados pelos padrões eurocêntri-
cos. Esses estudos foram importantes no sentido de combater uma visão
histórica tradicional, pautada na ideia de civilização segundo parâmetros
europeus, e formaram a base conceitual para o reconhecimento do valor
dos povos africanos e indígenas na produção do conhecimento.
A partir desses estudos, a cultura brasileira passou a ser vista como
multicultural (ou pluricultural), em oposição à antiga visão monocultu-
ral. Desde a década de 1980, o reconhecimento dessa pluralidade vem
sendo reivindicada por grupos que tiveram sua cultura marginalizada.
A luta pelo reconhecimento e pela valorização dessas matrizes culturais
aponta para a necessidade de uma discussão sobre a sua importância
na formação social do país com base em uma perspectiva multicultural.

78
O ESTRANHO FAMILIAR Feijoada: breve história de
uma instituição comestível
“Convencionou-se que a feijoada foi inventada na colônia, algumas africanas, mas também o fei-
nas senzalas. jão consumido em Portugal, conhecido como feijão-
Os escravos, nos escassos intervalos do traba- -fradinho (de cor creme, ainda hoje muito popular
lho na lavoura, cozinhavam o feijão, que seria um no Brasil, utilizado em saladas e como massa para
alimento destinado unicamente a eles, e juntavam outros pratos, a exemplo do também famoso acarajé).
os restos de carne da casa-grande, partes do porco Os cronistas do período compararam as varieda-
que não serviam ao paladar dos senhores. [...] des nativas com as trazidas da Europa e África, e
foram categóricos, acompanhando a opinião do
Mas não foi bem assim.
português Gabriel Soares de Souza, expressa em
A história da feijoada – se quisermos também 1587: o feijão do Brasil, o preto, era o mais saboroso.
apreciar seu sentido histórico – nos leva primeiro à Caiu no gosto dos portugueses.
história do feijão. O feijão-preto, aquele da feijoada
[...]
tradicional, é de origem sul-americana. Os cronistas
dos primeiros anos de colonização já mencionam O feijoeiro, em todas as suas variedades, tam-
a iguaria na dieta indígena, chamado por grupos bém facilitou a fixação das populações no território
guaranis ora comanda, ora comaná, ora cumaná, já luso-americano. Era uma cultura essencialmente
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

identificando algumas variações e subespécies. doméstica, a cargo da mulher e das filhas, enquanto
o homem se ocupava com as outras plantações e
O viajante francês Jean de Léry e o cronista por-
com o gado. A facilidade do manejo e seus custos
tuguês Pero de Magalhães Gândavo, ainda no sécu-
relativamente baixos fizeram com que a cultura
lo XVI, descreveram o feijão, assim como o seu uso
do feijão se alastrasse no século XVIII entre os
pelos nativos do Brasil. A segunda edição da famosa
colonos. [...]
Historia Naturalis Brasiliae, do holandês Willen Piso,
revista e aumentada em 1658, tem um capítulo Havia, na Época Moderna, entre os habitantes da
inteiro dedicado à nobre semente do feijoeiro. colônia (sobretudo os de origem indígena e africana),
tabus alimentares que não permitiam uma mistura
O nome pelo qual o chamamos, porém, é portu-
completa do feijão e das carnes com os outros le-
guês. Na época da chegada dos europeus à América,
gumes. Entre os africanos, aliás, muitos de origem
no início da Idade Moderna, outras variedades
muçulmana ou influenciados por esta cultura, havia
desse vegetal já eram conhecidas no Velho Mundo,
interdição do consumo da carne de porco. Como,
aparecendo a palavra feijão escrita pela primeira
afinal, poderiam fazer nossa conhecida feijoada?
vez, em Portugal, no século XIII (ou seja, cerca de
trezentos anos antes do Descobrimento do Brasil). [...] Há variações de um lugar para o outro, porém
é um tipo de refeição bastante popular, tradicional.
Apenas a partir de meados do século XVI, co-
[...] Essa tradição vem para o Brasil, sobretudo com
meçou-se a introduzir outras variedades de feijão
os portugueses, surgindo com o tempo – na medida
em que se acostumavam ao paladar, sobretudo os
GABRIEL DE SÁ/CB/D.A PRESS

nascidos por aqui – a ideia de prepará-lo com o


onipresente feijão-preto, inaceitável para os padrões
europeus. Nasce, assim, a feijoada. ”
ELIAS, Rodrigo. Feijoada: breve história de uma instituição
comestível. Revista Textos do Brasil, Itamaraty – Departamento
Cultural do Ministério das Relações Exteriores. Disponível em:
<http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/revista-textos-do-
brasil/portugues/revista13-mat6.pdf>. Acesso em: 9 maio 2014.

Atividade
A história da feijoada serve de base para a afirmação
de que existem “culturas brasileiras”, e não uma
“cultura brasileira”? Por quê?
A feijoada é um dos maiores símbolos da culinária brasileira.

79
CAPÍTULO

8 Expressões culturais
no Brasil

Origens coloniais das expressões culturais


Vimos no capítulo anterior a necessidade de refletir sobre a formação
da cultura brasileira, uma vez que ela não é homogênea, mas resultado de
múltiplas influências culturais. Daí a grande dificuldade em se falar
de “cultura brasileira” no singular e a necessidade de reconhecer suas di-
versas expressões culturais, respeitando as tradições e influências das

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


diferentes regiões do Brasil.
É importante retornarmos à contextualização histórica para enten-
dermos as origens, o desenvolvimento e a reprodução das diferentes
representações culturais presentes em nosso país, exemplificadas na
música, na culinária, na dança e nas práticas religiosas. Traços dos
povos indígenas (nativos), portugueses (colonizadores), africanos
(escravizados) e demais povos europeus e orientais (imigrantes) são
essenciais para compreender a multiplicidade das manifestações cul-
turais brasileiras.
Figura 11. Os jesuítas utilizaram o sistema
Durante o período colonial, a produção cultural brasileira se desen-
educacional como forma de transmitir os volveu por meio de uma relação de conflito: por um lado, a tentativa
valores cristãos aos indígenas, por meio do colonizador de reproduzir seus valores na colônia, por outro lado,
da catequese. Benedito Calixto. Anchieta
e Nóbrega na cabana de Pindobuçu, 1920. a resistência dos povos originários e escravizados para manter suas
Óleo sobre tela. 42 cm x 65,5 cm. tradições e valores.
No campo religioso, a influência europeia
acervo do museu Paulista da universidade de são Paulo

foi particularmente forte, impulsionada pelo


objetivo da Igreja Católica de ampliar o nú-
mero de fiéis pelo mundo, principalmente
depois da Reforma Protestante. No Brasil,
coube aos jesuítas o papel de promover
as Missões, projeto que buscava impor aos
indígenas o processo civilizatório (com base
nos valores europeus) e evangelizador (com
base nos valores católicos). Nesse contexto,
a catequese (tentativa de conversão do
indígena à fé católica) e a formação do pri-
meiro modelo de educação colonial foram
os principais movimentos dos jesuítas na
busca pela consolidação desse objetivo
(figura 11).

80
Diante dessa situação, indígenas e africanos promoveram movimentos

cesar diniz/Pulsar imaGens


de resistência à dominação portuguesa, estabelecida pela escravidão
e pela catequese. Os colonizadores exerciam seu controle sobre esses
povos em várias esferas da vida social (política, cultural etc.), ameaçando
a preservação de suas características culturais.
Se hoje podemos afirmar que a cultura brasileira é diversificada, isso
se deve à resistência desses povos para manter suas tradições culturais,
fazendo com que os traços indígenas e africanos fossem incorporados ao
cotidiano da sociedade brasileira, em conjunto com elementos da tradição
europeia (figura 12).
Outro contexto histórico importante para a compreensão das mani-
festações culturais no Brasil é a transição do século XIX para o XX. Até
o final do século XIX, as principais manifestações culturais produzidas
no Brasil eram diretamente influenciadas pelos padrões europeus, uma
vez que o pensamento social e intelectual brasileiro era moldado pelas
principais correntes científicas e artísticas da Europa.
Fatos como a vinda da Missão Artística Francesa, da qual faziam
parte os pintores franceses Jean-Baptiste Debret (figura 13) e Nicolas-
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 12. As diversas comunidades


-Antoine Taunay, e a própria chegada da corte portuguesa ao Brasil, quilombolas espalhadas pelo país
ambos no início do século XIX, reforçaram o caráter europeu e erudito representam a manutenção das tradições
da cultura africana. Giro para a festa de
das manifestações artísticas dominantes durante todo esse século. São Sebastião, ritual de visita às casas dos
Acreditava-se que a intensa miscigenação que ocorria no país formaria moradores para entoar cânticos de louvor
um povo “inferior”. e recolher doações no Quilombo da Barra.
Rio de Contas (BA, 2014).
A partir do século XX, houve no Brasil uma ruptura com a tradição
determinista europeia. As explicações de caráter naturalista, que de-
fendiam a tese de que as pessoas nasciam com formas de pensar e agir
determinadas por seu pertencimento a uma “raça”, foram substituídas
por novas correntes científicas, que passaram a levar em consideração
aspectos históricos e sociais para explicar as ações e os pensamentos
dos indivíduos.
museus castro maya, rio de Janeiro

Figura 13. Debret foi um dos artistas


que registraram o olhar europeu sobre a
realidade colonial brasileira. Jean-Baptiste
Debret. Visita a uma chácara nos arredores
do Rio, 1828. Aquarela sobre papel.
15,1 cm x 21,1 cm.

81
Exemplos de expressões
tArSilA Do AmArAl empreenDimentoS – coleção muSeo De Arte lAtinoAmericAnA De buenoS AireS – FunDAción conStAntini

culturais brasileiras
Artes plásticas
Modernismo
No Brasil, a ruptura com a tradição determinista
europeia foi marcada pelo Modernismo, representa-
do por artistas como Oswald de Andrade, Tarsila do
Amaral (figura 14), Anita Malfatti, Mário de Andrade e
Candido Portinari, que, inspirados pelos movimentos
de vanguarda europeus, passaram a representar em
suas obras aspectos da realidade brasileira, como a
mestiçagem, o crescimento urbano, o sertão.
Esse quadro de mudanças fez com que a mestiça-
gem que deu origem à formação do povo brasileiro
deixasse de ser considerada negativa. A partir des-
se momento, as manifestações culturais oriundas

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


ou influenciadas pelas raízes africanas e indígenas
passaram a ser vistas com outros olhos por todos os
setores da sociedade. A cultura brasileira passou a ser
valorizada também por outros países, com destaque
Figura 14. O Modernismo brasileiro buscava construir um olhar para as manifestações populares.
particular das múltiplas influências culturais sobre a realidade
cotidiana da época. Tarsila do Amaral. Abaporu, 1928. Barroco mineiro
Óleo sobre tela. 95 cm x 73 cm.
O Barroco mineiro, que se desenvolveu entre os
séculos XVII e XVIII sob forte influência da religião,
Directphoto.bz/AlAmy/GloW imAGeS

da consolidação da sociedade mineradora e do enri-


quecimento das áreas urbanas, tornou-se uma das
mais importantes expressões artísticas do período
colonial. Embora tenha se iniciado com as construções
religiosas do Recife e de Salvador, o auge do Barroco
no Brasil ocorreu em Minas Gerais. A cidade de Ouro
Preto detém o maior conjunto arquitetônico barroco
do mundo e foi tombada como patrimônio nacional em
1933 e patrimônio mundial em 1980.
A arte barroca mineira foi impulsionada pelo grande
enriquecimento da sociedade mineradora, daí a grande
presença do ouro que caracteriza suas obras. Mesmo
tendo sido influenciada, inicialmente, pelo barroco
italiano, ela acabou desenvolvendo características
próprias, apresentando traços rebuscados e mui-
to próximos da realidade, na tentativa de representar
a religiosidade com riqueza de detalhes. O principal
representante da arte barroca mineira foi Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho (figura 15), que recebeu
Figura 15. Aleijadinho é um exemplo da contribuição dos negros esse apelido devido a uma doença degenerativa das
na arte barroca mineira. Na foto, fachada de uma das principais
obras do artista, a igreja de São Francisco de Assis, na cidade de articulações que o obrigava a amarrar as ferramentas
Ouro Preto (MG, 2010). em seus braços para poder esculpir.

82
Música e dança
Samba
Embora haja diferentes teses que discutem se o samba nasceu na
Bahia ou no Rio de Janeiro, não há como negar que o gênero tem suas Vídeo
origens nas danças e músicas africanas. Hip-hop
Hoje o samba, nas suas mais variadas vertentes, é considerado uma das
maiores expressões culturais da identidade brasileira (figuras 16 e 17).
Inicialmente restrito às camadas populares, discriminado e
até perseguido pela polícia e por outros setores da sociedade, o samba
passou a ter reconhecimento nacional com
a formação das primeiras agremiações de

Sergio Pedreira/PulSar imagenS


escolas de samba na cidade do Rio de Janeiro,
nos bairros do Estácio e Oswaldo Cruz, e a
execução das músicas de artistas do gênero
no principal veículo de comunicação das
primeiras décadas do século XX: o rádio.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figuras 16 e 17. As primeiras escolas de samba


ajudaram a popularizar o gênero musical, e a roda
de samba é hoje uma das formas de manter vivas
suas tradições. Ao lado, roda de samba no Terreiro
de Jesus, centro histórico de Salvador (BA, 2014).
Abaixo, desfile do Grêmio Recreativo Escola de
Samba Portela no carnaval, Rio de Janeiro (RJ, 2014).
ricardo moraeS/reuterS/latinStock

83
Frevo
Marca expressiva da cultura produzida na Região Nordeste do país,
o frevo se originou no final do século XIX, em Pernambuco (figura 18).
Mistura de outras expressões culturais, como o maxixe e a capoeira, com
um ritmo mais acelerado que o samba, tornou-se o gênero musical mais
popular nos carnavais pernambucanos. O termo vem de fervo, derivado
do verbo ferver, expressão utilizada para caracterizar o carnaval.
Em reconhecimento à sua representatividade cultural, em 2012 o
frevo foi considerado patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco
e definido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) como forma de expressão musical, coreográfica e poética.
hans von manteuFFel/oPção Brasil imaGens

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 18. As roupas coloridas, o pequeno Forró
guarda-chuva e os bonecos gigantes são
marcas dos cortejos de frevo. Carnaval nas Existem duas explicações tradicionais para a origem do termo forró.
ruas do Recife (PE, 2012). A primeira se refere ao diminutivo da expressão “forrobodó”, que, se-
gundo o historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo, significa
farra, desordem ou arrasta-pé. A outra conta que, no início do século XX,
trabalhadores ingleses foram para Pernambuco e, nas folgas do trabalho,
iam para festividades das quais todos participavam, daí o uso do termo
“for all” (para todos).
Fato é que o forró se tornou um símbolo tradicional da cultura produzida
no Nordeste brasileiro, amplamente reproduzido em importantes festi-
vidades do país, como as festas juninas. Sua formação clássica é um trio
de músicos, com a sanfona, a zabumba e o triângulo como instrumentos,
que ficou conhecida como “forró pé de serra” (figura 19).

84
irmo celao/acervo aBril comunicações s/a
Figura 19. Luiz Gonzaga, o Gonzagão,
representante da tradição do forró,
fotografado durante apresentação no
Festival de Águas Claras (SP, 1984).

Capoeira
É difícil definir a capoeira em uma única modalidade, pois é uma ex-
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pressão cultural que compreende dança, luta, esporte e musicalidade.


Essa prática teve origem no período colonial, quando africanos escravi-
zados começaram a utilizar um tipo de luta tradicional em Angola para
se defender da violência a que eram submetidos.
Com a formação dos quilombos, a capoeira passou a ser praticada como
forma de incentivo ao resgate dos traços culturais africanos, além de se
manter como meio de defesa pessoal. Após a abolição, desprezada pelas
elites e pelo Estado, caiu na marginalidade e foi fortemente reprimida
pela polícia nas cidades.
Atualmente, a capoeira é reconhecida internacionalmente como uma
das mais tradicionais expressões culturais brasileiras, considerada pa-
trimônio cultural imaterial do Brasil (figura 20).
zixia/alamy/GloW imaGes

Figura 20. Hoje é comum encontrar


grupos de capoeira se apresentando nas
mais diversas partes do mundo, o que
demonstra o reconhecimento internacional
dessa manifestação cultural brasileira.
Capoeiristas em parque da ilha de Mallorca
(Espanha, 2011).

85
ATIvIDADEs

REvISãO E COMpREEnSãO
1. De que maneira os estudos das Ciências Sociais comprovam a existência
de diversos “brasis”?
2. Por que não é possível afirmar a existência de uma unidade em relação
aos africanos escravizados trazidos para o Brasil?
3. Interprete a seguinte afirmativa: Mesmo tendo ocorrido a colonização
portuguesa e a busca pela imposição dos valores europeus, conseguimos
perceber hoje em dia a forte presença de traços culturais africanos e
indígenas no cotidiano dos brasileiros.
4. Identifique uma expressão cultural brasileira que teve origem no período
colonial e outra originada após a independência do Brasil.
5. De que modo a transição do século XIX para o XX contribuiu para a
mudança na produção cultural brasileira?

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


6. Sabemos que a cultura brasileira é caracterizada pela multiplicidade
de símbolos, representações, práticas, costumes e hábitos que deri­
vam de outras culturas. Com base nessa afirmação, analise de que forma
se inicia o processo de composição cultural brasileira.
7. A riqueza musical é um dos grandes destaques entre as principais
expressões culturais e populares do Brasil. Descreva resumidamente
três estilos musicais analisados ao longo da unidade, identificando suas
características mais importantes.

IntERpREtAçãO E pRátICA
8. Sob o mesmo céu
“Brasil,
Com quantos Brasis se faz um Brasil?
Com quantos Brasis se faz um país chamado Brasil?
Sob o mesmo céu
Cada cidade é uma aldeia, uma pessoa,
Um sonho, uma nação.
Sob o mesmo céu,
Meu coração não tem fronteiras,
Nem relógio, nem bandeira,
Só o ritmo de uma canção maior.
A gente vem do tambor do Índio,
A gente vem de Portugal,
Vem do batuque negro
A gente vem do interior e da capital,
A gente vem do fundo da floresta,
Da selva urbana dos arranha-céus,
A gente vem do pampa, do cerrado,

86
Vem da megalópole, vem do Pantanal,
A gente vem de trem, vem de galope,
De navio, de avião, motocicleta,
A gente vem a nado
A gente vem do samba, do forró,
A gente vem do futuro conhecer nosso passado.”
Lenine. Sob o mesmo céu. Do CD Lenine.doc – Trilhas.
Rio de Janeiro: Universal, 2010.

Responda às questões com base na letra da canção e no conteúdo es­


tudado na unidade.
a) O trecho “A gente vem do tambor do Índio, A gente vem de Portugal,
Vem do batuque negro” pode ser entendido com base nas relações es-
tabelecidas pelos povos mencionados no contexto colonial. Identifique
e caracterize o principal mecanismo utilizado pelo colonizador na
tentativa de impor seus valores culturais aos povos indígenas.
b) Cite práticas culturais brasileiras oriundas do “batuque negro” ou que
sofreram sua influência.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

9. Observe a imagem reproduzida abaixo. De que forma ela nos permite


compreender uma parte importante do processo de formação cultural
brasileira?

ExplORAnDO O COtIDIAnO
10. O Brasil apresenta uma formação cultural bem diversificada. Se ana­
lisarmos cada estado ou região, podemos verificar que o Brasil é um
país plural, bastante heterogêneo, seja na culinária, nos costumes, no
comportamento, nas gírias e sotaques. Vamos conhecer um pouco mais
sobre o Brasil? Dividam­se em cinco grupos. Cada grupo deve pesquisar
imagens, curiosidades e informações sobre uma das regiões do Brasil
(Sul, Sudeste, Norte, Nordeste, Centro­Oeste). Terminada a pesquisa,
o grupo deverá confeccionar um mapa indicando as manifestações
culturais presentes em cada estado da região. A atividade poderá ser
apresentada para a turma e depois exposta para a comunidade escolar.
Bom trabalho!

87
vIsÕEs DE MUNDO

Embora hoje seja Pra que discutir com Madame


considerado expressão
“‘Madame diz que a raça não melhora
da cultura brasileira, Que a vida piora
no passado o samba Por causa do samba
enfrentou resistência Madame diz que o samba tem pecado
em diversos setores da Que o samba é coitado
sociedade. Em 1956, os Devia acabar

compositores Haroldo Madame diz que o samba tem cachaça


Mistura de raça, mistura de cor
Barbosa e Janet de Almeida
Madame diz que o samba é democrata
deram uma resposta às
É música barata
críticas sofridas pelo gênero
Sem nenhum valor
musical na época num Vamos acabar com o samba
samba intitulado Pra que Madame não gosta que ninguém sambe
discutir com Madame. Vive dizendo que o samba é vexame
Pra que discutir com Madame
No carnaval que vem também com o povo
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno
Meu Deus, que horror
O samba brasileiro, democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.’

88
Este samba, da autoria de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida,
de 1956, incorporado ao repertório de João Gilberto com sotaque de
bossanova, não é só mais uma canção valorizando o samba e
dando de ombros para aqueles que costumam desdenhar do
gênero. A referida Madame que afirma ser o ‘samba música ba-
rata, sem nenhum valor’ realmente existiu. Magdala da Gama de
Oliveira tornou-se conhecida como crítica de rádio escrevendo
numa coluna do jornal Diário de Notícias (durante três décadas
foi um dos mais importantes jornais do país. Lidera a circulação
no Rio de Janeiro e ganha a fama de um veículo de opinião livre
e independente, atingindo um alto padrão de credibilidade) e
assinando com o pseudônimo de Mag. Mag conseguiu entrar
para a história da MPB pelos ataques desferidos contra o samba.
De acordo com os opositores de Madame, a intenção da autora
era diminuir o samba, desclassificá-lo como música brasileira. [...]
O samba, pela sua origem negra e popular, sempre foi hos-
tilizado por aqueles setores mais conservadores, que se viam
identificados com a cultura europeia. Para estes segmentos,
aceitar o samba como música nacional significava internamente
‘misturar-se ao povo’ que tanto rejeitavam e externamente admitir
um Brasil atrasado, primitivo, inferior às nações desenvolvidas.
Por isso pessoas como Magdala tentavam a todo custo rechaçar
o samba como identidade nacional. Esta é, portanto, uma longa
história que não termina nos anos 30, ou nos 40 e tão pouco nos 50.
Apesar de nos anos 60 a bossa nova aproximar os mais elitistas
da canção popular, a letra da composição de Haroldo Barbosa
não perde a sua contemporaneidade, pois as fronteiras sociais,
apesar de todo o hibridismo reinante na cultura de massa, con-
tinuariam se perpetuando simbolicamente através da música.”
GARCIA, Tânia da Costa. Madame existe. Revista da Faculdade de Comunicação
da FAAP, n. 9, 2001. Disponível em: <www.faap.br/revista_faap/revista_facom/
artigos_madame1.htm>. Acesso em 13 maio 2014.

Atividades
OBtER InFORMAçÕES
1. Quem é a madame mencionada no samba?
2. Por que os autores da canção resolveram polemizar com ela?

IntERpREtAR
3. De acordo com a autora do texto, por que o samba era hostilizado?
4. Por que, segundo a autora, o samba ainda é atual?

REFlEtIR
5. Em nossos dias, existe alguma expressão cultural que sofra hostilidade
por conta de sua origem? Pesquise e debata com os colegas.

89
DIREITO é DIREITO

A diversidade nos currículos escolares


O Brasil é uma sociedade plural e as contribui- “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fun-
ções culturais e étnico-raciais envolvidas nesse damental e de ensino médio, públicos e privados,
processo de formação da população brasileira torna-se obrigatório o estudo da história e cultura
são igualmente importantes. No entanto, durante afro-brasileira e indígena.
séculos, essa diversidade não esteve presente 1o O conteúdo programático a que se refere este
nos materiais didáticos, nas práticas pedagógicas artigo incluirá diversos aspectos da história e da
nem na formação de professores. O ensino da cultura que caracterizam a formação da população
história do Brasil se constituiu com base em uma brasileira, a partir desses dois grupos étnicos,
visão eurocêntrica, que exalta as conquistas dos tais como o estudo da história da África e dos
povos europeus e reserva o plano da submissão, africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas
da derrota e do sofrimento aos grupos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira
e afro-brasileiros. Nossa educação chegou ao sé- e o negro e o índio na formação da sociedade
culo XXI marcada pela omissão e o silenciamento nacional, resgatando as suas contribuições nas

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


das vozes desses diferentes grupos. áreas social, econômica e política, pertinentes à
O reconhecimento de que a convivência demo- história do Brasil.
crática com a diversidade exige uma nova postura
educativa ocorreu apenas recentemente. Em 2003, §2o Os conteúdos referentes à história e cultura
com a promulgação da Lei 10.639, o ensino da afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros
história e da cultura afro-brasileira tornou-se serão ministrados no âmbito de todo o currículo
obrigatório nas escolas de ensino fundamental escolar, em especial nas áreas de educação artística
e médio de todo o país. Em 2008, foi aprovada a e de literatura e história brasileiras”.
Lei 11.645, incluindo também a temática indíge- Essas mudanças pretendem contribuir para
na nos currículos de todas as escolas brasileiras. ressignificar a imagem dos afro-brasileiros e
Essas duas leis têm um significado enorme para indígenas, promovendo a superação da intole-
o país, pois alteraram a Lei de Diretrizes e Bases rância e da discriminação, além de buscar formar
da Educação Nacional (LDB), responsável por toda indivíduos capazes de reconhecer a diversidade
a educação nacional. A partir delas, a LDB passou a cultural enquanto riqueza a ser valorizada e
incluir o seguinte artigo e parágrafos: respeitada.
leo drumond/nitro

Reflexão
1. Durante sua trajetória escolar, o que você
aprendeu sobre os aspectos da história e da
cultura afro­brasileira citados no primeiro
parágrafo do Artigo 26­A?
2. Pesquise nos seus livros didáticos de His­
tória e Geografia como são abordadas a
cultura e a história desses grupos: os li­
vros ajudam a valorizar e reconhecer os
povos de origem africana e indígena? Que
Hoje o ensino da história e da cultura afro-brasileira e
indígena é obrigatório nas escolas brasileiras. Alunos da
imagens são associadas a esses grupos e
Escola Estadual Capitão Egídio Lima observam mapa da África ao continente africano?
em mural afixado no corredor da escola. Timóteo (MG, 2013).

90
INDICAÇõEs

para ver Racismo, preconceito e

reProdução
intolerância
Devoção

reProdução
Edson Borges, Carlos
Direção: Alberto Medeiros e Jaques
Sergio Sanz. d’Adesky. São Paulo:
Brasil, 2008. Atual, 2002.
O documentário Embora o Brasil seja uma
apresenta um de- sociedade plural, a intole-
bate sobre os encontros culturais estabele- rância, o racismo e o preconceito ainda são
cidos ao longo do processo de colonização problemas que desafiam a diversidade e colo-
brasileira que deram origem à criação de cam em questão nossa capacidade de tratá-los
expressões religiosas próprias no Brasil, racionalmente. O livro analisa a xenofobia, o
como é o caso das religiões afro-brasileiras etnocentrismo e a ação afirmativa, entre outros.
e cristãs.

reProdução
O que é cultura popular
Você já foi à Bahia?
reProdução
Antonio Augusto Arantes.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Direção: Clyde Geronimi, São Paulo: Brasiliense, 1981.


Jack Kinney, Bill Roberts
Ao discutir a presença da
e Norman Ferguson.
cultura popular no nosso
EUA, 1945.
dia a dia e as diferenças en-
Nessa animação dos Es- tre os diversos padrões e
túdios Disney, três perso- formatos culturais, o livro
nagens de nacionalidades permite a valorização da cultura popular e a
diferentes (o estaduniden- percepção de sua influência em nossa vida.
se Pato Donald, o mexicano Panchito e o brasi-
leiro Zé Carioca) vivem divertidas aventuras,
entre elas uma passagem pela Bahia. O mu- para navegar
sical permite identificar uma percepção este- Portal Brasil Cultura
reotipada do Brasil e de sua cultura, abrindo
<www.brasilcultura.com.br>
espaço para a reflexão sobre o modo como o
país é visto pelos estrangeiros em geral. Dedicado às artes e à cultura, o portal é um
banco de dados completo, organizado em
para ler áreas temáticas. Em suas diversas seções, é
possível encontrar informações artísticas,
reProdução

O que é o Brasil? arqueológicas, históricas, sociológicas, edu-


Roberto DaMatta. cacionais, turísticas e culturais, entre outras,
Rio de Janeiro: além de entrevistas, notícias e muito mais.
Rocco, 2010.
O antropólogo Roberto
A Cor da Cultura
Damatta defende que ser <www.acordacultura.org.br>
brasileiro significa ter con- A Cor da Cultura é um projeto educativo de
tato com a diversidade. valorização da cultura afro-brasileira, fruto de
Como é que tudo se mis- uma parceria entre diversas instituições pri-
tura e acaba dando origem vadas e órgãos públicos. O projeto tem como
à brasilidade, numa cultura essencialmente objetivo promover ações culturais e coletivas
plural? Essa é a pergunta que se faz o au- que valorizem a história desse segmento sob
tor do livro. um ponto de vista afirmativo.

91
5
unidade

ESTRATIFICAÇÃO
EDESIGUALDADE
SOCIAL A questão inicial pretende
estimular a reflexão sobre como as
desigualdades sociais influenciam
não apenas condições materiais de
vida das pessoas, mas também as
oportunidades às quais elas têm
acesso. Enquanto Jamie estuda e
pratica esportes, Roathy passa o dia
trabalhando e, certamente, para ter
algum sucesso no futuro, enfrentará
muito mais obstáculos, a começar
pela desvantagem no acesso à escola.

J amie: “Mora com seus pais,


irmão gêmeo e sua irmã em
um apartamento em Nova York.
Dessa forma, introduz-se uma questão
fundamental para a compreensão
da produção e da perpetuação das
desigualdades sociais: as diferenças de
oportunidades segundo a origem social.

Jamie frequenta uma escola de


prestígio e é um bom aluno. Em
seu tempo livre, ele faz aulas de
natação e judô. Quando crescer, quer
se tornar advogado, como seu pai”.
Roathy: “Vive nos arredores de
Phnom Penh, Camboja. Sua casa fica
em um depósito de lixo enorme e seu
colchão é feito de pneus velhos. Cinco mil
crianças vivem e trabalham ali. Desde os
seis anos, todas as manhãs, Roathy e ou-
tras crianças tomam um banho comunitário
em um centro de caridade local.
Antes de começar a trabalhar, recolhe la-
tas e garrafas de plástico, que são vendidas
para uma empresa de reciclagem. Um peque-
no lanche às vezes é a única refeição do dia”.
MOLLISON, J. Where children sleep. Chris Boot, 2010. Disponível em:
<http://issuu.com/chrisboot/docs/where_children_sleep_by_
james_mollison>. Acesso em: 9 maio 2014.

Começando
a unidade

Com base nas imagens e no texto, é possível


dizer que Roathy e Jamie têm as mesmas possi-
bilidades de sucesso no futuro? Por quê?

Jamie, 9 anos, Nova York (Estados Unidos, 2010).

92
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Reconhecer as características fundamentais
da estrutura social e as diversas formas de

FotoS: JameS moLLiSon From tHe SerieS WHere cHiLDren SLeeP


desigualdade.
Roathy, 8 anos, Phnom Penh (Camboja, 2010).
• Compreender os diferentes mecanismos de
hierarquização social e produção de desigual-
dades segundo os contextos sócio-históricos.

93
CAPÍTULO

9 Estrutura social e a
produção das desigualdades

Estrutura social
As desigualdades sociais podem ser de ordem econômica, étnico-racial
e de gênero, entre outras. Elas se evidenciam na presença de grupos so-
ciais e indivíduos que não têm acesso a direitos ou recursos. Em geral, as
desigualdade estão associadas umas às outras. Os diferentes fatores que
Figura 1. As desigualdades geram desigualdade (gênero, etnia, classe social, geração) se reforçam
de classe social e mutuamente. Por exemplo, uma pessoa pobre (desigualdade econômica

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


étnico-raciais se reforçam
mutuamente e tornam ou de classe social) pode sofrer com a desigualdade provocada pela dis-
mais difícil superá-las. criminação étnico-racial (figura 1).

As Ciências Sociais estudam as desigualdades sociais com base em


três elementos centrais: a estrutura, a estratificação e a mobilidade
social. Neste capítulo, vamos analisar a estrutura social, que é deter-
minada pelo modo como se organizam os aspectos econômicos, sociais,
políticos, culturais e históricos de uma sociedade.
GLOSSÁRIO
No Brasil, historicamente, há dois elementos essenciais na estrutura
Ideologia: conjunto de ideias e valores social: a escravidão e o patriarcado. O patriarcalismo, que persiste nos
que formam uma visão de mundo
e orientam o comportamento dos
dias atuais, é uma ideologia que considera o homem a maior autoridade
indivíduos e grupos sociais. Muitas na família e no Estado (figura 2). Ambos os elementos influenciam a so-
vezes, a ideologia funciona como ciedade brasileira até hoje, reforçando desigualdades e estabelecendo
justificativa e legitimação para relações
de dominação.
barreiras para a ascensão social de mulheres e negros, além de outros
grupos sociais.

94
museus castro maYa/div. iconograFia, rio de Janeiro
Figura 2. A gravura de Jean-Baptiste Debret,
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Um funcionário a passeio com sua família


(1837), ilustra a importância do homem na
sociedade patriarcal do século XIX.

tipos de desigualdade
Existem diversas formas de desigualdade, que podem ser agrupadas
em cinco grandes grupos: étnico-racial, de classe, gênero, orientação
sexual e idade.
Mulheres e negros, que compõem aproximadamente 75% da Popula- GLOSSÁRIO
ção Economicamente Ativa (PEA), são os grupos sociais que mais sofrem
População Economicamente Ativa
discriminação, ou seja, são os mais atingidos pela negação da igualdade (PEA): mão de obra disponível no
de oportunidades e tratamento. mercado de trabalho.
O machismo, que ainda está presente na sociedade brasileira, coloca
a mulher em situação de desvantagem em diversos espaços da vida so-
cial. Esse pensamento estabelece a desigualdade de gênero, que pode
ser reforçada pela desigualdade étnico-racial, no caso da mulher negra.
De acordo com o Relatório da desigualdade de gênero, estudo rea-
lizado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa o 62o lugar entre
136 países no ranking global e a 7a posição entre os 12 países da Amé-
rica do Sul. Em quatro critérios analisados — poder político, participação
econômica, acesso à educação e à saúde —, a nota média do Brasil obteve
um pequeno aumento entre 2012 e 2013, passando de 0,691 para 0,695.
No índice de igualdade salarial entre homens e mulheres, o Brasil ocupa
a 117a colocação entre 136 países, ou seja, aparece como um dos mais
desiguais do mundo.
Tanto a Constituição de 1988 quanto a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), de 1943, determinam que não devem existir diferenças salariais
entre os sexos. Entretanto, pesquisas demonstram que, na última década,
embora as mulheres tenham aumentado sua participação no mercado
de trabalho e melhorado seu grau de instrução em relação aos homens,
continuam recebendo menos do que eles (tabela 1, página seguinte).

95
Tabela 1. regiões meTropoliTanas: anos de esTudo e rendimenTo
de homens e mulheres por grupos ocupacionais* – 2011-2013

Rendimento médio Diferença


Anos médios de estudo
(R$/hora) de
rendimento
Regiões e grupos
entre
ocupacionais
homens e
Homens Mulheres Homens Mulheres
mulheres
(%)

Belo Horizonte

Representantes
comerciais e 11,5 11,9 15,27 9,83 35,6
corretores

Guardas, almoxarifes,
cobradores nos 10,4 11,1 9,45 6,19 34,5
transportes

Fortaleza

Gerentes comerciais
8,0 8,2 7,34 4,20 42,8
(comércio)

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Profissionais do
ensino médio,
instrutores livres e 11,4 11,8 11,26 7,31 35,1
outras profissões
(educação)

Porto Alegre

Caldeireiros e outros
profissionais afins na
8,8 9,1 7,99 5,22 34,7
indústria
metal-mecânica

Gerentes de
operações comerciais
15,0 15,0 9,44 7,12 24,6
e de assistência
técnica

Recife

Pesquisadores e
outros profissionais 11,6 12,0 9,78 7,28 25,6
de nível técnico

Vendedores 8,5 9,1 4,82 3,58 25,7

Salvador

Assistentes
administrativos,
auxiliares de 11,7 11,8 10,54 6,94 34,2
contabilidade e
secretárias

Enfermeiros não
*Grupos ocupacionais homogêneos diplomados e outros
11,4 11,7 10,61 8,35 21,3
em que as remunerações femininas profissionais de
ficaram abaixo das masculinas. serviços e comércio

Fonte: DIEESE. Mulheres e homens em São Paulo


grupos ocupacionais homogêneos: elas
Pracistas, corretores
tendem a ganhar menos! Disponível em: 12,0 12,2 17,28 11,53 33,3
<www.dieese.org.br/analiseped/2014/ e promotores
boletimRendimentoMulher.pdf>. Vendedores 9,7 10,0 8,71 5,96 31,6
Acesso em: 9 maio 2014.

96
Desigualdade real de oportunidades
e condições
A desigualdade socioeconômica está diretamente relacionada à desigual-
dade de oportunidades e de condições. O sucesso do indivíduo não depende
apenas de seus esforços ou decisões pessoais, mas de circunstâncias sociais
como grau de escolaridade, ocupação dos pais, qualidade das escolas que
frequentou etc. Além desses aspectos, devem ser considerados fatores
como cor da pele, gênero e orientação sexual.
A juventude pobre no Brasil, por exemplo, sofre uma série de discri-
minações e desigualdades. A Constituição estabelece que os cidadãos
são “[...] todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza
[...]”. No entanto, esses jovens enfrentam uma enorme desigualdade de
condições para a manutenção dos seus estudos, já que precisam traba-
lhar para complementar a renda familiar. Esse é apenas um dos vários
obstáculos enfrentados. A lei garante igualdade de oportunidades para
todos, mas as condições reais revelam a desigualdade.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), há cerca
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de 108 milhões de jovens (15 a 24 anos) na América Latina. Desse total,


aproximadamente 56 milhões fazem parte da PEA. Esses trabalhadores
enfrentam dificuldades para conseguir emprego: a taxa de desemprego
juvenil é o triplo da dos adultos e representa 43% do total de desem-
pregados. Mais da metade dos jovens (55,6%) trabalha na informalidade,
sem direitos trabalhistas e recebendo baixos salários.
Entre 2005 e 2011 houve um aumento de 32,9% para 34,5% entre
os jovens que só estudam. O mais preocupante, segundo a OIT, é que
cerca de 21 milhões de jovens não estudam nem trabalham. O grupo mais
vulnerável à exclusão social é composto por 4,6 milhões de jovens que
não trabalham, não estudam, não procuram emprego nem se dedicam
às tarefas domésticas.
É importante combater a discriminação, mas isso não é suficiente.
É necessário criar políticas públicas e mecanismos que promovam a
igualdade de oportunidades para todos (figura 3).
Luciana aWhitaker/PuLsar imagens

Figura 3. Políticas públicas direcionadas


à permanência dos jovens na escola são
necessárias para combater as desigualdades
sociais. Ambulante menor de idade vende
salgados e refrescos em engarrafamento da
Linha Vermelha. Rio de Janeiro (RJ, 2014).

97
novas desigualdades
A partir da segunda metade do século XX, teve início uma fase de
profundas transformações socioeconômicas que ficou conhecida como
Terceira Revolução Industrial ou Revolução Tecnocientífica. Essa nova
fase é marcada pela utilização de alta tecnologia e de mão de obra es-
pecializada nos processos de produção. Entretanto, as inovações tecno-
lógicas escondem a permanência e, algumas vezes, o agravamento de
desigualdades sociais. Segundo dados divulgados pela Organização das
Nações Unidas (ONU), mais de 1 bilhão de pessoas vivem com menos de
1 dólar por dia e cerca de 2,5 bilhões, com menos de 2 dólares por dia.
Além disso, cerca de 100 milhões de crianças em idade escolar não fre-
quentam a escola.
Desde o final do século XX, a desigualdade digital se somou às demais
desigualdades sociais, reforçando-as. A crescente presença das novas
tecnologias da informação em nosso cotidiano deu origem a uma nova
forma de comunicação. Contudo, enquanto uma parcela da sociedade
consome o que há de mais moderno em tecnologia da informação, outra

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


depende de iniciativas governamentais ou não governamentais para poder
ter o mínimo acesso a essas tecnologias.
O nível de escolaridade também contribui para a desigualdade digital, já
que as pessoas com mais dificuldade de leitura e escrita enfrentam mais
obstáculos para se apropriar dos recursos tecnológicos. O analfabetismo
GLOSSÁRIO digital faz com que parcelas da sociedade tenham maior dificuldade
Analfabetismo digital: de obter uma colocação no mercado de trabalho. Isso ocorre porque a
desconhecimento em relação às
ferramentas da tecnologia digital.
maioria dos postos de trabalho exige noções de utilização de programas
e aplicativos (figura 4).

Figura 4. Os analfabetos digitais


encontram muitas dificuldades para se
inserir no mercado de trabalho.

98
o esTranho Familiar Família avança no ritmo do
progresso do brasil
“ Quando o Brasil fez seu primeiro Censo, em Foi em São Gonçalo, [...] que nasceram Ana
1872, o levantamento apontou que 15% da popu- Verônica, em 1968, e Robson, em 1970. O casamento
lação era de escravos, o que correspondia a pouco não deu certo, e Cleusa viu que era hora de ‘fazer
mais de 1,5 milhão de pessoas. [...] Vicente Pereira uma profissão’. A neta de Vicente decidiu estudar.
Machado, o bisavô de Robson Machado, era um dos — Fiz supletivo. Continuava doméstica, mas
escravos que o Censo apontava. Liberto quando ganhava pouco. Algumas vezes a gente tinha um
a Lei Áurea foi assinada, ele deixou a fazenda ovo e só. Não foi fácil, mas concluí o primeiro grau
por volta de 1898. Estava casado com Marcolina — lembra Cleusa. — Uma vizinha viu meu esforço
Ribeiro de Jesus, que havia nascido depois da Lei e se ofereceu para me ensinar a costurar. Consegui
do Ventre Livre. Os dois, os filhos e Marcos, irmão de emprego numa fábrica. Depois, comprei uma má-
Vicente, foram para Vala do Souza, hoje Jerônimo quina à prestação e comecei a costurar em casa.
Monteiro (ES). Em 1910, já em Alegre (ES), nasceu E foi costurando que ela pôde fazer com que Ana
Paulo Vicente Machado. Verônica fosse a primeira da família a ter curso su-
Avô de Robson, Paulo cresceu ajudando os pais perior. Ela se formou em Ciências Contábeis, numa
na lavoura. Menino, ele aprendeu sobre jongo, soube faculdade particular.
das dificuldades enfrentadas por quem vivia nas — Foi uma peleja desde a hora da inscrição. Eu
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

senzalas e ouviu histórias sobre as negras bonitas. não tinha o dinheiro todo, o diretor falava que não
Aos 15 anos, casou com Ana Cândida, 12 anos mais podia esperar, e ela chorava. Os vizinhos ajudaram
velha. E foi durante a República Velha (1889-1930), e deu tudo certo — recorda.
com a expansão ferroviária, que passou a trabalhar Com Robson, ‘a peleja foi igual’:
na estrada de ferro. Começou capinando a linha. — Ele estudou em Niterói (na UFF) e, depois, foi
Mais tarde, acabou transferido com a família para estudar em Campinas (Unicamp), já tendo um filho
Bom Jardim, na Região Serrana do Rio. pequeno.
— A expansão ferroviária era um trabalho bra- Hoje, Daniel, filho de Robson, é um rapaz de
çal e arregimentou muitos negros. Meu avô foi um
deles e veio para o Rio trabalhar na Estação Santa
18 anos e cursa Geografia na Uerj. [...] ”
BENEVIDES, Carolina. Família avança no ritmo do progresso do Brasil.
Luzia — diz Robson. Rio de Janeiro, O Globo, 11 maio 2013. Disponível em: <http://oglobo.
globo.com/brasil/125-anos-de-abolicao-familia-avanca-no-ritmo-do-
Foi em Bom Jardim que, em 1947, nasceu Maria progresso-do-brasil-8344709>. Acesso em 14 jul. 2014.
Cleusa Vicente Machado, mãe de Robson. Aos 9 anos,
ela deixou a família e foi trabalhar como doméstica
no Centro do Rio.
— Em Bom Jardim, a gente tinha uma vida mise-
rável — recorda Cleusa. — Eu dizia que não queria
aquela vida, queria estudar, ter roupa bonita. Então,
minha mãe deixou que eu fosse embora. [...]
— Fiquei até os 16 anos. A dona da casa enviava
dinheiro para minha mãe e deixava que eu falasse
ao telefone com ela. O marido foi bom até eu ficar
maiorzinha. Daí passou a dizer que me queria —
conta Cleusa, que foi, então, trabalhar em Copaca-
bana. — Fui arrumadeira até casar, em 1967, quando
fomos para São Gonçalo.

atividade
A inda que a trajetória familiar de Robson evidencie ascensão social, é possível afirmar que
ela foi impulsionada pelas forças presentes na estrutura social? Justifique sua resposta
com base nas informações contidas no texto e dos debates realizados ao longo da unidade.

99
CAPÍTULO

10 Estratificação social:
castas, estamentos
e classes

Estratificação social e a produção


das desigualdades
GLOSSÁRIO
Em todas as sociedades humanas, indivíduos e grupos se diferenciam
pela quantidade de riqueza, poder e prestígio que possuem. A distribuição
Hierárquica: refere-se à hierarquia, desigual desses elementos faz com que os indivíduos estejam dispostos
organização baseada em uma ordem
de prioridade ou sobre relações de em camadas ou estratos de forma hierárquica. Esse fenômeno é o que

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subordinação entre os membros de um os cientistas sociais chamam de estratificação social.
grupo, com graus sucessivos de poderes,
posição social e responsabilidades.
Por meio do estudo da estratificação social, pretende-se compreender
de que forma as desigualdades sociais são produzidas e reproduzidas
nas sociedades. Nesse sentido, uma questão fundamental para os cien-
tistas sociais é a seguinte: quais são os critérios que influenciam na
distribuição desigual de recursos e vantagens nas diferentes sociedades
e momentos históricos?
Mobilidade social
Os cientistas sociais também estão interessados em identificar o grau
em que os indivíduos se movimentam de um estrato (camada) a outro, ou
seja, procuram descrever os processos de mobilidade social (figura 5).
A mobilidade pode ser ascendente, quando o indivíduo ou grupo sobe na
escala social, ou descendente, quando há queda de posição.
Benett

Figura 5. A partir da década de 1950,


a urbanização e a industrialização
do Brasil possibilitaram mobilidade
ascendente para famílias vindas das
áreas rurais, que tiveram maior acesso a
educação e emprego. No entanto, essa
mobilidade não significou que todos
tenham saído da condição de pobreza.

100
Formas de estratificação social
Ao longo da história, existiram três tipos principais de estratificação
social: sistema de castas, estamentos e classes sociais. As desigual-
dades sociais assumiram formas diferentes em cada um deles.
O sistema de castas
Em uma sociedade fundada no sistema de castas, a posição social é
imutável e definida pelo nascimento. Na Índia, que é referência desse Multimídia interativa
tipo de estratificação, existem quatro castas: Brâmane, Xátria, Vaixá Castas indianas
e Sudra (figura 6), e a distribuição de recursos e vantagens em geral se-
gue a hierarquia estabelecida entre elas. Os dalits, párias ou intocáveis
(figura 7), formam um grupo extremamente segregado e discriminado.
A ordem social e as desigualdades a ela associadas encontram funda-
mento na religião hindu.
Existem milhares de subcastas na Índia, o que torna esse sistema
muito complexo. Entretanto, é possível traçar algumas características
básicas do sistema de castas indiano.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

RaveendRan/aFP
Brâmane

Xátria

Vaixá

Sudra

Figura 6. Segundo o Rig Veda, escritura sagrada do hinduísmo, cada parte Figura 7. Mais de 260 milhões
do corpo de Brahma, o deus criador, deu origem a uma diferente casta: de dalits, ou intocáveis, sofrem
da cabeça de Brahma nasceram os brâmanes (sacerdotes e letrados); dos discriminação. Na foto, mulheres
braços, os xátrias (guerreiros); das pernas, os vaixás (comerciantes); participam do Comício da Dignidade
dos pés, os sudras (servos: camponeses, artesãos e operários). Dalit, em Nova Delhi (Índia, 2013).

101
Principais características do sistema de castas indiano
• A condição de membro de uma casta é determinada pelo nascimento.
Não há mobilidade de uma casta para outra.
• A hierarquia estabelece uma “pureza ritual” entre as castas. As atividades
e comportamentos classificados como “puros” ou “impuros” fazem com
que haja uma série de regras de relacionamento entre as diferentes cas-
tas. É proibido, por exemplo, comer ou beber acompanhado de membros
de castas inferiores e acredita-se que pessoas de determinadas castas
possam contaminar outras apenas pelo contato físico.
• O casamento é endogâmico, ou seja, deve ocorrer apenas entre os
membros de uma mesma casta.
• Cada casta deve exercer determinados tipos de profissão. Apenas os
nascidos na casta Brâmane, por exemplo, podem ser sacerdotes, e aos
párias estão reservadas ocupações consideradas “ritualmente impuras”
e mal remuneradas.
O processo de industrialização e urbanização na Índia ocasionou mu-
danças significativas na organização das castas, sem, contudo, eliminá-la.

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A Constituição indiana de 1950 não reconhece as castas e afirma a igual-
dade entre todos os cidadãos, mas ainda há preconceito, principalmente
nas áreas rurais.
Estamentos
BiBLioteca Britânica, Londres

As sociedades organizadas em estamentos existiram em diferentes épo-


cas e partes do mundo, inclusive na sociedade feudal europeia. Nesse tipo
de estratificação, a posse de terras é o elemento principal na definição da
posição social dos indivíduos, concedendo-lhes riqueza, poder e prestígio.
No feudalismo europeu, existiram basicamente três estamentos (fi-
gura 8): clero (membros da Igreja Católica), nobreza (dirigentes políticos
e guerreiros) e servos (camponeses). Enquanto os dois primeiros eram
detentores das terras e ocupavam o topo da pirâmide social, os servos
eram explorados e trabalhavam para eles. A rígida separação entre esses
estratos ocorria por meio da diferenciação em termos de costumes e
atitudes, além de estar definida nas leis.
A mobilidade social na sociedade estamental era bastante limitada
devido ao caráter hereditário dos estamentos. Ela só era possível para o
indivíduo que se distinguisse a ponto de ser condecorado pelo rei ou se
casasse com um membro da nobreza. Essas oportunidades eram muito raras.
Figura 8. No período feudal, a Igreja
Católica justificava as desigualdades da Classes sociais
organização estamental ao pregar que Deus
designou para cada estamento uma função A decadência do feudalismo europeu abriu espaço para o desenvolvi-
específica: proteger (nobreza), rezar (clero) mento de uma nova forma de sociedade: a sociedade capitalista. Um fator
e produzir (servos). Iluminura manuscrita
francesa, da segunda metade do século XIII,
central para o estabelecimento do capitalismo foi a ideia liberal segundo
representando os três estamentos sociais: a qual os seres humanos são iguais e devem ter os mesmos direitos.
clero, nobres e camponeses. O fim dos privilégios inscritos na lei, entretanto, não significou o fim
das desigualdades sociais. O capitalismo estabeleceu novos critérios para
a distribuição dos recursos e privilégios por meio da estratificação em
classes sociais. Nesse sistema, os fatores econômicos são os principais
responsáveis pelas desigualdades (figuras 9 e 10).

102
anderson BarBosa/Fotoarena

mauricio simonetti/PuLsar imagens


Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Ao contrário dos sistemas de castas e estamentos, as classes não Figuras 9 e 10. Apenas 1% das famílias de
todo o mundo detém quase metade (46%)
impõem restrições legais ou religiosas para a distribuição dos indivíduos da riqueza do planeta. À esquerda, mulher
na escala social. Nesse sistema, é possível ascender socialmente, por- trabalha em lixão da cidade de Altamira
(Pará, 2012). À direita, edifícios de alto
tanto existe maior mobilidade social. No entanto, embora no capitalismo padrão em Salvador (BA, 2011).
a mobilidade seja mais frequente, estudos recentes mostram que, em
grande medida, os filhos continuam herdando as posições de seus pais
devido à desigualdade de oportunidades.
No sistema capitalista, a trajetória de cada indivíduo é influenciada por
sua trajetória de classe, que lhe fornece vantagens (maior escolarização,
mais tempo livre para estudos durante a infância) ou impõe dificuldades
(conciliar trabalho e estudos, má alimentação, dificuldade de acesso à
saúde) para alcançar determinados objetivos (figura 11).

Figura 11. Fatores como sexo, cor,


etnia e origem social influenciam o
grau de oportunidades disponíveis
para os indivíduos no capitalismo.

103
atividades

REvisãO E COMPREEnsãO
1. Por que é possível afirmar a existência de desigualdades sociais para
caracterizar as relações sociais em diversos contextos?
2. Caracterize a desigualdade socioeconômica brasileira segundo o con-
texto histórico. Como as desigualdades atuais podem ser explicadas
historicamente?
3. Caracterize a estratificação em castas com base nas noções de posição
social e possibilidades de mobilidade social.
4. A estratificação em classes sociais pode ser considerada mais igualitá-
ria comparada a outros modelos de estratificação? Há dificuldades em
estabelecer mobilidade social?

intERPREtaçãO E PRátiCa
5. Observe a charge e responda à pergunta a seguir, considerando o tema

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


“mobilidade social”.

adriano kitani

De que modo a ilustração serve de base para reflexão sobre alguns dos
aspectos estudados na unidade, como estratificação social, sociedade
de classes, oportunidades etc.?

104
Explorando o cotidiano
6. Nesta unidade, conhecemos as características fundamentais da estrutura
social, as diversas formas de desigualdade e alguns dos mecanismos de
hierarquização social.
Vamos explorar o cotidiano?
Siga o roteiro abaixo:
1 . Reúnam-se em grupos de quatro alunos.
2. Percorram os bairros onde os componentes do grupo moram e esco-
lham uma escola pública e uma particular para observar no horário
de saída de algum dos turnos (matutino, vespertino, noturno).
3. Anotem no caderno a quantidade de alunos e alunas brancos e negros
que observaram em cada escola.
4. Registrem o nome dos bairros ou das regiões onde as observações
foram feitas.
5. Apresentem os resultados para a turma e promovam um debate
com base nas observações feitas: Havia mais alunos negros do que
brancos em alguma escola privada? Havia mais alunos brancos do
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que negros em alguma escola pública? Em que bairro ou região se


localiza essa escola? Em que escolas havia maior incidência de alunos
negros? Esse fato revela algo sobre a igualdade de oportunidades?

o quE pEnsamos sobrE


7. Leia o fragmento da reportagem abaixo e responda à pergunta que segue:
Índia foi o primeiro país a implantar o sistema de cotas
“A Índia foi o primeiro país do mundo a adotar o sistema de cotas
raciais, o que ocorreu já na década de 30. No país, o processo foi con-
duzido pelo líder dos Dalits, também conhecidos como intocáveis [...]
As cotas na Índia estão presentes desde a Constituição de 1949,
funcionam até hoje e são obrigatórias no serviço público, na educação
e em todos os órgãos estatais. Uma pesquisa feita em 2005 mostrou
que em 1950, o número de Dalits que tinham curso superior era de
1%. Em 2005 esse percentual saltou para 12%.
[...]
As cotas também são adotadas na África do Sul, no Canadá, que
inclusive tem cotas no parlamento para os esquimós, na Austrália, cujo
sistema de reparação beneficia os aborígenes, na Nova Zelândia e na
Colômbia, que adota as cotas para negros e índios nas universidades.
Outros países como Peru, Bolívia e Equador estão discutindo neste
momento o ensino superior indígena. [...]”
LOBO, Irene. Índia foi o primeiro país a implantar o sistema de cotas. Agência Brasil, 14 abr.
2006. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2006-04-14/india-foi-
primeiro-pais-implantar-sistema-de-cotas>. Acesso em: 14 jul. 2014.

Visto que a política de cotas teve resultados positivos na redução de


desigualdades sociais geradas pelo antigo sistema de castas na Índia,
você acha que essa política poderia ter sucesso no Brasil? Considere
que as desigualdades brasileiras são provenientes do sistema de es-
tratificação social com base em classes sociais.

105
visões de mundo

A letra da canção
a seguir retrata a
realidade vivida pelas Alagados
populações mais pobres
“Todo dia o sol da manhã
do Brasil e da América Vem e lhes desafia
Latina, principalmente Traz do sonho pro mundo
os moradores de favelas Quem já não o queria
que, na época em que Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
foi escrita, sofriam
E a cidade que tem braços abertos
com falta de infraestrutura, Num cartão-postal
oportunidades sociais e Com os punhos fechados na vida real
esperanças para o futuro. Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
Será que nossa realidade
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
hoje é diferente? A esperança não vem do mar
Nem das antenas de TV
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê.”
VIANNA, Herbert; RIBEIRO, Bi; BARONE, João.
Alagados. In: Os PARAlAmAs dO sucEssO.
Selvagem? EmI Records, 1986.

Atividades
Obter infOrmações
1. Quem são os personagens retratados na letra da canção?
2. Qual é a temática desenvolvida?

interpretar
3. Por que os personagens não querem “voltar pro mundo”?
4. Por que a cidade “mostra a face dura do mal”?

refletir
5. Com base nas imagens reproduzidas, discuta com seus colegas se há semelhança
entre a realidade social da favela brasileira e a da jamaicana.

106
DiomeDia
Acima, crianças com bicicleta em rua de Trenchtown, Kingston (Jamaica, 2014).
Abaixo, mulheres caminham ao lado de muro grafitado em rua do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ, 2014).

Sergio moraeS/reuterS/LatinStock

107
direiTo é direiTo

trabalho doméstico
Segundo a Organização Internacional do Traba- Alguns dos direitos garantidos pela PEC são:
lho (OIT), o Brasil é o país com maior número de salário mínimo fixado em lei; jornada de trabalho
empregados domésticos no mundo. Em 2011, eram de 44 horas semanais e não superior a oito horas
cerca de 6,6 milhões de pessoas que trabalhavam, diárias; hora extra; férias anuais remuneradas;
em sua maioria, sem carteira de trabalho assinada aposentadoria. Entre as ocupações beneficiadas
e recebendo a menor remuneração em relação a pela emenda estão as de cozinheiro(a), governan-
todas as outras atividades econômicas no país. ta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista
As condições precárias que marcam essa ocupação particular, jardineiro(a) e acompanhante de idosos.
se devem à sua exclusão dos direitos trabalhistas, No Brasil, o trabalho doméstico é exercido em sua
situação que começou a ser alterada apenas com maioria por mulheres (92,6%), especialmente ne-
a aprovação, em 2013, da Proposta de Emenda gras, que representam 61% de todas as domésticas.
Constitucional no 66 (PEC 66/2012), conhecida A aprovação da “PEC das Domésticas” chegou a
popularmente como “PEC das Domésticas”. ser considerada uma ‘segunda abolição da escra-

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


vidão’, já que representa um avanço histórico em
brasil: rendimenTo médio mensal segundo sexo termos de extensão dos direitos aos trabalhado-
e aTividade econômica, em reais — 2004 e 2011
res dessa categoria. No entanto, houve reações
Grupamentos de 2004 2011 contrárias, especialmente das famílias de classe
atividade Homens Mulheres Homens Mulheres média, preocupadas com o aumento do custo de
Agrícola 615 346 825 524 contratação das empregadas. O argumento, nesse
Indústria de
1.223 658 1.487 918
caso, é de que a elevação dos gastos com o ser-
transformação
viço doméstico incentivaria a informalidade e o
Outras atividades
industriais
1.730 1.563 2.125 2.613 desemprego. Apesar das resistências, prevaleceu
Construção 768 1.346 1.103 1.714
o entendimento de que a emenda abre caminho
Comércio e
para a correção das desigualdades sociais e a
1.104 747 1.373 945 promoção da cidadania.
reparação
Alojamento e Apesar de significar uma conquista importante,
928 625 1.165 824
alimentação as diaristas, segmento que tem crescido nos últimos
Transporte, anos, não foram contempladas pelas modificações,
armazenagem e 1.348 1.195 1.510 1.283
comunicação
que incluem apenas quem trabalha no mínimo três
Administração
dias em casa de uma mesma família.
1.775 1.622 2.364 2.012
pública Em 2011, a remuneração média recebida pelas
Educação, saúde
2.089 1.101 2.420 1.455
mulheres nas ocupações domésticas foi inferior
e serviços sociais ao salário mínimo, que era de 545 reais. A mesma
Serviços situação pode ser observada em outros setores.
478 340 718 493
domésticos
Outros serviços
coletivos, sociais 1.073 644 1.482 1.006
reflexão
e pessoais
Outras atividades 1.844 1.339 2.315 1.620
Que tipos de desigualdade social se entrelaçam
Atividades
quando analisamos o perfil do trabalhador do-
444 785 815 751 méstico? De que modo a aprovação da “PEC das
mal definidas
Fonte: DIEESE. O emprego doméstico no Brasil. Disponível em:
Domésticas” abre espaço para a redução das de-
<www.dieese.org.br/estudosetorial/2013/estPesq68emprego sigualdades sociais?
Domestico.pdf>. Acesso em: 13 maio 2014.

108
indicaÇões

Para ver migrações

reProdução
Ana Valim. São Paulo:

reProdução
ilha das Flores Atual, 2013.
Direção: Jorge Furtado.
As causas e consequências
Brasil, 1989.
políticas, econômicas e so-
O documentário retrata a ciais dos movimentos mi-
realidade social dos habi- gratórios são analisadas e
tantes da Ilha das Flores, contextualizadas histori-
no Rio Grande do Sul. camente nesta obra, mos-
A ilha serve de depósito trando como as populações migram das áreas
de lixo orgânico que, após rurais para os centros urbanos em busca de
alimentar os animais que ali vivem em regi- uma vida melhor.
me de confinamento, serve de alimento aos
moradores do local. Para navegar

reProdução
um casamento à indiana portal ciência e vida
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Direção: Mira Nair. Índia, <http://sociologiacienciaevida.uol.com.br>


2001. O site oferece múltiplas oportunidades de pes-
Comédia dramática que quisa sobre questões vinculadas ao estudo da
retrata o envolvimento de Sociologia, da História, da Filosofia e de outras
uma família para a reali- disciplinas escolares. Estão disponíveis arti-
zação de um casamento gos científicos, textos jornalísticos e outras
arranjado entre uma jo- fontes que apresentam temas como estrutu-
vem indiana e um rapaz que mora no Texas, ra social, estratificação e desigualdade social.
nos Estados Unidos. A trama serve de gan-
cho para analisar as tensões que envolvem a programa das nações unidas para o
sociedade de castas indiana e as percepções desenvolvimento (pnud)
do Ocidente sobre esse tipo de estratificação. <http://www.pnud.org.br>
O site permite aos estudantes ter contato
Para ler com o trabalho desse importante órgão das
Nações Unidas (ONU), consultar notícias es-
verdes canaviais pecializadas, conhecer propostas importan-
reProdução

Vera Vilhena de Toledo; tes como a dos Objetivos do Milênio (ODM)


Cândida Vilares Gancho. e acessar dados e informações sobre a reali-
São Paulo: Moderna, dade social brasileira.
2013.
mapa da evolução da desigualdade na década
A obra discute a produção
<http://blog.estadaodados.com/evolucao-
canavieira no Brasil, des-
de sua introdução pelos da-desigualdade/>
portugueses até os dias Plataforma que indica a evolução do Índice
de hoje, com a substituição dos velhos en- de Gini em cada cidade brasileira por meio de
genhos pela atividade agroindustrial. O livro um mapa interativo. O site permite visualizar
também destaca a herança escravocrata e as as diferenças entre os níveis de desigualda-
condições de desigualdade social presentes des sociais ao longo da primeira década dos
nessa atividade. anos 2000 no Brasil.

109
Começando
a unidade
Comentá
rio das q
Situações constrangedoras são vividas pela maior uestões
na págin
a 112.
parte da população afro-brasileira. Pense. É comum ver
mulheres e homens negros em posição de prestígio
social na sociedade brasileira? Por que é tão difícil
vê-los em postos de comando, cargos de direção e
chefia nos governos e nas grandes empresas públicas
e privadas no Brasil? Por que isso acontece?

Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Compreender a relação entre as desigualdades
e o preconceito étnico-racial no Brasil.
• Identificar as razões da produção e reprodução
das desigualdades étnico-raciais na sociedade
brasileira.

110
6
UNIDADE
RAÇA, ETNIA E
DESIGUALDADE

s
dasa
élIc
ang
A luta da promotora de eventos Tati
Braga no bairro de Higienópolis,
em São Paulo, onde mora, é um bom
exemplo de como o preconceito racial
é vivenciado em nossa sociedade. Indig-
nada pela forma como um apresentador
de televisão se referiu ao cabelo de uma
bailarina com a expressão “vassoura de bru-
xa”, Tati escreveu a seguinte mensagem na
página de uma rede social: “Nosso cabelo não
é vassoura. Não é bombril. Não é ruim nem o
secamos numa ventania”. O apresentador res-
pondeu dizendo se tratar de uma “brincadeira”.
Tati costuma enfrentar esse tipo de “brincadei-
ra” nos mais diferentes ambientes: na escola da
filha, nos salões sofisticados que frequenta. Essas
“brincadeiras” trazem como consequência sofrimen-
to e constrangimento. Tati conta que sofria bullying
desde criança. Na escola, era sempre a mesma coisa:
“Seu cabelo é ruim”. Na adolescência, sonhava em ser
paquita e, como eram todas loiras, quis pintar o cabelo.
Diz que só passou a cultivar seus cachos quando desco-
briu pela internet um coletivo no Rio de Janeiro chamado
Meninas Black Power. A promotora de eventos relata que
por ser a única negra a morar em seu prédio, quando se
mudou tinha sempre de se identificar na portaria. Uma
vizinha chegou a lhe oferecer emprego como doméstica.
Para Tati, “quando nós reclamamos de situações como
essas dizem que entendemos errado. As pessoas não
Angélica Dass. Humanae, 2014. A série Humanae (Humanos)
é um projeto concebido pela artista plástica brasileira percebem que são racistas nem se assumem como tal”.
residente na Espanha com o objetivo de fazer um Essa história ainda se repete todos os dias. O pre-
levantamento cromático dos diferentes tons da pele humana
por meio de registros fotográficos. Apesar das campanhas conceito étnico-racial no Brasil é uma afronta à nossa
contra o racismo no Brasil, a persistência das desigualdades diversidade, e compreender as raízes do problema
étnico-raciais ainda é muito forte.
é o primeiro passo para superá-lo.

111
CAPÍTULO

11 A ideia de raça e etnia

Incentive a busca de respostas às questões de


abertura de unidade com base nas impressões
dos alunos sobre o perfil de ricos e pobres no
Raças humanas: construção social
Brasil, relacionando as condições de vida e de
oportunidades da população à ocupação de cargos Certamente você já observou pessoas com diferentes aparências ou
e o exercício de profissões de maior e menor
prestígio social. A ideia é mostrar que as condições
falando outras línguas. O Brasil é um país miscigenado, pois diversos po-
de vida, os preconceitos e a discriminação colocam
alguns indivíduos em desvantagem social.
vos contribuíram para a sua formação ao longo da história: portugueses
e outros povos europeus, africanos de diversas localidades do continente e
indígenas nativos, entre outros. Esse cruzamento de etnias e culturas
é o que chamamos de miscigenação (figura 1).
Hoje se sabe que, do ponto de vista biológico, não existem “raças” na

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


espécie humana. As diferenças genéticas entre os grupos humanos são
muito poucas, embora produzam algumas marcas físicas específicas,
como cor da pele e textura do cabelo. No entanto, a hierarquização social
dessas características físicas produz consequências reais para a vida das
pessoas, por isso são socialmente significativas.
Não há consenso nas Ciências Sociais sobre o uso do termo raça, já
Figura 1. A narrativa mais tradicional que, biologicamente, existe apenas uma raça, a humana. Alguns rejeitam
sobre a formação étnico-racial no Brasil
fala da mistura de três raças ao longo
o termo ou preferem usá-lo entre aspas, enquanto outros acreditam que
do processo de colonização: o indígena, a existência concreta do racismo expressa uma construção social
o branco e o negro. Nas fotos abaixo, que justifica o emprego do termo sem aspas. A raça, como categoria polí-
mulher yanomâmi (AM, 2011), homem
branco (Inglaterra, 2014) e jovem negra tica e social, ainda é um mecanismo de estratificação social que reproduz
(Estados Unidos, 2013). desigualdades históricas vinculadas a relações de poder.
Edson sato/Pulsar ImagEns

bIkErIdErlondon/shuttErstock

JosE luIs PElaEz Inc/blEnd ImagEs/gEtty ImagEs

112
Os cientistas sociais falam em relações e desigualdades raciais e, muitas
vezes, empregam o termo raça para se referir aos efeitos gerados pela persis-
tência da ideia de raça no senso comum, como discriminação e desigualdade.
As percepções e os significados atribuídos às diferenças raciais variam de
uma sociedade para outra, pois constituem uma construção social. Quem é
considerado branco no Brasil, por exemplo, pode ser classificado de outra
forma em outro país. Muitas vezes, a forma como alguém é percebido
racialmente varia ao longo de sua vida, pois é algo que depende do ponto
de vista. Aspectos como riqueza, saúde e qualidade de vida das pessoas
costumam influenciar as percepções. As Ciências Sociais mostram que
essa construção leva em consideração interesses e aspectos sociais e
políticos (figura 2).
FabrIzIo bEnsch/rEutErs/latInstock
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 2. A cor da pele está associada a algumas dezenas de pares de genes


transmitidos pela mãe e pelo pai. A combinação das características apresentadas
pelos filhos se deve ao acaso e não configura uma raça no sentido biológico.
A surpresa provocada por irmãos de cor de pele diferente, portanto, é social. Na foto,
os gêmeos Ryan (à esquerda) e Leo (à direita), nascidos em Berlim (Alemanha, 2008).

Racismo científico
No século XVII, predominou na Europa um pensamento que ficou
conhecido como “racismo científico”. Tratava-se de uma crença que bus-
cava demonstrar a superioridade de uma raça sobre outra com base em
estudos científicos, principalmente no campo da biologia e da medicina.
O darwinismo social tentou aplicar a teoria da evolução das espécies,
criada por Charles Darwin, às sociedades humanas. Segundo essa tese,
existiria uma ordem evolutiva baseada em características biológicas. Hoje
sabemos que naquela época muitos pesquisadores europeus queriam
comprovar essa tese por meio da ciência para justificar a dominação das
principais potências colonizadoras sobre os povos das Américas, da África e
da Ásia, valendo-se das diferenças físicas. Assim, no final do século XIX
e ao longo do século XX, o darwinismo social serviu para justificar as
políticas de dominação europeia no continente africano.

113
Racismo científico no Brasil
No Brasil, essas ideias também ganharam adeptos, principalmente no
final do século XIX. Muitos pesquisadores interessados na manutenção
do domínio europeu na ex-Colônia portuguesa tentavam comprovar que
o “atraso” do país se devia em grande parte à presença de negros em
sua formação social. Esse pensamento deu origem a uma política de
“branqueamento”, cujo objetivo era tornar a população mais branca (fi-
gura 3). Segundo essa ideologia, uma raça mais evoluída favoreceria o
desenvolvimento do país.
PatrIck rodrIguEs/agêncIa rbs/FolhaPrEss

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 3. No final do século XIX, a política Democracia racial
econômica empreendida no Brasil oferecia
uma série de vantagens para colonos Essa realidade começou a mudar a partir da Semana de Arte Moder-
europeus. Um dos propósitos da lei de na de 1922, ocorrida em São Paulo. O Modernismo buscava a liberdade
imigração era promover o branqueamento
da população brasileira por meio da de expressão e a experimentação artística. Esse movimento se tornou
miscigenação. Grupo folclórico se apresenta referência cultural no início do século XX e influenciou a forma como o
durante a Oktoberfest, tradicional festa da
colônia alemã em Blumenau (SC, 2011).
Brasil compreendia seu processo de formação nacional.
Nesse momento de construção de um pensamento nacionalista e de
valorização do autêntico, do nacional, foi publicada uma obra que desmiti-
ficou a teoria racista de superioridade branca: Casa grande & senzala, de
Gilberto Freyre (figuras 4 e 5). Nela, o sociólogo pernambucano afirmava
que o brasileiro é fruto da mistura cultural entre as três raças (indíge-
na, negra e branca) e que todas elas contribuíram de forma decisiva na
formação cultural da nação. Segundo ele, a tolerância construída nesse
encontro ao longo do processo de miscigenação fazia do Brasil um exemplo
para o mundo, já que os povos mantinham uma relação harmônica entre
si, não existindo o racismo.

114
REPRODUÇÃO
Mito da democracia racial

AGÊNCIA ESTADO
Na década de 1960, a visão romântica e
idealizada de Gilberto Freyre foi questionada
pelo sociólogo paulista Florestan Fernan-
des. Esse autor sustentava que, apesar do
processo de miscigenação, o racismo estava
presente nas relações sociais no Brasil e afe-
tava significativamente a vida da população
negra. Em referência à tese difundida por Figuras 4 e 5. Gilberto Freyre
Gilberto Freyre, Florestan disse se tratar (em foto de 1981) contribuiu com
o Modernismo brasileiro ao afirmar
de um mito, o mito da democracia racial. a miscigenação como uma força
O Brasil não adotou uma política insti- cultural brasileira, e não um problema.
No entanto, apesar de associada a
tucional segregacionista baseada na cor uma perspectiva positiva, sua visão
da pele, como ocorreu em outras colônias reforçava muitos dos preconceitos
no mundo. As elites brasileiras não se sen- coloniais. Acima, capa da 48a edição
de Casa-grande & senzala.
tiam ameaçadas economicamente pelos
afro-brasileiros, pois não disputavam com eles o mesmo mercado de
trabalho, tampouco os postos de prestígio na sociedade. Por isso, segundo
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Florestan Fernandes, no Brasil o racismo sempre foi velado, praticado às


escondidas, mascarado pela ideia de preconceito social (figura 6).

ILUSTRAÇÕES: JORGEN MCLEMAN/SHUTTERSTOCK


91,3 milhões são negros
92 milhões são brancos
(pretos e pardos)

5,3% de brancos com 11,7% de negros com


Analfabetismo
15 anos ou mais não 15 anos ou mais não
(2012)
sabem ler nem escrever são alfabetizados

Estudam, em média, Têm, em média, 6,4


Escola (2012)
8 anos anos de estudo

Mercado de O desemprego atinge Entre os negros, a taxa de


trabalho (2012) 5,1% dos brancos desemprego é de 6,9%

Renda mensal Ganham, em média, Têm salário médio


(2012) 1.317,40 reais de 718,90 reais

14,1% dos negros


9,3% da população branca
Saúde (2008) nunca entraram num
jamais consultou dentista
consultório dentário

2,6% dos domicílios 5,5% dos domicílios


Habitação (2009)
estão em favelas são barracos

Apenas 0,4% dos domicílios 1,2% das casas não


Consumo (2012) não têm fogão e 5,7% têm fogão e 11,5% não
não possuem telefone possuem telefone

3% da população branca 7,7% dos negros


Pobreza (2012)
é considerada pobre são pobres

Figura 6. No Brasil, a herança escravocrata se faz notar nos dados que Fonte: Retratos das desigualdades
comprovam a desigualdade existente entre brancos e negros. A desqualificação de gênero e raça. Disponível
do negro em razão de sua condição social impõe diversas barreiras em nossa em: <www.ipea.gov.br/retrato/>.
sociedade, como a discriminação, que perpetua o ciclo das desigualdades. Acesso em: 10 ago. 2014.

115
Etnia: combate ao racismo e valorização
da diversidade cultural
O termo etnia deriva do grego ethnos, que significa povo. Um grupo
étnico é definido como um grupo de pessoas que apresentam caracte-
rísticas culturais próximas e reconhecidas socialmente: língua, religião,
valores e tradições. A ideia de ancestralidade, ou seja, o legado das
gerações passadas, também está presente no conceito de etnia, pois a
história de cada povo é importante para sua identidade étnica (figura 7).
Um mesmo país pode abrigar diferentes grupos étnicos, assim como
um mesmo grupo étnico pode se espalhar por diversos países. Os curdos,
por exemplo, constituem um povo originário da região conhecida como
Curdistão (que tem partes na Turquia, Irã, Iraque, Síria e Armênia). Esse
grupo étnico, que compartilha uma língua e uma ancestralidade, está
Figura 7. No Brasil, as populações indígenas espalhado por vários países, sem possuir o seu próprio território.
são representadas por diversas etnias, Quando falamos de raça, portanto, estamos nos referindo aos este-
com diferentes línguas, crenças e tradições
ligadas à ancestralidade de cada povo. reótipos físicos classificados de forma social e política pelas diferentes

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Abaixo, grupo de dança e cântico Kamaihye, sociedades. Quando consideramos questão étnica, encontramos aspectos
da etnia Paresi, aldeia de Tangará da Serra,
durante XII Jogos dos Povos Indígenas em culturais como língua, religião, tradições, valores e ancestralidade que
Cuiabá (MT, 2013). unem determinado povo.
marIo FrIEdlandEr/Pulsar ImagEns

116
O ESTRANHO FAMILIAR A prova do lápis, os “brancos de honra”
e outros absurdos do “apartheid”
“ Fundado sobre os alicerces de um delirante ra- ‘A pele clara, o nariz pontiagudo e, sobretudo, o cabelo
cismo, o regime segregacionista do apartheid trouxe liso eram requisitos para poder ser considerado branco’,
consigo vários conceitos e situações absurdas [...] A contou o professor, relembrando que os funcionários
implantação do regime em 1948 tipificou e recrudes- do escritório se dedicavam a medir os narizes dos
ceu a discriminação dos não brancos que já existia na solicitantes. ‘Mas o mais importante era a prova do
África do Sul desde a chegada dos colonos europeus lápis, que consistia em colocar uma lapiseira entre
no século XVI, e deu lugar à infinidade de disposi- os cabelos. Se caísse, a pessoa podia ser considerada
ções baseadas na raça das pessoas com o objetivo de branca ou mestiça, mas se permanecesse, só podia ser
basear o ideal puritano dos arquitetos do sistema. O mestiça ou negra’, explicou [...]. Para tomar a decisão,
primeiro problema na aplicação da separação racial, as autoridades sul-africanas podiam recorrer a uma
proposta pelo projeto dos nacionalistas africâneres pergunta aparentemente inocente: ‘Quanto medem
– descendentes dos colonos holandeses – era a clas- seus filhos?’ Os negros costumam indicar a altura
sificação racial da população. ‘O governo criou qua- das pessoas com os dedos juntos e a palma das mãos
tro categorias: branco, africano, indiano e ‘coloured’ viradas para cima, enquanto os brancos o fazem com
(mestiço)’, explicou Noor Nieftagodien, professor os dedos estendidos e a palma das mãos para baixo.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de história [...]. ‘Distinguir entre brancos, africanos e Um grupo especialmente conflituoso para o ‘apar-
índios era relativamente fácil; o problema era com theid’ foram as comunidades de origem asiática: as
os coloureds’, afirmou Nieftagodien, ao contar sobre minorias chinesas foram atribuídas ao grupo mestiço
a diversidade dos mestiços, gente de raça mista que [...]. Devido às privilegiadas relações econômicas que
podia até ter a pele mais clara que muitos brancos. o regime de Pretória mantinha com o Japão, os japo-
A palidez da pele era uma grande vantagem naquela neses obtiveram a duvidosa consideração de ‘brancos
África do Sul – onde era melhor ser branco que indiano de honra’, que lhes permitia viver e abrir negócios em
ou mulato, e indiano ou mulato, melhor que negro –, áreas de brancos, embora não tivessem os mesmos
e muitos aspirantes a uma vida melhor aproveitavam direitos políticos. [...] Aproveitando suas similitudes
a indefinição da categoria ‘mestiço’ para buscar uma físicas, alguns chineses conseguiram este status para
‘ascensão’ em sua condição racial. Uma das tarefas desfrutar de seus benefícios[...]. ”
do Escritório de Classificação Racial era resolver as EFE. A prova do lápis, os “brancos de honra” e outros absurdos do
“apartheid”. Johanesburgo, 12 out. 2013. Disponível em: <www.efe.
solicitações de mudanças de raça, de mulatos que di- com/efe/noticias/brasil/sociedade/prova-lapis-brancos-honra-outros-
ziam ser brancos ou de negros que diziam ser mulatos. absurdos-apartheid/3/2017/2149221>. Acesso em 23 maio 2014.
AP PHOTO/GLOW IMAGES

Durante o regime do apartheid na África


do Sul, os negros eram impedidos de
compartilhar os espaços (bancos em
praças públicas, banheiros, assentos
de ônibus etc.) com pessoas brancas. A
população considerada mestiça (coloured)
também era segregada, mas desfrutava
mais direitos que os considerados
africanos (negros). Na foto, mulheres
negras sentam-se no chão de um parque
enquanto mulheres e homens ocupam
os bancos reservados aos brancos.
Joanesburgo (África do Sul, 1965).

Atividade
O exemplo do apartheid na África do Sul evidencia o uso do termo raça
para justificar políticas de dominação? Fundamente seu argumento
mencionando informações presentes no texto.

117
CAPÍTULO

12 Desigualdade étnico-racial
no Brasil

Figura 8. Como
não existem
Desigualdades e relações raciais no Brasil
critérios universais, As diferentes formas de desigualdade se evidenciam na distribuição
o IBGE considera
a autodeclaração desigual de bens, recursos e oportunidades na sociedade. A desigualdade
de cor/raça/etnia étnico-racial é uma dessas formas e diz respeito às desvantagens históricas
em suas pesquisas.
de determinados grupos, com base nas diferenças raciais (aspectos físicos)
e étnicas (culturais). Neste capítulo vamos entender que, no caso brasileiro,
essas desvantagens atingem em maior proporção a população afro-brasileira.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


O Brasil foi o país que recebeu o maior número de africanos escraviza-
dos durante o período colonial e imperial (aproximadamente 4 milhões de
pessoas) e o último a abolir a escravidão. Em termos absolutos, hoje o Brasil
conta a segunda maior população negra do mundo, depois da Nigéria. O
país é um dos mais populosos do mundo e também um dos mais desiguais.
O censo demográfico registra as principais características da população
brasileira, como sua distribuição por cor ou raça (tabela 1). De acordo
com o último recenseamento, em 2010 o Brasil contava uma população
de quase 191 milhões de habitantes. Desse total, pouco mais da metade –
cerca de 97 milhões – constituída de afro-brasileiros, isto é, indivíduos
que se autodeclararam pretos ou pardos. Do restante, 91 milhões se
autodeclararam brancos; 2 milhões, amarelos (orientais); e menos de
1 milhão, indígenas (figura 8).

TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR COR OU RAÇA,


SEGUNDO AS GRANDES REGIÕES – 2010
População residente
Grandes
Cor ou raça (1)
regiões Total
Negra (2) Branca Indígena Amarela

190.755.799 96.795.294 91.051.646 817.963 2.105.353


Brasil
(100%) (50,7%) (47,7%) (0,5%) (1,1%)

Norte 15.864.454 11.664.395 3.720.168 305.873 176.721

Nordeste 53.081.950 36.613.277 15.627.710 208.691 631.563

Sudeste 80.364.410 35.041.035 44.330.981 97.960 902.731

Sul 27.386.891 5.635.789 21.490.997 74.945 185.595

Centro-Oeste 14.058.094 7.840.789 5.881.790 130.494 208.743

Fonte: IBGE. Censo 2010. Disponível em: <censo2010.ibge.gov.br/resultados>.


Acesso em: 20 ago. 2014.
(1) Excluídos os sem declaração. (2) Pretos + pardos

118
Segundo o censo 2010, os afro-brasileiros correspondem a pouco
mais da metade da população brasileira e estão proporcionalmente mais
presentes nas regiões Nordeste (37,8%) e Sudeste (36,2%), com desta-
que para os estados da Bahia (figura 9), Maranhão e Rio de Janeiro. Os
indígenas se concentram nas regiões Norte (37,4%) e Nordeste (25,5%);
os asiáticos, nas regiões Sudeste (42,9%) e Nordeste (30%); e os brancos
ou descendentes de europeus, na região Sudeste (48,7%).

alEssandra lorI/FotoarEna
168-f-SOC7-U06-M – Cena
cotidiana de multidão em
cidade baiana.
Figura 9. Segundo o Mapa da Distribuição
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Espacial da População Segundo Cor ou


Raça 2010 (IBGE/Seppir), o estado do
Pará apresenta a maior proporção de
habitantes autodeclarados pretos ou pardos,
embora a Bahia seja considerada o estado
brasileiro com maior população negra.
Pessoas atravessam uma das avenidas mais
movimentadas de Salvador (BA, 2014).

As cores da desigualdade
Aprendemos com as Ciências Sociais que a renda e a escolaridade
são variáveis importantes para avaliar as desigualdades nas sociedades
capitalistas. A desigualdade econômica é a mais fácil de ser reconhecida.
A má distribuição de renda é uma das contradições do Brasil. Num país
que produz cada vez mais riquezas, cerca de 20% da população vive em
situação de pobreza ou indigência, ainda que esse índice tenha sido re-
duzido nas últimas décadas. Outra estatística salta aos olhos: 74,2% da
população mais pobre do país é negra, e os afro-brasileiros representam
apenas 16% da população mais rica (tabela 2). A desigualdade de oportu-
nidades na educação e no mercado de trabalho é uma das variáveis que
explica a diferença de renda entre brancos e negros no Brasil.
Tabela 2. RendimenTo do TRabalho poR Raça ou coR
População com rendimento de trabalho, entre os 10% mais pobres,
em relação ao total de pessoas (%)

Branca Preta Parda

25,4 9,4 64,8

População com rendimento de trabalho, entre o 1% mais rico,


em relação ao total de pessoas (%)

Branca Preta Parda

82,5 1,8 14,2 Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra


de Domicílios 2009. Tabela 8.10.

119
Desigualdade no mercado de trabalho
A participação dos afro-brasileiros no mercado de trabalho é bastante
desvantajosa. No biênio 2011-2012, um estudo do Departamento Inter-
sindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que os
trabalhadores negros (pretos e pardos) receberam um salário, em média,
36% menor que o dos trabalhadores não negros (amarelos e brancos)
nas regiões metropolitanas brasileiras. A diferença salarial e de oportu-
nidade é ainda maior nos cargos de chefia. Na Região Metropolitana de
São Paulo, por exemplo, enquanto 18,1% dos trabalhadores não negros
alcançam cargos de direção, apenas 3,7% dos negros atingem esse nível
(tabela 3). Os trabalhadores afro-brasileiros apresentaram maior nível de
desemprego e ocupavam as profissões de menor prestígio e valorização
no mercado de trabalho (figura 10).

Tabela 3. disTRibuição dos ocupados poR coR, segundo gRupos de ocupações selecionados

Regiões Metropolitanas e Distrito Federal — biênio 2011-2012

Belo Horizonte Distrito Federal Recife Salvador São Paulo

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Setor de
atividade
Negro Não negro Negro Não negro Negro Não negro Negro Não negro Negro Não negro

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Direção e
11,3 23,2 15,7 25,5 8,3 18,6 6,9 21,3 5,7 18,1
planejamento

Execução 59,4 50,2 51,4 42,3 61,8 51,9 66,2 53,0 61,1 52,1

Apoio 23,9 21,6 31,0 30,8 23,7 25,1 22,5 20,7 24,7 23,3

Ocupações
5,4 5,0 1,9 1,4 6,1 4,4 4,4 5,0 8,4 6,6
mal definidas

Fonte: Os negros no mercado de trabalho. São Paulo: Dieese, 2013, p. 15.


Disponível em: <www.dieese.org.br/analiseped/2013/2013pednegrosmetEspecial.pdf>.
Acesso em: 26 maio 2014.

A situação de desvantagem da população afro-


FábIo cortEz/dn/d.a PrEss

-brasileira fica ainda mais evidente quando se


considera sua posição nas empresas. Os negros
são minoria em cargos de chefia, gerência, direção
e planejamento nas empresas, embora consti-
tuam um quarto da força de trabalho nas maiores
empresas no país (figura 11).
Nas empresas brasileiras pesquisadas em
2010 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Públi-
ca e Estatística (Ibope) e pelo Instituto Ethos,
os negros ocupavam apenas 5,3% dos cargos
Figura 10. Os dados estatísticos revelam que os afro-brasileiros são a
executivos e 13,2% dos cargos de gerência. Isso
maioria da população brasileira, mas a posição que ocupam na estrutura mostra as condições desfavoráveis dessa popula-
social brasileira ainda reflete a desigualdade de oportunidades entre ção no mercado de trabalho, mesmo quando sua
brancos e negros no país. A foto mostra uma sala de aula do curso de
Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte na qual a formação e anos de estudo são equivalentes às
quase totalidade dos alunos é branca. Natal (RN, 2012). dos colegas brancos.

120
figuRa 11. composição de hieRaRQuia ocupacional poR coR nas empResas
Executivo Gerência Supervisão Quadro Funcional

5,3% 1,9% 1,3% 1,3%


Negros 13,2% 25,6% 31,1%
Amarelos Amarelos Amarelos
0,2% Pretos 1,4% Negros Negros Negros
5,1% Pardos 1,6% Pretos 0,2% 3,1% Pretos 0,1% 7,1% Pretos 0,3%
Amarelos
11,6% Pardos Indígenas 22,5% Pardos Indígenas 24,0% Pardos Indígenas

93,3% 84,7% 73,0% 67,3%


Brancos Brancos Brancos Brancos
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Fonte: Ibope / Instituto Ethos. Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas.
São Paulo: Ethos, 2010, p. 14. Disponível em: <www3.ethos.org.br/cedoc/perfil-social-racial-e-de-genero-das-500-
maiores-empresas-do-brasil-e-suas-acoes-afirmativas-pesquisa-2010/#.U2-Be4FdXKw>. Acesso em: 26 maio 2014.

Combate às desigualdades étnico-raciais:


ações afirmativas
O combate às desigualdades étnico-raciais é uma luta permanente,
sobretudo dos afro-brasileiros. Para combater essas desigualdades e pro-
mover o reconhecimento e a valorização dessa população – o que significa
elevar suas condições de vida e ampliar seu acesso a serviços básicos, como
educação, saúde, trabalho e moradia, entre outros –, é preciso criar políti-
cas públicas específicas. Uma dessas políticas são as ações afirmativas.
As políticas de ação afirmativa buscam eliminar ou reduzir desigualdades
históricas, garantir oportunidades e tratamento igual para todos e compen-
sar perdas causadas pela discriminação e marginalização de determinados
grupos por motivos étnicos, religiosos e de gênero, entre outros. Essas
políticas são empreendidas pelo poder público ou pela iniciativa privada.
São exemplos de ações afirmativas:
a) ações voluntárias;
b) programas governamentais ou privados;
c) leis e orientações com base em decisões jurídicas ou agências de
fomento e regulação.
O público-alvo dessas ações varia de acordo com as situações existen-
tes e abrange grupos como minorias étnicas e mulheres. As principais
áreas contempladas são:
a) o mercado de trabalho, incluindo contratação, qualificação e pro-
moção de funcionários;
b) o sistema educacional, especialmente o ensino superior;
c) a representação política.

121
Ações afirmativas no mundo
Existem diferentes experiências de ações afirmativas no mundo
(tabela 4). A modalidade mais adotada e polêmica é o sistema de reserva
de vagas conhecido como política de cotas.

Tabela 4. expeRiências inTeRnacionais de ação afiRmaTiva


PAÍS ANO DE APLICAÇÃO BENEFICIÁRIO ÂMBITO DE APLICAÇÃO TIPO DE SISTEMA

Índia A partir de 1948 Intocáveis (dalits), Empregos públicos, promoções no Cotas


tribais (adivasis) emprego público, universidades e
e outras castas assentos parlamentares
desprivilegiadas

Estados Unidos A partir de 1961 Negros Universidades e escolas públicas, Bônus e fundos de estímulo à
empresas públicas e privadas e contratação de negros
em contratos governamentais

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


África do Sul A partir de 1993 Negros (africanos, Serviço público, Cotas
coloureds e instituições semiestatais, Financiamentos
indianos), mulheres universidades públicas Metas de inclusão
e deficientes físicos

Malásia A partir de 1971 Malaios (bumiputra) Setor público, contratos Cotas


governamentais, companhias Bolsas
privadas com participação pública Financiamentos
e universidades públicas

Irlanda do Norte Desde 1989 Grupos religiosos Emprego e promoção no emprego Metas, ações legais de
sub-representados representação (como interferir
na maneira como as empresas
contratam e promovem seus
trabalhadores, propagandas,
treinamento, punições etc.).

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA) / Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP).
Disponível em: <http://gemaa.iesp.uerj.br/dados/experiencias-internacionais.html>. Acesso em: 26 maio 2014.

Ações afirmativas no Brasil


Atualmente, existem no Brasil diversas experiências de ações afir-
mativas. A maioria delas foi criada nos últimos anos por iniciativa de
órgãos e instituições governamentais e da área privada, principalmente
no ensino superior.
No âmbito do governo federal, várias medidas foram tomadas.
• Em 2002, o Instituto Rio Branco, órgão responsável pela formação
de diplomatas, criou um programa de ação afirmativa a fim de incluir
negros no seu quadro diplomático (figura 12).

122
gustavo FErrEIra/mInIstérIo das rElaçõEs ExtErIorEs
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

• Em 2003, foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Figura 12. Exemplo de ação afirmativa nas
carreiras diplomáticas do Brasil. O Ministro
Racial (Seppir), destinada a garantir à população negra a efetivação da das Relações Exteriores, embaixador Celso
igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais Amorim, recebe bolsistas do Programa de
e coletivos, além do combate à discriminação e às demais formas de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, em
Brasília (DF, 2010).
intolerância étnica.
• Em 2008, foi incluído na rede de educação básica de todo o país o
ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
• Em 2012, foi aprovada a lei de cotas, que estabeleceu reserva de va-
gas para ingresso nos cursos de graduação das instituições federais
de educação superior e ensino técnico. Essa lei destina no mínimo
50% das vagas, por curso e turno, a estudantes que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas. As cotas, porém,
já existiam desde 2001 em algumas universidades públicas estaduais
e federais do Rio de Janeiro.
A maioria dos programas de ação afirmativa nas universidades brasilei-
ras tem adotado o sistema de cotas. Em algumas universidades, utiliza-se
a política do bônus, que oferece pontos a mais no vestibular a alunos de
determinado grupo, sem reservar um percentual de vagas. Na maioria
dos casos, os principais critérios são fatores sociais e econômicos.
Para os defensores da política de cotas, os avanços nos indicadores
socioeconômicos da população afro-brasileira atestam o seu impacto po-
sitivo e mostram a necessidade de promoção da igualdade racial no Brasil,
sobretudo no ensino superior. Outro argumento que afirma a importância
desse tipo de política é o fato de que elas colocam, definitivamente, a
discriminação e o preconceito na agenda pública do país.
Ainda que as ações em curso não sejam suficientes para solucionar
todos os problemas ligados às desigualdades étnico-raciais, elas colocam
em debate a questão da reparação histórica referente à população de
origem africana no Brasil. Com elas, o jovem negro tem hoje oportunidades
que seus pais não tiveram. No entanto, há muito a avançar.

123
ATIvIDADEs

REViSÃO E COMpREEnSÃO
1. O pensamento científico, como um todo, não compreende os conceitos
com base em uma única definição. O conceito de raça, por exemplo,
é analisado de modo diferente pela Biologia e pelas Ciências Sociais.
Apresente as definições propostas pelas duas ciências.
2. Até o final do século XIX, a questão racial era analisada no campo
científico sob a forte influência das teorias do “racismo científico”. No
Brasil, essas ideias só começaram a ser questionadas e desconstruídas
no início do século XX por pensadores como Gilberto Freyre e Florestan
Fernandes. Com base nesse contexto:
a) Caracterize a visão do racismo científico enquanto modelo de análise
para a questão racial.
b) Identifique os elementos que ajudaram a promover a desconstrução
do racismo científico no contexto brasileiro.
3. Diferencie raça de etnia, com base no que você estudou nesta unidade.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


4. Leia o texto e analise o gráfico abaixo. Em seguida, responda: Qual é a
relação entre a questão racial e a educacional?
“O Censo 2010 mostra que os brancos também dominam o ensi-
no superior no país: considerando a faixa etária entre 15 e 24 anos,
31,1% da população branca frequentava a universidade. Em relação
aos pardos e pretos, os índices são de 13,4% e 12,8%, respectivamente.
A pesquisa ainda observou diferenças relevantes na taxa de anal-
fabetismo entre as categorias de cor e raça. Enquanto para o total da
população a taxa de analfabetismo é de 9,6%, entre os brancos esse
índice cai para 5,9%. Já entre pardos e pretos a taxa sobe para 13% e
14,4%, respectivamente.”

disTRibuição dos bRasileiRos de 15 a 24 anos de idade Que


fReQuenTavam escola, poR coR ou Raça, segundo o nÍvel de ensino (em %)

49 49,1 50,8

36,6
34,6 Fundamental
31,1
Ensino Médio
Fonte: MELO, Débora. Brancos ganham o
19,1 Ensino Superior dobro que negros e dominam o ensino
12,8 13,4 Alfabetização de jovens superior no país, mostra Censo 2010.
e adultos UOL notícias. 29 jun. 2012. Disponível em:
0,8 1,5 1,3 <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/
Branca Preta Parda
ultimas-noticias/2012/06/29/brancos-
ganham-duas-vezes-mais-que-negros-e-
dominam-ensino-superior-no-pais-mostra-
censo-2010.htm>. Acesso em: 27 maio 2014.

intERpREtAçÃO E pRÁtiCA
5. Durante uma partida entre Barcelona e Villareal em 2014, o brasileiro
Daniel Alves, lateral do Barcelona, foi cobrar um escanteio e viu uma
banana ser arremessada contra ele. Ele se abaixou, pegou a banana e a
comeu. Em seguida, bateu o escanteio normalmente. Casos de racismo são
comuns no mundo do futebol? Quais são as principais vítimas? Justifique.

124
6. Pode-se afirmar que a charge abaixo é uma crítica à ideia de democracia
racial no Brasil? Justifique sua resposta utilizando os diferentes sentidos
e consequências sociais do racismo e do preconceito social.

novaEs
ExplORAnDO O COtiDiAnO
7. Nesta unidade, estudamos a relação entre as desigualdades e a questão
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

étnico-racial no Brasil. Vamos explorar o cotidiano?


Faça uma pesquisa em jornais e na internet sobre casos de discrimina-
ção racial ocorridos no estado onde você mora nos últimos três anos.
Recorte ou imprima as notícias e cole-as no seu caderno. Em seguida,
identifique os grupos sociais atingidos pela discriminação e registre os
desdobramentos dos fatos, caso as notícias apresentem esses dados (por
exemplo, se houve registro policial, ação de algum órgão público municipal
ou estadual ou de alguma entidade de defesa dos direitos humanos).
Apresente seu trabalho para a turma.

O qUE pEnSAMOS SOBRE


8. Observe a foto e descreva a ação que você vê.
Em seguida, reúna-se com os colegas para discutir que tipo de precon-
ceito a imagem sugere. Com base nesse exemplo, promovam um debate
sobre as formas de racismo presentes na sociedade, considerando como
os nossos valores reproduzem preconceitos.
ayrton vIgnola/FolhaPrEss

Policial militar aborda pessoas na região


central de São Paulo (SP, 2009).

125
vIsõEs DE mUNDO

Mais do que discurso Pesquisa da UFSCar aponta


ou ideologia – como às desigualdade racial na ação da PM
vezes se ouve dizer –,
“A pesquisa ‘Desigualdade racial e segurança pública’ descobriu que
a desigualdade racial em São Paulo, nos anos de 2010 e 2011, entre as vítimas de mortes co-
é uma dura e cruel metidas por policiais, 58% são negras, ao passo que na população re-
sidente do estado o percentual de negros é de 34%. Para cada grupo
realidade, retratada em
de 100 mil habitantes negros, foi morto 1,4, ao passo que, para cada
situações como a descrita grupo de 100 mil habitantes brancos, foi morto 0,5. Ou seja, a propor-
no texto reproduzido. ção de negros entre mortos por ação policial é três vezes maior do que
a de brancos.
Os dados, que mostram que os policiais matam e prendem mais
pessoas negras do que brancas, foram obtidos em entrevistas com po-
liciais, observação de abordagens e análise de dados estatísticos reti-
rados de Inquéritos Policiais, que são acompanhados pela Ouvidoria

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da Polícia do Estado de São Paulo, e ainda em dados obtidos junto à
Secretaria de Segurança Pública.
A pesquisa, a primeira realizada no programa ‘Segurança Públi-
ca e Relações Raciais’, que envolve integrantes do Grupo de Estudos
sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC) e do Núcleo
de Estudos Afrobrasileiros (Neab), ambos ligados ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da UFSCar, foi coordenada pela
professora Jacqueline Sinhoretto, docente do Departamento de So-
ciologia (DS) da Universidade. Segundo Jacqueline, os números dei-
xam evidente a ausência de políticas de segurança pública para a
população negra, que culmina nas altas taxas de mortalidade por
homicídio neste grupo.
Foi constatado ainda que a vigilância policial é operada de modo
racializado. Em São Paulo, a taxa de flagrantes de negros é mais que o
dobro da verificada para brancos. ‘Estes dados expressam que a vigilân-
cia policial privilegia as pessoas negras e as reconhece como suspeitos
criminais, flagrando em maior intensidade as suas condutas ilegais, ao
passo que os brancos gozam de menor vigilância da polícia sobre suas
atividades criminais’, relata Jacqueline.
Além de analisar casos de discriminação racial na atuação policial,
foram observadas as estratégias dos movimentos sociais para levar
adiante as denúncias de racismo institucional no campo da segurança
pública. Mas, segundo Jacqueline, as instituições policiais militares são
pouco permeáveis às críticas e propostas dos ativistas. ‘As respostas
das instituições policiais à desigualdade racial no direito à segurança
ainda são muito tímidas. A pesquisa classificou os tipos de respostas
possíveis e constatou que a preocupação com o tema está presente ape-
nas em iniciativas das escolas de formação. O modelo de policiamento
predominante opera ainda uma das faces da racialização das relações
sociais no Brasil’, lamenta a professora.”
Portal News – São Carlos e Região. Pesquisa da UFSCar aponta desigualdade racial na ação
da PM. Disponível em: <www.portalnews.net.br/regiao/10292-pesquisa-da-ufscar-aponta-
desigualdade-racial-na-acao-da-pm-em-sao-paulo.html>. Acesso em: 27 maio 2014.

126
gIusEPPE bIzzarrI/FolhaPrEss
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Pesquisa constata que a polícia age de modo


atividades discriminatório contra a população negra
no Brasil. Na foto, policiais revistam um
OBtER infORMAçõES jovem negro durante operação de retomada
do Complexo do Alemão, conjunto de
1. Qual o tema da pesquisa realizada pela UFSCar? favelas localizado na zona norte da capital
fluminense. Rio de Janeiro (RJ, 2010).
2. Qual a constatação da pesquisa?

intERpREtAR
3. De que modo os dados da pesquisa indicam a existência de discrimi-
nação racial na ação da polícia?
4. De acordo com os pesquisadores, por que as ações e denúncias dos
movimentos sociais não modificam esse quadro?

REflEtiR
5. Compare os dados apresentados na pesquisa com a realidade do
bairro onde você mora. Discuta com os colegas se eles confirmam
ou não a existência de discriminação racial na ação da polícia.

127
diReiTo É diReiTo

Ações afirmativas nas universidades públicas


A constatação das profundas desigualdades entre superior brasileiro, mas ela pode existir também,
brancos e negros e dos efeitos perversos da discri- por exemplo, sob a modalidade de bônus (acréscimo
minação racial no Brasil fez com que as ações afir- de pontos à prova de seleção). Outra característica
mativas no ensino superior fossem crescentemente das ações afirmativas no ensino superior público
adotadas como um mecanismo de construção da brasileiro é que a maioria dos programas associa
igualdade racial em nosso país. As ações afirmativas o uso de critérios raciais a critérios sociais (ser
são medidas temporárias adotadas pelo Estado e estudante de escola pública e/ou renda familiar).
pela iniciativa privada para promoção da igualdade A criação de ações afirmativas que utilizam crité-
de oportunidades e correção das desigualdades. rios raciais nas universidades públicas, no entanto,
Isso significa afirmar que se considera justo em gerou um debate acalorado sobre a eficácia de
um país no qual as desigualdades são causadas tais medidas. De um lado, aqueles que veem neste
pela discriminação ou por chances desiguais de tipo de medida uma ameaça ao preceito da igualdade
acesso a educação, emprego e demais serviços de todos perante a lei e o perigo de acirramento

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que o Estado se empenhe em ações em favor dos da intolerância racial. De outro, os defensores das
grupos em desvantagem. ações afirmativas argumentam que sem políticas
As cotas (reserva de vagas) são a forma privi- voltadas para os grupos mais desprivilegiados,
legiada de adoção deste tipo de política no ensino seria necessário décadas para igualar brancos e
negros. Assim, tratar da mesma forma cidadãos
diagRama de disTRibuição que tiveram oportunidades muito desiguais é visto
de vagas pela lei de coTas
como uma negação do dever do Estado de construir
Quantidade total a igualdade. Além disso, indicam que a experiência
de vagas no curso
em diversas universidades tem mostrado que não
no mínimo há sinal de aumento do conflito racial.
50%
O ano de 2012 representou um marco histórico
alunos da Escola Demais vagas
para a discussão do tema no Brasil. Nesse ano, o
Pública Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que as
ações afirmativas com corte racial não ferem a
50% Constituição brasileira e são necessárias para con-
cretizar o princípio da igualdade. Outro marco foi
alunos com alunos com
renda ≤ 1,5 salário renda > 1,5 salário
a aprovação da “Lei de Cotas” (Lei 12.711/ 2012),
mínimo per capita mínimo per capita que instituiu a reserva de vagas nas instituições
federais de ensino superior e médio para estu-
no mínimo
% IBGE
no mínimo
% IBGE
dantes de escolas públicas, com cotas para pretos,
pardos e indígenas.
Pretos, Pardos Pretos, Pardos
e Indígenas Demais vagas e Indígenas Demais vagas
(PPI) (PPI) Reflexão
Nesta unidade aprendemos que não existem bases
Fonte: CARVALHAES, F.; FERES, J. J.; DAFLON, V.
científicas que permitam distinguir raças humanas.
O impacto da Lei de Cotas nos estados: um estudo Como podemos explicar que uma lei que define
preliminar. Textos para discussão GEMAA direitos para os indivíduos com base em critérios
(IESP-UERJ), n. 1, 2013, pp. 1-17. Disponível em:
<http://gemaa.iesp.uerj.br/files/TdP/TpD_gemaa_1.pdf>. raciais seja considerada constitucional?
Acesso em: 5 maio 2014.

128
iNDicaÇões

RepRodução
Para ver O mundo das pessoas

RepRodução
Justiça seja feita: coloridas
racismo Caio Ducca. Belo
Horizonte: Mazza, 2012.
Direção: Frederico
Tonucci. Brasil, 2012. O livro conta a história de
dois amigos cujos fortes
O documentário mostra a evolução da ques-
laços de amizade perma-
tão racial no Brasil após a abolição da escra-
necem inabalados até o
vidão, em 1888, destacando alguns marcos
momento em que a reali-
legais instituídos para promover a igualdade
dade os leva a perceber uma diferença entre
de direitos e a importância das ações afirma-
eles: a cor. Essa diferença que na infância não
tivas. O documentário também explora casos
tinha a menor importância passa a ser expos-
de racismo e o tratamento jurídico dado em
ta pelo grupo social no qual ambos convivem.
diferentes regiões do Brasil.
O xadrez das cores Para navegar

RepRodução
Direção: Marco
secretaria de Políticas de Promoção da
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Schiavon. Brasil,
igualdade Racial
2004.
<www.seppir.gov.br>
Neste curta-metra-
A Seppir é uma secretaria da Presidência da
gem, a “luta” entre
República ligada ao reconhecimento das lu-
negros e brancos é representada simbolica-
tas históricas do Movimento Negro no Bra-
mente na forma de peças dispostas em um
sil. O site apresenta as estratégias, políticas
tabuleiro de xadrez. Cida começa a traba-
públicas, legislação e dados para a promoção
lhar como doméstica para uma idosa extre-
da igualdade racial e da proteção dos direi-
mamente racista e enfrenta uma situação de
tos de indivíduos e grupos étnicos.
discriminação e humilhação pelo fato de ser
negra, mas encontra no xadrez uma forma Laboratório de análises econômicas,
inteligente de se afirmar e dar uma lição a Históricas, sociais e estatísticas das
sua empregadora. Relações Raciais (LaeseR)
<www.laeser.ie.ufrj.br/PT/Paginas/home.aspx>
Vídeo O Laeser é um espaço de desenvolvimento
O xadrez das cores de pesquisas na área das relações étnico-ra-
ciais que contribui para entender melhor os
Para ler efeitos do racismo e da discriminação na es-
trutura social brasileira. O site reúne artigos,
Os tesouros de Monifa
RepRodução

livros, cursos e vídeos sobre o tema.


Sonia Rosa. Belo
Horizonte: Brinque-Book, centro de articulação de Populações
2009. Marginalizadas (ceaP)
A história narra o encon- <http://ceaprj.org.br>
tro de uma menina com A organização não governamental permi-
sua tataravó, Monifa, que te acesso a diferentes programas, projetos e
chegou ao Brasil em um atividades das áreas de Educação, Formação
navio de tráfico negreiro. para o Trabalho, Direitos Humanos e Defesa
Embora escravizada, Monifa aprendeu a ler da Liberdade Religiosa. O site oferece notícias,
e escrever. Esse conhecimento se tornou o indicações de DVDs e eventos culturais que
seu tesouro, que passou às futuras gerações. valorizam a cultura negra.

129
Começando
a unidade

Muitas vezes, ouvimos frases sobre comportamentos


considerados inadequados a meninos ou a meninas,
Universal/everett ColleCtion/easypix

como: Homem não chora! ou Menina não joga futebol!


As Ciências Sociais relacionam essas normas esta-
belecidas pela sociedade ao debate sobre cultura,
identidade e papéis sociais. Existem atividades desti-
nadas especificamente a meninos ou a meninas? Que
explicação você daria a esse tipo de diferenciação?

Aproveite as impressões trazidas pelos alunos


para reforçar a ideia de que cada sociedade
estabelece determinados papéis sociais e define
expectativas de padrões de comportamento
para homens e mulheres. Exemplos surgem com
facilidade (azul, bola e carrinho para meninos;
cor-de-rosa, balé e boneca para meninas). Desde
os primeiros anos de vida, as típicas brincadeiras
infantis e os esportes reforçam alguns desses
padrões comportamentais, como a ideia de que
homens não teriam a mesma responsabilidade
que mulheres em relação às tarefas domésticas.
Nesse debate inicial, a dificuldade de justificar
essas relações por aspectos naturais permite que
os alunos desmitifiquem a imagem de que os
Objetivos da unidade comportamentos de homens e de mulheres são
determinados por aspectos biológicos.
Ao final desta unidade, você poderá:
• Compreender as principais diferenças entre as
noções de sexo e gênero com base no debate
sobre a dominação masculina.
• Identificar a relação existente entre as desi-
gualdades sociais e as questões de gênero. Cena do filme Billy Elliot (2000),
direção de Julie Walters.

130
7
UNIDADE

GêNEro E
sExUAlIDADE

Q uando nasceu, Tatiana ganhou roupinhas


cor-de-rosa e um quarto todo decorado com
flores, corações e bonecas. Ainda menina, pediu
para entrar em uma escolinha de futebol, mas sua
mãe e seu pai lhe disseram que “aquilo não era coisa
para meninas”. Mesmo assim, Tatiana andava sempre
com a camiseta do seu time preferido, o que sua mãe
reprovava, dizendo: “Coloque um vestido, menina, você é
uma mocinha!”. Um dia, a menina achou curioso quando
seu professor chamou a atenção para as propagandas da TV
que sempre mostravam mulheres fazendo tarefas domésticas
ou comprando produtos de limpeza, nunca homens. Igualzinho
ao que acontecia em sua casa, pensou, onde a mãe cozinhava,
servia as refeições e ainda lavava a louça, enquanto o pai esperava
passivamente diante da televisão. A mãe lhe contou que largou os
estudos quando engravidou. Afinal, não ficava bem deixar um filho
na creche. Anos depois, casada e mãe, Tatiana estava esgotada com
a dupla jornada de trabalho: além de trabalhar fora em período inte-
gral, ao chegar em casa, tinha de cuidar das tarefas domésticas: lavar,
passar, cozinhar, cuidar do bebê. O marido pouco ajudava. Diante dessa
situação, pensava que a única solução seria largar o trabalho, como já tinha
feito com a faculdade. Assim como sua mãe...
Vinícius, por outro lado, quando nasceu ganhou roupinhas azuis e um quar-
to todo decorado com carrinhos e bolas. Desde pequeno, manifestou inte-
resse pelo balé clássico, o que seu pai e sua mãe logo reprovaram veemen-
temente, dizendo: “Balé não é coisa para meninos!”. Cansado de insistir com
os pais, com o passar do tempo, Vinícius foi se conformando, até esquecer
de vez seu sonho de ser bailarino. Jogava bola e acompanhava as corridas de
automóvel, como todos os seus amigos. Mais tarde, entrou para a univer-
sidade e se formou em engenharia mecânica, como seu pai, uma profissão
“de homem”, segundo ele.
Quem traçou as histórias de Tatiana e de Vinícius? As Ciências Sociais mos-
tram como as desigualdades sociais entre os sexos são resultado de relações
históricas de opressão e preconceito. Chamamos isso de questão de gênero.

131
131
CAPÍTULO

13 Sexualidade e gênero

As noções de “sexo” e “gênero”


Quando utilizamos a expressão “sexo”, estamos nos referindo às
características físicas e biológicas de um ser vivo, que pode ser macho
ou fêmea. As diferenças relacionadas aos aparelhos reprodutores e aos
hormônios predominantes em cada sexo da espécie humana podem ser
mencionadas como exemplos dessas características. Nesse sentido, trata-se
de uma definição universalmente empregada pelas Ciências Biológicas.
As Ciências Sociais e as demais Ciências Humanas também estudam

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


o tema da diferença entre homens e mulheres, mas adotam outra pers-
pectiva conceitual: a noção de “gênero”. Afinal, toda cultura estabelece
diferentes padrões de comportamento para homens e mulheres, desen-
volvendo muitas ideias sobre o que seria exclusivamente masculino ou
feminino (figura 1). Essas ideias se estabelecem na sociedade e se tornam
normas sociais, influenciando os indivíduos para que essas expectativas
sejam cumpridas. Por trás da noção de gênero está a cultura na qual
nascemos e somos criados, que define o comportamento esperado de
mulheres e homens.
As Ciências Sociais não aceitam a explicação baseada no “determinismo
biológico” em relação à sexualidade. Em outras palavras, elas refutam a
ideia de que as diferenças físicas e hormonais determinam as diferenças
de comportamento entre homens e mulheres. Isso acontece porque os
comportamentos sociais são estabelecidos por meio do processo de
socialização.
elena sChweitzer/shUtterstoCk

Figura 1. O hábito de presentearmos


bebês meninos e meninas com roupinhas
azuis e cor-de-rosa, respectivamente,
indica que desde muito cedo a sociedade
atribui uma série de expectativas, papéis
sociais e padrões de comportamento
para homens e mulheres.

132
Podemos constatar nos diferentes espaços sociais, tanto no âmbito

rex May BaBoo/CartoonstoCk.CoM


doméstico quanto no profissional, que ser mulher hoje em dia, no Brasil,
é bastante diferente do que era há 150 anos. As mulheres conquistaram
liberdade política e independência, mudaram seu comportamento, seu
modo de vestir e de pensar, suas expectativas de vida. Quando observamos,
por exemplo, as taxas de matrimônio, de divisão do tempo na realização de
tarefas domésticas ou da presença feminina no mercado de trabalho e na
política nas diferentes culturas, percebemos como a expectativa sobre o
comportamento das mulheres é variável. Essas evidências mostram como
aspectos sociais, econômicos e políticos interferem nas relações sociais
estabelecidas entre homens e mulheres, algo que vai muito além das
diferenças biológicas (figura 2).
"Sobre essa questão de 'menino ou menina',
Relações de gênero e a dominação masculina quando eu tenho que decidir?"

Ao analisar a relação entre homens e mulheres com base na noção de Figura 2. A charge indica uma maneira
gênero, as Ciências Sociais entendem que cada sociedade possui diferentes alternativa de pensar as diferenças
entre homens e mulheres para além do
relações sociais de gênero, que, muitas vezes, produzem e reproduzem determinismo biológico.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

uma distribuição desigual de autoridade, status e prestígio entre as


pessoas em função do seu sexo. Por isso dizemos que elas estabelecem
relações de poder (figura 3).
Ao longo do processo de socialização, incorporamos valores típicos
da sociedade na qual estamos inseridos e reproduzimos padrões de
comportamento estabelecidos como “naturais”. No Brasil, essa dinâmica
produz desigualdades que afetam as relações de gênero, criando uma
sociedade com valores e práticas machistas, que desvalorizam as mu-
lheres pela condição biológica do seu sexo e negam a elas os direitos
garantidos aos homens.
Meriel Jane waissMan/istoCk veCtors/Getty iMaGes

Figura 3. As relações entre homens


e mulheres costumam estar
associadas a relações de poder.

133
Desde cedo, observamos comerciais de TV, lemos livros de histórias
infantis e assistimos a filmes que reproduzem imagens estereotipadas
de mulheres e homens. Com frequência, a mulher é apresentada como
responsável pela organização da mesa do café, do almoço e do jantar
(a mulher quase sempre aparece servindo a família nas propagandas),
pela faxina da casa (quem é que sempre aparece segurando um rodo
ou pano de chão?), pelo preparo das refeições (é comum vermos homens
preparando comida em propagandas?), pela lavagem da louça e das roupas
(como nas propagandas de detergente e sabão em pó) ou então como
a criatura frágil, romântica e sonhadora que precisa ser socorrida por
um homem (há centenas de exemplos de filmes, infantis e adultos, em
que o papel passivo da mulher está presente). É assim que, ao longo do
processo de socialização, incorporamos valores que ajudam a construir
a imagem da mulher como um ser subalterno e dependente do homem,
quando não uma espécie de propriedade masculina (figura 4).
alexandre BeCk

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 4. No cotidiano, é possível Esse processo ajuda a entender por que o Brasil possui taxas alarmantes
reconhecer diversas expressões do
machismo presente em nossa sociedade.
de violência doméstica contra a mulher: em 2013, 54% dos brasileiros
admitiram conhecer alguma mulher que já tenha sofrido agressão por
parte de seu parceiro. O machismo também é responsável pelo altíssimo
número de casos de violência sexual cometidos contra mulheres: mais de
50 mil em 2012, segundo dados do 7o Anuário Brasileiro de Segurança
Pública (figura 5).
tânia reGo/aGênCia Brasil

Figura 5. A violência contra a mulher


evidencia a presença de fortes valores
machistas nas relações de gênero no Brasil.
Pesquisa feita em 2013 indicou que a
violência contra a mulher é principalmente
física (44,2%), seguida da psicológica
(20,8%) e da sexual (12,2%). Na foto,
integrantes do bloco Arrastão Feminista
participam de manifestação em defesa dos
direitos das mulheres e em protesto contra a
violência. Rio de Janeiro (RJ, 2014).

134
Identidade de gênero
O fato de nascermos biologicamente homem ou mulher desencadeia
uma série de expectativas que produzem pressões sociais. São elas que
nos levam a assumir determinados comportamentos e estereótipos so-
bre o que é considerado “coisa de homem” e “coisa de mulher” em nossa
sociedade. Essas pressões também influenciam a orientação sexual dos
indivíduos.
Quando a heterossexualidade (atração entre indivíduos de sexos opostos)
é o padrão de comportamento sexual dominante, comportamentos que
fogem à regra são rotulados de “desviantes”. Para fazer valer seu ponto
de vista, a posição dominante afirma seu comportamento como “natural”
e “correto”. Como resultado, temos a criminalização dos demais grupos,
o que contraria os valores modernos de valorização da diversidade e
respeito à diferença. É por isso que ainda hoje ouvimos afirmações de
que a homossexualidade é uma doença ou prática criminosa, uma anor-
malidade ou aberração, embora a comunidade científica internacional a
reconheça como uma forma de sexualidade.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Para as Ciências Sociais, os indivíduos desenvolvem sua “identidade


de gênero” durante o processo de socialização. Durante a construção de
nossa identidade individual e social, nós nos identificamos com determina-
dos padrões e papéis sociais associados a qualquer um dos sexos. Nesse
sentido, um indivíduo que nasça biologicamente homem, por exemplo,
pode desenvolver comportamento e personalidade tipicamente associados
ao sexo feminino. Como esse processo ocorre socialmente e não existe
qualquer componente neurológico ou biológico que determine os com-
portamentos humanos, classificações como “doença” ou “anormalidade”
são rejeitadas na perspectiva dos fenômenos de gênero (figura 6).
isaBela França MaGalhães

Figura 6. As Ciências
Humanas possuem
diferentes conceitos
para compreender a
diversidade de gênero.

135
Reconhecimento da diversidade
Os movimentos sociais que atuam contra a discriminação de indivíduos
homossexuais conseguiram importantes avanços no que diz respeito
ao seu reconhecimento como cidadãos portadores de direitos, como
pessoas que devem ser tratadas de maneira igualitária em qualquer
sociedade democrática. No entanto, é preciso lembrar que a rejeição à
diversidade de gênero ainda gera violência em diversos países, incluindo
GlossÁrIo o Brasil. Em 2012, pelo menos 312 lésbicas, travestis e gays brasileiros
foram vítimas de crimes motivados por homofobia (figuras 7 e 8). Isso
Homofobia: aversão ao homossexual ou
à homossexualidade.
significa que a cada 28 horas um crime desse tipo ocorre em nosso país,
tornando-o o campeão mundial dessa estatística.
nelson antoine/Fotoarena

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


reprodUção

Figuras 7 e 8. Apesar da luta pelo


reconhecimento da diversidade sexual, os
homossexuais ainda são discriminados em
nossa sociedade. Acima, integrantes do
movimento LGBT realizam manifestação
contra a homofobia no centro de São Paulo
(SP, 2014). Ao lado, bâner de campanha que
circulou pela internet denunciando os dados
alarmantes sobre a homofobia no Brasil.

136
o EstraNho Familiar meninos e meninas aprendem tarefas
domésticas na escola: aula obrigatória
na suécia
“ Aprender a limpar a casa, lavar roupas, louças, costurar e co-
zinhar é uma matéria escolar na Suécia. A disciplina de tarefas do-
mésticas ensina ainda direitos do consumidor e economia doméstica
para alunos adolescentes. A aula faz parte do currículo obrigatório
escolar e é para meninos e meninas, como qualquer outra matéria.
E vale nota! A intenção é preparar a garotada e ensinar que cuidar da
casa é dever de todos, sem preconceitos. E não tem aquela história
ultrapassada de que existem tarefas apenas para meninas, nem tra-
balhos que somente meninos podem fazer. Os alunos aprendem
desde cedo que não há diferença entre homens e mulheres, quando
o assunto é afazeres domésticos. Vale salientar que a Suécia é uma
economia altamente desenvolvida. O país ocupa o sétimo lugar no
Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. E a iniciativa pode
sim servir de exemplo para todas as nações, principalmente as
mais machistas. Já passou da hora de o currículo escolar, inclusive o
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

brasileiro, se adaptar à realidade e à evolução humana. Há tempos que


lugar de mulher deixou de ser na cozinha e no tanque. E há tempos,
também, as crianças são obrigadas a aprender na escola matérias
que nunca mais vão usar na vida, além do exame vestibular. Não
seria o caso de repensar, modificar o currículo escolar, e incluir a
disciplina de tarefas domésticas por aqui? Noções de organização,
atividade higiene doméstica, alimentação e cuidados do lar poderiam criar uma

Reflita sobre o dia a dia da sua


geração bem mais participativa e integrada que a nossa. Ou não? ”
OLIVEIRA, Rinaldo de. Meninos e meninas aprendem tarefas domésticas na escola:
escola no que diz respeito aos aula obrigatória na Suécia. Disponível em: <http://sonoticiaboa.band.uol.com.br/
debates sobre gênero no Brasil e noticia.php?i=2319>. Acesso em: 19 maio 2014.

responda às perguntas a seguir.


denizo71/shUtterstoCk

a) Você acredita que a iniciativa


presente em algumas escolas
da Suécia pode contribuir para
uma divisão menos desigual das
tarefas domésticas entre ho-
mens e mulheres na sociedade?
Por quê?
b) Pense em alguma iniciativa que
poderia ser colocada em prática
na escola em que você estuda
(atividades, cursos, seminários,
eventos), a fim de contribuir para
o debate sobre as desigualdades
de gênero na sociedade brasileira.

Habilidades domésticas não são


uma questão de gênero, mas de
aprendizagem. Menino lavando
louça (Estados Unidos, 2013).

137
CAPÍTULO

14 Desigualdades de gênero
no Brasil

Divisão desigual do trabalho doméstico


Muitas vezes, presenciamos ou vivenciamos cenas em que as mulheres
são muito mais cobradas pela execução das tarefas domésticas do que
os homens. Nas famílias, é comum que as mães, e não só os pais, cobrem
muito mais das filhas do que dos filhos o cumprimento de tarefas como
arrumar a cama, guardar as roupas no armário, fazer o prato e lavar a
louça. Não é curioso que as próprias mulheres reproduzam esses padrões?

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Multimídia A experiência repetida desses padrões de comportamento ao longo dos
anos reproduz, de geração em geração, as relações de gênero de nossa
Trabalho e gênero
sociedade. Essa realidade explica por que o Brasil, assim como muitos
outros países, apresenta uma divisão tão desigual no que diz respeito
às tarefas domésticas, gerando inúmeras dificuldades para a trajetória
profissional das mulheres (figura 9).
Por mais que a mulher dedique seu tempo ao aperfeiçoamento de seus
estudos, a divisão desigual do trabalho doméstico faz com que ela tenha,
em geral, uma grande sobrecarga de tarefas, gerando uma desvantagem
competitiva em relação aos homens. Essa desigualdade no ambiente do-
Figura 9. A charge mostra como a divisão
desigual do trabalho doméstico causa méstico contribuiu para a formação de outras desigualdades existentes
prejuízos profissionais às mulheres. no mercado de trabalho.
Nicolas Vardot

138
Nesse sentido, a divisão desigual do trabalho doméstico entre homens
e mulheres não é entendida pelas Ciências Sociais como um processo
natural ou biológico, mas sim como resultado de um processo histórico
e social baseado em valores machistas. Dados recentes indicam que essa
desigualdade é bastante forte na sociedade brasileira (figura 10).
Figura 10. Divisão Do trabalho Doméstico

Horas semanais gastas em afazeres domésticos – 2001-2011 Mulher


Homem
24h
22h 13min
20h 53min

10h 10h 8min


9h 10min

2001 2008 2011


Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Horas semanais gastas em afazeres domésticos, por renda – 2001 e 2011

2001 2011
29h 28min 29h 14min

20h 37min
18h 26min

13h 12h 8min


10h 47min 10h 45min
9h 49min 9h 23min
7h 7h 21min

Até 1/2 De 3 a 5 Mais de 20 Até 1/2 De 3 a 5 Mais de 20


salário salários salários salário salários salários

Horas semanais gastas em afazeres domésticos, por tarefa*

2h
1h 36min

1h 01min
1h

23min 17min 22min 18min 19min


14min
11min
2min

Preparar, servir Limpar o Manutenção Compras Outros


a comida e domicílio de roupas
lavar louça e sapatos

*Dados da Pesquisa piloto de uso do tempo 2009, do IBGE.

Fontes: O Globo. Rio de Janeiro. 9 ago. 2013, p. 27; ALMEIDA, Cássia. Entre as mais pobres, carga de trabalho chega a quase o triplo. O Globo. 3 nov. 2012. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/economia/entre-as-mais-pobres-carga-de-trabalho-chega-quase-triplo-6628152>. Acesso em: 19 ago. 2014.

139
Jornada dupla
Além de confirmar que a divisão desigual dos serviços domésticos
e do cuidado com os filhos se manteve praticamente igual ao longo da
última década, os dados nos levam a pensar sobre a questão da dupla
jornada que a mulher brasileira vivencia. Como as mulheres correspon-
dem a cerca de 42% do total da força de trabalho no Brasil, fica claro que
elas tendem a acumular a jornada de trabalho semanal com o excesso
de tarefas domésticas.

Mulheres no mercado de trabalho


A desigualdade de gênero no Brasil se expressa de maneira evi-
dente no mercado de trabalho. Uma das maneiras de constatar essa
afirmação é relacionar os anos de estudo com o salário recebido. Em
uma sociedade capitalista, na qual, em tese, o mérito de cada indivíduo
deveria ser recompensado, aqueles que estudaram e se especiali-
zaram deveriam receber remuneração maior. Quando consideramos a
questão de gênero no Brasil, essa relação supostamente automática

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 11. A disputa entre homens e
mulheres em nossa sociedade sofre não está presente.
fortíssima influência do machismo, já que
mulheres são claramente discriminadas
Em 2011, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) indicava
em termos salariais, mesmo quando que as mulheres representavam 60% dos estudantes de graduação e de-
apresentam a mesma qualificação de um tinham 51,1% dos diplomas de pós-graduação. No entanto, o rendimento
homem no ambiente de trabalho. Além
disso, as mulheres encontram obstáculos médio mensal dos homens brasileiros foi de R$ 1.417,00, enquanto o das
muito maiores para ascender na carreira. mulheres foi de R$ 997,00. Em outras palavras, as mulheres recebiam
apenas 70,4% do rendimento salarial dos homens, mesmo tendo
estudado mais do que eles (figura 11).
Considerando o cenário internacional, o Índice Global de
rodriGo de Matos/Cartoon MoveMent

Desigualdade de Gênero 2013, elaborado pelo Fórum Econômico


Mundial, coloca o Brasil na 117a posição entre 126 países no
que diz respeito à igualdade de salários. Na ocasião, foi apon-
tado que, mesmo realizando um trabalho igual, as mulheres
brasileiras recebiam apenas 54% do valor pago aos homens,
em média.
A diferença salarial não é a única forma de se constatar
a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Con-
siderando que, entre 2004 e 2010, as mulheres obtiveram
mais títulos de mestrado e doutorado do que os homens no
Brasil, era de se esperar que elas ocupassem altos cargos
de chefia em nossa sociedade. Contudo, em
2010, um levantamento indicou que apenas
14% das posições de destaque das quinhentas
maiores empresas brasileiras eram ocupadas
por mulheres. Esse dado está diretamente
relacionado à mentalidade machista presen-
te no mercado de trabalho, que concede, por
exemplo, mais promoções aos funcionários
homens e os indica com maior frequência a
cargos de chefia.

140
Mulheres na política
No mundo político, o cenário desfavorável às mulheres infelizmente
se repete. Dados de 2013 apontam que apenas 44 dos 513 deputados
federais eram mulheres (totalizando 8,6%). Por sua vez, dos 81 senadores,
13 eram mulheres (apenas 16%). Nesse mesmo ano, menos de 10% das
prefeituras eram comandadas por mulheres e as Câmaras Municipais
tinham cerca de 12% de vereadoras. Esses dados colocam o Brasil na
121a posição no ranking de igualdade entre homens e mulheres na polí-
tica, em um universo de 189 nações (figura 12).
FIGURA 12. PORCENTAGEM DE MULHERES OCUPANDO CARGOS PARLAMENTARES
Câmara dos Deputados Senado

8,6 Brasil 16,0


22,0 Inglaterra 20,1
18,9 França 22,1
Pais que
tem maior 32,8 Alemanha 21,7
porcentagem 30,6 Espanha 33,5
de mulheres 16,8 Estados Unidos 17,0
ocupando cargos
24,7 Canadá 35,9
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

parlamentares.
Conta com uma 15,2 Uruguai 12,9
política de cotas. 14,2 Chile 13,2
26,2 México 22,7
56,3 Ruanda 38,5
4,2 Haiti 3,3

Fonte: Portal Brasil, 16 fev. 2012. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-


justica/2012/02/mulheres-na-politica>. Acesso em: 5 ago. 2014.

Uma pesquisa realizada com mais de dois mil brasileiros em abril de


2013 confirmou o desejo de alterar esse quadro: 8 em cada 10 entrevis-
tados mostraram-se a favor da obrigatoriedade da participação igualitária
de homens e mulheres nos poderes legislativos municipal, estadual e
nacional. Além disso, 74% afirmaram que só haverá democracia de fato
com a presença de mais mulheres nos espaços de poder e de tomada
de decisão (figura 13). Esse resultado parece apontar que o Brasil está,
finalmente, iniciando sua caminhada rumo à igualdade de gênero.
DORIVAN MARINHO/FOTOARENA

Figura 13. Ellen Gracie Northfleet foi a


primeira mulher a assumir o comando do
Supremo Tribunal Federal, a mais alta
instância do Poder Judiciário brasileiro.
Na foto, a ministra analisa recurso
judicial durante sessão plenária em
Brasília (DF, 2010).

141
Yerim e suas coisas cor-de-rosa (Nova Jersey, Estados Unidos, 2005). “As adocicadas coisas cor-de-rosa que recheiam minhas imagens
de menininhas são uma expressão de feminilidade manipulada e generalizada culturalmente”, explica a fotógrafa JeongMee Yoon.

Vidas divididas
As convenções sociais de gênero nos Brasil: População feminina ocupada
afetam profundamente, influenciando des- por setor de trabalho – 2012
de as brincadeiras da infância até a vida
afetiva e profissional dos adultos. Antigos Serviços domésticos 14,7%
ideais patriarcais que reservavam para os Educação, saúde e serviços sociais 17,6%
homens o papel de responsável pelo sus-
tento econômico, dominando os meios de
Alojamento e alimentação 6,3%
produção mercantil de bens e serviços, e Outras atividades 14,5%
para a mulheres as tarefas relacionadas à Comércio e reparação 17,4%
reprodução social e aos cuidados da casa, Administração pública 5,4%
de crianças, idosos e doentes, continuam Indústria 11,9%
presentes na cultura globalizada.
Agrícola 9,8%
Observe os gráficos ao lado e note como
Transporte, armazenagem e comunicação 1,7%
homens e mulheres se distribuem de maneira
desigual no mercado de trabalho brasileiro. Construção 0,6%

142
Fotos: JeonGMee yoon
Steve e SuaS coiSaS azuiS (Nova York, Estados Unidos, 2006). Nos retratos percebe-se como famílias de países e grupos étnicos muito distintos
têm sido igualmente afetadas pelos mesmos padrões urbanos de consumo em massa, que reproduzem as desigualdades de gênero.

Brasil: População masculina ocupada Rosa e azul


por setor de trabalho – 2012 Os retratos acima foram produzidos pela
artista JeongMee Yoon, sul-coreana que, des-
0,9% Repare na coincidência: a distribuição por de 2005, fotografa crianças e seus pertences
gênero no setor de serviços domésticos, como forma de discutir questões de gênero e
3,9% o que mais exclui homens, é quase um
espelho da distribuição no setor da a globalização de padrões de comportamento
3,6% construção, o que mais exclui mulheres. urbanos. Segundo ela, o uso convencional do
11,7% cor-de-rosa para meninas e azul para meni-
18% Mesmo nos setores mais igualitários, nos é recente e sua difusão pelo mundo é um
os homens ainda têm maior acesso a
5,6% renda e promoções. exemplo atual dos processos de globalização
15,6%
ocorridos “sob efeito da publicidade nas pre-
Na análise da distribuição por gênero, ferências de consumo”.
17,5% é importante destacar que no setor
da construção, embora os homens
Veja outros retratos no site da artista:
8,5% predominem, as mulheres ocupam <www.jeongmeeyoon.com/aw_ pinkblue.htm>.
14,8% cargos mais qualificados.
Fonte: IBGE. PNAD - Síntese de indicadores 2012. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em <www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2012/default_sintese.shtm>. Acesso em 23 jul. 2014.

143
ATIvIDADEs

ReviSão e CompReenSão d) O estabelecimento de diferentes papéis sociais


1. Leia o texto para responder às questões a seguir. para homens e mulheres em qualquer sociedade
torna legítima e consensual, para as diferentes
“Segundo ranking anual do Fórum Econômico categorias de sexo, a superioridade intelectual
Mundial, o Brasil avançou 20 posições em termos dos homens.
de igualdade de gênero, saindo da 82a para a 62a po- e) A desigualdade de gênero é exclusivamente configu-
sição entre 135 países pesquisados. O aumento da rada na esfera profissional, uma vez que o fenômeno
participação feminina em cargos políticos e em da subordinação da mulher ao homem atravessa
sistemas educacionais são os principais respon- todas as classes sociais.
sáveis pela melhoria do índice.
Mas, afinal, o que é gênero? Desde maio de 2012, inteRpRetação e pRátiCa
quando a Secretaria de Estado da Mulher lançou
3. A imagem abaixo registra um fenômeno cada vez
o projeto ‘As Mulheres dão as Cartas’, do Mutirão
mais presente na sociedade brasileira: manifes-
Rede Mulher, a pasta se propõe a discutir com a
tações organizadas por grupos feministas para
sociedade essa questão [...]. A distinção entre gê-
denunciar práticas de violência contra mulheres.
nero e sexo é tão complexa de ser compreendida
Reflita sobre o conteúdo do cartaz e responda às

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


e transportada para o cotidiano que cada ação do questões a seguir.
Mutirão Rede Mulher dura, em média, duas horas
e meia.”

anderson BarBosa/Fotoarena
SALES, Carolina. Compreendendo as diferenças entre
gênero e sexo. Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal.
Disponível em: <www.mulher.df.gov.br/noticias/item/2126-
compreendendo-as-diferencas-entre-genero-e-sexo.html>.
Acesso em: 20 maio 2014.

a) Estabeleça a diferença, segundo o pensamento


científico, entre os conceitos de “sexo” e “gênero”.
b) Por que é possível afirmar que a questão de gênero
é uma construção cultural? Apresente exemplos
concretos que justifiquem sua resposta.

2. Com base no debate desenvolvido nesta unidade e


nos seus conhecimentos sobre as questões de sexo
e gênero, assinale a opção correta:
a) No passado, as sociedades ocidentais modernas
destinaram às mulheres o papel de educação e so-
cialização dos filhos. Contudo, nas últimas décadas
do século XX, houve uma nova configuração familiar,
na qual os papéis de homens e mulheres tornaram-
-se mais dinâmicos.
b) O fato de as mulheres terem se consolidado como Mulheres participam de manifestação em São Paulo
produtoras das atividades domésticas pode ser (SP, 2011).
explicado em função de sua capacidade natural para
a realização dos afazeres da casa e da socialização a) O tema das manifestações está ligado à noção de
dos filhos. gênero? Por quê?
c) As relações sociais não podem ser usadas como ar- b) Busque e apresente dados sobre violência sexual
gumento para justificar a influência na confirmação contra mulheres na cidade ou no estado onde você
dos papéis centrais desenvolvidos por homens e por mora e verifique se houve aumento ou redução dos
mulheres. casos nos últimos dez anos.

144
exploRanDo o CotiDiano
4. Nesta unidade, discutimos questões referentes a gênero e sexualidade.
Aprendemos como a desigualdade entre os gêneros é socialmente construída
e que, ainda hoje, muitas mulheres sofrem diferentes formas de preconcei-
to e violência, seja em casa, no trabalho, na política ou na rua. Na sociedade
brasileira, os números da violência contra a mulher são alarmantes e vêm
merecendo atenção cada vez maior da sociedade civil e do poder público.
Vamos explorar o cotidiano e entender melhor essa situação.
Reúnam-se em grupos para fazer uma pesquisa sobre os números da
violência contra a mulher no Brasil e nos diferentes estados brasileiros.
Cada grupo será responsável por pesquisar um estado. Apresentem os
dados obtidos para a turma, relacionando-os com as discussões desen-
volvidas na unidade.

o que penSamoS SoBRe


5. Observe as imagens abaixo e relacione-as ao que você aprendeu nesta
unidade para organizarmos um debate em sala de aula.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Blake FitCh/GlasshoUse iMaGes/easypix

Fernando Favoretto
Menina brinca de carrinho. Meninos brincam de boneca.
Fernando Favoretto

Meninos e meninas compartilham brincadeiras.

a) As brincadeiras infantis influenciam a construção da identidade de


gênero? De que forma elas são capazes de nos fazer incorporar padrões
de comportamento socialmente associados a determinado gênero?
Discuta com a turma como isso ocorre nos dias de hoje.
b) Comente as fotos reproduzidas acima. O que elas evidenciam?

145
VISÕES DE MUNDO

AKG-IMAGES/ALBUM/LATINSTOCK
Os avanços na condição
de vida das mulheres
devem-se em grande
parte à atuação do
movimento feminista.
Contudo, ainda há muito
a ser feito por homens
e mulheres para que
essas conquistas sejam
respeitadas.

As mulheres lutam por liberdade e igualdade de


direitos de acordo com o tempo em que vivem
e com as conquistas que as gerações anteriores
obtiveram. Acima, ativistas participam de protesto
em favor do voto feminino, em Londres (Reino
Unido, c. 1910). Abaixo, passeata de grupos
feministas no Rio de Janeiro (RJ, 2014).
ILAN PELLENBERG/
FUTURA PRESS

146
O feminismo: valeu a pena, sim!
“Afinal, o feminismo valeu a pena? O que é que nós ganhamos, o di-
reito de correr o dia inteiro? Perguntou-me a jovem, profissional reco-
nhecida, mãe eternamente culpada, vivendo aos trancos e barrancos
uma relação amorosa tensa.
Na pergunta quase uma acusação, de uma geração a outra, as supos-
tas vítimas do feminismo contra aquelas que inventaram a libertação
da mulher. [...] Essa jovem não conhecera e nem sequer imaginaria a atividades
humilhação de ter que pedir dinheiro ao marido, experiência corriqueira
e dolorosa das gerações que a precederam. Escolhia seus amores, vivera oBteR inFoRmaçÕeS
até então sua sexualidade sem dar satisfações a ninguém, senhora de
um mundo em que as proibições e os interditos encolhem a cada dia.
1. Identifique a temática central
Jamais um homem ousara levantar a mão para ela e a violência con- do texto.
tra as mulheres conhecia apenas da leitura da Lei Maria da Penha, que 2. Apresente duas razões que
as feministas lutaram anos para, recentemente, aprovar. Em suma, a justifiquem a importância do
perfeita herdeira das conquistas de mulheres que correram imensos movimento feminista para
riscos, levando suas vidas ao pé da letra dos textos que escreviam, na as mulheres hoje, segundo a
contramão das convenções, das ironias e até mesmo do desrespeito. A autora.
condição de herdeira sempre justifica uma atitude meio blasé em face
dos confortos herdados, mas basta imaginá-los suprimidos para saber inteRpRetaR
o quanto valeu a pena. [...]
As feministas tinham razão quando se queixavam de que as mulhe- 3. O que causa o sentimento de
res assumiam muito mais responsabilidades do que os homens na vida frustração na jovem mulher
privada, mesmo quando respondiam por metade do orçamento fami- citada no primeiro parágrafo?
liar. Mas enganaram-se quando buscaram a solução numa negociação 4. De acordo com a autora, qual
doméstica como se fora um problema de organização do cotidiano que deve ser a bandeira de luta das
depende apenas de mudanças de mentalidade. [...] mulheres de hoje?
Oculta na intimidade dos lares, a difícil conciliação entre trabalho
e vida privada ainda não foi chamada pelo nome de problema social. ReFletiR
Um problema só encontra solução quando é reconhecido como tal.
A ocultação do privado, que os empregadores insistem em ignorar, é a 5. Em grupos, discutam as con-
verdadeira responsável pelo mal-estar cotidiano de homens e mulhe- quistas obtidas pelas mulheres
res, pois, na vida real, as vidas multifacetadas, as dimensões do público nas últimas décadas.
e do privado se misturam como as imagens de um caleidoscópio. Res- 6. Debatam a seguinte questão:
ponsável também por problemas correlatos, mas não menos relevan- que outras conquistas precisam
tes, como a juventude que cresce entregue a si mesma ou idosos que ocorrer para que tenhamos, de
carecem de uma atenção que requer tempo. [...] fato, uma sociedade sem distin-
Cada geração tem sua causa, tributária, pelo sim ou pelo não, da ção de direitos entre homens
que a precedeu. O feminismo valeu a pena, sim. A uma nova geração e mulheres?
de mulheres, desta vez com o apoio dos homens, cabe a defesa de mais
esse aspecto da liberdade, algo que as feministas de então teriam tal-
vez chamado ‘nosso tempo nos pertence’.”
OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. Chão de terra. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

147
DirEito é DirEito

lei maria da penha


A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
da Penha, expressa o necessário respeito aos di- controlar suas ações, comportamentos, crenças
reitos humanos das mulheres e cria mecanismos e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
para coibir a violência doméstica e familiar contra humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
a mulher. constante, perseguição contumaz, insulto, chan-
No seu Artigo 2o, afirma que toda mulher, inde- tagem, ridicularização, exploração e limitação do
pendentemente de classe, raça, etnia, orientação direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeter-
religião, goza dos direitos fundamentais inerentes minação; III – Violência sexual – entendida como
à pessoa, sendo-lhe asseguradas as oportunidades qualquer conduta que a constranja a presenciar,
e facilidades para viver sem violência, preservar a manter ou a participar de relação sexual não de-
sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento sejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou
moral e intelectual. uso da força; que a induza a comercializar ou a
Ela ainda define a violência doméstica e familiar utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade; que a

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


contra a mulher como qualquer ação ou omissão impeça de usar qualquer método contraceptivo ou
baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano prostituição, mediante coação, chantagem, suborno
moral ou patrimonial. ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de
São formas de violência doméstica e familiar seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – Violência
contra a mulher, entre outras, segundo essa lei: patrimonial – entendida como qualquer conduta que
“I – Violência física – entendida como qualquer con- configure retenção, subtração, destruição parcial
duta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,
II – Violência psicológica – entendida como qualquer documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
conduta que lhe cause dano emocional e diminuição recursos econômicos, incluindo os destinados a
da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o satisfazer suas necessidades; V – Violência moral –
entendida como qualquer conduta que configure
reprodUção

calúnia, difamação ou injúria.”


O nome popular Lei Maria da Penha foi dado em
homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes,
biofarmacêutica cearense que por vinte anos lutou
para ver seu agressor, o ex-marido, preso. A lei en-
trou em vigor em agosto de 2006 e fez com que a
violência contra a mulher deixasse de ser tratada
como um crime de menor potencial ofensivo.

reflexão
1. De acordo com o texto, o que é violência do-
méstica e familiar?
2. Quais são as formas de violência doméstica e
familiar contra a mulher?
Capa da cartilha da Lei Maria da Penha.
A informação é um instrumento 3. Por que a lei é popularmente chamada de Lei
fundamental no combate à violência Maria da Penha?
doméstica e familiar contra a mulher.

148
iNDicaÇõEs

para ver que viveu os preconceitos da sociedade

reprodUção
patriarcal brasileira no começo do sécu-
a marvada carne lo XX. Sua atuação política foi um marco
Direção: André Klotzel. na luta das mulheres pelos seus direitos no
Brasil, 1985. Brasil.
A comédia conta as aventu-
o que é violência contra

reprodUção
ras de Carula, moça simples
do interior que tem o grande a mulher
sonho de se casar. Por meio Maria Amélia de
do humor, o filme evidencia a condição su- Almeida Teles; Mônica
balterna da mulher e a centralidade do poder de Melo. São Paulo:
paterno nas sociedades tradicionais. Brasiliense, 2002.
(Coleção Primeiros
Eu os declaro marido...

reprodUção
Passos)
e larry
A obra discute uma das
Direção: Dennis Dugan.
questões mais presentes na realidade bra-
Estados Unidos, 2007.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sileira: a violência contra a mulher, também


Preocupado por não conse-
conhecida como violência de gênero, trata-
guir colocar os filhos como
da durante séculos como elemento “natu-
beneficiários de seu seguro
ral” da vida privada.
de vida, Larry pede ao ami-
go Chuck para ser seu “marido” em alguns
formulários burocráticos. De forma jocosa, o
para navegar
filme permite discutir as diversas relações de cartilha Direitos da mulher
gênero nos Estados Unidos e os novos forma- <www.unfpa.org.br/Arquivos/cartilha_
tos de família vigentes. direitos_mulher.pdf>
tomboy Com imagens ilustrativas, a cartilha apre-
reprodUção

Direção: Céline Sciamma. senta os principais dados que evidenciam


França, 2011. os diversos tipos de violência sofridos pelas
O título do filme se refere à mulheres no Brasil.
denominação dada a meninas
oNu mulheres
que gostam de agir como me-
ninos. Laure é uma menina <www.onumulheres.org.br>
de dez anos que usa cabelo O Portal da Organização das Nações Unidas
curto e gosta de vestir roupas oferece notícias, dados, imagens e vídeos
masculinas. Ao se mudar com a família para sobre a realidade atual da mulher no Brasil
uma nova casa, a garota se apresenta aos no- e no mundo.
vos amigos como Mickaël e, a partir daí, passa
guia interativo da
a levar uma vida dupla.
desigualdade de gênero
no mundo – bbc
reprodUção

para ler
<www.bbc.co.uk/portuguese/
Pagu noticias/2013/10/131025_mapa_
Lia Zatz. São Paulo: Callis, intereatividade_mulheres_fl.shtml>
2011. O site da BBC apresenta um mapa interativo
Patrícia Galvão, a Pagu, foi com dados sobre desigualdades de gênero
uma jornalista e escritora ao redor do mundo.

149
8
UnidAde
ECONOMIA E
SOCIEDADE

Q uando Roberto ainda era


criança, sua família se mu-
dou do sertão para a cidade em
busca de melhores oportuni-
dades de emprego e condições
de vida. Hoje Roberto é casado,
pai de um menino de dois anos e
dono de uma pequena empresa
de lava a jato, distante 40 minu-
tos de carro do bairro onde mora.
Ele acorda cedo todos os dias e, à noi-
te, quando chega do trabalho, divide
com a esposa as tarefas domésticas.
Para chegar à situação atual, Roberto
precisou superar uma série de obstácu-
los e contar com a ajuda de programas
sociais para ascender socialmente. Com
o auxílio da renda que sua mãe recebia
do governo, terminou o ensino básico e
conseguiu seu primeiro emprego. Quando
completou dezoito anos, fez um curso na
área de administração. Depois de formado,
conseguiu, com muito esforço, montar seu Explore a percepção
da turma com base
próprio negócio. Hoje Roberto pode oferecer em situações concretas
de pobreza e riqueza
melhores condições de vida para seu filho. verificadas no próprio local
de residência dos alunos.
Roberto, no entanto, sabe que é uma exce- Embora a riqueza seja
produzida socialmente, sua
ção. A maioria das pessoas pobres com as quais distribuição é muito desigual e
varia de acordo com as classes
sua família convivia continua pobre, apesar de sociais e a situação de status de
cada região e país. Em relação
seus esforços pessoais para melhorar de vida. às políticas de distribuição de
renda, são comuns as críticas pelo
A forma como cada sociedade cria e distribui fato de, supostamente, gerarem
acomodação entre os beneficiários,
a riqueza produzida determina as oportunidades desestimulando-os a procurar
trabalho. No entanto, dados recentes
de cada um no sentido de atender às suas neces- demonstraram que 75,4% de ex-
-beneficiários do Bolsa Família estão
sidades. As desigualdades econômicas se origi- trabalhando e 1,7 milhão de titulares
nam da distribuição desigual da riqueza, e a sua deixaram de receber ajuda do governo.

superação deve ser buscada em outras formas de


organização de produção e distribuição das riquezas. Candido Portinari. Retirantes, 1944.
Óleo sobre tela, 190 cm x 180 cm.

150
Começando
a unidade

O caso de Roberto é um exemplo de indivíduo que


superou a pobreza por meio do esforço pessoal e do
auxílio de programas governamentais de distribuição
de renda. Programas desse tipo são necessários? Que
relação têm esses programas com a forma como a
riqueza é produzida e distribuída na sociedade? Qual
a relação entre pobreza e desigualdade no Brasil?

rEProdução autorIzada Por João


CandIdo PortInarI – ImagEm do
aCErVo do ProJEto PortInarI

Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Compreender como ocorre a produção da
riqueza e sua distribuição nas sociedades
humanas.
• Analisar a relação entre riqueza, pobreza e
desigualdade.

151
CAPÍTULO

15 A produção e distribuição
da riqueza

A produção da riqueza

Edson sato/Pulsar ImagEns


A noção de riqueza costuma estar associada à abundância
de dinheiro e propriedades, mas ela também pode se referir
ao acesso a serviços como saúde, educação e transporte, entre
outros. Nesse sentido, a quantidade e a qualidade dos serviços
seriam símbolos de riqueza.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Estamos acostumados a entender a riqueza tendo como
referência nossa própria condição ou a sociedade em que
vivemos, daí classificarmos os indivíduos e grupos sociais com
base no senso comum. Desse ponto de vista, a riqueza é relativa
a um critério socialmente aceito. Assim, em uma comunidade
de agricultores na qual todos utilizam as próprias mãos para
arar, a posse de um animal de tração, como um boi ou cavalo,
pode ser sinal de riqueza, do mesmo modo que a posse de
um segundo carro num condomínio urbano em que a maioria
dos moradores possui um único automóvel. Podemos afirmar,
portanto, que a riqueza é relativa e um grupo pode entender
como pobreza uma condição que para outro é de fartura.
Paulo FrIdman/BloomBErg/gEtty ImagEs

Trabalho e necessidades socialmente construídas


Uma forma de avaliar a relação entre pobreza e riqueza em
diferentes sociedades consiste em encontrar um critério de
análise que seja válido para todos. Esse critério se refere às
necessidades mínimas de existência em determinada socie-
dade. Desse modo, uma pessoa é considerada pobre ou rica
na medida em que possui menos ou mais do que o mínimo
necessário para viver.
Toda produção material é fruto do trabalho humano e serve
para satisfazer às necessidades humanas. Cada sociedade,
porém, tem necessidades específicas, que são socialmente
construídas (figuras 1 e 2).
Figuras 1 e 2. Por meio do trabalho, as diferentes sociedades
transformam a natureza para atender às suas necessidades. Quanto
mais avançada a tecnologia utilizada nas atividades produtivas, mais
complexa a divisão do trabalho e maior a produção de riqueza. Acima,
homem Yanomâmi da aldeia Marari produz cesta de vime em Barcelos
(AM, 2010). Ao lado, operários trabalham na linha de montagem de
uma indústria de motocicletas em Manaus (AM, 2014).

152
O desenvolvimento das forças produtivas ao longo da história resul- GLOSSÁRIO
tou na divisão social do trabalho nos diferentes setores de atividade:
Forças produtivas: o termo se refere
primário (agropecuária), secundário (indústria) e terciário (serviços). a tudo aquilo que é necessário para
Veja as figuras 3, 4 e 5. produzir: matérias-primas, ferramentas,
máquinas, conhecimento técnico e
trabalho humano.

thomaz VIta nEto/Pulsar ImagEns


Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

danIEl tEIxEIra/Estadão ContEúdo


alExandrE tokItaka/Pulsar ImagEns

Figuras 3, 4 e 5. A divisão do trabalho,


tanto em setores quanto em especialidades,
permitiu às sociedades humanas
desenvolver suas forças produtivas e
aumentar a produção de riquezas, criando
uma interdependência que estabelece laços
sociais. De cima para baixo: trabalhadora
rural colhe couve em São José do Rio Preto
(SP, 2013); operário supervisiona produção
de óleo de soja em uma cooperativa de
Campo Mourão (PR, 2012); produtos
agrícolas à venda em um mercado de
São Paulo (SP, 2012).

153
GLOSSÁRIO Apropriação desigual da riqueza
Economia: sistema de produção, Outra consequência do avanço das forças produtivas está na forma
distribuição e consumo de bens e como os diferentes grupos sociais se apropriam da riqueza socialmente
serviços de um país, região, estado produzida. A economia de cada sociedade é determinada pelo que ela pro-
ou cidade.
duz, pela forma como produz, por quem produz e por aqueles que se
apropriam da riqueza. Portanto, cada economia desenvolve sistemas
legais e políticas que estabelecem os critérios válidos de propriedade. A
apropriação desigual de recursos gera um cenário de desigualdade social
(figuras 6 e 7). As relações de propriedade, portanto, constituem a base
das desigualdades sociais (figura 8).

OMAR FARUK/REUTERS/LATINSTOCK

SHAKH AIVAZOV/AP/GLOW IMAGES

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figuras 6 e 7. Acima, crianças
em acampamento no distrito de
Howlwadag, ao sul de Mogadíscio

ANGELI
(Somália, 2013). À direita, meninos
em lanchonete da cidade de Tbilisi
(Geórgia, 2003).

Figura 8. A forma como a propriedade


é regulamentada reflete a distribuição
desigual da riqueza produzida em
uma sociedade e estabelece os
princípios das desigualdades sociais
baseadas na economia.

154
Capital
Em cada época histórica predominam determinadas relações de pro-
priedade. No capitalismo, essa relação se estabelece entre os proprie-
tários dos meios de produção e os trabalhadores que vendem sua força
de trabalho em troca de um salário.
Capital, bens de capital ou capital real são termos que se referem a
bens duráveis produzidos e utilizados na produção de mercadorias ou
serviços e capazes de gerar renda ou constituir patrimônio. Nas socie-
dades capitalistas, todo recurso que pode ser aplicado na produção ou
reprodução de riqueza recebe o nome de capital. Toda riqueza é produto
do trabalho humano.
Terras, máquinas e matérias-primas podem ser transformadas em bens
e serviços, portanto constituem capital. A circulação de bens e serviços
gera riqueza e constitui a base do sistema econômico do capitalismo
(figura 9).
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tImothy CarIllEt/drEamstImE/othEr ImagEs

Figura 9. A produção e o consumo


de mercadorias sustentam o
sistema capitalista.

Nas sociedades capitalistas, o capital só existe dentro de um processo


de troca com objetivo de lucro financeiro (figura 10).
adorno

Figura 10. No capitalismo, há sempre


objetivo de lucro, e a distribuição de
riqueza acontece de forma desigual,
pois a produção do trabalhador é
superior ao pagamento que ele
recebe pelo seu trabalho.

155
A distribuição da riqueza no mundo
A distribuição de riqueza está relacionada à distribuição de renda.
A análise do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda per capita são os
indicadores mais utilizados para verificação dessa distribuição, que é
bastante desigual entre os habitantes do planeta. O PIB representa a
soma da riqueza produzida em determinado país e a renda per capita
nada mais é do que o valor do PIB dividido pelo número de habitantes,
ou seja, corresponde ao valor que cada habitante receberia se a riqueza
fosse dividida igualmente entre a população.
O crescimento do PIB, que indica o crescimento econômico de uma
nação, nem sempre significa melhoria na distribuição de renda. Ao anali-
sar a distribuição da riqueza no mundo, é possível verificar que também
na esfera global a riqueza está distribuída de forma muito desigual. São
poucos aqueles que se apropriam da maior parte da riqueza produzida
(figura 11).
figura 11. PirÂMide da disTribuição de renda no Mundo – 2012

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


têm acima de US$ 1 milhão 0,7% US$ 98,7 trilhões Soma da riqueza/patrimônio
têm entre US$ 100 mil do grupo social em dólares
e US$ 1 milhão 7,7% US$ 101,8 trilhões

têm entre US$ 10 mil


e US$ 100 mil
22,9% US$ 33 trilhões

têm menos de
US$ 10 mil

68,7% US$ 7,3 trilhões

Fonte: Instituto Ethos. Disponível


em: <www.ethos.org.br/wp-
content/uploads/2013/10/
Riqueza-mundial2.jpg>.
Acesso em: 20 ago. 2014.

Observando a pirâmide da distribuição de renda no mundo, podemos


verificar que a riqueza mundial está distribuída de forma muito desigual.
Estudos constataram que os 10% mais ricos do planeta detêm 86% da
riqueza mundial, e apenas 0,7% concentra 41% da riqueza produzida.
Estados Unidos e Japão concentram 64,3% dos indivíduos incluídos
no grupo dos mais ricos do mundo, que representam menos de 1% da
população mundial.
Do ponto de vista da economia mundial, os estudos também apontam
o crescimento da soma do PIB dos países, o que representa um aumento
da riqueza produzida no mundo. No entanto, a desigualdade social não só
permanece como continua com índices elevados. Contraditoriamente, um
país pode ser muito rico e seus habitantes muito pobres. Por outro lado,
os habitantes de um país não tão rico podem desfrutar de um padrão de
vida superior ao de uma nação que apresenta maior renda per capita.
O que determina essa diferença é o perfil da distribuição de renda, ou
seja, a forma como a riqueza produzida no país é distribuída entre seus
habitantes, em conjunto com o acesso a bens e serviços públicos, prin-
cipalmente saúde e educação.

156
O ESTRANHO FAMILIAR Desigualdades sociais nos Estados
Unidos: como é o “sonho americano”?
Os Estados Unidos costumam ser retratados como No que diz respeito às desigualdades de renda
um país extremamente próspero, um verdadeiro entre brancos, negros e hispânicos, dados de 2010
paraíso para aqueles que querem competir pelas indicam que os brancos, em média, apresentavam
oportunidades que essa potência econômica, política rendimentos duas vezes maiores que os dos negros e
e militar oferece. Não é à toa que muitos imigrantes hispânicos. No mesmo ano, as estatísticas atestavam
fizeram enormes esforços ao longo da história na que três quartos das famílias estadunidenses brancas
tentativa de viver o chamado “sonho americano”. tinham habitação própria, ao passo que menos de
No entanto, poucas pessoas sabem que o país mais metade das famílias negras e hispânicas a possuíam.
rico do mundo atualmente, com o maior Produto Estima-se que aproximadamente 15% da popu-
Interno Bruto (PIB) do planeta, é extremamente lação do país necessite do auxílio de programas de
desigual em termos de distribuição de renda. transferência de renda semelhantes ao Bolsa Família
Como isso é possível? Vamos analisar alguns brasileiro para não passar fome. Em Nova York, cartão-
dados. Desde 1979, a renda dos estadunidenses -postal do país, com seus arranha-céus e belíssimas
mais ricos subiu 15 vezes mais que a dos pobres. lojas de luxo, cinco mil pessoas recebem benefícios
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Um relatório elaborado pelo próprio Congresso dos para contornar o problema da fome.
Estados Unidos apontou que, entre 1979 e 2007, a
população mais rica aumentou sua renda em 275%,
enquanto a dos 20% mais pobres subiu apenas 18%. Atividade
Estudos elaborados em 2013 indicaram que, ao Como é possível que no atual país mais rico do mundo
longo de 2012, mais da metade de toda a riqueza haja tanta desigualdade social? Justifique sua res-
produzida nos Estados Unidos foi parar nos bolsos posta com base no que você estudou neste capítulo.
de apenas 10% da população mais rica.
SPENCER PLATT/GETTY IMAGES

Pessoas esperam
na fila para receber
alimentação
fornecida por uma
agência sem fins
lucrativos que ajuda
moradores de baixa
renda. Atualmente,
o banco de
alimentos atende
até 5 mil pessoas
por mês no bairro
do Brooklyn, em
Nova York (Estados
Unidos, 2014).

157
CAPÍTULO

16 Desigualdade
econômica e pobreza
no Brasil

Entendendo a pobreza
No Brasil, a distribuição de renda (remuneração recebida regular-
mente) e de riqueza (conjunto de bens, posses etc.) ainda apresenta
grandes disparidades.
Podemos definir a pobreza como uma combinação entre carência
de bens e serviços essenciais para a sobrevivência, como alimentação e

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


moradia, e falta de recursos econômicos (renda e riqueza), associada à
exclusão social (situação de privação que impede a participação social,
econômica e política). O fenômeno social da pobreza pode ser analisado
com base nos conceitos de pobreza absoluta e pobreza relativa.
Pobreza absoluta
A pobreza absoluta se refere ao não atendimento das necessidades
básicas de um indivíduo (figura 12). A percentagem de pessoas com
ingestão diária de calorias inferior ao mínimo necessário (entre 2.000 e
2.500 kilocalorias), por exemplo, é um indicador de pobreza em uma região.
A Organização das Nações Unidas (ONU) utiliza como medida de po-
breza de um país ou uma região a percentagem de habitantes que vivem
em extrema pobreza, com menos de 1,25 dólar por dia.
J. duran maChFEE/Futura PrEss

Figura 12. A ausência de moradia


caracteriza uma condição de
pobreza absoluta. Na foto, um
homem dorme embaixo de viaduto
em São Paulo (SP, 2014).

158
De acordo com a ONU, embora o percentual da população mundial em
situação de extrema pobreza tenha caído de 43%, em 1990, para 22%,
em 2008 (segundo as pesquisas mais recentes disponíveis até o fecha-
mento da edição deste livro), ainda há 1,54 bilhão de pessoas (de um
total de aproximadamente 7 bilhões de habitantes no planeta) vivendo
com menos de 1,25 dólar por dia.
Pobreza relativa
A pobreza relativa indica a situação em que um indivíduo conta com
o mínimo necessário para sua subsistência, mas não possui recursos
para viver de acordo com o padrão de vida predominante na sociedade
na qual está inserido. Nesse caso, o indicador não pode ser um número
absoluto (1,25 dólar, por exemplo), mas uma percentagem da renda média
da população dessa sociedade.
Por trás do conceito de pobreza relativa está a ideia de que um indi-
víduo deve ter condições de gastar os recursos que tem ao seu dispor
de modo a usufruir uma qualidade de vida satisfatória. Para dar um
exemplo, não adianta alguém ter uma renda que lhe permita ingerir a
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

quantidade diária de calorias mínimas necessárias se não tem acesso


à educação ou à saúde.
Linha de pobreza no Brasil
No Brasil, a linha de pobreza (figura 13) é definida pelo Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), fundação pública federal que for- Animação
nece os dados para orientar a formulação e execução de políticas públicas A pobreza no Brasil
no país. Em 2013, foi estabelecido em 150 reais o valor mínimo de renda
que cada membro de uma família deve receber para se situar acima da
pobreza. De acordo com o Ipea, em 2013, 6,5 milhões de pessoas esta-
vam incluídas entre a população extremamente pobre (renda familiar per
capita de até 75 reais), enquanto

Alves
a população pobre (até 150 reais)
era formada por 15,7 milhões
de pessoas. Embora seja difícil
entender a classificação esta-
belecida pela linha de pobreza,
segundo a qual uma pessoa que
ganha 150 reais é considerada
pobre enquanto outra que ga-
nha 160 reais não é, ela ajuda
a formular políticas de combate
à pobreza.

Figura 13. Os índices de


pobreza são usados para
compreender esse fenômeno
social em larga escala e ajudar
na elaboração de políticas de
combate ao problema.

159
A desigualdade econômica
O modo de produção capitalista tem gerado crescimento econômico
para uma parcela da população mundial, mas, ao mesmo tempo, tem
aumentado a desigualdade social em todo o mundo. Esse fenômeno
em que o aumento da riqueza gera concentração de renda associada
ao aumento da pobreza representa uma contradição social. Com-
preender a causa das contradições sociais é um dos objetivos das
Ciências Sociais.
Segundo informação divulgada no início de 2014 pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), cerca de 40% da riqueza
mundial está concentrada nas mãos de uma fatia de 1% da população
mais rica, enquanto a metade mais pobre tem acesso a apenas 1% de
toda essa riqueza (figura 14). Segundo relatório da ONG britânica Oxfam
divulgado no início de 2014, o patrimônio das 85 pessoas mais ricas do
mundo equivale às posses de metade da população mundial – cerca de
3,5 bilhões de pessoas.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


figura 14. eVolução da desigualdade no Mundo – 1980-2010

0º OCEANO GLACIAL ÁRTICO


36 96
CÍRCULO POLAR ÁRTICO
4,0% 18,6%
REINO UNIDO RÚSSIA
421
55 95
10,5%
7,2% 2,6%
ESTADOS UNIDOS
ALEMANHA
CHINA
TRÓPICO DE CÂNCER

48
OCEANO OCEANO
10,9% PACÍFICO
ATLÂNTICO
ÍNDIA EQUADOR

MERIDIANO DE GREENWICH

37
OCEANO OCEANO
6,2% ÍNDICO
PACÍFICO
BRASIL TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO

CÍRCULO POLAR ANTÁRTICO

Evolução da desigualdade (em %) – 1980-2010 N


< –20 0 a 20 Número de bilionários em 2012
–1 a –20 > 20 Participação do patrimônio líquido no PIB

Sem dados 1.820 km

Fontes: Midiamax. Disponível em: <www. Dados de 2012 do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos
midiamax.com.br/arquivos3/2050535014.
png>. Acesso em: 20 ago. 2014. Humanos (ONU-Habitat) mostram que o Brasil ocupa a quarta colocação
no ranking de desigualdade de distribuição de renda na América Latina
(tabela 1). Em 1990, o Brasil ocupava a primeira posição. Essa mudança
indica uma melhora, mas a distância entre os mais ricos e os mais pobres
ainda é muito grande.

160
Tabela 1. ranKing das desigualdades na aMériCa laTina
Países mais desiguais Países menos desiguais

1o Guatemala 1o Venezuela
2o
Honduras 2 o
Uruguai
3o
Colômbia 3 o
Peru
4o Brasil 4 o
El Salvador Fonte: G1. Disponível em: <g1.globo.com/
brasil/noticia/2012/08/brasil-avanca-mas-
5o Rep. Domonicana 5o Equador e-quarto-pais-mais-desigual-da-america-
latina-diz-onu.html>.
6o
Bolívia 6 o
Costa Rica Acesso em: 20 ago. 2014.

exclusão social
Para estudar exclusão social, são utilizados o Índice de Gini, o Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) e dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad).
Índice de Gini
O Índice ou Coeficiente de Gini, criado pelo matemático italiano
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Conrado Gini, é um instrumento usado para medir o grau de concentração


de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre a renda
dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um. O
valor zero indica uma situação de igualdade, isto é, a riqueza é distribuída
igualmente entre todos. O valor um representa o extremo oposto, ou seja,
uma só pessoa detém toda a riqueza.
A maioria dos países apresenta Índice de Gini entre 0,2 e 0,5. O do
Brasil, que em 2004 era de 0,556, em 2012 estava em 0,507, segundo o
IBGE. Apesar da melhoria verificada no Índice de Gini, os 40% mais pobres
da população brasileira detêm 13,3% da renda total do país, enquanto
os 10% mais ricos concentram 41,9% (figura 15).
gEraldo mElo/tyBa

Figura 15. O contraste entre a favela


da Rocinha (ao fundo) e os edifícios de
alto padrão situados na orla da praia de
São Conrado evidencia a desigualdade
social. Rio de Janeiro (RJ, 2012).

161
Índice de Desenvolvimento Humano
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado com o objetivo
de oferecer um contraponto a outro indicador, o Produto Interno Bruto
(PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do de-
senvolvimento. Desenvolvido pelo economista paquistanês Mahbub ul
Haq, com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador
do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH é utilizado pelo Pnud
desde a publicação do Relatório de Desenvolvimento Humano de 1990
para medir três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda,
educação e saúde.
Segundo dados do Pnud de 2012, o Brasil ocupava a 85a posição no
ranking do IDH entre as 187 nações do mundo, com 0,730 na escala
que vai de 0 a 1 (figura 16). Esse número coloca o país no grupo de “alto
desenvolvimento humano”, mas ainda distante do grupo de desenvolvi-
mento humano “muito alto”, lista integrada por 47 países e encabeçada
pela Noruega.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Se o IDH levasse em conta a desigualdade social, o Brasil cairia para o
o
97 lugar (com IDH 0,531), situando-se abaixo do índice médio da América
Latina (0,555) e de países como México (0,593), Peru (0,561), Jamaica
(0,591) e Panamá (0,588).
De acordo com o Pnud, desde 2000, a América Latina vem reduzindo
os índices de desigualdade de renda, mas continua a manter a maior
desigualdade em termos de distribuição.
figura 16. desenVolViMenTo HuMano no Mundo – 2012

0º OCEANO GLACIAL ÁRTICO


Países mais bem classificados
1º- Noruega 0,955 CÍRCULO POLAR ÁRTICO

2º- Austrália 0,938


1º- Noruega
3º- Estados Unidos 0,937 IDH: 0,955
4º- Holanda 0,921
5º- Alemanha 0,920 OCEANO
6º- Nova Zelândia 0,919 ATLÂNTICO
TRÓPICO DE CÂNCER
7º- Irlanda 0,916
186º- Níger
8º- Suécia 0,916 OCEANO IDH: 0,304 OCEANO
9º- Suíça 0,913 PACÍFICO PACÍFICO
EQUADOR
10º- Japão 0º 0,912
MERIDIANO DE GREENWICH

11º- Canadá 0,911 OCEANO


12º- Coreia do Sul 0,909 ÍNDICO
13º- Hong Kong, China 0,906 TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO

14º- Islândia 0,906 Índice de


15º- Dinamarca 0,901 Desenvolvimento 85º- Brasil
Humano (IDH) IDH: 0,730
16º- Israel 0,900
186º- República
Muito alto Democrática do Congo
17º- Bélgica 0,897
Alto
IDH: 0,304 N
18º- Áustria 0,895 CÍRCULO POLAR ANTÁRTICO
Médio
19º- Cingapura 0,895
Baixo
20º- França 0,893
2.020 km

Fonte: G1. Disponível em <http://oglobo.globo.com/infograficos/idh-2012>.


Acesso em: 29 maio 2014.

162
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo
IBGE desde 1967, é uma importante fonte de indicadores sociais no
Brasil. Seu objetivo é fazer o levantamento anual das características de-
mográficas e socioeconômicas da população (como sexo, idade, educação,
trabalho e rendimento) e dos domicílios. Além disso, fornece dados sobre
migração e fecundidade, entre outros, com periodicidade variável e temas
específicos, abrangendo aspectos demográficos, sociais e econômicos.
Segundo a Pnad 2012, 6,4% das famílias brasileiras recebia até um
quarto do salário mínimo por pessoa e 14,6% se situava na faixa entre
um quarto e meio salário mínimo per capita. A Pnad também mostra que
em 2012 houve um ganho de 5,8% no rendimento médio mensal das pes-
soas economicamente ativas a partir de 15 anos de idade (1.425 reais),
comparativamente a 2011 (1.507 reais), em todas as regiões. Contudo,
a desigualdade entre homens e mulheres aumentou: em 2012 as traba-
lhadoras recebiam o equivalente a 72,9% (1.238 reais) do rendimento
dos homens (1.698 reais); em 2011 essa proporção era de 73,7%.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Em relação à educação, o número de analfabetos a partir dos 15 anos


de idade passou de 12,9 milhões para 13,2 milhões entre 2011 e 2012.
Mais da metade dos analfabetos brasileiros se concentra na Região Figura 17. O acesso à educação é
um dos elementos fundamentais
Nordeste. Por outro lado, o percentual de pessoas a partir de 25 anos para o desenvolvimento de um
sem instrução ou com menos de um ano de estudo diminuiu de 15,1% país. Alunos de Educação de
Jovens e Adultos (EJA) em sala de
para 11,9% e o percentual de pessoas com nível superior completo subiu aula de uma escola de Piracicaba
de 11,4% em 2011 para 12,0% em 2012 (figura 17). (SP, 2012).

CláudIo CoradInI/Futura PrEss

163
As classes econômicas no Brasil
Com a melhoria verificada na distribuição de renda no país, a quanti-
dade de pessoas nas faixas de classes econômicas definida pelo IBGE em
A, B, C, D e E sofreu um reajuste. Houve aumento quantitativo da faixa C
e redução das faixas D e E (figura 18).
FIGURA 18. PIRÂMIDE SOCIAL: EVOLUÇÃO DAS CLASSES ECONÔMICAS
NO BRASIL (EM MILHÕES DE PESSOAS) – 2003-2014

Classes D e E Classe C Classes A e B

13,3 22,5 29,1

65,9 105,4 118

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


96,2

63,5

48,9

Fonte: Palavras Diversas. Disponível em:


<blogpalavrasdiversas.wordpress.
com/2014/01/25/desigualdade-mundial- 2003 2011 2014
e-escandalosa-mas-brasil-avancou-em-
justica-social/>. Acesso em: 20 ago. 2014.

Essa mudança estaria acontecendo em decorrência de programas fe-


derais de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família – que em
2014 pagava 14 milhões de benefícios, atingindo 22% das famílias brasi-
leiras –, do aumento real do salário mínimo e da melhoria da remuneração
de um segmento que alguns intelectuais chamam de “nova classe média”.
Esse termo é rejeitado por outros, sob a alegação de que ele se refere
apenas à elevação da renda de famílias que ainda pertencem à classe
trabalhadora. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), considerando
apenas a renda, esse segmento englobaria a População Economicamente
Ativa (PEA) que detém renda familiar mensal entre 1.734 e 7.475 reais.
No entanto, a renda não é o único critério para a definição das “classes
sociais”. Nessa classificação também devem ser considerados fatores
como educação e acesso a serviços (figura 19). Segundo a Associação
Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), o Critério de Classificação
Econômica Brasil (CCEB) é um instrumento de segmentação econômica
que utiliza o levantamento de características como itens de confor-
to no domicílio e grau de escolaridade, para diferenciar a população.
Veja a tabela 2.

164
EdEr
Figura 19. A classificação de “classes
sociais” não deve se basear apenas
na capacidade de consumo; devem ser
considerados critérios como renda, itens
de conforto e grau de escolaridade.
É o conjunto dessas características
que define o perfil da população. Boa
formação escolar, conforto, casa própria,
emprego bem remunerado e acesso a um
sistema de saúde de qualidade são itens
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

relevantes para o estabelecimento dos


estratos sociais.

Tabela 2. ClassifiCação de “Classes soCiais” no brasil segundo CriTérios


de iTens de ConforTo e grau de esColaridade – 2011
Quantidade de itens
Itens de conforto
0 1 2 3 4 ou +

Televisão em cores 0 1 2 3 4

Rádio 0 1 2 3 4

Banheiro 0 4 5 6 7

Automóvel 0 4 7 9 9

Empregada mensalista 0 3 4 4 4

Máquina de lavar 0 2 2 2 2

Videocassete e/ou DVD 0 2 2 2 2

Geladeira 0 4 4 4 4

Freezer (aparelho independente ou


0 2 2 2 2
parte da geladeira duplex)

Grau de escolaridade
Analfabeto / Até 4o ano Fundamental 0

Até 5 ano Fundamental


o
1

Fundamental completo 2

Médio completo 4

Superior completo 8

Classe Pontos Classe Pontos

A1 42 – 46 C1 18 – 22

A2 35 – 41 C2 14 – 17

B1 29 – 34 D 8 – 13 Fonte: Abep. Disponível em: <www.


B2 23 – 28 E 0– 7 abep.org/new/criterioBrasil.aspx>.
Acesso em: 20 ago. 2014.

165
ATividAdes

Revisão e ComPReensão
1. Leia e analise a frase abaixo. Essa afirmativa é verdadeira? Justifique
com argumentos baseados no estudo desta unidade.
Pobreza relativa e pobreza absoluta podem ser consideradas si-
nônimos na medida em que ambas se referem ao fato de a pobreza
ser um fenômeno natural em qualquer sociedade.

2. Como podemos caracterizar a distribuição de renda estabelecida na


esfera mundial com base na análise dos dados apresentados no capí-
tulo 16?
3. Na busca por análises mais precisas sobre as questões relacionadas à
exclusão social, foram criados indicadores capazes de englobar elementos
como concentração da riqueza e acesso a bens e serviços, entre outros.
Explique como foram elaborados os seguintes indicadores e base de
dados:
a) Índice de Gini (Coeficiente de Gini);

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


b) Índice de Desenvolvimento Humano (IDH);
c) Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

inTeRPReTAção e PRáTiCA
4. Analise a imagem abaixo para responder à questão a seguir.
JoEdson alVEs/rEutErs/latInstoCk

Menino empurra carrinho de mão em uma rua da favela Santa Luzia,


em Brasília (DF, 2014).

Com base nos dados apresentados nesta unidade sobre as fortes de-
sigualdades sociais presentes na sociedade brasileira, pense na traje-
tória de vida de uma criança ou jovem que nasce no Brasil em situação
econômica extremamente desfavorável. Que tipos de dificuldade esse
indivíduo pode vivenciar? Busque informações adicionais em revistas,
jornais ou na internet para fundamentar seu argumento.

166
exPLoRAnDo o CoTiDiAno
5. O tema desta unidade foi a desigualdade social. Vimos que um país rico
nem sempre distribui a riqueza de forma igualitária, como é o caso dos
Estados Unidos. O Brasil é um país que, apesar do crescimento econômi-
co alcançado nos últimos anos, ainda apresenta um índice muito alto de
desigualdade social. Vamos explorar o cotidiano e entender um pouco
mais sobre a desigualdade no Brasil.
Divididos em grupos, façam um levantamento de dados sobre as cinco
regiões do Brasil (Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sul e Sudeste) toman-
do como referência os três últimos resultados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad). Cada grupo deve analisar os dados
referentes a uma das regiões nas seguintes áreas: trabalho, educação,
saúde e saneamento básico.
No final, os grupos deverão apresentar seus trabalhos e comparar os
resultados obtidos.

o que PensAmos soBRe


6. Em um exame vestibular, todos fazem as provas no mesmo dia, dispõem
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

do mesmo tempo para resolução das mesmas questões, disputam as


mesmas vagas e têm suas provas corrigidas sem identificação, ou seja,
o avaliador não tem conhecimento da trajetória, das características
pessoais e das condições de vida de cada candidato a uma vaga em uni-
versidade brasileira. Dessa maneira, o exame pretende ser meritocrático,
isto é, baseado nos méritos individuais de cada candidato. Com base
nas principais características da sociedade capitalista, vamos pensar e
debater a seguinte questão: Será que a desigualdade econômica pode
influenciar os resultados desse exame?
nElson antoInE/FotoarEna

Candidatos realizam prova da Fuvest, vestibular para a Universidade


de São Paulo (USP). São Paulo (SP, 2013).

167
visões de mUndO

A desigual
distribuição da
riqueza é responsável
pela pobreza
extrema que atinge
milhões de brasileiros.
Em Vidas secas,
Graciliano Ramos procura
retratar essa realidade.
As desventuras da família
de Fabiano e Vitória,
dois retirantes sertanejos,
são espelho de uma situação
comum ainda hoje em todas
as regiões e cidades do país.

Vidas secas
“A vida na fazenda se tornara difícil. Sinhá Vitória benzia-se tre-
mendo, manejava o rosário, mexia os beiços rezando rezas desespera-
das. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a catinga amarela,
onde as folhas secas se pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e
os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas ar-
ribações tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, de-
vorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre.
Mas quando a fazenda se despovoou, viu que tudo estava perdido,
combinou a viagem com a mulher, matou o bezerro morrinhento que
possuíam, salgou a carne, largou-se com a família, sem se despedir do
amo. Não poderia nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe res-
tava jogar-se ao mundo, como negro fugido. [...]
Foram descansar sob os garranchos de uma quixabeira, mastigaram
punhados de farinha e pedaços de carne, beberam na cuia uns goles de
água. Na testa de Fabiano o suor secava, misturando-se à poeira que
enchia as rugas fundas, embebendo-se na correia do chapéu. A tontu-
ra desaparecera, o estômago sossegara. [...]
Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esbo-
çando. Acomodar-se-iam num sítio pequeno, o que parecia difícil
a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra.

168
sIno FIlmEs/luIz Carlos BarrEto Prod./thE koBal CollECtIon/aFP
A obra de Graciliano Ramos expõe a
dura realidade vivida pelos retirantes.
Cena do filme Vidas secas, 1963.
Direção de Nelson Pereira dos Santos.

atividades
oBTeR infoRmAções
1. O que motivou a viagem da fa-
mília de Fabiano e Sinhá Vitória?
2. O que ambos planejavam para
seu futuro?

inTeRPReTAR
Mudar-se-iam depois para uma cidade, e os meninos frequentariam 3. A viagem da família retrata
escolas, seriam diferentes deles. Sinhá Vitória esquentava-se. Fabiano um fenômeno social bastante
ria, tinha desejo de esfregar as mãos agarradas à boca do saco e à co- comum no Brasil. Qual é ele?
ronha da espingarda de pederneira.
4. Que significado você atribui ao
Não sentia a espingarda, o saco, as pedras miúdas que lhe entra-
trecho “frequentariam escolas,
vam nas alpercatas, o cheiro de carniças que empestavam o caminho.
seriam diferentes deles”?
As palavras de Sinhá Vitória encantavam-no.
Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano RefLeTiR
estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela
era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinhá Vitória, as 5. Com base no texto, discuta com
palavras que Sinhá Vitória murmurava porque tinha confiança nele. seus colegas casos concretos
E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, de migração de familiares e
cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas di- vizinhos. Quais foram as ra-
fíceis e necessárias. zões que os levaram a migrar?
Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, aca- Em que elas se assemelham à
bando-se como Baleia. descrição da narrativa?
Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra 6. Considerando as discussões
desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria do item anterior e a observa-
a mandar gente para lá. ção da realidade, debatam a se-
O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, guinte questão: A seca é a única
Sinhá Vitória e os dois meninos.” causa das migrações no Brasil?
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 107. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 65-71.

169
direiTo é direiTo

o Programa Bolsa família


O Programa Bolsa Família foi instituído pela lei acompanhamento nutricional, acompanhamento
no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, com o objetivo de saúde e frequência escolar de 85% em esta-
de transferir renda para famílias em situação de belecimento de ensino regular.
extrema pobreza, ou seja, de privação de recursos Para formular e integrar políticas públicas, definir
essenciais à sobrevivência, como alimentação. A lei diretrizes, normas e procedimentos referentes ao
unificou projetos anteriores, como o Bolsa Escola, de desenvolvimento e à implementação do Programa
2001; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação Bolsa Família, além de apoiar iniciativas para ins-
(PNAA), de 2003; o Programa Nacional de Renda tituição de políticas públicas sociais destinadas a
Mínima vinculada à Saúde – Bolsa Alimentação, promover a emancipação das famílias beneficiadas
de 2001; o Programa Auxílio-Gás, de 2002; e o pelo programa nas esferas federal, estadual, mu-
Cadastramento Único do Governo Federal, de 2001. nicipal e do Distrito Federal, foi criado o Conselho
As famílias em situação de pobreza ou extrema Gestor Interministerial.
pobreza que tenham em sua composição ges- A seleção de famílias para o programa é baseada

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


tantes (mulheres grávidas), lactantes (mulheres no Cadastro Único para Programas Sociais do Go-
que amamentam), crianças entre 0 e 12 anos ou verno Federal, um instrumento de coleta de dados
adolescentes de até 15 anos podem receber até com o objetivo de identificar todas as famílias de
o limite de cinco benefícios por família. Já aque- baixa renda existentes no Brasil. Com base nesses
las que possuem adolescentes com idade entre dados, o Ministério do Desenvolvimento Social e
16 e 17 anos podem receber até o limite de dois Combate à Fome (MDS) seleciona as famílias que
benefícios por família. A lei considera família a uni- serão incluídas para receber o benefício.
dade nuclear, eventualmente ampliada por outros O programa, que em 2014 completou dez anos,
indivíduos que possuam laços de parentesco ou de ainda provoca divergência de opiniões. Por um lado,
afinidade com ela, que forme um grupo doméstico, existem aqueles que o aprovam e defendem a tese
vivendo sob o mesmo teto ou que se mantenham da inclusão do Bolsa Família na Constituição para
pela contribuição de seus membros. garantir sua permanência. Por outro lado, alguns
A concessão dos benefícios depende do cumpri- o acusam de ser assistencialista e trabalhar em
mento de condições relativas a exame pré-natal, favor de uma política partidária.
Para além da polêmica, a redistribuição de renda
João PrudEntE/Pulsar ImagEns

no Brasil é uma prioridade e questões como políticas


de pleno emprego, reforma agrária e educação pre-
cisam ser enfrentadas. Com o programa, o objetivo
de reduzir a pobreza extrema foi alcançado com
um baixo custo. Porém, quebrar o ciclo histórico
da pobreza continua sendo um desafio.

reflexão
Discuta com seus colegas quais são os aspectos
da realidade social brasileira que precisam ser
A existência de programas como o Bolsa Família é justificada
pela enorme desigualdade presente na sociedade brasileira. transformados para que o Bolsa Família deixe de
Na foto, crianças empurram carroça com galões de água no ser necessário.
povoado Mulungu, zona rural de Buíque (PE, 2012).

170
indiCações

Para ver Para ler


África roubada o livro da economia

rEProdução
rEProdução
Direção: Christoffer Vários autores. São Paulo:
Guldbrandsen. Globo, 2013.
Zâmbia, 2013. Para compreender a pro-
O documentário nar- dução e a distribuição da
ra a situação de desi- riqueza, as desigualdades
gualdade social que atinge os habitantes da econômicas, as teorias do
Zâmbia, na África. O filme também denuncia valor e o mercado interna-
como o sistema de extração de minérios, orga- cional, especialistas escre-
nizado sob a tutela de multinacionais, enrique- veram pequenos textos didáticos ilustrados
ce países europeus, como a Suíça, enquanto explicando a história da economia e os prin-
gera graves problemas ambientais que atin- cipais conceitos econômicos da atualidade.
gem a população africana. o que é fome

rEProdução
doméstica Ricardo Abramovay.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

rEProdução
São Paulo: Brasiliense,
Direção: Gabriel Mascaro.
1983.
Brasil, 2012.
O livro apresenta os princi-
Documentário realizado com
pais processos sociais que
base em filmagens feitas por
desencadeiam a desigual-
jovens moradores das cida-
dade de acesso a alimentos
des de Manaus, Recife, São
ao redor do mundo.
Paulo, Rio de Janeiro e Sal-
vador sobre o cotidiano de
Para navegar
residências onde trabalham empregadas do-
mésticas. Os relatos e as histórias de cada objetivos do Milênio – Pnud
trabalhadora revelam as dificuldades da traje- <www.objetivosdomilenio.org.br/
tória de vida e do ofício dessas profissionais. index.asp>
O site apresenta dados, links, iniciativas e pu-
Tem gringo no morro blicações sobre os “8 Objetivos do Milênio”,
rEProdução

Direção: Bruno Graziano e estabelecidos pela Organização das Nações


Marjorie Niele. Brasil, 2013. Unidas em 2000. Trata-se de um projeto de
O curta-metragem retrata o cooperação internacional que definiu metas
fenômeno do turismo nas de correção de desigualdades sociais que de-
favelas cariocas. Por meio veriam ser atingidas até 2015.
de depoimentos de especia- atlas do desenvolvimento Humano no
listas, moradores e guias, o brasil 2013.
documentário analisa o in- <www.atlasbrasil.org.br/2013/pt>
tenso fluxo de turistas, especialmente es- Site interativo que apresenta dados sobre
trangeiros, na Rocinha, considerada a maior as desigualdades existentes na sociedade
favela da América Latina, com uma média brasileira. O atlas eletrônico é uma ferra-
mensal de 3 mil visitantes. As contradições menta de grande utilidade para conhecer
presentes no apelo turístico da pobreza ofe- a realidade local, já que permite a consulta
rece a oportunidade para refletir sobre as de informações como IDH, renda, demogra-
fortes desigualdades que atingem a socie- fia, habitação, trabalho e educação de cada
dade brasileira. município.

171
9
UnidAde
QUESTÕES
SOCIAISNAS
CIDADES

O planejamento da circulação
no espaço urbano define a
forma como a estrutura viária
será utilizada pelas pessoas e pe-
los veículos. Ele envolve a legislação
de trânsito, a engenharia de tráfego,
o treinamento dos usuários e a fis-
calização, que controla o respeito às
leis de trânsito. É, portanto, uma ação
política, pois consiste na distribuição
do espaço entre interesses conflitantes.
Embora, por muitas décadas, as políti-
cas públicas tenham beneficiado o trans-
porte individual em detrimento do coletivo,
a mobilidade urbana é um direito de todos,
garantido pelo Estatuto da Cidade.

Começando
a unidade

Podemos dizer que pedestres, automóveis, ônibus,


motocicletas e bicicletas disputam o espaço urbano?
Como acontece essa disputa? Existem diferentes
interesses por parte de pedestres, motoristas,
motociclistas e ciclistas? Como esses interesses
convivem?

172
O debate inicial tem o objetivo de promover uma
reflexão sobre as diferentes relações que compõem
a paisagem urbana e a circulação dos indivíduos
na cidade com base no conflito de interesses. Os
exemplos mencionados pelos alunos poderão ser
relembrados ao longo do estudo da unidade, quando
forem discutidas questões referentes a habitação,
segregação do espaço e violência. É importante
apresentar os aspectos funcionais da organização
da cidade, sem perder o foco dos conflitos e
contradições que compõem o espaço urbano.

Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Reconhecer a cidade como uma construção
social.
• Avaliar a relevância dos instrumentos de or­
ganização urbana e suas consequências para
os diferentes grupos sociais.

173
CAPÍTULO

17 Habitação, segregação
e violência

Para pensar a cidade

OrOnOz/Album/lAtinstOck
Quando pensamos em centros urbanos, logo imaginamos
imensos conjuntos de concreto: edifícios, viadutos, autopistas etc.
Nas cidades convivem milhões de pessoas que transitam a pé, em
ônibus, trens, metrôs, táxis, bicicletas e automóveis. Nesses
espaços, onde muitas pessoas moram, trabalham, estudam e se

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


divertem, existem fábricas, lojas, restaurantes, supermercados,
escolas, escritórios, casas e modernos prédios de apartamentos,
hospitais, teatros, cinemas e museus, mas também moradias
precárias, depósitos de lixo, poluição e o isolamento de alguns
grupos sociais.
Desde que as sociedades passaram a se organizar em centros
Figura 1. A gravura de autoria desconhecida, urbanos, as cidades começaram a atrair e abrigar os mais varia-
Trabalhadores desempregados cantando a troco de dos grupos sociais. Vilas e povoados rurais foram crescendo e
esmolas atiradas ao chão, do século XIX, ilustra o
primeiro momento de crescimento das cidades, que
assumindo características urbanas. O movimento de abandono
ocorreu com o êxodo rural. Esse fenômeno teve origem do campo em massa pelos habitantes, quase sempre em busca de
com a primeira Revolução Industrial, entre o final do melhores condições de vida, é chamado êxodo rural (figura 1).
século XVIII e o início do século XIX.

A cidade nas Ciências Sociais


the bridgemAn Art librAry/grupO keystOne/cOleçãO pArticulAr

As Ciências Sociais definem seus objetos de estudo da forma


mais particular para que não haja confusão entre a explicação
sociológica e as impressões do senso comum. Definir algo, no
entanto, não é simples. É preciso encontrar aspectos comuns
ao que chamamos de cidade e equiparar locais tão diferentes
como uma cidade da antiguidade e uma atual ou uma cidade do
Japão e uma da Namíbia. Os elementos comuns dos diversos
fenômenos sociais urbanos são a estrutura do conceito social
de cidade (figura 2).
No pensamento clássico das Ciências Sociais, a cidade foi
definida como um lugar de mercado, de economia não agrícola,
central no que diz respeito à política e à cultura e que congrega
uma população diversificada. As formas que ela adquire podem ser
Figura 2. Para pensar a cidade, é preciso representá-la vistas como soluções para atender às necessidades de sociedades
como um conceito social que nos permita estudar suas que se tornam cada vez mais complexas. A cidade também pode
funções e contradições. O óleo sobre tela de Francis
Farmar, The city (A cidade), 2008, retrata Londres ser compreendida como resultado da organização específica das
(Reino Unido) na atualidade. contradições das modernas sociedades industriais.

174
A função social da cidade
A cidade pode ser pensada do ponto de vista de suas funções, ou seja,
segundo a forma de organização social que permite seu funcionamento.
Essa organização envolve a estrutura econômica, as instituições políticas
e a organização da sociedade civil.
Nas cidades atuais, a organização econômica se baseia, principalmen-
te, nas atividades industriais e comerciais. A gestão política obedece
ao fundamento jurídico próprio da modernidade. Os poderes Executivo
e Legislativo do município são separados, e o prefeito e os vereadores
são os representantes legítimos do povo na elaboração de leis para a
gestão do espaço urbano.
A sociedade civil é plural e caracterizada pela sua diversidade. Essa
heterogeneidade está presente na divisão do trabalho, nas características
de cada bairro, nas diferentes crenças religiosas e formas de atuação po-
lítica fora das instituições, como nos conselhos municipais e movimentos
sociais urbanos.
Em um primeiro momento, as Ciências Sociais perceberam na cidade
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

um funcionamento análogo ao de um corpo humano, no qual as instituições


funcionariam como órgãos. Assim, cada componente do organismo, ou da
cidade, teria como objetivo manter o corpo em funcionamento.
Os conflitos sociais da cidade
Outra forma de pensar a cidade compreende a organização urbana
como resultado de conflitos próprios da estrutura econômica capitalista. GLOSSÁRIO
O capitalismo e a cidade moderna nasceram no mesmo momento do sé- Meios de produção: equipamento
necessário para produzir mercadorias,
culo XVIII. No capitalismo, um grupo reduzido de proprietários controla como fábricas, máquinas e ferramentas.
os meios de produção e uma multidão de trabalhadores assalariados é
responsável pela produção da riqueza social. A riqueza produzida, por-
tanto, se concentra nas mãos dos proprietários dos meios de produção.
Com o crescimento populacional, quanto mais riqueza se produz, mais
aumenta a miséria. Esse fenômeno é chamado de contradição. Isso
acontece porque a riqueza produzida não é dividida de forma igualitária,
mas se concentra nas mãos dos proprietários. Na cidade, bairros ricos,
com infraestrutura de saneamento, serviços e lazer dividem espaço com
bairros periféricos, habitados por pessoas pobres e sem acesso às mes-
mas condições. A organização social da cidade é parte das contradições
do capitalismo (figura 3).
elihu duAyer

Figura 3. A contradição das cidades pode


ser observada nas relações socioeconômicas
que reforçam a desigualdade social.

175
Exclusão como disfunção
Quando observamos a cidade do ponto de vista de suas funções, tudo
aquilo que impede a realização dos objetivos de suas instituições – a
ausência de infraestrutura, os grandes engarrafamentos, a pobreza,
a violência etc. – é visto como disfuncional, isto é, como incapacidade
das instituições de cumprirem o seu papel. Assim, ao observar um bairro
popular, sem saneamento, sem acesso a transporte público e com altos
índices de criminalidade, percebe-se um processo de exclusão social
que compreende uma série de desigualdades (figura 4).

João Carlos Mazella/Fotoarena

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Figura 4. Quando a organização de
uma cidade não cumpre os objetivos
pretendidos, os fenômenos urbanos são
interpretados como disfuncionais. Na foto,
esgoto a céu aberto na comunidade do
Coque, Recife (PE, 2013).

Conflito social e contradição


Ao analisar as contradições e os conflitos sociais da cidade, as Ciências
Sociais buscam as causas comuns a esses fenômenos. As desigualdades
da cidade são resultado do avanço da produção industrial.
Nesse processo de industrialização crescente, os trabalhadores
são progressivamente substituídos por máquinas, gerando um grande
número de desempregados. Sem salário, esses trabalhadores empobre-
cem e muitas vezes são privados de direitos básicos de cidadania, como
segurança, educação, saúde e habitação. Mesmo com o crescimento da
riqueza no Brasil, medido pelo Produto Interno Bruto (PIB), o contraste
entre a pobreza e a riqueza é a expressão material dessa contradição.

Multimídia interativa Segregação residencial


A cidade e a moradia dos Nos centros urbanos, os locais de moradia costumam ser distantes
trabalhadores dos locais de trabalho. Além disso, as diferentes classes sociais em geral
não compartilham os locais de residência. Os operários, por exemplo, na
maioria das vezes, vivem em áreas periféricas e pobres da cidade, en-
quanto industriais e empresários residem nos bairros mais privilegiados.

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Quando determinado grupo é separado dos demais no espaço urbano,
estamos diante de um fenômeno social chamado segregação residencial.
Esse fenômeno ocorre quando certos grupos sociais são forçados a viver Figuras 5, 6, 7 e 8. A segregação
em lugares específicos da cidade. As particularidades que acarretam residencial nas cidades pode ocorrer em
a exclusão variam de acordo com a sociedade e o momento histórico: cor consequência de políticas discriminatórias.
Foto A: judeus são expulsos de uma casa
da pele, religião, condição financeira etc. ocupada pelas tropas alemãs no gueto de
Esse tipo de segregação também é caracterizado pela exclusão ou Varsóvia (Polônia, 1943). Foto B: crianças
observam rua alagada em Soweto (África
impedimento, imposto a alguns grupos, de frequentar determinados do Sul, 1989). Foto C: pessoas circulam por
espaços. Exemplos conhecidos são os guetos judeus na Europa no início uma rua comercial do Harlem, bairro habitado
da Segunda Guerra Mundial; os bantustões, territórios reservados aos por negros e latinos em Nova York (Estados
Unidos, anos 1930). Foto D: garotos jogam
negros na África do Sul durante o apartheid; os guetos negros e latinos futebol na favela da Catacumba, Rio
nas grandes cidades dos Estados Unidos; e as favelas (figuras 5, 6, 7 e 8). de Janeiro (RJ, 1969).

imAgnO/getty imAges

lily FrAney/gAmmA-rAphO/getty imAges


A B
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

phOtOQuest/getty imAges

ArQuivO/AgênciA O glObO
C D

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Violência na cidade, violência da cidade
A violência urbana é um tema muito discutido nas grandes cidades.
Em geral, essa discussão envolve questões em torno de ações crimino-
sas, como assaltos, agressões e assassinatos. A violência nos centros
urbanos é um fenômeno social ligado à relação de dominação entre as
classes sociais, ao racismo, aos preconceitos políticos, religiosos e de
gênero, e se apresentam sob a forma de intimidação moral, discriminação
e agressão física.
Práticas que resultam em piores condições de vida para determinados
grupos sociais também são exemplos de violência. Uma pessoa que per-
manece desempregada pelo fato de morar em uma favela, pela cor de sua
pele, po