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Capitulo 12 Panorama geral: planejamento para a compreensado como estrutura do curriculo Podemos perguntar, como um critério para qualquer assunto ensinado [...]se, quando plenamente desenvolvido, vale a pena que um adulto 0 conhega e se té-lo aprendide quando crianca torna a pessoa um adulto ‘melhor. Sea resposta a ambas as perguntas for negativa ou ambigua, entio 0 material est estorvando a curriculo, ~Jerome Bruner, The Process of Education, 1960 ‘Amenos que uma experiéncia conduza a um campo previamente no familiar, no surgirao problemas, e problemas so um estimulo para o pensamento [...] Os novos fatos ¢ novas idelas assim obtidos se tornam a base para mais experiéncias nas quais novos problemas so apresentados. O processo é uma espiral continua. —John Deny, Experience and Education, 1936" de unidade. 1880 foi conveniente por uma série de razoes. A unidade 6 um foco de planejamento confortavel para os professores ~ no téo pequena que conduza a aulas isoladas e aprendizagens extremamente especificas, no entanto néo tao grande que areca excessiva e demasiado ampla para guiar o ensino no dia a dia. Entretanto, muitos de vocés podem ter achado nossa sbordagem ildgica (talvez até mesmo verdadeiramente reversal), jé que uma unidade precisa fazer parte de um curso de estudo prévio ou de um curriculo anual adequado ao nivel da série e também de uma estrutura mais ampla do programa. Como, entdo, 0 panorama geral, o curriculo “macro”, deve ser elaborado ¢ implantado pera refletir plenamente o planejamento reverso com ‘uma énfase na compreensao? Uma descricéo completa do planejamento de um curriculo sistémico plurianual esta além do escopo deste livro, Em vez disso, focamos na pergunta que surge a partir das unidades individuais dos professores: que trabalho de planejamento no nivel macro ird A t agora nés concentramos o planejamento para a compreensio no planejamento * N. de RUT: Vorsio em portugués: DEWEY, J. Experiéncla e educapdo. S4o Paulo: Vozes, 2001, [288 Wiggins & MeTighe tomar o planejamento da unidade mais eficiente, coerente e efetivo? Nossa resposta previsivel: o plangjamento do programa do curso e as estruturas do programa usando planejamento reverso e os mesmos elementos-chave encontrados no modelo de unidade do planejamento para a compreensao. Especificamente, defondemos que os programas ¢ cursos devem ser idealizados e estruturados em termos das perguntas essenciais, com- reensées duradouras, principais tarefas de desempenho e rubricas. Esses elementos abrangentes servem, assim, como um modelo para todas as unidades e as conexGes entre elas. Quao grande é grande? Compreensivelmente, vocé deve ter-se frustrado um pouco pelo fato de que nos capi- ‘tulos anteriores nunca especificamos o escopo ideal des perguntas e compreensées ou ‘como distinguir com maior preciso elementos abrangentes de elementos tépicos. Agora vamos dizer que a pergunta “quéo ‘grande’ dove ser uma ‘grande ideia’?" nao pode ser respondida de forma isolada dos objetivos do curso e do programa. Algumas ideias so claramente “maiores” do que outras - ou seja, conceitualmente mais gerais, com maior ‘transferibilidade ¢ impacto. Ideias com alcance téo grande devem ancorar 0 trabalho e os programas inteiros. Uma tinica unidade possivelmente nao poderé fazer justica as ideias complexas mais comuns. Portanto, chegar a um acordo quanto as ideias e tarefas de avaliacdo centrais - inde- pendentemente de se fazer isso pelas equipes curriculares da secretaria do educagao ou ‘Por equipes de departamentos de drea da escola e de acordo com o nivel de ensino —alivia significativamente a carga do planejador da unidade. Dessa forma também livramos 0 curriculo da incoeréneia que resultaria ao ser permitido que as unidades fossem pla- nejadas isoladamente. A Figura 12.1 ilustra nossa visio macro do planejamento para a ‘compreenséo. ‘A Figura 12.2 apresenta uma ilustragao do trabelho de um distrito para estruturar seu programa de Histéria dos Estados Unidos para todo o ano em torno de grandes ideias e perguntas essenciais. As unidades individuais foram, entéo, construidas segundo essa perspectiva abrangente. Perguntas essenciais como fundamentos para o curso e o programa (0 [impacto] mais significativo é provavelmente o modelo do distrito para (0s contornos do curso e mapas do curriculo [.w] Estamos mapeando todos os curriculos com as compreensées duradouras e perguntas essenciais ‘como um componente-chave. Dorothy Katauskas,assistente do superintendente, New Hope-Soleouty, Pennsyania Annatureza abrangente e recorrente das perguntas essenciais faz. delas idealmente ade- qquadas para a estruturagao do curriculo macro de programas ¢ cursos. Devido & sua natureza, as perguntas essenciais focam em grandes ideias que tipicamente nao si0 0s- Pecificas para a unidade, Elas s6 podem ser apropriadamente trabalhadas ao longo de ‘muitas unidades e, em alguns casos, ao longo de anos de estudo. Na prtica, isso significa que perguntas essenciais podem ser usadas para fornecer a espinha dorsal dos cursos e Planejamento para a compr: 20 Linguas oe strangers Fs, tecnoigica i Tarefas erubricas, Compreensdes Cr Perguntas que pareceria mais natural e interessante para o aprendiiz.? Dewey, mentor de Caswell, viu essa questo com mais clareza do que ninguém, cox anos atrés. Ele repetidamente defendou om seus escritos, sem sucesso, que sc basear m= 6gica do contetido para guiar a sequéncia e a pedagogia era uma causa importante dos: resultados decepcionantes que vemos em educacéo: * WN. de RT; Caswell foi um importante educador estadunidense, mais couhecido por seu trabalho m= campo do planejamento de curriculo. Foi presidente do Teachers College da Universidade de Col=- Planejamento para a compreensio 1Hé uma forte tentagao em pressupor que apresentar uma disciplina em sua for- ma perfeita fornece uma estrada perfeita para a aprendizagem. O que é mais natural do que supor que 0 imaturo pode ser poupado de tempo e energia e ser protegido de erros desnecessérios ao comegar por onde os investigadores com- petentes pararam? Os resultados estdo escritos em grande parte da histéria da educagao. Os alunos iniciam seu estudo |...] com textos nos quais o assunto 6 or- ganizado em tépicos de acordo com a orem dada pelo espocialista. Os conceitos ‘técnicos ¢ suas definigdes so introduzidos no inicio. As leis sao introduzidas em ‘uma etapa inicial, com no maximo algumas indicagbes da forma como se chegou 4 elas |... O aluno aprende simbolos sem a chave para o seu significado. Ele ad- quire um corpo de informagées técnicas sem a habilidade de identificar as suas ‘conexées [com 0 quo] lhe 6 familiar — frequentemente ele adquire simplesmente um vocabuldrio, (DEWEY, 1916, p. 220) Em outras palavras, segundo o ponto de vista do aprendiz, a “l6giea” do contetido 6 ildgica para aprender o que é importante sobre o contedido ~ ou seja, 0 que o contetido pode ajud-lo a ver e fazer melhor (p. ex., ajudé-lo a resolver um problema ou enfrentar um desafio). Mais uma vez, o entendimento de Dewey 6 relevante: Cada assunto no curriculo passou — ou permanece ~ pelo que pode ser chamado de fase de método “anatémico”: a etapa em que se considera que a compreenstio do assunto consiste em multiplicar as disting6es [..] ¢ atribuir um nome a cada elemento distinguide. No desenvolvimento normal, as propriedades especiticas sio enfatizadas e assim individualizadas somente quando servem para esclare- ‘cer uma dificuldade presente, (DEWEY, 1933, p. 127) Prender e repensar, um novo olhar Dessa forma, um exame das primeiras semanas de um curso ¢ altamente revelador, “Bem, vocé comeca com os fatos e elementos basicos e segue em frente logicamente. Vocé comega com os axiomas em Matematica, ou volta eo passado em Historia, ou com as leis bésicas em Ciéncias ~ por onde mais vocé comecaria e de que outra forma seria possivel desenvolver 0 curso?” Ou, ainda, como isso faz jus ao 0 ou P em OPERAAO? Como um ‘programa sinaliza as pricridades e imodiatamente desperta o interesse do aprendiz por las? Aqui os livros didaticos nao sao titeis. Quase todos eles, baseados como sio na légica do contesido, comegam com uma caminhada frequentemente confusa e, om ultima andli- se, sombria entre definigdes, regras ¢ algoritmos ou pelos acontecimentes mais distantes no tempo totalmente afastados do contexto de um problema, pergunta ou desempenho. Conforme observamos ao falar sobre os elementos de OPERAAO para as unidades, as perguntas, questées, experiéncias e problemas relacionados ao Onde (0) ¢ ao Prender (P) sugerem uma maneira de repensar completamente a sequéncia. A primeira prioridade em um curso ou programa deve ser estabelecer as perguntas e questées que fazem o con- tetido parecer interessante, significativo e vatioso. Considere esta proposta de Ciéncias Avangadas feita anos atrés pelo autor Lewis Thomas (1983, p. 151-152): Sugiro que 0s cursos introdutorios em Ciéncias em todos os niveis sejam radi- calmente revisados. Deixe de lado por enquanto os aspoctos fundamentais, os chamados aspectos bésicos, © concentre a atengao dos alunos nas coisas quo nao séo conhecidas... Deixe que eles tomem conhecimento, inicialmente, de que ae I 28 Wiggins & McTighe existem mistérios e paradoxos profundos... Deixe que tomem conhecimento de que eles podem ser abordados mais de perto e decifrados depois que a linguagem da Matemética tiver sido suficientemente dominada. Ensine no inicio, antes de qualquer conceito basico, os enigmas ainda imponderdveis da cosmologia. (Ou leve em consideracéo este conselho do professor de Matematica e educador Morris Kline (1973, p. 178-179): ‘As abordagens tradicionais tratam a Matemética como um desenvolvimento log co cumulativo... A nova abordagem apresentaria o que ¢ interessante, esclarece- dor e culturalmente significativo... cada tépico deve ser motivador. A pergunta dos alunos “Por que eu tenho que aprender este material?” é plenamente justificada. A sugestao de Kline nos permite compreender mais claramente uma falsa concepcao prevalente em Educagdo Matemética. Muitos professores de Matematica nos disseram a0 longo dos anos: “A Matematica 6 sequencial; o livro didético apenas reflete o que as coisas formam logicamente. Ja que a Matemética segue uma sequéncia légica, ela tem que ser ensinada dessa mancira’, Isso simplesmente nao é verdade. Os elementos mateméticos sao organizados em sequéncia légica nos livros didéticos, assim como 0 icionério 6 organizado em ordem alfabética ou as regras de beisebol so construidas. Os professores de Matemética que argumentam assim estéo confundindo a logica do sumé- rio coma légica da aprendizagem. Se eles estivessem certos, ensinariamos Lingua Inglesa por meio de um dicionério ¢ cartes de memorizacéo, ou ensinariamos beisebol estudan- do as regras om ordem. Todavia, isso ndo significa que devemos aprender palavras ou regras na ordem em que aparocom no livro de referéncia, mesmo que os textos estejam. “organizados de forma légica’. Da mesma forma, simplesmente porque os elementos © teoremas mateméticos esto mais facilmente organizados na sua hierarquia légica, isso nao significa que 0 sumério do livro didético seja a melhor forma de aprender as ideias. principais ¢ o significado e valor das suas relacées. O curriculo em espiral Vocé pode pensar que essas ideias sobre sequéncia sao, na melhor das hipsteses, fanta- siosas e tolas, No entanto, os reformistas hé muito tempo desafiaram a légica da cobertu- ra do tipo "pega por pega’, como sugere o comentario anterior de Whitehead. Uma abor- agem alternativa conhecida para escopo e sequéncia é 0 curriculo em espiral. A ideia da espiral como uma metéfora para aprender e repensar o que foi aprendido foi articulada: plenamente pela primeira vez por Dewey e mais tarde defendida por Bruner, mas esta alicergada em uma longa tradicéo filos6fica e pedagdgica que remete a Piaget, G. Stanley. Hall e aos recapitulacionistas ¢, mais anteriormente, a Kant, Rousseau e Hegel. Embo- ra muitos enaltegam a ideia, poucos curriculos foram desenvolvidos para incorporé-la. (Quem sabe estejamos agora no momento em que a tooria da aprendizagem, os resultados de desempenho decepcionantes ¢ o senso comum possam se combinar para apontar pars uma abordagem do fluxo da aprendizagem mais favoravel a aprendizagem. ‘Uma abordagem em espiral desenvolve 0 curriculo em torno de investigacdes recor rentes cada vez mais aprofundadas, ajudando os alunos a compreender de maneira ef=- tiva e inteligente do ponto de vista do desenvolvimento. Um exomplo dessa abordage= em espiral aparece no desenvolvimento da unidade de arqueclogia discutida no Capitulo 9, As mesmas ideias e materiais sdo revisitados de formas mais complexas para cheza= Planejamento para a compreensio, 4 julgamentos ¢ produtos sofisticados. Igualmente, quando os alunos se deparam com. a poesia de E. E. Cummings o as histOrias de James Joyce na esteira de formas mais familiares, eles obtém uma compreensdo mais profunda das aulas anteriores em forma, mecénica e impacto, Bruner (1960, p. 3) popularizou o ideal do curriculo em espiral com seu postulado categérico e provocative de que “I... qualquer assunto pode ser ensinado efetivamente de alguma forma intelectualmente honesta a quelquer crianca em qualquer etapa do de- senvolvimento’. Esta 6, como ole disse, uma hipétese "ousada", porém central para uma educacao coerente para repensar e para a eventual compreensao: Os fundamentos de qualquer assunto podem ser ensinados a qualquer um em qualquer idade de alguma forma, Embora a proposicéo possa ser surpreendente a primeira vista, sua intencdo é sublinhar um aspecto essencial frequentemente ignorado no planejamento de curriculos. E que as ideias bisicas na esséncia de toda a Ciéncia e Matematica ¢ os temas bésicos que dao forma & vida e a litera- ‘tura sdo to simples quanto poderosos. Para estar no comando dessas ideias ba- sicas, usé-las efetivamente requer um aprofundamento continuo na compreen- séo que temos delas proveniente da aprendizagem de como usé-las de formas progressivamente mais complexas. Somente quando tais ideias bdsicas forem colocadas em termos formalizados como equacdes ou conceitos verbais elabo- rados é que elas estardo fora do alcance da crianca pequena, caso ela jé ndo as tenha compreendido intuitivamente e tenha tido a oportunidade de testa-las. (BRUNER, 1960, p. 12-13, énfase no original) Dewey (1938) usou pela primeira vez. a analogia da espiral para descrever como a dis- ciplina deve ser organizada para passar de um problema para outro problema, fazendo © conhecimento aumentar em profundidade e abrangéncia, Dessa maneira, o curso pode desenvolver o pensamento e 0 interesse do aluuno de uma forma intencional e sistema- tica, apontando para os frutos de cada disciplina. A tarefa é mover para a frente e para trés entre o comhecido ¢ o problemético; caso contrério, "L..] ndo surgiréo problemas, a0 paso que os problemas so o estimulo para o pensamento” (DEWEY, 1938, p. 79) Atarefa do professor é planejar desafios relacionados de modo que a aprendizagem resul- ‘tena "producéo de novas ideias’, assim como para 0 académico. Os novos fates ¢ ideias "Lud se tornam a base para mais experiéncias nas quais novos problemas sao apres dos. 0 processo é uma espiral continua’. (DEWEY, 1938, p. 79, énfase no original) Ralph Tyler, aluno de Dewey ¢ o mentor da moderna avaliacio dos alunos, destacou em seu livro precursor sobre planejamento, Principios bdsicos de curriculo e ensino (1950*), a necessidade de pensar em quest6es curriculares segundo a perspective dos resultados desejados e das necessidades do aprondiz. Na verdade, mais do que ninguém, Tyler es- ‘tabeleceu os principios basicos do planejamento reverso. Ele propos trés critérios para a organizacéo efetiva — continuidade, sequéncia e integragéo — para mostrar como a légica do curriculo deve se adequar & nogao de ordem do aprendiz, nao a dos especialistas: ‘Na identificacao dos principios organizadores importantes, 6 necessério obser- ‘var que 0s critérios continuidade, sequéncia e integracdo se aplicam ds expe- rigncias do aprendiz, e nao & forma como esses temas podem ser vistos por alguém que jé esté no comando dos elementos a serem aprendidos. Assim, con- * N. de Rt: Bdigdo brasileira publicada em 1988. 280

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