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(a) Soma @ Leituras da Revolucao Industrial Por muito tempo, as grandes mudangas tecnolégicas ocorridas no sistema pro- dutivo europeu no final do século XVill foram atribuidas ou 8 aplicago dos avancos cientificos em novas invencdes ou a fatores naturais, como a disponibilidade de ‘matérias-primas para a industria Nessas interpretagdes, a tecnologia aparece como motivo central de todas as mudangas, como uma forca auténoma capaz de transformar, por sis6, toda a cadeia de produgio. A critica que se faz a essa explicagio basela-se no fato de que a tecno- logia nao pode explicar todas as transformacdes envolvidas, pois sua aplicagio a0 sistema produtivo ocorreu em ritmos diferentes em varias partes do mundo, Se a tecnologia fosse fator determinante, a mudanga teria mais ou menos a mesma intensidade em todos os lugares, mas nao foi o que aconteceu. O proceso de industrializacao inglés, por exemplo, foi muito mais acelerado que o francés, mas foi mais lento que o norte-americano, ocorrido posteriormente, Acexplicacio est no sé nas novas técnicas, mas também nas formas de adap taco cultural das sociedades, dos patraes e dos operdrios a essas técnicas. Muitos historiadores argumentam que o sistema de fabrica nao foi introduzido apenas por razbes de eficiéncia, mas por ser adequado necessidade dos capitalistas de con- trolar a mao de obra. Certos pesquisadores vao mais além e afirmam que foram as questées de hierarquia e poder social que estimularam as mudangas tecnolégicas e organizacionais da producao, levando ao sistema fabril Nas industrias, 0s operdrios nao precisavam mais dominar a fabricagao completa do produto, pois executavam apenas uma tarefa dentro da cadeia de producao. Ga- rantindo eficiéncia, o método de diviso de trabalho trazia também enormes benefi- cios aos empresérios capitalistas — além de aumento expressivo na quantidade de produtos finalizados, com muitos trabalhadores exercendo tarefas pequenas, ocusto desses trabalhadores era mais barato, jf que nao era necessério contratar mao de obra especializada, Com a chegada das maquinas, elas passaram a executar servicos antes feitos manualmente e impunham um ritmo mais veloz a producao, permitindo a dispensa de muitos trabalhadores. Entrava-se, assim, na época da maquinofatura ‘ARevolucéo Industrial continua sendo um tema especialmente significativo para nés, que vivemios em um mundo também convulsiona~ do por rapidas e profundas mudancas tecnolé: ¢gicas provocadas pela informatica, pela robsti- ‘a, pelas telecomunicacdes e pela biotecnologia, Somam-se ainda os desdobramentos socioam- bientais diante dos crescentes padrdes de pro- ducao, consumo e urbanizacao. (0s residuos eletrdnicos descartados~lxo eletrénico: Céregam a maisde 41 milhdes de toneladas/ano, endo {que o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pauma) estima que em 2017 pacers alcangar os 50 milhses. Os Estados Unidos, seguidos por China, apo, Alemanhae India, si0 0s paises que mais geram liso eletrénicono mundo. Na América atina, a ideranca &do Brasil. Na imagem, tetevisores descartados que serio recilados tempthados em pitio em Zhuzhou, China Foto de 2013, AAs tltimas décadas do século XVIll contemplaram muitas mudangas na economia, na politica e no cotidia~ no. Na Inglaterra, a Revolucao Industrial criou um novo modelo de sociedade, cujas realizacées pareciam nao ter limites. Enquanto para a burguesia essas mudancas tra- ziam riquezas e ascensao social, para os trabalhadores representaram pobreza e exploracao. Na Franca, a persisténcia do absolutismo mondrqui co continuava gerando tensées entre a burguesia eo Estado aristocratico, Ao mesmo tempo, os entraves a0 desenvolvimento econdmico e outros fatores colocaram 05 setores mais pobres em uma situacao insustentavel ‘ARevolucao Francesa foi feita em nome de alguns principios, como liberdade, igualdade e fraternidade, além do direito a propriedade. Entretanto, para os diversos setores sociais que participaram da Revolu- ‘cdo esses principios tinham significados diferentes. Para alguns, a propriedade era condicao para a liber- dade; para outros, a propriedade tornava impossivels aliberdade e a fraternidade, © processo de desenvolvimento capitalista, intensificado pela Revolugao Comercial dos séculos XVI e XVII, estava inicialmente ligado a circulagao de mercadorias. A partir da segunda metade do século XVIII, contudo, a producao em larga escala, por meio da mecaniza¢ao industrial, iniciada na Inglaterra, passou a ser o principal motor desse processo. Na foto, protesto no Cairo, Egito, em 2013.05 manifestantes, na acasiio, se posicionavam contra algumas medidas do governo egipci, Veja abaixo os perfodos ¢ os lugares em que se passaram os principais eventos do capitulo. A perspectiva de lucros motivou o desenvolvimen- to técnico da producao. Com o aumento dos lucros, ampliava-se o capital investido em novas tecnologias, gerando um ciclo ascendente. Isso provocou grandes mudangas, tanto de ordem econémica quanto social, que levaram ao desaparecimento de relagdes e praticas feudais ainda existentes e ao completo predominio de valores da economia e da sociedade capitalistas. - mt . ‘ jr fs fmm fm fei y ane . emai ao 6 Bastina Luis Xv Icio go H = | inicio da jquithotinado | Diretério B Fes | “rea to| agate lacing a ~ ra] ogee Reva: a f frocamacto de] 8780718 Insta wae] foie fase ci 2 Amon (ate 1840) ‘Industrial (até *860)| Gd (58) “Gorse O inicio do processo industrial na Inglaterra resul- tou em parte da acumulacao de capital durante os séculos XVII e XVIII. Poressa época, a Inglaterra conse- guiu formar uma extensa rede comercial, gracas a0 seu poderio naval e comercial, Um dos impulsos iniciais na construgao dese poderio foi dado pela vitéria inglesa contra a Invencivel Armada espanhola em 1588. Impor- tante papel exerceram também os Atos de Navegacio, decretados em 1651 pelo politico inglés Oliver Cromwell (1599-1658), que defendiam os comerciantes ingleses: Além disso, 0 Tratado de Methuen, de 1703, assinado com Portugal, abriu os mercados portugueses e de suas colénias aos manufaturados ingleses. Acrescente-se ainda a existéncia de grandes jazidas de carvao mineral € minério de ferro no solo britanico. Havia, além disso, uma grande populacdo desempregada nas cidades - portanto, mao de obra barata — expulsa do campo pelos processos de cercamento. O cenério que propiciou a industrializacao da Ingle terra era favoravel também no ambito internacional. Seu principal concorrente na Europa, a Franga, fora su- perado na Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Passo a asso, a politica internacional inglesa consolidou sua supremacia mundial, contando com uma frota mer cante cada vez maior. Até 0 inicio do século XX, a Ingla- terra se destacou como a maior poténcia econérmica. Politicamente, a Inglaterra sepulta- ~ ra oabsolutismo apés a Revolucao Glo- riosa, em 1688, quando ficou estabele- cida a supremacia do Parlamento inaugurou-se o Estado liberal inglés. Controlado pelo Parlamento, 0 governo estava comprometido com o enriquect- mento da burguesia ~ pré-requisito pa- raaplenitude capitalsta que se instala- ria com as maquinofaturas. A prépria aristocracia, por ndo dispor de pensdes como ocorria na Franga, viucom simpa- tia as atividades comerciaise industriais, e muitas vezes dedicou-se a elas. As grandes cidades britinicas, nos anos 1800, tiveram intenso impulso populacional coma industrialzagio, No campo, além das mudancas socioeconémicas, as ‘aram a paisagem rural, come mostra a pintuta acima, de 1777, ce ‘william Williams. As chaminés, por todo 0 pais, eram muito mais do que simples marcas na paisagem: eram simbolos de uma ampla revolugao produtiva e social transformagGes técnicas a Novas formas de trabalho Vale destacar que, na estrutura socioeconémica, a industrializac3o consumou a separagao definitiva entre o capital, representado pelos capitalistas, donos dos meios de producao, eo trabalho, representado pelos assalariados. Na maior parte dos casos, elimi nou-se a antiga organizacao corporativa da producao utilizada pelos artesaos. Os trabalhadores jé nao eram os donos das fer- ramentas e maquinas, passando a viver da Unica coi- sa que Ihes pertencia: sua forca de trabalho, trans- formada em mercadoria e explorada ao maximo. Para enfrentar 0 quadro social da nova ordem indus trial, 0s trabalhadores passaram a se associar em or- ganizagdes como os sindicatos. Aindustrializagao estabeleceu a supremacia bur- guesa na ordem econémica, isto é, toda a estrutura produtiva estava voltada para atender aos interesses de lucro da burguesia. Ao mesmo tempo, acelerou 0 éxodo rural, 0 crescimento urbano e a formacio da classe operéria ~ ou proletariado. Inaugurava-se uma nova época, na qual a politica, a ideologia e a cultura gravitariam entre dois polos: a burguesia industrial € 0 proletariado. Os avancos tecnolégicos A industrializacao da segunda metade do século XVIII teve inicio com a mecanizacio do setor téxtil, cuja producio dispunha de amplos mercados nas colénias, inglesas ou nao. Os inventos que marcaram a Revolugao Industrial na Inglaterra ‘Maquina de far (Spinning lenny), de lames Hargreaves ganharam maior capacidade quando passaram a ser acoplados 8 ma- quina a vapor, criada pelo inglés Thomas Newcomen (1664-1729), em 1712, e aperfeicoada pelo matematico e engenheiro James Watt (1736- 1819), em 1765, Com a sofisticacao das maquinas, houve um aumento ainda maior da producao e de geragio de capitais, que por sua vez eram reaplicados em novas maquinas. A mecanizacdo alcancou o setor me- talurgico e impulsionou a produgao em série. Entre as principais invencdes mecanicas do periodo, destacam-se a maquina de fiar, de James Hargreaves (1720-1778), 0 tear hidrdulico, de Richard Arkwright (1732-1792), e 0 tear mecénico, de Edmund Cartwright (1743-1823). Todos esses teares tinham em comum 0 fato de aumentarem muito a producao e diminuirem drasticamen- tea necessidade de mao de obra. ‘Autilizac3o do vapor como forca motriz também bene- ficiou os transportes Em 1805, 0 norte-americano Robert Fulton (1765-1815) revolucionou a navegacao maritima criando o barco a vapor ¢,em 1814, George Stephenson (1781-1848) idealizou a loco- motiva a vapor. Na década de 1830, comecaram a circular os primeiros trens. Além disso, a impressao de jornais, revistas ¢ livros ‘como uso do vapor desenvolveu as comunicacdes e favoreceu a difusao cultural Essas abriram caminho para o surgimento de novas técnicas e invencGes. ‘Além das mudangas tecnolégicas, a Revolucao Industrial alterou comple- tamente a organizacdo e as relagdes de trabalho, Para aumentar os lucros, clevou-se a especializacao do trabalho, resultando na alienagao do trabalha- dor em relacao a sua atividade. Enquanto na Antiguidade ou na idade Média 0 artesao conhecia o proceso de producao inteiro, realizando ele mesmo todas as etapas, 0 operdrio moderno perdeu o controle do conjunto da produgio. Passou a ser responsdvel por apenas uma parte do ciclo produtivo de uma alienagao: conceito aplicado por Kari Marxe segundo o qual ® trabalho especializado que caracterizoua industializacio ‘alienou” 0 operério, ou seja, sseparou-o do produto de seu trabalho, O trabalhador, desse modo, em vee de realizar-se pelo trabalho, sedesumaniza- va, exercenda suas tarefes mercadoria, ignorando os procedimentos técnicos envolvidos. Além disso, a0 receber um saldrio em troca da atividade mecénica reali- zada, 0 operdrio alienava seu trabalho aos capitalistas, transfor- mando-o em mercadoria sujeita ao mercado. A Revolucao Industrial alcancou o continente eo resto do mundo, chegando 8 Bélgica, & Franca e posteriormente a Italia, & ‘Alemanha, & Russia, aos Estados Unidos e ao Japao. Essa expansao estimulou 0 imperialismo do século XIX, ascendendo uma grande cortida colonial por novos mercados, indispensdveis para garantir que a producdo fosse vendida e realimentasse os lucros e reinves- timentos. Assim, garantia-se o continuo crescimento de capital que caracteriza o sistema capitalista. Como vocé estudard adiante, essa corrida por mercados envolveu conflitos de interesses, que culminaram na Pri: meira Guerra Mundial (1914-1918) @® Além de condicdes sub-humanas de trabalho, os operérios enfrentavam grandes dificuldades em épocas de guerra. No periodo napolesnico, por exemplo, os pre- 05 dos géneros alimenticios subiram tanto que a fome se disseminou pelo continente europeu. Enquanto isso, ‘© emprego de maquinas no processo produtivo substi- tuia trabalhadores e obrigava-os a vender sua forca de ‘trabalho aos empresérios a pregos cada vez mais baixos, No inicio do século XIX, trabalhadores da indis- tria téxtil da Inglaterra reagiram, responsabilizando as maquinas pela situagaio de miséria em que viviam, Um movimento, supostamente liderado por um tra- balhador de nome Ned Ludd, pretendia resolver 0 problema da miséria social com a destruigéo das méquinas industriais. Esse movimento ficou conhe- cido como ludita ou ludismo. A iniciativa, que causava grandes prejuizos aos donos de indistrias, foi reprimida com a pena de morte e a deporta- 40 dos implicados. Segundo o historiador inglés E.P. Thompson: @) As ideias socialistas Em reagdo aos efeitos das crises sociais relaciona- das a Revolucao Industrial, surgiram correntes de pen- samento como o socialismo e 0 anarquismo, que pro- punham transformagdes sociais e a construcdo de um mundo mais justo. Socialismo No Manifesto comunista, publicado em 1848, Karl ‘Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) esboca- ram as proposi¢des e postulados do que chamaram de socialismo cientifico. Essa expresso foi cunhada por Novos poets nants seer berate 20 Diante da Catedral de St Gilles, eststua de Adam Smith, no Monumento Royal Mile, Edimburgo, Escécia, Foto de 2014 [J podemos vero movimento ludista como uma transicao, Devemos encarar, através da des- ‘muigdo das maquinas, os motivos dos individuos que brandiam as marretas. Enquanto um “movi- ‘mento do préprio povo",fica-se surpreendido no com seuatraso, mas com sua maturidade crescente, Longe de ser ‘primitivo’, ele demonstrou alto grau de disciplina e autocontrole [.]foiuma fase de transicao em que as aguas do sindicalismo, repre- sadas pelas Leis de Associacao,lutaram por irromper ese converternuma presenca manifesta eexplicta THOMSON 2 fora pra nates © descontentamento aumentava e prenunciava uma revolugao social. Formaram-se as trade unions, as primeiras organizagdes trabalhistas que procuravam catalisar as insatisfagdes e organizar as lutas da classe operiria. Por isso, foram vistas pelos industriais como 6rgios de agao criminosa. Marxe Engels para designar sua propria teoria, que se contrapunha as teorias de outros socialistas, como Saint-Simon (1760-1825), Robert Owen (1771-1858) Charles Fourier (1772-1837), que fariam parte do “socia- lismo ut6pico”. Os “socialistas utépicos” acreditavam que o socialismo seria conquistado por meio de refor- mas e sentimentos de fraternidade, ao paso que Marx Engels supunham ter encontrado as “leis” que rege- riam a Histéria, Esse conceito foi desenvolvido poste- riormente em 0 capital, considerada por muitos estu- diosos a mais importante obra de Marx, Co ay @) As lutas trabalhistas e as Internacionais Operarias © movimento operario europeu, durante o século XIX, teve periodos de ascensao e de refluxo, Na Ingla- terra, as lutas trabalhistas desembocaram no cartismo, movimento popular que reivindicava reformas nas condigdes de trabalho (especialmente limitagao da jor nada) e direitos politicos (sufragio universal) Na década de 1850, porém, o movimento operario ‘europeu foi consideravelmente abalado aps as revolucoes sociaisfrustradas de 1848 e a repressio do Estado. Em 1864, ‘0 movimento operério voltou a ganhar forca, quando a Associagao Internacional dos Trabalhadores, também co- nnhecida como Primeira internacional Opera, foi funda da em Londres. Os primeitos encontros foram marcados pelas divergéncias entre marxistas, anarquistas e sindica- listas. O conflito teérico entre Marx e Bakunin ganhou maior repercussio.com os acontecimentos da Comuna de Paris (1871), um governo popular de curta duracao que se seguiu & derrota francesa em Sedan na Guerra Franco- -Prussiana que serd estudado no préximo capitulo. No ano de 1872, num congresso em Haia, nos Pal ses Baixos, Bakunin e seus seguidores anarquistas foram expulsos da Internacional e, em 1876, a prépria associagao foi dissolvida, devido a divisao entre os trabalhadores. Numa nova investida trabalhista, foi fundada a ‘Segunda Internacional Operéria (1889), com um sen- tido mais reformista e menos revolucionério, adotando 0 ideais da Social-Democracia Alem@, primeiro partido politico socialista de grande expresso. Segundo esses ideais, 0 socialismo seria alcangado lentamente, pelas reformas, pelo voto, pela via parlamentar. Mas a unio dos trabalhadores foi breve: no inicio do século XX, Participantes do congresso da Primeira Internacional Opersra, reunidas em 1866, marxistas revolucionérios,liderados pelo russo Vladimir Lenin (1870-1924) e pela polonesa Rosa Luxemburgo (018714919), opuseram-se aos moderados. ‘As massas trabalhadoras dividiram-se ainda mais durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), sepultan- doa Segunda Intemacional.€m 1919, em meioaos desdo- bramentos da Revolucio Russa, formou-se a Terceira In- ternacional em Moscou, que assumiu 0 nome de Internacional Comunista, conhecida também como Comintern, e que seria o embrio dos partidos comunistas de todo 0 mundo. A partir de entdo, comunistas e socia- listas separaram-se, com visdes de mundo e propostas diferentes. Enquanto os socialistas passaram a ser rotu- lados pelos comunistas de reformistas, os comunistas ‘eram acusados de radicais e autoritérios, Abertura do| Congreso da Internacional Comunista em Petrograd, 1920. i obra de Boris M. Kastodiey de 1921

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