dE Em
ciEda n cias sociais
so ciê
sociedade em movimento
ciências sociais
7
Afrânio Silva Eduardo Guimarães Otair Fernandes de Oliveira
Mestre em Ciência Política pela Universidade Fede- Doutor em Saúde Coletiva (Ciências Humanas e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade
ral do Rio de Janeiro. Professor de Sociologia do Co- Saúde) pela Universidade do estado do Rio de Ja- do estado do Rio de Janeiro. Professor da Uni-
légio Pedro II e da Seeduc. Pesquisador do Ibam. neiro. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais versidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Coor-
pela Universidade do estado do Rio de Janeiro. denador do Leafro.
Bruno Campos Professor de Sociologia do Colégio Pedro II.
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Uni- Raphael M. C. Corrêa
versidade Federal do Rio de Janeiro. Professor pós- Fátima Ferreira Doutor em Ciência Política pela Universidade do
-graduado de Sociologia das redes pública e priva- Doutora em Educação pela Universidade Estácio estado do Rio de Janeiro. Mestre em Planejamen-
da do estado do Rio de Janeiro. de Sá. Mestre em Ciências Sociais (Sociologia) to Urbano e Regional pela Universidade Federal do
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ba- Rio de Janeiro. Bacharel e licenciado em Ciências
Bruno Loureiro charel e licenciada em Ciências Sociais pela Uni- Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janei-
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade versidade do estado do Rio de Janeiro. Professo- ro. Professor de Sociologia do Colégio Pedro II.
Federal do Rio de Janeiro. Professor de Sociolo- ra de Sociologia do Colégio Pedro II.
gia das redes pública e privada do estado do Rio Rodrigo Pain
de Janeiro. Lier Pires Ferreira Doutor em Ciências pelo Curso de Pós-Gradua-
Doutor em Direito pela Universidade do estado ção em Desenvolvimento, Agricultura e Socie-
Cassia Miranda do Rio de Janeiro. Mestre em Relações Inter- dade (Estudos Internacionais Comparados) pela
Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade nacionais pela Pontifícia Universidade Católica Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Pro-
Católica do Rio de Janeiro. Bacharel e licenciada do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela fessor da rede pública do estado do Rio de Janeiro.
em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Universidade Federal Fluminense. Bacharel e
Rio de Janeiro. Professora de Sociologia da rede licenciado em Ciências Sociais pela Universi- Rogério Lima
pública do estado do Rio de Janeiro. dade Federal Fluminense. Professor de Socio- Doutor em Ciências Humanas (Sociologia) pela
logia do Colégio Pedro II. Professor do Iuperj e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor
Clarissa Tagliari Santos do Ibmec/RJ. de Sociologia do Colégio Pedro II.
Mestre em Sociologia (Antropologia) pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro. Bacharel e licen- Marcelo Costa Vinicius Mayo Pires
ciada em Ciências Sociais pela Universidade Fede- Mestre em Sociologia (Antropologia) pela Uni- Mestre em Sociologia (Antropologia) pela Uni-
ral do Rio de Janeiro. Professora de Sociologia do versidade Federal do Rio de Janeiro. Professor versidade Federal do Rio de Janeiro. Professor
Colégio Pedro II. de Sociologia do Colégio Pedro II e da Faetec. de Sociologia do Colégio Pedro II.
1a edição
© 2014 Afrânio Silva, Bruno Campos, Bruno Loureiro, Cassia Miranda,
Clarissa Tagliari Santos, Eduardo Guimarães, Fátima Ferreira, Lier Pires Ferreira,
Marcelo Costa, Otair Fernandes de Oliveira, Raphael M. C. Corrêa,
Rodrigo Pain, Rogerio Lima, Vinicius Mayo Pires
14-03676 CDD-372
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Todos os direitos reservados
EDITORA MODERNA LTDA.
Rua Padre Adelino, 758 – Belenzinho
São Paulo – SP – Brasil – CEP 03303-904
Vendas e Atendimento: Tel. (0_ _11) 2602-5510
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www.moderna.com.br
2014
Impresso no Brasil
1 3 5 7 9 10 8 6 4 2
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A
P rezado aluno,
Na escola, você aprende a exercitar seu direito à diferença, ao
mesmo tempo que toma contato com os mais variados aspectos
da nossa sociedade e da nossa cultura. Este livro tem o objetivo
de contribuir para a compreensão das sociedades e das cultu-
ras para além do senso comum, pois é apenas ao compreender
como se formam os valores que orientam a ação dos indivíduos
nas diferentes sociedades que nos tornamos capazes de desen-
volver uma visão crítica do mundo e nos posicionar de forma
autônoma e criativa.
As Ciências Sociais vão ajudá-lo a entender como a nossa
sociedade se constrói sobre identidades plurais. O enten-
dimento das diferenças culturais, livre de preconceitos, é
fundamental para a construção de uma sociedade justa e
igualitária. Compreender as causas das questões sociais
é o primeiro passo para a criação de um mundo diferente.
Esperamos que os debates promovidos ao longo deste
livro ajudem-no a rever antigas ideias e formular novas
questões sobre a realidade social. Esse novo olhar para
o mundo passará a fazer parte do seu dia a dia.
Os autores
ORGANIZAÇãO dO lIvRO
Seu livro está organizado em
9 unidades, que apresentam a
seguinte estrutura: abertura,
capítulos, seções o estranho
familiar, Visões de mundo
e Direito é direito, mais
atividades e Indicações.
abertura De unIDaDe
Um pequeno texto apresenta o
assunto que será desenvolvido
na unidade.
As questões propostas em
Começando a unidade
relacionam os elementos
da abertura da unidade
com o que você já sabe
Os objetivos da unidade
listam as habilidades que
você vai adquirir após o
estudo dos conteúdos nela
apresentados.
Capítulos
No glossário você encontra
Cada unidade é composta explicações sobre as
de dois capítulos, que palavras destacadas no
desenvolvem os conteúdos texto.
de modo claro e organizado,
integrando texto e imagens.
o estranho famIlIar
A seção apresenta fatos
sociológicos ocorridos em
diferentes sociedades e
momentos históricos que
se contrapõem à nossa
realidade, provocando certo
estranhamento. As atividades
valorizam a cultura da
diversidade e da tolerância.
Explorando o cotidiano
Propostas de pesquisa
que estimulam
atIVIdadEs a construção do
conhecimento a partir
Revisão e compreensão da sua realidade.
Atividades de releitura
e fixação dos principais
conteúdos da unidade. O que pensamos sobre
Temas para discussão
em forma de debates ou
Interpretação e prática seminários que estimulam
Questões de interpretação a reflexão crítica, a
e aplicação de conceitos das elaboração de argumentos
Ciências Sociais estudados e a exposição de seus
na unidade, com apoio de conhecimentos.
textos complementares e
elementos visuais.
Obter informações
Questões de releitura e
VIsõEs dE mundO fixação das principais ideias
Textos citados com apresentadas no texto.
pequena introdução
contextualizadora
Interpretar
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
estimulam a leitura e a
compreensão de texto. Questões para você
relacionar, interpretar e
avaliar as informações
contidas no texto.
Refletir
Sugestões de reflexão,
pesquisa ou elaboração
artística relacionam
o texto da seção ao
conteúdo da unidade.
dIREItO é dIREItO
A seção trata do
conjunto de normas e
direitos presentes na IndIcaçõEs
sociedade para você
desenvolver uma Sugestões de leituras,
postura cidadã crítica. vídeos e sites comentadas
complementam o conteúdo
da unidade.
Multimídia interativa
IntERaçãO Hip-hop
Atividade de encerramento
do volume, com orientações
de realização, que
desenvolve as capacidades
de avaliação, criação e
proposição, preparando
você para um papel de conteúdo digital
protagonista na sociedade Indica vídeos, animações e
em que vive. outros recursos no livro digital.
sUMÁrIo
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M iguel é um menino de
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10
Começando
a unidade
dos entos
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Os a ídos ao exto int é que o social.
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prév sse. O anizaçã
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da c ra na or
cultu
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Distinguir o significado de cultura segundo as
Ciências Sociais e segundo o senso comum.
• Compreender o papel da cultura na interpre-
tação da vida social.
11
CAPÍTULO
1 A produção da cultura
12
Karim Sahib/aFP
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figuras 1 e 2. A
percepção da cultura
como valor hierarquiza
as diferentes
expressões culturais.
Acima, bailarinos do
Royal Ballet de Moscou
apresentam coreografia
de O lago dos cisnes
em Dubai (Emirados
Árabes Unidos, 2012).
Ao lado, dança do
Kuarup na Aldeia
Yawalapiti no Parque
Indígena do Xingu,
em Gaúcha do Norte
(MT, 2012).
13
Cultura alma coletiva
Quando a professora de Miguel afirmou que “a cultura é a alma de um
povo”, isso significa que, por meio dela, podemos identificar e diferenciar
uma sociedade ou um grupo social de outros.
A cultura diferencia a sociedade brasileira da chinesa ou as diferentes
culturas existentes em cada região do país. Nesse caso, a cultura repre-
senta a identidade de determinado grupo (figura 3). Trata-se da cultura
como alma coletiva.
Figura 3. Desfile de bonecos gigantes
GLOSSÁRIO
Cultura de massa: conjunto dos
14
O ESTRANHO FAMILIAR Raio-X do cidadão norte-americano
“ O cidadão norte-americano desperta num leito vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia,
construído segundo padrão originário do Oriente ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma
Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, café, planta abissínia, com nata e açúcar.
antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de [...]
cobertas feitas de algodão, cuja planta se tornou
Depois das frutas e do café vêm waffles, os quais
doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carnei-
são bolinhos fabricados segundo uma técnica
ro, um e outro domesticados no Oriente Próximo;
escandinava, empregando como matéria-prima
ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China.
o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia
Todos esses materiais foram fiados e tecidos por
Menor. Rega-se com xarope de maple inventado
processos inventados no Oriente Próximo. Ao le-
pelos índios das florestas do leste dos Estados
vantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram
Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo
inventados pelos índios das florestas do Leste dos
de alguma espécie de ave domesticada na Indo-
Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos
china ou delgadas fatias de carne de um animal
aparelhos são uma mistura de invenções europeias
domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada
e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o
por um processo desenvolvido no Norte da Europa.
pijama, que é vestiário inventado na Índia, e lava-se
com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, [...]
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
faz a barba que é um rito masoquístico que parece Ao inteirar-se das narrativas dos problemas
provir dos sumerianos ou do antigo Egito. estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agra-
decerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-
[...]
Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha a rua
-europeia, o fato de ser cem por cento americano. ”
LINTON, Ralph. O homem: uma introdução à antropologia. 3. ed. São Paulo:
através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; Martins, 2000. Disponível em: <www.pragmatismopolitico.com.br/
e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha 2011/05/perfeito-raio-x-do-cidadao-norte.html>. Acesso em: 8 abr. 2014.
15
O significado de cultura para as
Ciências Sociais
Qual o significado de cultura para as Ciências Sociais? Como a cultura
é compreendida cientificamente? Quais as diferenças em relação ao modo
como o termo é empregado no cotidiano, pelo senso comum?
A palavra cultura deriva do termo latino colere, que em português
significa cultivar. Nesse sentido, remete à ideia de algo que é construído
progressivamente. Nas Ciências Sociais, é principalmente a Antropologia
que dá forma à explicação científica da cultura.
Animação Do ponto de vista antropológico, a cultura é indissociável da própria
existência humana. É resultado do constante processo de criação, apren-
O conceito de cultura na
dizagem, transmissão e reelaboração dos significados pelas diferentes
Antropologia
sociedades. Em outras palavras, é o conjunto de todas as produções
humanas através dos tempos. Isso significa que cada um de nós, ao
estabelecer relações sociais uns com os outros, criamos, aprendemos,
transmitimos e reelaboramos a cultura.
Os antropólogos têm produzido muitas definições de cultura. Uma
16
Como um conjunto de padrões de comportamento, crenças, conheci-
mentos e costumes que distinguem um determinado grupo social, a cultura
deve ser compreendida com base no significado que os membros de uma
sociedade atribuem ao que fazem. É importante procurarmos compreen-
der expressões culturais de grupos sociais minoritários, cujas práticas e
saberes podem não estar representados nas expressões mais valorizadas
de determinada sociedade.
Assim, podemos compreender a cultura como algo em constante
processo de criação e reformulação por meio das múltiplas interações
e experiências históricas de cada sociedade e grupos sociais (figura 6).
Ao nascer, somos inseridos em um ambiente cultural. Nele crescemos,
Figura 6. Para as Ciências Sociais, a cultura
assimilando seus códigos, mas, ao mesmo tempo, interagindo com indi- é resultado das múltiplas interações
víduos e grupos que possuem códigos diferentes dos nossos, produzindo realizadas por indivíduos e coletividades.
a diversidade que nos faz humanos.
Cultura material e imaterial
Quando saímos à rua, observamos casas, prédios, templos religiosos,
monumentos. Vemos também diferentes tipos de vestimenta e ornamentos
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17
A cultura como prática: cultura popular e
cultura erudita
Para as Ciências Sociais, o mundo humano é essencialmente um
sistema simbólico. Isso significa que organizamos e construímos nosso
mundo com base nesse sistema. Tudo aquilo que é produzido pela nos-
sa cultura expressa uma determinada forma de pensar a organização
da vida social.
No dia a dia, a inserção das pessoas na vida social exerce influência
no modo como elas vão compreender e agir no mundo. Todas as práticas
e saberes produzidos pelos seres humanos têm relação direta com sua
posição social. Dessa forma, considerando a posição dos indivíduos e
grupos sociais, é possível identificar dois tipos de práticas culturais: a
cultura popular e a cultura erudita.
Cultura popular
A cultura popular, como o nome já diz, está relacionada às prá-
ticas e saberes produzidos pelas classes dominadas ou populares.
18
Cultura erudita
A cultura erudita, por sua vez, se desenvolve entre as elites intelec-
tuais, econômicas e políticas. Essa cultura se caracteriza pela produção
de elementos culturais voltados ao consumo das classes dominantes.
A música clássica e as teses científicas são exemplos da cultura erudita
(figura 9).
RodRigo Capote/FolhapRess
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
19
CAPÍTULO
2 Cultura e interpretação
do mundo social
20
Ao encontrar soluções para as situações apresentadas, vocês come-
çariam a construir um ambiente cultural e a descobrir que a cultura
tem duas tarefas principais: resolver os problemas práticos da vida em
sociedade e organizar a vida social. Com o tempo, veremos que ela passa a
ter outro importante papel: possibilitar a interpretação do mundo social.
Jorge araúJo/FolhaPreSS
21
A cultura como elemento de
organização social
A execução das tarefas e responsabilidades que nos cabem na vida em
sociedade não depende apenas da nossa vontade pessoal. Nossas ações
e escolhas não são resultado exclusivo de nossas decisões. Elas estão
orientadas e limitadas por normas, regras e estruturas que são coletivas
e construídas historicamente, por meio das múltiplas interações que es-
tabelecemos uns com os outros. Desse modo, percebemos que a cultura
também é um elemento de organização social (figura 13).
J. l. bulCão/PulSar imagenS
22
A cultura e a decodificação do mundo
Vimos que a cultura se desenvolve para atender a duas necessida-
des da vida em sociedade: resolver problemas e organizar a vida social.
Neste tópico, vamos discutir outro aspecto importante: a cultura como
um conjunto de códigos e instrumentos que funcionam como filtro (ou
lente), nos permitindo perceber e interpretar o mundo.
Os seres humanos criam representações do mundo e desenvolvem o
que chamamos de símbolos, conjuntos de sinais que possuem significados
compartilhados por determinados grupos sociais e servem de referência
para a coletividade. A linguagem é um sistema de símbolos.
Quando nos comunicamos via oral ou escrita, as palavras que utiliza-
mos nomeiam elementos do nosso mundo. A comunicação só é possível
porque partilhamos os mesmos sinais e conhecemos os mesmos códigos
(figura 15).
Quantas vezes você já ouviu alguém pronunciar palavras que não
conhece? Isso significa que naquele momento vocês não compartilham
os mesmos símbolos. Imagine alguém que viaja para um país de língua
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
23
A cultura e os sistemas simbólicos
Você compreende o sentido das palavras grafadas nos livros porque
conhece os códigos e sinais da língua portuguesa. Se você pegar um livro
escrito em japonês ou russo, por exemplo, vai perceber que os sinais são
distintos ou estão organizados de outro modo. É apenas conhecendo
os códigos que orientam a escrita que nós podemos compreender uma
mensagem (figura 16).
Comodore/ShutterStoCk
PROTEGER SÁBIO SEGURO DEUS SONHO
24
Afinal, qual é o papel da cultura nas
sociedades humanas?
Do ponto de vista da prática cotidiana, os sistemas simbólicos estão
em constante interação e servem de referência para que possamos inter-
pretar e dar sentido ao mundo no qual estamos inseridos. Cada pessoa
tem na cultura os elementos de referência para interpretar o mundo e
nele atuar socialmente (figura 17).
Será que agora conseguimos responder à segunda dúvida de Miguel:
Para que serve a cultura?
Ao observar as nossas sociedades, percebemos que, apesar de ser-
mos indivíduos singulares, compartilhamos muitas coisas entre nós:
linguagem, valores, hábitos, crenças e normas. Isso é possível graças
a um elemento central para a construção, existência e perpetuação da
vida social: a cultura.
Figura 17. A cultura brasileira pode ser
Assim, considerando o que discutimos neste capítulo, podemos dizer representada por diferentes elementos
que a cultura é o filtro pelo qual observamos, compreendemos e atuamos simbólicos: personalidades, símbolos
no mundo. A cultura, portanto, serve para nos constituirmos como seres nacionais, comidas, danças e festas
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25
ATIVIDADES
REVISÃO E COMPREENSÃO
1. Marque a alternativa correta, de acordo com o que foi estudado ao longo da
unidade 1.
a) A cultura valor é produzida como forma de obter lucro.
b) A cultura alma coletiva é caracterizada pela religião de um grupo.
c) As Ciências Sociais estudam as diferentes culturas para que possamos definir aquilo
que é certo ou errado.
d) A cultura definida como as produções e manifestações que representam a identi-
dade de um grupo é chamada de cultura mercadoria
e) Para as Ciências Sociais, uma cultura não é boa nem ruim, melhor ou pior que outra.
Elas são apenas diferentes.
2. Relacione as colunas de acordo com o que você entendeu sobre cultura material e
imaterial.
( A ) Cultura material ( ) Músicas ( ) Roupas
( B ) Cultura imaterial ( ) Monumentos ( ) Religião
26
Interpretação e prátIca
5. Observe as imagens reproduzidas abaixo e assinale as alternativas com C (correta)
ou F (falsa), justificando cada resposta.
Vishal shah/shutterstock
dietMar teMPs/shutterstock
Matej kastelic/shutterstock
6. Com base nas imagens reproduzidas a seguir, assinale as alternativas com C (cor-
reta) ou F (falsa), justificando cada resposta.
igor Bulgarin/shutterstock
stokkete/shutterstock
À esquerda, a bailarina
Anna Dorosh se apresenta
no Dnepropetrovsk Opera
and Ballet Theatre, em
Dnepropetrovsk (Ucrânia,
2011). À direita, músico de
uma orquestra toca violoncelo.
explorando o cotIdIano
7. Com base no que aprendemos nesta unidade, vamos explorar o cotidiano?
Escolha uma telenovela e assista aos capítulos diariamente durante uma semana.
Com base no que foi discutido na unidade sobre cultura de massa e indústria cul-
tural, debata com os colegas as seguintes questões:
• Que aspectos retratados na novela se assemelham ou se diferenciam da cultura da
sua região?
• Os estilos de vida dos principais personagens são parecidos ou diferentes daqueles
adotados pelos moradores da sua cidade?
• Os ambientes e paisagens retratados nas cenas podem ser encontrados ou não na
região onde você vive?
• Alguma situação ou costume evidenciado na trama se relaciona com sua experiência
cotidiana?
27
visões de mUndO
De cima para baixo, em sentido anti-horário: crianças em Kampong Phluk (Camboja, 2011);
meninas no povoado rural de Andhra Pradesh (Índia, 2012); menino yanomâmi na aldeia Ixima,
Santa Isabel do Rio Negro (AM, 2011).
28
diferenças percebidas pelos estudantes, e não pelo observador de fora,
são variações de um mesmo padrão cultural. Por isto é que acredita-
mos que todos os japoneses riem de uma mesma maneira. Temos a
certeza de que os japoneses também estão convencidos de que o riso
varia de indivíduo para indivíduo dentro do Japão e que todos os oci-
dentais riem de modo igual.”
LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 67-69.
amazônica?
InterpretAr
3. Por que o índio e o antropólogo veem a floresta amazônica de modo
diferente?
4. Se o riso é uma atividade fisiológica, por que os seres humanos riem
tom CoCKrem/lonely Planet imageS/getty imageS
de modo distinto, de acordo com o texto?
refletIr
5. Observe as imagens da seção e discuta com os colegas a seguinte
questão: as pessoas riem do mesmo modo ou de maneira diferente?
PatriCia a. Jordan/Photolibrary/getty imageS
De baixo para cima, em sentido anti-horário: crianças Nunamiut em Anaktuvuk (Alasca, 2011); menina
yanomâmi na aldeia do Castanha, Barcelos (AM, 2010); menino no Parque Nacional de Luangwa Sul,
Mambwe (Zâmbia, 2013); menina em praia da ilha de Thanet, Kent (Inglaterra, 2014).
29
DIREITO é DIREITO
30
INDICAÇõEs
reProdução
para ver Uma história da cultura
reProdução
Baraka afro-brasileira
Walter Fraga; Wlamyra R.
Direção: Ron Fricke.
de Albuquerque. São Paulo:
Estados Unidos, 1992.
Moderna, 2009.
Baraka é um filme não verbal
Os autores fazem uma histori-
no qual paisagens e cenas
cização que permite ampliar o
cotidianas de seis continen-
conhecimento da cultura popular e tradicional
tes e 24 países, incluindo o
trazida ao Brasil pelos povos africanos, generi-
Brasil, fazem o papel de narrador, revelando
camente denominada cultura afro-brasileira.
ao espectador a diversidade das manifesta-
ções culturais da humanidade. A árvore de carne e outros
reProdução
Bebês contos
reProdução
Lia Minápoty e Yaguarê
Direção: Thomas Balmès.
Yamã. São Paulo:
França, 2010.
Tordesilhinhas, 2012.
O documentário acompanha
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
31
2
UNIDADE
IDENTIDADES
SOCIAIS
32
Começando
a unidade
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
mowgli: menino selvagem, criado por lobos na Índia Central. • Reconhecer o processo de formação
irmão cinzento: lobo, irmão de alcateia de Mowgli. das identidades sociais.
Akela: lobo líder da alcateia e mentor de Mowgli. • Compreender a construção social dos
shere Khan: tigre arrogante e cruel, inimigo de Mowgli e de sua alcateia. estereótipos e preconceitos e suas
buldeo: caçador veterano da aldeia em que Mowgli viveu para aprender consequências para o convívio social.
as maneiras humanas depois de ser expulso da alcateia.
33
CAPÍTULO
3 identidade e
alteridade
A construção da identidade
É no convívio com o outro, o diferente, que aprendemos a nos identi-
ficar com aqueles que nos são semelhantes e fazem escolhas parecidas
com as nossas. Se uma pessoa se identifica como indiana é porque não
é nigeriana, chinesa ou colombiana. Se eu me declaro pardo é porque a
cor da minha pele não é branca, amarela ou preta. A nossa identidade
está ligada ao reconhecimento do diferente. A identidade, portanto, se
34
Identidade e cultura
35
Identidade e a descoberta da alteridade
Quando pensamos em identidade, uma imagem recorrente é o documento
de identificação, com foto 3x4 e número de registro geral, o RG. Essa é
a nossa identidade perante o Estado. Trata-se de um documento legal.
Se pensarmos de forma mais abstrata, nos distanciando das referências
concretas que condicionam nossos pensamentos, podemos perceber a
identidade como algo que não muda em uma situação de transformação.
Sentimos nossa identidade como uma consciência sobre a nossa própria
personalidade. Nesse sentido, nossa identidade é como reconhecemos a
nós mesmos, é a certeza de que a imagem que vemos refletida no espelho
somos nós (figura 4).
Xavier arNau/veTTa/GeTTy imaGes
36
Alteridade
Alteridade é uma palavra de origem latina (alter: “outro”). Para as
Ciências Sociais, o conceito de alteridade significa a capacidade de se
colocar no lugar do “outro”. Essa capacidade nasce da consciência de que
constituímos nosso “eu” ao nos diferenciar dos outros (“eu não sou você”).
Quando nos colocamos no lugar do “outro”, compreendemos o ponto de
vista alheio (figura 6).
oliver laNG/aFP
Figura 6. A alteridade nos permite
pensar de forma diferente do pensamento
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
celso PuPo/FoToareNa
Figura 7. A religião cumpre um papel importante na formação da identidade. Aprender a conviver com a diferença
é fundamental para construir uma cultura de paz. Representantes de diversas religiões participam de ato
ecumênico durante Campanha Copa da Paz, no Rio de Janeiro (RJ, 2014).
37
identidade e papéis sociais
Ao longo de seu processo de socialização, o indivíduo constrói sua
identidade social, assimila valores de diferentes grupos e assume dife-
rentes papéis na sociedade. Por isso, a identidade social também pode
ser entendida como o conjunto dos diferentes papéis e posições sociais
que cada indivíduo desempenha ao longo de sua vida.
No ambiente profissional, por exemplo, as pessoas exercem funções
e papéis sociais distintos e ocupam diferentes posições hierárquicas
(figura 8). Contar com o outro e desenvolver uma relação de confiança
é fundamental para que qualquer trabalho seja desenvolvido de forma
eficiente.
38
O ESTRANHO FAMILIAR Coreia do Sul lidera cirurgias para
“ocidentalizar” traços do rosto
“ A Coreia do Sul virou um polo de cirurgias lugar, o implante de queixo para que o rosto fique
plásticas na Ásia. Os rostos nas ruas de Seul, capital menos redondo, com a forma mais oval, também
do país, são bem diferentes dos que aparecem em como os ocidentais.
muitos cartazes de publicidade. Olhos grandes, nariz Lee-Kyung Mi, de 28 anos, fez a primeira cirur-
mais proeminente: o padrão de beleza ocidental gia há um ano, para fazer a dobrinha do olho. Há
dita a moda e os coreanos tentam ficar um pouco algumas semanas, fez o implante de nariz. ‘Eu me
mais parecidos com o que veem nos anúncios. olhava no espelho e não ficava satisfeita’, disse ela,
[...] ‘agora tenho mais confiança no trabalho e para en-
Um prédio no centro de Seul é dedicado intei- contrar pessoas. Até consegui achar um namorado’.
ramente à cirurgia plástica. É onde funciona a BK, Essa tendência tem muitos críticos, que recla-
a maior clínica do país. mam do que chamam de imperialismo cultural e
Logo na entrada, o argumento para convencer estético do Ocidente, que provoca baixa autoestima
aqueles que ainda estão em dúvida: as fotos com em jovens orientais. É um assunto polêmico.
antes e depois de vários pacientes. Um museu [...] ” KOVALICK, Roberto. Jornal da Globo. Disponível em: <http://
mostra a evolução plástica no país e entende-se g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2012/02/coreia-do-sul-
a grande diferença das cirurgias feitas no Brasil: lidera-cirurgias-para-ocidentalizar-tracos-do-rosto.html >
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
JUNG YEON-JE/AFP
39
CAPÍTULO
4 Estereótipo, preconceito e
discriminação
Identidade e valor
Aprendemos que a construção das identidades é um exercício de
classificação que nos diferencia do “outro”. Os princípios de classi-
ficação estão intimamente associados à cultura que compartilhamos
e, portanto, atribuem valor ao “outro”. Desde muito cedo, aprendemos
a classificar comportamentos e grupos em categorias: “certo” e “er-
rado”, “bom” e “mau”, “feio” e “bonito”, “inferior” e “superior”. Assim, as
40
Os rótulos sociais produzem uma imagem simplificada do indivíduo,
FraNk rumPeNhorsT/DPa/corBis/laTiNsTock
pois não são capazes de expressar sua complexidade. Nesse processo,
as diferenças deixam de ser valorizadas e passam a ser vistas como algo
negativo e indesejável, fazendo aquele que é rotulado se sentir discri-
minado. Essa é uma das fontes de reprodução da exclusão de diferentes
grupos sociais.
Em um vídeo intitulado O perigo da história única, a escritora nige-
riana Chimamanda Ngozi Adichie fala sobre a relação entre sua vida e
os estereótipos sobre a África. Por meio de sua experiência pessoal,
Chimamanda destaca as consequências negativas de uma história única
para a construção das identidades e revela como mudou sua percepção
Figura 10. Segundo Chimamanda Ngozi
sobre o mundo e sobre si mesma quando teve acesso a outras histórias Adichie, o perigo dos estereótipos é que eles
(figura 10). reduzem a história de um povo ou grupo
a uma única história. Acima, a escritora
Ao se reproduzir uma única história, baseada na versão do dominador, fotografada na Casa da Literatura, em
sem considerar a contribuição de diferentes povos, os indivíduos constroem Frankfurt (Alemanha, 2014).
sua identidade com base em um modelo que muitas vezes nada tem a ver
com a sua realidade, com suas características pessoais ou preferências.
A imposição de padrões estabelecidos pelas culturas dominantes promo-
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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Estereótipos como expressão e reforço de preconceitos
Por serem superficiais, os estereótipos expressam e reforçam
preconceitos. Preconceitos são julgamentos prévios, em geral nega-
tivos, sobre determinados grupos e indivíduos. As ideias que sustentam
os preconceitos têm como origem informações incorretas ou incompletas.
Além de infundadas, já que anteriores a um exame cuidadoso e comple-
to da realidade, elas são também muito arraigadas, difíceis de serem
erradicadas, mesmo quando novas evidências as contradizem.
O fenômeno do preconceito possui duas dimensões: uma afetiva (sen-
timentos em relação ao outro, como medo, ódio, desprezo, desconfiança,
superioridade) e outra cognitiva (formulação de ideias sobre a maneira
de ser do outro).
Os preconceitos – e os estereótipos que ajudam a reproduzi-los – são
aprendidos na vida em sociedade. Eles não são manifestações isoladas de
GLOSSÁRIO indivíduos, mas produtos de uma coletividade. A família, a escola, os amigos
Gênero: nas Ciências Sociais,
e os meios de comunicação transmitem e reproduzem ideias que reduzem
designa a diferença que determina os diferentes grupos sociais a características generalizantes. Na mídia, é co-
papéis atribuídos a homens e mulheres mum a veiculação de estereótipos de gênero e cor. Durante nosso processo
42
Discriminação e segregação
Os estereótipos negativos são discursos que atribuem condições
de incapacidade e inferioridade a determinados indivíduos ou grupos.
Em outros termos, eles definem o lugar que devem ocupar na sociedade:
um lugar de subordinação. Mulheres, negros, indígenas e homossexuais
são alguns dos grupos que costumam ser alvo de preconceito, receben-
do tratamento desigual ou desfavorável em função de características
particulares (nesses casos, de gênero, cor, condição sociocultural e
orientação sexual). Podemos afirmar que os estereótipos e preconceitos
ajudam a manter as relações de poder numa sociedade.
A discriminação é a manifestação do preconceito na prática. Discriminar
é instaurar uma separação, distinguir ou tratar alguém desigualmente ou Animação
de forma desfavorável em função de suas características raciais, sociais, União civil homossexual
religiosas, de gênero etc. Ao discriminar estamos negando oportunida-
des com base na atribuição de valor negativo a certos grupos: mulheres,
negros, pobres, homossexuais, idosos etc. Isso ocorre, por exemplo,
quando se nega emprego a uma pessoa que pertence a um desses gru- Figura 13. Nos Estados Unidos, em
1957, um grupo de pessoas hostilizou
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pos. Percebemos, portanto, que preconceito, estereótipo e discriminação uma estudante negra que tentava entrar
são fenômenos que se entrelaçam, produzindo desigualdades sociais. no colégio após a decretação de uma lei
federal que estabelecia o fim da divisão
Em alguns países, como África do Sul e Estados Unidos, o preconceito entre colégios destinados a brancos e
e a discriminação assumiram a forma de políticas oficiais de segregação negros. A foto mostra Elizabeth Eckford
entre brancos e negros. Essas políticas instituíram a separação e o sendo seguida por pais de alunos brancos e
vigiada por policiais enquanto caminha em
isolamento desses grupos, criando espaços reservados para habitação, direção à entrada da Central High School,
transporte e ensino (figura 13). em Arkansas (Estados Unidos, 4 set. 1957).
43
Existe preconceito e discriminação
no Brasil?
Embora o Brasil nunca tenha implantado políticas oficiais de segre-
gação, isso não significa que no país não exista preconceito. Inúmeros
casos de agressão a mulheres, negros e homossexuais demonstram que a
sociedade brasileira tem um grande desafio pela frente a fim de superar
tais práticas. Além disso, é bastante comum as pessoas não admitirem o
próprio preconceito (figura 14).
pedro leite
Figura 14. Muitas vezes as pessoas A escola, como instituição social, não está isenta dos preconceitos e
negam ser preconceituosas, mas suas
ações e palavras indicam o contrário. discriminações existentes em uma sociedade. Em 2009, a Fundação Instituto
de Pesquisas Econômicas (Fipe) realizou um estudo a pedido do Ministério da
Educação (MEC) sobre preconceito e discriminação nas instituições públicas
de ensino. De acordo com os resultados, ambos são uma realidade nas escolas.
44
As principais vítimas de ações discriminatórias (acusações injustas,
humilhação e agressão) são negros, pobres e homossexuais (figura 15).
rDsTockPhoTos/shuTTersTock
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Figura 15. Segundo estudo realizado pela Unesco no Brasil, mais de 40% dos homens
gays relataram ter sido agredidos fisicamente na escola. A bandeira com as cores do
arco-íris, usada pelo movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros), é reconhecida mundialmente como símbolo das minorias sexuais.
sTuDio 1oNe/shuTTersTock
xingamentos e em diferentes formas de hostilização,
mas eles também se manifestam de modo sutil por
meio de piadas, apelidos e ditados populares, de modo
a parecerem inofensivos e “sem intenção” de ofender.
No entanto, o preconceito e a discriminação por
parte de alunos, professores ou funcionários têm
impactos negativos no rendimento escolar e podem
levar os indivíduos discriminados a internalizar uma
imagem negativa de si mesmos, em vez de valorizar
suas características (figura 16).
O bullying é uma forma de discriminação que Figura 16. A beleza negra ainda é pouco valorizada no Brasil.
m. BusiNess imaGes/shuTTersTock
direcionada a um indivíduo ou grupo de forma in-
tencional e repetitiva. Embora ocorra no ambiente
de trabalho e nas relações sociais em geral, essa
prática é mais comum no espaço escolar. Os alunos
vítimas desse tipo de violência frequentemente
desenvolvem depressão e baixa autoestima devido
ao sofrimento psicológico, o que pode levá-los a
abandonar a escola (figura 17).
A educação que valoriza a diversidade possibilita
questionar e desconstruir ideias preconcebidas. Só
por meio do reconhecimento e da valorização do
outro é possível promover a igualdade de oportuni- Figura 17. O bullying é uma forma de violência que se origina dos
dades e direitos. estereótipos e preconceitos.
45
atividades
L A Ã S Ç B C E N O Ã T M
C Y N N Ã E Ã D R
M Ã E
inteRpRetação e pRática
A charge reproduzida revela uma forma de deprecia-
3. Com base na leitura dos textos a seguir, faça uma
ção do pobre na medida em que considera as repre-
análise das relações de trabalho no Brasil utilizando sentações da elite superiores às das classes menos
conceitos estudados na unidade. favorecidas.
Texto 1 As identidades formadas com base em rótulos
“Ser chefe de família não é mais função dos impostos podem funcionar como mecanismos de
homens. Cresce o número de lares sob a respon- produção de desigualdades sociais? Justifique
sabilidade de mulheres. Em 1995, o percentual de sua resposta.
46
5. Certa vez, em uma entrevista, perguntaram ao escritor b) Como podemos interpretar os motivos dos coloni-
nigeriano Wole Soyinka, Prêmio Nobel de Literatura, o zadores para implantar um processo de segregação
que ele achava das questões tribais africanas, conside- em um país cujo povo que compartilhava uma mesma
radas causas de conflitos naquele continente. O autor de identidade social?
Abeokutá respondeu que, ao se referirem a conflitos em c) Como podemos pensar as consequências em nos-
países como a Irlanda, por exemplo, as pessoas nunca di- sa sociedade de episódios como a guerra civil em
zem que a “tribo irlandesa” católica assassinou membros Ruanda?
da “tribo irlandesa” protestante. Em seguida, afirmou
que, com a divisão arbitrária do território africano entre
ExploRAndo o cotidiAno
os países europeus pelo Congresso de Berlim, em 1885,
diferentes nações foram costuradas de forma aleatória. 6. Nesta unidade compreendemos o processo de for-
Na maioria das chamadas nações modernas africanas mação das identidades como uma construção social
vivem diferentes nações, com exceção de Ruanda, país e simbólica, realizada necessariamente tendo como
com uma população bastante homogênea, com um povo referência da existência do “outro”, do diferente.
que fala a mesma língua e onde casamentos interétnicos Aprendemos também sobre a construção social dos
são comuns. No entanto, foi justamente lá que houve estereótipos, preconceitos e discriminações e suas
um dos maiores massacres das últimas décadas, um consequências para o convívio social. Vamos explorar
verdadeiro genocídio. Segundo Wole Soyinka, essa o cotidiano?
situação resultou da política colonial belga, que criou Divididos em grupos de quatro alunos, façam uma
pesquisa e selecionem duas reportagens de jornal,
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"Não sobraram demônios no inferno", disse o missionário. "Eles Crianças interagem em uma escola do subúrbio
estão todos em Ruanda.", diz a frase estampada na capa da de Joanesburgo (África do Sul, 2010).
revista Time de 16 de maio de 1994, sobre o genocídio no país.
• Que características diferenciam essas crianças?
Com base nas situações descritas, responda: • O que marca a identidade delas?
a) Como a construção de identidades com base em • Tomando como referência o debate sobre a construção
rótulos e estereótipos explicam os conflitos internos da identidade, junte-se aos colegas e imaginem o que
em países como Ruanda? se passa na cena.
47
visÕes de MUNdO
A construção da Identidade
identidade não é um “Às vezes nem eu mesmo
processo fácil. Ela é sei quem sou.
cheia de dúvidas e Às vezes sou
‘o meu queridinho’.
incertezas, mas também
Às vezes sou
uma fase de descobertas, moleque malcriado.
de reconhecimento de si Para mim
como um ser especial. tem vezes que eu sou rei,
herói voador,
caubói lutador,
jogador campeão.
Às vezes sou pulga,
sou mosca também, que voa e se esconde
de medo e vergonha.
Às vezes
eu sou Hércules,
Sansão vencedor,
peito de aço,
goleador.
Mas que importa
O que pensam de mim?
Eu sou eu,
sou assim,
sou menino.”
BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 1985.
48
Atividades
obtER inFoRmAçÕEs
1. Identifique o gênero literário e o assunto do texto.
2. O autor reconhece em si diversas características. Algumas que ele
se atribui, outras que lhe são atribuídas. Cite três delas.
intERpREtAR
3. Relacione a identidade da qual fala o autor com o conceito de alte-
ridade estudado na unidade.
4. Ao final do poema, o autor assume uma identidade específica. Que iden-
tidade é essa?
REFlEtiR
5. Faça um exercício semelhante ao realizado pelo autor. Liste cinco
características que você considera determinantes para a sua iden-
tidade e compartilhe com seus colegas de sala. Faça uma tabela com
as características que vocês compartilham e outra com as não
compartilhadas. Depois promovam um debate. É possível perceber
uma identidade coletiva na turma?
49
DIREITO é DIREITO
Reflexão
Com base na sua observação da realidade e no que aprendeu nesta uni-
dade e nesta seção, você acredita que as leis que preveem a repressão
e a punição da discriminação são suficientes para promover a igualdade
social? Justifique.
50
INDIcAÇõEs
reProDução
Hiato
Sueli Carneiro e Vera Lúcia
Direção: Vladimir Seixas.
reProDução
Vilhena de Toledo.
Brasil, 2008.
São Paulo: Ática, 2006.
Em 2000, um grupo forma-
Mira é uma adolescente ne-
do por pessoas sem-teto e
gra, ótima aluna de uma esco-
moradores de favela decide
la de periferia, que consegue
ir a um shopping center na
uma bolsa de estudos num colégio de elite. A
Zona Sul do Rio de Janeiro,
partir daí ela irá deparar com uma série de pos-
causando mal-estar entre
turas racistas, preconceituosas e intolerantes.
clientes e lojistas e reve-
lando a segregação existente entre as classes Omo-Oba: Histórias de princesas
sociais na sociedade brasileira. Kiusam de Oliveira.
reProDução
Duelo de Titãs Belo Horizonte: Mazza
Edições, 2009.
Direção: Boaz Yakin.
reProDução
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51
3
UNidAde
ENCONTROS
CULTURAIS
tock
Atins /L
52
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Compreender os conceitos de etnocentrismo,
relativismo cultural e diversidade cultural.
• Identificar características marcantes da cul-
tura globalizada e multicultural no mundo
contemporâneo.
53
CAPÍTULO
5 Etnocentrismo, diversidade
e relativismo cultural
O que é a cultura?
Vimos que a palavra cultura possui diferentes significados. Quando
dizemos que um município se destaca pela cultura da cana-de-açúcar,
significa que nele se pratica com sucesso o cultivo desse produto. Quando
dizemos que determinada pessoa é muito culta, significa que ela tem
uma ampla bagagem de conhecimento. Em outra situação, a palavra pode
54
Assim, a organização e o modo de vida dos inuítes seriam totalmente
determinados pelo meio ambiente no qual estão inseridos.
Qual a limitação desse pensamento? Se compararmos os inuítes com
os lapões (que habitam o norte da Europa, abrangendo os territórios da
Rússia, Finlândia, Noruega e Suécia), vamos perceber um tipo de cultura
completamente diferente. Embora vivendo sob condições geográficas e
climáticas semelhantes, os lapões se diferenciam dos inuítes nos modos
de caçar, pescar e se vestir, nos hábitos de alimentação e nos tipos de
habitação (figuras 1 e 2).
É claro que a geografia exerce forte influência nas estratégias de
sobrevivência dos diferentes grupos humanos, mas não pode ser consi-
derada elemento determinante, como acontece com as espécies animais.
Se analisarmos o caso dos indígenas brasileiros do Xingu, veremos que
seus costumes são completamente diferentes
dos costumes dos inuítes. Por habitarem uma
ARctic-iMAGes/coRbis/LAtinstock
região com clima mais quente e vegetação farta,
a alimentação, o tipo de vestimenta, os hábitos
e a sociabilidade desses indivíduos apresentam
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Figuras 1 e 2. Povos que vivem em condições geográficas e climáticas semelhantes podem desenvolver hábitos,
costumes e culturas bastante diferenciados. No alto à direita, homem conduz uma rena em Jukkasjärvi (Suécia, 2010).
Acima, um inuíte trabalha na construção de iglus em Nanuvut (Canadá, 2013).
55
A biologia determina a cultura?
No que se refere à questão biológica, afirmava-se que o comporta-
mento social dos seres humanos era condicionado por características
inatas, capazes de determinar a superioridade de um indivíduo sobre
outro pela suposta inteligência, disposição e capacidade de realização.
A ideia de que a cultura de um povo ou nação poderia ser explicada por
critérios raciais e genéticos resulta desse pensamento. Acreditava-se
que a natureza de um povo seria capaz de provar que alguns seriam mais
evoluídos que outros. Essa perspectiva serviu como justificativa para a
dominação de uma cultura sobre outras, como ocorreu nos processos
de colonização europeia da África, da Oceania e das Américas. Os euro-
peus acreditavam estar em um grau de evolução superior aos povos que
habitavam esses continentes. Colonizadores ingleses no sul da África
se valiam desse pensamento evolucionista, chamado darwinismo social,
para justificar a opressão dos povos nativos com o objetivo de instalar
infraestrutura para exploração de seus recursos naturais, em especial
minas de ouro e diamantes.
56
O etnocentrismo
O etnocentrismo (ethno = povo; centrismo = centro) consiste na visão
de mundo de um grupo étnico que considera seus valores, ideias, hábitos
e características culturais superiores aos de outros. Ao colocarmos nossa
cultura como centro ou modelo para julgar as demais, o “outro” é visto
como inferior, irracional, excêntrico. Como consequência do etnocen-
trismo, seres humanos foram expostos como animais em feiras, circos e
zoológicos (figuras 4 e 5).
O etnocentrismo opera, portanto, por meio de uma hierarquização
cultural: uma cultura é entendida como superior e as demais como in-
feriores. Isso significa posicionarmos o grupo do “nós” no topo de uma
hierarquia (que podemos imaginar como uma escada), de onde olhamos
o grupo do “outro” de cima para baixo.
Se voltarmos ao exemplo dos intelectuais brasileiros do século XIX, é
possível compreender o conceito de etnocentrismo. Naquele momento,
a cultura europeia era considerada o “centro”, a referência e a meta para
todas as outras culturas. A população e a cultura brasileira estariam dis-
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JeAn-GiLLes beRiZZi/RMn-GRAnd pALAis/otheR iMAGes – MUsée des civiLisAtions de L’eURope et de LA MéditeRRAnée, MARseLhA
57
O olhar cultural
Nós costumamos olhar o mundo pelo recorte dado por nossa cultura.
Quase todo o tempo, estamos agindo de forma etnocêntrica, julgando
outras culturas sob a nossa perspectiva. Geralmente, temos o hábito de
estranhar tudo aquilo que não nos é familiar. Essa dificuldade gera ideias
preconceituosas a respeito de outros povos.
A tradição cultivada na Índia, por exemplo, de considerar a vaca sa-
grada, símbolo de adoração religiosa, com direito a circular livremente
pelas ruas e calçadas das cidades indianas (figura 6), causa grande estra-
nhamento para nós, assim como o hábito dos chineses de consumir carne
de animais domésticos, como cães e gatos. No México, o Dia dos Mortos
é uma data festiva, comemorada com grandes celebrações, enquanto no
Brasil a data é motivo de luto pela morte dos entes queridos (figura 7).
Figura 6. Em países onde a vaca não
58
Muitos hábitos e costumes de outras culturas causam estranha-
mento – e até repulsa – por serem diferentes dos nossos. No entanto,
o etnocentrismo também pode ser observado em uma mesma cultura.
A separação entre “cultura popular” e “cultura erudita” é um exemplo.
Há quem considere inferiores os saberes populares, valorizando práticas
associadas ao saber erudito. A palavra erudito designa aquele que adquire
conhecimento, instrução e cultura principalmente por meio da leitura.
Como exemplo de prática etnocêntrica em uma mesma cultura, po-
demos mencionar as diferenças existentes entre as chamadas “tribos
urbanas” (figura 8).
kevinG3/ALAMy/GLoW iMAGes
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O relativismo cultural
O relativismo cultural estabelece um contraponto ao determinismo da
visão etnocêntrica. A ideia de “relativismo” se opõe ao “determinismo”,
mas o que significa dizer que algo é relativo? É comum escutarmos a fra-
se: “Isso é muito relativo”, quando alguém acredita que uma opinião em
relação a determinado assunto não pode ser aceita como verdade única.
Relativismo, portanto, significa que existem opiniões variáveis de acordo
com as circunstâncias. Ter uma postura relativista em relação a outras
culturas é aceitar diferentes pontos de vista e entender que não existe
uma cultura melhor do que a outra, pois não existe um critério de compara-
ção que seja válido. Cada cultura possui um modo de dar significado à vida.
59
Pontos centrais do relativismo
Nesse sentido, o relativismo cultural é uma proposta de análise que
apresenta alguns pontos centrais:
a) compreende qualquer elemento de uma cultura (cerimônia, vestimenta,
alimentação etc.) dentro do contexto cultural no qual surgiu, e não
pelo “olhar de fora”;
b) defende que as culturas são relativas e, por isso, não há cultura ou
elemento que possa ser definido como “padrão absoluto” para julgar
os diferentes padrões culturais;
c) estabelece que as culturas são equivalentes e, portanto, não se pode
definir uma escala de valores evolutiva ou hierarquia entre elas.
Os defensores do relativismo cultural entendem que uma cultura é
tão válida quanto qualquer outra, pois trata-se de uma experiência que
um conjunto de seres humanos construiu ao longo de sua vivência em
sociedade. Um posicionamento favorável ao relativismo cultural é com-
preendido como a chave para o reconhecimento e a convivência entre as
diferentes culturas (figura 9).
a diversidade cultural
As práticas etnocêntricas levam frequentemente ao preconceito, ao
desrespeito e à intolerância entre as culturas. O não reconhecimento da
diversidade cultural impossibilita a coexistência pacífica entre os povos.
O entendimento da existência de diferentes culturas, suas particulari-
dades, seus costumes e significados torna possível a construção de
caminhos para o diálogo e o entendimento entre os povos. É comum
vermos na televisão, rádio, jornal e internet campanhas contra o pre-
conceito, o racismo, a intolerância religiosa. Essas campanhas refletem
o esforço constante de percebermos outras culturas não como exóticas,
“primitivas”, “atrasadas” ou rudimentares, mas como um modo diferente
de enxergar o mundo. Essa perspectiva é o caminho para o respeito e a
diversidade cultural.
60
O ESTRANHO FAMILIAR “Pés de lótus”
61
CAPÍTULO
6 Multiculturalismo e
transformação cultural
62
Cultura na era da globalização: homogeneização
ou fragmentação?
A globalização é um processo multidimensional que exerce influência
sobre as diferentes esferas de uma sociedade: econômica, política, social
e cultural. Podemos identificar efeitos positivos na globalização. As trans-
formações tecnológicas que caracterizaram esse processo de crescente
interdependência internacional, que afeta a vida social e cultural das
sociedades, “encurtaram distâncias” entre as culturas, disseminando
padrões culturais mais democráticos e tolerantes, capazes de relativizar
noções mais resistentes à aceitação da diferença ou promover o respeito
aos direitos humanos. No entanto, seu lado negativo se revela, por exemplo,
na imposição de uma cultura sobre outra, na reprodução de uma versão GLOSSÁRIO
única da História, que ignora a contribuição de diferentes etnias, ou na Hegemonia: dominação política
determinação de modelos econômicos e políticos pelos países economi- e econômica de um povo sobre
camente desenvolvidos. outros; superioridade ou predomínio
incontestável.
A televisão e o cinema são frequentemente utilizados para difundir
estereótipos que distorcem os costumes e a identidade dos povos. Desse
modo, apenas as potências mais ricas, que controlam os meios tecnológi-
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ALexei tALiMonov/WWW.cARtoonstock.coM
Unidos, que dominam o mercado fonográfico e
cinematográfico internacional, disseminando a
cultura estadunidense por todo o mundo. É por
meio da cultura que são transmitidos hábitos
e costumes identificados e valorizados como
“superiores”. Assim, os costumes e hábitos culti-
vados pelas minorias acabam perdendo espaço
e importância.
A homogeneização global que ocorre em
virtude do processo de globalização é aquela
em que as culturas nacionais se enfraquecem
(figura 11).
Em contrapartida, é possível identificar outra
tendência: o reforço de algumas identidades
nacionais e locais por meio da resistência à
globalização. A luta dos angolanos residentes
em Luanda pela preservação de seu idioma, a
rebelião dos indígenas de Chiapas, no México,
contra seus opressores ou a campanha dos
franceses pela identidade camponesa con-
tra a sociedade de consumo são exemplos
de resistência à homogeneização. No Brasil,
diferentes povos e comunidades tradicionais
lutam contra a opressão e a extinção de suas
tradições.
63
Multiculturalismo
O multiculturalismo enfatiza a ideia de que as culturas minoritárias
são discriminadas e consideradas movimentos particulares, mas me-
recem reconhecimento público e devem ser amparadas e protegidas
por lei.
A política multiculturalista combate a homogeneidade cultural, princi-
palmente quando esta é considerada única e legítima, submetendo outras
culturas a um padrão estabelecido pelo grupo dominante.
O multiculturalismo também pode ser entendido como uma estraté-
gia política de reconhecimento e representação da diversidade cultural,
diretamente relacionado às lutas dos grupos culturalmente oprimidos.
O educador Peter McLaren destaca quatro tipos de multiculturalismo
(figura 12).
FIGURa 12. TIPOs DE MULTIcULTURaLIsMO sEGUNDO PETER McLaREN
Multiculturalismo Multiculturalismo Multiculturalismo liberal Multiculturalismo
conservador humanista liberal de esquerda crítico
Fonte: Elaborado pelos autores com base em: MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez, 2000.
64
Sob a ótica do multiculturalismo crítico, o reconhecimento do “outro” GLOSSÁRIO
adquire um significado mais complexo e profundo. Não se trata simplesmente
Estratificação social: processo de
de tolerar, de “suportar” a existência do “outro”, mas de respeitá-lo, aceitando divisão da população ou de um grupo
seu valor. Essa postura compreende diálogo, reconhecimento e negociação social em segmentos, segundo um
das diferenças e não admite o uso de força, violência ou dominação. princípio hierárquico.
65
atividades
Revisão e compReensão
1. Formule uma crítica à ideia de que as condições climáticas determinam
a construção cultural de um povo.
2. Com base nos estudos contemporâneos das Ciências Sociais, é possível
afirmar que a riqueza cultural presente no mundo pode ser explicada
por argumentos biológicos ou genéticos? Justifique sua resposta.
3. Segundo as Ciências Sociais, existem duas possibilidades distintas de
analisar os elementos culturais produzidos por outras sociedades. Iden-
tifique e diferencie essas visões com base nos conceitos elaborados.
4. Qual das visões sobre a diversidade cultural discutida na questão anterior
o trecho abaixo representa? Justifique com argumentos concretos.
“Quantas línguas foram criadas nesse espaço de tempo! A cria-
tividade humana é realmente inesgotável e é a pluralidade cultural
que torna o mundo atraente, interessante, curioso e surpreendente.”
MARTINS, Maria Helena Pires. Somos todos diferentes!: convivendo
inteRpRetação e pRática
7. Observe os quadrinhos a seguir. Eduardo mEdEiros
66
O cartunista ironiza o ponto de vista dos “civilizados” em relação aos
povos ameríndios. Leia as alternativas abaixo e assinale a(s) alternativa(s)
correta(s). Justifique todas as respostas.
a) As práticas adotadas pelos povos “civilizados” são exemplos de relati-
vismo cultural, já que consideram os aspectos da cultura ameríndia em
seu próprio contexto.
b) A tentativa de integrar os ameríndios à “civilização” indica um sinal
evidente de negação do direito à diferença cultural.
c) Os “civilizados” se dispõem a estabelecer uma relação de igualdade
com os ameríndios.
d) Do ponto de vista dos “civilizados”, os ameríndios carecem daquilo que
é “natural” segundo seus padrões culturais.
Explorando o cotidiano
8. É comum estranharmos hábitos, comportamentos e costumes de outros
povos. Às vezes, agimos de forma etnocêntrica sem perceber. No entanto,
o contato com outras culturas possibilita uma reflexão sobre a nossa
própria cultura.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
m. BuSinESS imaGES/ShuttErStock
kzEnon/ShuttErStock
Dança Yamuricumã em aldeia da Grupo de mulheres e homens ocidentais Caboclos de lança dançam maracatu
etnia Kamayurá, em Gaúcha do Norte dançam em uma disco club (Estados rural em Nazaré da Mata (PE, 2011).
(MT, 2011). Unidos, 2013).
Faça o seguinte:
a) Mostre as imagens a dois amigos, vizinhos ou familiares.
b) Peça que analisem cada um dos temas e expressem seu ponto de vista
sobre as diferenças culturais evidenciadas nas imagens.
c) Anote e compare os pontos de vista dos entrevistados.
d) Apresente seu trabalho para a turma e preste atenção na apresentação
dos colegas.
67
visÕes de MUNdO
68
— Não, Só me faltava encontrar você. Estragou meu dia.
— Este lugar já foi mais bem frequentado…
atividades
Depois dos insultos, se abraçam com fúria. Os sonoros tapas nas OBtER InFORMaçÕEs
costas — outra instituição brasileira — chegam ao limite entre a cor-
dialidade e a costela partida. 1. Qual o tema do texto?
Eles se adoram, mas que ninguém se engane. É amor de ho- 2. De acordo com o autor, as formas
mem. Quanto maior a amizade, maior a agressão. E você pode ter de cumprimento entre amigos são
certeza que dois brasileiros são íntimos quando põem a mãe no iguais em todas as sociedades?
meio. A mãe é o último tabu brasileiro. Você só insulta a mãe do
seu melhor amigo. IntERPREtaR
— Sua mãe continua na zona?
3. Por que um estrangeiro não fa-
— Aprendendo com a sua.
miliarizado com nossos costumes
— Dá cá um abraço!
não compreende o modo como nos
E lá vêm os tapas. Um estrangeiro despreparado pode levar al-
cumprimentamos?
guns sustos antes de se acostumar com a nossa selvageria amorosa.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
69
DIREITO é DIREITO
Reflexão
As populações indígenas constituem um exemplo muito
expressivo de comunidade tradicional existente no Brasil. D
iscuta a importância da preservação do patri-
São cerca de 220 sociedades indígenas culturalmente
distintas, que falam em torno de 180 línguas. Na foto, mônio material e imaterial das culturas indígena
indígenas do povo Desano, etnia do Alto Rio Negro, da família e quilombola.
linguística Tukano, em Manaus (AM, 2013).
70
iNDicaÇões
RepRodução
avatar Harriet Beecher Stowe.
RepRodução
São Paulo: Ediouro, 2002.
Direção: James Cameron.
EUA, 2009. Ambientado nos sul dos
Estados Unidos do sécu-
A ficção científica, passa- lo XIX, numa época em
da no ano de 2154, retra- que a escravatura era uma
ta a colonização dos Na´vi realidade na América, o li-
pelos seres humanos. Um vro original se tornou um
dos terrestres envolvidos símbolo de libertação. A
na missão é enviado para versão infantojuvenil re-
viver entre os Na´vi antes do ataque, geran- lata de forma romanceada a resistência dos
do uma série de impasses e reflexões sobre a negros estadunidenses contra a brutalidade
riqueza dos padrões culturais daquele povo. dos senhores e o tráfico de escravos.
RepRodução
Vídeo Histórias do tio Jimbo
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Avatar
Nei Lopes. Belo
Horizonte: Mazza
Edições, 2007.
Tainá – uma aventura na
RepRodução
71
Ao refletir sobre o sincretismo religioso entre catolicismo e candomblé, é importante destacar
aspectos litúrgicos – como cânticos, rituais e imagens de santos e orixás – e princípios
éticos de cada uma das religiões. É importante desconstruir preconceitos ao mostrar como a
população expressa sua fé e seus valores. Evidenciar o papel do Estado como agente repressor
de práticas culturais populares é uma boa estratégia para
mostrar aos alunos que conflitos sociais de classe também
estão presentes na produção cultural nacional. Além disso,
deve ser reforçado o fato de que a formação sociocultural
brasileira se produziu pela mistura de diferentes elementos
étnicos e culturais que ajudam a conformar sua
originalidade e multiplicidade de identidades,
hábitos, costumes, valores, símbolos e práticas.
Começando
a unidade
72
14
UNIDADE
UNIDADE
CUltUrAs
No BrAsIl
Paulo
o
iès, sã
A
cultura brasileira é uma criação
s ard
elaborada com base nas práti-
cque
ria Ja
cas culturais de diferentes povos. As
Gale
religiões afro-brasileiras são exemplos
dessa mistura étnica que resultou no
sincretismo religioso. Sincretismo é a
fusão de elementos de diferentes cul-
tos religiosos ou elementos culturais. O
candomblé, proibido por muito tempo no
Brasil, encontrou nos santos católicos a
possibilidade de sobreviver à repressão
da polícia. No entanto, esse encontro de fé
mostra como o sincretismo religioso cons-
truiu práticas culturais singulares a partir
do contato entre diferentes nações.
Mãe Menininha do Gantois, famosa ialorixá
(mãe de santo) de Salvador, na Bahia, nunca
deixou de assistir à missa. Comungava de ma-
nhã na Igreja Católica e celebrava os rituais do
candomblé à noite. Além de coordenar todas as
atividades do terreiro, Maria Escolástica – seu
nome de batismo – acompanhava as telenovelas,
escutava no rádio programas evangélicos e música
popular. Maria Bethânia, que ainda hoje frequen-
ta o Gantois, era uma de suas cantoras preferidas.
Entre seus admiradores estavam muitos artistas e
Objetivos da unidade políticos, alguns dos quais não seguiam nenhuma
Ao final desta unidade, você poderá: religião, mas compreendiam o valor dos rituais de cul-
• Compreender o processo de formação do povo to aos orixás como demonstração de espiritualidade,
e da cultura brasileira como resultado das beleza e princípios éticos para a vida em sociedade.
relações sociais estabelecidas historicamente O mosaico cultural brasileiro foi construído a partir
por diferentes grupos étnicos. do encontro de diferentes expressões culturais.
• Identificar algumas das principais expressões
culturais que formam a identidade nacional.
73
CAPÍTULO
7 Formações culturais
brasileiras
Um país plural
O Brasil é um país plural. Quando temos a oportunidade de conhecer
outras cidades, estados ou regiões, ou pelo menos ter acesso a seus
elementos culturais, identificamos uma série de particularidades: expres-
sões, ritmos musicais, comidas, modo de falar, roupas e comportamentos,
entre outras.
74
Contextualização histórica
O Brasil é o maior país da América do Sul e o quinto do mundo em
extensão territorial. Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é de 190.732.694 mi-
lhões de habitantes, distribuídos pelas cinco regiões: Sul, Sudeste, Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Esses são dois dos fatores pelos quais o Brasil
é considerado um país de dimensões continentais.
A formação cultural brasileira é extremamente rica, diversificada e
heterogênea pelo fato de sua composição social ser marcada por diferentes
influências culturais (principalmente indígenas, africanas e portuguesas,
mas também de outros imigrantes europeus, além de povos árabes e asiá-
ticos). Devido a essa heterogeneidade, temos de tomar cuidado ao falar de
“cultura brasileira” como se ela fosse única e homogênea. Compreender
a multiplicidade na formação cultural do Brasil é uma tarefa que exige
compreensão crítica da nossa história (figuras 2 a 6).
Figuras 2 a 6. A variedade e as influências
LuLa Sampaio/opção BraSiL imagenS
Diogoppr/ShutterStoCk
75
Indígenas, portugueses e africanos
Cabe ressaltar que os africanos vindos para o Brasil não podem ser
incluídos na categoria de imigrantes por não terem tido a oportunidade
de escolher seu destino voluntariamente: eram capturados e trazidos à
força. Contudo, junto com os indígenas e portugueses, constituem uma
das três principais matrizes formadoras da população brasileira. Estima-
tivas indicam que cerca de 3,5 milhões de africanos foram comprados na
África e vendidos no Brasil durante os trezentos anos em que vigorou o
tráfico negreiro. Esses indivíduos pertenciam a diferentes grupos étnicos
oriundos de locais que atualmente fazem parte dos territórios de Angola,
Nigéria, Camarões, Serra Leoa, Libéria e Senegal, entre outros (figura 7).
Fundação BiBlioteca nacional, rio de Janeiro
76
arquivo histórico municiPal João
sPadari adami, caxias do sul
Figura 8. Imigrantes italianos em
lavoura de Caxias do Sul (RS, 1911).
77
Desconstruindo o eurocentrismo:
formação de um povo multicultural
Nas últimas décadas têm sido desconstruídas as teses que consideravam
a formação do Brasil monocultural, baseada nos valores do colonizador.
A visão eurocêntrica, formulada com base na utilização dos conhecimentos
produzidos pelos povos europeus como referência universal, foi dominan-
te até o início do século XX e desconsiderava as contribuições culturais
e científicas de povos africanos e indígenas (figura 10). A reprodução
desse pensamento promoveu o enfraquecimento da autoestima desses
grupos e de seus descendentes, contribuindo para reforçar uma ideia
equivocada de inferioridade cultural da África e da América.
78
O ESTRANHO FAMILIAR Feijoada: breve história de
uma instituição comestível
“Convencionou-se que a feijoada foi inventada na colônia, algumas africanas, mas também o fei-
nas senzalas. jão consumido em Portugal, conhecido como feijão-
Os escravos, nos escassos intervalos do traba- -fradinho (de cor creme, ainda hoje muito popular
lho na lavoura, cozinhavam o feijão, que seria um no Brasil, utilizado em saladas e como massa para
alimento destinado unicamente a eles, e juntavam outros pratos, a exemplo do também famoso acarajé).
os restos de carne da casa-grande, partes do porco Os cronistas do período compararam as varieda-
que não serviam ao paladar dos senhores. [...] des nativas com as trazidas da Europa e África, e
foram categóricos, acompanhando a opinião do
Mas não foi bem assim.
português Gabriel Soares de Souza, expressa em
A história da feijoada – se quisermos também 1587: o feijão do Brasil, o preto, era o mais saboroso.
apreciar seu sentido histórico – nos leva primeiro à Caiu no gosto dos portugueses.
história do feijão. O feijão-preto, aquele da feijoada
[...]
tradicional, é de origem sul-americana. Os cronistas
dos primeiros anos de colonização já mencionam O feijoeiro, em todas as suas variedades, tam-
a iguaria na dieta indígena, chamado por grupos bém facilitou a fixação das populações no território
guaranis ora comanda, ora comaná, ora cumaná, já luso-americano. Era uma cultura essencialmente
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
identificando algumas variações e subespécies. doméstica, a cargo da mulher e das filhas, enquanto
o homem se ocupava com as outras plantações e
O viajante francês Jean de Léry e o cronista por-
com o gado. A facilidade do manejo e seus custos
tuguês Pero de Magalhães Gândavo, ainda no sécu-
relativamente baixos fizeram com que a cultura
lo XVI, descreveram o feijão, assim como o seu uso
do feijão se alastrasse no século XVIII entre os
pelos nativos do Brasil. A segunda edição da famosa
colonos. [...]
Historia Naturalis Brasiliae, do holandês Willen Piso,
revista e aumentada em 1658, tem um capítulo Havia, na Época Moderna, entre os habitantes da
inteiro dedicado à nobre semente do feijoeiro. colônia (sobretudo os de origem indígena e africana),
tabus alimentares que não permitiam uma mistura
O nome pelo qual o chamamos, porém, é portu-
completa do feijão e das carnes com os outros le-
guês. Na época da chegada dos europeus à América,
gumes. Entre os africanos, aliás, muitos de origem
no início da Idade Moderna, outras variedades
muçulmana ou influenciados por esta cultura, havia
desse vegetal já eram conhecidas no Velho Mundo,
interdição do consumo da carne de porco. Como,
aparecendo a palavra feijão escrita pela primeira
afinal, poderiam fazer nossa conhecida feijoada?
vez, em Portugal, no século XIII (ou seja, cerca de
trezentos anos antes do Descobrimento do Brasil). [...] Há variações de um lugar para o outro, porém
é um tipo de refeição bastante popular, tradicional.
Apenas a partir de meados do século XVI, co-
[...] Essa tradição vem para o Brasil, sobretudo com
meçou-se a introduzir outras variedades de feijão
os portugueses, surgindo com o tempo – na medida
em que se acostumavam ao paladar, sobretudo os
GABRIEL DE SÁ/CB/D.A PRESS
Atividade
A história da feijoada serve de base para a afirmação
de que existem “culturas brasileiras”, e não uma
“cultura brasileira”? Por quê?
A feijoada é um dos maiores símbolos da culinária brasileira.
79
CAPÍTULO
8 Expressões culturais
no Brasil
80
Diante dessa situação, indígenas e africanos promoveram movimentos
81
Exemplos de expressões
tArSilA Do AmArAl empreenDimentoS – coleção muSeo De Arte lAtinoAmericAnA De buenoS AireS – FunDAción conStAntini
culturais brasileiras
Artes plásticas
Modernismo
No Brasil, a ruptura com a tradição determinista
europeia foi marcada pelo Modernismo, representa-
do por artistas como Oswald de Andrade, Tarsila do
Amaral (figura 14), Anita Malfatti, Mário de Andrade e
Candido Portinari, que, inspirados pelos movimentos
de vanguarda europeus, passaram a representar em
suas obras aspectos da realidade brasileira, como a
mestiçagem, o crescimento urbano, o sertão.
Esse quadro de mudanças fez com que a mestiça-
gem que deu origem à formação do povo brasileiro
deixasse de ser considerada negativa. A partir des-
se momento, as manifestações culturais oriundas
82
Música e dança
Samba
Embora haja diferentes teses que discutem se o samba nasceu na
Bahia ou no Rio de Janeiro, não há como negar que o gênero tem suas Vídeo
origens nas danças e músicas africanas. Hip-hop
Hoje o samba, nas suas mais variadas vertentes, é considerado uma das
maiores expressões culturais da identidade brasileira (figuras 16 e 17).
Inicialmente restrito às camadas populares, discriminado e
até perseguido pela polícia e por outros setores da sociedade, o samba
passou a ter reconhecimento nacional com
a formação das primeiras agremiações de
83
Frevo
Marca expressiva da cultura produzida na Região Nordeste do país,
o frevo se originou no final do século XIX, em Pernambuco (figura 18).
Mistura de outras expressões culturais, como o maxixe e a capoeira, com
um ritmo mais acelerado que o samba, tornou-se o gênero musical mais
popular nos carnavais pernambucanos. O termo vem de fervo, derivado
do verbo ferver, expressão utilizada para caracterizar o carnaval.
Em reconhecimento à sua representatividade cultural, em 2012 o
frevo foi considerado patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco
e definido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) como forma de expressão musical, coreográfica e poética.
hans von manteuFFel/oPção Brasil imaGens
84
irmo celao/acervo aBril comunicações s/a
Figura 19. Luiz Gonzaga, o Gonzagão,
representante da tradição do forró,
fotografado durante apresentação no
Festival de Águas Claras (SP, 1984).
Capoeira
É difícil definir a capoeira em uma única modalidade, pois é uma ex-
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
85
ATIvIDADEs
REvISãO E COMpREEnSãO
1. De que maneira os estudos das Ciências Sociais comprovam a existência
de diversos “brasis”?
2. Por que não é possível afirmar a existência de uma unidade em relação
aos africanos escravizados trazidos para o Brasil?
3. Interprete a seguinte afirmativa: Mesmo tendo ocorrido a colonização
portuguesa e a busca pela imposição dos valores europeus, conseguimos
perceber hoje em dia a forte presença de traços culturais africanos e
indígenas no cotidiano dos brasileiros.
4. Identifique uma expressão cultural brasileira que teve origem no período
colonial e outra originada após a independência do Brasil.
5. De que modo a transição do século XIX para o XX contribuiu para a
mudança na produção cultural brasileira?
IntERpREtAçãO E pRátICA
8. Sob o mesmo céu
“Brasil,
Com quantos Brasis se faz um Brasil?
Com quantos Brasis se faz um país chamado Brasil?
Sob o mesmo céu
Cada cidade é uma aldeia, uma pessoa,
Um sonho, uma nação.
Sob o mesmo céu,
Meu coração não tem fronteiras,
Nem relógio, nem bandeira,
Só o ritmo de uma canção maior.
A gente vem do tambor do Índio,
A gente vem de Portugal,
Vem do batuque negro
A gente vem do interior e da capital,
A gente vem do fundo da floresta,
Da selva urbana dos arranha-céus,
A gente vem do pampa, do cerrado,
86
Vem da megalópole, vem do Pantanal,
A gente vem de trem, vem de galope,
De navio, de avião, motocicleta,
A gente vem a nado
A gente vem do samba, do forró,
A gente vem do futuro conhecer nosso passado.”
Lenine. Sob o mesmo céu. Do CD Lenine.doc – Trilhas.
Rio de Janeiro: Universal, 2010.
ExplORAnDO O COtIDIAnO
10. O Brasil apresenta uma formação cultural bem diversificada. Se ana
lisarmos cada estado ou região, podemos verificar que o Brasil é um
país plural, bastante heterogêneo, seja na culinária, nos costumes, no
comportamento, nas gírias e sotaques. Vamos conhecer um pouco mais
sobre o Brasil? Dividamse em cinco grupos. Cada grupo deve pesquisar
imagens, curiosidades e informações sobre uma das regiões do Brasil
(Sul, Sudeste, Norte, Nordeste, CentroOeste). Terminada a pesquisa,
o grupo deverá confeccionar um mapa indicando as manifestações
culturais presentes em cada estado da região. A atividade poderá ser
apresentada para a turma e depois exposta para a comunidade escolar.
Bom trabalho!
87
vIsÕEs DE MUNDO
88
Este samba, da autoria de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida,
de 1956, incorporado ao repertório de João Gilberto com sotaque de
bossanova, não é só mais uma canção valorizando o samba e
dando de ombros para aqueles que costumam desdenhar do
gênero. A referida Madame que afirma ser o ‘samba música ba-
rata, sem nenhum valor’ realmente existiu. Magdala da Gama de
Oliveira tornou-se conhecida como crítica de rádio escrevendo
numa coluna do jornal Diário de Notícias (durante três décadas
foi um dos mais importantes jornais do país. Lidera a circulação
no Rio de Janeiro e ganha a fama de um veículo de opinião livre
e independente, atingindo um alto padrão de credibilidade) e
assinando com o pseudônimo de Mag. Mag conseguiu entrar
para a história da MPB pelos ataques desferidos contra o samba.
De acordo com os opositores de Madame, a intenção da autora
era diminuir o samba, desclassificá-lo como música brasileira. [...]
O samba, pela sua origem negra e popular, sempre foi hos-
tilizado por aqueles setores mais conservadores, que se viam
identificados com a cultura europeia. Para estes segmentos,
aceitar o samba como música nacional significava internamente
‘misturar-se ao povo’ que tanto rejeitavam e externamente admitir
um Brasil atrasado, primitivo, inferior às nações desenvolvidas.
Por isso pessoas como Magdala tentavam a todo custo rechaçar
o samba como identidade nacional. Esta é, portanto, uma longa
história que não termina nos anos 30, ou nos 40 e tão pouco nos 50.
Apesar de nos anos 60 a bossa nova aproximar os mais elitistas
da canção popular, a letra da composição de Haroldo Barbosa
não perde a sua contemporaneidade, pois as fronteiras sociais,
apesar de todo o hibridismo reinante na cultura de massa, con-
tinuariam se perpetuando simbolicamente através da música.”
GARCIA, Tânia da Costa. Madame existe. Revista da Faculdade de Comunicação
da FAAP, n. 9, 2001. Disponível em: <www.faap.br/revista_faap/revista_facom/
artigos_madame1.htm>. Acesso em 13 maio 2014.
Atividades
OBtER InFORMAçÕES
1. Quem é a madame mencionada no samba?
2. Por que os autores da canção resolveram polemizar com ela?
IntERpREtAR
3. De acordo com a autora do texto, por que o samba era hostilizado?
4. Por que, segundo a autora, o samba ainda é atual?
REFlEtIR
5. Em nossos dias, existe alguma expressão cultural que sofra hostilidade
por conta de sua origem? Pesquise e debata com os colegas.
89
DIREITO é DIREITO
Reflexão
1. Durante sua trajetória escolar, o que você
aprendeu sobre os aspectos da história e da
cultura afrobrasileira citados no primeiro
parágrafo do Artigo 26A?
2. Pesquise nos seus livros didáticos de His
tória e Geografia como são abordadas a
cultura e a história desses grupos: os li
vros ajudam a valorizar e reconhecer os
povos de origem africana e indígena? Que
Hoje o ensino da história e da cultura afro-brasileira e
indígena é obrigatório nas escolas brasileiras. Alunos da
imagens são associadas a esses grupos e
Escola Estadual Capitão Egídio Lima observam mapa da África ao continente africano?
em mural afixado no corredor da escola. Timóteo (MG, 2013).
90
INDICAÇõEs
reProdução
intolerância
Devoção
reProdução
Edson Borges, Carlos
Direção: Alberto Medeiros e Jaques
Sergio Sanz. d’Adesky. São Paulo:
Brasil, 2008. Atual, 2002.
O documentário Embora o Brasil seja uma
apresenta um de- sociedade plural, a intole-
bate sobre os encontros culturais estabele- rância, o racismo e o preconceito ainda são
cidos ao longo do processo de colonização problemas que desafiam a diversidade e colo-
brasileira que deram origem à criação de cam em questão nossa capacidade de tratá-los
expressões religiosas próprias no Brasil, racionalmente. O livro analisa a xenofobia, o
como é o caso das religiões afro-brasileiras etnocentrismo e a ação afirmativa, entre outros.
e cristãs.
reProdução
O que é cultura popular
Você já foi à Bahia?
reProdução
Antonio Augusto Arantes.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
91
5
unidade
ESTRATIFICAÇÃO
EDESIGUALDADE
SOCIAL A questão inicial pretende
estimular a reflexão sobre como as
desigualdades sociais influenciam
não apenas condições materiais de
vida das pessoas, mas também as
oportunidades às quais elas têm
acesso. Enquanto Jamie estuda e
pratica esportes, Roathy passa o dia
trabalhando e, certamente, para ter
algum sucesso no futuro, enfrentará
muito mais obstáculos, a começar
pela desvantagem no acesso à escola.
Começando
a unidade
92
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Reconhecer as características fundamentais
da estrutura social e as diversas formas de
93
CAPÍTULO
9 Estrutura social e a
produção das desigualdades
Estrutura social
As desigualdades sociais podem ser de ordem econômica, étnico-racial
e de gênero, entre outras. Elas se evidenciam na presença de grupos so-
ciais e indivíduos que não têm acesso a direitos ou recursos. Em geral, as
desigualdade estão associadas umas às outras. Os diferentes fatores que
Figura 1. As desigualdades geram desigualdade (gênero, etnia, classe social, geração) se reforçam
de classe social e mutuamente. Por exemplo, uma pessoa pobre (desigualdade econômica
94
museus castro maYa/div. iconograFia, rio de Janeiro
Figura 2. A gravura de Jean-Baptiste Debret,
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tipos de desigualdade
Existem diversas formas de desigualdade, que podem ser agrupadas
em cinco grandes grupos: étnico-racial, de classe, gênero, orientação
sexual e idade.
Mulheres e negros, que compõem aproximadamente 75% da Popula- GLOSSÁRIO
ção Economicamente Ativa (PEA), são os grupos sociais que mais sofrem
População Economicamente Ativa
discriminação, ou seja, são os mais atingidos pela negação da igualdade (PEA): mão de obra disponível no
de oportunidades e tratamento. mercado de trabalho.
O machismo, que ainda está presente na sociedade brasileira, coloca
a mulher em situação de desvantagem em diversos espaços da vida so-
cial. Esse pensamento estabelece a desigualdade de gênero, que pode
ser reforçada pela desigualdade étnico-racial, no caso da mulher negra.
De acordo com o Relatório da desigualdade de gênero, estudo rea-
lizado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa o 62o lugar entre
136 países no ranking global e a 7a posição entre os 12 países da Amé-
rica do Sul. Em quatro critérios analisados — poder político, participação
econômica, acesso à educação e à saúde —, a nota média do Brasil obteve
um pequeno aumento entre 2012 e 2013, passando de 0,691 para 0,695.
No índice de igualdade salarial entre homens e mulheres, o Brasil ocupa
a 117a colocação entre 136 países, ou seja, aparece como um dos mais
desiguais do mundo.
Tanto a Constituição de 1988 quanto a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), de 1943, determinam que não devem existir diferenças salariais
entre os sexos. Entretanto, pesquisas demonstram que, na última década,
embora as mulheres tenham aumentado sua participação no mercado
de trabalho e melhorado seu grau de instrução em relação aos homens,
continuam recebendo menos do que eles (tabela 1, página seguinte).
95
Tabela 1. regiões meTropoliTanas: anos de esTudo e rendimenTo
de homens e mulheres por grupos ocupacionais* – 2011-2013
Belo Horizonte
Representantes
comerciais e 11,5 11,9 15,27 9,83 35,6
corretores
Guardas, almoxarifes,
cobradores nos 10,4 11,1 9,45 6,19 34,5
transportes
Fortaleza
Gerentes comerciais
8,0 8,2 7,34 4,20 42,8
(comércio)
Porto Alegre
Caldeireiros e outros
profissionais afins na
8,8 9,1 7,99 5,22 34,7
indústria
metal-mecânica
Gerentes de
operações comerciais
15,0 15,0 9,44 7,12 24,6
e de assistência
técnica
Recife
Pesquisadores e
outros profissionais 11,6 12,0 9,78 7,28 25,6
de nível técnico
Salvador
Assistentes
administrativos,
auxiliares de 11,7 11,8 10,54 6,94 34,2
contabilidade e
secretárias
Enfermeiros não
*Grupos ocupacionais homogêneos diplomados e outros
11,4 11,7 10,61 8,35 21,3
em que as remunerações femininas profissionais de
ficaram abaixo das masculinas. serviços e comércio
96
Desigualdade real de oportunidades
e condições
A desigualdade socioeconômica está diretamente relacionada à desigual-
dade de oportunidades e de condições. O sucesso do indivíduo não depende
apenas de seus esforços ou decisões pessoais, mas de circunstâncias sociais
como grau de escolaridade, ocupação dos pais, qualidade das escolas que
frequentou etc. Além desses aspectos, devem ser considerados fatores
como cor da pele, gênero e orientação sexual.
A juventude pobre no Brasil, por exemplo, sofre uma série de discri-
minações e desigualdades. A Constituição estabelece que os cidadãos
são “[...] todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza
[...]”. No entanto, esses jovens enfrentam uma enorme desigualdade de
condições para a manutenção dos seus estudos, já que precisam traba-
lhar para complementar a renda familiar. Esse é apenas um dos vários
obstáculos enfrentados. A lei garante igualdade de oportunidades para
todos, mas as condições reais revelam a desigualdade.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), há cerca
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
97
novas desigualdades
A partir da segunda metade do século XX, teve início uma fase de
profundas transformações socioeconômicas que ficou conhecida como
Terceira Revolução Industrial ou Revolução Tecnocientífica. Essa nova
fase é marcada pela utilização de alta tecnologia e de mão de obra es-
pecializada nos processos de produção. Entretanto, as inovações tecno-
lógicas escondem a permanência e, algumas vezes, o agravamento de
desigualdades sociais. Segundo dados divulgados pela Organização das
Nações Unidas (ONU), mais de 1 bilhão de pessoas vivem com menos de
1 dólar por dia e cerca de 2,5 bilhões, com menos de 2 dólares por dia.
Além disso, cerca de 100 milhões de crianças em idade escolar não fre-
quentam a escola.
Desde o final do século XX, a desigualdade digital se somou às demais
desigualdades sociais, reforçando-as. A crescente presença das novas
tecnologias da informação em nosso cotidiano deu origem a uma nova
forma de comunicação. Contudo, enquanto uma parcela da sociedade
consome o que há de mais moderno em tecnologia da informação, outra
98
o esTranho Familiar Família avança no ritmo do
progresso do brasil
“ Quando o Brasil fez seu primeiro Censo, em Foi em São Gonçalo, [...] que nasceram Ana
1872, o levantamento apontou que 15% da popu- Verônica, em 1968, e Robson, em 1970. O casamento
lação era de escravos, o que correspondia a pouco não deu certo, e Cleusa viu que era hora de ‘fazer
mais de 1,5 milhão de pessoas. [...] Vicente Pereira uma profissão’. A neta de Vicente decidiu estudar.
Machado, o bisavô de Robson Machado, era um dos — Fiz supletivo. Continuava doméstica, mas
escravos que o Censo apontava. Liberto quando ganhava pouco. Algumas vezes a gente tinha um
a Lei Áurea foi assinada, ele deixou a fazenda ovo e só. Não foi fácil, mas concluí o primeiro grau
por volta de 1898. Estava casado com Marcolina — lembra Cleusa. — Uma vizinha viu meu esforço
Ribeiro de Jesus, que havia nascido depois da Lei e se ofereceu para me ensinar a costurar. Consegui
do Ventre Livre. Os dois, os filhos e Marcos, irmão de emprego numa fábrica. Depois, comprei uma má-
Vicente, foram para Vala do Souza, hoje Jerônimo quina à prestação e comecei a costurar em casa.
Monteiro (ES). Em 1910, já em Alegre (ES), nasceu E foi costurando que ela pôde fazer com que Ana
Paulo Vicente Machado. Verônica fosse a primeira da família a ter curso su-
Avô de Robson, Paulo cresceu ajudando os pais perior. Ela se formou em Ciências Contábeis, numa
na lavoura. Menino, ele aprendeu sobre jongo, soube faculdade particular.
das dificuldades enfrentadas por quem vivia nas — Foi uma peleja desde a hora da inscrição. Eu
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
senzalas e ouviu histórias sobre as negras bonitas. não tinha o dinheiro todo, o diretor falava que não
Aos 15 anos, casou com Ana Cândida, 12 anos mais podia esperar, e ela chorava. Os vizinhos ajudaram
velha. E foi durante a República Velha (1889-1930), e deu tudo certo — recorda.
com a expansão ferroviária, que passou a trabalhar Com Robson, ‘a peleja foi igual’:
na estrada de ferro. Começou capinando a linha. — Ele estudou em Niterói (na UFF) e, depois, foi
Mais tarde, acabou transferido com a família para estudar em Campinas (Unicamp), já tendo um filho
Bom Jardim, na Região Serrana do Rio. pequeno.
— A expansão ferroviária era um trabalho bra- Hoje, Daniel, filho de Robson, é um rapaz de
çal e arregimentou muitos negros. Meu avô foi um
deles e veio para o Rio trabalhar na Estação Santa
18 anos e cursa Geografia na Uerj. [...] ”
BENEVIDES, Carolina. Família avança no ritmo do progresso do Brasil.
Luzia — diz Robson. Rio de Janeiro, O Globo, 11 maio 2013. Disponível em: <http://oglobo.
globo.com/brasil/125-anos-de-abolicao-familia-avanca-no-ritmo-do-
Foi em Bom Jardim que, em 1947, nasceu Maria progresso-do-brasil-8344709>. Acesso em 14 jul. 2014.
Cleusa Vicente Machado, mãe de Robson. Aos 9 anos,
ela deixou a família e foi trabalhar como doméstica
no Centro do Rio.
— Em Bom Jardim, a gente tinha uma vida mise-
rável — recorda Cleusa. — Eu dizia que não queria
aquela vida, queria estudar, ter roupa bonita. Então,
minha mãe deixou que eu fosse embora. [...]
— Fiquei até os 16 anos. A dona da casa enviava
dinheiro para minha mãe e deixava que eu falasse
ao telefone com ela. O marido foi bom até eu ficar
maiorzinha. Daí passou a dizer que me queria —
conta Cleusa, que foi, então, trabalhar em Copaca-
bana. — Fui arrumadeira até casar, em 1967, quando
fomos para São Gonçalo.
atividade
A inda que a trajetória familiar de Robson evidencie ascensão social, é possível afirmar que
ela foi impulsionada pelas forças presentes na estrutura social? Justifique sua resposta
com base nas informações contidas no texto e dos debates realizados ao longo da unidade.
99
CAPÍTULO
10 Estratificação social:
castas, estamentos
e classes
100
Formas de estratificação social
Ao longo da história, existiram três tipos principais de estratificação
social: sistema de castas, estamentos e classes sociais. As desigual-
dades sociais assumiram formas diferentes em cada um deles.
O sistema de castas
Em uma sociedade fundada no sistema de castas, a posição social é
imutável e definida pelo nascimento. Na Índia, que é referência desse Multimídia interativa
tipo de estratificação, existem quatro castas: Brâmane, Xátria, Vaixá Castas indianas
e Sudra (figura 6), e a distribuição de recursos e vantagens em geral se-
gue a hierarquia estabelecida entre elas. Os dalits, párias ou intocáveis
(figura 7), formam um grupo extremamente segregado e discriminado.
A ordem social e as desigualdades a ela associadas encontram funda-
mento na religião hindu.
Existem milhares de subcastas na Índia, o que torna esse sistema
muito complexo. Entretanto, é possível traçar algumas características
básicas do sistema de castas indiano.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
RaveendRan/aFP
Brâmane
Xátria
Vaixá
Sudra
Figura 6. Segundo o Rig Veda, escritura sagrada do hinduísmo, cada parte Figura 7. Mais de 260 milhões
do corpo de Brahma, o deus criador, deu origem a uma diferente casta: de dalits, ou intocáveis, sofrem
da cabeça de Brahma nasceram os brâmanes (sacerdotes e letrados); dos discriminação. Na foto, mulheres
braços, os xátrias (guerreiros); das pernas, os vaixás (comerciantes); participam do Comício da Dignidade
dos pés, os sudras (servos: camponeses, artesãos e operários). Dalit, em Nova Delhi (Índia, 2013).
101
Principais características do sistema de castas indiano
• A condição de membro de uma casta é determinada pelo nascimento.
Não há mobilidade de uma casta para outra.
• A hierarquia estabelece uma “pureza ritual” entre as castas. As atividades
e comportamentos classificados como “puros” ou “impuros” fazem com
que haja uma série de regras de relacionamento entre as diferentes cas-
tas. É proibido, por exemplo, comer ou beber acompanhado de membros
de castas inferiores e acredita-se que pessoas de determinadas castas
possam contaminar outras apenas pelo contato físico.
• O casamento é endogâmico, ou seja, deve ocorrer apenas entre os
membros de uma mesma casta.
• Cada casta deve exercer determinados tipos de profissão. Apenas os
nascidos na casta Brâmane, por exemplo, podem ser sacerdotes, e aos
párias estão reservadas ocupações consideradas “ritualmente impuras”
e mal remuneradas.
O processo de industrialização e urbanização na Índia ocasionou mu-
danças significativas na organização das castas, sem, contudo, eliminá-la.
102
anderson BarBosa/Fotoarena
Ao contrário dos sistemas de castas e estamentos, as classes não Figuras 9 e 10. Apenas 1% das famílias de
todo o mundo detém quase metade (46%)
impõem restrições legais ou religiosas para a distribuição dos indivíduos da riqueza do planeta. À esquerda, mulher
na escala social. Nesse sistema, é possível ascender socialmente, por- trabalha em lixão da cidade de Altamira
(Pará, 2012). À direita, edifícios de alto
tanto existe maior mobilidade social. No entanto, embora no capitalismo padrão em Salvador (BA, 2011).
a mobilidade seja mais frequente, estudos recentes mostram que, em
grande medida, os filhos continuam herdando as posições de seus pais
devido à desigualdade de oportunidades.
No sistema capitalista, a trajetória de cada indivíduo é influenciada por
sua trajetória de classe, que lhe fornece vantagens (maior escolarização,
mais tempo livre para estudos durante a infância) ou impõe dificuldades
(conciliar trabalho e estudos, má alimentação, dificuldade de acesso à
saúde) para alcançar determinados objetivos (figura 11).
103
atividades
REvisãO E COMPREEnsãO
1. Por que é possível afirmar a existência de desigualdades sociais para
caracterizar as relações sociais em diversos contextos?
2. Caracterize a desigualdade socioeconômica brasileira segundo o con-
texto histórico. Como as desigualdades atuais podem ser explicadas
historicamente?
3. Caracterize a estratificação em castas com base nas noções de posição
social e possibilidades de mobilidade social.
4. A estratificação em classes sociais pode ser considerada mais igualitá-
ria comparada a outros modelos de estratificação? Há dificuldades em
estabelecer mobilidade social?
intERPREtaçãO E PRátiCa
5. Observe a charge e responda à pergunta a seguir, considerando o tema
adriano kitani
De que modo a ilustração serve de base para reflexão sobre alguns dos
aspectos estudados na unidade, como estratificação social, sociedade
de classes, oportunidades etc.?
104
Explorando o cotidiano
6. Nesta unidade, conhecemos as características fundamentais da estrutura
social, as diversas formas de desigualdade e alguns dos mecanismos de
hierarquização social.
Vamos explorar o cotidiano?
Siga o roteiro abaixo:
1 . Reúnam-se em grupos de quatro alunos.
2. Percorram os bairros onde os componentes do grupo moram e esco-
lham uma escola pública e uma particular para observar no horário
de saída de algum dos turnos (matutino, vespertino, noturno).
3. Anotem no caderno a quantidade de alunos e alunas brancos e negros
que observaram em cada escola.
4. Registrem o nome dos bairros ou das regiões onde as observações
foram feitas.
5. Apresentem os resultados para a turma e promovam um debate
com base nas observações feitas: Havia mais alunos negros do que
brancos em alguma escola privada? Havia mais alunos brancos do
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
105
visões de mundo
A letra da canção
a seguir retrata a
realidade vivida pelas Alagados
populações mais pobres
“Todo dia o sol da manhã
do Brasil e da América Vem e lhes desafia
Latina, principalmente Traz do sonho pro mundo
os moradores de favelas Quem já não o queria
que, na época em que Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
foi escrita, sofriam
E a cidade que tem braços abertos
com falta de infraestrutura, Num cartão-postal
oportunidades sociais e Com os punhos fechados na vida real
esperanças para o futuro. Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
Será que nossa realidade
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
hoje é diferente? A esperança não vem do mar
Nem das antenas de TV
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê.”
VIANNA, Herbert; RIBEIRO, Bi; BARONE, João.
Alagados. In: Os PARAlAmAs dO sucEssO.
Selvagem? EmI Records, 1986.
Atividades
Obter infOrmações
1. Quem são os personagens retratados na letra da canção?
2. Qual é a temática desenvolvida?
interpretar
3. Por que os personagens não querem “voltar pro mundo”?
4. Por que a cidade “mostra a face dura do mal”?
refletir
5. Com base nas imagens reproduzidas, discuta com seus colegas se há semelhança
entre a realidade social da favela brasileira e a da jamaicana.
106
DiomeDia
Acima, crianças com bicicleta em rua de Trenchtown, Kingston (Jamaica, 2014).
Abaixo, mulheres caminham ao lado de muro grafitado em rua do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ, 2014).
Sergio moraeS/reuterS/LatinStock
107
direiTo é direiTo
trabalho doméstico
Segundo a Organização Internacional do Traba- Alguns dos direitos garantidos pela PEC são:
lho (OIT), o Brasil é o país com maior número de salário mínimo fixado em lei; jornada de trabalho
empregados domésticos no mundo. Em 2011, eram de 44 horas semanais e não superior a oito horas
cerca de 6,6 milhões de pessoas que trabalhavam, diárias; hora extra; férias anuais remuneradas;
em sua maioria, sem carteira de trabalho assinada aposentadoria. Entre as ocupações beneficiadas
e recebendo a menor remuneração em relação a pela emenda estão as de cozinheiro(a), governan-
todas as outras atividades econômicas no país. ta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista
As condições precárias que marcam essa ocupação particular, jardineiro(a) e acompanhante de idosos.
se devem à sua exclusão dos direitos trabalhistas, No Brasil, o trabalho doméstico é exercido em sua
situação que começou a ser alterada apenas com maioria por mulheres (92,6%), especialmente ne-
a aprovação, em 2013, da Proposta de Emenda gras, que representam 61% de todas as domésticas.
Constitucional no 66 (PEC 66/2012), conhecida A aprovação da “PEC das Domésticas” chegou a
popularmente como “PEC das Domésticas”. ser considerada uma ‘segunda abolição da escra-
108
indicaÇões
reProdução
Ana Valim. São Paulo:
reProdução
ilha das Flores Atual, 2013.
Direção: Jorge Furtado.
As causas e consequências
Brasil, 1989.
políticas, econômicas e so-
O documentário retrata a ciais dos movimentos mi-
realidade social dos habi- gratórios são analisadas e
tantes da Ilha das Flores, contextualizadas histori-
no Rio Grande do Sul. camente nesta obra, mos-
A ilha serve de depósito trando como as populações migram das áreas
de lixo orgânico que, após rurais para os centros urbanos em busca de
alimentar os animais que ali vivem em regi- uma vida melhor.
me de confinamento, serve de alimento aos
moradores do local. Para navegar
reProdução
um casamento à indiana portal ciência e vida
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
109
Começando
a unidade
Comentá
rio das q
Situações constrangedoras são vividas pela maior uestões
na págin
a 112.
parte da população afro-brasileira. Pense. É comum ver
mulheres e homens negros em posição de prestígio
social na sociedade brasileira? Por que é tão difícil
vê-los em postos de comando, cargos de direção e
chefia nos governos e nas grandes empresas públicas
e privadas no Brasil? Por que isso acontece?
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Compreender a relação entre as desigualdades
e o preconceito étnico-racial no Brasil.
• Identificar as razões da produção e reprodução
das desigualdades étnico-raciais na sociedade
brasileira.
110
6
UNIDADE
RAÇA, ETNIA E
DESIGUALDADE
s
dasa
élIc
ang
A luta da promotora de eventos Tati
Braga no bairro de Higienópolis,
em São Paulo, onde mora, é um bom
exemplo de como o preconceito racial
é vivenciado em nossa sociedade. Indig-
nada pela forma como um apresentador
de televisão se referiu ao cabelo de uma
bailarina com a expressão “vassoura de bru-
xa”, Tati escreveu a seguinte mensagem na
página de uma rede social: “Nosso cabelo não
é vassoura. Não é bombril. Não é ruim nem o
secamos numa ventania”. O apresentador res-
pondeu dizendo se tratar de uma “brincadeira”.
Tati costuma enfrentar esse tipo de “brincadei-
ra” nos mais diferentes ambientes: na escola da
filha, nos salões sofisticados que frequenta. Essas
“brincadeiras” trazem como consequência sofrimen-
to e constrangimento. Tati conta que sofria bullying
desde criança. Na escola, era sempre a mesma coisa:
“Seu cabelo é ruim”. Na adolescência, sonhava em ser
paquita e, como eram todas loiras, quis pintar o cabelo.
Diz que só passou a cultivar seus cachos quando desco-
briu pela internet um coletivo no Rio de Janeiro chamado
Meninas Black Power. A promotora de eventos relata que
por ser a única negra a morar em seu prédio, quando se
mudou tinha sempre de se identificar na portaria. Uma
vizinha chegou a lhe oferecer emprego como doméstica.
Para Tati, “quando nós reclamamos de situações como
essas dizem que entendemos errado. As pessoas não
Angélica Dass. Humanae, 2014. A série Humanae (Humanos)
é um projeto concebido pela artista plástica brasileira percebem que são racistas nem se assumem como tal”.
residente na Espanha com o objetivo de fazer um Essa história ainda se repete todos os dias. O pre-
levantamento cromático dos diferentes tons da pele humana
por meio de registros fotográficos. Apesar das campanhas conceito étnico-racial no Brasil é uma afronta à nossa
contra o racismo no Brasil, a persistência das desigualdades diversidade, e compreender as raízes do problema
étnico-raciais ainda é muito forte.
é o primeiro passo para superá-lo.
111
CAPÍTULO
bIkErIdErlondon/shuttErstock
112
Os cientistas sociais falam em relações e desigualdades raciais e, muitas
vezes, empregam o termo raça para se referir aos efeitos gerados pela persis-
tência da ideia de raça no senso comum, como discriminação e desigualdade.
As percepções e os significados atribuídos às diferenças raciais variam de
uma sociedade para outra, pois constituem uma construção social. Quem é
considerado branco no Brasil, por exemplo, pode ser classificado de outra
forma em outro país. Muitas vezes, a forma como alguém é percebido
racialmente varia ao longo de sua vida, pois é algo que depende do ponto
de vista. Aspectos como riqueza, saúde e qualidade de vida das pessoas
costumam influenciar as percepções. As Ciências Sociais mostram que
essa construção leva em consideração interesses e aspectos sociais e
políticos (figura 2).
FabrIzIo bEnsch/rEutErs/latInstock
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Racismo científico
No século XVII, predominou na Europa um pensamento que ficou
conhecido como “racismo científico”. Tratava-se de uma crença que bus-
cava demonstrar a superioridade de uma raça sobre outra com base em
estudos científicos, principalmente no campo da biologia e da medicina.
O darwinismo social tentou aplicar a teoria da evolução das espécies,
criada por Charles Darwin, às sociedades humanas. Segundo essa tese,
existiria uma ordem evolutiva baseada em características biológicas. Hoje
sabemos que naquela época muitos pesquisadores europeus queriam
comprovar essa tese por meio da ciência para justificar a dominação das
principais potências colonizadoras sobre os povos das Américas, da África e
da Ásia, valendo-se das diferenças físicas. Assim, no final do século XIX
e ao longo do século XX, o darwinismo social serviu para justificar as
políticas de dominação europeia no continente africano.
113
Racismo científico no Brasil
No Brasil, essas ideias também ganharam adeptos, principalmente no
final do século XIX. Muitos pesquisadores interessados na manutenção
do domínio europeu na ex-Colônia portuguesa tentavam comprovar que
o “atraso” do país se devia em grande parte à presença de negros em
sua formação social. Esse pensamento deu origem a uma política de
“branqueamento”, cujo objetivo era tornar a população mais branca (fi-
gura 3). Segundo essa ideologia, uma raça mais evoluída favoreceria o
desenvolvimento do país.
PatrIck rodrIguEs/agêncIa rbs/FolhaPrEss
114
REPRODUÇÃO
Mito da democracia racial
AGÊNCIA ESTADO
Na década de 1960, a visão romântica e
idealizada de Gilberto Freyre foi questionada
pelo sociólogo paulista Florestan Fernan-
des. Esse autor sustentava que, apesar do
processo de miscigenação, o racismo estava
presente nas relações sociais no Brasil e afe-
tava significativamente a vida da população
negra. Em referência à tese difundida por Figuras 4 e 5. Gilberto Freyre
Gilberto Freyre, Florestan disse se tratar (em foto de 1981) contribuiu com
o Modernismo brasileiro ao afirmar
de um mito, o mito da democracia racial. a miscigenação como uma força
O Brasil não adotou uma política insti- cultural brasileira, e não um problema.
No entanto, apesar de associada a
tucional segregacionista baseada na cor uma perspectiva positiva, sua visão
da pele, como ocorreu em outras colônias reforçava muitos dos preconceitos
no mundo. As elites brasileiras não se sen- coloniais. Acima, capa da 48a edição
de Casa-grande & senzala.
tiam ameaçadas economicamente pelos
afro-brasileiros, pois não disputavam com eles o mesmo mercado de
trabalho, tampouco os postos de prestígio na sociedade. Por isso, segundo
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 6. No Brasil, a herança escravocrata se faz notar nos dados que Fonte: Retratos das desigualdades
comprovam a desigualdade existente entre brancos e negros. A desqualificação de gênero e raça. Disponível
do negro em razão de sua condição social impõe diversas barreiras em nossa em: <www.ipea.gov.br/retrato/>.
sociedade, como a discriminação, que perpetua o ciclo das desigualdades. Acesso em: 10 ago. 2014.
115
Etnia: combate ao racismo e valorização
da diversidade cultural
O termo etnia deriva do grego ethnos, que significa povo. Um grupo
étnico é definido como um grupo de pessoas que apresentam caracte-
rísticas culturais próximas e reconhecidas socialmente: língua, religião,
valores e tradições. A ideia de ancestralidade, ou seja, o legado das
gerações passadas, também está presente no conceito de etnia, pois a
história de cada povo é importante para sua identidade étnica (figura 7).
Um mesmo país pode abrigar diferentes grupos étnicos, assim como
um mesmo grupo étnico pode se espalhar por diversos países. Os curdos,
por exemplo, constituem um povo originário da região conhecida como
Curdistão (que tem partes na Turquia, Irã, Iraque, Síria e Armênia). Esse
grupo étnico, que compartilha uma língua e uma ancestralidade, está
Figura 7. No Brasil, as populações indígenas espalhado por vários países, sem possuir o seu próprio território.
são representadas por diversas etnias, Quando falamos de raça, portanto, estamos nos referindo aos este-
com diferentes línguas, crenças e tradições
ligadas à ancestralidade de cada povo. reótipos físicos classificados de forma social e política pelas diferentes
116
O ESTRANHO FAMILIAR A prova do lápis, os “brancos de honra”
e outros absurdos do “apartheid”
“ Fundado sobre os alicerces de um delirante ra- ‘A pele clara, o nariz pontiagudo e, sobretudo, o cabelo
cismo, o regime segregacionista do apartheid trouxe liso eram requisitos para poder ser considerado branco’,
consigo vários conceitos e situações absurdas [...] A contou o professor, relembrando que os funcionários
implantação do regime em 1948 tipificou e recrudes- do escritório se dedicavam a medir os narizes dos
ceu a discriminação dos não brancos que já existia na solicitantes. ‘Mas o mais importante era a prova do
África do Sul desde a chegada dos colonos europeus lápis, que consistia em colocar uma lapiseira entre
no século XVI, e deu lugar à infinidade de disposi- os cabelos. Se caísse, a pessoa podia ser considerada
ções baseadas na raça das pessoas com o objetivo de branca ou mestiça, mas se permanecesse, só podia ser
basear o ideal puritano dos arquitetos do sistema. O mestiça ou negra’, explicou [...]. Para tomar a decisão,
primeiro problema na aplicação da separação racial, as autoridades sul-africanas podiam recorrer a uma
proposta pelo projeto dos nacionalistas africâneres pergunta aparentemente inocente: ‘Quanto medem
– descendentes dos colonos holandeses – era a clas- seus filhos?’ Os negros costumam indicar a altura
sificação racial da população. ‘O governo criou qua- das pessoas com os dedos juntos e a palma das mãos
tro categorias: branco, africano, indiano e ‘coloured’ viradas para cima, enquanto os brancos o fazem com
(mestiço)’, explicou Noor Nieftagodien, professor os dedos estendidos e a palma das mãos para baixo.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de história [...]. ‘Distinguir entre brancos, africanos e Um grupo especialmente conflituoso para o ‘apar-
índios era relativamente fácil; o problema era com theid’ foram as comunidades de origem asiática: as
os coloureds’, afirmou Nieftagodien, ao contar sobre minorias chinesas foram atribuídas ao grupo mestiço
a diversidade dos mestiços, gente de raça mista que [...]. Devido às privilegiadas relações econômicas que
podia até ter a pele mais clara que muitos brancos. o regime de Pretória mantinha com o Japão, os japo-
A palidez da pele era uma grande vantagem naquela neses obtiveram a duvidosa consideração de ‘brancos
África do Sul – onde era melhor ser branco que indiano de honra’, que lhes permitia viver e abrir negócios em
ou mulato, e indiano ou mulato, melhor que negro –, áreas de brancos, embora não tivessem os mesmos
e muitos aspirantes a uma vida melhor aproveitavam direitos políticos. [...] Aproveitando suas similitudes
a indefinição da categoria ‘mestiço’ para buscar uma físicas, alguns chineses conseguiram este status para
‘ascensão’ em sua condição racial. Uma das tarefas desfrutar de seus benefícios[...]. ”
do Escritório de Classificação Racial era resolver as EFE. A prova do lápis, os “brancos de honra” e outros absurdos do
“apartheid”. Johanesburgo, 12 out. 2013. Disponível em: <www.efe.
solicitações de mudanças de raça, de mulatos que di- com/efe/noticias/brasil/sociedade/prova-lapis-brancos-honra-outros-
ziam ser brancos ou de negros que diziam ser mulatos. absurdos-apartheid/3/2017/2149221>. Acesso em 23 maio 2014.
AP PHOTO/GLOW IMAGES
Atividade
O exemplo do apartheid na África do Sul evidencia o uso do termo raça
para justificar políticas de dominação? Fundamente seu argumento
mencionando informações presentes no texto.
117
CAPÍTULO
12 Desigualdade étnico-racial
no Brasil
Figura 8. Como
não existem
Desigualdades e relações raciais no Brasil
critérios universais, As diferentes formas de desigualdade se evidenciam na distribuição
o IBGE considera
a autodeclaração desigual de bens, recursos e oportunidades na sociedade. A desigualdade
de cor/raça/etnia étnico-racial é uma dessas formas e diz respeito às desvantagens históricas
em suas pesquisas.
de determinados grupos, com base nas diferenças raciais (aspectos físicos)
e étnicas (culturais). Neste capítulo vamos entender que, no caso brasileiro,
essas desvantagens atingem em maior proporção a população afro-brasileira.
118
Segundo o censo 2010, os afro-brasileiros correspondem a pouco
mais da metade da população brasileira e estão proporcionalmente mais
presentes nas regiões Nordeste (37,8%) e Sudeste (36,2%), com desta-
que para os estados da Bahia (figura 9), Maranhão e Rio de Janeiro. Os
indígenas se concentram nas regiões Norte (37,4%) e Nordeste (25,5%);
os asiáticos, nas regiões Sudeste (42,9%) e Nordeste (30%); e os brancos
ou descendentes de europeus, na região Sudeste (48,7%).
alEssandra lorI/FotoarEna
168-f-SOC7-U06-M – Cena
cotidiana de multidão em
cidade baiana.
Figura 9. Segundo o Mapa da Distribuição
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As cores da desigualdade
Aprendemos com as Ciências Sociais que a renda e a escolaridade
são variáveis importantes para avaliar as desigualdades nas sociedades
capitalistas. A desigualdade econômica é a mais fácil de ser reconhecida.
A má distribuição de renda é uma das contradições do Brasil. Num país
que produz cada vez mais riquezas, cerca de 20% da população vive em
situação de pobreza ou indigência, ainda que esse índice tenha sido re-
duzido nas últimas décadas. Outra estatística salta aos olhos: 74,2% da
população mais pobre do país é negra, e os afro-brasileiros representam
apenas 16% da população mais rica (tabela 2). A desigualdade de oportu-
nidades na educação e no mercado de trabalho é uma das variáveis que
explica a diferença de renda entre brancos e negros no Brasil.
Tabela 2. RendimenTo do TRabalho poR Raça ou coR
População com rendimento de trabalho, entre os 10% mais pobres,
em relação ao total de pessoas (%)
119
Desigualdade no mercado de trabalho
A participação dos afro-brasileiros no mercado de trabalho é bastante
desvantajosa. No biênio 2011-2012, um estudo do Departamento Inter-
sindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que os
trabalhadores negros (pretos e pardos) receberam um salário, em média,
36% menor que o dos trabalhadores não negros (amarelos e brancos)
nas regiões metropolitanas brasileiras. A diferença salarial e de oportu-
nidade é ainda maior nos cargos de chefia. Na Região Metropolitana de
São Paulo, por exemplo, enquanto 18,1% dos trabalhadores não negros
alcançam cargos de direção, apenas 3,7% dos negros atingem esse nível
(tabela 3). Os trabalhadores afro-brasileiros apresentaram maior nível de
desemprego e ocupavam as profissões de menor prestígio e valorização
no mercado de trabalho (figura 10).
Tabela 3. disTRibuição dos ocupados poR coR, segundo gRupos de ocupações selecionados
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Direção e
11,3 23,2 15,7 25,5 8,3 18,6 6,9 21,3 5,7 18,1
planejamento
Execução 59,4 50,2 51,4 42,3 61,8 51,9 66,2 53,0 61,1 52,1
Apoio 23,9 21,6 31,0 30,8 23,7 25,1 22,5 20,7 24,7 23,3
Ocupações
5,4 5,0 1,9 1,4 6,1 4,4 4,4 5,0 8,4 6,6
mal definidas
120
figuRa 11. composição de hieRaRQuia ocupacional poR coR nas empResas
Executivo Gerência Supervisão Quadro Funcional
Fonte: Ibope / Instituto Ethos. Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas.
São Paulo: Ethos, 2010, p. 14. Disponível em: <www3.ethos.org.br/cedoc/perfil-social-racial-e-de-genero-das-500-
maiores-empresas-do-brasil-e-suas-acoes-afirmativas-pesquisa-2010/#.U2-Be4FdXKw>. Acesso em: 26 maio 2014.
121
Ações afirmativas no mundo
Existem diferentes experiências de ações afirmativas no mundo
(tabela 4). A modalidade mais adotada e polêmica é o sistema de reserva
de vagas conhecido como política de cotas.
Estados Unidos A partir de 1961 Negros Universidades e escolas públicas, Bônus e fundos de estímulo à
empresas públicas e privadas e contratação de negros
em contratos governamentais
Irlanda do Norte Desde 1989 Grupos religiosos Emprego e promoção no emprego Metas, ações legais de
sub-representados representação (como interferir
na maneira como as empresas
contratam e promovem seus
trabalhadores, propagandas,
treinamento, punições etc.).
Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA) / Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP).
Disponível em: <http://gemaa.iesp.uerj.br/dados/experiencias-internacionais.html>. Acesso em: 26 maio 2014.
122
gustavo FErrEIra/mInIstérIo das rElaçõEs ExtErIorEs
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
• Em 2003, foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Figura 12. Exemplo de ação afirmativa nas
carreiras diplomáticas do Brasil. O Ministro
Racial (Seppir), destinada a garantir à população negra a efetivação da das Relações Exteriores, embaixador Celso
igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais Amorim, recebe bolsistas do Programa de
e coletivos, além do combate à discriminação e às demais formas de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, em
Brasília (DF, 2010).
intolerância étnica.
• Em 2008, foi incluído na rede de educação básica de todo o país o
ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
• Em 2012, foi aprovada a lei de cotas, que estabeleceu reserva de va-
gas para ingresso nos cursos de graduação das instituições federais
de educação superior e ensino técnico. Essa lei destina no mínimo
50% das vagas, por curso e turno, a estudantes que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas. As cotas, porém,
já existiam desde 2001 em algumas universidades públicas estaduais
e federais do Rio de Janeiro.
A maioria dos programas de ação afirmativa nas universidades brasilei-
ras tem adotado o sistema de cotas. Em algumas universidades, utiliza-se
a política do bônus, que oferece pontos a mais no vestibular a alunos de
determinado grupo, sem reservar um percentual de vagas. Na maioria
dos casos, os principais critérios são fatores sociais e econômicos.
Para os defensores da política de cotas, os avanços nos indicadores
socioeconômicos da população afro-brasileira atestam o seu impacto po-
sitivo e mostram a necessidade de promoção da igualdade racial no Brasil,
sobretudo no ensino superior. Outro argumento que afirma a importância
desse tipo de política é o fato de que elas colocam, definitivamente, a
discriminação e o preconceito na agenda pública do país.
Ainda que as ações em curso não sejam suficientes para solucionar
todos os problemas ligados às desigualdades étnico-raciais, elas colocam
em debate a questão da reparação histórica referente à população de
origem africana no Brasil. Com elas, o jovem negro tem hoje oportunidades
que seus pais não tiveram. No entanto, há muito a avançar.
123
ATIvIDADEs
REViSÃO E COMpREEnSÃO
1. O pensamento científico, como um todo, não compreende os conceitos
com base em uma única definição. O conceito de raça, por exemplo,
é analisado de modo diferente pela Biologia e pelas Ciências Sociais.
Apresente as definições propostas pelas duas ciências.
2. Até o final do século XIX, a questão racial era analisada no campo
científico sob a forte influência das teorias do “racismo científico”. No
Brasil, essas ideias só começaram a ser questionadas e desconstruídas
no início do século XX por pensadores como Gilberto Freyre e Florestan
Fernandes. Com base nesse contexto:
a) Caracterize a visão do racismo científico enquanto modelo de análise
para a questão racial.
b) Identifique os elementos que ajudaram a promover a desconstrução
do racismo científico no contexto brasileiro.
3. Diferencie raça de etnia, com base no que você estudou nesta unidade.
49 49,1 50,8
36,6
34,6 Fundamental
31,1
Ensino Médio
Fonte: MELO, Débora. Brancos ganham o
19,1 Ensino Superior dobro que negros e dominam o ensino
12,8 13,4 Alfabetização de jovens superior no país, mostra Censo 2010.
e adultos UOL notícias. 29 jun. 2012. Disponível em:
0,8 1,5 1,3 <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/
Branca Preta Parda
ultimas-noticias/2012/06/29/brancos-
ganham-duas-vezes-mais-que-negros-e-
dominam-ensino-superior-no-pais-mostra-
censo-2010.htm>. Acesso em: 27 maio 2014.
intERpREtAçÃO E pRÁtiCA
5. Durante uma partida entre Barcelona e Villareal em 2014, o brasileiro
Daniel Alves, lateral do Barcelona, foi cobrar um escanteio e viu uma
banana ser arremessada contra ele. Ele se abaixou, pegou a banana e a
comeu. Em seguida, bateu o escanteio normalmente. Casos de racismo são
comuns no mundo do futebol? Quais são as principais vítimas? Justifique.
124
6. Pode-se afirmar que a charge abaixo é uma crítica à ideia de democracia
racial no Brasil? Justifique sua resposta utilizando os diferentes sentidos
e consequências sociais do racismo e do preconceito social.
novaEs
ExplORAnDO O COtiDiAnO
7. Nesta unidade, estudamos a relação entre as desigualdades e a questão
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
125
vIsõEs DE mUNDO
126
gIusEPPE bIzzarrI/FolhaPrEss
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
intERpREtAR
3. De que modo os dados da pesquisa indicam a existência de discrimi-
nação racial na ação da polícia?
4. De acordo com os pesquisadores, por que as ações e denúncias dos
movimentos sociais não modificam esse quadro?
REflEtiR
5. Compare os dados apresentados na pesquisa com a realidade do
bairro onde você mora. Discuta com os colegas se eles confirmam
ou não a existência de discriminação racial na ação da polícia.
127
diReiTo É diReiTo
128
iNDicaÇões
RepRodução
Para ver O mundo das pessoas
RepRodução
Justiça seja feita: coloridas
racismo Caio Ducca. Belo
Horizonte: Mazza, 2012.
Direção: Frederico
Tonucci. Brasil, 2012. O livro conta a história de
dois amigos cujos fortes
O documentário mostra a evolução da ques-
laços de amizade perma-
tão racial no Brasil após a abolição da escra-
necem inabalados até o
vidão, em 1888, destacando alguns marcos
momento em que a reali-
legais instituídos para promover a igualdade
dade os leva a perceber uma diferença entre
de direitos e a importância das ações afirma-
eles: a cor. Essa diferença que na infância não
tivas. O documentário também explora casos
tinha a menor importância passa a ser expos-
de racismo e o tratamento jurídico dado em
ta pelo grupo social no qual ambos convivem.
diferentes regiões do Brasil.
O xadrez das cores Para navegar
RepRodução
Direção: Marco
secretaria de Políticas de Promoção da
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Schiavon. Brasil,
igualdade Racial
2004.
<www.seppir.gov.br>
Neste curta-metra-
A Seppir é uma secretaria da Presidência da
gem, a “luta” entre
República ligada ao reconhecimento das lu-
negros e brancos é representada simbolica-
tas históricas do Movimento Negro no Bra-
mente na forma de peças dispostas em um
sil. O site apresenta as estratégias, políticas
tabuleiro de xadrez. Cida começa a traba-
públicas, legislação e dados para a promoção
lhar como doméstica para uma idosa extre-
da igualdade racial e da proteção dos direi-
mamente racista e enfrenta uma situação de
tos de indivíduos e grupos étnicos.
discriminação e humilhação pelo fato de ser
negra, mas encontra no xadrez uma forma Laboratório de análises econômicas,
inteligente de se afirmar e dar uma lição a Históricas, sociais e estatísticas das
sua empregadora. Relações Raciais (LaeseR)
<www.laeser.ie.ufrj.br/PT/Paginas/home.aspx>
Vídeo O Laeser é um espaço de desenvolvimento
O xadrez das cores de pesquisas na área das relações étnico-ra-
ciais que contribui para entender melhor os
Para ler efeitos do racismo e da discriminação na es-
trutura social brasileira. O site reúne artigos,
Os tesouros de Monifa
RepRodução
129
Começando
a unidade
130
7
UNIDADE
GêNEro E
sExUAlIDADE
131
131
CAPÍTULO
13 Sexualidade e gênero
132
Podemos constatar nos diferentes espaços sociais, tanto no âmbito
Ao analisar a relação entre homens e mulheres com base na noção de Figura 2. A charge indica uma maneira
gênero, as Ciências Sociais entendem que cada sociedade possui diferentes alternativa de pensar as diferenças
entre homens e mulheres para além do
relações sociais de gênero, que, muitas vezes, produzem e reproduzem determinismo biológico.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
133
Desde cedo, observamos comerciais de TV, lemos livros de histórias
infantis e assistimos a filmes que reproduzem imagens estereotipadas
de mulheres e homens. Com frequência, a mulher é apresentada como
responsável pela organização da mesa do café, do almoço e do jantar
(a mulher quase sempre aparece servindo a família nas propagandas),
pela faxina da casa (quem é que sempre aparece segurando um rodo
ou pano de chão?), pelo preparo das refeições (é comum vermos homens
preparando comida em propagandas?), pela lavagem da louça e das roupas
(como nas propagandas de detergente e sabão em pó) ou então como
a criatura frágil, romântica e sonhadora que precisa ser socorrida por
um homem (há centenas de exemplos de filmes, infantis e adultos, em
que o papel passivo da mulher está presente). É assim que, ao longo do
processo de socialização, incorporamos valores que ajudam a construir
a imagem da mulher como um ser subalterno e dependente do homem,
quando não uma espécie de propriedade masculina (figura 4).
alexandre BeCk
134
Identidade de gênero
O fato de nascermos biologicamente homem ou mulher desencadeia
uma série de expectativas que produzem pressões sociais. São elas que
nos levam a assumir determinados comportamentos e estereótipos so-
bre o que é considerado “coisa de homem” e “coisa de mulher” em nossa
sociedade. Essas pressões também influenciam a orientação sexual dos
indivíduos.
Quando a heterossexualidade (atração entre indivíduos de sexos opostos)
é o padrão de comportamento sexual dominante, comportamentos que
fogem à regra são rotulados de “desviantes”. Para fazer valer seu ponto
de vista, a posição dominante afirma seu comportamento como “natural”
e “correto”. Como resultado, temos a criminalização dos demais grupos,
o que contraria os valores modernos de valorização da diversidade e
respeito à diferença. É por isso que ainda hoje ouvimos afirmações de
que a homossexualidade é uma doença ou prática criminosa, uma anor-
malidade ou aberração, embora a comunidade científica internacional a
reconheça como uma forma de sexualidade.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 6. As Ciências
Humanas possuem
diferentes conceitos
para compreender a
diversidade de gênero.
135
Reconhecimento da diversidade
Os movimentos sociais que atuam contra a discriminação de indivíduos
homossexuais conseguiram importantes avanços no que diz respeito
ao seu reconhecimento como cidadãos portadores de direitos, como
pessoas que devem ser tratadas de maneira igualitária em qualquer
sociedade democrática. No entanto, é preciso lembrar que a rejeição à
diversidade de gênero ainda gera violência em diversos países, incluindo
GlossÁrIo o Brasil. Em 2012, pelo menos 312 lésbicas, travestis e gays brasileiros
foram vítimas de crimes motivados por homofobia (figuras 7 e 8). Isso
Homofobia: aversão ao homossexual ou
à homossexualidade.
significa que a cada 28 horas um crime desse tipo ocorre em nosso país,
tornando-o o campeão mundial dessa estatística.
nelson antoine/Fotoarena
136
o EstraNho Familiar meninos e meninas aprendem tarefas
domésticas na escola: aula obrigatória
na suécia
“ Aprender a limpar a casa, lavar roupas, louças, costurar e co-
zinhar é uma matéria escolar na Suécia. A disciplina de tarefas do-
mésticas ensina ainda direitos do consumidor e economia doméstica
para alunos adolescentes. A aula faz parte do currículo obrigatório
escolar e é para meninos e meninas, como qualquer outra matéria.
E vale nota! A intenção é preparar a garotada e ensinar que cuidar da
casa é dever de todos, sem preconceitos. E não tem aquela história
ultrapassada de que existem tarefas apenas para meninas, nem tra-
balhos que somente meninos podem fazer. Os alunos aprendem
desde cedo que não há diferença entre homens e mulheres, quando
o assunto é afazeres domésticos. Vale salientar que a Suécia é uma
economia altamente desenvolvida. O país ocupa o sétimo lugar no
Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. E a iniciativa pode
sim servir de exemplo para todas as nações, principalmente as
mais machistas. Já passou da hora de o currículo escolar, inclusive o
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
137
CAPÍTULO
14 Desigualdades de gênero
no Brasil
138
Nesse sentido, a divisão desigual do trabalho doméstico entre homens
e mulheres não é entendida pelas Ciências Sociais como um processo
natural ou biológico, mas sim como resultado de um processo histórico
e social baseado em valores machistas. Dados recentes indicam que essa
desigualdade é bastante forte na sociedade brasileira (figura 10).
Figura 10. Divisão Do trabalho Doméstico
2001 2011
29h 28min 29h 14min
20h 37min
18h 26min
2h
1h 36min
1h 01min
1h
Fontes: O Globo. Rio de Janeiro. 9 ago. 2013, p. 27; ALMEIDA, Cássia. Entre as mais pobres, carga de trabalho chega a quase o triplo. O Globo. 3 nov. 2012. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/economia/entre-as-mais-pobres-carga-de-trabalho-chega-quase-triplo-6628152>. Acesso em: 19 ago. 2014.
139
Jornada dupla
Além de confirmar que a divisão desigual dos serviços domésticos
e do cuidado com os filhos se manteve praticamente igual ao longo da
última década, os dados nos levam a pensar sobre a questão da dupla
jornada que a mulher brasileira vivencia. Como as mulheres correspon-
dem a cerca de 42% do total da força de trabalho no Brasil, fica claro que
elas tendem a acumular a jornada de trabalho semanal com o excesso
de tarefas domésticas.
140
Mulheres na política
No mundo político, o cenário desfavorável às mulheres infelizmente
se repete. Dados de 2013 apontam que apenas 44 dos 513 deputados
federais eram mulheres (totalizando 8,6%). Por sua vez, dos 81 senadores,
13 eram mulheres (apenas 16%). Nesse mesmo ano, menos de 10% das
prefeituras eram comandadas por mulheres e as Câmaras Municipais
tinham cerca de 12% de vereadoras. Esses dados colocam o Brasil na
121a posição no ranking de igualdade entre homens e mulheres na polí-
tica, em um universo de 189 nações (figura 12).
FIGURA 12. PORCENTAGEM DE MULHERES OCUPANDO CARGOS PARLAMENTARES
Câmara dos Deputados Senado
parlamentares.
Conta com uma 15,2 Uruguai 12,9
política de cotas. 14,2 Chile 13,2
26,2 México 22,7
56,3 Ruanda 38,5
4,2 Haiti 3,3
141
Yerim e suas coisas cor-de-rosa (Nova Jersey, Estados Unidos, 2005). “As adocicadas coisas cor-de-rosa que recheiam minhas imagens
de menininhas são uma expressão de feminilidade manipulada e generalizada culturalmente”, explica a fotógrafa JeongMee Yoon.
Vidas divididas
As convenções sociais de gênero nos Brasil: População feminina ocupada
afetam profundamente, influenciando des- por setor de trabalho – 2012
de as brincadeiras da infância até a vida
afetiva e profissional dos adultos. Antigos Serviços domésticos 14,7%
ideais patriarcais que reservavam para os Educação, saúde e serviços sociais 17,6%
homens o papel de responsável pelo sus-
tento econômico, dominando os meios de
Alojamento e alimentação 6,3%
produção mercantil de bens e serviços, e Outras atividades 14,5%
para a mulheres as tarefas relacionadas à Comércio e reparação 17,4%
reprodução social e aos cuidados da casa, Administração pública 5,4%
de crianças, idosos e doentes, continuam Indústria 11,9%
presentes na cultura globalizada.
Agrícola 9,8%
Observe os gráficos ao lado e note como
Transporte, armazenagem e comunicação 1,7%
homens e mulheres se distribuem de maneira
desigual no mercado de trabalho brasileiro. Construção 0,6%
142
Fotos: JeonGMee yoon
Steve e SuaS coiSaS azuiS (Nova York, Estados Unidos, 2006). Nos retratos percebe-se como famílias de países e grupos étnicos muito distintos
têm sido igualmente afetadas pelos mesmos padrões urbanos de consumo em massa, que reproduzem as desigualdades de gênero.
143
ATIvIDADEs
anderson BarBosa/Fotoarena
SALES, Carolina. Compreendendo as diferenças entre
gênero e sexo. Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal.
Disponível em: <www.mulher.df.gov.br/noticias/item/2126-
compreendendo-as-diferencas-entre-genero-e-sexo.html>.
Acesso em: 20 maio 2014.
144
exploRanDo o CotiDiano
4. Nesta unidade, discutimos questões referentes a gênero e sexualidade.
Aprendemos como a desigualdade entre os gêneros é socialmente construída
e que, ainda hoje, muitas mulheres sofrem diferentes formas de preconcei-
to e violência, seja em casa, no trabalho, na política ou na rua. Na sociedade
brasileira, os números da violência contra a mulher são alarmantes e vêm
merecendo atenção cada vez maior da sociedade civil e do poder público.
Vamos explorar o cotidiano e entender melhor essa situação.
Reúnam-se em grupos para fazer uma pesquisa sobre os números da
violência contra a mulher no Brasil e nos diferentes estados brasileiros.
Cada grupo será responsável por pesquisar um estado. Apresentem os
dados obtidos para a turma, relacionando-os com as discussões desen-
volvidas na unidade.
Fernando Favoretto
Menina brinca de carrinho. Meninos brincam de boneca.
Fernando Favoretto
145
VISÕES DE MUNDO
AKG-IMAGES/ALBUM/LATINSTOCK
Os avanços na condição
de vida das mulheres
devem-se em grande
parte à atuação do
movimento feminista.
Contudo, ainda há muito
a ser feito por homens
e mulheres para que
essas conquistas sejam
respeitadas.
146
O feminismo: valeu a pena, sim!
“Afinal, o feminismo valeu a pena? O que é que nós ganhamos, o di-
reito de correr o dia inteiro? Perguntou-me a jovem, profissional reco-
nhecida, mãe eternamente culpada, vivendo aos trancos e barrancos
uma relação amorosa tensa.
Na pergunta quase uma acusação, de uma geração a outra, as supos-
tas vítimas do feminismo contra aquelas que inventaram a libertação
da mulher. [...] Essa jovem não conhecera e nem sequer imaginaria a atividades
humilhação de ter que pedir dinheiro ao marido, experiência corriqueira
e dolorosa das gerações que a precederam. Escolhia seus amores, vivera oBteR inFoRmaçÕeS
até então sua sexualidade sem dar satisfações a ninguém, senhora de
um mundo em que as proibições e os interditos encolhem a cada dia.
1. Identifique a temática central
Jamais um homem ousara levantar a mão para ela e a violência con- do texto.
tra as mulheres conhecia apenas da leitura da Lei Maria da Penha, que 2. Apresente duas razões que
as feministas lutaram anos para, recentemente, aprovar. Em suma, a justifiquem a importância do
perfeita herdeira das conquistas de mulheres que correram imensos movimento feminista para
riscos, levando suas vidas ao pé da letra dos textos que escreviam, na as mulheres hoje, segundo a
contramão das convenções, das ironias e até mesmo do desrespeito. A autora.
condição de herdeira sempre justifica uma atitude meio blasé em face
dos confortos herdados, mas basta imaginá-los suprimidos para saber inteRpRetaR
o quanto valeu a pena. [...]
As feministas tinham razão quando se queixavam de que as mulhe- 3. O que causa o sentimento de
res assumiam muito mais responsabilidades do que os homens na vida frustração na jovem mulher
privada, mesmo quando respondiam por metade do orçamento fami- citada no primeiro parágrafo?
liar. Mas enganaram-se quando buscaram a solução numa negociação 4. De acordo com a autora, qual
doméstica como se fora um problema de organização do cotidiano que deve ser a bandeira de luta das
depende apenas de mudanças de mentalidade. [...] mulheres de hoje?
Oculta na intimidade dos lares, a difícil conciliação entre trabalho
e vida privada ainda não foi chamada pelo nome de problema social. ReFletiR
Um problema só encontra solução quando é reconhecido como tal.
A ocultação do privado, que os empregadores insistem em ignorar, é a 5. Em grupos, discutam as con-
verdadeira responsável pelo mal-estar cotidiano de homens e mulhe- quistas obtidas pelas mulheres
res, pois, na vida real, as vidas multifacetadas, as dimensões do público nas últimas décadas.
e do privado se misturam como as imagens de um caleidoscópio. Res- 6. Debatam a seguinte questão:
ponsável também por problemas correlatos, mas não menos relevan- que outras conquistas precisam
tes, como a juventude que cresce entregue a si mesma ou idosos que ocorrer para que tenhamos, de
carecem de uma atenção que requer tempo. [...] fato, uma sociedade sem distin-
Cada geração tem sua causa, tributária, pelo sim ou pelo não, da ção de direitos entre homens
que a precedeu. O feminismo valeu a pena, sim. A uma nova geração e mulheres?
de mulheres, desta vez com o apoio dos homens, cabe a defesa de mais
esse aspecto da liberdade, algo que as feministas de então teriam tal-
vez chamado ‘nosso tempo nos pertence’.”
OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. Chão de terra. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
147
DirEito é DirEito
reflexão
1. De acordo com o texto, o que é violência do-
méstica e familiar?
2. Quais são as formas de violência doméstica e
familiar contra a mulher?
Capa da cartilha da Lei Maria da Penha.
A informação é um instrumento 3. Por que a lei é popularmente chamada de Lei
fundamental no combate à violência Maria da Penha?
doméstica e familiar contra a mulher.
148
iNDicaÇõEs
reprodUção
patriarcal brasileira no começo do sécu-
a marvada carne lo XX. Sua atuação política foi um marco
Direção: André Klotzel. na luta das mulheres pelos seus direitos no
Brasil, 1985. Brasil.
A comédia conta as aventu-
o que é violência contra
reprodUção
ras de Carula, moça simples
do interior que tem o grande a mulher
sonho de se casar. Por meio Maria Amélia de
do humor, o filme evidencia a condição su- Almeida Teles; Mônica
balterna da mulher e a centralidade do poder de Melo. São Paulo:
paterno nas sociedades tradicionais. Brasiliense, 2002.
(Coleção Primeiros
Eu os declaro marido...
reprodUção
Passos)
e larry
A obra discute uma das
Direção: Dennis Dugan.
questões mais presentes na realidade bra-
Estados Unidos, 2007.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
para ler
<www.bbc.co.uk/portuguese/
Pagu noticias/2013/10/131025_mapa_
Lia Zatz. São Paulo: Callis, intereatividade_mulheres_fl.shtml>
2011. O site da BBC apresenta um mapa interativo
Patrícia Galvão, a Pagu, foi com dados sobre desigualdades de gênero
uma jornalista e escritora ao redor do mundo.
149
8
UnidAde
ECONOMIA E
SOCIEDADE
150
Começando
a unidade
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Compreender como ocorre a produção da
riqueza e sua distribuição nas sociedades
humanas.
• Analisar a relação entre riqueza, pobreza e
desigualdade.
151
CAPÍTULO
15 A produção e distribuição
da riqueza
A produção da riqueza
152
O desenvolvimento das forças produtivas ao longo da história resul- GLOSSÁRIO
tou na divisão social do trabalho nos diferentes setores de atividade:
Forças produtivas: o termo se refere
primário (agropecuária), secundário (indústria) e terciário (serviços). a tudo aquilo que é necessário para
Veja as figuras 3, 4 e 5. produzir: matérias-primas, ferramentas,
máquinas, conhecimento técnico e
trabalho humano.
153
GLOSSÁRIO Apropriação desigual da riqueza
Economia: sistema de produção, Outra consequência do avanço das forças produtivas está na forma
distribuição e consumo de bens e como os diferentes grupos sociais se apropriam da riqueza socialmente
serviços de um país, região, estado produzida. A economia de cada sociedade é determinada pelo que ela pro-
ou cidade.
duz, pela forma como produz, por quem produz e por aqueles que se
apropriam da riqueza. Portanto, cada economia desenvolve sistemas
legais e políticas que estabelecem os critérios válidos de propriedade. A
apropriação desigual de recursos gera um cenário de desigualdade social
(figuras 6 e 7). As relações de propriedade, portanto, constituem a base
das desigualdades sociais (figura 8).
OMAR FARUK/REUTERS/LATINSTOCK
ANGELI
(Somália, 2013). À direita, meninos
em lanchonete da cidade de Tbilisi
(Geórgia, 2003).
154
Capital
Em cada época histórica predominam determinadas relações de pro-
priedade. No capitalismo, essa relação se estabelece entre os proprie-
tários dos meios de produção e os trabalhadores que vendem sua força
de trabalho em troca de um salário.
Capital, bens de capital ou capital real são termos que se referem a
bens duráveis produzidos e utilizados na produção de mercadorias ou
serviços e capazes de gerar renda ou constituir patrimônio. Nas socie-
dades capitalistas, todo recurso que pode ser aplicado na produção ou
reprodução de riqueza recebe o nome de capital. Toda riqueza é produto
do trabalho humano.
Terras, máquinas e matérias-primas podem ser transformadas em bens
e serviços, portanto constituem capital. A circulação de bens e serviços
gera riqueza e constitui a base do sistema econômico do capitalismo
(figura 9).
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
155
A distribuição da riqueza no mundo
A distribuição de riqueza está relacionada à distribuição de renda.
A análise do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda per capita são os
indicadores mais utilizados para verificação dessa distribuição, que é
bastante desigual entre os habitantes do planeta. O PIB representa a
soma da riqueza produzida em determinado país e a renda per capita
nada mais é do que o valor do PIB dividido pelo número de habitantes,
ou seja, corresponde ao valor que cada habitante receberia se a riqueza
fosse dividida igualmente entre a população.
O crescimento do PIB, que indica o crescimento econômico de uma
nação, nem sempre significa melhoria na distribuição de renda. Ao anali-
sar a distribuição da riqueza no mundo, é possível verificar que também
na esfera global a riqueza está distribuída de forma muito desigual. São
poucos aqueles que se apropriam da maior parte da riqueza produzida
(figura 11).
figura 11. PirÂMide da disTribuição de renda no Mundo – 2012
têm menos de
US$ 10 mil
156
O ESTRANHO FAMILIAR Desigualdades sociais nos Estados
Unidos: como é o “sonho americano”?
Os Estados Unidos costumam ser retratados como No que diz respeito às desigualdades de renda
um país extremamente próspero, um verdadeiro entre brancos, negros e hispânicos, dados de 2010
paraíso para aqueles que querem competir pelas indicam que os brancos, em média, apresentavam
oportunidades que essa potência econômica, política rendimentos duas vezes maiores que os dos negros e
e militar oferece. Não é à toa que muitos imigrantes hispânicos. No mesmo ano, as estatísticas atestavam
fizeram enormes esforços ao longo da história na que três quartos das famílias estadunidenses brancas
tentativa de viver o chamado “sonho americano”. tinham habitação própria, ao passo que menos de
No entanto, poucas pessoas sabem que o país mais metade das famílias negras e hispânicas a possuíam.
rico do mundo atualmente, com o maior Produto Estima-se que aproximadamente 15% da popu-
Interno Bruto (PIB) do planeta, é extremamente lação do país necessite do auxílio de programas de
desigual em termos de distribuição de renda. transferência de renda semelhantes ao Bolsa Família
Como isso é possível? Vamos analisar alguns brasileiro para não passar fome. Em Nova York, cartão-
dados. Desde 1979, a renda dos estadunidenses -postal do país, com seus arranha-céus e belíssimas
mais ricos subiu 15 vezes mais que a dos pobres. lojas de luxo, cinco mil pessoas recebem benefícios
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Um relatório elaborado pelo próprio Congresso dos para contornar o problema da fome.
Estados Unidos apontou que, entre 1979 e 2007, a
população mais rica aumentou sua renda em 275%,
enquanto a dos 20% mais pobres subiu apenas 18%. Atividade
Estudos elaborados em 2013 indicaram que, ao Como é possível que no atual país mais rico do mundo
longo de 2012, mais da metade de toda a riqueza haja tanta desigualdade social? Justifique sua res-
produzida nos Estados Unidos foi parar nos bolsos posta com base no que você estudou neste capítulo.
de apenas 10% da população mais rica.
SPENCER PLATT/GETTY IMAGES
Pessoas esperam
na fila para receber
alimentação
fornecida por uma
agência sem fins
lucrativos que ajuda
moradores de baixa
renda. Atualmente,
o banco de
alimentos atende
até 5 mil pessoas
por mês no bairro
do Brooklyn, em
Nova York (Estados
Unidos, 2014).
157
CAPÍTULO
16 Desigualdade
econômica e pobreza
no Brasil
Entendendo a pobreza
No Brasil, a distribuição de renda (remuneração recebida regular-
mente) e de riqueza (conjunto de bens, posses etc.) ainda apresenta
grandes disparidades.
Podemos definir a pobreza como uma combinação entre carência
de bens e serviços essenciais para a sobrevivência, como alimentação e
158
De acordo com a ONU, embora o percentual da população mundial em
situação de extrema pobreza tenha caído de 43%, em 1990, para 22%,
em 2008 (segundo as pesquisas mais recentes disponíveis até o fecha-
mento da edição deste livro), ainda há 1,54 bilhão de pessoas (de um
total de aproximadamente 7 bilhões de habitantes no planeta) vivendo
com menos de 1,25 dólar por dia.
Pobreza relativa
A pobreza relativa indica a situação em que um indivíduo conta com
o mínimo necessário para sua subsistência, mas não possui recursos
para viver de acordo com o padrão de vida predominante na sociedade
na qual está inserido. Nesse caso, o indicador não pode ser um número
absoluto (1,25 dólar, por exemplo), mas uma percentagem da renda média
da população dessa sociedade.
Por trás do conceito de pobreza relativa está a ideia de que um indi-
víduo deve ter condições de gastar os recursos que tem ao seu dispor
de modo a usufruir uma qualidade de vida satisfatória. Para dar um
exemplo, não adianta alguém ter uma renda que lhe permita ingerir a
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Alves
a população pobre (até 150 reais)
era formada por 15,7 milhões
de pessoas. Embora seja difícil
entender a classificação esta-
belecida pela linha de pobreza,
segundo a qual uma pessoa que
ganha 150 reais é considerada
pobre enquanto outra que ga-
nha 160 reais não é, ela ajuda
a formular políticas de combate
à pobreza.
159
A desigualdade econômica
O modo de produção capitalista tem gerado crescimento econômico
para uma parcela da população mundial, mas, ao mesmo tempo, tem
aumentado a desigualdade social em todo o mundo. Esse fenômeno
em que o aumento da riqueza gera concentração de renda associada
ao aumento da pobreza representa uma contradição social. Com-
preender a causa das contradições sociais é um dos objetivos das
Ciências Sociais.
Segundo informação divulgada no início de 2014 pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), cerca de 40% da riqueza
mundial está concentrada nas mãos de uma fatia de 1% da população
mais rica, enquanto a metade mais pobre tem acesso a apenas 1% de
toda essa riqueza (figura 14). Segundo relatório da ONG britânica Oxfam
divulgado no início de 2014, o patrimônio das 85 pessoas mais ricas do
mundo equivale às posses de metade da população mundial – cerca de
3,5 bilhões de pessoas.
48
OCEANO OCEANO
10,9% PACÍFICO
ATLÂNTICO
ÍNDIA EQUADOR
0º
MERIDIANO DE GREENWICH
37
OCEANO OCEANO
6,2% ÍNDICO
PACÍFICO
BRASIL TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO
Fontes: Midiamax. Disponível em: <www. Dados de 2012 do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos
midiamax.com.br/arquivos3/2050535014.
png>. Acesso em: 20 ago. 2014. Humanos (ONU-Habitat) mostram que o Brasil ocupa a quarta colocação
no ranking de desigualdade de distribuição de renda na América Latina
(tabela 1). Em 1990, o Brasil ocupava a primeira posição. Essa mudança
indica uma melhora, mas a distância entre os mais ricos e os mais pobres
ainda é muito grande.
160
Tabela 1. ranKing das desigualdades na aMériCa laTina
Países mais desiguais Países menos desiguais
1o Guatemala 1o Venezuela
2o
Honduras 2 o
Uruguai
3o
Colômbia 3 o
Peru
4o Brasil 4 o
El Salvador Fonte: G1. Disponível em: <g1.globo.com/
brasil/noticia/2012/08/brasil-avanca-mas-
5o Rep. Domonicana 5o Equador e-quarto-pais-mais-desigual-da-america-
latina-diz-onu.html>.
6o
Bolívia 6 o
Costa Rica Acesso em: 20 ago. 2014.
exclusão social
Para estudar exclusão social, são utilizados o Índice de Gini, o Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) e dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad).
Índice de Gini
O Índice ou Coeficiente de Gini, criado pelo matemático italiano
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
161
Índice de Desenvolvimento Humano
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado com o objetivo
de oferecer um contraponto a outro indicador, o Produto Interno Bruto
(PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do de-
senvolvimento. Desenvolvido pelo economista paquistanês Mahbub ul
Haq, com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador
do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH é utilizado pelo Pnud
desde a publicação do Relatório de Desenvolvimento Humano de 1990
para medir três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda,
educação e saúde.
Segundo dados do Pnud de 2012, o Brasil ocupava a 85a posição no
ranking do IDH entre as 187 nações do mundo, com 0,730 na escala
que vai de 0 a 1 (figura 16). Esse número coloca o país no grupo de “alto
desenvolvimento humano”, mas ainda distante do grupo de desenvolvi-
mento humano “muito alto”, lista integrada por 47 países e encabeçada
pela Noruega.
162
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo
IBGE desde 1967, é uma importante fonte de indicadores sociais no
Brasil. Seu objetivo é fazer o levantamento anual das características de-
mográficas e socioeconômicas da população (como sexo, idade, educação,
trabalho e rendimento) e dos domicílios. Além disso, fornece dados sobre
migração e fecundidade, entre outros, com periodicidade variável e temas
específicos, abrangendo aspectos demográficos, sociais e econômicos.
Segundo a Pnad 2012, 6,4% das famílias brasileiras recebia até um
quarto do salário mínimo por pessoa e 14,6% se situava na faixa entre
um quarto e meio salário mínimo per capita. A Pnad também mostra que
em 2012 houve um ganho de 5,8% no rendimento médio mensal das pes-
soas economicamente ativas a partir de 15 anos de idade (1.425 reais),
comparativamente a 2011 (1.507 reais), em todas as regiões. Contudo,
a desigualdade entre homens e mulheres aumentou: em 2012 as traba-
lhadoras recebiam o equivalente a 72,9% (1.238 reais) do rendimento
dos homens (1.698 reais); em 2011 essa proporção era de 73,7%.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
163
As classes econômicas no Brasil
Com a melhoria verificada na distribuição de renda no país, a quanti-
dade de pessoas nas faixas de classes econômicas definida pelo IBGE em
A, B, C, D e E sofreu um reajuste. Houve aumento quantitativo da faixa C
e redução das faixas D e E (figura 18).
FIGURA 18. PIRÂMIDE SOCIAL: EVOLUÇÃO DAS CLASSES ECONÔMICAS
NO BRASIL (EM MILHÕES DE PESSOAS) – 2003-2014
63,5
48,9
164
EdEr
Figura 19. A classificação de “classes
sociais” não deve se basear apenas
na capacidade de consumo; devem ser
considerados critérios como renda, itens
de conforto e grau de escolaridade.
É o conjunto dessas características
que define o perfil da população. Boa
formação escolar, conforto, casa própria,
emprego bem remunerado e acesso a um
sistema de saúde de qualidade são itens
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Televisão em cores 0 1 2 3 4
Rádio 0 1 2 3 4
Banheiro 0 4 5 6 7
Automóvel 0 4 7 9 9
Empregada mensalista 0 3 4 4 4
Máquina de lavar 0 2 2 2 2
Geladeira 0 4 4 4 4
Grau de escolaridade
Analfabeto / Até 4o ano Fundamental 0
Fundamental completo 2
Médio completo 4
Superior completo 8
A1 42 – 46 C1 18 – 22
A2 35 – 41 C2 14 – 17
165
ATividAdes
Revisão e ComPReensão
1. Leia e analise a frase abaixo. Essa afirmativa é verdadeira? Justifique
com argumentos baseados no estudo desta unidade.
Pobreza relativa e pobreza absoluta podem ser consideradas si-
nônimos na medida em que ambas se referem ao fato de a pobreza
ser um fenômeno natural em qualquer sociedade.
inTeRPReTAção e PRáTiCA
4. Analise a imagem abaixo para responder à questão a seguir.
JoEdson alVEs/rEutErs/latInstoCk
Com base nos dados apresentados nesta unidade sobre as fortes de-
sigualdades sociais presentes na sociedade brasileira, pense na traje-
tória de vida de uma criança ou jovem que nasce no Brasil em situação
econômica extremamente desfavorável. Que tipos de dificuldade esse
indivíduo pode vivenciar? Busque informações adicionais em revistas,
jornais ou na internet para fundamentar seu argumento.
166
exPLoRAnDo o CoTiDiAno
5. O tema desta unidade foi a desigualdade social. Vimos que um país rico
nem sempre distribui a riqueza de forma igualitária, como é o caso dos
Estados Unidos. O Brasil é um país que, apesar do crescimento econômi-
co alcançado nos últimos anos, ainda apresenta um índice muito alto de
desigualdade social. Vamos explorar o cotidiano e entender um pouco
mais sobre a desigualdade no Brasil.
Divididos em grupos, façam um levantamento de dados sobre as cinco
regiões do Brasil (Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sul e Sudeste) toman-
do como referência os três últimos resultados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad). Cada grupo deve analisar os dados
referentes a uma das regiões nas seguintes áreas: trabalho, educação,
saúde e saneamento básico.
No final, os grupos deverão apresentar seus trabalhos e comparar os
resultados obtidos.
167
visões de mUndO
A desigual
distribuição da
riqueza é responsável
pela pobreza
extrema que atinge
milhões de brasileiros.
Em Vidas secas,
Graciliano Ramos procura
retratar essa realidade.
As desventuras da família
de Fabiano e Vitória,
dois retirantes sertanejos,
são espelho de uma situação
comum ainda hoje em todas
as regiões e cidades do país.
Vidas secas
“A vida na fazenda se tornara difícil. Sinhá Vitória benzia-se tre-
mendo, manejava o rosário, mexia os beiços rezando rezas desespera-
das. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a catinga amarela,
onde as folhas secas se pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e
os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas ar-
ribações tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, de-
vorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre.
Mas quando a fazenda se despovoou, viu que tudo estava perdido,
combinou a viagem com a mulher, matou o bezerro morrinhento que
possuíam, salgou a carne, largou-se com a família, sem se despedir do
amo. Não poderia nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe res-
tava jogar-se ao mundo, como negro fugido. [...]
Foram descansar sob os garranchos de uma quixabeira, mastigaram
punhados de farinha e pedaços de carne, beberam na cuia uns goles de
água. Na testa de Fabiano o suor secava, misturando-se à poeira que
enchia as rugas fundas, embebendo-se na correia do chapéu. A tontu-
ra desaparecera, o estômago sossegara. [...]
Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esbo-
çando. Acomodar-se-iam num sítio pequeno, o que parecia difícil
a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra.
168
sIno FIlmEs/luIz Carlos BarrEto Prod./thE koBal CollECtIon/aFP
A obra de Graciliano Ramos expõe a
dura realidade vivida pelos retirantes.
Cena do filme Vidas secas, 1963.
Direção de Nelson Pereira dos Santos.
atividades
oBTeR infoRmAções
1. O que motivou a viagem da fa-
mília de Fabiano e Sinhá Vitória?
2. O que ambos planejavam para
seu futuro?
inTeRPReTAR
Mudar-se-iam depois para uma cidade, e os meninos frequentariam 3. A viagem da família retrata
escolas, seriam diferentes deles. Sinhá Vitória esquentava-se. Fabiano um fenômeno social bastante
ria, tinha desejo de esfregar as mãos agarradas à boca do saco e à co- comum no Brasil. Qual é ele?
ronha da espingarda de pederneira.
4. Que significado você atribui ao
Não sentia a espingarda, o saco, as pedras miúdas que lhe entra-
trecho “frequentariam escolas,
vam nas alpercatas, o cheiro de carniças que empestavam o caminho.
seriam diferentes deles”?
As palavras de Sinhá Vitória encantavam-no.
Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano RefLeTiR
estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela
era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinhá Vitória, as 5. Com base no texto, discuta com
palavras que Sinhá Vitória murmurava porque tinha confiança nele. seus colegas casos concretos
E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, de migração de familiares e
cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas di- vizinhos. Quais foram as ra-
fíceis e necessárias. zões que os levaram a migrar?
Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, aca- Em que elas se assemelham à
bando-se como Baleia. descrição da narrativa?
Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra 6. Considerando as discussões
desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria do item anterior e a observa-
a mandar gente para lá. ção da realidade, debatam a se-
O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, guinte questão: A seca é a única
Sinhá Vitória e os dois meninos.” causa das migrações no Brasil?
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 107. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 65-71.
169
direiTo é direiTo
reflexão
Discuta com seus colegas quais são os aspectos
da realidade social brasileira que precisam ser
A existência de programas como o Bolsa Família é justificada
pela enorme desigualdade presente na sociedade brasileira. transformados para que o Bolsa Família deixe de
Na foto, crianças empurram carroça com galões de água no ser necessário.
povoado Mulungu, zona rural de Buíque (PE, 2012).
170
indiCações
rEProdução
rEProdução
Direção: Christoffer Vários autores. São Paulo:
Guldbrandsen. Globo, 2013.
Zâmbia, 2013. Para compreender a pro-
O documentário nar- dução e a distribuição da
ra a situação de desi- riqueza, as desigualdades
gualdade social que atinge os habitantes da econômicas, as teorias do
Zâmbia, na África. O filme também denuncia valor e o mercado interna-
como o sistema de extração de minérios, orga- cional, especialistas escre-
nizado sob a tutela de multinacionais, enrique- veram pequenos textos didáticos ilustrados
ce países europeus, como a Suíça, enquanto explicando a história da economia e os prin-
gera graves problemas ambientais que atin- cipais conceitos econômicos da atualidade.
gem a população africana. o que é fome
rEProdução
doméstica Ricardo Abramovay.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
rEProdução
São Paulo: Brasiliense,
Direção: Gabriel Mascaro.
1983.
Brasil, 2012.
O livro apresenta os princi-
Documentário realizado com
pais processos sociais que
base em filmagens feitas por
desencadeiam a desigual-
jovens moradores das cida-
dade de acesso a alimentos
des de Manaus, Recife, São
ao redor do mundo.
Paulo, Rio de Janeiro e Sal-
vador sobre o cotidiano de
Para navegar
residências onde trabalham empregadas do-
mésticas. Os relatos e as histórias de cada objetivos do Milênio – Pnud
trabalhadora revelam as dificuldades da traje- <www.objetivosdomilenio.org.br/
tória de vida e do ofício dessas profissionais. index.asp>
O site apresenta dados, links, iniciativas e pu-
Tem gringo no morro blicações sobre os “8 Objetivos do Milênio”,
rEProdução
171
9
UnidAde
QUESTÕES
SOCIAISNAS
CIDADES
O planejamento da circulação
no espaço urbano define a
forma como a estrutura viária
será utilizada pelas pessoas e pe-
los veículos. Ele envolve a legislação
de trânsito, a engenharia de tráfego,
o treinamento dos usuários e a fis-
calização, que controla o respeito às
leis de trânsito. É, portanto, uma ação
política, pois consiste na distribuição
do espaço entre interesses conflitantes.
Embora, por muitas décadas, as políti-
cas públicas tenham beneficiado o trans-
porte individual em detrimento do coletivo,
a mobilidade urbana é um direito de todos,
garantido pelo Estatuto da Cidade.
Começando
a unidade
172
O debate inicial tem o objetivo de promover uma
reflexão sobre as diferentes relações que compõem
a paisagem urbana e a circulação dos indivíduos
na cidade com base no conflito de interesses. Os
exemplos mencionados pelos alunos poderão ser
relembrados ao longo do estudo da unidade, quando
forem discutidas questões referentes a habitação,
segregação do espaço e violência. É importante
apresentar os aspectos funcionais da organização
da cidade, sem perder o foco dos conflitos e
contradições que compõem o espaço urbano.
Objetivos da unidade
Ao final desta unidade, você poderá:
• Reconhecer a cidade como uma construção
social.
• Avaliar a relevância dos instrumentos de or
ganização urbana e suas consequências para
os diferentes grupos sociais.
173
CAPÍTULO
17 Habitação, segregação
e violência
OrOnOz/Album/lAtinstOck
Quando pensamos em centros urbanos, logo imaginamos
imensos conjuntos de concreto: edifícios, viadutos, autopistas etc.
Nas cidades convivem milhões de pessoas que transitam a pé, em
ônibus, trens, metrôs, táxis, bicicletas e automóveis. Nesses
espaços, onde muitas pessoas moram, trabalham, estudam e se
174
A função social da cidade
A cidade pode ser pensada do ponto de vista de suas funções, ou seja,
segundo a forma de organização social que permite seu funcionamento.
Essa organização envolve a estrutura econômica, as instituições políticas
e a organização da sociedade civil.
Nas cidades atuais, a organização econômica se baseia, principalmen-
te, nas atividades industriais e comerciais. A gestão política obedece
ao fundamento jurídico próprio da modernidade. Os poderes Executivo
e Legislativo do município são separados, e o prefeito e os vereadores
são os representantes legítimos do povo na elaboração de leis para a
gestão do espaço urbano.
A sociedade civil é plural e caracterizada pela sua diversidade. Essa
heterogeneidade está presente na divisão do trabalho, nas características
de cada bairro, nas diferentes crenças religiosas e formas de atuação po-
lítica fora das instituições, como nos conselhos municipais e movimentos
sociais urbanos.
Em um primeiro momento, as Ciências Sociais perceberam na cidade
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
175
Exclusão como disfunção
Quando observamos a cidade do ponto de vista de suas funções, tudo
aquilo que impede a realização dos objetivos de suas instituições – a
ausência de infraestrutura, os grandes engarrafamentos, a pobreza,
a violência etc. – é visto como disfuncional, isto é, como incapacidade
das instituições de cumprirem o seu papel. Assim, ao observar um bairro
popular, sem saneamento, sem acesso a transporte público e com altos
índices de criminalidade, percebe-se um processo de exclusão social
que compreende uma série de desigualdades (figura 4).
176
Quando determinado grupo é separado dos demais no espaço urbano,
estamos diante de um fenômeno social chamado segregação residencial.
Esse fenômeno ocorre quando certos grupos sociais são forçados a viver Figuras 5, 6, 7 e 8. A segregação
em lugares específicos da cidade. As particularidades que acarretam residencial nas cidades pode ocorrer em
a exclusão variam de acordo com a sociedade e o momento histórico: cor consequência de políticas discriminatórias.
Foto A: judeus são expulsos de uma casa
da pele, religião, condição financeira etc. ocupada pelas tropas alemãs no gueto de
Esse tipo de segregação também é caracterizado pela exclusão ou Varsóvia (Polônia, 1943). Foto B: crianças
observam rua alagada em Soweto (África
impedimento, imposto a alguns grupos, de frequentar determinados do Sul, 1989). Foto C: pessoas circulam por
espaços. Exemplos conhecidos são os guetos judeus na Europa no início uma rua comercial do Harlem, bairro habitado
da Segunda Guerra Mundial; os bantustões, territórios reservados aos por negros e latinos em Nova York (Estados
Unidos, anos 1930). Foto D: garotos jogam
negros na África do Sul durante o apartheid; os guetos negros e latinos futebol na favela da Catacumba, Rio
nas grandes cidades dos Estados Unidos; e as favelas (figuras 5, 6, 7 e 8). de Janeiro (RJ, 1969).
imAgnO/getty imAges
phOtOQuest/getty imAges
ArQuivO/AgênciA O glObO
C D
177
Violência na cidade, violência da cidade
A violência urbana é um tema muito discutido nas grandes cidades.
Em geral, essa discussão envolve questões em torno de ações crimino-
sas, como assaltos, agressões e assassinatos. A violência nos centros
urbanos é um fenômeno social ligado à relação de dominação entre as
classes sociais, ao racismo, aos preconceitos políticos, religiosos e de
gênero, e se apresentam sob a forma de intimidação moral, discriminação
e agressão física.
Práticas que resultam em piores condições de vida para determinados
grupos sociais também são exemplos de violência. Uma pessoa que per-
manece desempregada pelo fato de morar em uma favela, pela cor de sua
pele, po