Você está na página 1de 20
1 Sobre a preservagado da fachada* Uma anilise dos elementos rituais na interagao social Todas as pessoas vivem num mundo de encontros sociais que as enyolvem, ou em contato face a face, ou em contato mediado com outros participantes. Em cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar 0 que as vezes é chamado de linha — quer dizer, um padrao de atos verbais e nao verbais com o qual ela expressa sua opi- nio sobre a situacio, e através disto sua avaliagao sobre os partici- antes, especialmente ela propria. Nao importa que a pessoa preten- da assumir uma linha ou nao, ela sempre o fara na pratica. Os outros participantes pressuporio que ela assumiu uma posicao mais ou menos voluntariamente, de forma que se ela quiser ser capaz de li- dar com a resposta deles a ela, ela precisara levar em consideracdo a impressao que eles possivelmente formaram sobre ela. (O termo fachada' pode ser definido como o valor social positive que uma pessoa efetivamente reivindica para si mesma através da li- nha que os outros pressupdem que ela assumniu durante um contato * Bate capitulo fol escrito na Universidade de Chicago. Pelo apoio finance para 8 sou grato a uma Bolst de Saude Publica dos Estados Unidos (a. pars um liderado pelo Dr. dade de Chicago, 1, Face, no original em ingles. Em portugués nao wtllzamos este temo com a co- notagio que Goffman emprega aqui, que poderia ser resumida, deforma um tanto imprecisa, como “respeito proprio”. F um termo de traducio particularmente complicada, porque, como veremos no decorrer do texto, ele €usado em contextos variados com significados variados. Quando isto ocorrer, o tetmo original sera as- sinalado no texto [N.T]. iam Soskin do Departamento de Psicologia, Universi- particular. A fachada é uma imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados ~ mesmo que essa imagem possa ser ‘compartilhada, como ocorre quando uma pessoa faz uma boa de- ‘monstracio de sua profissao ou religiéo ao fazer uma boa demons- tracao de si mesma’ A pessoa tende a experimentar uma resposta emocional imedia- ta fachada que um contato com outros permite a ela; ela catexiza sua fachada; seus “sentimentos” se ligam a ela. Se 0 encontro sus- tenta uma imagem da pessoa que ela da por certo ha muito tempo, ela provavelmente tera poucos sentimentos sobre a situacao. Se os eventos estabelecem uma fachada para ela melhor do que ela pode- ria esperar, ela provavelmente se “sentira bem”; se suas expectativas costumeiras nao forem realizadas, espera-se que ela se “sinta mal” ou “sinta-se ofendida”. De modo geral, 0 apego de uma pessoa a uma fachada particular, junto com a facilidade de comunicar infor- macoes falseadoras por ela e por outros, constitui uma das razbes que fazem com que ela considere que a participacéo em qualquer contato com outros seja um compromisso. A pessoa também tera sentimentos sobre a fachada mantida para os outros participantes e, apesar desses sentimentos poderem ser de quantidade e direcao di- ferentes daqueles que ela tem para sua propria fachada, constituem, ‘um envolvimento com a fachada dos outros que € tao imediato e es- pontineo quanto o envolvimento que ela tem com sua propria fa- chada. A fachada pessoal e a fachada dos outros sio construtos da mesma ordem; sao as regras do grupo e a definicao da situacéo que determinam quantos sentimentos devemos ter pela fachada e como esses sentimentos devem ser distribuidos pelas fachadas envolvidas. Podemos dizer que uma pessoa tem, estd com ou mantém a fa- chada quando a linha que ela efetivamente assume apresenta uma imagem dela que € internamente consistente, que é apoiada por jul- 2. Para discussdes sobre o conceit chines de fachada, cf 0 segu HU, H. "The Chinese Conception of Face”. American Anthropol p. 45-64, « YANG, MC. A Chinese 1945, p. 167-172. » MACGOWAN, J. Men and Manners of Londres: ‘Unwin, 1912, p. 301-312, + SMITH, AL. Chinese Characteristics. Nova York: Fel- 1g HL Revel Co, 1894, p, 16-18. Pa rio da concepeto de achadia dos ‘Cohen & West, 1954, p38. sity Pres, 20s ¢ evidencias comunicadas por outros participantes, e que é con- firmada por evidencias comunicadas por agéncias impessoais na si- tuagdo. Em tais momentos, a fachada da pessoa claramente ¢ algo que nao esta alojado dentro ou sobre seu corpo, mas sim algo locali- zado difusamente no fluxo de eventos no encontro, € que se torna manifesto apenas quando esses eventos sto lidos ¢ interpretados para alcancarmos as avaliacGes expressas neles. A linha mantida por e para a pessoa durante 0 contato com ou- tuos tende a ser de um tipo institucionalizado legitimo. Durante um contato de um tipo particular, um participante da interacto com atributos conhecidos ou visiveis pode esperar ser apoiado numa fa- chada em particular, e pode sentir que € moralmente apropriado que isto aconteca. Tendo em vista seus atributos ¢ a natureza con- vencionalizada do encontro, ele tera um pequeno conjunto de li- thas abertas para ele escolher, e um pequeno conjunto de fachadas para escolher estara esperando por ele. Além disso, baseado em al- ‘guns atributos conhecidos, ele recebe a responsabilidade de possuit lum ntimero vasto de outros atributos. Seus coparticipantes prova- velmente nao terao consciencia do carater de muitos desses atribu- tos até que ele aja, perceptivelmente, de uma forma que deprecie sua posse deles; nesse momento todos se tornam conscientes desses atributos e pressupéem que ele deliberadamente deu uma falsa im- pressao de possut-los. Assim, apesar de a preocupacao com a fachada enfocar a at cdo da pessoa na atividade em curso, ela deve, para manter a fachada nessa atividade, levar em consideracdo seu lugar no mundo social além dela, Uma pessoa que consegue manter a fachada na situacio em curso € alguém que se absteve de certas agves no passado que te- riam sido dificeis de encarar com coragem [face up to] posterior- ‘mente. Alem disso, ela teme perder a fachada agora em parte porque 0s outros podem tomar isto como um sinal de que nao precisarao demonstrat consideragao pelos seus sentimentos no futuro. Ainda assim, ha uma limitacio a essa interdependéncia entre situaco em curso e 0 mundo social mais amplo: um encontro com pessoas com as quais ela nao tera mais interagoes no futuro a libera para assumir ‘uma linha “altiva” que o futuro depreciard, ou a libera para softer tnumilhagdes que tornariam interagdes futuras com elas algo cons- trangedor demais para enfrentar. Podemos dizer que uma pessoa estd com a fachada errada quan- do, de alguma forma, trazemos alguma informacao sobre seu valor social que nao pode ser integrada, mesmo com esforco, com a linha que esta sendo mantida para ela, Podemos dizer que uma pessoa std fora de fachada quando ela participa de um contato com outros sem ter uma linha pronta do tipo que esperamos que participantes de tais situagoes tenham. A intencdo de muitos trotes é levar uma pessoa a mostrar uma fachada errada, ou nenhuma fachada, mas € claro que também existirdo ocasides sérias em que ela se encontrar expressivamente, nao a par da situacao. Quando uma pessoa sente que esta com fachada, ela tipicamen- te responde com sentimentos de confianca e conviccao. Firme na li- ma que esta assumindo, ela sente que pode manter a cabeca erguida se apresentar a outros abertamente. Ela sente uma certa seguranca um certo alivio - como também pode ocorrer quando os outros sentem que ela est com a fachada errada, mas conseguem esconder essas sensagoes dela Quando uma pessoa est com a fachada errada, ou fora de fa- chada, eventos expressivos esto sendo contribuidos para o encon- tro, mas eles nao podem ser costurados facilmente ao tecido expres- sivo da ocasiao. Se ela sentir que esta com a fachada errada ou fora de fachada, provavelmente se sentira envergonhada ¢ inferior devi- do ao que aconteceu com a atividade por sua causa e a0 que poder acontecer com sua reputacao enquanto participante. Além disso, ela pode se sentir mal porque esperava que o encontro apoiasse uma imagem do eu a qual ela se sente emocionalmente ligada e que agora encontra ameacada, Uma falta de apoio apreciativo percebida no en- contro pode chocé-la, confundi-la e momentaneamente incapaci- té-la enquanto participante da interacio, Seus modos e orientacdo podem cambalear, desabar e desmoronar. Ela pode ficar constrangi- da e mortificada; ela pode ficar com a fachada envergonhada [sha- ‘mefaced]. A sensacdo, justificada ou nao, que ela é percebida num estado de alvoroco pelos outros, ¢ que ela nao esta apresentando ‘uma linha utilizével, pode ferir ainda mais os seus sentimentos, as- ssim como sua passagem de estar com a fachada errada ou fora de fa- chada para a fachada envergonhada pode adicionar mais desordem para a organizacdo expressiva da situagao. Seguindo o uso do senso comum, eu empregarei o termo aprumo para me referir a capacidade de suprimir ¢ esconder qualquer tendéncia de ficar com a fachada envergonhada durante encontros com outros. Em nossa sociedade anglo-americana, assim como em algumas outras, a expressao “perder a fachada” [to lose face] parece significar estar coma fachada etrada, estar fora de fachada, ou estar com a fa- chada envergonhada. A expressio “salvar a fachada” [to save one’s face] parece se referit ao processo através do qual a pessoa mantém ‘uma impressao para os outros de que ela ndo perden a fachada. Se- guindo o costume chines, podemos dizer que “dar fachada” (to give Jace] & possibilitar que outra pessoa assuma uma linha melhor do que ela seria capaz de assumir sozinha’, esta outra, portanto, ganha a fachada dada aela, ¢ esta é uma das formas pelas quais ela pode ga- har fachada. Enquanto um aspecto do codigo social de qualquer circulo soci- al, podemos esperar encontrar um entendimento sobre até que pon- to uma pessoa deve ir para salvar sua fachada. Quando ela assume ‘uma imagem do eu expressa através da fachada, os outros terdo a ex- pectativa de que ela atuard de acordo com essa fachada. De formas diferentes em sociedades diferentes, ela precisaré mostrar respeito proprio, renunciando a certas acdes porque elas estao acima ou abai- xo dela, enquanto se forca a realizar outras, mesmo que sejam muito custosas para ela. Ao entrar numa situacao em que recebe uma fa- chada para manter, essa pessoa assume a responsabilidad de vigiar 6 fluxo de eventos que passa diante dela. Ela precisa garantir que uma ordem expressiva particular seja mantida ~ uma ordem que re- gula 0 fluxo de eventos, grandes ou pequenos, de forma que qual- quer coisa que pareca ser expressada por eles sera consistente com sua fachada. Quando uma pessoa manifesta tais compungdes, prin- cipalmente por causa do dever asi mesma, falamos, em nossa socie- dade, de orgulho; quando ela o faz por causa do dever a unidades so- ciais mais amplas, e recebe apoio destas unidades ao fazé-Lo, falamos 3.£m portugu’ » temos uma expressto que se encaixa bem com © que Goffman ‘quer dizer com to save face: “ivrara cara". No texto, preferi manter uma tradug20 Titeral para nao destoar do concelto central de “fachada’ [N.T.] 4.CL. SMITH, AH. Chinese Characteristics. Op. cit, p. Tul de honra. Quando essas compuncoes tém a ver com coisas de postu- ra, com eventos expressivos derivados da forma pela qual a pessoa lida com seu corpo, suas emogoes, e as coisas com as quais ela tem contato fisico, falamos de dignidade, umm aspecto do controle ex- pressivo que € sempre louvado e nunca estudado. Seja como for, apesar de sua fachada social ser sua posse mais pessoal ¢ o centro de sua seguranca e prazer, ela ¢ apenas um empréstimo da sociedade; ela sera retirada a nao ser que a pessoa se comporte de forma digna dela, Atributos aprovados e sua relacao coma fachada fazem de cada hhomem seu proprio carcereiro; esta € uma coercao social funda- ‘mental, ainda que os homens possam gostar de suas celas. Assim como esperamos que um membro de qualquer grupo te- nha respeito proprio, também esperamos que ele mantenha um pa- dro de consideracao; esperamos que ele realize certos esforcos para resguardar 0s sentimentos e a fachada dos outros presentes, e espe- ramos que ele faca isso voluntaria e espontaneamente por causa de ‘uma identificagao emocional com os outros ¢ com os sentimentos deles’. Como consequencia, ele nao estara inclinado a testemunhar a desfiguracao [defacement] dos outros’. Em nossa sociedade, cha- ‘mamas de “sem-coracao” uma pessoa que consegue testemunhar a humilhacdo de outra mantendo impassivelmente um semblante frio, assim como aquela que consegue impassivelmente participar de sua propria desfiguracdo € considerada "sem-vergonha” 5.F claro que quanto mais poder € presigio os outros tiverem, mais provavel seri ‘que uma pessoa demonstre consideracdo para com os sentimentos dees, como su- sere DALE, HE. The Higher Civil Service in Great Britain, Oxford: Oxford Univer- sity Press, 1941, p. 126n.: "A dout fol exposta para ‘muitos anos por um funcionaeio ci im belo gosto pelo cinismo, Ele explicou que a importancia dos sentimentos varia em alto grau coma importincia da pesson que sente. Seo interesse piblico requer que um funcionacio novato seja removido de seu posto, nao € preciso tomar cuidado com seus seni rmentos, seo caso envolver um vice-divtor, eles devem ser considerados cuidado: ‘samente; se for um secretitio de Estado, seus sentimentos sfo umn elemento funda~ ‘mental na situaglo, e apenas um interesse publico i aperativo pode suplantar seus requerimentos 6.Vendedores, especialmente mascates de rua, saber. que, se cles assumirem uma Tinha que seré depreciada a nao ser que o cliente relutante compre alguma co cliente pode ser caprurado pela consideracao eacabar comprando algo para fachada do vendedor, e impedir o que normalmente resultaria num incident O efeito combinado da regra do respeito proprio e da regra da consideracdo € que a pessoa tende a se conduzir durante um encon- tro de forma a manter tanto a sua propria fachada quanto as facha- das dos outros participantes. Isto significa que normalmente permi- timos que a linha assumida por cada participante prevaleca, e que cada participante desempenhe o papel que ele parega ter escolhido ata si proprio, Estabelecemos um estado em que todos temporaria- mente aceitam a linha de todos os outros’. Esse tipo de aceitagao ‘muitua parece ser uma caracteristica estrutural basica da interacao, especialmente da interagdo em conversas face a face. Normalmente € uma aceitacdo “pratica”, e nao “real”, pois ela tende a ser baseada ‘nao em um acordo de avaliacées sinceras expressas candidamente, € sim em uma disposicao a oferecer juizos da boca para fora, com os quais os participantes nao concordam realmente A aceitacdo miitua de linhas tem um efeito conservador impor: tante sobre 0s encontros. Quando uma pessoa apresenta uma linha inicial, ela eas outras tendem a construir suas respostas posteriores a partir dela e, num certo sentido, ficam presas a ela. Sea pessoa al- terar sua linha radicalmente, ou se a linha se tomnar desacreditada, 0 resultado € a confusto, pois os participantes estarao preparados comprometidos com acbes que nao sao mais apropriadas. Normalmente, a manutencao da fachada é uma condicao da in- teracio, € nao o seu objetivo. Objetivos comuns, como ganhar fa- 7-E claro que um acordo superficial sobre aavaliagdo do valor socal nfo significa {gualdade; a avaliacao mantida consensualmente sobre um participante pode ser bem diferente daquela mantida consensualmente sobre outro, Esse acorde tambera € compativel com a expressio de diferencas de of re dois partiipantes, desde que ambos mostrem “respeito” pelo outro, o lexpressio da discor- dia deforma que ela transmita uma avaliacio sabre 0 outro que 0 outro esteja dis. jsto.a transmit sobre si mesmo. Casos extremos sto oferecidos por guerras, due «ebrigas de bar, quando ocorrem de forma cavalheicesca, pois eles podem ser dios sob auspicios consens ‘cada protagonista orientando sua aco de acordo com as regras do jogo, possibilitando assim que sua acto sejaimerpreta- ‘em combate aberto com um oponen- iquer jogo podem ser analisadas como ‘imagem de um Jogador impo pode ser express, assim sada como um meio atraves do alas regrase eiqueia de um jogo sio cchada, expressar livremente nossas crencas verdadeiras, introduzit informagoes depreciadoras sobre os outros, ou resolver problemas e realizar tarefas, so tipicamente perseguidos de forma consistente com a manutencao da fachada, Estudar o salvamento da fachada € estudar as regras de trafego da interacio social; aprendemos sobre 0 codigo que a pessoa segue em seu movimento pelos caminhos e pro- Jetos dos outros, mas nao sobre para onde ela vai, nem por que ela quer chegar la, Nao aprendemos sequer por que a pessoa esta dis- posta a seguir o c6digo, pois um grande mimero de motivos diferen- tes pode levé-la a fazer isso. Ela pode querer salvar sua propria fa- chada por causa de sua ligacdo emocional com a imagem do eu que sua fachada expressa, por causa de seu orgulho ou honra, por causa do poder que seu estatuto presumido permite que ela exerca sobre 0 outros participantes, e assim por diante. Ela pode querer salvar a fachada dos outros por causa de sua ligacdo emocional com uma imagem deles, ou porque ela sente que seus coparticipantes tém um direito moral a esta protecao, ou porque ela quer evitar a hostilidade que podera ser dirigida para ela se eles perderem sua fachada, Ela pode sentir que existe uma suposicao de que ela € 0 tipo de pessoa que demonstra compaixio e simpatia pelos outros, de forma que, para reter sua propria fachada, ela pode se sentir obrigada a ter con- sideracao pela linha assumida pelos outros participantes. Com preservacao da fachada [face-work] eu quero designar as ‘ages tomadas por uma pessoa para tornar o que quer que esteja fa- zendo consistente com a fachada. A preservacao da fachada serve para neutralizar “incidentes’ ~ quer dizer, eventos cujas implica- ‘goes simbdlicas efetivas ameacam a fachada. Assim, 0 aprumo € um tipo importante de preservacao da fachada, pois através do aprumo a pessoa controla o seu constrangimento e, assim, o constrangimen- to que ela e outros poderiam sofrer por causa do seu constrangi- ‘mento. Mesmo que a pessoa que empregue acdes para salvar sua fa- chada nao conheca todas as consequéncias delas, elas frequente- mente se tornam praticas habituais e padronizadas; elas sao como jogadas tradicionais num jogo, ou pasos tradicionais numa danca. Cada pessoa, subcultura e sociedade parecem ter seu proprio reper- torio caracteristico de praticas para salvar a fachada, Em parte, € a esse repertorio que as pessoas se referem quando perguntam como ‘uma pessoa ou cultura “realmente” so. E, ainda assim, 0 conjunto 20 particular de praticas enfatizadas por pessoas ou grupos particula- res parece ser retirado de um tinico esquema logicamente coerente de praticas possiveis. E como se a fachada, por sua propria natureza, 86 pudesse ser salva através de um certo numero de formas, e como se cada agrupamento social precisasse fazer suas escolhas dentro dessa tinica matriz de possibilidades, Podemos esperar que os membros de todo circulo social te- nham algum conhecimento da preservacao da fachada e alguma ex- periéncia no uso dela. Em nossa sociedade, esse tipo de capacidade as vezes ¢ chamado de tato, savoir-faire, diplomacia ou habilidade social. Variagoes na habilidade social tem mais a ver coma eficécia da preservacao da fachada do que com a frequéncia de sua aplica- [40, pois quase todos 0s atos que envolvem outras pessoas so mo- dificados, prescritiva ou proscritivamente, por consideracdes sobre a fachada, Se uma pessoa quiser empregar seu repertério de praticas para salvar a fachada, obviamente ela deve, em primeiro lugar, ter cons- cieneia das interpretacoes que os outros podem ter colocado sobre 0s seus atos, e as interpretacdes que ela talvez deva colocar sobre os eles. Em outras palavras, ela precisa exercer a perceptividade®, Mas ‘mesmo que ela perceba apropriadamente os jutzos transmitidos simbolicamente e seja socialmente habil, ela ainda precisa estar dis- posta a exercer sua perceptividade e habilidade; ela deve, resumin- do, ser orgulhosa ¢ considerada. F claro que, confessadamente, a posse de perceptividade e habilidade social leva com tanta frequen- sua aplicacéo que, em nossa sociedade, termos como “polidez” © “tato” acabam nao distinguindo entre a inclinagao para exercer \ais capacidades e as préprias capacidades. 8. Supostamente, a habilidade social ea perceptividade seré alas em, membros frequentemente agem como representantes de plas, como linhagens ou nacbes, poiso jogador, aqui esta apostando com uma fs ‘cada a qual os sentimentos de utes pessoas ¢ sdemos esperar que a habilidade social seja bem desenvolvida entre aqueles de alta posicao eaqueles com quem estes cea elagdes, pois quanto mais fachada um parti- interagao tiver maior se a Eu jé afirmei que a pessoa terd dois pontos de vista— uma orien- tacdo defensiva para salvar sua propria fachada e uma orientacao protetora para salvar a fachada dos outros. Algumas praticas sero primariamente defensivas ¢ outras primariamente protetoras, ainda que, de modo geral, possamos esperar que as duas perspectivas se- jam assumidas ao mesmo tempo. Ao tentar salvar a fachada dos ou- tos, a pessoa precisa escolher um método que nao levara a perda de sua prdpria fachada; ao tentar salvar sua propria fachada, ela precisa levar em consideracao a perda de fachada dos outros que sua acto pode causar. Em muitas sociedades ha uma tendéncia a distinguir trés niveis, de responsabilidade que uma pessoa pode ter quanto a uma ameaca a fachada criada por suas aces. Primeiro, pode parecer que ela agiu jocentemente; sua ofensa parece ser nao intencional ¢ involuntaria, Jes que percebem seu ato podem sentir que ela teria tentado evité-lo se tivesse previsto suas consequéncias ofensivas. Em nossa sociedade, chamamos tais ameacas fachada de faux pas, gafes, dispa- rates ou pisadas na bola, Segundo, a pessoa ofensora pode parecer ter tencao de causar um insulto surgem como um efeito colateral nao planejado, mas as vezes previsto da acao~—uma aco que co ofensor realiza apesar de suas consequencias ofensivas, mas niio por Do ponto de vista de um participante em particu- roduzidos pelo proprio contra sua propria fachada, por ele contra a fachada dos ‘outros contraa fachada dos outros, ou pelos outros con- ida, Assim, a pessoa pode se encontrar em muitas rela des diferentes a uma ameaca & fachada. Se ela quiser lidar bem consi- {g0 propria e com os outros em todas as contingéncias, ela tera que possuir um repertorio de praticas de salvamento da fachada para cada ‘uma dessas relagdes possiveis a ameaca, Os tipos basicos de preservacio da fachada O proceso de evitacao. A saida mais garantida para uma pessoa evitar ameacas a sua fachada ¢ evitar contatos em que seria provavel, que essas ameacas ocorressem. Em todas as sociedades podemos 2 observar isto na relagao de evitacao”e na tendencia de conduzir cer- tas transacoes delicadas através de intermediarios". Da mesma for- ‘ma, em muitas sociedades, os membros conhecem o valor de volun- tariamente realizar uma retirada graciosa antes que uma ameaca a fachada prevista possa ter chance de ocorrer' Quando a pessoa realmente arrisca um encontro, outras formas de praticas de evitacdo entram em jogo. Como medida defensiva, ela nntém longe de topics ¢ atividades que levariam a expressao 1m inconsistentes com a linha que ela esta mantendo. Em momentos oportunos, ela mudara o assunto da con- versa ou a direcdo da atividade. Muitas vezes, ela apresentara i almente uma atitude de acanhamento e compostura, suprimini qualquer demonstracdo de sentimentos até que descubra que tipo de linha os outros estardo dispostos a apoiar para ela. Quaisquer afirmacdes sobre 0 eu serao feitas com uma modéstia beirando 0 menosprezo, com fortes qualificagdes, ou com uma nota de debo- che; garantindo-se desta forma, ela tera preparado um eu para si ‘mesma que nao sera depreciado pela exposicio, fracassos pessoais, ou 05 atos imprevistos de outros. E se ela nao garantir suas elas, sabendo que se nao o fizer os eventos poderao depres zer com que ela perca a fachada, History and jo ou grupo de vi- ‘uma disputa em que os an- desaparecer ou “su apenas ocultar a per zo tempo em Algumas manobras protetoras sao tao comuns quanto essas ma- nobras defensivas. A pessoa demonstra respeito e polidez, assegu- rando-se de estender as outras qualquer tratamento cerimonial que las possam merecer. Ela emprega a discricao; ela nao menciona fa- tos que possam, implicita ou explicitamente, contradizer € cons- tranger as afirmacoes positivas feitas pelas outras”. Ela emprega cir- cunlocucées € engodos, fraseando suas respostas com uma ambi- ‘guidade cuidadosa de modo a preservar a fachada dos outros, mes- ‘mo que nao preserve o bem-estar deles". Ela emprega cortesias, fa- zendo leves modificacoes de suas exigencias quanto as outras, ou sua avaliacao delas, para que elas possam definir a situacao como uma em que sew respeito proprio ndo esta ameacado. Ao fazer uma exigéncia que menospreza 0s outros, ow ao imputar atributos nao elogiosos a eles, ela podera empregar um modo de gozagio, permi- tindo que eles assumam a linha de pessoas generosas, capazes de re- laxar seus padrdes comuns de orgulho e honra. E, antes de se enga- Jar num ato potencialmente ofensivo, ela poder fornecer explica- ‘Goes sobre por que as outras nao devem se sentir ultrajadas por isso. Por exemplo, se ela sabe que sera preciso se retirar do encontro an- tes que ele termine, pode dizer por antecipagio aos outros que pre- 12. Quando a pessoa conhece bem as outras, ela saberd quais assuntos nao devern ser mencionados ¢ em que situapbes elas nio devem ser colocadas,¢elaestard livre para introduzir as questoes que quiser em outras dress. Quando as outras si cas que ea sabe que sto seguras. Nessas ocasides, como Simmel sugere, crigdo ndo consste, de manera alguma, apenas no respeito pelo segre 10, por sua vontade especifica de esconder isto ou aqulo de nés, mas em ficarlonge do conhecimento de tudo aquilo que o outro nto revela expressamente para nds" (The Sociology of Georg Simmel, Glencoe, Il, The Free Press, 1950, p. 320-321) 13.¥i neses dissessem o que achavam que seu 04 tals eram BEUscos, gr termas dos padroes chineses, a c «ria uma emergencia, forcando 0 Jade resposta dire ta ese apressar em oferecer um comentario que possa resgataro ocidental da posi prometedora em que ele e colocou (cf. SMITH, A H. Chinese Characters: cap. Bn: “The Talent for Indirection”). Este & umn exemplo de um fede mal-entendidos que surgem durante interacoes entre pessoas {que vém de grupos com padroesrituais diferentes sm confiar que chi- sempre diziam 0 canhestra que ele 2 cisard ir embora, para que as fachadas deles estejam preparadas para isto. Mas a neutralizacao do ato potencialmente ofensivo nao preci- sa ser feita verbalmente; ela pode esperar um momento propicio ou ‘uma pausa natural — por exemplo, em conversas, uma calmaria mo- ‘mentanea em que nenhum orador poderia ser ofendido — e entio ir embora, usando aqui o contexto, em vez das palavras, como uma garantia de nao ter intengdes ofensivas, Quando uma pessoa nao consegue impedir um incidente, ela ain- da pode tentar manter a ficg4o de que nenhuma ameaca a fachada ocorreu, © exemplo mais evidente disso ¢ encontrado quando a pes- soa age como se um evento que contém uma expresso ameacadora simplesmente nao ocorreu. Ela pode aplicar essa nao observancia cui: dadosa a seus proprios atos—como quando ela nao admite, através de nenhum sinal exterior, que seu estomago esta roncando— ou aos atos de outros, como quando ela nao “ve” que alguém tropecou'". A vida social em hospitais psiquiatricos deve muito a esse processo; os paci- entes 0 empregam em relacdo as suas prOprias peculiaridades, ¢ 0s vi- sitantes 0 empregam, muitas vezes com um desespero ténue, em rela- 4o aos pacientes. De modo geral, a cegueira diplomatica desse tipo € aplicada apenas a eventos que, se forem percebidos, so podem ser percebidos e interpretados como ameacas a fachada. Um tipo menos espetacular, mas mais importante, de vista gros- ‘sa diplomatica praticado quando uma pessoa abertamente reco- nhece um incidente como um evento que ocorreu, mas nao como um evento que contenha uma expresso ameacadora. Se nao foi ela a responsavel pelo incidente, entdo sua cegueira precisard ser apoia- da por sua cleméncia; se ela causou 0 feito ameacador, entio sua ce- gueira precisard ser apoiada por sua disposigao em procurar uma forma de lidar com o assunto, o que a deixa perigosamente depen- dente da clemencia cooperativa dos outros. Outro tipo de evitacao ocorre quando uma pessoa perde o con- trole de suas expresses durante um encontro, Em tais momentos, ela pode tentar nao exatamente fazer vista grossa ao incidente, mas 14, Um belo exemplo disto€ encontrado na cobrigar aqueles que participam de um desf como se ele simplesmence nao estivesse presente ta da praca de armas, que pode tratar qualquer um que destmaie sim esconder ou ocultar sua atividade de alguma forma, possibili- tando, assim, que os outros evitem algumas das dificuldades criadas por um participante que nao manteve a fachada, Da mesma forma, quando uma pessoa é pega fora de fachada porque nao esperava ser envolvida numa interacao, ou porque sentimentos fortes perturba- ram sua mascara expressiva, 05 outros podem, de forma protetora, dar as costas a ela ou a sua atividade por um momento, para que tenha tempo de se recompor. 0 processo corretivo, Quando os participantes de uma ocasiao ou encontro nao conseguem evitar a ocorréncia de um evento que € expressamente incompativel com os juizos de valor social que es- tao sendo mantidos, ¢ quando o evento é do tipo que é dificil de ig- norar, entao os participantes provavelmente darao a ele o estatuto autorizado de um incidente~ ratificando-o como uma ameaca que merece atencao oficial direta ~e procederao de forma a tentar cor- rigir os seus efeitos. Nesse ponto, um ou mais participantes se en- contram num estado estabelecido de desequilibrio ou desgraca ri- tual, e deve-se fazer uma tentativa de restabelecer um estado ritual, satisfatorio para eles. Eu uso o termo ritual porque estou lidando com atos em que o ator, através do componente simbilico desses atos, mostra o quao digno ele € de respeito ou o quao dignos ele sente que os outros sao de respeito. A imagem do equilibrio € apta aqui porque a extensio e a intensidade do esforco coletivo se adap- ta bema persisténcia e intensidade da ameaca”. Nossa fachada, en- tao, € uma coisa sagrada, e a ordem expressiva necesséria para manté-la €, portanto, uma ordem ritual Eu chamarei de intercambio a sequéncia de atos colocada em movimento por uma ameaca reconhecida a fachada, terminando no 15. Antropélogos socisis parecem considerar esse tipo de imagem nat apropriada. Percebam, p. ex. as implicacdes do seguinte enunciado de fungto, permaneca lt por um periodo de tempo proporcional ao gr nidade ofendida” (p. 274), restabelecimento do equilfbrio ritual’. Definindo uma mensagem ou jogada como tudo aquilo que € comunicado por um ator durante um turno de acéo, podemos dizer que um intercambio envolverd duas ow mais jogadas e dois ou mais participantes, Exemplos ébvios em nossa sociedade podem ser encontrados na sequéncia de “Com licenca” e “Certamente”, e na troca de presentes ou visitas. O inter- cambio parece ser uma unidade concreta basica da atividade social, e fornece uma forma empirica natural de estudar a interacao de to dos os tipos. Praticas de salvar a fachada podem ser utilmente classi- ficadas de acordo com sua posicio na sequéncia natural de jogadas que compoem esta unidade, Tirando o evento que introduz a neces- sidade de um intercambio corretivo, quatro jogadas clissicas pare- cem estar envolvidas. Em primeiro lugar, ha o desafio, através do qual os participantes assumem a responsabilidade de chamar a atencao ao erro de condu- ta; como consequéncia, eles sugerem que as afirmacdes ameacadas devem ser mantidas firmes e que 0 proprio evento ameacador tera que ser resolvido. A segunda jogada consiste na oferta, através da qual um parti pante, normalmente o ofensor, recebe uma chance de corrigir a ofensa e restabelecer a ordem expressiva. Existem algumas formas classicas de fazer essa jogada. Por um lado, podemos tentar mostrar que aquilo que maniféstanente pareceu ser uma expresso ameaca- dora na realidade é um evento insignificante, ou um ato nao inten- ional, ou uma piada que nao deve ser levada a sério, ou um produto inevitavel e “compreensivel” de circunstancias atenuantes. Por ou- tro lado, podemos admitir o significado do evento e concentrar os esforcos sobre o criador dele. Podemos dar informagies para mos- trar que o criador estava sob a influéncia de algo, e que nao era dono de si, ou que ele estava seguindo as ordens de outra pessoa, € nao 16.4 nocto de intercémbio ¢ retirada em parte de CHAPPLE, H.D. “Measuring Human Relations”. Genetic Psychol. Monographs, 22, 1940, p. 3-147, esp. p. 26-30. ‘+ HORSFALL, AB. & ARENSBERG, C.A. "Teamwork and Produetivity in a Shoe Factory”. Human Organization, 8, 1949, p, 12-25, esp. p. 19, Para mais referencias sobre ointercimbio enquanto unidade, cl. GOFFMAN, E. Communication Conduct finan Island Community. Chicago: University of Chicago, 1953, caps. 12 13, esp. p. 165-195 [tese de doutorado inédita uv agindo por vontade prépria. Quando uma pessoa afirma que um ato era uma brincadeira, ela pode afirmar que o eu que parecia estar por tras do ato também fora projetado como uma brincadeira. Quando ‘uma pessoa descobre de repente que ela manifestamente fracassou em capacidades que os outros pressupunham que ela tinha e reivin- dicava para si como a capacidade de soletrar, de realizar tarefas corriqueiras, de falar sem impropriedades, e assim por diante— pode rapidamente adicionar, de forma séria ou ndo, que ela reivindica es- sas incapacidades como parte do seu eu. Desta forma, o significado do incidente ameacador se mantém, mas ele pode agora ser incorpo- tado suavemente ao fluxo dos eventos expressivos. Como um suplemento ou substituto para a estratégia de redefi- nir 0 ato ofensivo ou a si mesmo, 0 ofensor pode seguir dois outros procedimentos: ele pode fornecer compensa¢oes a0s feridos— quan- do nao foi sua propria fachada que ele ameacou; ou ele pode forne- cer punicao, peniténcia e expiacdo para si mesmo. Essas sao jogadas ou fases importantes no intercambio ritual. Ainda que o ofensor nao consiga provar sua inocéncia, ele pode sugerir, através desses mei- 0s, que ele agora é uma pessoa renovada, uma pessoa que pagou pelo seu pecado contra a ordem expressiva e em que mais uma vez podemos confiar no mundo dos juizos. Além disso, ele pode mos- trar que nao trata levianamente os sentimentos dos outros, e que se 9s sentimentos deles foram feridos por ele, ainda que inocentemen- te, ele esté preparado para pagar um preco por sua acao. Assim, ele assegura aos outros que eles podem aceitar suas explicagdes sem que tal aceitacdo constitua um sinal de fraqueza ou falta de orgulho da parte deles. Além disso, por seu tratamento de si mesmo, por sua autopunigdo, ele mostra que esta claramente consciente do tipo de crime que ele teria cometido se o incidente fosse o que parecera ser 8 primeira vista, e que ele sabe o tipo de punigdo que deve ser infligida sobre alguém que cometesse tal crime. A pessoa suspeita mostra as- sim que é completamente capaz de assumir o papel dos outros em relacao a sua propria atividade, que ela ainda pode ser usada como ‘um participante responsavel no processo ritual, e que as regras de conduta que ela parece ter quebrado ainda sto sagradas, reais, e nao foram enfraquecidas. Um ato ofensivo pode despertar ansiedade quanto ao cédigo ritual; o ofensor apazigua essa ansiedade demons- 2 trando que tanto 0 cédigo quanto ele, enquanto defensor do cédigo, ainda funcionam, Depois do desafio ¢ da oferta acontecerem, a terceira jogada pode ocorrer: as pessoas a quem a oferta ¢ feita podem aceita-la ‘como um meio satisfatorio de restabelecer a ordem expressiva ¢ as fachadas apoiadas por essa ordem. S6 entao o ofensor pode terminar parte principal de sua oferta ritual. Na jogada final do intercambio, a pessoa perdoada comunica um sinal de gratidao para aqueles que deram a ela a indulgencia do perdi. As fases do processo corretivo ~ desafio, oferta, aceitagdo e agra- decimento —nos do um modelo do comportamento ritual interpes- soal, mas esse modelo pode ser modificado de forma significativa Por exemplo, as partes ofendidas podem dar ao ofensor uma chance de iniciar a oferta imediatamente, antes de fazer um desafio e antes que elas ratifiquem a ofensa como um incidente. Esta € uma cortesia ‘comum, concedida baseada na suposicao de que seu receptor inicia- 14 um autodesafio. Além disso, quando as pessoas ofendidas acei- tama oferta corretora, 0 ofensor pode suspeitar que isto foi feito por educagdo, ou seja, de mé vontade, e por isso pode apresentar espon- taneamente ofertas corretivas adicionais, néo esquecendo do assun- to até receber uma segunda ou terceira aceitagao de sua desculpa re- petida. Ou as pessoas ofendidas podem educadamente assumir 0 papel do ofensor e apresentar desculpas para ele que serao, forcosa- aceitaveis para as pessoas ofendidas, Um desvio importante do ciclo corretivo padrito ocorre quando ‘um ofensor desafiado abertamente se recusa a considerar o aviso € continua com seu comportamento ofensivo, em vez de consertar a atividade, Essa jogada transfere o jogo de volta para os desafiantes, Se eles aprovarem a recusa de suas exigéncias, ficard claro que seu desafio era um blefe € ofensor “pagou para ver”. Esta é uma posicao insustentavel; eles nao podem derivar uma fachada para si mesmos dela, ¢ tudo que poderao fazer é vociferar. Para evitar esse destino, eles tem a opeao de algumas jogadas clissicas. Por exem- plo, eles podem apelar para uma retaliacao violenta e mal-educada, destruindo ou a si proprios ou a pessoa que se recusou a ouvir seu aviso, Ou elas podem se retirar da ocasiao visivelmente ressentidas — Jjustamente indignadas, ultrajadas, mas confiantes numa vindicagao 2» definitiva. Ambos os métodos servem para negar ao ofensor sen es- tatuto enquanto participante da interacao e, assim, negara realidade do juizo ofensivo que ele proferiu. Ambas as estratégias sto formas, de resgatar a fachada, mas os custos so normalmente altos para to- dos os envolvidos. E em parte para prevenir tais escandalos que um ofensor normalmente oferece desculpas rapidamente; ele nao quer que as pessoas afrontadas se comprometam coma obrigagao de ape- lar a medidas desesperadas. Fica claro que as emogdes tem um papel nesses ciclos de respos- tas, como quando expressamos anguistia pelo que alguém fez para a fachada de outra pessoa, ou fiiria pelo que foi feito para nossa pré- pria fachada, Quero enfatizar que essas emocdes funciona como jogadas, ese encaixam to precisamente na logica do jogo ritual que seria dificil compreende-las sem ele”. De fato, € provavel que senti- ‘mentos expressos espontaneamente se encaixem no padrdo formal do intercambio ritual de forma mais elegante do que sentimentos preparados conscientemente. Ganhando pontos ~ 0 uso agressivo da preservacao da fachada Toda pratica para salvar a fachada que consegue neutralizar ‘uma ameaca em particular abre a possibilidade de que a ameaca seja introduzida voluntariamente com o objetivo de ganhar algo, em se- guranca, através dela. Se uma pessoa sabe que 0s outros responde- ro a sua modéstia com louvores, ela pode procurar obter elogios. Se sua avaliacao do eu sera testada contra eventos incidentais, entao ela pode preparar eventos incidentais favoraveis. Se os outros esti- verem dispostos a ignorar uma afronta a eles e agir com cleméncia, ou a aceitar desculpas, entao ela pode se basear nisto para ofen- dé-los em seguranca. Retirando-se repentinamente, ela pode tentar colocar os outros num estado ritualmente insatisfatorio, deixando-os se debatendo num intercambio que nao pode ser completado. Final- ‘mente, com alguns custos pessoais, ela pode induzir os outrosa ferir seus proprios sentimentos, forcando-os assim a sentir culpa, remor- 0s, € um desequilibrio ritual prolongado”. Quando uma pessoa trata a preservacao da fachada nao como algo que ela precisa estar preparada para desempenhar, mas como algo que ela sabe que os outros realizardo ou aceitarao, en- tao um encontro ou ocasio nao € mais uma cena de consideracao miitua, e sim uma arena em que se realiza uma disputa ou partida, O proposito do jogo € preservar a linha de todas as pessoas contra uma contradicao imperdoavel, enquanto tentamos marcar o maior numero de pontos sobre nossos adversérios e ganhar o maximo possivel para nés mesmos. Uma plateia para o embate é quase uma necessidade. © método geral consiste na pessoa apresentar fatos favoraveis sobre si mesma e fatos desfavoraveis sobre os outros, de forma que a tinica resposta que os outros serao capazes de imagi- nar serd algo que termine o intercambio num resmungo, uma des- culpa esfarrapada, um riso para salvar a fachada do tipo “eu nao ligo para piadas”, ou uma resposta estereotipada do tipo “Ah é?” ou “Isso € 0 que voce pensa”. Os perdedores nesses casos terao que reduzir seus prejuizos, conceder tacitamente a perda de um ponto, e tentar se sair melhor no proximo intercambio. Pontos ganhos através da alusdo a posigdes de classe social as vezes so chama- dos de “esnobadas”; pontos ganhos através da alusio a respeita- bilidade moral so as vezes chamados de “alfinetadas”; em ambos 95 casos, estamos lidando com uma capacidade em realizar algo que as vezes é chamado de “malicia” [bitchiness]. Em intercambios agressivos, 0 vencedor nao apenas consegue apresentar informagoes favoraveis sobre si mesmo e desfavoraveis sobre 05 outros, mas também demonstra que, enquanto participante sma osiga0 na qual ela nao pode corrigir os danos que ca muita frequénca, mas seu exemplo ‘maximo enquanto modelo ritual de conduta ¢ o suieidio por vinganea, CL. p. ex JEFFREYS, M.D.W. “Samsonic Suicide, or Suicide of Revenge Among Africans” African Studies, 11,1952, p. 118-122. da interacio, ele cuida de si melhor do que seus adversérios. Muitas vvezes, provas dessa capacidade sao mais importantes do que todas as outras informacdes que a pessoa comunica durante o intercam- bio, de forma quea introdugao de um “tiro” na interacao verbal ten- de a implicar que seu causador tem um jogo de pernas melhor do que aqueles que sto afligidos por seus comentarios, Entretanto, se estes conseguirem aparar sua estocada e ainda ripostar com sucesso, © instigador do jogo precisara encarar no apenas 0 rebaixamento com que os outros responderam, mas também aceitar o fato de que sua suposigao de superioridade no jogo de pernas era falsa. Ele a rece como um tolo; ele perde fachada. Assim, “fazer um comenta- rio” € sempre uma aposta. E possivel virar a mesa e o agressor pode perder mais do que teria ganho se sua jogada marcasse um ponto. Ripostas ou réplicas bem-sucedidas, em nossa sociedade, as vezes sao chamadas de “nocautes” ou “viradas”; teoricamente, seria possi- vel nocautear um nocaute, virar uma virada, e aparar uma riposta ‘com uma contrarriposta, mas, com excecao de intercambios ensaia- dos, esse terceiro nivel de acdo bem-sucedida parece ser raro”. A escolha da preservacio da fachada apropriada Quando ocorre um incidente, a pessoa cuja fachada é ameacada pode tentar restaurar a ordem ritual através de um tipo de estrate- gia, enquanto os outros participantes podem desejar ou esperar que uma pratica diferente seja empregada. Quando, por exemplo, ocor- re um pequeno percalco, revelando momentaneamente uma pessoa com a fachada errada ou fora de fachada, 0s outros muitas vezes es- 19, Em Jogos de tabuleiro ede cartas, os jogadoresrotineiramente levam em consi- dderagio as respostas possiveis de seus adverstios as jgadas que esto prestes a fa- sentes sem preparar esses comentarios n-sueedida, Da mesma forma, apesat ‘uma mao boa, mas ndo apostar de que alguém o faca primeiro para depois aumentar a aposta—N.T | serem possibilidades tedricas durante conversas, las nao parecem ser aproveitadas com frequéncia ints e sandbagging [no poquer, ter 2 {Wo mais dispostos e preparados para agir como se nao tivessem vis- toa discrepancia do que a propria pessoa ameacada. Muitas vezes, cles prefeririam que ela demonstrasse aprumo™, enquanto ela sente que nao pode se dar ao luxo de ignorar o que ocorreu com a sua fa- chada e por isso se torna apologética e com a fachada envergonhada, se for a causadora do incidente, ou destrutivamente assertiva, se os outros sao responsaveis por ele”. Mas, por outro lado, uma pessoa pode manifestar aprumo quando os outros consideram que ela de- veria oferecer uma desculpa constrangida ~ que ela esta se aprovei- tando indevidamente da obsequiosidade delas através de suas tenta- tivas de desfacatez. As vezes uma pessoa pode nao se decidir sobre qual prética empregar, deixando os outros na posicao constrange- dora de nao saber que método eles terdo que seguir. Assim, quando uma pessoa comete uma pequena gafe, ela € as outras podem ficar constrangidas nao porque nao sto capazes de lidar com tais dificul- dades, mas porque por um momento ninguém sabe se o ofensor ig- norard o incidente, 0 reconhecera chistosamente, ou empregara al- guma outra prética para salvar a fachada. 20.0 folclore atribui um aprumo enorme as classes altas. Se ha algumma verdade nessa crenca, ela pode estar no fato de que a pessoa de clase al de encontros onde ela tem uma posigao superior & dos apenas em relacdo a classe.O part ppendente da boa opiniso dos out do-se a uma fachada mesmo que ela nao se 21. Assim, em nossa sociedad, quando uma pessoa sente que as outras esper ‘que ea esteja a altura de padroes aprovados de cde, generosidade, opal ‘guém que deveria manter repetidas por suas falhas, quando os participates na realidade nao se importam ‘como pari, ow nao acreditam que a pessoa realmente nao estejaa altura dele, ou estao convencidos de que ela como um esforco indtl de autoclevacao. Cooperacao na preservacao da fachada Quando uma fachada ¢ ameacada, é preciso realizar a preserva- cao da fachada, mas nao é de muita importancia se ela € iniciada ¢ desempenhada pela pessoa cuja fachada foi ameacada, ou pelo ofen- sor, ou por uma mera testemunha”. A falta de esforco de uma pes- soa induz a um esforco compensador de outras; uma contribuicao ‘de uma pessoa dispensa outras desta tarefa. Na verdade, ha muitos ‘pequenos incidentes em que o ofensor e 0 ofendido tentam iniciar ‘uma desculpa simultaneamente”. A resolucao da situacao tendo em vista a satisfacao aparente de todos €0 primeiro requerimento; a dis- tribuicao correta da culpa normalmente ¢ uma consideracao secun- daria, Assim, termos como “tato” ou savoir-faire nao conseguem distinguir se é a propria fachada da pessoa que sua diplomacia salva, ‘ou se é a dos outros. Da mesma forma, termos como “gafe” e faux ‘pas ndo conseguem especificar s¢ 0 ator ameacou sua propria facha- da, ou a dos outros. E € compreenstvel que se uma pessoa percebe que € incapaz de salvar sua propria fachada, os outros paregam es- pecialmente dispostos a protegé-la. Por exemplo, na sociedade edu- cada, um aperto de mao que talvez nao devesse ter sido oferecido se torna um que nao pode ser recusado. Podemos explicar assim a no- blesse oblige através da qual esperamos que aqueles em posicdes al- 22, Assim, uma das fungdes de padrinhos em duclos reas, e também em duelos fi- {gurados,¢ fornecer uma desculpa para nao lutsr que ambos os combatentes podem se dat ao luxo de acetar. 23, Cf.,p. ex. TOBY, J. "Some Variables in Role Conflict Analysis" Social Forces, 20, 1952, p. 323-337: “Com adults, ha menos probabilidade de que questdes es- ‘sencialmente triviais produzam conilites, A desculpa automatica de dois desco- lustra a fungs0 ‘ntegradora da et sei se fui responsivel por esta situacio, de estar irritado comigo, um di ‘ambos representam 0 papel into ¢ verdade" (p. 325). ‘ulpades, mesmo que sintam que is 2% tas contenham seu poder de constranger os inferiores”, e também o fato de que os deficientes muitas vezes aceitam cortesias quando sto perfeitamente capazes de realizar 0 ato em questio sozinhos, e melhor. Ja que cada participante de uma ocasiao esta preocupado, aque porrazoes diferentes, em salvar sua prépria fachada e também a dlos outros, surgira entdo naturalmente uma cooperacao ticita para que os participantes possam obter juntos seus objetivos em comum, ‘mesmo que por motivos diferentes. Um tipo comum de cooperacao tacita para salvar a fachada é a diplomacia exercida em relacao a propria preservacao da fachada. A pessoa nao apenas defende sua propria fachada e protege a dos ou- tos, mas também age de forma a possi (0s outros preservem suas proprias fachadas e a dela. Ela os ajuda a se ajudarem, e a ajudarem a ela. A etiqueta social, por exemy sa que 0s homens nao devem marcar encontros de révei ‘muita antecedéncia, sendo a garota poder ter dificuldades de dar ‘uma desculpa gentil para recusar. Essa diplomacia de segunda or- 24, Independent da posicio socal relativa da pessoa, em um sentido ela tem po der sobre es outros participantese eles precisam contar coma sua consideracao, Desta forma elesse comprometem, poiseles¢colocam numa posicto capaz de depreciar as afirmacdes que eles expressam em relacao 4 atiude dela para com eles. Assim, em respostz a relacOes socias reivindicads, esperamos |que toda pessoa, de alta ou baixa posicao,exerca anableseabligee no se aproveite «da posicao comprometida dos outros. Como as relacbessociais sie definidas parc almente em termos de ajuda macua voluntitia,recusar um pedido de ajuda se tor- ‘na uma questao delicada que pode potencialmente destruira fachada de quem pede (cf. HOLCOMBE, C. The Real Chinaman. Nova York: Dodd/Mead, 1895, p. 274- ‘hineses,enquaato ago, sto viciados resultado das exigencis da ‘ndo' franco dteto€ 0 apice da descortesia. Qualquer recs ox negacao deve ser amonecids e enfraquecida através de uma expressfo de incapacidade que se la menta, Nunca se demonstra uma lla de disposcao para se fazer um favor. Et sa dela, vemos uma sensacio ‘ities, mas bastante magi Séculos de pratica des femeisnainvencio eapresentaco de desculpas. E realmente muito rao encontrar tm deles que ndo consigaofetecer uma fgd0 muito bem teida para ocular uma verdade indeseavel” dem pode ser exemplificada também através da pratica disseminada da etiqueta de atributos negativos. A pessoa que tem um atributo negativo ndo aparente muitas vezes considera conveniente comecar ‘um encontro com uma admissio discreta de seu defeito, especial- ‘mente com pessoas que nao tém essa informacao sobre ela. As ou- tras sto, assim, avisadas por antecedéncia a nao fazerem comenti- rios depreciativos sobre seu tipo de pessoa, ¢ s40 salvas da contradi- cao de agir de forma amistosa com uma pessoa contra a qual elas es- tao involuntariamente sendo hostis. Essa estratégia também impede as outras de antomaticamente fazer suposicdes sobre ela que a colo- quem numa posicao falsa, ¢ a salva de uma cleméncia dolorosa ou de admoestacoes constrangedoras. A diplomacia em relacao a preservacio da fachada mmuitas vezes conta, para sua operacao, com um acordo tacito para agir através da linguagem das dicas a linguagem das indiretas, ambiguidades, pau- sas bem colocadas, piadas cuidadosas, e assim por diante”. A regra {que trata deste tipo nao oficial de comunicacao € que 0 emissor nao deve agir como se tivesse comunicado oficialmente a mensagem que insinuou, enquanto os receptores tém o direito € o dever de agir como se nao tivessem oficialmente recebido a mensagem contida na insinuacao, Desta forma, a comunicacio insinuada € comunicacao {que pode ser negada; ela nao precisa ser encarada de frente. Ela éum meio com o qual pessoa de que sua linha atual ou que a situacdo atu- al esto prestes a causar uma perda de fachada, sem que 0 proprio aviso se torne um incidente. Outra forma de cooperacio tacita que parece ser muito usada em ‘varias sociedades € a autonegacio reciproca. Muitas vezes a pessoa ‘nao tem uma ideia clara do que seria uma partilha justa ou aceitivel de juizos durante a ocasiao, e por isso ela voluntariamente se priva ou deprecia enquanto favorece e elogia os outros, em ambos os casos le- ‘vando 0s juizos, com seguranca, além daquilo que provavelmente se- ria justo. Ela permite que os juizos favoraveis sobre si propria ve- 25, Comentiios Utes sobre alguns dos papéis estraturais desempenkados pela co- tmunicacao ndo oficial podem ser encontrados numa discussto sobre a ironia ec=- coadas de BURNS, T. “Friends, Enemies, and the Polite Fiction”. Am sical Review, 18, 1953, p 654-062 26 ham dos outros; € os juizos desfavoraveis sobre si propria sao sua contribuicao. Essa técnica “depois de voce, Alphonse” s6 funciona, € claro, porque ao se privar ela pode prever com seguranca que os outros 2 elogiardo ou favorecerao. Independente da alocacio de fa- vores que seja finalmente estabelecida, todos os participantes rece- bem antes uma chance de mostrar que eles nao esto presos ou coa- gidos por seus proprios desejos e expectativas, que eles t@m uma opiniao apropriadamente modesta sobre si mesmos, e que podemos nos assegurar de que eles apoiarao o cédigo ritual. A barganha nega- tiva, em que cada participante tenta fazer com que os termos do ne. gocio favorecam mais 0 outro lado, é outro exemplo; e, enquanto forma de troca, ela talvez seja mais comum do que a dos economistas. Quando uma pessoa realiza a preservacao da fachada, junto com sew acordo tacito de ajudar as outras. realizar a delas, isto representa sua disposicao em obedecer as regras basicas da interacio social. Eis o simbolo de sua socializacéo enquanto um participante da interacao. Se ela e as outras nao fossem socializadas dessa forma, a interacéo na maioria das sociedades e na maioria das situacdes seria uma coisa muito mais perigosa para sentimentos e fachadas. Nao seria pratico para a pessoa se orientar para avaliacGes comunicadas simbolicamen- te de valor social, nem possuir sentimentos ~ quer dizer, nao seria pratico para ela ser um objeto ritualmente delicado. E, como eu suge- Tirei, se a pessoa ndo fosse um objeto ritualmente delicado, as oca- sides de conversa nao poderiam ser organizadas da forma que nor- malmente sao, Nao surpreende que uma pessoa em que nao se possa confiar para jogar o jogo de salvar a fachada cause problemas. Os papéis rituais do eu ‘Até agora, ett implicitamente utilizei uma definigao dupla do eu 0 eu como uma imagem montada a partir das implicacdes ex- pressivas do fluxo total de eventos numa ocasido; e 0 eu como um tipo de jogador num jogo ritual que lida honrada ou desonradamen- te, diplomaticamente ou nao, com as contingéncias dos juizos na si- em quadrinhos americana do inicio do século XX, em que Alphonse e Gason,eram to edueados que nao consegulam realizar nada, pois sempre deferiam a passagem ous acto para outro [N.T] tuagdo, Um mandado duplo esta envolvido. Enquanto objetos sa~ ‘grados, os homens estdo sujeitos a desfeitas e profanacdes; por isso, como jogadores do jogo ritual, eles precisaram se comprometer com duelos, ¢ esperar que uma salva de tiros errasse o alvo antes de abra- car seus adversatios. Aqui temos um eco da distincao entre o valor de uma mao num jogo de cartas ¢ a capacidade da pessoa que a joga Precisamos manter essa distingao em mente, ainda que pareca que quando uma pessoa obtém uma reputacio por jogar bem ou mal essa reputacdo pode se tornar parte da fachada que depois ela preci- sa jogar para manter. Quando os dois papéis do eu sto separados, podemos utilizar 0 codigo ritual implicito na preservacao da fachada para aprender como os dois papéis estao relacionados. Quando uma pessoa € res ponsavel por introduzir uma ameaca a fachada de outra, ela aparen- temente tem direito, dentro de certos limites, a escapulir da dificul- dade através da auto-humilhacio. Quando realizadas voluntaria- ‘mente, essas indignidades parecem nao profanar sua propria ima- ‘gem. E como se ela tivesse 0 direito da isolacdo, ¢ pudesse se castigar enquanto atriz sem se ferir enquanto objeto de valor fundamental. Através da mesma isolagao, ela pode se menosprezar € modesta- ‘mente subestimar suas qualificacdes positivas, com a compreensio de que ninguém tomard seus enunciados como uma representacio Justa de seu eu sagrado. Por outro lado, se ela for forcada, contra a ‘ua vontade, a se tratar dessas formas, sua fachada, seu orgulho ¢ sua honra serao seriamente ameacados. Assim, em termos do cédi~ go ritual, a pessoa parece ter uma permissAo especial para aceitar ‘maus-tratos por suas proprias mos, mas nao tem o direito de acei- té-los vindos de outras pessoas. Talvez este seja um arranjo seguro porque nao ¢ provavel que ela exagere no uso dessa permissio, en- quanto 0s outros, se recebessem tal privilégio, teriam mais chance de abusar dele. ‘Além disso, dentro de certos limites, a pessoa tem 0 direito de perdoar outros participantes por afrontas @ sua imagem sagrada. Ela pode clementemente ignorar pequenas caltinias sobre sua fachada ¢, em relacdo a ofensas uum tanto maiores, ela € a tnica pessoa que pode aceitar desculpas em nome de seu eu sagrado. Esta é uma prer- rogativa que a pessoa pode assumir para si mesma com uma certa 8 seguranca, pois ela ¢ exercida nos interesses das outras ou do em- preendimento. F interessante notar que, quando uma pessoa come- te uma gafe contra si mesma, nao é ela quem tem permissio para perdoar o evento; apenas os outros tém tal prerrogativa, ¢ seguro que eles a tenham porque eles s6 podem exercé-la nos interesses dela ou nos interesses do empreendimento, Descobrimos, entio, ‘um sistema de pesos e contrapesos através do qual cada participante tende a receber o direito de lidar apenas com as questoes nas quais ele nao teria muitos motivos para trapacear. Resumindo, os direitos e deveres de um participante da interacao sto projetados para impe- di-lo de abusar de seu papel de objeto de valor sagrado, Interacado falada Muito do que foi dito até agora se aplica a encontros do tipo imediato e mediado, ainda que neste tltimo a interacdo provavel- mente sera mais atenuada, obtendo-se a linha de cada participante a partir de coisas como declaracoes escritas e registros profissionais. Entretanto, durante contatos pessoais diretos, operam condicoes informacionais tinicas, ea importancia da fachada se torna especial- mente clara. A tendéncia humana de usar sinais e simbolos significa que evidencias de valor social e de avaliagdes mtituas serdo comuni- cadas por coisas muito pequenas, e essas coisas serdo testemunha- das, assim como 0 fato de que foram testemunhadas. Uma olhadela descuidada, uma mudanga momentanea no tom de voz, uma posi- ‘40 ecologica tomada ou nao, tudo isso pode encharcar uma conver- sa de importancia avaliativa. Deste modo, assim como nao existem ocasides de fala em que impressdes inapropriadas nao possam sur- gir, intencionalmente ou nao, também nao existem ocasides de fala tio triviais a ponto de nao exigirem que cada participante demons- te uma preocupacao séria de como ele lida consigo proprio e com 0s outros presentes. Fatores rituais presentes em contatos mediados aparecem aqui numa forma extrema, Parece que em qualquer sociedade, sempre que surge a possibili- dade fisica da interacao falada, um sistema de préticas, convencdes € rregras de procedimentos entra em jogo, funcionando como um meio de orientar e organizar o fluxo de mensagens. Valera algum entendi- ‘mento sobre como e quando seré permissivel iniciar a fala, entre ‘quem, e quais topicos de conversacdo serdo abordados. Um conjunto de gestos significativos ¢ empregado para iniciar uma enxurrada de co- ‘municacao ¢ como um meio para que as pessoas em questdo se impu- tem como patticipantes legitimos”. Quando este processo de ratifica- ‘cio recfproca ocorre, as pessoas Tatificadas esto naquilo que podemos chamar de estado de fala — quer dizer, elas se declararam oficialmente abertas umas as outras para propésitos de comunicacao falada e juntas {garantem manter um fluxo de palavras. Também se emprega um con- junto de gestos significatives para permitir que um ou mais novos par- ticipantes se juntem oficialmente & conversa, para permitir que umn ou ‘mais participantes ratificados possam se retirar oficialmente, ¢ para permitir que o estado de fala termine ‘Tendemos a manter ¢ legitimar um tinico foco de pensamento € atengio visual, e um tinico fluxo de fala, como sendo oficialmente representative do encontro. A atencao visual combinada e oficial dos participantes tende a ser transferida facilmente através de dicas de autorizagao formais ou informais, com as quais 0 orador atual si- naliza que esta prestes a parar de falar, ¢ 0 orador esperado sinaliza ‘um desejo de comecar a falar. Temos um entendimento sobre com ‘quanta frequéncia e por quanto tempo cada participante falara. Os receptores comunicam a0 orador, através de gestos apropriados, que estio dando a ele sua atencao. Os participantes restringem envolvimento em questoes externas ao encontro, ¢ observam um ite de envolvimento a qualquer mensagem particular do encontro, 27 Ronan conpender espa ee anand cs ps pe inact no legiumados ou nao ratfendo que podem ocorer mi {ina pean pode our ottas sm que ete sa: poe oul quando ‘iiszabelm que tse corendoe quando excolhem ou apt como se ea no 3 see putndo, ou saz infonalmente a cla que sabem que ela oxin= Go'En todo eae caon orastto ¢etvaente mando istnca come a cmt cl parclpano oralent da oso claro qu ges itis get que um patepame rata ae aad de forma bem cferente do timo aia Ass, Sodenosgnorar apenas see on deal sensor exigi eparos,Entetano,aparemementc em mas Pda mts tips de uses eras de parlpantes nd teas podem ‘Seignonsdr sem que eta de dest const ua era de fachada, « garantindo assim que eles sero capazes de seguir a directo em que 0 t6pico da conversa os leva, seja ela qual for. Interrupgoes e pausas so reguladas para nao perturbarem o fluxo de mensagens. Mensa- ‘gens que nao sio parte do fluxo ratificado oficialmente sio modula- das para que nao interfiram seriamente com as mensagens ratifica- das, Pessoas proximas que nao sto participantes desistem visivel- ‘mente, de alguma forma, de se aproveitar de sua posicao comunica- tivae também modificam sua propria comunicacao, se houver, para nio causar interferéncias dificeis. Permitimos que prevaleca um ethos ‘ou atmosfera emocional particular. Tipicamente mantemos um acordo cortes, e participantes que possam ter urna discordia real en- tre si falam temporariamente da boca para fora sobre opinides que 10 facam concordar quanto a questées de principio e fato. Seguimos rregras para facilitar a transicao, se houver, de um t6pico de conversa para outro™ ssas regras de fala valem nao apenas para a interacao falada con- siderada como um processo continuo, mas para uma ocasido de fala ‘ou episédio de interacdo enquanto uma unidade naturalmente limi- tada. Essa unidade consiste da atividade total que ocorre durante 0 tempo em que um dado conjunto de participantes se ratificou para conversar e mantém um tinico foco de atengao em movimento”. As convengées que tratam da estrutura das ocasiées de conversa representam uma solucao eficaz para o problema de organizar um fluxo de mensagens faladas. Ao tentar descobrir como essas conven- ‘g6es sao mantidas em vigor como guias da acio, descobrimos evi- dencias que sugerem uma relacdo funcional entre a estrutura do eu a estrutura da interacao falada participante socializado da interacao acaba lidando com a in- teracao falada como faz com qualquer outro tipo, como algo que 28. Para um tatamento mais profundo da esrarura da iteracto fala cf, GOFFMAN, E. Communication Conduct in an Island Community. Op. cit 29.£u pretendo incluir conversas nde as regras de procedimento sto a deve ser realizado com cuidado ritual. Apelando automaticamente a fachada, ele sabe como se conduzir em relacao a fala, Fazendo-se re- petida e automaticamente a pergunta, “se eu agir ou nao desta for- rma, sera que eu ou 0s outros perderemos fachada?”, ele decide, a cada momento, conscientemente ou ndo, como se comportar. Por exemplo, a entrada numa ocasiao de interagao falada pode ser con- siderada um simbolo de intimidade ou de propésito legitimo, e por isso a pessoa precisa, para salvar sua fachada, desistir de entrar ‘numa conversa com um certo conjunto de outros a nao ser que suas circunstancias justifiquem aquilo que € expresso sobre ele por sua entrada. Quando ele € abordado para conversar, ele precisa assentit ao pedido dos outros para salvar a fachada deles. Uma vez engajado na conversacio, ele deve exigir apenas a quantidade de atencao que for uma expressao apropriada de seu valor social relativo, Pausas in- devidas se tornam sinais potenciais de nao se ter nada em comum, ou de ter um dominio de si insuficiente para criar algo a dizer, e por isso devem ser evitadas. Da mesma forma, interrupgdes ¢ falta de atencio podem comunicar desrespeito, ¢ devem ser evitadas a nao ser que 0 desrespeito implicado seja uma parte accita da relacao. E preciso manter um verniz de consenso através da discricao ¢ de mentirinhas para que a suposicdo de aprovacao mutua nao seja de- preciada. E preciso lidar com a retirada de forma que ela nao comu- nique uma avaliacao inapropriada”. A pessoa precisa restringir sew. envolvimento emocional para que ela nao apresente uma imagem de alguém que nao tem autocontrole nem dignidade para se elevar acima de seus sentimentos Arelacao entre 0 eu e a interacao falada também ¢ demonstrada quando examinamos o intercambio ritual. Num encontro conversa- ional, ainteracao tende a ocorrer em arrancos, um intercambio por ‘vez, € 0 fluxo de informacao e negocios € parcelado nessas unidades 30. Entre pessoas que jé veram alguma experiencia na imteracio entre si, encon tos conversacionais muitas vezes terminam de forma a parecer que todos os pat cipantes chegaram independentemente so mesino momento para se retrar. A de bendada ¢geral e pode ser que ninguém tenha consciéncia da troca de dicas que fot necessiria para que tl feliz sivultaneidade de aco fosse possvel. Cada paticipan- te € assim salvo da posigdo comprometedora de mostrar disposicao a passar mais ‘tempo com alguém que nde esta to disposto a passar tempo com ele e rituais relativamente fechadas’. A pausa entre intercambios tende a ser maior do que a pausa entre falas num intercambio, e tende a cexistir uma relacao menos significativa entre dois intercambios em sequéncia do que entre duas falas em sequéncia num intercambio. Esse aspecto estrutural da fala surge do fato que, quando uma pessoa emite um enunciado ou uma mensagem, por mais trivial ou. corriqueira, ela se compromete, e compromete aqueles a quem se dirige, e num certo sentido coloca todos os presentes em perigo. Ao dizer algo, o orador se abre a possibilidade de que os receptores pre- tendidos o insultarao nao prestando atencao a ele, ou pensando que ele € atrevido, tolo ou ofensivo pelo que disse. E se essa for a recep- cao, ele estara comprometido com a necessidade de empreender acdes para salvar a fachada contra eles. Além disso, a0 dizer algo 0 orador abre seus receptores pretendidos a possibilidade de que a mensagem sera autocongratuladora, presuncosa, exigente, insul tante, e de modo geral uma afronta a eles ow a concepeao deles sobre 0 orador, forcando-os a tomar aco contra ele em defesa do cédigo ritual. E se o orador louvar os receptores, eles serao obrigados a ne- gar isso de forma apropriada, demonstrando que eles nao tém uma opiniao favoravel demais sobre si mesmos e nao estao ansiosos para garantir indulgéncias a ponto de colocar em perigo sua confiabilida- de e flexibitidade enquanto participantes da interacao Assim, quando uma pessoa oferece uma mensagem, contribuin- do assim com o que facilmente poderia ser uma ameaca ao equilibrio ritual, outra pessoa presente ¢ obrigada a demonstrar que a mensa- gem foi recebida e que seu contetido € aceitavel para todos os envolvi- dos, ou que pode ser contra-atacado aceitavelmente. F claro que essa resposta de reconhecimento pode conter uma rejeicao diplomatica da comunicacdo original, junto com um pedido de modificacio. Nesses casos, podem ser necessatias varias trocas de mensagens antes que 0 intercambio seja terminado com base em linhas modificadas. O inter- cambio termina quando ¢ possivel modificé-lo para que termine — ou ica da unidade de intereambio as vezes € obscures pessoa que lala pela proximo. Entretanto, 2 dade se mantém, seja, quando todos os presentes indicaram que foram aplacados ritu- almente de forma satisfatéria para eles”, Uma pausa momentanea entre intercambios € possivel, pois ela surge em momentos em que no sera considerada um sinal de algo desagradavel. Entao, de modo geral, uma pessoa determina como deve se comportar durante uma ocasiao de conversa testando o significado potencialmente simbolico de seus atos em relacio as minhas ima- gens que estao sendo mantidas. Entretanto, ao fazer isto, ela inci- dentalmente sujeita seu comportamento a ordem expressiva que prevalece e contribut para o fluxo bem ordenado de mensagens. Seu objetivo € salvar a fachada; seu efeito é salvar a situacao. Entao, do ponto de vista de salvar a fachada, ¢ bom que a interacao falada te- ha a organizacdo convencional que tem; do ponto de vista da ma- nutencao de um fluxo bem ordenado de mensagens faladas, é bom que o eu tenha a estrutura ritual que tem. Entretanto, eu nao quero dizer que outro tipo de pessoa relacio- nada a outro tipo de organizacao de mensagens nao se sairia tio bem, E, 0 que ¢ mais importante, eu ndo afirmo que o sistema atual nao tenha fraquezas ou desvantagens; o que é de se esperar, pois na vida social sempre é 0 caso que um mecanismo ou relacao funcional que resolve um conjunto de problemas necessariamente crie um conjunto proprio de dificuldades e abusos em potencial. Por exem- plo, um problema caracteristico na organizacao ritual de contatos pessoais € que, apesar de uma pessoa poder salvar a fachada discu- tindo ou se retirando indignada de um encontro, isto ocorre a0 cus- toda interacao. Alem disso, a ligacao da pessoa com a fachada forne- ce um alvo para os outros; eles nio apenas podem tentar feri-la de forma nao oficial, mas podem até oficialmente tentar destruir com- pletamente sua fachada, Muitas vezes, também, o medo da perda possivel de fachada impede a pessoa de iniciar contatos em que in- formacoes importantes podem ser transmitidas e relacdes impor- tantes restabelecidas; ela pode ser levada a buscar a seguranca da so: lidao em vez do perigo dos encontros sociais. Ela pode fazer isso 32. ocorréncia da unidade de intercambio é um fato empitico, Alem da explicacto ‘tual para ele, podemos su la, quando uma pessoa pronuncia permite que ela aprenda que seu sido, Tal "metacomimicacio" se- 1e nao fosse por razdesvtuais, enuciado foi recebido,e que foi corrtarnen ria necessiria por razbes funcionais mes mesmo que 0s outros sintam que seu motivo ¢ um “falso orgull ‘um orgulho que sugere que o codigo ritual esta levando a melhor sobre aqueles cuja conduta € regulada por ele. Além disso, 0 com- plexo “depois de vocé, Alphonse” pode dificultar o término de um intercambio. E também, quando cada participante sente que precisa sacrificar mais do que foi sacrificado por ele, pode ocorrer um tipo de circulo de indulgéncias vicioso — bem parecido com o ciclo de hostilidades que pode levar a discusses abertas — com cada pessoa recebendo coisas que nao quer e dando em troca coisas que preferi- ria manter. E, mais uma vez, quando as pessoas tem relacoes formais, clas podem gastar muita energia assegurando que nao ocorram even- tos que possam carregar efetivamente uma expressio inapropriada. Por outro lado, quando um conjunto de pessoas tem relacoes infor- ais e sente que nao precisa de cerimOnias entre si, sua falta de atencao e interrupcoes podem ser abundantes, ¢ a conversa pode se degenerar numa tagarelice feliz de sons desorganizados. proprio codigo ritual requer um equilibrio delicado, e pode ser facilmente perturbado por qualquer um que o mantenha avida- ‘mente demais ou de menos, em termos dos padrdes e expectativas, de seu grupo. Perceptividade insuficiente, savoir-faire insuficiente, orgulho e consideracao insuficientes, e ndo podemos mais confiar que a pessoa seja alguém capaz de perceber uma dica sobre si mes- ma ou de dar uma dica que poupe os outros de constrangimentos. Tal pessoa se torna uma ameaca real a sociedade; nao ha muito que se possa fazer com ela, € muitas vezes ela consegue o que quer. Com perceptividade e orgulho excessivos, a pessoa se torna melindrosa, alguém que deve ser tratado com luvas de pelica, e precisa de mais, cuidado dos outros do que estes podem achar que ela vale. Com sa- voir-faire e consideracdo demais, ela se torna alguém socializada de- mais, que deixa os outros com a sensagao de que nao sabem qual é a posicao que eles tém com ela, nem o que devem fazer pata realizar um ajuste a longo prazo eficiente em relacao a ela Apesar dessas “patologias” inerentes a organizacdo da conversa, 6 encaixe funcional entre a pessoa socializada ea interacao falada é viavel e pratico. A orientacao da pessoa para a fachada, especial- ‘mente para a sua propria, €a vantagem que a ordem ritual tem sobre ela; mas a promessa de tomar cuidado ritual de sua fachada € parte da propria estrutura da fala. Fachada e relacdes sociais mediado ow imedi Quando uma pessoa comega um encom cla jé esta em algum tipo de relacio social com os outros em questo, ce espera estar numa dada relacao com eles quando este encontro em particular terminar. Isto, obviamente, ¢ uma das formas pelas quais mntatos sociais sao atrelados a sociedade mais ampla, Grande par- ividade que ocorre durante um encontro pode ser entendida como um esforco da parte de todos para atravessar a ocasiao e todos 0s eventos imprevistos € nao intencionais que podem colocar os par- ticipantes sob uma luz indesejavel, sem perturbar as relacbes dos par- ticipantes. E'se as relacdes estiverem em processo de mudanca, 0 ob- |etivo sera levar o encontro a um desfecho satisfat6rio sem alterar © curso de desenvolvimento esperado. Tal perspectiva explica bem, por exemplo, as pequenas cerimonias de saudacdes ¢ despedidas que ‘ocorrem quando as pessoas iniciam um encontro conversacional ou partem dele. Saudacoes permitem mostrar que uma relacao ainda € 0 ‘que era no término de uma coparticipacao anterior, ¢, normalmente, {que essa relagao envolve uma supressio de hostilidades suficiente para que ipantes abaixem a guarda temporariamente para conversar. Despedidas resumiem o efeito do encontro sobre a relagao fe mostram o que 0s participantes podem esperar uns dos outros quando se encontrarem da proxima vez. O entusiasmo das saudagses compensa o enfraquecimento da relacao causado pela auséncia que acabow de terminar, ¢ 0 entusiasmo das despedidas compensa o pre- |juizo que a separacdo esta prestes a causar a relagdo”. 33, £ claro que as saudagdes server para esclarecerefixar os paps que 0s part Dantes assumiréo durante a ocasia de conversa e para compromieter os participan- tes a esses papeis, enquanto as despedidas permite terminar o encontro sem am- biguidade. Saudacdes e despedidas também podem ser usados para afirmar (¢ se desculpar por) circunstineias atenuantes ~no caso das ssudagOes, citcunstancias impediram os partieipantes de até agora e, no caso das despedias, ‘contintem sua demonsiracio de Impressto de que os p ser e950, Fssa enla ivessem mais dispostos a en ido assim que canais difusos de Parece ser uma obrigacao caracteri ais que cada um dos membros gat para 0s outros membros em dadas situacdes. Assim, para prevenir uma perturbagdo dessas relacbes, € necessério que cada membro evite destruir a fachada dos outros. Ao mesmo tempo, frequente- mente € a relacio social da pessoa com outros que a leva a participar de certos encontros com eles, em que ela acabara dependendo deles para manter sua fachada. Além disso, em varias relacdes, os mem- bros compartilham uma fachada, de forma que, na presenca de ter- ceiros, um ato inapropriado por parte de um membro se torna uma fonte de constrangimento agudo para os outros membros. Uma re- lacao social, entio, pode ser vista como uma forma pela qual a pes soa € forcada, mais do que o normal, a confiar sua autoimagem e fa- chada & diplomacia e boa conduta dos outros. ica de muitas relacdes soci- ta apoiar uma certa fachada A natureza da ordem ritual ‘A ordem ritual parece ser organizada basicamente sobre linhas de acomodacao, de forma que o imaginario usado para pensarmos sobre outros tipos de ordem social nao é muito apropriado para ela. Para os outros tipos de ordem social, parece que empregamos um ‘po de modelo de estudante: se uma pessoa quiser manter uma ima- gem particular de si e confiar seus sentimentos a ela, ela precisa tra- balhar duro pelos créditos que comprardo essas melhorias do eu para ela; se ela tentar alcancar os fins através de meios inapropria: dos, trapaceando ou roubando, ela sera punida, desclassificada da corrida, ou pelo menos forcada a comecar de novo do zero. Este € ‘um imaginario de um jogo dificil e chato. Na verdade, a sociedade € o individuo participam de um jogo mais facil para ambos, mas que tem seus proprios perigos. Qualquer que seja sua posicdo na sociedade, a pessoa se isola através de cegueiras, meias-verdades, ilusdes e racionalizacoes. Ela juste” ao se convencer, com o apoio di imo, de que ela é o que quer ser € que ela nao faria, para atingir seus objetivos, o que os outros fizeram para atingir 0s deles. E quanto a sociedade, se a pessoa estiver disposta a estar sujeita a ‘um controle social informal ~ se ela estiver disposta a descobrir, partir de dicas e olhadelas e pistas cuidadosas qual ¢ o seu lugar, mantiver esse lugar ~ entdo nao haverd nenhuma objecao a que ela mobilie esse lugar do jeito que quiser, com todo o conforto, elegan- cia e nobreza que sua sagacidade obtenha para ela, Para proteger esse abrigo, ela nao precisa trabalhar duro, nem se juntar a um gru- po, nem competir com alguém; ela precisa apenas tomar cuidado ‘com 0s jutizos expressos aos quais ela se coloca numa posicao de tes~ temunhar. Algumas situac0es, atos e pessoas terdo que ser evitados; outros, menos ameagadores, nao devem ser levados muito longe. A vvida social 6 uma coisa ordenada e nao atravancada porque a pessoa voluntariamente fica longe dos lugares e t6picos e momentos em que ela nao € desejada e onde poderia ser depreciada. Ela coopera ppara salvar sua fachada, descobrindo que hi muito a ganhar sem nada arriscar. Fatos fazem parte do mundo do estudante~ eles podem ser alte- rados por um esforco diligente, mas nao podem ser evitados. Na rea- lidade, a pessoa protege, defende e investe seus sentimentos numa ideia de si, e ideias nao sao vulneraveis a fatos e a coisas, mas sim a comunicacoes. Comunicacées pertencem a um esquema menos pu- nitivo que os fatos, pois podemos desviar comunicagdes, tetirar-nos delas, nao acreditar nelas, convenientemente entendé-las mal, © transmniti-las diplomaticamente. E mesmo se a pessoa se comportar mal e quebrar sua trégua com a sociedade, a consequeéncia nao sera necessariamente a punicao. Se a ofensa for do tipo que os ofendidos possam ignorar sem perder muito de suas fachadas, entdo € prova- vel que eles ajam com cleméncia, dizendo a si mesmos que eles se desforrarao do ofensor de outra forma em outro momento, mesmo {que essa ocasiao possa nunca surgir, e talvez nao seja aproveitada se surgir. Se a ofensa for grande, as pessoas ofendidas podem se retirar do encontro, ou de encontros similares futuros, permitindo que sua retirada seja reforcada pelo pasmo que elas podem sentir quanto a alguém que quebra o codigo ritual. Ou talvez elas facam com que 0 ofensor seja retirado, para que nao haja mais comunicacao. Mas ja que o ofensor pode resgatar grande parte da fachada com tais opera- oes, a retirada muitas vezes ndo é uma punicao informal por uma ofensa, meramente um meio de terminé-la. Talvez 0 maior prinet- pio da ordem ritual nao seja a justica, e sim a fachada, e 0 que qual- quer ofensor recebe nao € 0 que ele merece, € sim o que sustentard 8 pelo momento a linha coma qual ele se comprometeu, ¢ através dis- toa linha com a qual ele comprometeu a interacao. Durante este artigo, ficou implicito que, debaixo de suas dife- rreneas culturais, as pessoas sao iguais em todos os lugares. Se as pes- soas tiverem uma natureza humana universal, no é nelas proprias que devemos procurar uma explicagao dela. Em vez disso, devemos procuré-la no fato de que as sociedades, em qualquer lugar, se qui serem ser sociedades, precisam mobilizar seus membros como par- ticipantes autorreguladotes em encontros sociais, Uma forma de mobilizar 0 individuo para esse propésito é através do ritual; ele € ensinado a ser perceptivo, a ter sentimentos ligados ao eu e um eu expresso pela fachada, a ter orgulho, honra e dignidade, a ter consi- deracdo, tato e uma certa quantidade de aprumo. Esses sto alguns dos elementos de comportamento que devem ser enxertados na pes- soa se quisermos fazer uso pratico dela enquanto participante da in- teragao e, em parte, quando falamos de natureza humana universal € a esses elementos que nos referimos. Anatureza humana universal nao ¢ uma coisa muito humana. Ao adquiti-la, a pessoa se torna uma espécie de construto, criada nao a partir de propensoes psiquicas internas, mas de regras morais que s40 carimbadas nela externamente. Essas regras, quando seguidas, deter- minam a avaliagao que ela fara sobre si mesma e sobre seus colegas participantes no encontro, a distribuigdo de seus sentimentos, ¢ 05 ti- pos de préticas que ela empregara para manter um tipo especificado € obrigat6rio de equilibrio ritual. A capacidade geral de ser limitado por regras morais pode muito bem pertencer ao individuo, mas 0 conjunto particular de regras que o transforma num ser humano € derivado de requerimentos estabelecidos na organizacao ritual de en contros sociais. E'se uma pessoa ou grupo ou sociedade em particular parecer ter tum cardter tnico inteiramente proprio, é porque seu con- Junto padrao de elementos da natureza humana ¢ instalado e combi: nado de forma particular. Em vez de muito orgulho, pode haver pou- co. Em vez de “bedecer as regras, pode haver um grande esforgo para quebré-las ety seguranca. Mas se quisermos manter um encontro ou empreendim nto como um sistema viével de interacao organizado por principios rituais, entéo essas variagSes precisam ser mantidas dentro de certos limites e bem contrabalancadas por modificacoes « correspondentes em algumas das outras regtas ¢ entendimentos. Da ‘mesma forma, a natureza humana de um con lar de pes- soas pode ser especialmente projetada para 0 endimentos em que elas partiipam, mas ainda assim toda esas ps- soas precisam ter dentro delas algo do equilibrio de caracteristicas ne- ccessérias para um pat ‘utilizavel em qualquer sistema organi- zado ritualmente de atividade social. 2 A natureza da deferéncia e do porte Pritica para a integridade e solidariedade do grupo que a emprega Entretanto, ao voltar sua atenco para o grupo em vez do individuo, esses estudantes parecem ter negligenciado um tema apresentado no capitulo de Durkheim sobre a alma’. La, ele sugere que a perso- nalidade do individuo pode ser vista como uma parcela do mana co I ivo e que (como ele sugere em lizados para representacoes da col lizados para o proprio individuo. los posteriores) os ritos rea- idade social as vezes serio rea- Neste capitulo, eu quero explorar alguns dos sentidos em que a pessoa, em nosso mundo secular urbano, recebe um tipo de sacrali- dade que é exibido € confirmado por atos simbélicos. Realizarei ‘uma tentativa de construir um andaime conceitual esticando e re- torcendo alguns termos antropoldgicos comuns. Isto sera usado para apoiar dois conceitos que penso serem centrais para esta area: a deferencia eo porte, Attavés destas reformulacoes, tentarei mostrar que uma versio da psicologia social de Durkheim pode ser eficiente ‘com uma roupagem moderna. Os dados para este capitulo foram retirados primariamente de um breve estudo observacional sobre pacientes psi E. The Elementary Forms of the Religious Life. Glencoe: The Free

Você também pode gostar