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Caro aluno

Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva
metodologia em período integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material
didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos
livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e trans-
versal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Para melhorar
a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A seguir, apresentamos cada seção:

INCIDÊNCIA DO TEMA VIVENCIANDO


NAS PRINCIPAIS PROVAS
Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu
De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreen-
vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos são de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos
principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo temas para além da superficial memorização de fórmulas ou regras.
o território nacional. Para evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvol-
vida a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há
uma preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações
entre aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato
em seu dia a dia.
TEORIA
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção
tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques-
tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com-
pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas
que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua-
APLICAÇÃO DO CONTEÚDO
dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados
e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem
que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compila-
dos, deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e co-
mentados, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difí-
cil compreensão torne-se mais acessível e de bom entendimento
aos olhos do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever,
a qualquer momento, as explicações dadas em sala de aula.

MULTiMÍDiA
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidado-
sa seleção de conteúdos multimídia para complementar o reper-
tório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreen-
são, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. ÁREAS DE
Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o apro- CONHECiMENTO DO ENEM
fundamento nos temas estudados – há obras de arte, poemas, Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
imagens, artigos e até sugestões de aplicativos que facilitam os fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
estudos, com conteúdos essenciais para ampliar as habilidades aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
de análise e reflexão crítica, em uma seleção realizada com finos na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso aluno. a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resol-
vê-las com tranquilidade.
CONEXÃO ENTRE DiSCiPLiNAS
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-
borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos
conteúdos de cada área, de cada disciplina. DiAGRAMA DE iDEiAS
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran-
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão,
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los em
como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Mate-
suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aqueles
mática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com
que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio de
essa realidade por meio de explicações que relacionam a aula do
esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros,
Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da
sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o aluno consegue
aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos princi-
entender que cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz
pais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organização dos
parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive.
estudos e até a resolução dos exercícios.

HERLAN FELLiNi
© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2021
Todos os direitos reservados.

Autores
Lucas Limberti
Murilo Almeida Gonçalves
Pércio Luis Ferreira
Rodrigo Martins

Diretor-geral
Herlan Fellini

Diretor editorial
Pedro Tadeu Vader Batista

Coordenador-geral
Raphael de Souza Motta

Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica


Hexag Sistema de Ensino

Editoração eletrônica
Felipe Lopes Santos
Leticia de Brito Ferreira
Matheus Franco da Silveira

Projeto gráfico e capa


Raphael de Souza Motta

Imagens
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Shutterstock (https://www.shutterstock.com)

ISBN: 978-65-88825-65-5

Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legis-
lação, tendo por fim único e exclusivo o ensino. Caso exista algum texto a respeito do
qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição para
o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e
localizar os titulares dos direitos sobre as imagens publicadas e estamos à disposição
para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para
fins didáticos, não representando qualquer tipo de recomendação de produtos ou
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SUMÁRIO

ENTRE LETRAS
GRAMÁTICA
Aulas 27 e 28: Colocação pronominal 6
Aulas 29 e 30: Período composto: orações coordenadas e subordinadas adjetivas 9
Aulas 31 e 32: Período composto: orações subordinadas substantivas 12
Aulas 33 e 34: Período composto: orações subordinadas adverbiais 15

ENTRE TEXTOS: INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS


Aula 14: Textos em verso I 20
Aula 15: Textos em verso II 23
Aula 16: Leitura de imagens I: arte rupestre e arte da antiguidade 27
Aula 17: Leitura de imagens II: da arte medieval à arte renascentista 34

LITERATURA
Aulas 27 e 28: Teoria das vanguardas 46
Aulas 29 e 30: Modernismo em Portugal: Fernando Pessoa e seus heterônimos 58
Aulas 31 e 32: Modernismo no Brasil: 1.ª fase 71
Aulas 33 e 34: Modernismo no Brasil: 2.ª fase – poesia 94
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

Todos os temas deste livro têm alta incidência Compreender como os pronomes funcionam
no Enem. dentro do período, contribuindo para
sustentar as relações de coordenação e
subordinação dentro dos períodos pode ser
um diferencial ao candidato.

Aborda o uso dos pronomes apresentados Compreender a importância das conjunções Ocorre com certa frequência as funções pro-
neste livro. Além disso, perceber a importância em relação ao estudo dos períodos simples e nominais dentro de orações e períodos. Assim,
das relações de coordenação e subordinação compostos coordenados e subordinados será o conteúdo deste livro aborda os elementos
dentro dos períodos será um diferencial para a chave para o bom desempenho. que constituem o período e as relações de
questões que envolvam textos, literários coordenação e subordinação.
ou não.

A resolução dos exercícios exige conheci- Além de saber reconhecer as regras da coloca- Aborda os sentidos possíveis decorrentes A objetividade de que se compõe dá margem
mentos sobre a especificidade de cada classe ção pronominal, o candidato deverá reunir das relações de subordinação e coordena- para questões bastante diretas sobre os
gramatical. É relevante, então, saber reconhe- a maior quantidade de conhecimento sobre ção. Compreender como essas relações se usos dos pronomes e os efeitos de sentido
cer como as próclises e ênclises atuam, bem as construções sintáticas de coordenação e constituem e por meio de quais termos elas decorrentes das relações dentro do período
como as conjunções para efeitos distintos de subordinação. se estabelecem será de grande ajuda ao composto.
sentido dentro de um período. candidato.

UFMG

Frequentemente apresenta textos configura- A relação entre linguagens verbal e não É comum questões que se atentem aos
dos por linguagens verbal e não verbal. Assim, verbal é uma constante neste vestibular. elementos sintáticos de que um texto se vale
compreender como os pronomes e as relações Propagandas e charges, então, acabam para a sua composição. Portanto, convém
dentro do período produzem determina- sendo fonte para questões. Reescrever frases estar seguro sobre o uso correto dos termos
dos efeitos de sentido será essencial ao pode ser comum, para tanto, saber utilizar que compõem os períodos compostos.
candidato. corretamente os pronomes será
um diferencial.

O uso dos pronomes pode aparecer em A abordagem deste vestibular ampara-se na Bastante direto, apresenta muitas questões a
questões de aplicação direta, por isso, atenção aos diferentes usos das conjunções, respeito de conhecimentos sobre a colocação
compreender as funções e regras de ênclise de modo a construir efeitos de sentido dentro pronominal. É comum, também, que questões
e próclise será muito importante. Ademais, de um período composto. Ademais, entender o ligadas aos efeitos de sentido advindos das
este caderno traz estudos sobre os períodos uso dos pronomes trabalhados neste caderno relações de subordinação apareçam.
simples e compostos. poderá ser de grande ajuda.
GRAMÁTICA

5
Exemplos:
AULAS 27 E 28 Tudo me irrita nessa cidade. (pronome indefinido)
Hoje se vive melhor no Brasil. (advérbio)

Observação: caso tenhamos marcas de pausa depois


COLOCAÇÃO do advérbio, emprega-se ênclise.

PRONOMINAL Exemplo:
Hoje, vive-se melhor no Brasil. (advérbio)

d) Nas orações iniciadas por pronomes ou advérbios de


COMPETÊNCIAS: 1e8
tipo interrogativo.
HABILIDADES: 1 e 27
Exemplos:
Quem te chamou até aqui? (pronome interrogativo)
Por que o convidaram? (advérbio interrogativo)
1. Sintaxe de colocação e) Com gerúndio precedido de preposição “em”.
A colocação de pronomes oblíquos átonos em português
pode ser realizada em três posições, obedecendo a regras Exemplo:
e condições específicas. Essas três posições são a próclise, Em se tratando de pesquisas, melhor utilizar a
a mesóclise e a ênclise. biblioteca.

1.1. Próclise f) Nas orações introduzidas por pronomes relativos.

Temos próclise quando o pronome surge antes do verbo. Exemplos:


Suas condições de colocação são:
Foi aquele rapaz quem me pediu para falar com você.
a) Nas orações que contenham uma palavra ou expressão
de valor negativo. Há situações que nos constrangem.
Essa foi a festa onde te conheci.
Exemplos:
g) Com a palavra “só” (no sentido de “apenas” ou
Ninguém me ajuda.
“somente”) e com as conjunções coordenativas al-
Não me fale de problemas hoje. ternativas.
Nunca se esqueça do que lhe disse
Exemplos:
b) Nas conjunções subordinativas: Só se lembram dos pais quando precisam de
dinheiro.
Exemplos:
Ou vai embora, ou se prepare para a bronca.
Voltarei a fazer contato se me interessar.
h) Nas orações iniciadas por palavras exclamativas e nas
Ela não quis jantar, embora lhe servissem o me- optativas (que exprimem desejo).
lhor prato.
É necessário que o vendamos por um bom preço. Exemplos:
Deus o ilumine! (oração optativa)
c) Nas orações em que existam pronomes indefinidos ou
advérbios, sem marcas de pausa. Como te admiro! (oração exclamativa)

6
b) A mesóclise é uso exclusivo da língua culta e da
modalidade literária. Não a encontramos na comuni-
cação oral mais básica.
c) Com esses tempos verbais (futuro do presente e
futuro do pretérito) jamais ocorrerá a ênclise.
multimídia: poesia

Pronominais 1.3. Ênclise


Dê-me um cigarro Temos ênclise quando o pronome surge depois do verbo.
Diz a gramática Seu emprego obedece às seguintes regras:
Do professor e do aluno
a) Nos períodos iniciados por verbos (desde que não este-
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco jam no tempo futuro), pois, segundo a gramática normati-
Da Nação Brasileira va, não podemos iniciar frases com pronome oblíquo.
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada Exemplos:
Me dá um cigarro
(Oswald de Andrade) Fale-me o que está acontecendo.
O poema de Oswald de Andrade, publicado no início Compravam-se muitos produtos antes da crise.
do século, coloca em cena a discussão a respeito dos
usos linguísticos coloquiais e não-coloquiais que faze- b) Nas orações imperativas afirmativas.
mos dos pronomes oblíquos. É importante perceber que
esse assunto ultrapassa o campo linguístico e literário e Exemplos:
problematiza o que seriam as possíveis relações entre
Ligue para seu primo e avise-o do horário
uma cultura fundamentalmente brasileira e os dados
culturais aqui inseridos pelo colonizador português. Ei, ajude-me com essa receita!

c) Nas orações reduzidas de infinitivo.


1.2. Mesóclise
Temos mesóclise quando o verbo estiver em algum dos Exemplos:
tempos futuros do indicativo (futuro do presente ou futu- Convém dar-lhe um pouco mais de tempo.
ro do pretérito), desde que não existam condições para a
próclise. O pronome é colocado no meio do verbo. Espero enviar-lhe isto até amanhã cedo.

d) Nas orações reduzidas de gerúndio (desde que não ve-


Exemplos:
nham precedidas de preposição “em”).
Comprar-lhe-ei umas roupas novas. (compra-
rei + lhe) Exemplos:
Encontrar-me-iam se realmente quisessem. (en-
A mãe adotiva ajudou a criança, dando-lhe cari-
contrar + me)
nho e proteção.
Ele se desesperou, deixando-se levar pela situação.
Observações:
Observação: Se o verbo não estiver no início da frase, nem
a) Havendo condições para a próclise, esta prevalece conjugado nos tempos Futuro do Presente ou Futuro do
sobre a mesóclise: Pretérito, é possível usar tanto a próclise como a ênclise.

Exemplo Exemplos:
Sempre lhe contarei os meus segredos. (O
Eu me encontrei com ela.
advérbio “sempre” exige o uso de próclise.)
Eu encontrei-me com ela.

7
multimídia: site

No artigo apresentado, o Linguista Marcos Bagno nos


apresenta uma visão histórica e crítica a respeito dos
motivos que obrigariam os brasileiros a utilizarem, ain-
da, em textos normativos, os parâmetros de colocação
pronominal fundados no português europeu.

DIAGRAMA DE IDEIAS

SINTAXE DE
COLOCAÇÃO

PRÓCLISE MESÓCLISE ÊNCLISE

PRONOME OBLÍQUO PRONOME OBLÍQUO PRONOME OBLÍQUO É


ANTECEDE O VERBO. É COLOCADO NO IN- COLOCADO APÓS O VERBO.
Não me desrespeite! TERIOR DO VERBO. Deixe-me em paz!
Far-me-ia um favor?

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sentença, podem ser classificadas como adjetivas, subs-
AULAS 29 E 30 tantivas ou adverbiais.
Nessa aula, especificamente, conheceremos o funcionamen-
to das orações coordenadas e de uma das subordinadas
PERÍODO COMPOSTO: (a subordinada adjetiva). As demais orações subordinadas
(subordinadas substantivas e subordinadas adverbiais), por
ORAÇÕES serem mais extensas, serão trabalhadas nas próximas aulas.
COORDENADAS E
1.1. Orações coordenadas assindéticas
SUBORDINADAS
São chamadas de orações coordenadas assindéticas
ADJETIVAS aquelas que não são introduzidas por conjunção. São ora-
ções coordenadas, postas lado a lado e separadas por
sinais de pontuação.
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8
Exemplos:
HABILIDADES: 1, 18 e 27
Abriu a porta, entrou em casa, acendeu as luzes.
Esquece isso. Vamos dar uma volta.

1. Noções preliminares 1.2. Orações coordenadas sindéticas


1. Oração é um enunciado linguístico que apresenta uma Conforme o tipo de conjunção que as introduz, as orações
estrutura caracterizada pela presença de um verbo. coordenadas sindéticas podem ser aditivas, adversati-
vas, alternativas, conclusivas ou explicativas.
2. Chama-se período composto aquele que apresenta mais
de um verbo dentro do mesmo conjunto de enunciação. a) As aditivas expressam ideia de adição, de acréscimo.
Se se tratar de período simples, há apenas um único verbo Regularmente indicam fatos, acontecimentos ou pensa-
dentro do período, sinalizado pelo ponto final. mentos dispostos em sequência. As conjunções coorde-
nativas aditivas típicas são e e nem (e + não).
Exemplos:
Exemplos:
Falou com a menina hoje cedo. (estrutura com
Viajaram e trouxeram muitas fotos de lembrança.
apenas um único verbo à qual se dá o nome de
oração absoluta.) Não trouxeram presentes nem fotos da última viagem.
Falou com a menina hoje cedo e percebeu que
ela estava nervosa. (nessa estrutura, há mais de
Observação:
um verbo no mesmo período; a ela se dá o nome
de período composto.) As orações sindéticas aditivas podem também estar
ligadas pelas locuções “não só... mas (também)”; “tan-
Em língua portuguesa, as orações podem ser subdivididas
to... como” e semelhantes. Essas estruturas costumam
em dois grupos: orações coordenadas e orações su-
ser usadas quando se pretende enfatizar o conteúdo da
bordinadas.
segunda oração. Ele não só canta, mas também (ou
a) orações coordenadas: são colocadas lado a lado na fra- como também) interpreta muito bem. Ela sabe tanto
se e não desempenham qualquer função sintática matemática como português.
como termo de outra oração. Encontram-se, portanto,
no mesmo nível sintático. Costumam ser classificadas por
b) As adversativas exprimem fatos ou conceitos que se
conta da ausência (assindéticas) ou presença (sindéticas)
opõem ao que foi declarado na oração coordenada ante-
de conectivos.
rior, estabelecendo entre elas contraste ou compensação. O
b) orações subordinadas: são orações que estabelecem mas é a conjunção adversativa mais utilizada. Além dela,
funções sintáticas em relação a outras orações (são orações empregam-se os vocábulos porém, contudo, todavia,
que dependem de outras para que ocorra a configuração entretanto e as locuções no en­tanto, não obstante e
de sentido). Dependendo da função que desempenham na nada obstante.

9
Exemplos: Exemplos:
Eles embarcariam para a Europa dentro de uma Vá com cuidado, que o caminho é perigoso.
hora, mas perderam o voo.
Mudou de emprego, porque estava farto da rotina.
O cachorro não é bonito; no entanto, é simpático.
Ligue para ela, pois hoje é o seu aniversário.
O problema é grave; contudo, há solução.
1.3. Orações subordinadas adjetivas
Importante Uma oração subordinada adjetiva tem valor e função
de adjetivo, ou seja, equivale a essa classe de palavras.
Dependendo do contexto em que for empregada, a As orações adjetivas vêm introduzidas por pronome
conjunção “e” pode indicar ideia de adversidade.
relativo e exercem a função de adjunto adnominal do
antecedente.
Exemplo
Resolveu deitar mais cedo e não conseguiu dormir. Exemplo:
Este é o livro que te indiquei como referência.

c) As alternativas expressam ideia de alternância de No exemplo apresentado, a conexão entre a oração su-
fatos ou escolha. Regularmente é usada a conjunção ou. bordinada adjetiva e o termo da oração principal que ela
Além dela, empregam-se também os pares ora... ora; já... modifica é feita pelo pronome relativo “que”.
já; quer... quer e seja... seja.

Exemplos:
Diga agora ou cale-se para sempre.
Atenção: apenas a segunda oração é sindética, mas am-
bas são alternativas, dada a ideia de escolha.)
Ora mostra-se alegre, ora expressa tristeza profunda. multimídia: poema
Estarei lá, quer você aceite, quer não.
Atenção: nesse último exemplo, a segunda oração fica su- O poema a seguir, de Carlos Drummond de Andrade, é
bentendida, para evitar a redundância do mesmo verbo.) constituído por meio de um encadeamento de diversas
orações adjetivas. Avalie o tipo de oração adjetiva que
d) As conclusivas exprimem conclusão ou consequên- foi usado e os sentidos que ela incorpora ao poema.
cia referentes à oração anterior. As conjunções típicas são: Quadrilha
logo, portanto e pois (pospostos ao verbo). Usa-se
ainda então, assim, por isso, por conseguinte, de João amava Teresa que amava Raimundo
modo que, em vista disso etc. que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Exemplos: Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Tenho prova amanhã, portanto não posso ir ao show. Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
A situação econômica é delicada; devemos, pois, agir
com cautela.
O time jogou bem, por isso foi vencedor.
Importante
Aquela substância é toxica, logo deve ser manuseada
O pronome relativo “que” pode ser substituído
com cuidado.
por suas formas com gênero (o qual, a qual, os
e) As explicativas Indicam uma justificativa ou uma ex- quais, as quais), desde que obedeça ao sistema
plicação referente ao fato expresso na declaração anterior. de concordância nominal com o substantivo a
As conjunções que merecem destaque são: que, porque que se refere:
e pois (obrigatoriamente antepostos ao verbo).

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A ausência de vírgula restringe o sentido da palavra homem,
Exemplo designando um tipo de homem entre vários.
Refi­ro-me ao livro que é referência. Trata-se de oração subordinada restritiva que apre-
senta valor sintático de adjunto adnominal, uma vez que
(ou)
qualifica o termo anterior.
Refiro-me ao livro o qual é referência.
Exemplo:
O homem, que trabalha, é útil à sociedade.
1.3.1. Classificação das orações
subordinadas adjetivas A presença de vírgula amplia o sentido da palavra homem,
que pode ser entendida como todo homem.
Na relação que estabelecem com o termo que caracterizam,
as orações subordinadas adjetivas podem atuar de duas Trata-se de oração subordinada explicativa, pois acres-
maneiras diferentes. Há as que restringem ou especificam o centa uma informação acessória; desempenha também va-
sentido do termo a que se referem, individualizando-o. Nes- lor sintático de adjunto adnominal, uma vez que qualifica o
sas orações, não há marcação de pausa; são as chamadas termo anterior.
orações subordinadas adjetivas restritivas.
Observação: A oração subordinada adjetiva explicativa é
Há também as orações que realçam um detalhe ou am- separada da oração principal por uma pausa, que, na es-
plificam dados sobre o antecedente, já suficientemente crita, é representada pela vírgula. É comum, por isso, que
definido; são as denominadas orações subordinadas a pontuação seja indicada como forma de diferenciar as
adjetivas explicativas. orações explicativas das restritivas. De fato, as explicativas
vêm sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não.
Exemplo:
O homem que trabalha é útil à sociedade.

DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES ORAÇÕES
COORDENADAS ADJETIVAS

SINDÉTICAS ASSINDÉTICAS EXPLICATIVAS RESTRITIVAS

COM CONJUNÇÕES SEM CONJUNÇÕES COM VÍRGULAS OBRIGATÓRIAS SEM VÍRGULAS


Eles desceram do carro porque Chegamos na praia, A professora, que é uma Ele é um dos poucos
o trânsito estava parado. nadamos, comemos. das mais novas da escola, diretores que é admirado
é adorada pelos alunos. pelos funcionários.

11
AULAS 31 E 32 Substituindo a oração subordinada em destaque pelo
pronome “isso”, temos:
É importante isso (ou, na ordem direta: Isso é impor-
tante). Percebemos então que a função sintática do
PERÍODO COMPOSTO: pronome “isso” na construção é de sujeito. Vejamos

ORAÇÕES outro exemplo:


Não sei se entregaremos a encomenda hoje.
SUBORDINADAS
Substituindo a oração subordinada em destaque pelo
SUBSTANTIVAS pronome “isso”, temos:
Não sei isso (o pronome “isso” completa o sentido do
verbo “ser”). Percebemos então que a função sintáti­ca
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 do pronome “isso” na construção é de objeto direto.

HABILIDADES: 1, 18 e 27
1.1. Classificação das orações
subordinadas substantivas
De acordo com a função que exerce no período, a oração
1. Orações subordinadas subordinada substantiva pode ser:

substantivas a) subjetiva: exerce a função sintática de sujeito do verbo


da oração principal:
A oração subordinada substantiva trata-se de uma construção
com verbo que possui valor de substantivo (esta oração fica Exemplo:
posicionada onde, habitualmente, deveria haver um substanti-
vo) e vem introduzida, geralmente, pelas conjunções integran- É importante que investiguemos o caso.
tes que ou se. Sintaticamente, podem exercer a função de: § Oração principal: É importante
§ sujeito § Oração subordinada: que investiguemos o caso. (sin-
taticamente exerce função de sujeito da oração principal).
§ objeto direto
b) objetiva direta: exerce a função de objeto direto do
§ objeto indireto
verbo da oração principal:
§ complemento nominal
§ predicativo do sujeito Exemplo:
§ aposto Eu percebo que ficarei com bastante sono hoje.
§ Oração principal: Eu percebo
§ Oração subordinada: que ficarei com bastante sono
Atenção hoje (sintaticamente exerce função de objeto direto da
É importante, nesse momento, que sejam recuperados oração principal).
os conceitos de identificação de conjunções integran-
c) objetiva indireta: exerce a função de objeto indireto
tes anteriormente aprendidos. Lembremos que, para
do verbo da oração principal (a conjunção integrante vem
localizarmos uma conjunção integrante, devemos precedida de preposição).
substituir os elementos “que” ou “se” pelo pronome
demonstrativo “isso”. A função que couber a esse Exemplo:
pronome indicará a função exercida pela oração.
Tudo depende de que ela se esforce.
Exemplos: § Oração principal: Tudo depende
É importante que chegue cedo ao atendimento. § Oração subordinada: de que ela se esforce. (sintatica-
mente exerce função de objeto indireto da oração principal.)

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d) completiva nominal: exerce a função de comple- § Oração principal: Eu espero a seguinte solução
mento nominal (complementa o sentido de um elemento
§ Oração subordinada: que religuem a energia elétri-
não-verbal que pertença à oração principal; também vem
ca da casa. (sintaticamente exerce função de aposto da
marcada por preposição).
oração principal).

Exemplo: Atenção: a oração subordinada substantiva apositiva é


a única que pode prescindir da conjunção integrante. Isso
Sou favorável a que o absolvam.
ocorre por conta do sinal de "dois pontos" que a introduz
§ Oração principal: Sou favorável funcionar também, como elemento integrante.
§ Oração subordinada: a que o absolvam. (sintati-
camente exerce função de complemento nominal da
oração principal.)

Importante
Não podemos esquecer que as orações subordinadas
substantivas objetivas indiretas integram o sentido de multimídia: música
um verbo, enquanto as orações subordinadas subs- Fonte: Youtube
tantivas completivas nominais integram o sentido de
Eu sei que vou te amar – Tom Jobim
um nome. Para distinguir uma da outra, é necessário
Eu sei que vou te amar
levar em conta o termo complementado.
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
e) predicativa: exerce o papel de predicativo do sujeito do Desesperadamente, eu sei que vou te amar
verbo da oração principal e vem sempre depois do verbo “ser”.
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Exemplo: Por toda minha vida
O grande mal é que me esqueço das coisas. Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
§ Oração principal: O grande mal é Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
§ Oração subordinada: que me esqueço das coisas.
(sintaticamente exerce função de predicativo da oração Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
principal.) A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
f) apositiva: exerce a função de aposto de algum termo
Na canção apresentada, de Tom Jobim, vemos que o
da oração principal.
autor mobiliza orações substantivas na composição de
certos versos, como “Eu sei que vou te amar”.
Exemplo:
Eu espero a seguinte solução: que religuem a
energia elétrica em casa.

13
DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES
SUBSTANTIVAS

POSSUEM VALOR DE SUBSTANTIVO


SÃO INTRODUZIDAS POR CONJUNÇÃO INTEGRANTE
Eu desejo que eles sejam felizes.
oração substantiva objetiva direta

14
§ Oração subordinada: Como ninguém se interessou
AULAS 33 E 34 pelo projeto (assume valor de adjunto adverbial de cau-
sa, uma vez que provoca um determinado fato, ao mo-
tivo do que se declara na oração principal.)
b) consequência
PERÍODO COMPOSTO:
Exemplo:
ORAÇÕES
Sua fome era tanta que comeu com casca e tudo.
SUBORDINADAS
§ Oração principal: Sua fome era tanta
ADVERBIAIS § Oração subordinada: que comeu com casca e tudo
(assume valor de adjunto adverbial de consequência,
uma vez que declara o efeito na oração principal.)
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 c) condição

HABILIDADES: 1, 18 e 27 Exemplo:
Se o torneio for bem estruturado, todos sairão
ganhando.
§ Oração principal: todos sairão ganhando.
1. Orações subordinadas § Oração subordinada: Se o torneio for bem estrutura-
adverbiais do (assume valor de adjunto adverbial de condição, uma
vez que a oração subordinada impõe-se como necessária
Uma oração subordinada adverbial exerce a função de ad-
para a realização ou não de um fato sobre a principal.)
junto adverbial do verbo da oração principal. Dessa forma,
pode exprimir circunstância de tempo, modo, fim, causa, d) concessão
condição, etc. Classifica-se de acordo com a conjunção ou
locução conjuntiva que a introduz. Exemplo:
Embora não goste de cogumelos, irei provar
Exemplo:
o prato.
Quando vi a pintura do artista, senti uma das maio-
§ Oração principal: irei provar o prato
res emoções de minha vida.
A primeira oração, “Quando vi a pintura do artista”, atua § Oração subordinada: Embora não goste de cogu-
como um adjunto adverbial de tempo, que modifica a for- melos (assume valor de adjunto adverbial de conces-
ma verbal “senti”. são, uma vez que admite uma ideia de cessão a algum
fato, ou mesmo anormalidade em relação a esse fato).
Trata-se de uma oração subordinada adverbial tempo-
ral, uma vez que indica uma circunstância temporal acresci- e) comparação
da ao verbo da segunda oração. É importante lembrar que a
classificação das orações subordinadas adverbiais é feita do Exemplo:
mesmo modo que a classificação dos adjuntos adverbiais (e Andava rápido como um foguete.
no sentido das conjunções que introduzem a oração).
§ Oração principal: Andava rápido
A seguir, temos as circunstâncias expressas pelas orações
subordinadas adverbiais: § Oração subordinada: como um foguete (assume va-
lor de adjunto adverbial de comparação, uma vez que
a) causa
estabelece uma comparação com a ação indicada pelo
verbo da oração principal).
Exemplo:
Como ninguém se interessou pelo projeto, não f) conformidade
houve alternativa a não ser cancelá-lo.
Exemplo:
§ Oração principal: não houve alternativa a não ser
cancelá-lo. Fez o bolo conforme a receita.

15
§ Oração principal: Fez o bolo § Oração principal: traga-me um presente.
§ Oração subordinada: conforme a receita (assume va- § Oração subordinada: Quando você for a Londres
lor de adjunto adverbial de conformidade, pois exprime (assume valor de adjunto adverbial temporal, uma vez
uma regra, um modelo adotado para a execução do que que acrescenta uma ideia de tempo ao fato expresso
se declara na oração principal). na oração principal, podendo exprimir noções de simul-
g) finalidade taneidade, anterioridade ou posterioridade).

Exemplo:
Importante
Li o manual a fim de aprender mais sobre como
Não confundir as orações coordenadas explicativas
usar o produto.
com as subordinadas adverbiais causais. As orações
§ Oração principal: Li o manual coordenadas explicativas caracterizam-se por forne-
§ Oração subordinada: a fim de aprender mais sobre cer um motivo que explica a oração anterior.
como usar o produto (assume valor de adjunto adver-
bial final, pois expressa a intenção, a finalidade daquilo Exemplo:
que se declara na oração principal). A criança devia estar doente, porque chora-
h) proporção va muito. (o choro da criança poderia não ser
a causa de sua doença.)
Exemplo: As orações subordinadas adverbiais causais expri-
Viaja ao exterior à medida que a empresa soli- mem a causa do fato.
cita seu trabalho.
§ Oração principal: Viaja ao exterior Exemplo:

§ Oração subordinada: à medida que a empresa so- Ele está triste porque perdeu seu emprego.
licita seu trabalho (assume valor de adjunto adverbial (a perda do emprego é a causa da tristeza dele.)
proporcional, pois exprime ideia de proporção, ou seja, § Observe também que há pausa – vírgula, na escrita
um fato simultâneo ao expresso na oração principal). – entre a oração explicativa e a precedente e que ele
i) tempo trabalha com sistemas imperativos (verbos no impe-
rativo) ou hipotéticos (marcadores de dúvida como
Exemplo: “talvez”, verbo “dever”).

Quando você for a Londres, traga-me um presente.

DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES
ADVERBIAIS

POSSUEM VALOR DE ADVÉRBIO OU ADJUNTO ADVERBIAL E SÃO INTRODUZIDAS POR CONJUNÇÃO SUBORDINATIVAS
A questão era tão difícil que ele não conseguiu resolver.
oração adverbial consecutiva

16
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

O Enem é conhecido por ser essencialmente inter- A interpretação de textos acontece de forma mais
pretativo. Os temas presentes neste livro servirão, prática, muitas vezes ligada aos textos literários.
portanto, como conhecimento crucial às resoluções Por isso, este livro traz aulas sobre como realizar a
das questões. interpretação de textos em versos.

Por ser um vestibular crítico, a ideia de interpretação Boa parte das questões da frente de linguagem diz A prova conduz a interpretação de textos em
acontece, sobretudo, pela habilidade compreensiva respeito à interpretação. Reconhecer textos não verbais paralelo aos textos literários, majoritariamen-
do candidato. Interpretar textos em versos poderá e ser capaz de amplificar os seus diálogos com as te. Compreender e interpretar corretamente
ser uma ferramenta eficaz no trato com os textos áreas artísticas será uma habilidade útil. textos em versos será um diferencial.
literários.

Dentre as habilidades pedagógicas, a prova A interpretação de textos pode ser a chave É uma prova de conceitos. A interpretação de De forma geral, a prova equilibra bem as frentes da
costuma trabalhar, em suas questões, a aplica- para um bom resultado. Saber ler um texto em textos ocorre de maneira direcionada, por isso, área de Português, de modo que as questões de
ção. Assim, relacionar rapidamente textos não verso será de grande ajuda. saber reconhecer, de forma rápida e eficaz, os interpretação se tornam bastante direcionadas. Co-
verbais a elementos artísticos pode ser uma elementos artísticos de um texto não verbal será nhecer os conceitos por trás da produção dos textos
forma de avaliar a capacidade interpretativa uma ferramenta extra. em versos ajudará o candidato a interpretá-los.
do aluno.

UFMG

A prova alinha a interpretação de textos às obras A habilidade interpretativa trabalha com questões O exame é objetivo e exige uma capacidade
literárias que costuma exigir na sua lista obrigatória. que exigirão do candidato uma leitura cuidadosa. leitora fundamental, que demonstre aptidão em
Por isso, este livro traz duas aulas sobre como inter- Desse modo, compreender que textos em verso reconhecer, em textos não verbais, os elementos
pretar textos em versos, para que o candidato possa têm suas peculiaridades, bem como os textos não artísticos que os compõem. Saber estruturar um
dominar todo e qualquer tipo de texto literário. verbais, será um diferencial. texto em verso pode ser um diferencial na hora
de resolver as questões.

De caráter mais material, trabalha com Perceber que essa frente se alinha às frentes A interpretação de textos é a chave para resolução
questões interpretativas que exigem um de Gramática e Literatura é um excelente da grande maioria das questões da prova. Manter-
senso crítico apurado. Por isso, seja diante primeiro passo. Por isso, compreender os -se alerta para questões que trabalhem com textos
do texto em verso ou do texto não verbal, ter recursos artísticos dos textos não verbais e em em versos será muito importante.
em mãos as ferramentas necessárias para a versos será de grande ajuda ao candidato.
interpretação será um primeiro
passo essencial.
INTERPRETAÇÃO
DE TEXTOS

19
(No centro da Praça o busto de D. Pedro escuta.)
AULA 14 Batuta pra esquerda: relincham clarins,
requintas, tintins e as vozes meninas da banda do 20.
Batuta à direita: de novo os trombones
e as trompas soluçam. E os bombos e as caixas: ban-ban!
Vêm logo operários, meninas, cafuzas,
mulatos, portugas, vem tudo pra ali.
TEXTOS EM VERSO I Vem tudo, parecem formigas de asas
Rodando, rodando em torno da luz.
Nos bancos da Praça conversas acesas,
apertos, beijocas, talvezes.
D. Pedro II espia do alto.
(As barbas tão alvas
tão alvas nem sei!)
COMPETÊNCIA: 5 E os pares passeiam,
parece que dançam,
que dançam ciranda,
HABILIDADES: 15, 16 e 17 em torno do Rei.
(Jorge de Lima. Poemas negros. Cosac Naify, página 41, 2014).

§ Verso: entende-se por verso uma sucessão ou sequência


de sílabas que mantém determinada unidade rítmica
1. Textos em verso e melódica em um poema, correspondendo, habitual-
mente, a uma linha do poema. No poema apresentado,
Muitos vestibulares, atualmente, fazem uso dos gêneros lite-
cada linha do poema corresponde a 1(um) verso, então
rários para construir questões de interpretação de textos. Ou temos um total de 21 versos.
seja, as questões não abordam necessariamente um conhe-
cimento profundo sobre a obra (seu enredo), mas exigem do § Estrofe: entende-se por estrofe um agrupamento
candidato um trabalho mais acurado com as questões es- de versos realizado pelo autor do poema. Os agrupa-
truturais e também com a compreensão do conteúdo de al- mentos podem variar bastante, de acordo com a for-
gum poema ou trecho de livro. Nessa primeira aula, daremos ma do poema (forma fixa ou forma livre). Por exem-
plo, no poema de Jorge de Lima que foi apresentado,
ênfase às características dos textos em verso (os poemas).
opta-se por uma forma mais livre, com agrupamentos
variados. Temos na abertura duas estrofes de 3 versos
1.1. O poema (conhecidas como tercetos), seguidas por uma de 6
O poema é um gênero textual de cunho bastante subjeti- versos (sexteto). Em seguida, temos um agrupamento
vo, que se constrói não apenas com ideias ou sentimentos, com 2 versos (chamado dístico), seguido de outro de
mas que articula combinações de palavras que, na maioria 3 (mais um terceto). O poema é finalizado com um
dos casos, constituem sentidos variados. Essas combina- grupo de 4 versos (quarteto).
ções de palavras costumam ser distribuídas em um “cor-
po” bastante complexo, dotado de vários elementos que 1.1.1. Formas fixas
conheceremos mais adiante, como o verso, a estrofe (ele-
São conhecidos como formas fixas aqueles poemas que
mentos estruturais), a rima, o ritmo (elementos sonoros), apresentam um padrão predeterminado em sua constru-
entre outros. O jogo de palavras realizado nos poemas (de ção. Existem vários tipos de forma fixa, como o vilance-
fortes marcas conotativas), muitas vezes, imprime dificul- te (um terceto mais dois outros tipos de estrofe à escolha
dades de interpretação. Vejamos os elementos do poema: do poeta), o haicai (poema de origem japonesa que se
a) O verso e a estrofe constrói com três versos e um número predeterminado de
sílabas) ou as redondilhas (formas fixas de 5 ou 7 versos).
Para entendermos com mais precisão o que são esses dois
A mais tradicional dessas formas é o soneto. Ele possui
elementos, vejamos o poema a seguir, do escritor Jorge Lima:
uma forma estruturada a partir do agrupamento de duas
Retreta do Vinte estrofes de 4 versos (dois quartetos) e outras duas de 3 ver-
O cabo mulato balança a batuta, sos (dois tercetos), totalizando 14 versos. Em sua composi-
meneia a cabeça, acorda com a vista ção, costuma ser desenvolvida uma ideia ou discussão que
os bombos, as caixas, os baixos e as trompas. perpassa os 13 primeiros versos e encontra sua resolução/

20
fecho no último verso. Vejamos um exemplo de soneto, de cerrada na última sílaba tônica da última palavra do verso (a
Carlos Drummond de Andrade: palavra “futuro” é paroxítona; sua tônica é a sílaba “-tu”).
Já no segundo verso encontramos outra regra que deve ser
Oficina Irritada
obedecida (sublinhada no verso): a junção da vogal final de
Eu quero compor um soneto duro uma palavra com a vogal inicial de outra (des-per-te em).
como poeta algum ousara escrever.
Também é um verso decassílabo. De acordo com a variabili-
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler. dade de sílabas poéticas, as estrofes terão nomes diferentes:
Quero que meu soneto, no futuro, § 5 sílabas poéticas: pentassílabo ou redondilha menor
não desperte em ninguém nenhum prazer.
§ 6 sílabas poéticas: hexassílabo
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser. § 7 sílabas poéticas: heptassílabo ou redondilha maior
Esse meu verbo antipático e impuro § 8 sílabas poéticas: octossílabo
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro. § 9 sílabas poéticas: eneassílabo
Ninguém o lembrará: tiro no muro, § 10 sílabas poéticas: decassílabo
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender. § 11 sílabas poéticas: endecassílabo

Temos aí um soneto de estilo clássico, que além de apresen- § 12 sílabas poéticas: dodecassílabos ou alexandrinos
tar o agrupamento de estrofes que comentamos (dois quar- O processo de contagem e separação de sílabas poéticas re-
tetos e dois tercetos), apresenta elementos de métrica e rima cebe o nome de escansão.
bastante determinados. Aliás, é importante nesse momento
conhecermos um pouco melhor esses outros elementos. 2.2. Ritmo
O ritmo corresponde a uma “melodia” que se cria no cor-
2. Elementos estruturais po do poema por conta da acentuação de certas sílabas
que há nos versos. Usando novamente os versos acima
do poema apresentados, podemos perceber que há um conjunto de
sílabas mais fortes nas mesmas posições de cada verso (no
2.1. Métrica caso, a sexta e a décima são as mais fortes). Esse padrão
cria um ritmo que dá certa musicalidade ao poema, quan-
A métrica é a medida dos versos, ou, em termos mais cla- do este é recitado.
ros, a quantidade de sílabas de cada linha que compõe o
poema. No entanto, a contagem de sílabas poéticas Que/ ro/ que/ meu/ so/ ne/ to,/ no/ fu/ tu/ ro,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
segue um padrão diferente da separação de síla-
bas tradicional. Na contagem de sílabas poéticas deve- não/ des/ per/ te em/nin/ guém/ ne,/ nhum/ pra/zer
mos proceder da seguinte maneira: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

§ Contam-se as sílabas como numa separação silábica ha-


bitual, mas realizando a junção da vogal final + vogal
2.3. Rima
inicial de palavras que estão em fronteira de sílaba (des-
de que, pelo menos uma delas seja átona). A rima é um recurso sonoro que também atribui musicali-
dade ao poema. Constrói-se a partir da semelhança sonora
§ A contagem deve ser encerrada na última sílaba tônica de palavras no final de versos. Novamente:
da palavra que encerra o verso.
Eu quero compor um soneto duro
Vejamos um exemplo com os dois primeiros versos da segunda como poeta algum ousara escrever.
estrofe do poema de Carlos Drummond que foi apresentado: Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Que/ ro/ que/ meu/ so/ ne/ to,/ no/ fu/ tu/ ro,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
não/ des/ per/ te em/nin/ guém/ ne,/ nhum/ pra/zer E que, no seu maligno ar imaturo,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Pode-se notar que o primeiro verso que escolhemos é um Destacamos o sistema de rimas do poema de Drummond.
decassílabo perfeito. A contagem, como dito, deve ser en- Fica evidente que é um esquema de rimas em que os versos

21
se alternam “-uro” e “-er”. Essa sequência de versos alter-
nados também garante musicalidade ao poema.

3. Versos brancos
São chamados de versos brancos aqueles quem sistema mé-
trico organizado, mas não apresentam nenhum tipo de rima.
Exemplo
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Carlos Drummond de Andrade - Elefante (fragmento)

Se fizermos a escansão dos versos que compõem esse po-


ema de Carlos Drummond de Andrade, veremos que todos
– sem exceção – apresentam 6 sílabas poéticas (são he-
xassílabos). Também é possível notar que não há esquema
de rimas entre os versos. Quando temos esses dois fenô-
menos em um mesmo poema, dizemos que ele é formado
por versos brancos.

22
b) Rima rica: quando as rimas são feitas com palavras
AULA 15 pertencentes a classes gramaticais diferentes
§ altar (substantivo) / mudar (verbo)
§ contente (adjetivo) / certamente (advérbio)

Exemplo:
TEXTOS EM VERSO II Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos...
(Raimundo Correia)

c) Rima rara ou preciosa: quando as palavras que ri-


mam possuem terminações pouco comuns ou combina-
COMPETÊNCIAS: 1, 4 e 5 ções entre classes fechadas e verbos pronominalizados
§ Elêusis (substantivo que dá nome à cidade grega /
HABILIDADES: 1, 12, 15, 16 e 17 deuses (substantivo comum)
§ cabelo (substantivo comum) / fazê-lo (verbo prono-
minalizado)

Exemplo:
1. Estrutura dos textos em Por que ninguém me deu um aviso?
verso (aprofundamento) Pra quê que serve essa porra de bip?
Assim não dá. Que falta de juízo,
O objetivo dessa segunda parte da aula é fornecer um de... de... sei lá! Eu lá em Arembipe
aprofundamento a respeito das teorias sobre a formação (Paulo Henriques Britto)
estrutural dos textos em verso.
1.1.2. Classificação por tonicidade
1.1. Tipos de rimas Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste-
mas rímicos a partir de variações entre as tonicidades das
Na aula anterior, vimos o conceito geral de rima.
palavras que fecham o verso.
Agora veremos seus detalhamentos. As rimas podem
ser classificadas de acordo com o valor, a tonicidade, a) Rima aguda (masculina): quando as rimas são feitas
a correspondência fonética e posição no texto. Veja- com palavras oxítonas ou monossílabos
mos os tipos: § per-der / per-cor-rer (oxítonas)
§ mun-da-réu / céu (oxítona + monossílabo)
1.1.1. Classificação por valor
Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste- Exemplo:
mas rímicos a partir de variações entre classes gramati- Um sussurro também, em sons dispersos,
cais ou combinações inusitadas de palavras. Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns, talvez, ainda, os ecos falarão.
a) Rima pobre: quando as rimas são feitas com palavras E em seu surto, a buscar eternamente o belo,
pertencentes a mesma classe gramatical misturado à voz das monjas do Carmelo,
subirão até Deus nas asas da oração.
§ amor / dor (substantivos) (Alberto de Oliveira)
§ correr / perder (verbos) b) Rima grave (feminina): quando as rimas são feitas
com palavras paroxítonas
Exemplo:
§ gar-ra-fa / es-ta-fa (paroxítonas)
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma Exemplo:
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto. Foste o beijo melhor da minha vida,
(Vinícius de Moraes) ou talvez o pior... Glória e tormento,

23
contigo à luz subi do firmamento, Que chega a fingir que é dor
contigo fui pela infernal descida! A dor que deveras sente.
(Olavo Bilac) (Fernando Pessoa)

c) Rima esdrúxula: quando as rimas são feitas com pa- b) Rima interna: as coincidências sonoras aparecem no
lavras proparoxítonas interior de um único versos, geralmente entre palavras que
§ es-tá-ti-co / a-pá-ti-co (proparoxítonas) estão no meio e no fim desse verso (é um tipo menos co-
mum de rima, encontrado geralmente em poemas de ma-
Exemplo: triz oriental, chamados de haicai).
Começou de súbito
A festa estava mesmo ótima Exemplo:
Ela procurava um príncipe
Rosa (que exibida!)
Ele procurava a próxima
que posa assim toda prosa
(Samuel Rosa / Rodrigo Fabiano Leão) é prova de vida.
(Guilherme de Almeida)
1.1.3. Classificação por correspondência fonética
Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste- 1.1.5. Classificação pela
mas rímicos a partir de equalizações / coincidências sono- organização dentro da estrofe
ras entre as palavras que encerram os versos. Na aula anterior, vimos também o conceito geral de estrofe.
a) Rima perfeita (consoante): há correspondência total de Agora veremos sua classificação a partir do modo como as
sons, havendo repetição tanto dos sons vocálicos como dos rimas são organizadas pelo poeta.
sons consonantais (a partir da última vogal tônica do verso) a) Rimas alternadas (ou cruzadas): as rimas organi-
zam-se alternadamente, seguindo o esquema ABAB.
Exemplo:
(A) - Senhora, partem tão tristes
Destes penhascos fez na natureza (B) - meus olhos por vós, meu bem,
O berço em que nasci: Oh! quem cuidara, (A) - que nunca tão tristes vistes
Que entre penhas tão duras se criara (B) - outros nenhuns por ninguém.
Uma alma terna, um peito sem dureza!
(João Roiz de Castel-Branco)
(Cláudio Manuel da Costa)
b) Rimas emparelhadas (ou paralelas): as rimas orga-
b) Rima imperfeita: há correspondência parcial de sons,
nizam-se em duplicatas, seguindo o esquema AABB.
podendo ser as vogais tônicas ou átonas ao final dos ver-
sos (rimas toantes/assonantes); ou apenas as consoantes (A) - Vagueio campos noturnos
(rimas aliterantes) (A) - Muros soturnos
(B) - Paredes de solidão
(B) - Sufocam minha canção.
Exemplo:
(Ferreira Gullar)
O cristal do Tejo Anarda
Em ditosa barca sulca; c) Rimas interpoladas (ou intercaladas): as rimas
Qual perla, Anarda se alinda, organizam-se em sistemas de oposição, seguindo o es-
Qual concha, a barca se encurva. quema ABBA.
(Botelho de Oliveira)
(A) - Busque Amor novas artes, novo engenho
(B) - para matar-me, e novas esquivanças;
1.1.4. Classificação por posicionamento da rima (B) - que não pode tirar-me as esperanças,
Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste- (A) - que mal me tirará o que não tenho.
mas rímicos ao final dos versos (algo mais comum) ou em (Camões)
seu interior (algo mais raro). d) Rimas encadeadas: as rimas correm entre palavras que
a) Rima externa: as coincidências sonoras aparecem no estão no fim de um verso e no início ou meio do outro.
final dos versos (é o tipo mais tradicional de rima
Salve Bandeira do Brasil querida
Toda tecida de esperança e luz
Exemplo: Pálio sagrado sobre o qual palpita
O poeta é um fingidor. A alma bendita do país da Cruz”
Finge tão completamente (Francisco de Aquino Correia)

24
e) Continuadas: o esquema rímico segue de modo contí- Nesse exemplo, de Drummond, a qualificação da “gra-
nuo por todo o poema. vata” só surge no verso seguinte, encerrando o período
e chamando a atenção do leitor para essa informação.
(A) - Já se viam chegados junto à terra
(B) - que desejada já de tantos fora, A voz é dela, embora me pertença
(A) - que entre as correntes Índicas se encerra a música. E mais a mão que a toca.
(B) - e o Ganges, que no céu terreno mora. (Paulo Henriques Britto)
(A) - Ora sus, gente forte, que na guerra
(B) - quereis levar a palma vencedora: Nesse exemplo, de Paulo Henriques Britto, a quebra do ver-
(A) - Já sois chegados, já tendes diante so entre “pertença” e “a música” nos permite duas leituras
(B) - a terra de riquezas abundante! do verso (1. A voz é dela, embora me pertença / 2. A voz é
(Camões) dela embora me pertença a música).

f) Rimas mistas (ou misturadas): as rimas existem, mas


apresentam combinações variadas ao longo do poema (ri- 3. As relações entre forma
mando em alguns pontos e não rimando em outros)
Os navios existem, e existe o teu rosto
e conteúdo no poema
encostado ao rosto dos navios. É muito importante para um bom desempenho nas provas
Sem nenhum destino flutuam nas cidades, de vestibular que os alunos entendam que o conteúdo de
partem no vento, regressam nos rios. um poema (seu assunto) muitas vezes dialoga com sua for-
As palavras que te envio são interditas
ma (estrutura de versos). Vejamos exemplos.
até, meu amor, pelo halo das searas RÁPIDO E RASTEIRO
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras. vai ter uma festa
que eu vou dançar
(Eugénio de Andrade)
até o sapato pedir pra parar.
aí eu paro, tiro o sapato

2. Cavalgamento e danço o resto da vida


(Chacal)

(enjambement) Nesse poema, do poeta carioca Chacal, ele fala sobre uma
O cavalgamento (mais conhecido pela palavra francesa experiência de dançar indefinidamente. Esse seria o conte-
údo (assunto) do poema. Conseguimos perceber que a for-
“enjambement”) consiste em um processo poético de pôr
ma (estrutura) espalha os versos pela página, para a direita
no verso seguinte uma ou mais palavras que completem o
e para a esquerda, como se estivessem dançando. Vemos
sentido do verso anterior.
então que o conteúdo dialoga com a forma.
Trata-se de um recurso que atende a algumas estratégias
DA SUA MEMÓRIA
semânticas do poema, como
mil
§ criar expectativa em relação à conclusão de uma ideia e
§ chamar a atenção para alguma palavra / complemento mui
tos
que surgirá no verso seguinte out
§ ampliar as possibilidades interpretativas de um verso ros
ros
tos
Exemplos: sol
tos
Debaixo dos pés duros dos ardentes
pou
Cavalos treme a terra, os vales soam
coa
(Camões) pou
coa
Nesse exemplo, de Camões, vemos que a palavra “cavalo” pag
chama a atenção por não estar na sequência natural da sen- amo
tença, antes do adjetivo (...pés duros dos cavalos ardentes...) meu
(Arnaldo Antunes)
Que Neruda me dê sua gravata
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski. Nesse poema, de Arnaldo Antunes, vemos que o assun-
(Carlos Drummond de Andrade) to (se lermos as palavras fragmentadas na sequência,

25
encontraremos um período com sentido) é sobre vários
rostos que vão, aos poucos, aparecendo na mente do eu
lírico, e que vão apagando o seu próprio rosto. Em suma,
o poema tem como conteúdo (assunto) o estreitamento
das lembranças de si próprio (por conta de pensar mui-
to nos outros rostos). Para representar isso na forma, o
autor faz justamente um estreitamento na estrutura do
poema, por meio da fragmentação das palavras. Desse
modo, se o poema discute estreitamento de lembranças,
ele terá um formato estreito.

26
envolviam, caça, pesca e outros tipos de contatos com
AULA 16 animais. Por esse motivo, os estudiosos ressaltam que
são pinturas pautadas pela técnica do naturalismo,
que consiste na tentativa de registrar fielmente (realísti-
camente) aquilo que se vê.
As pinturas rupestres também foram encontradas no
LEITURA DE IMAGENS I: Brasil, especialmente na região de São Raimundo Nona-
to, no Piauí e também nas regiões da Chapada Diaman-
ARTE RUPESTRE E tina e Gruta do Sol, na Bahia. Elas apresentam motivos
naturalistas (humanos e animais em cenas de caça)
ARTE DA ANTIGUIDADE ou motivos geométricos (círculos, cruzes e espirais).

COMPETÊNCIAS: 1e4

HABILIDADES: 1, 12, 13 e 14

Artista desconhecido – Pintura rupestre de Altamira (c.15000 a.C.)

1. Leitura de imagens I
1.1. Introdução
Os estudos dessa aula abordarão especificamente expres-
sões artísticas que englobarão um arco que vai da pré-his-
tória (arte rupestre) até o que foi produzido pelos povos
antigos do Egito, da Grécia e de Roma (período conhecido
como Arte da Antiguidade).

1.2. A arte rupestre


O termo “arte rupestre” é usado para descrever a prática Artista desconhecido – Pintura rupestre de Ubirr (c.40000 a.C.)
que os povos antigos tinham de pintar e entalhar rochas,
além de empilhar pedras para formar grandes desenhos
no chão. São trabalhos oriundos do Paleolítico Superior e
do Neolítico. Os mais antigos de que se tem registro estão
na caverna Blombos, na África do Sul. Estima-se que foram
feitas há 77 mil anos.
Há algumas dessas expressões artísticas que se tornaram
mais famosas, especialmente por conta da qualidade do
registro, como é o caso das pinturas rupestres de Ubirr, na Artista desconhecido – Pintura rupestre de Ubirr (c.40000 a.C.)
Austrália; as da caverna de Altamira, na Espanha; ou as
do complexo de Lascaux, na França. Todas elas apresen-
tam grande qualidade artística na represen­tação de figuras
humanas ou animais, dispostas de maneira que tirassem
maior proveito dos contornos das paredes das cavernas
(chegando a transmitir sensações tridimensionais, como as
da caverna de Altamira).
É necessário que entendamos que os registros rupes-
tres nos revelam dados materiais da vivência de povos Artista desconhecido – Pintura rupestre da
muito antigos, especialmente nas suas relações que Gruta do Sol (c.40000 a.C.)

27
1.3. Arte egípcia de frente para o espectador, enquanto a cabeça e as pernas
eram vistas de perfil.
Engloba o período que vai de 2649 a.C. e 1070 a.C, e
apresenta uma notável variedade de expressões artísticas, De acordo com estudiosos, como a arte egípcia estava
como pinturas (em afrescos e papiros), esculturas, cerâmi- intimamente ligada a experiências dinásticas e religiosas
cas e obras arquitetônicas. Importante salientar que, nesse (mesmo as relações de trabalho, como a que é vista na
período, não havia ainda a distinção entre “arte” e “arte- imagem, estavam conectadas à ideia de servir ao faraó), as
sanato”, que aparecerá no Renascimento. imagens não deveriam representar as individualidades (a
criatividade) do artista. As pinturas também não deveriam
Suas obras, em geral, retratavam doutrinas políticas, sociais ter um caráter altamente naturalista (o observador não
e espirituais, com função dinástica, religiosa e cultural. Ape- deve confundir uma pintura com o indivíduo), ela deveria
sar de existirem alguns sistemas de regras para produção ser explicitamente representativa.
artística, nota-se grande criatividade no desenvolvimento
de certas obras.
1.3.2. Escultura
É muito importante conhecermos as bases artísticas egíp-
A escultura egípcia foi trabalhada de maneira bastante
cias, pois elas serão altamente influentes para as produ-
detalhista e naturalista, diferente da pintura. Era comum
ções artísticas gregas e romanas em momento posterior.
que se encomendassem esculturas que reproduzissem não
apenas os dados físicos do indivíduo (por exemplo, fisiono-
1.3.1. Pintura mia e traços raciais), mas também traços de sua condição
A arte pictórica egípcia, apesar de não apresentar sistemas social. Vejamos a imagem a seguir:
adequados de proporcionalidade (diferença ideal de altura/
largura entre figuras humanas ou mesmo entre humanos
e animais), ou sistema de perspectiva (recurso gráfico que
utiliza o efeito visual de linhas convergentes para criar a ilu-
são de tridimensionalidade do espaço e das formas), traba-
lhava com a peculiar “regra da frontalidade”, que veremos
detalhada na imagem a seguir. A pintura se concentrava
em papiros funerários e afrescos realizados, em geral, no
interior de construções como pirâmides.

Artista desconhecido – Inspecionando os campos


para Nebamun (1350 a.C.) - Afresco. Artista desconhecido – Escriba sentado (2500 a.C.)

A pintura acima é um afresco (aplicação de tintura sobre Trata-se de uma das esculturas mais impressionantes da
estrutura previamente preparada com pedra ou gesso) que arte egípcia. Talhada em calcário fino, conserva até hoje
retrata a vivência nos campos de plantação egípcios. Nela sua base constitutiva original (no Louvre, onde está insta-
vemos um sujeito, à esquerda, que inspeciona os campos lada, passou por leve restauração em 1998). O que mais
de trabalho para o Faraó Nebamun (que teria vivido em chama a atenção é o detalhamento do rosto e do corpo
meados de 1350 a.C.). (que influenciará muito, mais adiante, a arte grega). Há
Sobre a parte estética, é possível reparar que – além de também a preocupação em registrar fielmente o trabalho
não ter perspectiva nem proporcionalidade adequada – se- do escriba, com a mão em forma de pinça, como se esti-
guiam uma estética rígida chamada de “regra da frontali- vesse segurando um instrumento de escrita, além de um
dade”, na qual o tronco e um dos olhos eram retratados documento na mão esquerda.

28
1.3.3. Arquitetura
A arquitetura egípcia destacou-se pelo fascinante trabalho
com construções de pirâmides, esfinges e templos. Esses
monumentos eram realizados para atestar a grandiosidade
e a imponência do poder político e religioso dos faraós.

Artista desconhecido – Colunas do templo de Luxor (séc XIV - XII a.C.)

Artista desconhecido – Pirâmides de Quéops, Quéfren e 1.4. A arte grega


Miquerinos, no deserto de Gizé (século XXVII – XXVI a.C.)
A arte grega, em seus primórdios, recebeu forte influência
As pirâmides da imagem acima foram construídas a pedido da produção artística egípcia. Destacam-se as produções
dos faraós que dão nome a cada uma das construções, a escultóricas e arquitetônicas do período. Também encon-
fim de abrigar seus restos mortais. A maior delas, a de Que- tramos pinturas, mas em geral possuem como suporte
óps, possui 146 metros de altura e ocupa uma superfície vasos e ânforas.
de 54.300 metros quadrados, revelando o grande domínio
Os gregos criaram várias obras de arte que enfeitavam
que os egípcios possuíam da técnica de construção.
templos e prédios públicos, celebrando vitórias em bata-
lhas e retratando pessoas famosas já mortas. Foi uma arte
que idealizou um forte projeto realista de reprodução dos
corpos, que em momento posterior influenciaria a arte do
Renascimento.
Já na arquitetura, destacam-se o rápido desenvolvimento
artístico na produção de elementos geométricos e simétri-
cos, além de uma preocupação com a ornamentação que
compunha as colunas dos templos gregos, destacando-se
as ordens arquitetônicas dórica, jônica e coríntia.

1.4.1. As ordens arquitetônicas


Artista desconhecido – Esfinge do faraó Quéfren (século XXVII a.C.)
na Grécia antiga
A imagem acima apresenta uma esfinge que está loca-
Na arquitetura grega, as edificações que mais despertaram
lizada próxima às três pirâmides da imagem anterior. A
interesse foram os templos, que eram locais utilizados não
gigantesca construção (20 metros de altura e 74 de com-
apenas para reunir pessoas para atividades religiosas, mas
primento) tenta representar a figura do faraó Quéfren, no
também para proteger de intempéries climáticas (excesso
entanto, a ação erosiva do vento e das areias do deserto
de chuva ou sol). Sua construção obedecia a regras bem rí-
desgastaram a imagem (o nariz, por exemplo), dando-lhe
gidas que foram evoluindo com o passar do tempo, e essas
um aspecto misterioso.
mudanças deram origem ao que chamamos de (novas) or-
Quanto aos templos, o mais conhecido é o “Templo de dens arquitetônicas (que consistiam em modificações pon-
Luxor”, cujas apresentam um aspecto ar­tístico importante: tuais na ornamentação e reforço da construção). Vejamos
são decoradas com uma espécie de flor de papiro enro- as três principais ordens:
lada na base (corpo da coluna) e no capitel (a cabeça da
I. Ordem dórica
coluna). Esse tipo de decoração servirá de ins­piração para
a composição de outros modelos de colunas e capitéis que A ordem dórica surge nas costas do Peloponeso, em mea-
veremos na arte grega. dos do século V a.C. É a mais simples das ordens. Foi muito

29
empregada no exterior de templos mais baixos, de caráter III. Ordem coríntia
sólido. A coluna não tem base, tem entre quatro a oito mó- A ordem coríntia é característica do final do século V a.C.
dulos de altura, o fuste apresenta vinte estrias (sulcos ver- É um estilo predominantemente decorativo. A coluna apre-
ticais na coluna). O capitel é simples, sem ornamentação, e senta na base um fuste que é composto por vinte e quatro
se assemelha a uma almofada. sulco afiados. O capitel apresenta uma exuberância deco-
rativa que imitavam folhas de uma planta chamada acanto.
Foi um sistema de ornamentação que, posteriormente, foi
muito utilizado na arte romana. Também, o teto difere da
ordem anterior: passa a ser horizontal.

Exemplo de estrutura dórica

II. Ordem jônica Exemplo de estrutura coríntia

A ordem jónica surge na Grécia oriental por volta de 450


a.C. (sendo muito usada em Atenas). Durante um bom
tempo, ela se desenvolveu em conjunto com a ordem dó-
rica, no entanto, suas formas mais fluidas, que traziam um
aspecto de maior leveza ao monumento, fizeram com que
fosse mais utilizada do que a ordem antiga. A coluna pos-
sui uma base larga (a dórica não possuía base), o fuste
é mais detalhado, apresentando vinte e quatro sulcos. O Planta de templo grego: nota-se o cuidado com a simetria
capitel apresenta um desenho espiralado (como se fossem dos espaços, com dimensões que se apresentam idênticas.

rolos projetados para os lados).

Colunas do Partenon (c. 440 a.C.), na Acrópole de Atenas

O famoso monumento grego chamado Partenon apre-


senta um conjunto de ornamentação de ordem dórica.
Reparem que o corpo das colunas é mais grosso, firmado
diretamente no degrau mais elevado do templo (não há
base). O capitel era mais simples. A arquitrave era lisa e
apoiada diretamente nas colunas. Sobre ela havia alguns
retângulos com sulcos verticais e retângulos que poderiam
Exemplo de estrutura Jônica ser lisos, pintados ou com figuras em relevo.

30
quebrando-se facilmente (como vemos na perna do guerrei-
ro, na imagem apresentada acima). A partir daí, começarão,
no século V a.C., as produções de esculturas em bronze, um
material mais resistente, que permitiu inclusive maiores de-
talhamentos da escultura (como, por exemplo, permitir ao
espectador perceber a alternância entre membros tensos –
com veias saltadas – e membros relaxados).

1.4.3. Pintura
A pintura na Grécia antiga não foi o elemento artístico de
maior destaque, e como em outras civilizações, apareceu
como elemento de decoração da arquitetura e da escul-
Colunas de Erecteion (c. 420 a.C.), na Acrópole de Atenas
tura. São muito comuns os grandes painéis pintados que
O templo de Erecteion apresenta um conjunto de orna- recobriam paredes de templos ou outras construções. O
mentação ordem jônica, que consistia em corpo das colu- maior destaque fica por conta das pinturas realizadas em
nas mais fino, firmado em uma base (um pequeno círculo cerâmica, mais especificamente em vasos e ânforas.
decorado). O capitel era ornamentado. A arquitrave era Essas pinturas ficaram conhecidas por valorizarem o equi-
marcada por três faixas horizontais. Sobre ela havia uma líbrio e a simetria entre os desenhos apresentados e o for-
faixa de esculturas em relevo. mato curvo dos vasos, além do uso de cores intensas que
davam maior destaque às imagens.
1.4.2. Escultura
A escultura grega se desenvolve no século VII a.C. Muito
influenciados pelos artistas egípcios, os gregos esculpiam
seus trabalhos em grandes blocos de mármore. Seus traba-
lhos escultóricos prezavam o naturalismo das figuras (ten-
tativa de imprimir grande realismo), valorizando a simetria
natural do corpo humano. Nesse sentido, havia preferência
pela pintura de corpos nus, normalmente em posição frontal,
para que a distribuição simétrica fosse mais adequada. Ao
final da composição, a obra deveria ser não apenas realística,
mas também bela em sim mesma (ou seja, havia um ideal de
beleza / perfeição humana na composição das obras).
A escultura grega, por não estar presa a regras religiosas,
pode se desenvolver mais livremente. Desse modo, passa-
mos a ver em períodos posteriores esculturas mais ousa-
das, em que o corpo humano aparece não apenas de pé,
mas em outras posições, como vemos na imagem a seguir:

Exéquias – Ânfora da Ática com figuras negras (c.540 a.C. – 530 a.C.)

As pinturas em ânforas apresentavam silhuetas em negro


sobre um fundo em geral avermelhado. Costumavam retra-
Artista desconhecido - Guerreiro caído, do frontão triangular tar a mitologia grega e outros aspectos da época, como ritos
do Templo de Afaia, Egina (500 a.C – 480 a.C).
funerários, competições esportivas, trabalhos e feitos heroi-
Nessa escultura percebemos a preocupação com a perfeição cos no campo de batalha. Originalmente, esses objetos eram
dos corpos e o detalhamento dramático da expressão do utilizados em rituais religiosos ou mesmo para armazenar
guerreiro. O principal problema das posições inusitadas das água, vinho, azeite e outros mantimentos. Com o passar do
esculturas de mármore é que, muitas vezes, elas concentra- tempo, devido à qualidade e equilíbrio das imagens, passa-
vam um excesso de peso em algum ponto sem sustentação, ram a ser entendidos também como objetos artísticos.

31
1.5. A arte romana apresenta uma planta com uma cúpula circular fechada, que
cria um espaço isolado do exterior onde o povo se reunia
A arte romana recebeu influência definitiva da arte gre-
para o culto. Enquanto os monumentos gregos chamavam a
ga, especialmente no que diz respeito à manutenção do
atenção pelas peculiaridades de seu exterior, os monumen-
caráter naturalista das obras (esculpidas, em sua maio-
tos romanos trarão a atenção para o interior de suas obras.
ria, em bronze). Vemos também um grande número de
inovações na arquitetura, especialmente pela influência O trabalho com os arcos e as abóbadas permitiu também
dos povos etruscos, que deixaram como legado para os outros avanços: enquanto os templos gregos tinham que ser
romanos o uso dos arcos e das abóbadas nas constru- assentados próximos a colinas (tanto para favorecer a segu-
ções. Isso permitiu aos romanos desenvolverem cons- rança, evitando desmoronamentos, quanto para permitir a
truções não só mais amplas, mas também com espaços reunião do povo no entorno do templo), os romanos conse-
internos mais livres (uma vez que os arcos e as abó- guiam sustentar suas obras em qualquer espaço, indepen-
badas ajudavam a eliminar o excesso de colunas que dentemente da topografia, permitindo melhor sustentação e
habitualmente sustentavam as construções gregas). favorecendo boa visão do espaço interno. O Maior exemplo
Já na pintura, destacam-se os afrescos e as composições desse tipo de construção é o Coliseu romano.
em mosaicos de mármore. Um importante avanço desse
período é o fato de notarmos já em algumas obras os pri-
meiros trabalhos com a técnica da sobreposição (colocação
de um objeto opaco diante de outro, criando uma sensa-
ção de profundidade).

1.5.1. Arquitetura
Os templos romanos – grande destaque do período –
eram, em geral, construídos em um plano mais elevado Coliseu – Roma, Itália (68 – 79 d.C.)
e a entrada só era alcançada através de uma escadaria
É possível notar que o Coliseu é circundado externamente
construída diante da fachada principal. Estes elementos
por vários arcos que favorecem sua sustentação, e sua ele-
arquitetônicos – pórtico e escadaria – faziam com que a
vação e formato circular criam um sistema de auditório que
fachada principal fosse bem distinta das laterais e do fundo
favorece a visão do espaço interno.
do edifício, como vemos na imagem a seguir:

Maison Carré, Nimes – França (16 a.C.)

Na imagem apresentada, vemos também que o monu-


mento apresenta várias características que foram preser-
vadas da arquitetura grega. No entanto, o trabalho com
os arcos e as abóbadas permitiu aos romanos um melhor
desenvolvimento dos espaços internos, como vemos no
Panteão romano.
É possível notar que, embora a parte externa da construção
se assemelhe muito às construções gregas, a parte interna Panteão, Roma – Itália (Século II)

32
1.5.2. Escultura 1.5.3. Pintura
Como dito no início dessa aula, a escultura romana se Embora circunscrita ao interior de templos e outras cons-
inspira na arte grega, pelo menos no que diz respeito ao truções, a arte pictórica romana também apresentou al-
caráter naturalista das esculturas. No entanto, não ha- guns avanços interessantes. Inicialmente, era comum que
via uma preocupação com os ideais de beleza cultivados as paredes de monumentos fossem decoradas com uma
pelos gregos. Para os artistas romanos, a preocupação camada de gesso que imitava placas de mármore. A partir
era mais pragmática, por isso é comum percebermos que desse trabalho, os artistas começaram a perceber que ape-
as esculturas dos indivíduos são esculpidas valorizando a nas com a pintura, era possível criar a ilusão de que na pa-
indumentária (ou seja, não há a preocupação em produ- rede existia um bloco de mármore saliente. Daí, da suges-
zir um corpo nu detalhado). A valorização da vestimenta tão da saliência para a sugestão de profundidade foi um
também está ligada ao fato de que ela, muitas vezes, pequeno salto. Em suma, os artistas romanos, aos poucos,
consolidava uma forte representação política, como ve- passaram a manipular a sugestão de frente e fundo, não
mos na imagem a seguir: só nos afrescos, mas também nos mosaicos, técnica muito
desenvolvida no período, e que vemos na imagem a seguir:

Artista desconhecido – Mosaico de Alexandre (333 a.C.)

A técnica do mosaico consiste na colocação, lado a lado,


de pequenos pedaços de pedras de cores diferentes sobre
uma superfície de gesso ou argamassa (em cima de um
desenho previamente definido). Após isso, a superfície re-
cebe uma solução de cal, areia e óleo que fixa a imagem e
preenche os espaços vazios, gerando um resultando muito
parecido com uma pintura.
A imagem acima apresenta um mosaico (já bem danifica-
do à esquerda) em que vemos não só sua semelhança com
uma obra pictórica, como conseguimos constatar o uso da
técnica da profundidade) vemos cavaleiros e cavalos pos-
tos mais à frente e outros mais ao fundo.

Artista desconhecido – Augusto de Prima Porta – Mármore (20 a.C.)

Nessa obra há que se destacar, para além da preocupa-


ção com a característica realista dos corpos, há a ideia
do detalhamento da vestimenta romana, vinculada a
ideia de composição de um líder. O braço levantado,
como se estivesse dando uma ordem, traz a obra de arte
para um campo mais naturalizado da experiência uma
humana (um líder em suas ações). Há ainda o curioso
fato de, simbolicamente, vincular o sujeito político ao
sujeito divino, colocando aos pés do imperador Augusto
um cupido sustentado por um golfinho. Há ainda, na
parte frontal da vestimenta, várias figuras míticas e reli-
giosas esculpidas em alto-relevo.

33
da capital do Império, dando origem a obras que assumem
AULA 17 um caráter mais majestoso (que exibem poder e riqueza).
Foi um tipo de arte centrada em exaltar a religião cristã e a
autoridade do imperador (considerado um ser sagrado, re-
presentante de Deus na Terra), e por conta disso, acabou sen-
do pautada por muitas regras estabelecidas por sacerdotes.
LEITURA DE IMAGENS II: Por exemplo, recuperou-se a regra da frontalidade da arte
egípcia (com leves modificações), fazendo com que a ênfase
DA ARTE MEDIEVAL À das imagens religiosas fosse na rigidez da figura retratada

ARTE RENASCENTISTA (conduzindo o espectador a uma atitude de veneração e res-


peito). Além disso, toda base de composição (lugar dos per-
sonagens, posição do corpo, das mãos, dobras de roupa) era
determinada pelos sacerdotes. Era uma arte que apresentava
COMPETÊNCIAS: 1e4 características figurativas (menos realistas) e decorativas.

HABILIDADES: 1, 12, 13 e 14 1.1.1. Arquitetura


A arquitetura foi predominantemente religiosa, marcada
pela construção de grandes e sofisticadas basílicas, que mes-
clavam características dos grandes monumentos romanos e
certo clima místico, muito comum nas construções orientais.
1. Arte medieval
A arte do período medieval pode ser dividida em três mo-
mentos de maior destaque:
1º Arte bizantina – produção artística que corresponde
ao território onde estava localizado o Império Romano do
Oriente. Apresenta uma produção de maior relevância a par-
tir do século VI (embora tenha se iniciado um pouco antes)
que se estende até meados do século XV, quando os turcos
tomam a cidade de Constantinopla, capital do Império.
2º Arte românica (ou romanesco) - produzida na
transição da Alta Idade Média para a Baixa Idade Média
(séculos XI e XII). Trata-se de uma produção que recebe
influência não só das experiências artísticas romanas (es-
pecialmente o Império Romano do Ocidente), mas também
de outras matrizes, como a egípcia, a persa, a bárbara (Es-
candinávia e Alemanha) e bizantina.
3º Arte gótica – produção artística que se inicia propria-
mente na Baixa Idade Média, passando pelo Renascimento
do século XII, e alcançando o Renascimento Italiano (Góti-
co Italiano) já na passagem do século XIV para o século XV.

1.1. Arte bizantina Basílica de Santa Sofia (532 – 537)

A arte bizantina é uma vertente que surge mais precisa- Umas das características que mais chama a atenção na Basí-
mente após o Imperador Teodósio decretar o cristianismo lica de Santa Sofia é a sua enorme cúpula (domo), que é sus-
como religião oficial do império romano (em 391 d.C.). Nos tentada por outras abóbadas esféricas. Essa cúpula central
anos anteriores, havia predominado uma produção deno- é vazada por quarenta janelas em arco que permitem a en-
minada arte cristã primitiva, que tinha como característi- trada da luz, dando leveza à estrutura e oferecendo a ilusão
ca – além da forte religiosidade – obras simples, de base de um anel celestial que se projeta para o centro do salão.
popular. Por outro lado, a produção artística bizantina vai Vemos também que a parte interna é marcada por grande
coincidir com um momento de grande esplendor e riqueza opulência, com muitas ornamentações em cor dourada.

34
1.1.2. Pintura e escultura A obra acima é uma das mais importantes da arte bizan-
tina e foi produzida já próximo à queda de Constantino-
A pintura e a escultura também apresentavam demarcação
pla. Trata-se de um monumento de contemplação espi-
religiosa e ficaram bastante conectadas à arquitetura (ser-
ritual na fé cristã. É importante notar que a pintura não
vindo muitas vezes como ornamentação das basílicas). Na
é essencialmente realística, mas figurativa, atendendo a
pintura, destacaram-se técnicas variadas, como o mosaico
demandas de contemplação.
(que dava à obra um ar, muitas vezes, de riqueza) e a têm-
pera (técnica em que se misturavam pigmentos a algum
aglutinante, como gema de ovo, a fim de se conseguir um
resultado de tintura mais brilhante e luminoso). Na escultu-
ra, destacam-se alguns belos trabalhos com marfim.

Artista desconhecido – Tríptico Borradaile (século X) – Marfim

Acima, vemos um tríptico (escultura ou pintura fundada


Artista desconhecido – Cristo Pantocrator, Basílica de
Monreale – Itália (1180 – 1190) – Mosaico
em três painéis, conectados por dobradiças, e cujas ima-
gens orientam uma leitura que apresenta conexões) que
Vemos que a imagem apresentada apresenta o Cristo em demonstra o rígido sistema de organização e ordem da
posição frontal, projetado na parte superior interna da arte bizantina: vemos que as figuras são apresentadas si-
abóbada principal da basílica (demarcando imponência. metricamente (mesma quantidade à esquerda e à direita).
Sua expressão é séria e demonstra autoridade, e vemos
que o mosaico é contornado por pedras douradas, demar-
cando a magnificência da imagem.
1.2. Arte românica
No século IX, com a subida ao poder do Imperador Carlos
Magno (como imperador do Ocidente), aumenta o incen-
tivo às artes na corte como um todo. Criam-se academias
literárias e oficinas para produção de objetos de arte. Esse
grande desenvolvimento cultural também promoveu um
resgate das tradições artísticas greco-romanas. Alguns
séculos depois, o resgate dessas tradições da antiguida-
de, misturado a outras influências artísticas do período,
fez com que surgisse um novo estilo que se consolidou
com maior força na arquitetura: o estilo românico (ou ro-
manesco), que determinará a produção artística medieval
entre os séculos XI e XII.

1.2.1. Arquitetura
As igrejas românicas ficaram conhecidas pela sua arquite-
tura peculiar, formada pelas abóbadas, pilares maciços e
paredes espessas. São igrejas grandes e sólidas (com orien-
tação horizontal), conhecidas como “fortalezas de Deus”.
Abóbada de berço: consistia num semicírculo, também
chamado de arco pleno, ampliado lateralmente por pare-
Andrei Rublev – Santíssima Trindade (1410) – Têmpera sobre madeira des solidas. Apresentava algumas desvantagens, como o

35
peso excessivo que ficava sobre o arco central, correndo colunas com capitéis que lembravam muito os vistos na arte
riscos de desabamento, além da baixa luminosidade no greco-romana. Também são muito comuns os tímpanos (es-
interior das construções, devido ao fato de se ter pouca pos- paços geralmente triangulares ou em arco, lisos ou ornados
sibilidade de inserção de janelas com esculturas, limitados pelos três lados do frontão por um
ou mais arcos ou por linhas retas que assentam sobre o por-
Abóbada de aresta: consistia numa intersecção em ângu-
tal de entrada de uma igreja, catedral ou templo).
lo reto de duas abóbadas de berço apoiadas sobre pilares.
Com isso distribuía-se melhor o peso das pedras para evitar
desabamentos, além de transmitir leveza para a construção
e melhorar a luminosidade dos espaços internos.

Abóbadas de berço e de aresta

Autor desconhecido – Cristo em majestade, Igreja de


San Clemente – Espanha (1123) – Afresco
O afresco acima, é uma imagem religiosa que lembra o Cris-
to Pantocrator que vimos nos estudos de arte bizantina. No
entanto, a imagem aqui segue algumas outras regras. Na
pintura religiosa romanesca, vemos que, além da regra da
frontalidade, temos um proposital sistema de desproporção
Abadia de Moissac, França (506 d.C.) e deformação da imagem (de modo que o Cristo, ao centro,
Vemos que as construções arquitetônicas romanescas, for- seja sempre maior que as demais figuras). Outro ponto que
madas por abóbadas de berço ou de aresta, davam origem chama a atenção é a técnica do colorismo, em que havia
a monumentos mais espessos (e, por isso, mais resistentes), uma distribuição variada e intensa de cores sobre a imagem,
mas que não favoreciam a iluminação (podemos reparar sem que houvesse preocupação em se trabalhar meios-tons,
que as janelas são feitas a partir de pequenas aberturas na matizes ou jogos de luz e sombra.
lateral da construção. Outro ponto relevante é a orientação
horizontal. Como as abóbadas de berço e de aresta não
sustentam muito peso, as igrejas, embora fortes e resisten-
tes, não eram muito elevadas.

1.2.2. Pintura e escultura


A pintura e a escultura também, como na arte bizantina,
apresentavam demarcação religiosa e ficaram bastante co-
nectadas à arquitetura. Na pintura, o principal diferencial
seria na técnica utilizada: como as igrejas possuíam paredes
feitas com pedras espessas, isso favorecia um preparo pré-
vio delas para inserção de afrescos (pinturas sobre gesso ou
argamassa). A escultura também se desenvolveu nas igrejas
e abadias. Influenciadas pela experiência da antiguidade
clássica, as obras nos espaços religiosos são formadas por Tímpano da Abadia de Moissac

36
Vemos que o tímpano é uma escultura que se insere nos
portais das igrejas, basílicas e abadias, e que seguem a
mesma orientação religiosa do período.

1.3. Arte gótica


No século XII, a economia fundamentada no comércio faz
com que a vida social se desloque do campo para a cida-
de, surgindo aí a burguesia urbana. Nesse período, ainda
predomina a arte românica, mas já começam a aparecer as
primeiras mudanças que promoverão uma revolução pro-
funda na arte, em especial na arquitetura.
Embora viesse se desenvolvendo desde o século XII, foi
apenas no século XIV que ganhou a denominação de arte
gótica. Sua principal característica reside na evolução dos
arcos e abóbadas utilizadas na construção e sustentação Abóbada de nervura
das igrejas. A criação do arco ogival (um arco com parte
superior não arredondada, mas cortada em um ângulo)
permitiu o desenvolvimento de um novo tipo de abóbada:
a de nervuras. Essa abóbada, por possuir vários arcos ogi-
vais entrelaçados, trazia duas grandes vantagens:
§ permitia o uso de colunas mais finas para a sustenta-
ção das construções, ao invés das grossas paredes que
existiam na arquitetura românica, o que, além de trazer
um aspecto mais elegante para a edificação, favorecia
a inserção de janelas maiores Basílica de Saint-Denis, França (século VII) –
Exterior (esquerda) – Interior (direita)
§ sustentava muito mais peso, fazendo com que as cons-
A basílica de Saint-Denis é um claro exemplo de arquite-
truções pudessem ser mais elevadas (dando um tom de
tura gótica. Vemos na imagem do interior que sua susten-
imponência para a edificação)
tação é feita por abóbadas de nervura e colunas finas. Na
imagem do exterior, vemos que isso favorece a horizonta-
lização da igreja (que passa a ser mais alta e imponente)
e a entrada de um número maior de janelas e vitrais com
temática religiosa.

1.3.1. Escultura e pintura


A escultura permaneceu atrelada à arquitetura, sendo usa-
da como ornamentação dos monumentos religiosos. Já a
pintura, passa a ter um maior desenvolvimentos, principal-
mente na passagem dos séculos XIV para o XV

Os arcos ogivais diferem dos arcos de forma perfeita da 2. Renascimento


arte românica, pois não são arredondados na parte su- Possivelmente, o Renascimento é um dos períodos mais
perior (apresentam um corte angular). Esse formato foi profícuos da história da arte. Configurou-se como um mo-
essencial para a criação de abóbadas de nervura. vimento cultural desenvolvido na Europa a partir do século
As abóbadas de nervura são construídas com vários arcos XIV até meados do século XVII. Os locais de maior expres-
são foram a Itália, a Alemanha, a Bélgica e os Países Baixos.
ogivais, o que cria um topo entrelaçado (as nervuras). Esse
entrelaçamento melhora a sustentação (favorecendo a hori- A consolidação da burguesia instituiu na sociedade a
zontalidade da edificação), e as colunas mais finas permitem figura do mecenas, que seria o grande financiador não
a colocação de mais janelas (o que favorece a iluminação). apenas de pesquisas científicas (a fim de que a sociedade

37
avançasse do ponto de vista da exploração socioeconô- seriam a Bélgica e Luxemburgo); o Renascimento italiano
mica), mas também de projetos culturais (as artes como e também o Renascimento na Alemanha e Países Baixos. 
consolidação da imagem e do poder financeiro do bur-
guês na sociedade do período). Também, o pensamento 2.1.1. O gótico flamengo
de ordem mais racional (antropocêntrico) que começava
O gótico flamengo foi uma expressão artística ligada aos pri-
a operar no período faz com que os valores medievais
meiros anos do Renascimento, e que marca justamente uma
(vinculados a um pensamento católico-cristão) sejam dei-
procura por uma pintura mais realista não apenas do ponto
xados de lado pelo homem do Renascimento, que passa-
de vista da imagem, mas também da temática, retratando
rá a buscar novos valores na Antiguidade Clássica.
com maior frequência cenas da vida doméstica (sem deixar
Do ponto de vista estético, o investimento do mecenato fez de lado o dado de espiritualidade que ainda era muito forte).
com que houvesse grandes inovações artísticas no período.
Embora despertem a atenção pela alta qualidade realística,
Os estudos aprofundados em geometria, perspectiva, anato-
os artistas flamengos não costumavam organizar suas com-
mia humana e tridimensionalidade fizeram com que as obras
artísticas ganhassem uma dimensão de perfeição nunca an- posições a partir de rigorosos métodos matemáticos para
tes vista. Essa ideia de obra de arte que reproduz o indivíduo cálculos de perspectiva e proporção (como veremos com
a partir de uma preocupação em representa-lo perfeitamen- frequência no Renascimento Italiano). Eles preferiam traba-
te em suas dimensões corporais remete justamente aos ide- lhar de modo mais intuitivo, sendo os primeiros a explorar
ais de beleza e perfeição da representação do indivíduo que mais intensamente as possibilidades da pintura a óleo.
vimos nos estudos de arte grega e romana.
Vale ressaltar que foi um período artístico em que os gran-
des destaques ficaram por conta da arte pictórica e da arte
escultórica. A arquitetura apresentou alguns avanços mais
simples em relação ao projeto gótico, investindo em cons-
truções que articulassem a proporcionalidade entre suas
partes (ou, em termos mais práticos, uma edificação que
respeitasse uma geometria mais organizada).

2.1. A pintura e a escultura renascentista


A interpretação mais científica do mundo, que vemos no
Renascimento, refletiu-se na pintura e na arquitetura por
meio da aplicação – na arte – dos estudos de perspecti-
va, geometria, proporcionalidade, anatomia, matemática,
entre outros. Vale ressaltar que muitos desses despertaram
outras tendências importantes: foi o caso dos estudos de
perspectiva, que conduziram os artistas a uma preocupa-
ção com o trabalho de iluminação na pintura, por meio
da técnica do claro-escuro, em que o artista pinta algumas
áreas iluminadas e outras na sombra. Esse jogo de con-
trastes faz com que os corpos ganhem uma aparência de Jan van Eyck, O casal Arnolfini (1434) – Óleo sobre tela
volume (favorecendo o naturalismo / realismo da pintura).
O casal Arnolfini é certamente a obra mais famosa da pin-
Outro aspecto relevante do Renascimento, em especial da
tura flamenga. Trata-se de uma primorosa obra feita a óleo,
pintura, é a formação de um estilo artístico mais pessoal.
que retrata um espaço doméstico burguês (possivelmente
No caso, o artista não estava necessariamente obrigado a
uma reservada cerimônia religiosa matrimonial). Merece
produzir uma obra que estivesse vinculada a alguma matriz
destaque o trabalho com a técnica da profundidade, ainda
religiosa (algo muito comum na arte egípcia ou medieval)
mais acentuado pela inserção de um espelho convexo ao
ou mesmo que objetivasse a veneração de algum líder.
fundo da imagem que reflete o próprio autor da pintura e
Essa maior autonomia, fez com que, no período, surgissem
outra pessoa a seu lado (talvez o padre responsável pela
um grande número de artistas com características próprias.
consolidação do casamento). Vemos que é uma imagem
Em geral, estudamos a arte do Renascimento em três es- que está situada em um campo que é mais humanista (que
paços: o gótico flamengo (praticado nas regiões que hoje registra a vida privada) sem perder a dimensão religiosa.

38
2.2. Renascimento italiano

Sandro Botticelli, A primavera (c. 1478) – Óleo sobre tela

Nessa famosa pintura de Sandro Botticelli, vemos um trabalho que é inspirado claramente nas fontes greco-romanas. A re-
tomada de deuses e outras figuras mitológicas da antiguidade (temos Vênus ao centro, Zéfiro e Clóris à direita, entre outras
figuras) é um dos traços marcantes da pintura renascentista italiana. Além disso, podemos ver que o trabalho com os corpos
tenta seguir o ideal de beleza da Antiguidade Clássica.

Leonardo da Vinci, Homem Vitruviano (1490) – Lápis e tinta sobre papel.

39
O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, é um desenho
à lápis feito pelo autor, acompanhado de algumas anota-
ções. Tornou-se famoso por indicar em um pequeno espa-
ço uma variedade de estudos, como anatomia, geometria,
proporcionalidade e simetria. Tais estudos acabaram viran-
do a base não apenas do trabalho pictórico de da Vinci,
mas de quase todo o tipo de pintura naturalista que foi
produzida posteriormente.

Michelangelo, Davi (1501 – 1504) – Mármore

2.3. Renascimento na Alemanha


e nos países baixos
O Renascimento na Alemanha e nos países baixos, embora
seguisse muitos dos parâmetros que vimos na vertente ita-
liana, ainda exibe, de certa forma, resquícios de uma matriz
teocêntrica, remanescente do período medieval. Vejamos
Leonardo da Vinci, Mona Lisa (1503 – 1506) – Óleo sobre tela algumas obras.

Também conhecida como Gioconda, a famosa obra de


da Vinci também nos dá uma noção da qualidade téc-
nica do autor. A modelo é colocada propositalmente em
uma espécie de balcão que permite ao autor realizar um
trabalho com a perspectiva (na paisagem ao fundo), a
sobreposição (em que percebemos que, quanto mais
longe, mais opaca se torna a figura) e também com as
nuances de iluminação (que parece se projetar com maior
claridade na pele da modelo e no fundo da paisagem, e
de modo mais escurecido no vestido e na parte inferior
do quadro). Vale ressaltar também o cuidadoso trabalho
com as feições de Mona Lisa, resultado de cuidadosos
estudos de anatomia e simetria).
A escultura de Michelangelo também é exemplar dos traba-
lhos escultóricos vistos no Renascimento italiano. Vemos que
a ideia grega de representar o corpo nu, a fim de melhor de-
talhar sua simetria, é resgatada nesse período. Não apenas o
ideal de beleza está em cena, mas a ideia de transmitir certas
sensações por meio do trabalho esculpido: a cabeça ereta e
o resto passam uma imagem de autoconfiança, as mãos são
razoavelmente grandes, permitindo ver as veias saltadas de Albrecht Durer, Os quatro cavaleiros do
tensão, e dando uma maior percepção de sua força. Apocalipse (1498) – Xilogravura

40
A obra acima faz parte de uma coletânea de quinze xilogravuras (técnica de gravura na qual se esculpe a imagem na madeira
para posterior reprodução da imagem gravada sobre o papel ou outro suporte adequado. É um processo muito parecido com
um carimbo) batizadas de Apocalipse. É possível notar que as técnicas do desenho são muito avançadas, com profundidade
e grande detalhamento dos corpos, no entanto a temática é de tonalidade religiosa.

Hieronymus Bosch, O jardim das delícias (1500 – 1505) – Óleo sobre tela

Uma das obras mais fascinantes do período, O jardim das delícias de Hieronymus Bosch chama a atenção pelo caráter
fantasioso (chegando a lembrar uma obra surrealista). Trata-se de um tríptico com muitas referências religiosas. O painel da
esquerda mostra uma espécie de paraíso (vemos figuras bíblicas como Adão e Eva, que parece ter acabado de ter sido criada
a partir da costela de Adão). O painel da direita seria um inferno repleto de instrumentos musicais (vemos sujeitos sendo
torturados). Já o painel central, apresenta o tal Jardim das delícias, um local onde estariam os prazeres terrenos (conseguimos
ver figuras tendo relações sexuais).

Pieter Bruegel, Jogos infantis (1560) – Óleo sobre tela

41
Nessa pintura, Pieter Bruegel, apesar de já estar inserido no contexto do Renascimento, retrata a realidade das pequenas al-
deias que ainda conservavam a cultura medieval. Vale a penas ressaltar, no entanto, que embora retrate a cultura medieval, a
temática da pintura não tem vínculos religiosos. Ela chama a atenção pelo volume de personagens em cena e pela sensação
de movimento que dimensões circulares das personagens imprime na imagem.

Hans Holbein, Os embaixadores (1533) – Óleo sobre tela

Hans Holbein talvez tenha sido o pintor do Renascimento alemão que mais valorizou a característica humanística / racional
que víamos na vertente italiana. Em gera, suas obras retratam personagens dotadas de um realismo tranquilo, sem que exis-
tam as agitações que vimos nas obras anteriores. Na imagem acima, vemos também a inserção na pintura de uma curiosa
técnica que surge no período: a pintura anamórfica. Trata-se da inserção de uma imagem distorcida em algum ponto da
pintura que só adquire forma natural quando vista de determinado ângulo, ou com o suporte de algum espelho cilíndrico
posicionado no centro do quadro.

42
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

O Enem exige que o candidato tenha A maior parte das questões de Literatura
conhecimento das diferentes escolas literárias. se refere às obras de leitura obrigatória.
Neste livro, encontram-se alguns exercícios a Neste livro, encontram-se alguns exercícios a
respeito de dois assuntos muito recorrentes respeito do Modernismo, movimento do qual
nessa prova: Modernismo e vanguardas do algumas das leituras exigidas pelo exame
século XX. fazem parte.

A maior parte das questões de Literatura se As questões contemplam o conhecimento As questões contemplam o conhecimento
refere às obras de leitura obrigatória. Neste acerca das escolas literárias, bem como de acerca das escolas literárias, bem como de
livro, encontram-se alguns exercícios a respei- seus principais representantes. Neste livro, seus principais representantes. Neste livro,
to do Modernismo português, movimento do encontram-se alguns exercícios a respeito encontram-se alguns exercícios a respeito
qual faz parte “O marinheiro”, de Fernando da estética modernista e das vanguardas do Modernismo, conteúdo muito frequente
Pessoa. europeias que a influenciaram. neste exame.

Parte das questões de literatura dessa prova A prova exige conhecimentos acerca dos As questões contemplam o conhecimento A prova exige conhecimentos acerca dos
se baseia nas obras de leitura obrigatória diversos movimentos literários. Neste livro, acerca das escolas literárias, bem como de movimentos literários no Brasil e em Portugal.
da Fuvest. Neste livro, encontram-se alguns estão presentes questões sobre a estética seus principais representantes. Neste livro, Neste livro, estão presentes questões que
exercícios sobre o Modernismo, estética modernista, conteúdo bastante frequente encontram-se alguns exercícios a respeito abordam como o Modernismo se desenvolveu
literária que aparece com muita frequência nesse vestibular. da estética modernista e das vanguardas em território nacional e lusitano.
neste exame. europeias que a influenciaram.

UFMG

A maior parte das questões de Literatura se A maior parte das questões de Literatura A prova avalia os conhecimentos acerca dos
refere às obras de leitura obrigatória. Neste li- se refere às obras de leitura obrigatória. gêneros literários e dos movimentos literários
vro, encontram-se alguns exercícios a respeito Entretanto, para interpretar corretamente tais brasileiros. Neste livro, encontram-se alguns
da primeira geração do Modernismo brasileiro, obras, é essencial conhecer bem os movimen- exercícios a respeito da estética modernista
na qual está inserido Mario de Andrade. tos literários e seus principais representantes. e das vanguardas europeias que a influen-
ciaram.

As questões contemplam o conhecimento A prova avalia os conhecimentos acerca dos A maior parte das questões de Literatura
acerca dos diferentes gêneros literários e das gêneros literários e dos movimentos literários se refere às obras de leitura obrigatória. No
escolas literárias brasileiras, bem como de brasileiros. Este livro contém exercícios sobre entanto, também são comuns exercícios
seus principais representantes. a estética modernista e o estilo de seus que cobrem o conhecimento do candidato
principais representantes. acerca dos movimentos literários em geral,
bem como de seus principais
representantes.
LITERATURA

45
AULAS 27 E 28 Vanguardas: o futuro é agora!
Do francês avant-garde, a palavra vanguarda significa
“o que marcha na frente”. Artística ou politicamente,
vanguardas são grupos ou correntes que apresentam
uma proposta e/ou uma prática inovadora. Como se
TEORIA DAS tivessem “antenas” que captam as tendências do fu-
turo, as vanguardas acreditam perceber, ou compreen-
VANGUARDAS der antes de todos aquilo que mais tarde será o senso
comum. Sua intenção é fazer o futuro acontecer agora,
por isso, suas ações muitas são incompreendidas.

COMPETÊNCIAS: 4e5

HABILIDADES: 12, 15, 16 e 17

1. O conceito de vanguarda

O grito. Edvard Munch. 1893.

Guernica. Picasso. 2. As vanguardas


Na Europa, não houve uma arte moderna uniforme, mas
um conjunto de tendências artísticas – provenientes de pa- 2.1. Futurismo
íses diferentes – com propostas específicas, embora certos
traços as aproximassem, como o sentimento de liberdade 2.1.1. Arte em movimento
criadora, o desejo de romper com o passado, a expressão
da subjetividade e certo irracionalismo.
Paris era o principal centro cultural europeu da época, onde
as novas ideias artísticas irradiavam para o resto do mundo
ocidental. Essas tendências surgidas na Europa antes, du-
rante e depois da Primeira Guerra Mundial foram conside-
radas correntes de vanguarda.
No Brasil não poderia ser diferente. Víamos o exato mo-
mento da história em que as manifestações artísticas vi-
nham crescendo no país, espelhadas nas tendências euro-
peias, fosse para imitá-las, fosse para combatê-las.
Publicado em 1909, o Manifesto Futurista definiu o
As vanguardas europeias passaram pela Literatura Brasilei- perfil ideológico do movimento. Em 1912, Marinetti lançou
ra e deixaram sua contribuição. A Semana de Arte Moderna o Manifesto Técnico da Literatura Futurista cujas
e o movimento modernista vieram romper com a antiga propostas representaram uma verdadeira revolução literá-
estética que até então reinava por aqui. ria, dentre elas:

46
Retrato de Marinetti. Prampolini.

As propostas técnicas do Futurismo italiano tiveram adep-


tos em todo o mundo: o escritor estadunidense Walt Whit-
§ destruição da sintaxe e da disposição das “palavras em
man, o poeta português Fernando Pessoa e os poetas bra-
liberdade”; sileiros Mário de Andrade e Oswald de Andrade.
§ emprego de verbos no infinitivo com vistas à substanti-
vação da linguagem; Observe que estes verbos do poema Ode triunfal, de Fer-
nando Pessoa, manifestam certos traços da poesia futu-
§ abolição dos adjetivos e dos advérbios;
rista, como o tom exaltado e exclamativo, a negação do
§ emprego de substantivo composto por substantivos
passado e a exaltação das máquinas.
em lugar de substantivo acompanhado de adjetivo:
praça-funil, mulher-golfo;
À dolorosa LUZ das grandes lâmpadas elétricas
§ abolição da pontuação e substituição por sinais da ma-
temática (+, -, :, =, >, <) e sinais musicais; [da fábrica
§ destruição do eu psicologizante. Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza
[disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
[antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
[...]
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se
[exprime!
Ser completo como uma máquina!
Velocidade abstrata: o carro passou. Giacomo Balla. 1913.
Pode ir na vida triunfante como um automóvel
Evidentemente, nem todas essas propostas firmaram-se na
[último-modelo!
literatura. Contudo, o verso livre foi uma das mais impor-
tantes contribuições do Futurismo e do Cubismo às corren- Poder ao menos penetrar-me fisicamente de
tes contemporâneas. [tudo isto,
Embora a área de maior penetração do Futurismo tenha Rasgar-me todo, abrir-me completamente,
sido a literatura, o movimento também encontrou ecos
na pintura e na escultura, particularmente nas obras de [tornar-me passento
Carlo Carrà, Umberto Boccioni, Gino Severini, Luigi Rus- A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
solo e Giacomo Balla. Nas telas futuristas, são comuns
elementos que sugerem velocidade e mecanização da Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
vida moderna. (Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965. p. 306.)

47
2.2. O Cubismo Apollinaire realizou experiências que ainda despertam gran-
de interesse. No Brasil, nas décadas de 1950-1960, essa
técnica influenciaria o Concretismo.
2.2.1. A simultaneidade de perspectivas
e o geometrização das formas Ilogismo, humor, anti-intelectualismo, instantaneísmo, simul-
taneidade, linguagem predominantemente nominal são ca-
O movimento cubista teve início na França, em 1907, com
racterísticas da literatura cubista.
o quadro Les demoiselles d’Avignon, do pintor espanhol
Pablo Picasso. A partir de então, em torno de Picasso e do As principais expressões do Cubismo europeu foram Picas-
poeta francês Apollinaire, formou-se um grupo de artistas so, Léger, Braque, Gris e Delaunay, na pintura; e Apollinaire
que cultivaria as técnicas cubistas até o término da Primei- e Blaise Cendrars, na literatura.
ra Guerra Mundial, em 1918.
A convivência entre os escritores e artistas plásticos des- Picasso no cinema
se grupo favoreceu uma rica troca de ideias e técnicas
Aos 60 anos e no auge de sua carreira, o pintor Pablo
de modo que os poetas familiarizavam-se com técnicas
Picasso convidou uma jovem de 23 anos a morar
pictóricas enquanto os pintores assimilavam ideias filo-
com ele, iniciando com ela um relacionamento que
sóficas e poéticas.
duraria dez anos. Esse é o enredo do filme Os amores
Os pintores cubistas opõem-se à objetividade e à line- de Picasso (1996), de James Ivory, com o ator An-
aridade da arte renascentista e realista. Buscam novas thony Hopkins no papel de Picasso.
experiências com a perspectiva, procuram decompor os
objetos representando-os em diferentes planos geomé-
tricos e ângulos retos, em espaços múltiplos e descontí-
nuos, que se interceptam e se sucedem, de tal forma que
o olhar do espectador possa retomá-los e obter uma
visão do todo, de face e de perfil, como se tivesse dado
uma volta em torno deles. Outra técnica introduzida
pelos cubistas foi a colagem, que consiste em montar
a obra a partir de diferentes materiais: figuras, jornais,
mamadeiras, etc.

Entre os modernistas brasileiros da década de 1920 são


notáveis as influências cubistas.
Neste poema de Oswald de Andrade, a fragmentação da
realidade, a predominância de substantivos e flashes cine-
matográficos comprovam isso.

Hípica
Saltos records
Cavalos da Penha
Correm jóqueis de Higienópolis
Os magnatas
Les demoiselles d´Avignon. Picasso. 1907.
As mulheres da esquerda identificam-se com a cultura ibérica e as As meninas
da direita revelam influência da arte negra pesquisada pelo pintor.
E a orquestra toca
Na literatura, essas técnicas de pintura correspondem à
fragmentação da realidade, à superposição e simultaneida- Chá
de de planos – reunião e mistura de assuntos aparente- Na sala de cocktails
mente sem nexo, com espaços e tempos diferentes. Com (Poesias reunidas. 5. ed. Rio de Janeiro:
base na disposição espacial e gráfica do poema, o poeta Civilização Brasileira, 1978. p. 129.)

48
2.3. Expressionismo Durante e depois da Primeira Guerra, o Expressionismo as-
sumiu um caráter mais social e combativo, denunciando os
horrores da guerra, as condições de vida desumanas das
2.3.1. Liberdade de expressão
populações carentes, etc.
do mundo interior
Segundo o crítico de arte Giulio Argan, “o Expressionismo
põe-se como antítese do Impressionismo, mas o pressu-
põe: ambos são movimentos realistas, que exigem a dedi-
cação total do artista à realidade, mesmo que o primeiro
a resolva no plano do conhecimento e o segundo, no pla-
no da ação” (Arte moderna. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993. p. 227).
Dentre os principais fundamentos do Expressionismo, des-
tacam-se:
§ A arte não é imitação, mas criação subjetiva, livre. A
arte é expressão dos sentimentos.
§ A realidade que circunda o artista é horrível; por isso,
ele a deforma ou a elimina, criando a arte abstrata.
§ A razão é objeto de descrédito.

Autorretrato. Van Gogh.


§ A arte é criada sem obstáculos convencionais; repre-
senta repúdio à repressão social.
No começo do século XX, um grupo de pintores alemães
e de fauvistas franceses passou a se reunir com o objetivo § A intimidade e a vivência da dor derivam do sentido
de combater o Impressionismo, tendência da qual eles se trágico da vida e causam uma deformação significativa,
provinham, em nome do chamado Expressionismo. torturada.

O Impressionismo consistia de uma pintura que valorizava § A arte desvincula-se do conceito de belo e feio e torna-
a impressão, a captação da realidade mediante uma arte -se uma forma de contestação.
sensorial e subjetiva. A relação entre artista impressionis- As características da literatura expressionista são mani-
ta e realidade compreendia o movimento da criação do festadas por:
mundo exterior para o mundo interior. O Expressionismo,
por sua vez, propunha o oposto: o movimento da criação § linguagem fragmentada, elíptica, frases nominais sem
partia da subjetividade, do mundo interior do artista em di- sujeito, aglomeração de substantivos e adjetivos;
reção ao mundo exterior. A obra de arte seria reflexo direto § despreocupação com a organização do poema em es-
de seu mundo interior cuja atenção estaria voltada para a trofes, rimas ou musicalidade; e
expressão: forma e conteúdo uniam-se livremente para dar
vazão às sensações do artista no momento da criação. Essa § temas voltados para o combate à fome, à inércia e aos
liberdade de expressão assemelhava-se à que os futuristas valores do mundo burguês.
pregavam com o lema “palavras em liberdade”. Dentre os artistas ligados ao Expressionismo, destacam-
-se: Kandinsky, Paul Klee, Chagall, Munch, na pintura; Eri-
ch Mendelsohn, na arquitetura; August Stramm, Kasimir
Edschmid e, mais tarde, Hermann Hesse e Thomas Mann,
na literatura; Kayser e Brecht (fase inicial), no teatro, Scho-
enberg, na música; e Wiene, no cinema.
Leia abaixo um fragmento do poema expressionista O meu
tempo, do poeta alemão Wilhelm Klemm. Observe como a
aglomeração de frases nominais realçam a externalização
das sensações do poeta:
Cantos e metrópoles, lavinas febris,
Terras descoradas, polos sem glória,
Karl Johan ao anoitecer. E. Munch. 1892. Miséria, heróis e mulheres da escória,

49
Sobrolhos espectrais, tumulto em carris.
Soam ventoinhas em nuvens perdidas.
Os livros são bruxas. Povos desconexos.
A alma reduz-se a mínimos complexos.
A arte está morta. As horas reduzidas.
(Apud Lúcia Helena. Movimentos da vanguarda europeia
São Paulo: Scipione, 1993. p. 33.)

2.4. Dadaísmo
2.4.1. A antiarte
Para os dadás, com a Europa banhada em sangue, o cultivo
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Suíça, que tinha se da arte não passava de hipocrisia e presunção. Em razão
mantido neutra no conflito, recebeu em Zurique artistas e disso, adotaram procedimentos que tinham em vista ridi-
intelectuais de todos os pontos da Europa. Esses “fugidos da cularizá-la, agredi-la, destruí-la.
guerra” reuniam-se no “Cabaret Voltaire”, ponto de encon-
tro e espaço cultural no qual nasceu o movimento dadaísta. Foram muitas as atitudes demolidoras dos artistas dada-
ístas a partir de 1916: noitadas em que predominavam
Criado a partir do clima de instabilidade, medo e revolta palhaçadas, declamações absurdas, exposições inusitadas,
provocados pela guerra, o movimento dadá pretendia ser
além de espetáculos relâmpagos que faziam de improviso
uma resposta à nítida decadência da civilização represen-
nas ruas, em meio a urros, vaias, gritos, palavrões e à total
tada pelo conflito. Dessa postura, provêm a irreverência, o
incompreensão da plateia.
deboche, a agressividade e o ilogismo dos textos e mani-
festações dadaístas. O Dadaísmo suíço produziu um pequeno acervo de obras
artísticas, mas o movimento foi reforçado pelas montagens
e colagens de Max Ernst e Hans Arp, e pela técnica do
ready-made desenvolvida por Marcel Duchamp, que satiri-
za o mito mercantilista da civilização capitalista. Essa téc-
nica consiste em extrair um objeto do seu uso cotidiano e,
sem alguma ou com pequenas alterações, atribuir-lhe um
valor. Ficaram famosos certos objetos, como um urinol de
porcelana, uma roda de bicicleta enxertada numa cadeira,
um rolo de corda, uma ampola de vidro, um suporte para
garrafa, todos elevados por Duchamp à condição de
objetos de arte.
Na literatura, o Dadaísmo caracteriza-se pela agressivi-
dade, improvisação, desordem, rejeição a todo tipo de ra-
Le violon d’Ingres. Man Ray. 1924.
cionalização e equilíbrio, bem como pela livre associação
de palavras – técnica da “escrita automática”, mais tarde
O que significa dadá? aproveitada pelo Surrealismo – e pela invenção de pala-
vras com base na exploração de seu significante. Este poe-
Segundo Tristan Tzara, líder dadaísta, a palavra dadá
ma fonético Die Schlacht (A batalha), de Ludwig Kassak, é
não significa nada: um bom exemplo dessas propostas:
“Encontrei o nome casualmente ao meter uma es-
pátula num tomo fechado do Petit Larousse. Ao abrir o
livro, a primeira linha que me saltou à vista foi DADÁ.”
Um fragmento do “Manifesto do Senhor Antipirina” da
primeira exposição pública do pensamento dadaísta dizia:
“Dadá permanece no quadro europeu das fraquezas,
no fundo é tudo merda, mas nós queremos doravante
cagar em cores diferentes para ornar o jardim zoológi-
co da arte de todas as bandeiras dos consulados”.
Urinol de porcelana. Duchamp.

50
Berr... bum, bumbum, bum... com coerência, significados, adequação, etc. Na literatura, esse
procedimento recebeu o nome de escrita automática.
Ssi... bum, papapa bum, bumm 
Outra linha de atuação surrealista, a onírica, busca a trans-
Zazzau... Dum, bum, bumbumbum  posição do universo dos sonhos para o plano artístico.
Prã, prà, prã... ra, hã-hã, aa...

Hahol...

A poesia sonora e o Dadaísmo


A poesia sonora, composta de sons apenas, sem
palavras, nasceu com os dadaístas no começo do
século XX. Depois de oitenta anos desaparecida,
renasceu na década de 1990 entre poetas brasilei-
ros e portugueses. Em agosto de 2000, foi realizado
em São Paulo o Ciclo Internacional de Poesia Expe-
rimental Sonora.

O Surrealismo. Max Ernst.


Francis Picabia, Philippe Soupault e André Breton des-
tacaram-se como dadaístas. De orientação anarquista e
niilista sem um programa de arte, o movimento não teve
longa duração. Tristan Tzara e André Breton desentende-
ram-se. Como o fim da guerra, era hora de reconstruir o
que fora demolido: a Europa e a arte. Tzara insistia em
manter a linha original do movimento. Breton rompeu
com o Dadaísmo e abandonou o grupo para criar o mo- multimídia: livro
vimento surrealista, uma das mais importantes correntes
artísticas do século XX.
A necessidade da arte – Ernst Fisher
Muito utilizada na disciplina História da Arte, nos cursos
2.5. Surrealismo
de História, Turismo e Design, a nona edição brasileira
dessa excelente obra concebe a arte como substituto da
2.5.1. O combate à razão vida, como uma forma de colocar o homem em estado
Nascido na França, o movimento surrealista apareceu com a de equilíbrio.
publicação do “Manifesto do Surrealismo” (1924), de André
Breton. Interessados nas propostas de Breton, que, psicana- Na concepção freudiana, o sonho é a manifestação das zo-
lista, procurava unir arte e psicanálise, diversos pintores ade- nas ocultas da mente, do inconsciente e do subconsciente.
riram ao movimento, que optou por experiências criadoras Os surrealistas pretendiam criar uma arte livre da razão,
automáticas e pelo imaginário extraído do sonho como linhas que correspondesse à transferência direta das imagens ar-
de atuação. tísticas do inconsciente para a tela ou para o papel, uma
Freud, na psicanálise, e Bergson, na filosofia, já haviam destacado arte produzida num estado de consciência em que o artista
a importância do mundo interior do ser humano, as zonas pouco estaria “sonhando acordado”.
ou propriamente desconhecidas da mente humana. Encaravam o Nessas duas linhas de pesquisa e trabalho predominam
inconsciente, o subconsciente e a intuição como fontes inesgotá- o ilogismo, o devaneio, o sonho, a loucura, a hipnose, o
veis e superiores de conhecimento humano, legando a segundo humor negro, as imagens surpreendentes, o impacto do
plano o pensamento sensível, racional e consciente. inusitado, a livre expressão dos impulsos sexuais, etc.
O automatismo artístico consiste em extravasar sem controle O Surrealismo teve repercussão na literatura, com André
algum da razão ou do pensamento os impulsos criadores do Breton, Louis Aragon, Antonin Artaud; nas artes plásticas,
subconsciente. Ao proceder assim, o artista leva para a tela ou com Salvador Dali, Max Ernst, Joan Miró, Jean Harp; no
para o papel seus desejos interiores profundos sem se importar cinema, com o cineasta espanhol Luis Buñuel.

51
A bela da tarde
Esse é o titulo de um filme de Luis Buñel, premiado no Festival de Veneza, em 1967, cuja protagonista é Catherine Deneuve.
Trata-se de um debate sobre a relação entre repressão sexual rígida e moral burguesa. O filme narra as aventuras amorosas
de Séverine, uma jovem rica e infeliz no casamento, que busca realizar suas fantasias num discreto bordel da cidade.

Cena do filme A bela da tarde.

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Outros critérios – Leo Steinberg Vanguarda europeia e Modernismo


Os treze ensaios escritos entre 1955 e 1972 do crítico brasileiro – Gilberto Mendonça Teles
novaiorquino Leo Steinberg, reunidos nessa obra e pre- Nick Hart é um artista estadunidense que se esforça,
faciados pelo autor especialmente para essa edição, tra- que vive entre a comunidade de expatriados na dé-
zem uma contribuição singular aos estudos sobre artes cada de 1920, em Paris. Ele passa a maior parte do
moderna e contemporânea. tempo bebendo e socializando-se nos cafés locais e
Um dos renovadores da crítica de arte, Steinberg mis- irritando o dono da galeria Libby Valentin para vender
tura a visão do scholar à do crítico militante, em uma suas pinturas. Envolve-se em uma trama da rica patro-
vibrante vocação interpretativa. Com uma leitura crítica na de arte Nathalie de Ville para forjar três pinturas.
(ou autocrítica), vinculada aos problemas da história da Isso leva a vários episódios com o magnata da borra-
arte moderna, ele estabelece o que seria a tarefa histó- cha estadunidense Bertram Stone, que se casou com a
rica da crítica, do meio do convívio com as obras. ex-esposa de Hart, Rachel.

52
VIVENCIANDO

Conhecer sobre arte é conhecer o próprio ser humano. Quem interpreta o mundo sob a óptica da arte tem mais
noção crítica sobre quem é e o que está fazendo no mundo. Noções estéticas em mimeses com a realidade dão
dimensão e clareza do mundo, fazem sujeitos críticos afastados do mal da alienação e da massa de manobra. Os
movimentos artísticos do início do século XX registram o processo de fragmentação do sujeito que a violência
das guerras e da busca irremediável por poder e dinheiro trouxe ao mundo pós-industrialização.

O cavalo azul. Franz Marc. 1911. Casas d’estaque. George Braque. 1908 Quadro I. Piet Mondrian. 1921

Estado de espírito II. Umberto Boccioni. 1911. A persistência da memória. Salvador Dali. 1931

53
VIVENCIANDO

Mesa posta ou harmonia em vermelhos. Henri Matisse. 1908.

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Fonte: Youtube Fonte: Youtube
Nós que aqui estamos por vós esperamos O discreto charme da burguesia
Um filme documentário/cinema memória de Marcelo Um embaixador rico (Fernando Rey) e um grupo de
Masagão, de 1999, sobre o século XX, a partir de uma amigos burgueses se reúnem para jantar, mas a anfitriã
poética e criativa linguagem de montagem de recortes (Stéphane Audran) estava esperando por eles em uma
biográficos reais e ficcionais (como fotografias, filmes noite diferente. O grupo, então, tenta jantar em um res-
clássicos e outros tipos de registros audiovisuais) de taurante, só para encontrar os garçons de luto pela mor-
pequenos e grandes personagens que viveram no sé- te repentina de seu gerente. Logo fica claro que o grupo
culo passado, de forma a resumir e definir o espírito sofisticado está fadado a ter a sua refeição interrompida
dessa época. por ocorrências cada vez mais bizarras.

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multimídia: vídeo multimídia: vídeo
Fonte: Youtube Fonte: Youtube
Metropolis Meia-noite em Paris
Metrópolis, ano 2026. Uma cidade dividida em duas: Gil (Owen Wilson) sempre idolatrou os grandes escri-
de um lado estão os operários, em regime de escravi- tores estadunidenses e sonhou ser como eles. A vida o
dão, vivendo na miséria e explorados por máquinas. Do levou a trabalhar como roteirista em Hollywood, o que
outro, estão os poderosos, os políticos, que desfrutam fez com que fosse muito bem remunerado, mas que
de um jardim idílico, o Jardim dos Prazeres. Uma história também lhe rendesse uma boa dose de frustração. Ago-
de amor surge entre os dois extremos da cidade. ra, ele está prestes a ir a Paris ao lado de sua noiva, Inez
(Rachel McAdams), e dos pais dela, John (Kurt Fuller) e
Helen (Mimi Kennedy).

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Fonte: Youtube
The moderns
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Fonte: Youtube
Nick Hart é um artista estadunidense que se esforça,
que vive entre a comunidade de expatriados na dé- 1900
cada de 1920, em Paris. Ele passa a maior parte do Na Itália, a vida de dois amigos de infância separados
tempo bebendo e socializando-se nos cafés locais e por seus destinos. Olmo Dalcò (Gérard Depardieu), filho
irritando o dono da galeria Libby Valentin para vender bastardo de um camponês, é um trabalhador inverter:
suas pinturas. Envolve-se em uma trama da rica patro- politicamente consciente. Alfredo Berlinghieri (Robert De
na de arte Nathalie de Ville para forjar três pinturas. Niro), filho de um proprietário de terras, vive do dinheiro
Isso leva a vários episódios com o magnata da borra- da família, sem maiores preocupações. De classes opos-
cha estadunidense Bertram Stone, que se casou com a tas, os dois compartilham um contexto: o crescimento do
ex-esposa de Hart, Rachel. fascismo e do comunismo.

55
ÁREAS DO CONHECIMENTO DO ENEM

HABILIDADE 12
Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.

Esta competência trata de um conhecimento humano fundamental que é dominar as generalidades das ex-
pressões artísticas existentes. Entender que a arte é um tentáculo da cultura e, assim sendo, como se comporta
em sua concepção levando em consideração o autor, seu processo criativo (estética, técnica, suporte, objetivo,
etc.) e relação como o contexto de produção. Estudar esta competência na disciplina de Literatura faz parte
de um movimento contemporâneo das bases educativas que buscam interdisciplinaridade entre os conteúdos,
sobretudo por conta do fato de que a literatura é arte. A partir dessa premissa, infere-se que também recebe
as mesmas influências que os artistas de outros gêneros (como é o caso da pintura) e de movimentos artísticos
receberam, como aconteceu com as vanguardas artísticas europeias.
Estas habilidades pressupõem que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso o conceito
de uma vanguarda artística do século XX específica: o Surrealismo. A construção dos procedimentos artísticos e
sua função está ligada aos fatores estéticos que podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto
em relação à concepção artística do contexto (meios culturais).

MODELO 1

(Enem)

O Surrealismo configurou-se como uma das vanguardas artísticas europeias


do início do século XX. René Magritte, pintor belga, apresenta elementos
dessa vanguarda em suas produções. Um traço do Surrealismo presente
nessa pintura é o(a):

a) justaposição de elementos díspares, observada na imagem do homem no espelho;


b) crítica ao passadismo, exposta na dupla imagem do homem olhando sempre para frente;
c) construção de perspectiva, apresentada na sobreposição de planos visuais;
d) processo de automatismo, indicado na repetição da imagem do homem;
e) procedimento de colagem, identificado no reflexo do livro no espelho;

ANÁLISE EXPOSITIVA
O movimento surrealista apresenta como principais características a ausência da lógica, a fusão consciente
da realidade com a ficção, a exploração do mundo onírico e a exaltação da liberdade de criação, entre
outros. Magritte é conhecido pelas obras provocadoras que desafiam as percepções dos observadores,
como a tela “A reprodução proibida”, em que a imagem do homem refletida no espelho contraria a lógica.

RESPOSTA Alternativa A

56
DIAGRAMA DE IDEIAS

VANGUARDAS EUROPEIAS
DO SÉCULO XX

AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS EUROPEIAS PREGAVAM UM MESMO


IDEAL: ERA PRECISO DERRUBAR A TRADIÇÃO POR MEIO DE
PRÁTICAS ARTÍSTICAS INOVADORAS, CAPAZES DE SUBVERTER
O SENSO COMUM E CAPTAR AS TENDÊNCIAS DO FUTURO.

A PALAVRA VANGUARDA, DO FRANCÊS AVANT-


GARDE, SIGNIFICA A “GUARDA AVANÇADA”,
O QUE PRESSUPÕE, NESSE CONTEXTO, UM
MOVIMENTO PIONEIRO DAS ARTES.

PARA LEMBRAR SOBRE AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS:


• Representação dos sentimentos humanos através de linhas e cores.
• Deformação e fragmentação do homem moderno.
• Deformação da realidade; Pessimismo e negatividade.
• Abandono ou fuga das regras tradicionais da arte.
• Melancolia e tristeza.
• Retrato do mundo interior (aspecto psicológico registrado em seus imediatismos caóticos.

O PRINCIPAL OBJETIVO DAS VANGUARDAS ERA


LEVAR PARA A ARTE O SENTIMENTO DE LIBERDADE
CRIADORA, A SUBJETIVIDADE, CERTO IRRACIONALISMO
E, FUNDAMENTALMENTE, A MIMESE DE UM
MUNDO VIOLENTO, VELOZ E FRAGMENTADO.

57
1.1. Orfismo
AULAS 29 E 30 O primeiro tempo do Modernismo português, conhecido
como Orfismo, associou-se à profunda instabilidade polí-
tico-social da primeira República, e recebeu esse nome por-
que, à luz das modernas vanguardas europeias, em 1915,
MODERNISMO EM alguns jovens – Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro,
Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros e o brasileiro
PORTUGAL: FERNANDO Ronald de Carvalho, entre outros – resolveram fundar uma
PESSOA E SEUS revista que os congregasse. Surgiu a revista Orpheu.
A Orpheu era uma publicação porta-voz dos ideais de
HETERÔNIMOS renovação futurista desejados pelo grupo. Ela teve dois
números. No primeiro, Luis de Montalvor e Ronald de Car-
valho pretenderam aproximar o Modernismo português do
COMPETÊNCIA: 5 Modernismo brasileiro. Além disso, a revista tinha como
proposta tirar Portugal de seu descompasso em relação à
HABILIDADES: 15, 16 e 17 Europa. Sua poesia, irreverente e alucinada, tinha por obje-
tivo preciso irritar o burguês.
No segundo número, sob a direção de Fernando Pessoa e
Mário de Sá-Carneiro, declarou-se o fim do Simbolismo.
1. Contexto histórico Em decorrência de questões financeiras e de outras situ-
ações, a revista não prosseguiu, encerrando-se em 1916.
Os primeiros anos do século XX em Portugal foram conturba-
dos. Com a descrença na monarquia, em 1910 foi proclama-
da a República, mas as mudanças sociais que eram esperadas
não aconteceram. Desse modo surgiram dissidências inter-
nas, o que levou à instabilidade da democracia portuguesa.

Capa do primeiro exemplar da revista Orpheu, publicada no primeiro trimestre


de 1915, com 83 páginas e impressa em papel de excelente qualidade.

2. Características do
modernismo em Portugal

Essa litografia popular representa os principais eventos da Revolução


que levaram Portugal à proclamação da República. No primeiro
plano, chefes e civis que tomaram parte na luta. Acima, o bombardeio
do palácio real pelos navios de guerra, o embarque da família real
para o exílio e os jesuítas sendo presos por revolucionários.

Em 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal. No ano


seguinte, ao lado dos países aliados, um corpo expedicioná-
rio de 55 mil portugueses e muitas tropas seguiram para
Angola e Moçambique, países africanos, limítrofes com
colônias da Alemanha. Tanto na Europa quanto na África a
guerra causou enormes perdas, mas permitiu que Portugal
se incluísse entre os vencedores no Tratado de Versalhes. Retrato de Fernando Pessoa. Óleo sobre tela, 201 cm x 201 cm.1954.

58
2.1. Crise do progressismo
burguês e Intuicionismo
A instabilidade europeia do início do século XX atingiu Por-
tugal e representou um período de grande insatisfação e
também de crise da sociedade liberal burguesa.
Nessa época imperou um novo individualismo, que os
primeiros modernistas cultivaram como determinação do
próprio eu e não como algo imposto pela sociedade. Surgiu
também o Intuicionismo, como um conhecimento do mundo Almada Negreiros
que vem da espontaneidade, de forma natural, e não pela ci-
Em 1917, o poeta e pintor Almada Negreiros ressaltou
ência ou pela técnica, como é possível perceber neste poema
a necessidade de transformações e, vestido de operário,
de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:
apresentou no Teatro da República, a conferência “Ultima-
“O que nós vemos das cousas são as cousas. tum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX”.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir? Ultimatum futurista
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.”
(PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro. Obra completa
de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro. Aguilar. 1977.)

Nesse poema, o eu poético questiona e aponta uma


relação de sensações com o mundo e a natureza, ne-
gando qualquer sentido profundo nas coisas que for-
mam a realidade.
É nítida também a postura de não aceitar a raciona-
lidade e a ordenação das coisas, características do
progressismo burguês. A sabedoria está em descons-
truir, desaprender.
Às gerações portuguesas do século XXI

“Acabemos com este maelstrom de chá morno!


2.2. Vanguardismo: O
Mandem descascar batatas simbólicas a quem disser que
Cubofuturismo e o Surrealismo
não há tempo para a criação!
Entre os movimentos europeus de vanguarda que influen-
Transformem em bonecos de palha todos os pessimistas e
ciaram o Modernismo português, devem ser citados o
desiludidos!
Cubismo e o Futurismo que, já de início, foram adotados
principalmente pelos poetas. Despejem caixotes de lixo à porta dos que sofrem da impo-
tência de criar!
A Primeira Guerra Mundial havia assolado a Europa, e mui-
tos artistas portugueses regressaram a Portugal. Rejeitem o sentimento de insuficiência da nossa época!

59
Cultivem o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia! O título desse quadro é o mesmo do conto de Almada Ne-
Virem contra a parede todos os alcoviteiros e invejosos do greiros, de característica cubofuturista.
dinamismo!
Declarem guerra aos rotineiros e aos cultores do hipnotismo!
Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem
intelectual!
Defendam a fé da profissão contra atmosferas de tédio ou
qualquer resignação!
Façam com que educar não signifique burocratizar! multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Sujeitem a operação cirúrgica todos os reumatismos
espirituais! Entrevista de Almada Negreiros - 1968

Mandem para a sucata todas as ideias e opiniões fixas!


Mostrem que a geração portuguesa do século XXI dispõe
de toda a força criadora e construtiva!
3. Etapas do modernismo
Atirem-se independentes prá sublime brutalidade da vida! em Portugal
Dispensem todas as teorias passadistas!
3.1. Primeiro momento (1915-1927)
Criem o espírito de aventura e matem todos os sentimentos
passivos! Após o impacto provocado pelo lançamento da revista
Orpheu, em 1915, o grupo fundador resolveu trazer Por-
Desencadeiem uma guerra sem tréguas contra todos os
tugal ao compasso das vanguardas europeias, das quais
“botas de elástico”!
o grupo recebeu grande influência. Destacam-se, nesse
Coloquem as vossas vidas sob a influência de astros primeiro momento, Fernando Pessoa, Mário da Sá-Car-
divertidos! neiro e Almada Negreiros.
Desafiem e desrespeitem todos os astros sérios deste mundo!
Incendeiem os vossos cérebros com um projecto futurista!
Criem a vossa experiência e sereis os maiores!
Morram todos os derrotismos! Morram! PIM!”
(ALMADA NEGREIROS. José de. Obras completas. Lisboa: Imprensa
Nacional.1989 v. IV. (Col. Biblioteca de autores portugueses.)

Naquele mesmo ano, Almada Negreiros publicou o conto


K4, o quadrado azul, que inspirou este quadro homônimo
de Eduardo Viana:

Florbela Espanca

Há escritores e poetas portugueses que não se filiaram a


nenhum desses momentos, permanecendo independentes
em suas criações. Foi o caso da poeta Florbela Espanca
(1894-1930), dona de lirismo neorromântico, e do escritor
José Saramago, cuja obra está em particular evidência atu-
almente, com a retomada ficcional da história de Portugal,
K4, o quadrado azul. Óleo sobre tela, 47,5 em livros como Jangada de Pedra, Memorial do Convento
x 56 cm. Eduardo Viana. 1917. e História do cerco de Lisboa.

60
4.1. Nacionalista místico
Em Mensagem, de 1934, o poeta faz uma réplica de Os
Lusíadas a partir de uma perspectiva nacionalista mística.
Atuando como um verdadeiro sebastianista, prega a volta
de el-rei D. Sebastião – morto na África em 1578 – para
restaurar Portugal e o Quinto Império. Divide-se em três
multimídia: livro partes: Brasão, Mar português e O encoberto. Brasão tem
como referência o brasão português, representado por sete
castelos amarelos em um campo vermelho e cinco quinas
Os anos vinte em Portugal – José Augusto França
azuis. Cada castelo equivale a uma figura historicamente
“Este livro é, como o que o autor publicou há 25 anos ligada à formação do Estado português. Abrange desde
sobre ‘O Romantismo em Portugal’, um estudo de fatos Ulisses – o fundador de Lisboa, segundo o mito – até D.
socioculturais, de informação e de reflexão sobre um pe- João I, o mestre de Avis, responsável pelas grandes navega-
ríodo da história nacional – arredado e ainda perto de ções. Mar português focaliza os navegadores e o desejo de
nós. A primeira data que nele nos aparece é, ao fim da conquistar os mares. O encoberto, última parte, concentra-
guerra, o assassinato de Sidónio Pais, e a última, a ins- -se no mito do Sebastianismo e do Quinto Império, que re-
talação de Salazar no poder, a meio de 1932, ao termo tirariam Portugal da decadência experimentada a partir do
de um lento processo de seis anos.” século XVIIII até o momento da enunciaçaõ, o século XX.

3.2. Segundo momento (1927-1940) 4.2. Poeta da mágoa


Em Cancioneiro, identifica-se com a produção lírica portugue-
Com a fundação da revista Presença, em 1927, surgiu um
sa, desde a Idade Média, revelando-se um poeta da mágoa.
grupo que pretendia fazer uma literatura mais intimista e
artística sem se opor, contudo, ao orfismo. Destacaram-se, “Boiam leves, desatentos
como presencistas, José Rodrigues Miguéis, Branquinho da Meus pensamentos de mágoa,
Como no sono dos ventos,
Fonseca, José e Irene Lisboa. As algas, cabelos lentos
[...]
3.3. Terceiro momento (1940-1947) Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Ao propor uma literatura de caráter social, o grupo que se Leve mágoa, breve tédio,
reuniu no terceiro momento por apenas sete anos preten- Não sei se para, se flui;
deu afastar-se do intimismo e do subjetivismo e fazer uma Não sei se existe ou se dói.”
literatura marcadamente social. É o chamado neorrealismo Poesias. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).
dos anos 1940, que veiculou principalmente romances de
Dentro da produção de Fernando Pessoa ortônimo, os poemas
denúncia da miséria social. O mais marcante livro desse
de Cancioneiro são aqueles que mais fixam o lirismo tradicio-
momento foi Gaibéus, de Alves Redol. Destacaram-se tam-
nal português, repleto de saudades, de mágoas, de piedade.
bém Vergílio Ferreira e Fernando Namora.
O Cancioneiro traz também um Fernando Pessoa que re-
3.4. Quarto momento (1947 à atualidade) flete sobre o ato de escrever, com grande espírito crítico e
uma organização intelectual incomum.
Em antagonismo à literatura de caráter engajado, surgiu
um grupo surrealista cujas obras foram expostas em Lis-
boa em 1949. Como a estética surrealista é totalmente
subjetivista, a denúncia social ficou pálida e desapareceu.
Pertencem a esse grupo os escritores-artistas José Augusto
França e Mário Cesariny de Vasconcelos.

4. Fernando Pessoa, ortônimo


Poeta lírico e nacionalista, Fernando Pessoa, ele mesmo, cul-
tivou uma poesia voltada aos temas tradicionais de Portugal
e ao seu lirismo saudosista, que expressa reflexões sobre seu Fernando Pessoa na Baixa de Lisboa, onde costumava passear
eu profundo, suas inquietações, sua solidão, seu tédio. e tomar um café na cafeteria A Brasileira, no Chiado.

61
“Autopsicografia Herdeiro do Decadentismo/Simbolismo, seu modo de en-
O poeta é um fingidor. xergar a vida não aceitava os limites. Isso é o que se pode
Finge tão completamente depreender da leitura de alguns de seus poemas.
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Da dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só os que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.” multimídia: livro
(Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.)
A morte de Mário de Sá-Carneiro
– João Pinto de Figueiredo
5. Mário de Sá-Carneiro Apesar do seu título, é da vida de Mário de Sá-Carneiro
que nos fala esse livro. Efetivamente, para o autor de
”Céu em fogo” a vida não passou de uma morte pro-
longada, de uma morte vivida. (...) Na escassa bibliogra-
fia sobre o grande poeta, A morte de Mário de Sá-Car-
neiro constituirá doravante uma referência obrigatória.

Dispersão

Conflituoso, Mario de Sá-Carneiro (1890-1916) sustentou sua


poesia sobre a memória do passado e a projeção do futuro.
Viveu parte de sua vida em Paris. Em 1914, no começo da
Primeira Guerra Mundial, uniu-se a Fernando Pessoa e ou-
tros intelectuais, participando, em 1915, da fundação da re-
vista Orpheu. Nessa permanência em Lisboa publicou duas
obras: Dispersão e A Confissão de Lúcio.
Viveu um tempo de grande euforia em torno dos compa-
nheiros e da agitação modernista. Morreu muito jovem e
foi um inadaptado. Poeta angustiado, estranho à vida, re-
pele a condição de existir com grande veemência, como se
a vida lhe fosse incômoda.

“Perdi-me dentro de mim


Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
[...]

62
Não sinto o espaço que encerro Obras inéditas
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro – § Indícios de ouro, poemas.
Não me acho no que projecto.
§ Primeiro capítulo de um novela intitulada Mundo interior.
Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada, 6. Os heterônimos de
Sequinha, dentro de mim.
[...] Fernando Pessoa
E tenho pêna de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

“Quase
Um pouco mais de sol – eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d’espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão...
Mas na minh’alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... –
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
[...]”
Verdadeiro mestre da poesia, a genialidade de Fernando
(MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através Pessoa evidenciou-se também com seus heterônimos: Al-
dos textos. São Paulo: Cultrix, 1991.)
berto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Obras Desse modo, o poeta assumia outras personalidades lite-
rárias ao compor, como se fossem pessoas reais. Ou seja,
heterônimos são os vários nomes usados por ele. Não se
trata de pseudônimos, mas heterônimos, pois são várias
projeções do eu, cada qual com personalidade, biografia,
estilo e características específicas e distintas do seu brilhan-
te criador, Fernando Pessoa.

§ Amizade, peça em três atos (com Tomás Cabreira Ju-


nior), 1912.
§ Dispersão, 12 poemas, 1914.
§ A Confissão de Lúcio, narrativa, 1914.
§ Céu em Fogo, novelas, 1915.

63
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
O próprio Fernando Pessoa assim se Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
expressa a respeito de sua heteronímia
Içam-me em todos os cais.
“Por qualquer motivo temperamental que me não Giro dentro das hélices de todos os navios.
proponho analisar, nem importa que analise, construí Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a eletricidade!
dentro de mim várias personagens distintas entre si
Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
e de mim, personagens essas a que atribuí poemas Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!
vários que não são como eu, nos meus sentimentos e Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!
ideias, os escreveria. Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! Ho-o-o-o-o!
Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
e os de Álvaro de Campos que ser considerados. Não Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”
há que buscar em quaisquer deles ideias ou sentimen-
Situando a relação entre o homem do começo do século
tos meus, pois muitos deles exprimem ideias que não
XX e o mundo tecnicizado, a Ode triunfal tem um ritmo
aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente
nervoso e trepidante. Trata-se de um poema futurista, assi-
que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.”
nado pelo heterônimo Álvaro de Campos, que demonstra
completa adesão à proposta de Marinetti, que integra à
poesia elementos da civilização industrial: motores, máqui-
nas, Ferri, velocidade, automóveis.

Fernando Pessoa - Heterônimo. 1978. Costa Pinheiro. multimídia: vídeo


“A única maneira de teres sensações novas Fonte: Youtube
é construíres-te uma alma nova. [...] O Desassossego Pessoano - Teresa Rita Lopes
E o único meio de haver coisas novas,
de sentir coisas novas é haver novidade no senti-las.
Muda de alma como? Descobre-o tu.”
6.1. Alberto Caeiro
Dentro da heteronímia, o poeta Alberto Caeiro tem uma
Ode triunfal trajetória de vida e características que o identificam. Era ór-
fão de pai e mãe, só teve instrução primária e viveu quase
“À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
toda a vida no campo, sob a proteção de uma tia.
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Poeta bucólico, em contato direto com a natureza, Caeiro
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. dá importância às sensações, registrando-as sem a media-
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
ção do pensamento.
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim, Para Caeiro, “tudo é como é”, todo “é assim porque assim
Por todos os meus nervos dissecados fora, é” – o poeta reduz tudo à objetividade, sem nenhuma ne-
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
cessidade de pensar.
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
O guardador de rebanhos
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações, “[...]
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! Sou um guardador de rebanhos
[...] O rebanho é os meus pensamentos
Eia todo o passado dentro do presente! E os meus pensamentos são todos sensações.
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia! Penso com os olhos e com os ouvidos
Eia! eia! eia! E com as mãos e os pés
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita! E com o nariz e a boca.

64
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la Homem sujeito à máquina, à cegueira de seus semelhantes,
E comer um fruto é saber-lhe o sentido. de espírito inconformado com o tempo, é completamente
Por isso quando num dia de calor inadaptado ao mundo que o rodeia; vive marginalizado,
Me sinto triste de gozá-lo tanto. sendo uma personalidade do não.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.”
(Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1984.)

Caricatura de Álvaro de Campos. Almada Negreiros. 1958.

Tabacaria é um dos mais importantes poemas de Álva-


ro de Campos, em que ele faz jus à ideia de um poeta
inadaptado, negativo. O longo poema é exemplo marcante
do desalento que o caracteriza.

Caricatura de Alberto Caeiro. Mário Botas. Tabacaria


“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém
[sabe quem é]
multimídia: livro (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente
O espelho e a esfinge – Massaud Moisés [por gente,]

Essa obra reúne em nova edição, revisada e aumenta- Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
da, alguns ensaios que Massaud Moisés escreveu com [...]
o propósito de divulgar aspectos menos conhecidos da Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
produção literária de Fernando Pessoa. Desde 1957, o Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
autor vinha se dedicando à interpretação das múltiplas À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
facetas desse grande poeta português da modernidade. E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
[...]
6.2. Álvaro de Campos Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Álvaro de Campos nasceu no extremo sul de Portugal, em Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Tavira, a 15 de outubro de 1890. Estudou Engenharia na- Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
val, na Escócia. Todavia, não exerceu a profissão por não E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode
suportar viver confinado em escritórios. [haver tantos!]

65
[...]
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
6.3. Ricardo Reis
Mas acordamos e ele é opaco, Ricardo Reis é natural do Porto; nasceu a 19 de setembro
Levantamo-nos e ele é alheio, de 1887. Teve formação em escolas de jesuítas e estudou
[...] Medicina. Monarquista, autoexilou-se no Brasil por não
(Come chocolates, pequena; concordar com a Proclamação da República em Portugal.
Foi profundo admirador da cultura clássica, tendo estuda-
Come chocolates!
do latim, grego e mitologia. O poeta latino Horácio foi um
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
grande inspirador de sua poesia, principalmente no que diz
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a
respeito à filosofia do carpe diem, isto é, de usufruir o mo-
[confeitaria.]
mento. Sua musa inspiradora se chamava Lídia.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com
[que comes!]
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha
[de estanho,]
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
[...]
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
[...]
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência
[de estar mal disposto.]
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando. Caricatura de Ricardo Reis. Almada-Negreiros.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Talvez fosse feliz.) Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela. (Enlacemos as mãos.)
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
[das calças?).] Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. Mais longe que os deuses.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.) [...]
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me. Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Ouvindo correr o rio e vendo-o.
[Tabacaria sorriu.”] [...]”
(Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.) (Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.)

66
multimídia: livro multimídia: livro

Dicionário de Fernando Pessoa – Fernando Pessoa: uma quase autobiografia


Fernando Cabral Martins – José Paulo Cavalcanti Filho
Esse volume de quase mil páginas reúne a soma dos A primeira biografia escrita no Brasil sobre o poeta por-
conhecimentos sobre Fernando Pessoa, a sua obra e o tuguês Fernando Pessoa traz a mais completa obra de
Modernismo. Um conjunto de mais de 80 especialistas referência das muitas personalidades assumidas pelo
oferecem quase 600 artigos de síntese aos principais autor de Tabacaria. Seus heterônimos, muitos deles des-
nomes, títulos, imagens e temas relacionados a Fernan- conhecidos do grande público, revelam-se no livro de
do Pessoa, ou que ajudam a definir os traços culturais José Paulo Cavalcanti com riqueza de detalhes, apresen-
do seu tempo – e marcam, sobretudo, o período da sua tando as produções e as origens de cada um desses que
atividade pública entre 1912 e 1935. habitaram o imaginário e a escrita de Fernando Pessoa.

multimídia: livro multimídia: livro

O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago Introdução aos estudos de Fernando
Nesse magnífico romance, o heterônimo mais clássico Pessoa – Fernando Cabral Martins
do grande poeta português Fernando Pessoa, o ho- Além de uma nova leitura do intrincado poema cujo fa-
raciano Ricardo Reis, acha-se novamente em Lisboa, c-símile vem reproduzido no prefácio, Fernando Cabral
depois de uma temporada no Brasil, onde se autoe- Martins faz, em sua obra, importante contribuição sobre
xilara. O ano é 1936. Médico, educado pelos jesuítas a teoria e a história da heteronímia.
e monarquistas, ele é um sábio capaz de se contentar
em assistir ao espetáculo do mundo, como diz numa
das epígrafes do livro.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Biografia - Fernando Pessoa

67
VIVENCIANDO

Pintura
As banhistas / Retrato de Fernando Pessoa (1964) – Almada Negreiros

As banhistas, Almada Negreiros

Retrato de Fernando Pessoa. Almada Negreiros.1964

68
VIVENCIANDO

Pintura

Fernando Pessoa – Heterônimo. Costa Pinheiro.1978. O chapéu-heterônimo do poeta Fernando Pessoa,


óleo sobre tela(1979-1980). Pintura de António
Costa Pinheiro. Coleção do artista.

Fernando Pessoa. Júlio Pomar (Portuguese, b. 1926).

69
DIAGRAMA DE IDEIAS

HETERÔNIMOS DE
FERNANDO PESSOA

A QUESTÃO DA HETERONÍMIA EM FERNANDO PESSOA RESULTA DE CARACTERÍSTICAS PESSOAIS


REFERENTES À SUA PERSONALIDADE, UMA ESPÉCIE DE DESDOBRAMENTO DO “EU” MODERNO
E FRAGMENTADO, À MULTIPLICAÇÃO DE IDENTIDADES E À SINCERIDADE DO FINGIMENTO.

FERNANDO PESSOA ESCREVEU “MENSAGEM” E CRIOU OS HETERÔNIMOS ALBERTO CAEIRO


(“PASTOR AMOROSO”, “POEMAS INCONJUNTOS”), RICARDO REIS (“PREFIRO ROSAS”, “BREVE
O DIA”) E ÁLVARO DE CAMPOS (“ODE MARÍTIMA”, “TABACARIA”).

OS PRINCIPAIS E MAIS CONSISTENTES HETERÔNIMOS DE FERNANDO PESSOA FORAM ALBERTO


CAEIRO, ÁLVARO DE CAMPOS, RICARDO REIS E BERNARDO SOARES.

ALBERTO CAEIRO NASCEU EM LISBOA. É O MESTRE DOS HETERÔNIMOS, VIVEU SUA VIDA NO
CAMPO E FICOU ÓRFÃO DE PAI E MÃE MUITO CEDO, PASSANDO A VIVER COM UMA TIA-AVÓ.
MORREU DE TUBERCULOSE. SUA POESIA VALORIZA A SIMPLICIDADE, NA QUAL MAIS IMPOR-
TANTE QUE PENSAR É SENTIR. SEGUNDO ELE, TODO O CONHECIMENTO SE DÁ A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA SENSORIAL, SOBRETUDO JUNTO À NATUREZA.

O HETERÔNIMO BERNARDO DE CAMPOS É CONSIDERADO UM “SEMI-HETERÔNIMO” POR


CONTA DE SUA PERSONALIDADE APRESENTAR CARACTERÍSTICAS MUITO SEMELHANTES ÀS DE
FERNANDO PESSOA, SENDO, MUITAS VEZES, CONFUNDIDO COM O PRÓPRIO ESCRITOR.

RICARDO REIS NASCEU EM 1887, NO PORTO, E NÃO SE SABE A DATA DE SUA MORTE, O QUE
FAZ O LEITOR PENSAR QUE ELE TERIA MORRIDO APÓS A MORTE DE FERNANDO PESSOA. ESTU-
DOU EM COLÉGIO DE JESUÍTAS E SE FORMOU EM MEDICINA. FOI VIVER NO BRASIL APÓS A INS-
TAURAÇÃO DA REPÚBLICA EM PORTUGAL, POIS ERA MONARQUISTA. TRADICIONAL, HELENISTA,
LATINISTA, PARA ELE, A MODERNIDADE É UMA MOSTRA DE DECADÊNCIA. SUA LINGUAGEM É
CLÁSSICA E SEU VOCABULÁRIO, ERUDITO. SUA MUSA É LÍDIA.

ÁLVARO DE CAMPOS NASCEU EM TAVIRA, EM 1890. A DATA DO SEU FALECIMENTO, TAL QUAL
DE RICARDO REIS, NÃO É CONHECIDA. CAMPOS É FORMADO EM ENGENHARIA, NA ESCÓCIA,
E NÃO EXERCEU A PROFISSÃO. É O MAIS MODERNO DOS HETERÔNIMOS, VALORIZA A MODER-
NIDADE. É UM PESSIMISTA, POIS APESAR DO GOSTO PELO PROGRESSO, O TEMPO PRESENTE O
ANGUSTIA. SUA OBRA É DIVIDIDA EM TRÊS FASES: DECADENTISTA, FUTURISTA E PESSIMISTA.

70
no Rio de Janeiro. O forte foi bombardeado por navios e 18
AULAS 31 E 32 revoltosos enfrentaram três mil soldados legalistas.

2. A semana de arte moderna


Do mesmo modo que as cidades passavam por reformas, a
arte brasileira se remodelava pelo repúdio ao academicis-
MODERNISMO NO mo da pintura tradicional. Já em 1913, Lasar Segall (1891-
BRASIL: 1.ª FASE 1957) capitaneou uma grande exposição de arte moderna,
que provocou a mentalidade conservadora de São Paulo.

COMPETÊNCIA: 5

HABILIDADES: 15, 16 e 17

1. Contexto histórico
Aldeia russa. Óleo sobre tela, 62,5 x 80,5 cm. Lasar Segall. 1912.

Em 1917, foi a vez de Anita Malfatti (1889–1964), que orga-


nizou uma exposição de 53 trabalhos, entre pinturas, aquare-
las, caricaturas e gravuras, provocando violenta repercussão
pela imprensa – o escritor Monteiro Lobato (1882–1942)
publicou contra a artista o artigo denominado Paranoia ou
Mistificação, em 1917.
A escultura brasileira também se desenvolveu nessa déca-
da com a volta de Victor Brecheret da Itália, em 1920.

Na década de 1920, com a imigração e a industrialização,


as cidades brasileiras passaram a crescer e antigos hábi-
tos começaram a se alterar: o consumismo, importado da
Europa e dos Estados Unidos, bem como o surgimento de
novos produtos culturais (cinema e rádio) canalizavam o
gosto da classe média.
Nessa época, o Brasil possuía uma população de 37 mi-
lhões de habitantes, dos quais 70% viviam na zona rural.
As cidades do Rio de Janeiro (capital federal na época) e
São Paulo (metrópole do café) passavam por grandes refor-
mas urbanas com abertura de avenidas, cinemas, teatros,
confeitarias e grandes edifícios.
O ano de 1922, quando se realizou a Semana de Arte Mo-
derna, também foi marcado pelo Centenário da Indepen-
dência, pela fundação do Partido Comunista do Brasil e pela
Revolução dos Tenentes, que explodiu em julho, com a suble-
vação do Clube Militar e a tomada do Forte de Copacabana, Ritmo [torso]. Anita Malfatti. 1915-1916.

71
Na noite do dia 17 de fevereiro, totalmente dedicada à
música, o compositor Heitor Villa-Lobos, de casaca e chi-
nelos, também causou incidentes na plateia. Entretanto,
essa não era uma atitude futurista, mas sim um problema
no pé do músico.
Alguns jornais chegaram a noticiar que as agitações da
Semana de Arte Moderna foram provocadas por seus re-
alizadores. Se não se pode negar totalmente tal assertiva,
também não se pode afirmá-la. Nesse sentido, a Semana
cumpriu o papel proposto de “sacudir as águas estagna-
das da arte brasileira”.
Di Cavalcanti

Em 1922, realizou-se a Semana de Arte Moderna em São


Paulo, cujo escândalo causado foi uma situação simétrica à
insurreição dos tenentes.
Entre os principais participantes do grupo que organizou
a Semana estava Mário de Andrade e Oswald de Andrade.
Realizada na cidade de São Paulo, no período de 11 a 17 multimídia: livro
de fevereiro de 1922, a Semana de Arte Moderna desen-
cadeou o início do Modernismo brasileiro e teve como
1922: a semana que não terminou
participantes os escritores Graça Aranha, Mário de Andra-
– Marcos Augusto Gonçalves
de, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Ronald de
Carvalho, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet e outros. Em fevereiro de 1922, talentos como Di Cavalcanti,
Representaram as artes plásticas os artistas Anita Malfatti, Mário e Oswald de Andrade, além de representantes
John Graz, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, Victor da elite paulistana, armaram um festival de arte no Te-
Brecheret, Yan de Almeida Prado, entre outros. Os nomes atro Municipal de São Paulo. Com o passar dos anos,
relacionados à música foram Villa-Lobos, Paulina D’Ambró- o festival transformou-se numa espécie de mito sobre
sio, Guiomar Novaes e Maria Emma. a fundação da cultura moderna no Brasil. Mas o que
foi mesmo que aconteceu? Noventa anos depois, Mar-
Foram três noites de um festival eclético, híbrido, quan- cos Augusto Gonçalves refaz, nessa crônica saborosa
do diferentes tendências da modernidade artística coe- e esclarecedora, os passos que culminaram naquela
xistiram – desde os mais identificados com a vanguarda prestigiada semana.
surrealista até os herdeiros do Decadentismo/Simbolismo
europeu: houve defensores do Futurismo e do Cubismo.
Mas o que se evidenciou foi o espírito moderno, cujo
maior entusiasta foi Graça Aranha, que havia aderido aos 3. Após a semana
jovens artistas de São Paulo. A conferência de abertura da O balanço da Semana de Arte Moderna foi positivo. Seus
Semana foi de sua autoria: A emoção estética na arte desdobramentos iniciaram-se no próprio ano de 1922. O
moderna. Nela, criticou duramente a Academia Brasileira projeto mais arrojado foi o lançamento do livro de poe-
de Letras pelo seu passadismo e por seu conservadorismo, mas Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, em que
causando reações de vaias e protestos. expõe todos os seus projetos de vanguarda pela primeira
A grande noite da Semana foi a segunda, que ocorreu no vez: a poesia urbana, sintética, antirromântica, fragmen-
dia 15 de fevereiro. Menotti Del Picchia discursou a respei- tária. Com isso, ele quis retratar a São Paulo cosmopolita,
to de arte e estética, ilustrando sua exposição com textos egoísta, burguesa.
de Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Plínio Salgado. Na abertura do livro, o Prefácio Interessantíssimo pode
No entanto, foi Ronald de Carvalho quem causou o maior ser classificado como um verdadeiro manifesto irônico so-
escândalo, ao declamar o poema Os sapos, de Manuel bre a estética modernista. Leia alguns trechos:
Bandeira, que não pôde estar presente. O público res-
pondia ao refrão de seus versos: “Foi! Não foi! Foi! Não “Leitor:
foi!”. Esse poema era um ataque aos parnasianos. Está fundado o Desvairismo [...]

72
Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho A publicação que representou as propostas modernistas
pontos de contacto com o futurismo. Oswald de Andrade, foi a Klaxon, Mensário de Arte Moderna, lançada em
chamando-me de futurista, errou. A culpa é minha. Sabia maio de 1922.
da existência do artigo e deixei que saísse. Tal foi o escân-
dalo, que desejei a morte do mundo. Era vaidoso. Quis
sair da obscuridade. Hoje tenho orgulho. Não me pesaria
entrar na obscuridade. Pensei que se discutiram minhas
ideias (que nem são minhas): discutiram minhas intenções.
Já agora não me calo. Tanto ridicularizaram meu silêncio
como esta grita. Andarei a vida de braços no ar, como o
“indiferente” de Watteau.
A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer empecilho a per-
turba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá
Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado
lírico para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho.
Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde
Capa da primeira edição da revista Klaxon, maio de 1922.
o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades ro- O editorial da primeira edição trazia o seguinte trecho: “Klaxon
mânticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos. cogita principalmente a arte. Mas quer representar a época de
1920 em diante. Por isso é polimorfo, onipresente, inquieto,
Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz”.

de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural – Criação coletiva de um grupo, o mensário não tinha um di-
tem a eternidade que a natureza tiver. Arte não consegue retor, um redator-chefe ou um secretário; todos participavam
reproduzir a natureza, nem este é seu fim. Todos os gran- das diversas etapas editoriais: Guilherme de Almeida, Mário
des artistas, ora consciente (Rafael das Madonas, Rodin do de Andrade, Oswald de Andrade, Rubens Borba de Moraes,
Balzac, Beethoven da Pastoral, Machado de Assis de Brás Luís Aranha, Sérgio Milliet formavam a equipe da revista.
Cubas), ora inconscientemente (a grande maioria), foram Havia também representantes em vários locais no Rio de Ja-
deformadores da natureza. Donde infiro que o belo artís- neiro, Sérgio Buarque de Holanda; na Suíça, Albert Ciana; na
tico, tanto mais subjetivo quanto mais se afastar do belo França, L. Charles Baudouin; e na Bélgica, Roger Avermaete.
natural. Outros infiram o que quiserem. Pouco me importa.
Além de artigos e poemas, havia ensaios, crônicas, crítica de
E está acabada a escola poética “Desvairismo” arte. Em contraste com sua seriedade, apareciam também
Próximo livro fundarei outra piadas e anúncios satíricos, como os da “Panthosopho, e
Pateromnium & Cia”, uma suposta empresa que fabricava
Eu não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de
sonetos. Veja um desses anúncios publicados na Klaxon.
muitos para a vaidade de um só”
(Paulicéia desvairada. Mário de Andrade. 1922.)

Jovens artistas conseguiram bons espaços ainda em 1922,


dando sequência a seus trabalhos. Oswald de Andrade
lançou no mesmo ano o romance Os Condenados, cuja
narrativa fragmentária assimilava-se a um “mostrar” cine-
matográfico. Sedimentou-se a carreira do maestro Heitor
Villa-Lobos, após sua mostra na Semana. Outros partici-
pantes divulgaram-na por todo o país e mesmo fora: Ro-
nald de Carvalho, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet.

4. Revistas do modernismo
Sátira direta aos poetas parnasianos e ao cultivo de uma
4.1. Klaxon poesia de notável perfeição formal. Essa obsessão pela forma
era tanta, e para os modernistas, uma coisa tão absurda,
No desdobramento da Semana, grupos de jovens, entusias-
que eles comparavam os poemas parnasianos a objetos
mados com os ideais modernistas, lançaram suas próprias produzidos por uma fábrica, ou seja, todos iguais. Esse
revistas, que expressavam o pensamento de seus editores. anúncio foi publicado no número I da revista Klaxon.

73
4.3. Revista de Antropofagia
A Revista de Antropofagia foi fundada em maio de 1928.
Na sua primeira fase existiu até fevereiro de 1929, com 10
números, sob a liderança de Raul Bopp e Alcântara Macha-
do. A segunda fase, com 16 números, foi capitaneada por
Geraldo Galvão Ferraz e durou de março a agosto de 1929.
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Eternamente Pagú
Fim dos anos 1920, Pagú ainda não tem 20 anos e já
encanta os meios intelectuais avançados de São Paulo,
da mesma forma que escandaliza os conservadores. É
apresentada aos membros da ala radical do movimento
modernista, liderada por Oswald de Andrade, brilhando
entre estrelas não menos cintilantes, como a pintora Tar-
sila do Amaral. Pagú e Oswald se amam. Têm um filho,
militam no Partido Comunista, fundam um jornal. Pagú
vai à Argentina, onde encontra Luiz Carlos Prestes.
Iniciada com o Manifesto Antropófago, assinado por Oswald de Andrade,
a Revista de Antropofagia foi radical na defesa da “brasilidade” em todos
os sentidos. Fazem parte do Manifesto Antropófago as célebres frases: “Só

4.2. Estética e festa a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.


Única lei do mundo”. “Tupi or not tupi, that is the question”. “Antes dos
portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”.
Liderada por Sérgio Buarque de Holanda, foi lançada em
1924, no Rio de Janeiro, a revista Estética, que teve curta
vida, mas assim como Klaxon, contou com a colaboração
de pessoas de várias partes do País.
Em 1927, também no Rio, surgiu a revista católica Festa,
de que participaram Tasso da Silveira, Gilka Machado, Mu-
rilo Mendes e Cecília Meireles.
multimídia: livro

Antropofagia: palimpsesto
selvagem – Beatriz Azevedo
Oswald de Andrade publicou, em 1928, na Revista de
Antropofagia, seu ”Manifesto Antropófago” – híbrido
de ensaio polêmico, paródia literária, manifesto filosófico,
revisão histórica, panfleto de provocação, mito antropoló-
Terra Roxa e Outras Terras gico e roteiro fragmentado. Em Antropofagia: palimpsesto
selvagem, Beatriz Azevedo procura abordar o manifesto
em sua complexidade conceitual, política, formal, artísti-
ca e cultural. Percorrendo seus 51 aforismos, nos quais o
autor articula história, filosofia, antropologia, psicologia,
economia, política, múltiplos temas e personagens, pre-
tende-se ainda descobrir diálogos de Oswald com autores
e textos, investigando as fontes por ele explicitadas (bem
como sondar aquelas não aparentes), ao longo da expo-
sição de ideias e princípios no ”Manifesto Antropófago”.
Em São Paulo, em 1926, apareceu a Revista Terra Roxa e
Outras Terras, cuja pretensão era “interiorizar os debates”,
Nessa visada crítica, destacamos, especialmente, três pen-
“trazê-los para dentro do Brasil”. Publicação heterogênea, sadores que marcaram profundamente as formulações de
deu lugar a vozes ilustres, como Sérgio Milliet, Oswald de Oswald de Andrade: Montaigne, Freud e Nietzsche.
Andrade e Mário de Andrade, bem como a vozes inexpressivas.

74
5. Características da Erro de Português
“Quando o português chegou
primeira fase modernista Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
A nova concepção da linguagem artística, o caráter nacio- Que pena!
nal e o sentido de atualidade reivindicado pelos escrito- Fosse uma manhã de sol
res modernistas trouxeram uma linha de ruptura bastante O índio tinha despido
acentuada em relação à literatura tradicional do País, que O português”
se preocupava mais em imitar modelos europeus e colo- Oswald de Andrade
car em segundo plano as possíveis contribuições do povo
brasileiro, desconsiderando a cultura popular autêntica. Os Vício na fala
modernistas desejavam resgatar o nacional e o popular, “Para dizerem milho dizem mio
repondo-os na pauta artística. Para melhor dizem mio
Para pior pio
Acompanhe as características literárias da primeira fase Para telha dizem teia
modernista: Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados”
5.1. Poemas-piada e irreverência Oswald de Andrade

A descontração foi uma grande marca da literatura que se Moça linda bem tratada
fez no primeiro tempo modernista.
“Moça linda bem tratada,
Muita ironia, sarcasmo e irreverência caracterizam os poe- Três séculos de família,
mas-piada, que satirizavam costumes passadistas e velhas Burra como uma porta:
escolas literárias. Ao lado disso, a enumeração caótica de Um amor.
Grã-fino do despudor,
ideais, a simultaneidade de cenas (trechos inteiros sem
Esporte, ignorância e sexo,
pontuação, versos descontínuos, elípticos), bem como a Burro como uma porta:
subversão das regras gramaticais. Um coió.
Mulher gordaça, filó,
Tentava-se, desse modo, buscar a espontaneidade do dis- De ouro por todos os poros
curso e levar em conta a linguagem dita inculta, com “erros Burra como uma porta:
de português” estrategicamente cometidos. Foi o caso de Paciência...
Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira, Plutocrata sem consciência,
que pretendiam “arejar” a literatura brasileira de tantas Nada porta, terremoto
Que a porta do pobre arromba:
roupagens aristocráticas que ela vestia. Uma bomba.”
Mário de Andrade

5.2. Paródia e literatura popular


A paródia serviu de base para a criatividade linguística e foi
recurso para os escritores incorporarem criticamente o pas-
sado, dando início ao processo artístico modernista. O po-
ema Canção do exílio, de Gonçalves Dias, por exemplo,
foi parodiado por Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo,
Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes.

Canto de regresso à pátria


“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
O vendedor de frutos. 1928. Tarsila do Amaral interessou-se por E quase que mais amores
elementos da cultura popular, que originaram as cores, o tipo Minha terra tem mais ouro
retratado, as frutas, a paisagem, a ave; tudo remete ao Brasil. Minha terra tem mais terra

75
[...] – Não está!
Não permita Deus que eu morra – Então está na Praça da República, Aqui tem muita gente mesmo.
Sem que volte pra São Paulo
– Que fiteiro!
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo” O vestido de Camela coladinho no corpo é de organdi verde.
Braços nus, colo nu, joelhos de fora.
Oswald de Andrade
Sapatinho verdes. Bago de uva Marengo maduro para os lá-
bios dos amadores.
Canção do exílio
– Ai que rico corpinho!
“Minha terra tem macieiras da Califórnia
– Não se enxerga, seu cafajeste? Português sem educação!
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra [...]
são pretos que vivem em torres de ametista, Bianca por ser estrábica e feia é a sentinela da companheira.
os sargentos do exército são monistas, cubistas, – Olha o automóvel do outro dia.
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
– Com uma bruta luva vermelha.
A gente não pode dormir O caixa - d’óculos para o Buik de propósito na esquina da praça,
com os oradores e os pernilongos.
– Pode passar.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
[...]” – Muito obrigada.
Oswald de Andrade Passa na pontinha dos pés. Cabeça baixa. Toda nervosa.
– Não vira para trás, Bianca. Escandalosa!”
5.3. Verso livre e fala popular (Brás, Bexiga e Barra Funda, Antônio de Alcântara Machado.)

Na poesia, a aproximação da fala popular foi possível pela


utilização do verso livre. Poetas importantes como Manuel
Bandeira e Carlos Drummond de Andrade trouxeram a lin-
guagem comum ou coloquial das cidades.
O romance e o conto desenvolvidos no primeiro tempo
modernista procuraram, na medida do possível, repro-
duzir a linguagem do povo como também trabalhar te- multimídia: livro
mas populares.
A utilização de formas da oralidade foi a marca dessa li- A era dos extremos – Eric Hobsbawn
teratura: a fala italianada dos personagens de Alcântara
A era dos extremos é o testemunho de Eric Hobsbawm
Machado, os neologismos dos narradores de Oswald de
sobre o século XX. “Meu tempo de vida coincide com a
Andrade, a língua brasileira de Mário de Andrade, etc.
maior parte da época de que trata este livro”, diz ele na
abertura, “por isso até agora me abstive de falar sobre
Evocação do Recife ele”. Nesse livro fascinante, ele abandona seu silêncio vo-
“[...] luntário para contar, em linguagem simples e envolvente,
Recife sem mais nada a história da “era das ilusões perdidas”.
Recife da minha infância
A rua da união onde eu brincava de chicote-queimado
[...]
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras 6. Principais autores
Mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam: 6.1. Mário de Andrade
Coelho sai! O paulistano Mário de Andrade (1893-1945) não foi um
Não sai!
estudante exemplar. Levava a escola com notas baixas, re-
[...]”
provações e recriminações. Mas a música foi o seu ponto
Manuel Bandeira
forte. Em 1911, matriculado no Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo, passava quase nove horas por dia
Camela
estudando. E, no resto do tempo, lia tudo o que lhe caísse
“[...] às mãos, logo adquirindo fama de erudito, apesar de os
– Espia se ele está na esquina. estudos regulares irem mal.

76
Inspiração
“São Paulo! comoção de minha vida...
Os meus amores são flores feitas de original...
Arlequinal!... Trajes de losangos... Cinza e ouro...
Luz e bruma... Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem escândalos, sem ciúmes...
Perfumes de Paris... Arys!
Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!...
São Paulo! comoção de minha vida...
Galicismo a berrar nos desertos da América!”
Mário de Andrade

Com O losango cáqui e Lira paulistana, Mário de Andrade


obedece ao fluxo do inconsciente, fazendo associação livre
sobre temas do cotidiano.
A obra ficcional de Mário de Andrade, por sua vez, revela
um escritor preocupado com técnicas narrativas vanguar-
distas, além de incorporar expressões autenticamente bra-
sileiras – o que imprime ao conjunto uma originalidade
sem precedentes.
Em Amar, verbo intransitivo, descreve a vida burguesa de
São Paulo, “desmascarando seus ridículos e seus precon-
ceitos”, como ensina João Luiz Lafetá.
Mário, por Tarsila.
Mas é com Macunaíma, o herói sem nenhum caráter que
Mário de Andrade produz sua obra-prima em matéria fic-
cional. Uma combinatória das lendas indígenas transpostas
para a área metropolitana (São Paulo), mais a justaposição
de trechos em colagem, anedotas populares, incorporação
de mitos, fazem dessa obra uma rapsódia, aludindo a esse
processo de composição (justaposição) semelhante à for-
ma musical de mesmo nome.
No livro Remate de males, publicado em 1930, Mário de
Cédula de 500 mil cruzeiros homenageando Andrade reúne diversas composições em vários estilos, es-
Mário de Andrade (140 x 65 mm).
critas durante os anos 1920, desde o vanguardismo até a
Em 1917, mesmo ano da morte de seu pai, concluiu o lírica equilibrada e contida, passando pelo nacionalismo.
curso de piano no Conservatório. Passou a sobreviver das Este poema é extraído dessa obra e alude a essa diversida-
inúmeras aulas particulares de piano que ministrava. E, de de linguagem e modos de ser:
frequentador assíduo das rodas literárias, no chá das cin-
co na Confeitaria Vienense, conheceu Oswald de Andrade Eu sou trezentos...
e Anita Malfatti, de quem se tornaria amigo inseparável.
“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Também desse ano é o seu livro de estreia literária: Há As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
uma gota de sangue em cada poema. Mas é com Pauli- Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
ceia Desvairada que vem o sucesso, tornando-se o livro de Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
poemas uma espécie de bandeira do movimento moder- Abraço no meu leito as milhores palavras,
nista, pelo liberalismo formal da obra rompida com qual- E os suspiros que dou são violinos alheios;
quer esquema tradicional: versos livres, métrica informal, Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
subversão total de valores anteriormente apregoados pelos
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
poetas perfeccionistas, como os parnasianos. É de Pauliceia Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Desvairada este poema. Nela, a associação livre de ideias Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
mais os versos aparentemente desconexos contribuem Só o esquecimento é que condensa,
para a imagem do “desvairismo” e da “polifonia” que o E então minha alma servirá de abrigo.”
poeta quer transmitir: Mário de Andrade

77
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Macunaíma
Macunaíma é um herói preguiçoso, safado e sem ne- Macunaíma perde o amuleto, que vai parar nas mãos de
nhum caráter. Ele nasceu na selva e de preto, virou Venceslau Pietro Pietra, um mascate peruano, conhecido
branco. Depois de adulto, deixa o sertão em companhia como o Gigante Piaimã, comedor de gente. O gigante mora
dos irmãos e vive aventuras na cidade. Macunaíma ama em São Paulo, a cidade macota (a maior) do igarapé Tietê.
guerrilheiras e prostitutas, enfrenta vilões milionários,
policiais e personagens de todos os tipos. Macunaíma e seus irmãos descem o rio Araguaia em dire-
ção à cidade macota, a fim de recuperar o amuleto.
A maior parte da narrativa se passa em São Paulo e con-
Macunaíma siste nos diversos embates entre Macunaíma e o gigante.
Muitos aspectos da vida paulistana são aí satirizados.
Inicia-se, então, seu antagonismo com Vei, a deusa-sol, que
oferecerá ao herói uma de suas três filhas em casamento.
Entretanto, Macunaíma deixa-se seduzir por uma varina
(vendedora ambulante) portuguesa e começa a namorá-
-la, perdendo a possibilidade de se casar com uma das
filhas de Vei.
Macunaíma consegue matar Piaimã e recuperar a muira-
quitã, partindo de volta ao Uraricoera.
Por fim, Vei se vinga. Ela manda um forte calor, que esti-
mula a sensualidade do herói e o lança nos braços de uma
uiara (mãe-d’-água) traiçoeira, que o mutila e o faz perder
para sempre a muiraquitã.
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, romance de
1928, foi batizado por Mário de Andrade como rapsódia, No final, quando o herói já não “acha graça nesta terra”,
um tipo de composição feita a partir dos cantos tradicio- vai para o Céu para ser a constelação Ursa Maior.
nais ou populares.
Fruto de longos estudos de Mário acerca da mitologia in-
dígena e do folclore sul-americano, é uma narrativa de es-
trutura inovadora. Logo de início são apresentados o herói,
Macunaíma, sua mãe e seus irmãos, Maanape e Jiquê, ín-
dios tapanhumas, que vivem às margens do rio Uracicoera.
Essa situação inicial é rompida com a morte da mãe. Os
irmãos partem da terra natal em busca de aventuras.
Macunaíma encontra Ci, a Mãe do Mato, rainha dos ica-
miabas, tribo de amazonas. Depois de dominá-la, faz dela O batizado de Macunaíma Óleo sobre tela,
132,5 x 250 cm. Tarsila do Amaral. 1956.
sua mulher e torna-se Imperador do Mato-Virgem. Ci dá
à luz um filho, que morre. Ela também falece, em seguida,
Capítulo I
transformando-se em estrela. Antes de morrer, ela dá um
amuleto a Macunaíma: é a muiraquitã, uma pedra verde No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de
em forma de sáurio. nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite.

78
Houve um momento em que o silêncio foi tão grande E uma luz vasta brilhou no cérebro dele. Se ergueu na jan-
escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapa- gada e com os braços oscilando por cima da pátria decre-
nhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que cha- tou solene:
maram de Macunaíma. – POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA, OS MALES DO BRASIL SÃO!
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro Pulou da jangada no sufragante, foi fazer continência
passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a diante da imagem de Santo Antônio que era capitão de
falar exclamava: regimento e depois deu em cima de todas as cunhãs por
– Ai! que preguiça!... aí. Logo topou com uma que fora varina lá na terrinha
do compadre chegadinho-chegadinho e inda cheirava no
[...]
mais! Um fartum bem de peixe. Macunaíma piscou pra ela
e os dois vieram na jangada brincar. Fizeram. Bastante eles
Capítulo VIII
brincaram. Agora estão se rindo um pro outro.
[...]
No outro dia Macunaíma não achou mais graça na capital
da República. Trocou a pedra Vató por um retrato no jornal
e voltou pra taba do igarapé Tietê.
sarapantar: causar espanto.

cunhã: nome indígena para “moça”.

(Mário de Andrade. Macunaíma, o herói sem nenhum


caráter. São Paulo: Martins, 1973.)

6.1.1. Obras de Mário de Andrade

Vei a sol
– Meu genro: você carece de casar com uma das minhas
filhas. O dote que dou pra ti é Oropa França e Bahia. Mas
porém você tem de ser fiel e não andar assim brincando
com as outras cunhãs por aí.
Macunaíma agradeceu e prometeu que sim jurando pela
memória da mãe dele. Então Vei saiu com as três filhas pra
fazer o dia no cerradão, ordenando mais uma vez que Ma- Mário, por Portinari
cunaíma não saísse da jangada pra não andar brincando § Há uma gota de sangue em cada poema, poesia, 1917.
com as outras cunhãs por aí. Macunaíma tornou a prome-
§ Pauliceia desvairada, poesia, 1922.
ter, jurando outra vez pela mãe.
§ A escrava que não é Isaura, ensaio, 1925.
Nem bem Vei com as três filhas entram no cerradão que
Macunaíma ficou cheio de vontade de ir brincar com uma § Losango cáqui, poesia, 1926.
cunhã. Acendeu um cigarro e a vontade foi subindo. Lá por § Primeiro andar, conto, 1926.
debaixo das árvores passavam muitas cunhãs cunhé cunhé
§ Clã do jabuti, poesia, 1927.
se remexendo com talento e formosura.
§ Amar, verbo intransitivo, romance, 1927.
– Pois que fogo devore tudo! Macunaíma exclamou. Não
sou frouxo pra mulher me fazer mal! § Macunaíma, romance, 1928.

79
§ Ensaio sobre a música brasileira, 1928. 6.2. Oswald de Andrade
§ Compêndio da história da música, 1929.
§ Modinhas e lundus imperiais, 1930.
§ Remate de males, poesia, 1930.
§ Música, doce música, 1933.
§ Belazarte, conto, 1934.
§ O aleijadinho, ensaio, 1935.
§ Álvares de Azevedo, ensaio, 1935.
§ Namoros com a medicina, 1939.
§ Música do Brasil, 1941. José Oswald de Sousa Andrade (1890–1954) viveu em Paris
de 1912 a 1917, onde foi influenciado pelas ideias futuristas.
§ Poesias, 1941.
A participação ativa dele na Semana de Arte Moderna de
§ O baile das quatro artes, ensaio, 1943.
1922 é seguida de uma segunda viagem à Europa. De per-
§ Aspectos da literatura brasileira, ensaio, 1943. sonalidade polêmica, Oswald de Andrade foi responsável por
§ Os filhos da Candinha, crônicas, 1943. vários manifestos, entre eles o Manifesto Antropófago e
o Manifesto pau-brasil (1924). Foi casado com a pintora
§ O empalhador de passarinhos, ensaio, 1944. Tarsila do Amaral e, posteriormente, com Patrícia Galvão.
§ Lira paulistana, poesia, 1946. Pondo fim aos modelos poéticos importados, cuja qualida-
§ Carro da miséria, poesia, 1946. de estava na grandiloquência e na seriedade, Oswald de
Andrade partiu para a paródia, a linguagem coloquial, o
§ Contos novos, 1946.
humor – tendo como eixo a temática brasileira.
§ Padre Jesuíno de Monte Carmelo, 1946.
É realmente sem fórmulas que se deve encarar a poesia
§ Poesias completas, 1955. oswaldiana – já que ele mesmo apontou o caminho: ver as
§ Danças dramáticas do Brasil, 3 vols., 1959. coisas com os olhos livres. No Primeiro caderno do aluno
de poesia Oswald de Andrade, segundo Haroldo de Cam-
§ Música de feitiçaria, 1963. pos, “o Poeta senta a poesia no banco da escola primária
§ O banquete, ensaio, 1978. para restituir-se e restituir-lhe a pureza da descoberta in-
fantil”, que se percebe, por exemplo, na composição Infân-
cia transcrita a seguir:
“O camisolão
O jarro
O passarinho
O oceano
A visita na asa que a gente sentava no sofá.”

multimídia: livro

Movimentos modernistas no Brasil (1922-


1928) Coleção Sabor Literário – Raul Bopp
Passada a fase de alvoroço provocada pela Semana de
Arte Moderna, começou-se a formar uma lenta consci-
ência do movimento. O impacto de ideias de vanguar-
da, que teve uma ressonância em todo o país, lançou
os intelectuais em posições novas. Consequentemente,
verificou-se, em vários setores, um abandono gradativo
dos princípios que sujeitavam letras e artes aos moldes
formais da época.
Oswald, por Tarsila.

80
Em 1924, Oswald de Andrade, sempre sob a égide de re-
novação, publicou Memórias Sentimentais de João Miramar, A obra é composta de 163 episódios numerados, ten-
romance visto por muitos como a primeira grande realização do João Miramar como personagem central. O “enre-
da prosa modernista. A montagem fragmentária, cujo único do” parte da infância de Miramar. Ainda adolescente,
eixo é o personagem João Miramar, inaugurava o que ficou faz sua primeira viagem à Europa, a bordo do navio
conhecido como a “estética do fragmentário”, ou seja, uma Marta. Nesse ponto, o romance assume a forma de
técnica de montagem de texto em blocos, sem sequência diário de viagem.
do discurso, sugerindo, portanto, também uma realidade não Quando sua mãe falece, Miramar retorna ao Brasil.
linear. Rompia, pois com os esquemas mais tradicionais da Casa-se com Célia, sua prima, sem romper, contudo,
narrativa, impossibilitando uma leitura linear da história. um romance com a atriz Rocambola, o que provoca
A esse respeito, comenta Jorge Schwartz: “Uma série de um futuro desquite.
incentivos traços de estilo combinada a um agudo senso No final da narrativa, o herói fica viúvo, é abandona-
crítico da sociedade da época fazem desse texto uma gran-
do pela amante e vai à falência por má administra-
de obra de vanguarda”.
ção de seus bens.
O estilo do livro é telegráfico e sintético, o que faz seus
episódios assemelharem-se a cenas cinematográficas.
Trechos de Memórias Sentimentais de João Miramar

63. Idiotismos
Um crayon de um arquiteto de Paris que tínhamos visto antes
do casamento dera-nos a inveja desesperada de uma calma
existência a dois, com pijama e abat-jours, sob a guarda dos
antigos deuses do home.
No dia 1o de abril de 1930 casou-se com Patricia Galvão Iríamos em tournée à Europa. E pela tarde lilás de Bois, ela
(Pagu) numa cerimônia pouco convencional. O aconte- guiaria a nossa Packard 120 H.P. Sairíamos nas férias pelos
cimento foi simbólico, realizado no Cemitério da Conso- caminhos sem mata-burros nem mamangavas nem taturanas
lação, em São Paulo. Mais tarde retrataram-se na igreja. e faríamos caridade e ouviríamos a missa dos bons curas nas
Escreve “A casa e a língua”, em defesa da arquitetura de catedrais da Média Idade. E prosseguiríamos por hotéis e ho-
téis, olhos nos olhos etc.
Warchavchik. Nasce seu filho Rudá Poronominare Galvão
[...]
de Andrade com a escritora Patrícia Galvão (Pagu). É preso
pela polícia do Rio de Janeiro por ameaçar o antigo amigo, 66. Botafogo etc.
poeta Olegário Mariano.
Beiramarávamos em auto pelo espelho de aluguel arborizado
das avenidas marinhas sem sol.
Losangos tênues de ouro bandeira nacionalizavam o verde
Memórias sentimentais de
dos montes interiores.
João Miramar
No outro lado azul da baía a Serra dos Órgãos serrava.
Barcos. E o passado voltava na brisa de baforadas gostosas.
Rolah ia vinha derrapava em túneis.
Copacabana era um veludo arrepiado na luminosa noite va-
rada pelas frestas da cidade.
[...]

75. Natal
Minha sogra ficou avó.
[...]

129. Ato III. Cena I


Na preguiça solar da mesma sala grande onde fôramos felizes
casais, Célia e a cadeira de balanço choravam como um tango.

81
– Já viu sua filha como está grandinha? História do Brasil
– Já.
– Nem se importa mais com ela. Ela teve sarampo e gripe. Qua- Pero Vaz Caminha
se ficou com o olho torto. (Um silêncio cheio de moscas.) Diga “a descoberta
a verdade! Recebi uma carta anônima contando tudo. Não há Seguimos nosso caminho por este mar de longo
nada mais triste do que ser enganada. Você está apaixonado Até a oitava da Páscoa
por essa atriz, Joãozinho! Conte tudo. Acho você envelhecido, Topamos aves
preocupado, com cara de viciado, Joãozinho! E houvemos vista de terra”
[...] os selvagens
“Mostraram-lhes uma galinha
142. Lenga–lenga Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
– Sou consultor de sua tia, fui amigo de seu falecido pai, co- E depois a tomaram como espantados”
nheci seus avós. Fiz o casamento de seus tios. Sou mais um primeiro chá
conselheiro íntimo que um advogado banal. “Depois de dançarem
Porém a situação é insustentável. Sua senhora, coitada, reuniu Diogo Dias
provas esmagadoras contra o seu leviano proceder. O Sr. tem Fez o salto real”
sido avistado com excessos com cômicas. Às margens disso o tarde de partida
caso financeiro negreja no horizonte. O Sr. adquiriu rapidamen- “Casas embandeiradas
te uma reputação de dilapidador. O seu nome já figura no bole- De janelas
tim das Falências e Protestos, no pasquim secreto e implacável, De Lisboa
a desfilar condenação, a destingir desonra! Terremoto azul
– Ao lado do Conde Chelinini. Fixado”
– Perfeitamente. Mas o conde acusa-se de se ter locupletado. Oswald de Andrade
Perfeitamente, o conde acusa-o.
[...]

146. Verbo crackar


Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência multimídia: livro
Ele escafedem a massa
Sê pirata
Sede trouxas
A sereia e o desconfiado – Roberto Schwarz
Abrindo opala Nesse seu livro de ensaios, Roberto Schwarz, um dos
Pessoal sarado. nossos maiores críticos literários, dá mostras ao leitor de
Oxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular. como a crítica é capaz de expor princípios que consti-
Oswald de Andrade tuem a obra literária.

Pau-Brasil 6.2.1. Manifesto Antropófago


Publicado em Paris em 1925 e ilustrado por Tarsila
do Amaral, esse livro de poemas foi o despertar da
consciência de brasilidade em Oswald de Andrade. O
nome, tirado da árvore que foi produto de exportação
na época colonial, serviu para designar uma “poesia
de exportação”.
Trata-se de uma proposta de escrever poeticamente a
história do Brasil. Assim, Oswald busca textos do pas-
sado, reescreve por meio da técnica da paródia em
linguagem coloquial e de muito humor.
Trechos de Pau-Brasil.

82
O Manifesto antropófago foi publicado no primeiro nú- Trecho do Manifesto Antropófago
mero da Revista de Antropofagia, em maio de 1928. Trazia “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economica-
o desenho de Tarsila do Amaral conhecido como Abaporu, mente. Filosoficamente.
que seria pintado em tela sobre óleo em 1929.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os
O nome da tela em tupi-guarani tem o mesmo significado individualismos, de todos os coletivismos.
de “antropófago”, ou seja, “que come carne humana”. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
A ideia do manifesto era essa: deglutir a cultura vinda de fora Tupi, or not tupi that is the question.
e desenvolvê-la com a cor brasileira. Sendo a antropofagia Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
um relevante aspecto da cultura histórica brasileira, no sé-
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do
culo XVI colonial, esse costume de canibalismo consistia em
antropófago.
devorar somente os inimigos mais inteligentes, os melhores
guerreiros, com o objetivo de aproveitar suas virtudes. Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspei-
tosos postos em drama. Freud acabou com o enigma
Os modernistas criticam a absorção de uma cultura euro- mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
peia sem digeri-la, como foi o caso de movimentos cul- O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeá-
turais do passado. A proposta do manifesto era conseguir vel entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação
essa digestão. contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados
ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos
imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da
cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de
velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano,
suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no ma-
pa-múndi do Brasil.
[...]”

6.2.2. Obras

Humor:
§ Revista O Pirralho – crônicas em português macarrônico
sob o pseudônimo de Annibale Scipione (1912 – 1917).

Poesia
§ Pau-Brasil (1925).
§ Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de
Andrade (1927).
§ Cântico dos cânticos para flauta e violão (1945).
§ O escaravelho de ouro (1946).

Romance:
§ A trilogia do exílio: I – Os condenados, II – A estrela de
absinto, III – A escada vermelha (1922-1934).
§ Memórias Sentimentais de João Miramar (1924).
§ Serafim Ponte Grande (1933).
§ Marco Zero: I - A revolução melancólica, II – Chão
(1943).
Abaporu. Óleo sobre tela. Tarsila do Amaral. 1928. § Memórias: Um homem sem profissão (1954).

83
Teatro:
§ A recusa (1913).
§ Théâtre Brésilien – Mon coeur balance e Leur Âme
(1916) (com Guilherme de Almeida)
§ O homem e o cavalo (1934).
§ A morta (1937). multimídia: livro
§ O rei da vela (1937).
Humildade, paixão e morte – David Arrigucci Jr.
§ O rei floquinhos (1953).
Esse livro traz um estudo sobre Manuel Bandeira, o
Manifestos: grande poeta pernambucano, introdutor das formas
da poesia moderna no Brasil. O arsenal de conheci-
§ Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924). mento que Davi Arrigucci Jr. mobiliza é impressionante
§ Manifesto Antropófago (1928). sem jamais ser pedante, e as cuidadosas análises tex-
tuais vão pouco a pouco revelando o que se oculta por
§ Manifesto Ordem e Progresso (1931).
trás de uma poesia que possui o raro dom de saber
Teses, artigos e conferências publicadas: extrair o sublime do prosaico.

§ O meu poeta futurista (1921).


§ A Arcádia e a Inconfidência (1945). 6.3. Manuel Bandeira
§ A sátira na poesia brasileira (1945).

Versões e adaptações:
§ Filme O homem do Pau-brasil, de Joaquim Pedro de An-
drade, baseado na vida de Oswald de Andrade (1980).
§ Filme Oswaldinianas – cinco episódios dirigidos por Ju-
lio Bressane, Lucia Murat, Roberto Moreira, Inácio Zatz,
Ricardo Dias e Rogério Sganzerla (1992).

Publicações póstumas:
§ A utopia antropofágica – Globo
§ Ponta de lança – Globo
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886–1968) foi
§ O rei da vela – Globo educado para a arquitetura; tanto é que em 1903 matricu-
§ Pau Brasil – Obras completas – Globo lou-se na Escola Politécnica de São Paulo. Mas, apanhado
pela tuberculose, abandonou os estudos para tentar a cura
§ O santeiro do mangue e outros poemas – Globo
da doença. Por isso, a participação de Manuel Bandeira na
§ Obras completas – Um homem sem profissão – Me- Semana de Arte Moderna foi indireta; como já explicado,
mórias e confissões sob as ordens de mamãe – Globo ocorreu por meio do poema Os sapos, declamado por Ro-
§ Telefonema – Globo nald de Carvalho em meio a vaias.

§ Dicionário de bolso – Globo Em 1940, Manuel Bandeira foi convidado para concorrer à
Academia Brasileira de Letras. Eleito, hesitou, mas tomou
§ O perfeito cozinheiro das almas desse mundo – Globo posse. A partir de 1943, lecionou literatura hispano-america-
§ Os condenados – A trilogia do exílio – Globo na na Faculdade Nacional de Filosofia. Fez várias traduções,
escreveu para jornal e rádio. Produziu intensamente. Ao com-
§ Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de An- pletar 80 anos, em 1966, publicou Estrela da Vida Inteira.
drade – Globo
Poeta do coloquial e do prosaico, seu trabalho com a
§ Os dentes do dragão – Globo linguagem, no sentido de buscar sempre o estritamente
§ Mon coeur balance – Le Âme − Globo necessário para a comunicação, possui como resultado

84
uma poesia que caminha para o despojamento, desde Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
sua estreia em 1917, com A Cinza das Horas. exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras
[de agradar às mulheres, etc
Em Carnaval, explica Sérgio Buarque de Holanda: “sua voz
faz-se satirizante com Os sapos, poema que seria uma es- Quero antes o lirismo dos loucos
pécie de hino nacional dos modernistas”. O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O prosaísmo de Bandeira começa a emergir com mais
O lirismo dos clowns de Shakespeare
frequência em O Ritmo Dissoluto (1924). Mas é com Li-
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”
bertinagem (1930) que se pode ver a consolidação de sua
poesia com a ideia de liberdade estética. Manuel Bandeira

Libertinagem é composta de poemas prosaicos, com temática 6.3.1. Obras


existencial e grande exploração de cenas e imagens brasileiras.
Bandeira rompeu tradições poéticas, introduzindo o co- Poesia:
loquialismo na poesia, tornando-se arauto do verso livre, § A Cinza das Horas (1917).
alçando o cotidiano ao plano estético, mas não renegou
heranças valiosas, como a dos românticos em sua exten- § Carnaval (1919).
sa obra poética. § Os Sapos (1922).
§ O Ritmo Dissoluto (1924).
§ Libertinagem (1930).
§ Estrela da Manhã (1936).
§ Lira dos Cinquent’anos (1940).
§ Belo, Belo (1948).
§ Mafuá do Malungo (1948).
§ Opus 10 (1952).
    
§ Estrela da tarde (1960).
Capa da primeira edição de Libertinagem, 1930. Capa da obra Carnaval.
§ Estrela da Vida Inteira (1966).
Poética, poema publicado em Libertinagem, funciona
como um verdadeiro manifesto da estética libertada: § O Bicho (1947)
§ Desencanto (1996).
Poética
“Estou farto do lirismo comedido Prosa
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
[o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político Manuel Bandeira. Nanquim s. papel 15,8 x 11,7 cm. 1922.
Emiliano Di Cavalcanti. (Doado ao MAM SP).
Raquítico
Sifilítico
§ Crônicas da Província do Brasil (1936).
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
[mesmo § Guia de Ouro Preto (1938).
De resto não é lirismo § Noções de História das Literaturas (1940).

85
§ Autoria das Cartas Chilenas (1940).
Ao ridicularizar os parnasianos por seu apego à métri-
§ Itinerário de Pasárgada – Jornal de Letras (1954).
ca, Os sapos representou uma espécie de declaração
§ De poetas e de poesia (1954). de princípios dos modernistas. A partir de então esta-
§ A flauta de Papel (1957). vam liberados os versos sem rima. Tiraram, enfim, os
grilhões da poesia.
§ Cronicas inéditas I.
§ Cronicas inéditas II (2009).

Os Sapos
de Bandeira na Semana de 22

A Semana de Arte Moderna de 1922 sacudiria os câ-


nones da arte no País. O que valia antes não valia mais:
Charge da época ironizando os modernistas; alguma
outra arte chegara, decretavam os modernistas capi-
semelhança com a atualidade?
taneados por Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia. Heitor
Os sapos
Villa-Lobos apresentaria vinte composições durante as
três noites que durou a Semana, escandalizando os pu- Manuel Bandeira
Enfunando os papos,
ristas ao mesclar música de orquestra a tambores, ins-
Saem da penumbra,
trumentos populares de congado e folhas de zinco. An-
Aos pulos, os sapos.
tropofagicamente, como o Brasil faz sua arte até hoje,
A luz os deslumbra.
de Norte a Sul: deglutindo e reprocessando elementos
de outras culturas. “Só a antropofagia nos une. Social- Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
mente. Economicamente. Filosoficamente”, escreveria
– “Meu pai foi à guerra!”
Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropofágico, – “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
seis anos depois, em 1928.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
A Semana dividiu o público entre adoradores e detra- Consoantes de apoio.
tores. Na segunda noite, dia 15 de fevereiro, Os sapos,
Vai por cinquenta anos
poema de Manuel Bandeira (1886–1968), que não Que lhes dei a norma:
compareceu ao evento, seria declamado por Ronald Reduzi sem danos
de Carvalho, em meio às vaias da plateia. A fôrmas a forma.

86
a Revista Hora. São Paulo sempre esteve no centro de seus
Clame a saparia interesses, principalmente no aspecto de sua vida cotidiana.
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas… 6.4.1. Brás, Bexiga e Barra Funda
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!”
– “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo, O sugestivo nome dessa obra aponta para a imigração ita-
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
liana na cidade de São Paulo, notadamente para os bairros
E solitário, é em que se concentrou.
Que soluças tu, Verdadeira crônica urbana reúne narrativas curtas am-
Transido de frio, bientadas nesses bairros pobres, enfocando a dificuldade
Sapo-cururu de seus personagens em se adaptar à sociedade paulis-
Da beira do rio…
tana. Dono de um estilo conciso, usa um recurso muito
interessante quando registra nas falas dos personagens
o hibridismo linguístico oriundo da fusão português/ita-
6.4. Alcântara Machado liano. Trata-se do autêntico linguajar do imigrante, que
o narrador introduz na ficção para imprimir-lhe autenti-
Alcântara Machado (1901–1935) inovou a estrutura do
cidade e verossimilhança. Ele tece uma imagem crítica,
conto integrando-o ao movimento modernista.
apaixonada e, por vezes, anedótica desses europeus que
Um dos mais importantes escritores do primeiro tempo mo- apontaram em São Paulo e se radicaram nos bairros que
dernista, Alcântara Machado formou-se em Direito em 1924, dão nome à obra.
mas não exerceu a profissão, dedicando-se ao jornalismo.
Uma viagem à Europa em 1925, inspirou-lhe o livro de es-
treia literária, Pathé Baby, com prefácio de Oswald de Andra-
de. Um ano depois, junto com Paulo Prado, fundou a revista
Terra Roxa e Outras Terras. O grande contista, entretanto,
ainda não havia surgido. Somente em 1928, com a publica-
ção Brás, Bexiga e Barra Funda, revelou-se o talento extraor-
dinário de Alcântara Machado na arte da narrativa curta. O
segundo livro de contos, Laranja da China, surgiria em 1929.
Sempre na esteira da modernidade, Alcântara Machado Embarcar em um bonde em São Paulo era uma
atitude moderna no início do século XX. Esse
uniu-se a Oswald de Andrade em 1929, para fundar a Revis- quadro mostra os festejos da inauguração da
ta de Antropofagia. Em 1931, com Mário de Andrade, dirigiu Avenida Paulista em 8 de dezembro de 1891.

87
A mãe da menina rica não respondeu. Ajeitou o chapeu-
zinho da filha, sorriu para o bichinho, fez uma carícia na
cabeça dele, abriu a bolsa e olhou o espelho.
Dona Mariana, escarlate de vergonha, murmurou no ou-
vido da filha.
– In casa me lo pagherai!
multimídia: vídeo E pespegou por conta um beliscão no bracinho magro. Um
Fonte: Youtube beliscão daqueles.
Lição de amor Lisetta então perdeu toda a compostura de uma vez. Cho-
Em São Paulo, na década de 1920, uma governanta ale- rou. Soluçou. Chorou. Soluçou. Falando sempre:
mã (Lílian Lemmertz) é contratada por uma rica família. – Hã! Hã! Hã! Hã! Eu que...ro o ur...so! Ai, mamãe! Ai,
Sua tarefa não se limita a dar aulas aos filhos do casal, mamãe! Eu que...ro o... o... o... Hã! Hã!
mas também consiste em dar uma “boa” educação se-
xual ao filho mais velho, não permitindo que o jovem – Stai ferma o ti ammazzo, parola d’onore!
seja afetado pela permissividade do mundo que o cerca. – Um pou...qui...nho só! Hã! E... hã! Um pou...qui...
– Senti, Lisetta. Non ti perterò più in città! Mai più!
Lisetta Um escândalo. E logo no banco da frente. O bonde inteiro teste-
munhou o feio que Lisetta fez. O urso recomeçou a mexer com
Quando Lisetta subiu no bonde (o condutor ajudou) viu a cabeça. Da esquerda para a direita, para cima e para baixo.
logo o urso. Felpudo, felpudo. E amarelo. Tão engraçadinho.
– Non piangere più adesso!
Dona Mariana sentou-se, colocou a filha em pé diante dela.
Impossível.
Lisetta começou a namorar o bicho. Pôs o pirulito de aba-
caxi na boca. Pôs mas não chupou, olhava o urso. O urso O urso lá se fora nos braços da dona. E a dona só de má,
não ligava. Seus olhinhos de vidro não diziam absoluta- antes de entrar no palacete estilo empreiteiro português, vol-
mente nada. No colo da menina de pulseira de ouro e tou-se e agitou no ar o bichinho. Para Lisetta ver. E Lisetta viu.
meias de seda parecia um urso importante e feliz. Dem-dem! O bonde deu um solavanco, sacudiu os passa-
– Olha o ursinho que lindo, mamãe! geiros, deslizou, rolou, seguiu. Dem-dem!
– Olha à direita!
– Stai zitta!
Lisetta como compensação quis sentar-se no banco. Dona
A menina rica viu o enlevo e a inveja da Lisetta. E deu de
Mariana (havia pago uma passagem só) opôs-se com
brincar com o urso. Mexeu-lhe com o toquinho do rabo: e
energia e outro beliscão.
a cabeça do bicho virou a esquerda, depois a direita, olhou
para cima, depois para baixo. Lisetta acompanhava a ma- A entrada de Lisetta em casa marcou época na história
nobra. Sorrindo fascinada. E com um ardor nos olhos! O dramática da família Garbone.
pirulito perdeu definitivamente toda a importância. Logo na porta um safanão. Depois um tabefe. Outro no
Agora são as pernas que sobem e descem, cumprimentam, corredor. Intervalo de dois minutos. Foi então a vez das chi-
se cruzam, batem umas nas outras: neladas. Para remate. Que não acabava mais.
– As patas também mexem, mamãe. Olha lá! O resto da gurizada (narizes escorrendo, pernas arranha-
das, suspensórios de barbante) reunido na sala de jantar
– Stai ferma!
sapeava de longe.
Lisetta sentia um desejo louco de tocar no ursinho. Jeitosa- Mas o Ugo chegou da oficina.
mente procurou alcançá-lo. A menina rica percebeu, enca-
rou a coitada com raiva, fez uma careta horrível e apertou – Você assim machuca a menina, mamãe! Coitadinha dela!
contra o peito o bichinho que custara cinquenta mil-réis na Também Lisetta já não aguentava mais.
Casa São Nicolau.
– Toma pra você. Mas não escache.
– Deixa pegar um pouquinho, um pouquinho só nele, deixa?
Lisetta deu um pulo de contente. Pequerrucho. Pequerru-
– Ah! cho e de lata. Do tamanho de um passarinho. Mas urso.
– Scusi, senhora. Desculpe por favor. A senhora sabe, essas Os irmãos chegaram-se para admirar. O Pasqualino quis
crianças são muito levadas. Scusi. Desculpe. logo pegar o bichinho. Quis mesmo tomá-lo à força. Lisetta

88
berrou como uma desesperada: gunda: nada. Na terceira: sim. Bem embaixo: PAJEM ENAMO-
– Ele é meu! O Ugo me deu! RADO(São Paulo) - muito chocho o terceto final do seu soneto
SEGREDOS DA ALCOVA. Anime-o e volte querendo.
Correu para o quarto. Fechou-se por dentro.
Não?
(Antônio de Alcântara Machado. Novelas paulistanas.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.) Segunda gaveta à esquerda. No fundo. Cá está.
Então beijando o teu corpo formoso
6.4.2. O lírico “Lamartine”, conto
Arquejo e palpito e suspiro e gemo
de Alcântara Machado Na doce febre do divino gozo.
Desembargador. Um metro e setenta e dois centímetros culmi- Chocho?
nando na careca aberta a todos os pensamentos nobres, de-
sinteressados, equinânimes. E o fraque. O fraque austero como Releitura. Meditação (a pena no tinteiro). Primeira emenda:
convém a um substituto profano de toda. E os óculos. Sim: mordendo em lugar de beijando.
os óculos. E o anelão de rubi. É verdade: o rutilante anel de Chocho?
rubi. E o todo de balança. Principalmente o todo de balança. O Declaração veemente. Segunda emenda: febre ardente em
tronco teso, a horizontalidade dos ombros, os braços a prumo. lugar de doce febre.
Que é que carrega na mão direita? A pasta. A divina Têmis não
se vê. Mas está atrás. Naturalmente. Sustentando sua balança. Chocho?
Sua balança: o Desembargador Lamartine de Campos. Mais alma. Mais alma.
Aí vem ele. A imaginação vira asas do moinho da poesia...
Paletó de pijama sim. Mas  colarinho alto. Alcântara Machado. Laranja da China. 1928. (Doze contos
cada um com um personagem da história ou da literatura.)

– Joaquina, sirva o café.


Por enquanto o sofá da saleta ainda chega para Dona Hor- 6.4.3. Obras de Alcântara Machado
tênsia. Mas amanhã? No entanto o desembargador desliza § Pathé Baby, romance, 1926.
um olhar untuoso sobre os untos da metade. O peso da es-
§ Brás, Bexiga e Barra Funda, contos, 1928.
posa sem dúvida possível é o índice de sua carreira de ma-
gistrado. Quando o desembargador se casou (era promotor § Laranja da China, contos, 1929.
público e tinha uma capa espanhola forrada de seda carme- § Maria Maria, romance, 1936, póstuma.
sim) Dona Hortênsia pesava cinquenta e cinco quilos. Juiz
municipal: Dona Hortênsia foi até sessenta e seis e meio. Juiz § Cavaquinho e Saxofone, ensaio, 1940, póstuma.
de direito: Dona Hortência fez um esforço e  alcançou seten-
ta e nove. Lista de merecimento: oitenta e cinco na balança
da Estação da Luz diante de testemunhas. Desembargador:
noventa e quatro quilos novecentos e cinquenta gramas. E
dona Hortênsia prometia ainda. Mais uns sete quilos (tal-
vez nem tanto) o desembargador está aí feito Ministro do
Supremo Tribunal Federal. E se depois Dona Hortênsia num
arranque supremo alargasse ainda mais as suas fronteiras multimídia: vídeo
nativas? Lamartine punha tudo nas mãos de Deus. Fonte: Youtube
– Por que está olhando tanto pra mim? Nunca me viu mais Um só coração
gorda? A história se passa entre as décadas de 1920 e 1950,
– Verei ainda se a sorte não me for madrasta! na grande São Paulo. Percorrendo momentos históricos,
como a Semana de Arte Moderna, a Revolução de 1924,
Vou trabalhar. A substância gorda como que diz:
a crise econômica de 1929 e a Era Vargas, há a história
Às ordens. de Yolanda Penteado (Ana Paula Arósio), uma jovem de
Duas voltas na chave. A cadeira giratória geme sob o desem- família tradicional da alta sociedade paulista, que des-
bargador. Abre a pasta. Tira o Diário Oficial. De dentro do Diário perta admirações por onde passa. Ela nunca tinha se
Oficial tira O Colibri. Abre O colibri. Molha o indicador na língua. envolvido facilmente com nenhum outro admirador, até
E vira as páginas. Vai virando aceleradamente. Sofreguidão. En- que conhece Martim (Erik Marmo), um jovem estudante
fim: CAIXA DO O COLIBRI. Na primeira coluna: nada. Na se- de Medicina que chama sua atenção.

89
VIVENCIANDO

O título da obra de Marcos Augusto Gonçalves – 1922: a semana que não


terminou – direciona um pensamento muito importante para a moderni-
dade, no sentido de traduzir a importância da revolucionária Semana de
Arte Moderna, que comemora, entre outras coisas, o centenário de nossa
independência enquanto colônia de Portugal, mas direciona para uma in-
dependência artística, no sentido de sintonizar o Brasil com o que acontecia
com as vanguardas artísticas europeias. Logo, pensar na ideia de uma se-
mana que não terminou indica dois sentidos, o primeiro que era para durar
sete dias, e no terceiro dia já não havia mais ninguém na plateia (motivo
pelo qual os artistas foram estudados com a nomenclatura de heroicos),
e o segundo sentido, direcionando para a ideia de que ela reverbera até
hoje na relação entre arte e sociedade. O ano de 1922 não foi superado
no sentido de configurar o movimento artístico brasileiro mais importante
até os dias atuais, e mais do que isso, um indicativo de que refletir sobre sua importância nos dias atuais surge
como um ponto de partida para configurar a estagnação reflexiva que o mundo alienado se apresenta, distante
das reflexões críticas sobre o que é ser brasileiro no plano social, econômico, político e, principalmente, artístico.
Vivemos uma sociedade fragmentada e maquinizada, que pouco reflete sobre sua condição e, cada vez mais,
perde seus direitos enquanto nação de pensamento independente, movida por grandes interesses, como vemos
na substituição de disciplinas reflexivas nas escolas, os ditames de uma mídia coorporativa e o descompasso de
uma justiça seletiva. Remontar as reflexões da Semana de Arte Moderna é, sem dúvida, repensar nosso cotidiano
enquanto cidadãos brasileiros independentes e civilizados.

Programa da Semana de Arte Moderna Integrantes da Semana de Arte Moderna de 1922.

90
VIVENCIANDO

Abaporu. Óleo sobre tela. Tarsila do Amaral. 1928.

91
ÁREAS DO CONHECIMENTO DO ENEM

HABILIDADE 16
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.

Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, me-
diante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção
e recepção.
Esta competência trata de uma das várias formas de expressão artística existentes, a literatura. Mas um texto
pode ser também arte, assim como a música, a dança e a pintura? Sim, aqueles textos que satisfazem alguma
necessidade artística humana, provocando alguma sensação de prazer no leitor, e que são definidos socialmen-
te como importantes e representativos de uma forma de pensar (através da escola, autores e instituições da
área), são considerados literários.

MODELO 1
(Enem) Em junho de 1913, embarquei para a Europa a fim de me tratar num sanatório suíço. Escolhi o de
Clavadel, perto de Davos-Platz, porque a respeito dele me falara João Luso, que ali passara um inverno com
a senhora. Mais tarde vim a saber que antes de existir no lugar um sanatório, lá estivera por algum tempo
Antônio Nobre. “Ao cair das folhas”, um de seus mais belos sonetos, talvez o meu predileto, está datado
de “Clavadel, outubro, 1895”. Fiquei na Suíça até outubro de 1914.
BANDEIRA, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.

No relato de memórias do autor, entre os recursos usados para organizar a sequência dos eventos narrados,
destaca-se a:
a) construção de frases curtas a fim de conferir dinamicidade ao texto;
b) presença de advérbios de lugar para indicar a progressão dos fatos;
c) alternância de tempos do pretérito para ordenar os acontecimentos;
d) inclusão de enunciados com comentários e avaliações pessoais;
e) alusão a pessoas marcantes na trajetória de vida do escritor;

ANÁLISE EXPOSITIVA

Fica evidente a presença de associação de linguagem verbal e não verbal a partir da utilização de pessoas
caracterizadoras do público-alvo da campanha de vacinação, ou seja, mulheres grávidas, pessoas acima de
60 anos e crianças entre 6 meses e 2 anos de idade.

RESPOSTA Alternativa C

92
DIAGRAMA DE IDEIAS

MODERNISMO NO BRASIL:
PRIMEIRA FASE

A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 FOI O MARCO INICIAL DA ESTÉTICA MODERNA NO BRASIL.

A PRIMEIRA FASE DO MODERNISMO É MARCADA POR SER A “ERA DOS MANIFESTOS”. DESTAQUE
PARA TRÊS DELES:
• PAU-BRASIL • VERDE-AMARELISMO • MOVIMENTO ANTROPOFÁGICO
(1924-1925) (1916-1929) (1928)

OS ARTISTAS MODERNISTAS QUE FIZERAM PARTE DO CHAMADO “GRUPO DOS CINCO” ERAM:
• MÁRIO DE ANDRADE (1893-1945) • TARSILA DO AMARAL (1886-1973)
• OSWALD DE ANDRADE (1890-1954) • ANITA MALFATTI (1889-1964)
• MENOTTI DEL PICCHIA (1892-1988)

CONFIRA OS NOMES DOS PRINCIPAIS ARTISTAS DO MODERNISMO, FORA O “GRUPO DOS CINCO”:
• MANUEL BANDEIRA (1886-1968) • HEITOR VILLA-LOBOS (1887-1959)
• GRAÇA ARANHA (1868-1931) • CASSIANO RICARDO (1895-1974)
• VICTOR BRECHERET (1894-1955) • TÁCITO DE ALMEIDA (1889-1940)
• PLÍNIO SALGADO (1895-1975) • DI CAVALCANTI (1897-1976)
• RONALD DE CARVALHO (1893-1935) • LASAR SEGALL (1891-1957)
• GUILHERME DE ALMEIDA (1890-1969) • ALCÂNTARA MACHADO (1901-1935)
• SÉRGIO MILLIET (1898-1966) • VICENTE DO REGO MONTEIRO (1899-1970)

CONFIRA AS CARACTERÍSTICAS DA PRIMEIRA FASE MODERNISTA, CONHECIDA COMO “GERAÇÃO


HEROICA”:
• OLHAR PARA O HOMEM DO POVO.
• ERA DOS MANIFESTOS, DELIMITAÇÃO ESTÉTICA DO FAZER ARTÍSTICO.
• VALORIZAÇÃO DO COTIDIANO.
• NACIONALISMO CRÍTICO.
• CRÍTICAS À REALIDADE BRASILEIRA E RESGATE DA CULTURA.
• RENOVAÇÃO DA LINGUAGEM.
• NEGAÇÃO AO PARNASIANISMO.
• EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS.
• IRONIA, SARCASMO E IRREVERÊNCIA.
• CARÁTER ANÁRQUICO E DESTRUIDOR.
• VERSILIBRISMO E VERSOS BRANCOS.

93
AULAS 33 E 34

MODERNISMO
NO BRASIL: 2.ª
FASE – POESIA
Teve início a “Grande Depressão”, que atingiu todo o mun-
do capitalista. Um ano depois, a Revolução de 1930 – di-
tadura de Getúlio Vargas (1882-1954) – encontrou o Brasil
COMPETÊNCIA: 5 economicamente desorganizado e o pânico foi instalado
entre os produtores de café.
HABILIDADES: 15, 16 e 17 A queda dos preços das matérias-primas, dos produtos agrí-
colas e das exportações europeias aos Estados Unidos pro-
vocou a quebra de numerosos bancos e o fechamento de
empresas na Europa e na América. As exportações de café
brasileiro caíram drasticamente, uma vez que os norte-ame-
ricanos eram os maiores compradores do produto.
A Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente ampla dos co-
munistas contra o fascismo no Brasil, criada por Luís Carlos
Prestes, em 1935, provocou comoção social no País. O go-
verno de Vargas, acusado de fascismo e apoiado pelo Exér-
cito, esmagou o que se conheceu por Revolta Vermelha.
O Estado Novo – ditadura de Vargas – promulgou uma nova
Constituição da República, desta vez muito mais dura e in-
transigente. A polícia varguista e seu departamento de cen-
1. Segunda fase sura (DIP) passaram a “examinar” toda a produção artística.

modernista – poesia O início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, colocou a má-


quina nazista em ação. O Brasil posicionou-se, por força da
Compreendida entre os anos 1930 e 1945, essa fase re- inclinação fascista de Getúlio, ao lado dos italianos e alemães.
flete um momento histórico conturbado no plano interna- Só mais tarde é que regeneraria o Eixo e apoiaria os aliados.
cional: o avanço do nazifascismo e da II Guerra Mundial.
Nessa segunda fase do Modernismo, a literatura tornou-se
No plano interno, Getúlio Vargas consolida-se como dita- mais engajada e politizada, reproduzindo, nos anos 1930
dor, decretando o Estado Novo, em 1937. a 1945, a difícil realidade gerada pela crise mundial e pela
A produção literária, rica em prosa e em poesia, incorpora ditadura que se instalou no Brasil a partir de outubro de
preocupações relativas a problemas sociais brasileiros e a an- 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
gústia de sobreviver em um momento limite da humanidade.

1.1. Contexto histórico


O último ano da década de 1920 foi marcado por um
evento crítico na economia mundial conhecido como crack
na bolsa de Nova Iorque. As quedas dos índices econômi-
cos repercutiram em todos os países ocidentais em 1929.
O desastre financeiro estadunidense provocou recessão e
miséria, tomando o lugar o crescimento que, mesmo desor-
ganizado, até então havia predominado. Cartilha escolar da era Vargas

94
Cada autor dessa geração modernista passou a refletir so- 2.3. Poesia intimista
bre essa época de agonia à sua maneira.
Ao lado da poesia social é possível encontrar também uma
Na prosa, uma literatura regionalista, que realçou a região poesia intimista, voltada para a espiritualidade e para a
focalizando problemas sociais, apareceu fortemente ao reflexão amorosa, como é o caso de Vinicius de Moraes e
lado de uma literatura urbana, muito intimista, em que a Cecília Meireles.
narrativa se construiu por registro de atmosferas. A poesia
enveredou para a crítica social e para o entendimento das
relações conturbadas do homem com o universo.
A poesia produzida nos anos 1930, mais madura e mais com-
prometida socialmente, é a expressão de um momento difícil
e pelo qual o Brasil passava: a ditadura de Getúlio Vargas.
Os poetas da geração de 1930 tiveram grande preocupa-
ção social. A necessidade de compreender o mundo trans-
multimídia: livro
formado pela guerra e pelas crises sucessivas fez com que
eles procurassem uma interpretação da realidade, tentan- Drummond: da rosa do povo à rosa
do entender o dinamismo das relações dos homens com das trevas – Vagner Camilo
o universo que habitam. Assim, por exemplo, a poesia de Vagner Camilo, professor de Literatura Brasileira na
Drummond e de Murilo Mendes analisa o destino do ser USP, faz um lúcido inventário dos acertos e equívocos
humano como um todo. Essa visão abrangente do homem cometidos pela crítica sobre a guinada poética de Car-
também aparece na produção de Cecília Meireles e de Vi- los Drummond de Andrade em Claro enigma. Neste
nicius de Moraes. premiado estudo, o autor evidencia o impacto causa-
do pela obra e a rejeição que o escritor recebeu por

2. Características da poesia parte dos que viam indícios de alienação em sua nova
fase. Camilo analisa esse período controverso sob uma
da geração de 1930 nova óptica e acaba por lançar luzes sobre a obra do
grande poeta de Itabira.
A poesia dos anos 1930 colhe os frutos da derrubada de
mitos e padrões preestabelecidos instaurados em 1922. Os
poemas sem rima ou sem métrica, que tratam de temas co-
tidianos, aproximam-se da prosa. O lirismo livremente atra-
3. Principais poetas da
sado, a descrição de momentos e acontecimentos simultâ- segunda fase modernista
neos, a fusão de elementos diversos passam a ter lugar na
produção poética. 3.1. Carlos Drummond de Andrade
2.1. Incorporações das conquistas
formais anteriores
As propostas de liberdade formal da geração anterior
foram incorporadas: o verso livre, a liberdade de pontua-
ção, a superação da linguagem linear. A liberdade formal
também admite a opção até mesmo pelo formalismo.
Coexistem poemas quase prosaicos com outros de forma
fixa ou com rimas.

2.2. Poesia de engajamento social


Surge uma poesia de denúncia e de combate, em face dos
acontecimentos da humanidade, que caminha para o con-
fronto e a guerra. A preocupação com o mundo transforma-
do, desconcertante e com o ser humano como um todo mar-
cam forte presença nessa produção de engajamento social. Carlos Drummond de Andrade

95
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), farmacêutico
que não exerceu a profissão, foi funcionário público duran-
te toda a vida, vivendo no Rio de Janeiro e se dedicando à
poesia e à crônica.
Considerado o maior representante brasileiro da poesia do
século XX, Carlos Drummond encabeça a lista de poetas
dos anos 1930, com a linha poética que vai do poema-pia-
da do primeiro Modernismo à década de 1980, passando
por diversos momentos, compreendendo várias fases, no-
tadamente a época da Segunda Guerra Mundial (década
de 1940), quando o seu momento lírico é excepcional.
Em 1928, com a publicação do poema No meio do cami-
nho, na Revista de Antropofagia, o discreto poeta mineiro
provocou um escândalo. Mas a obra de estreia é Alguma
Poesia, de 1930. Desse tempo até sua morte, a vasta pro-
dução poética compreendeu muitos títulos, entre os quais:
Brejo das Almas; Sentimento do Mundo; A Rosa do Povo;
Claro Enigma; Viola de Bolso; Fazendeiro do Ar; A Vida Pas-
sada a Limpo; Lição de Coisas; Obra Completa; Versiprosa;
José & Outros; Bolero & A Falta que Ama; Menino Antigo;
As Impurezas do Branco; Amor, Amores; A Visita; Discurso Drummond, por Portinari.
de Primavera & Algumas Sombras; Esquecer para Lembrar;
A Paixão Medida; Corpo; Amar se Aprende Amando; Amor,
Sinal Estranho; Poesia Errante; O Amor Natural.
Nos anos 1980, sua obra seria descoberta por outros artis-
tas e outras linguagens. Argumentos de filmes são baseados
em poemas seus, a exemplo de O padre e a moça, de
Joaquim Pedro de Andrade. Versos seus foram temas de es-
cola de samba, como o Sonho de um sonho, vencedor do multimídia: vídeo
concurso de sambas-enredo do carnaval carioca de 1980. Fonte: Youtube
Sua produção em prosa também se destaca. Entre outros SENTIMENTO DO MUNDO | Carlos
títulos podem ser citadas as crônicas de Confissões de Mi- Drummond de Andrade
nas e os Contos de aprendiz.
Em Drummond, podem-se distinguir várias linhas poéticas. Os ombros suportam o mundo
1. A poesia saudosista da família e da terra natal, refle- “Chega um tempo em que não se diz mais: Meu Deus.
tida em vários poemas, como se vê no exemplo extraído de Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Algumas Poesias, seu primeiro livro:
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
Infância E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
“Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. E o coração está seco.
Minha mãe ficava sentada cosendo. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás,
Meu irmão pequeno dormia. Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
Eu sozinho menino entre mangueiras mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
lia a história de Robinson Crusoé, És todo certeza, já não sabes sofrer.
comprida história que não acaba mais.” E nada esperas de teus amigos.
[...]
(Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia. Rio de Janeiro: Record.)
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
2. A poesia intimista do “eu retorcido”, que aponta no po- Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
eta uma percepção da realidade da forma autêntica e cruel, A vida apenas, sem mistificação.”
como neste poema, extraído de Sentimento do Mundo. Carlos Drummond de Andrade

96
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
[...]”
Carlos Drummond de Andrade
multimídia: livro 5. O poema-objeto, sintético e telegráfico, à moda dos
primeiros futuristas. A enumeração caótica e a extrema eco-
“Inquietudes na poesia de Drummond”. nomia de palavras predominam nessa linha, que pode ser
In: Vários escritos − Antonio Candido exemplificada com o trecho extraído de Lição de Coisas.
Os ensaios deste livro estão organizados em duas par- Isso é aquilo
tes, a primeira das quais começa por um apanhado
“O fácil o fóssil
geral sobre a obra de Machado de Assis, mencionando
o míssil o físsil
algo da sua fortuna crítica, sobretudo acentuando a a arte o enfarte
modernidade desse escritor por meio do levantamento o ocre o canopo
de temas centrais em sua ficção. A segunda parte co- a urna o farniente
meça pela exposição sobre o direito à literatura, vista a foice o fascículo
em sentido amplo como necessidade social inevitável a lex o judex
o maiô o avô
e constituindo, em consequência, um bem que a todos
a ave o mocotó
deve ser proporcionado. o só o sambaqui
[...]”
Carlos Drummond de Andrade
3. A poesia de participação social encontrada espe-
cialmente na coletânea Rosa do Povo:

Nosso tempo – I Alguma Poesia


“Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens perdem carne. Fogo. Sapato.
As leis não bastam, Os lírios não nascem.
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.
[...]
Este é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
Obscenos gestos avulsos.”
Carlos Drummond de Andrade

4. A poesia metafísica, com reflexões sobre a essencialida-


de humana, na tentativa de compreender profundamente a
realidade. O exemplo extraído de Claro Enigma é ilustrativo.
Primeiro livro de Drummond, reúne 49 poemas, al-
guns dos quais já publicados anteriormente, em
Amar revista literária, como o hoje clássico No meio do
“Que pode uma criatura senão, caminho, texto impactante no seu surgimento, que
entre criaturas, amar? serviu como modelo para outros clássicos, tal qual
amar e esquecer,
os versos iniciais das canções Águas de março, de
amar e malamar,
amar, desamar, amar? Tom Jobim, e Retrato em branco e preto, de Chico
sempre, e até de olhos virados, amar? Buarque de Holanda.
[...]

97
Quadrilha
As sete estrofes do Poema de sete faces, que abre
“João amava Teresa que amava Raimundo
o livro, exemplificam a montagem semelhante à da
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
pintura cubista. que não amava ninguém.
Quadrilha é outro exemplo de um texto cuja força João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
o transformou em imagem permanente na Litera-
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
tura Brasileira. que não tinha entrado na história.”

Carlos Drummond de Andrade

Sentimento do mundo

multimídia: livro

Passeios na ilha – Carlos Drummond de Andrade


Terceiro livro de prosa de Carlos Drummond de An-
drade, publicado originalmente em 1952, Passeios na
ilha combina textos históricos, crônicas, aforismos e
Fonte: PUC 2002
crítica literária. A ilha de que fala o livro tem sentido
obviamente metafórico e não está nem muito longe Terceira obra poética de Carlos Drummond de An-
nem muito perto do litoral. Nas palavras do próprio drade, publicada em 1940, composta de 28 poemas,
escritor: “Minha ilha (e só de a imaginar já me consi- que trazem mais um olhar crítico e significativamen-
dero seu habitante) ficará no justo ponto de latitude e te político, ao retratar um tempo de guerras, de pes-
longitude, que, pondo-me a coberto de ventos, sereias simismo e sobretudo de dúvidas sobre o poder de
e pestes, nem me afaste demasiado dos homens nem destruição do homem.
me obrigue a praticá-los diuturnamente”. É desse lu- São vários os “sentimentos” nos poemas: não apenas
gar que Drummond observa a vida literária, num tom da humanidade em guerra, mas também da luta de
que combina a compreensão e a ironia somente facul- classes; o sentimento do eu diante de um mundo ad-
tadas pela perspectiva histórica. Assim, o livro abre um verso; a melancolia do passado diante de um presente
caminho arriscado entre as posições da chamada arte abrutalhado. Emerge, enfim, Itabira, cidade natal do
participante, alardeadas pela militância do Partido Co- poeta, “o centro da margem esquerda do mundo ca-
munista fora e dentro do Brasil, e a atitude de cultivo pitalista”, de acordo com Silviano Santiago.
estrito da forma estética defendida pelos poetas da
geração de 1945.
Poema de sete faces
No meio do caminho “Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
“No meio do caminho tinha uma pedra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra As casas espiam os homens
no meio do caminho tinha uma pedra que correm atrás de mulheres.
Nunca me esquecerei desse acontecimento A tarde talvez fosse azul,
na vida de minhas retinas tão fatigadas não houvesse tantos desejos.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho O bonde passa cheio de pernas:
tinha uma pedra pernas brancas pretas amarelas.
tinha uma pedra no meio do caminho Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
no meio do caminho tinha uma pedra” Porém meus olhos
Carlos Drummond de Andrade não perguntam nada.

98
O homem atrás do bigode A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
é sério, simples e forte. vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres
Quase não conversa.
[e sem horizontes.]
Tem pouco, raros amigos
o homem atrás do óculos e do bigode, E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
Meu Deus, por que me abandonaste é doce herança itabirana.
se sabias que eu não era Deus De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
se sabia que eu era fraco?
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
Mundo mundo vasto mundo, este couro de anta, estendido no sofá da sala de
Se eu me chamasse Raimundo
[visitas;]
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo, este orgulho, esta cabeça baixa...
mais vasto é meu coração. Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Eu não devia te dizer Hoje sou funcionário público.
mas essa Lua
mas esse conhaque Itabira é apenas uma fotografia na parede.
botam a gente comovido como o diabo.” Mas como dói!”
Carlos Drummond de Andrade Carlos Drummond de Andrade.
Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: Record.

3.2. Cecília Meireles

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Poeta de sete faces
O documentário divide-se em três etapas, que correspon-
dem às fases distintas da obra de Carlos Drummond de
Andrade e caracterizam momentos de sua vida. A primei-
ra fase, chamada “Vai Carlos, ser gauche na vida”, regis-
tra do seu nascimento, em Itabira, em 1902, até o final
da sua “poesia modernista”, em Belo Horizonte, antes da
mudança para o Rio de Janeiro, em 1934. A segunda fase,
chamada “A vida apenas, sem mistificação”, começa com
a mudança de Drummond para o Rio de Janeiro e vai
mostrar o “poeta do seu tempo”, o momento de atuação
política na vida do escritor, aliada à sua obra de crítica Cecília Meireles
social. A terceira fase, chamada “Como ficou chato ser
moderno, agora serei eterno”, do início dos anos 1950 Desde cedo, Cecília Meireles (1901-1964) voltou-se para a
aos anos 1980, a fase do poeta-filósofo. leitura: essa paixão encaminhou-a para o magistério. Co-
meçou a lecionar em 1919, na Escola Normal.
Poetisa desde a década de 1920, o legado de Cecília Mei-
Confidência do itabirano
reles é extenso, prosseguindo até a década de 1960. Cecília
“Alguns anos vivi em Itabira. esteve em vários países, divulgando tanto a literatura quanto
Principalmente nasci em Itabira. o folclore brasileiro. Lecionou na Universidade Federal do Rio
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. de Janeiro e teve intensa atividade jornalística.
Noventa por cento de ferro nas calçadas. A poesia de Cecília Meireles deixou transparecer, desde
Oitenta por cento de ferro nas almas. 1919, quando estreou com a obra Espectros, a predo-
E esse alheamemo do que na vida é porosidade e minância do misticismo: ou por meio de uma procura de
[comunicação.] Deus, ou por meio da nostalgia do além.

99
Dentre seus livros destacam-se: Viagem; Vaga Música; Mar uma flor ou a majestade da natureza. Tudo no afã de mos-
Absoluto; Retrato Natural; Doze Noturnos de Holanda; Ro- trar a transitoriedade da vida ou os momentos tensos da
manceiro da Inconfidência; Metal Rosicler; Solombra. A obra percepção de que tudo é breve e efêmero.
Ou Isto ou Aquilo tornou-se um clássico da poesia infantil.
Os livros Viagem, publicado em 1936, e Vaga Música,
A delicadeza no tratamento temático é aspecto notável publicado em 1942, apresentam poemas com focos nos
em Viagem, como se pode detectar neste trecho do po- elementos mais simples da existência, os quais adquirem
ema Serenata. significação simbólica.
“Repara na canção tardia A partir de Viagem, e depois em Vaga música, Cecília foi
que timidamente se eleva,
alcunhada de “poetisa da fugacidade, da precariedade e
num arrulho de fonte fria.
O orvalho treme sobre a treva do provisório”, aspectos que marcam a noção de fluidez
e o sonho da noite procura em vários dos elementos da natureza que surgem ao longo
a voz que o vento abraça e leva de sua poesia.
[...]”
Mesmo depois de se afastar do neossimbolismo do início
Já se comentou que Cecília Meireles domina muito bem de sua carreira, seus poemas ainda se relacionam com fan-
os elementos etéreos e que sua poesia é povoada de fan- tasia, sonhos, solidão, padecimento e melancolia.
tasia, numa diluição (proposital) de formas, sons e cores.
Isso se confirma com Vaga Música, cujo título sugere a Recordação e Modinha são poemas extraídos de Vaga
indefinição, a imprecisão. Em Chorinho, o texto é sim- música. Poesia intimista, espiritualista, está ligada à música
ples, musical, redondo. vaga pelo tipo de indefinição que a caracteriza. Trata-se de
um lirismo que habita os domínios da fantasia leve e dilu-
“Chorinho de clarineta,
de clarineta de prata,
ída do Simbolismo.
na úmida noite de lua.
Desce o rio de água preta. Recordação
E a perdida serenata
“Agora, o cheiro áspero das flores
na água trêmula flutua.
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.
Palavra desnecessária;
Um leve sopro revela Eram assim teus cabelos;
Tudo que é medo e ternura tuas pestanas eram assim, finas e curvas.
[...]
Ai, choro de clarineta! As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,
Ai, clarineta de prata! tinham a mesma exalação de água secreta,
Ai, noite úmida de lua...” de talos molhados, de pólen,
de sepulcro e de ressurreição.
Mar Absoluto consiste na fusão entre ser humano e natu-
E as borboletas sem voz
reza. No plano místico, a natureza é encarada como sinal
dançavam assim veludosamente.
da presença divina.
Restitui-te na minha memória, por dentro das flores!
Em Retrato Natural, acentua-se a tendência para os versos Deixa virem teus olhos, como besouro de ônix,
populares – notadamente as redondilhas –, o que a situa tua boca de malmequer orvalhado,
entre os consagrados poetas tradicionais lusitanos, como e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
no poema Cantata matinal, transcrito a seguir: com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
“Veio a luz alvorada nas suas nervuras nítidas de folha,
e brilhou nas palmeiras – e incompreensíveis, incompreensíveis.”
que eram pura esmeralda.
Vão-se nuvens de aurora,
e só ficam as palhas Modinha
e os espinhos das rosas!” “Tuas palavras antigas,
deixei-as todas, deixei-as,
Doze Noturnos de Holanda, Canções e Metal Rosicler ates-
junto com as minhas cantigas,
tam uma poesia que guarda a mesma essência, embora desenhadas nas areias.
as obras diferenciem-se entre si: conjeturas e tentativas de Tantos sóis e tantas luas
compreensão sobre a difícil tarefa de existir. brilham sobre essas linhas,
das cantigas – que eram tuas –
Essa predominância em Cecília Meireles pode ser detecta- das palavras – que eram minhas!
da por meio de seus “instantâneos”, que captam ora uma O mar, de língua sonora,
cena do cotidiano ou uma paisagem, ora a formosura de sabe o presente e o passado

100
Canta o que é meu, vai-se embora: (Ai, Deus, homens, reis, rainhas...
que o resto é pouco e apagado” Eu vi a forca – e voltei.
(Cecília Meireles. Seleta em prosa e verso.
Os paus vermelhos que tinha!)
Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.) Batiam os sinos,
rufavam tambores,
havia uniformes,
cavalos com flores...
– Se era um criminoso,
por que tantos brados,
veludos e sedas,
por todos os lados?
(Quando me respondereis?)
Parecia um santo,
de mãos amarradas,
no meio de cruzes,
bandeiras e espadas.
– Se aquela sentença
já se conhecia,
por que retardaram
a sua agonia?
(Não soube. Ninguém sabia.)
Traziam-lhe cestas
de doce e de vinho
para ganhar forças
naquele caminho.
– Se era condenado
e iam dar-lhe morte,
por que ainda queriam
Cecília Meireles que morresse forte?
(Ninguém sabia. Não sei.)
Não era uma festa.
Romance mineiro Não era um enterro.
Não era verdade
Entende-se por romanceira um conjunto de narrativas e não era erro.
breves rimadas, de origem medieval, muito caracte- – Então por que se ouvem
rísticas na Península Ibérica, sob a forma de poemas salmo e ladainha,
épico-líricos, originalmente cantados. No seu Roman- se tudo é vontade
da nossa Rainha?
ceiro, com 85 “romances”, publicado em 1953, Cecília
(Deus, homens, rainhas, reis...
toma como fio condutor a História do Brasil no século Que grande desgraça a minha!
XVIII, constituindo episódios relacionados à mineração, – Nunca vos entenderei!)”
como o de Chica da Silva, e a Vila Rica da Inconfidência (Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles.)
Mineira, até o enforcamento de Tiradentes.
A sombra do martírio do alferes percorre o poema
transcrito desde o início, quando a descrição da pai-
sagem é fingida pela sombra da morte, determinando
o caráter trágico desta bela “narrativa rimada”.

Romance LXII ou do bêbedo descrente


“Vi o penitente
de corda ao pescoço.
A morte era o menos:
mais era o alvoroço.
Se morrer é triste,
por que tanta gente
vinha pela rua
com cara contente?

101
“Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
[...]”
multimídia: vídeo
A partir de Poemas, Sonetos e Baladas, é possível apontar
Fonte: Youtube
em Vinicius outra preocupação: a da reflexão acerca do
Vinicius amor, continente principal de seus sonetos – alguns consi-
A realização de um pocket show em homenagem a Vini- derados entre os melhores já escritos em língua portuguesa.
cius de Moraes por dois atores é o início da reconstrução
Entretanto, emerge também um poeta social, presente no
da carreira do cantor e compositor. Nascido em 1913 no
poema O operário em construção, de sua Antologia poética.
Rio de Janeiro, Vinicius de Moraes testemunhou e foi
personagem de uma série de transformações na cidade, Destacam-se, no conjunto da obra, os livros Para Viver um
tendo criado para si um dos percursos mais relevantes Grande Amor; Para uma Menina com uma Flor; e a peça te-
da cultura brasileira no século XX. atral Orfeu da Conceição, roteirizado pelo cineasta francês
Marcel Camus, intitulada Orfeu Negro.
3.3. Vinicius de Moraes
3.3.1. Orfeu no teatro
Formado em Direito, Marcus Vinicius de Melo Moraes Desde 1942 a ideia de transpor o mito grego de Orfeu
(1913-1980) ingressou na carreira diplomática em 1943, para uma favela carioca habitava Vinicius de Moraes. Foi
servindo sucessivamente em Los Angeles, Paris, Montevi- durante esse ano que o poeta norte-americano Waldo
déu e novamente Paris. Frank visitava o Brasil e que Vinicius ficou responsável por
Voltou definitivamente para o Brasil em 1964 e dedicou-se ciceroneá-lo pelo País.
à poesia e à música popular brasileira, constituindo com o Suas incursões no mundo das favelas, dos terreiros de can-
compositor Toquinho uma dupla memorável no cenário domblé, da região do mangue e das escolas de samba da
artístico nacional. Suas apresentações musicais foram mar- cidade mergulharam o poeta em uma realidade afro-brasi-
cantes, bem como as canções que o “Poetinha”, como era leira que não vivia até então. Ali, segundo o próprio, come-
chamado, compôs. çou a aproximação entre os negros cariocas moradores das
favelas e os gregos heroicos e trágicos dos tempos míticos.
Com O Caminho para a Distância, de 1933, Vinicius de
Moraes deu início a uma obra poética muito variada, que Nesse mesmo ano, Vinicius estava passando alguns dias
inclui poemas metafísicos, carregados de misticismo, poe- na casa de seu grande amigo Carlos Leão, localizada em
mas de um cotidianismo-coloquialismo, completamente Niterói, no Morro do Cavalão. Foi lá, lendo um livro so-
contrários à metafísica. bre mitologia grega, enquanto ouvia ao longe o som de
uma batucada vindo de uma favela próxima, que o poeta
E, no cotidiano, a mulher passa a ocupar o foco de interesse vislumbrou o mito dentre escolas de samba. Naquele mo-
do poeta: ela passa a ser “divina”, um ser superior, “de onde mento, sua tragédia carioca ganhava o primeiro ato.
provêm e para onde convergem todas as formas elevadas de
existência”. Em Ariana, a mulher, ela comparece espirituali-
zada, planotizada, como no poema A mulher que passa.

Em 25 de setembro de 1956, a peça finalmente estreou


no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Entre idas e vindas
de Paris, Vinicius conseguiu arregimentar para sua monta-
gem grandes nomes da cultura brasileira de então: Oscar

102
Niemeyer fez os cenários, Carlos Scliar e Djanira fizeram os Poemas, Sonetos e Baladas
cartazes, o Teatro Experimental do Negro de Abdias Nasci-
mento forneceu os atores para o elenco, como o próprio
Abdias, além de Haroldo Costa, Ademar Pereira da Silva,
Ruth de Souza entre outros. Foi a primeira vez, na história
do Teatro Municipal, que atores negros pisaram seu palco.
(Disponível em: <viniciusdemoraes.com.br/pt-br/teatro/
orfeu-da-conceicao>. Acesso em: ago. 2015)

Em Poemas, Sonetos e Baladas, de 1945, e em Livro de


Sonetos, de 1957, a linguagem torna-se mais coloquial,
direta, mas, ao mesmo tempo, o poeta recupera a lingua-
gem clássica nos sonetos, considerados em conjunto como
a melhor parte de sua poesia.

Soneto de fidelidade
“De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Orfeu da Conceição Que mesmo em face do maior encanto
“Tragédia carioca em três atos Dele se encante mais meu pensamento.
“São demais os perigos desta vida Quero vivê-lo em cada vão momento
Para quem tem paixão, principalmente E em seu louvor hei de espalhar meu canto
Quando uma lua surge de repente E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E se deixa no céu, como esquecida.
E assim, quando mais tarde me procure
E se ao luar que atua desvairado
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Vem se unir uma música qualquer
Quem sabe a solidão, fim de quem ama.
Aí então é preciso ter cuidado
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Porque deve andar perto uma mulher.
Que não seja imortal, posto que é chama
Deve andar perto uma mulher que é feita
Mas que seja infinito enquanto dure.”
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua: Soneto de separação
Tão linda que só espalha sofrimento “De repente do riso fez-se o pranto
Tão cheia de pudor que vive nua.” Silencioso e branco como a bruma
E das bocas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.”
Vina com o primo Zequinha Marques. Vinicius de Moraes

103
Soneto de amor total uma negra bonitinha
chamada negra Fulô.
“Amo-te tanto meu amor... não cante Essa negra Fulô!
O humano coração com mais verdade... Essa negra Fulô!
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade. Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante, – Vai forrar a minha cama,
E te amo além, presente na saudade. pentear os meus cabelos,
Amo-te, enfim, com grande liberdade. vem ajudar a tirar
Dentro da eternidade e a cada instante. a minha roupa, Fulô!
Amo-te como um bicho, simplesmente, Essa negra Fulô!
De um amor sem mistério e sem virtude Essa negrinha Fulô
Com um desejo maciço e permanente. ficou logo pra mucama,
E de te amar assim muito e amiúde, pra vigiar a Sinhá
É que um dia teu corpo de repente pra engomar pro Sinhô!
Hei de morrer de amar mais do que pude.” Essa negra Fulô!
Vinicius de Moraes Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
3.4. Jorge de Lima (Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
“Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
Formado em Medicina em 1914, no Rio de Janeiro, Jorge
saiu na perna dum pinto
Mateus de Lima (1893-1953) retornou a Maceió em 1919 o Rei-Sinhô me mandou
para exercer a profissão e dedicar-se à política. Mas em que vos contasse mais cinco.”
1927 estava voltando ao ensino: foi simultaneamente mé-
Essa negra Fulô!
dico e professor de literatura; pintor e fotógrafo; ensaísta Essa negra Fulô!
e historiador. Em 1930, mudou-se definitivamente para o
Ó Fulô? Ó Fulô?
Rio de Janeiro e lecionou literatura luso-brasileira na anti-
Vai botar para dormir
ga Universidade do Distrito Federal, até 1937. Escrevendo esses meninos, Fulô!
sempre, candidatou-se a vereador em 1946, exercendo a “Minha mãe me penteou
função de 1947 a 1950. O alagoano Jorge de Lima foi au- minha madrasta me enterrou
tor de vasta obra poética, variada e oscilante entre o for- pelos figos na figueira
malismo, o misticismo, as recordações da infância e o enfo- que o Sabiá beliscou.”
que da figura do negro. Estreou com XIV Alexandrinos, em Essa negra Fulô!
1914, uma obra parnasiana (até pelo seu título); depois, Essa negra Fulô!
voltou-se para as propostas modernistas. Fulô? Ó Fulô?
(Era a fala da Sinhá
Entre outros títulos, publicou O Mundo do Menino Impossí-
chamando a Negra Fulô.)
vel; Poemas Negros; Livro de Sonetos e Invenção de Orfeu Cadê meu frasco de cheiro
– considerada sua obra-prima. que tenho Sinhô me mandou?
– Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô Ah! foi você que roubou!
“Ora, se deu que chegou O Sinhô foi ver a negra
(isso já faz muito tempo) levar couro do feitor.
no banguê dum meu avô A negra tirou a roupa.

104
O Sinhô disse: Fulô! Era daltônico o anjo que o coseu,
(A vista se escureceu e se era anjo, senhores, não se sabe,
que nem a negra Fulô) que muita coisa a um anjo se assemelha.
Essa negra Fulô! Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Essa negra Fulô! Se vós não os vedes, culpa não me cabe
Ó Fulô? Ó Fulô? de andar vestido em túnica vermelha.”
Cadê meu lenço de rendas Jorge de Lima
cadê meu cinto, meu broche,
cadê meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou? Principais obras
Ah! foi você que roubou.
Ah! foi você que roubou. Poesia:
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô! § XIV Alexandrinos (1914).
O Sinhô foi açoitar § O Mundo do Menino Impossível (1925).
sozinho a negra Fulô.
§ Poemas (1927).
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção, § Novos Poemas (1929).
de dentro dele pulou
nuinha essa negra Fulô! § Poemas Escolhidos (1932).
Essa negra Fulô! § Tempo e Eternidade (1935) – em colaboração com Mu-
Essa negra Fulô! rilo Mendes.
Ó Fulô? Ó Fulô? § A Túnica Inconsútil (1938).
Cadê, cadê teu Sinhô
que nosso Senhor me mandou? § Poemas Negros (1947).
Ah! foi você que roubou, § Livro de Sonetos (1949).
foi você, negra Fulô?
Essa negra Fulô!” § Obra Poética (1950) – inclui produção anterior, junta-
Jorge de Lima mente com Anunciação e Encontro de Mira-Celi.
§ Invenção de Orfeu (1952).
O acendedor de lampiões
§ Castro Alves – Vidinha (1952).
“Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita: – multimídia: livro
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.
Jorge de Lima: poesia – Luiz Santa Cruz
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade, Perfil biográfico e literário traçado a partir de pesqui-
Como este acendedor de lampiões da rua!” sas e depoimentos do poeta modernista da segunda
Jorge de Lima geração, Jorge de Lima.

Anjo daltônico Romances:


“Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio § Salomão e as Mulheres (1927).
e tumba e cal e coisas que eu não valho, § O Anjo (1934).
cobre isso tudo em que me denuncio.
Há também essa face que sumiu § Calunga (1935).
e o espelho triste e o rei desse baralho.
§ A Mulher Obscura (1939).
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho. § Guerra Dentro do Beco (1950).

105
Ensaios, história, biografias: Murilo Monteiro Mendes faleceu em Estoril, Portugal, no
dia 13 de agosto de 1975.
§ A Comédia dos Erros (1923).
Sensível à modernidade, Murilo Mendes renovou incessan-
§ Dois Ensaios (1929) [Proust e Todos Cantam sua Terra].
temente sua arte de compor, superando formas tradicionais.
§ Anchieta (1934). O cotidiano é constante em toda a sua obra, seja desarticu-
§ Rassenbildung und Rassenpolitik in Brasilien (1934). lando-o e recriando-o, seja no plano social como em Tempo
e Eternidade. Com O visionário passa a romper com esses
§ História da Terra e da Humanidade (1944). esquemas. O poema Choro do poeta atual, presente nessa
§ Vida de São Francisco de Assis (1944). obra, pode exemplificar essa “novidade da imagem”:
§ D. Vital (1945). “Deram-me um corpo, só um!
Para suportar calado
§ Vida de Santo Antonio (1947). Tantas almas desunidas
Que esbarram umas nas outras,
De tantas idades diversas;
3.6. Murilo Mendes Uma nasceu muito antes
De eu aparecer no mundo,
Outra nasceu com este corpo,
Outra está nascendo agora,
[...]”

O mineiro Murilo Mendes (1901-1975) inicia seus estu-


dos na terra natal, vai estudar no Internato do Colégio
Salesiano em Niterói, RJ. Em 1920, muda-se para o Rio
de Janeiro, onde participa do Movimento Antropofágico.
Estreia na literatura escrevendo para algumas revistas do
modernismo, Terra Roxa e Outras Terras e Antropofagia.
Permaneceu no Rio até 1953 como funcionário público:
inicialmente no Ministério da Fazenda, depois no Banco
Mercantil e, a seguir, em cartório. Murilo Mendes, por Guignard.
Em 1930, lança seu primeiro livro Poemas. A poesia da Nos seus livros principais, A Poesia em Pânico, As Meta-
geração de 30 teve grande preocupação social, analisa o morfoses e Poesia Liberdade, Murilo Mendes objetiva sua
destino do ser humano como um todo. Em 1932, escreve perplexidade em face de um mundo desconjuntado.
o poema História do Brasil. Em 1934, desenvolve temas
religiosos e com Jorge de Lima escreve Tempos e Eternida-
de, publicado em 1935. Emprega-se como telegrafista e
Obras de Murilo Mendes
depois como auxiliar de guarda-livros. § Poemas, 1930.
Em 1936, assume o cargo de Inspetor Federal de Ensino. § História do Brasil, 1932.
Em 1938, escreve A Poesia em Pânico. Em 1944, a prosa O § Tempo e Eternidade, 1935 (em colaboração com Jorge
discípulo de Emaús. Trabalhou no Cartório da Quarta Vara de Lima).
de Família. Casa-se com Maria da Saudade de Cortesão.
O casal não teve filhos. Em 1948, escreve Janela do Caos. § A poesia em Pânico, 1938.

Em 1953, foi convidado para lecionar literatura brasileira § O Visionário, 1941.


em Lisboa. De 1953 a 1955 percorreu diversos países da § As Metamorfoses, 1944.
Europa, divulgando, em conferências, a cultura brasileira.
§ O Discípulo de Emaús, prosa, 1944.
Em 1957, estabeleceu-se em Roma, onde lecionou lite-
ratura brasileira. § Mundo Enigma, 1945.

106
§ Poesia Liberdade, 1947.
§ Janela do Caos, 1948.
§ Contemplação de Ouro Preto, 1954.
§ Poesias, 1959.
§ Tempo Espanhol, 1959.
multimídia: livro
§ Poliedro, 1962.
§ Idade do Serrote, Memórias, 1968.
Os mortos de sobrecasaca – Álvaro Lins
§ Convergência, 1972. Esse livro é uma coletânea de ensaios sobre diversos
§ Retrato Relâmpago, 1973. autores e suas obras. O título foi tirado de um poema de
Drummond, que remete à importância da memória, do
§ Ipotesi, 1977. passado, das tradições... Os autores abordados têm, de
§ A Invenção do Finito, 2002, póstuma. fato, essa veia memorialista, ligados ao povo e às tra-
dições, como o próprio Drummond, José Lins do Rego,
§ Janelas Verdes, 2003, póstuma.
Jorge Amado, Erico Verissimo e tantos outros.

VIVENCIANDO

A leitura, em especial de Carlos Drummond de Andrade, na segunda fase do Modernismo (poesia), revela uma ca-
pacidade lírica tão aprofundada, a ponto de decifrar a sociedade e seus perversos caminhos. É possível perceber um
dom analítico, por muitos confundido por premunição, mas que faz todo sentido para o entendimento da sociedade
de seu tempo e do tempo futuro. Dois pontos específicos chamam muita atenção na poesia de Drummond, sendo
o primeiro ligado a um poema publicado na obra Sentimento do mundo, de 1940, chamado “Elegia 1938”. Neste
poema, em especial a última estrofe, Drummond aponta para uma catástrofe que aconteceria na ilha de Manhattan,
nos Estados Unidos, caso o mundo capitalista continuasse feroz. Curiosamente, o mundo viveu os ataques às
Torres Gêmeas, localizadas exatamente onde Drummond apontava para uma possível catástrofe.
Outro poema vincula-se ao extermínio do rio Doce, no Brasil, por parte da empresa Vale do Rio Doce, conhecido
como a tragédia de Mariana-MG. Drummond, ainda na década de 1980, já criticava a abusiva exploração desta
empresa e alardeou todos com o seu verbo forte de “Lira itabirana”, prenunciando a tragédia. Portanto, pensar
na obra de Carlos Drummond de Andrade em nosso cotidiano é entender muitos caminhos que ele já havia
trilhado intelectualmente por seus versos.

107
VIVENCIANDO

Acompanhe os poemas:

Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,


onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

108
VIVENCIANDO

Lira itabirana

I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

109
ÁREAS DO CONHECIMENTO DO ENEM

HABILIDADE 15
Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos,
mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de pro-
dução e recepção.
HABILIDADE 16
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.

Esta competência trata de uma das várias formas de expressão artística existentes, a literatura. Mas um texto
pode ser também arte, assim como a música, a dança e a pintura? Sim, aqueles textos que satisfazem alguma
necessidade artística humana, provocando alguma sensação de prazer no leitor, e que são definidos socialmen-
te como importantes e representativos de uma forma de pensar (através da escola, autores e instituições da
área), são considerados literários.
Esta habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso o conceito de
uma escola literária específica. A construção dos procedimentos literários está ligada aos fatores estéticos que
podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação à concepção artística do contexto.

MODELO 1
(Enem) O farrista
Quando o almirante Cabral
Pôs as patas no Brasil
O anjo da guarda dos índios
Estava passeando em Paris.
Quando ele voltou de viagem
O holandês já está aqui.
O anjo respira alegre:
“Não faz mal, isto é boa gente,
Vou arejar outra vez.”
O anjo transpôs a barra,
Diz adeus a Pernambuco,
Faz barulho, vuco-vuco,
Tal e qual o zepelim
Mas deu um vento no anjo,
Ele perdeu a memória...
E não voltou nunca mais.
MENDES. M. História do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

A obra de Murilo Mendes situa-se na fase inicial do Modernismo, cujas propostas estéticas transparecem,
no poema, por um eu lírico que:
a) configura um ideal de nacionalidade pela integração regional.
b) remonta ao colonialismo assente sob um viés iconoclasta.
c) repercute as manifestações do sincretismo religioso.
d) descreve a gênese da formação do povo brasileiro.
e) promove inovações no repertório linguístico.

110
ANÁLISE EXPOSITIVA
O poema “O farrista”, de Murilo Mendes, relata, em linguagem coloquial, a chegada de Cabral ao Brasil,
desconstruindo a visão ufanista dos colonizadores. O tom cômico transparece na figura de um anjo que
gosta de farras, displicente com a tarefa de proteger os nativos e que, na volta de uma viagem a Paris,
encontra o Brasil ocupado por portugueses e holandeses, o que não o impediu de ir embora para sempre,
despreocupado com o que viesse a acontecer.

RESPOSTA Alternativa B

DIAGRAMA DE IDEIAS

SEGUNDA FASE MODERNISTA


NO BRASIL: POESIA

A SEGUNDA FASE MODERNISTA VAI DE 1930


OS POETAS DESSA GERAÇÃO ESTABELECE-
A 1945 E RECEBEU O NOME DE “GERAÇÃO DE
RAM UMA RELAÇÃO INTIMISTA QUE LEVA EM
CONSOLIDAÇÃO”, POR AMPLIAR OS IDEAIS HE-
CONSIDERAÇÃO O “EU” E O “MUNDO”.
ROICOS DO PRIMEIRO TEMPO MODERNISTA.

OS PRINCIPAIS ESCRITORES BRASILEIROS EM 1930, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE PU-


DESSE PERÍODO SÃO: CARLOS DRUMMOND BLICOU A OBRA “ALGUMA POESIA”, COM POEMAS
DE ANDRADE, VINICIUS DE MORAES, CECÍLIA DE CARREIRA ESCANDALOSA, COMO É O CASO
MEIRELES, JORGE DE LIMA E MURILO MENDES. DE “POEMA DE SETE FACES” E “QUADRILHA”.

VINICIUS DE MORAES COMPÔS O QUADRO DE POETAS CECILIA MEIRELES NOS APRESENTOU UMA LITERATURA
DA SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA COM INTERESSANTE, NO QUE DIZ RESPEITO À COMPOSIÇÃO
UMA EXPLOSÃO DE SENTIMENTOS AMOROSOS DE VOZES QUE REFLETEM O QUE É SER POETA
E A EXPERIMENTAÇÃO DO SONETO, ENQUAN- (METALINGUAGEM) E O LUGAR DO SER FEMININO
TO BOA PARTE DE SUA OBRA LITERÁRIA. NA LITERATURA BRASILEIRA.

111
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas
e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da iden-
tidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da
própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a
natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da reali-
dade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem

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