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TEORIA DA

EDUCAÇÃO

Marianna Corrêa
Perspectivas da prática
pedagógica: concepções
de aprendizagem
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever as principais características das escolas freinetianas.


 Analisar os princípios e fundamentos das escolas Waldorf.
 Identificar as contribuições de Pestalozzi para o pensamento
educacional.

Introdução
O respeito à criança é uma prática educativa que valoriza o seu meio
social e que a coloca no centro do processo de ensino e aprendizagem.
Integrantes do movimento da Escola Nova, os educadores Célestin Frei-
net, Rudolf Steiner e Johann Heinrich Pestalozzi ofereceram uma nova
perspectiva à educação do início do século XX, renovando o ensino que
se desenvolvia à época.
Neste capítulo, você vai conhecer as características e os fundamentos
das pedagogias propostas por Freinet, Steiner e Pestalozzi. A ideia é que
você perceba como as ideias desses três autores convergem quanto à
concepção de aprendizagem.

1 Freinet e a educação
Se você perguntar a um grupo de pessoas quem inventou a produção em massa,
em quase uníssono ouvirá a resposta variar entre os engenheiros Frederick
Winslow Taylor e Henry Ford. Contudo, se você fizesse a mesma pergunta a
Célestin Freinet (1896–1966), ele provavelmente responderia: a escola. Freinet
nasceu na comuna francesa de Gars, em uma família de pastores. Desde cedo,
2 Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem

quis seguir carreira no magistério, mas sua convocação para a Primeira Guerra
Mundial deixou esses planos para mais tarde. Ainda assim, de certa forma,
sua atuação nas batalhas deu início ao seu método de educação revolucionário.
Durante uma batalha, Freinet foi atingido com gás mostarda e, por reco-
mendação médica, não pôde falar por longos períodos. Ao retomar seu desejo
pela docência, impedido de explanar durante muito tempo, teve de desenvolver
formas de educar com essa limitação. A prática que desenvolveu então, con-
siderada subversiva a ponto de levar ao seu desligamento da escola em que
atuava, consistia em conduzir as crianças para fora da sala de aula, de modo que
pudessem explorar a vida que ocorria para além dos muros dessa instituição.
Esse foi o início da carreira desse educador que desenvolveu práticas tão
importantes, encontradas no cotidiano de qualquer professor contemporâneo.
Você provavelmente já realizou uma aula-passeio ou um estudo de campo, ou
trabalhou em um ateliê ou um jornal escolar, não é?

Em 2017, a Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação publicou uma edição


especial em homenagem aos 50 anos de falecimento de Célestin Freinet. Intitulada
“Dossiê: a atualidade da pedagogia Freinet”, a edição traz uma série de estudos sobre
as contribuições do autor para o pensamento educacional atual. Você pode acessar
esse material on-line, basta fazer uma pesquisa no seu site de buscas preferido.

Freinet é considerado um educador do movimento da Escola Nova — tanto


por considerar que a educação não poderia se dar fora do contexto no qual
a criança está inserida quanto por entender que o aluno é o protagonista do
processo educativo. Contudo, alguns autores apontam Freinet como um dos
pioneiros da Escola Moderna, movimento com origem em Portugal no final
da década de 1960. A Escola Moderna defende que o trabalho pedagógico gira
em torno das vivências, necessidades e interesses das crianças, rechaçando
o currículo pronto e o tecnicismo. Nesse sentido, falar e negociar sobre tudo
o que diz respeito à gestão da sala de aula são ações que permitem que os
estudantes se envolvam nas suas próprias aprendizagens (ESTEVES, 2007).
Imbernón (2012, p. 17) analisa que, independentemente da Escola Nova
ou da Escola Moderna,
Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem 3

O próprio Freinet não queria que “sua pedagogia” fosse tratada como um
método, um corpo de conhecimentos fixo, estanque, rígido e exato. Ele sempre
defendeu que seu movimento realizava técnicas educativas. Poderíamos dizer
que Freinet estimulou uma prática teórica no método de ensino da escola.
É com base na própria prática educativa que se legitima ou se questiona o
conhecimento mais válido para essa prática, uma prática que busca um conhe-
cimento teórico que a legitime. Essa inversão do processo lhe custou muitas
críticas, mas, se voltarmos nossos olhos para trás, não poderemos deixar de
reconhecer que foi exatamente essa mudança de perspectiva em seu trabalho
a sua contribuição, teórica e prática, para a educação atual e do futuro.

De forma geral, Freinet defende a ruptura com três pilares educacionais


do início do século XX:

 a aula tradicional, em que o professor é entendido como o detentor de


todo o conhecimento que deveria ser transmitido aos alunos, como se
estes fossem meros receptores;
 os manuais escolares ou apostilas, que não examinam os pontos de
partida de cada estudante e os tratam de forma generalizada, descon-
siderando as suas individualidades e o contexto em que vivem;
 as salas de aula lotadas, pois, para que o professor pudesse estar atento
às diferenças de aprendizagem entre os estudantes, as salas de aula
deveriam ser compostas por no máximo 25 alunos.

A partir desses pilares, a pedagogia Freinet é desenvolvida em torno de


alguns fundamentos: método natural, prática educativa e invariantes pedagó-
gicas. Freinet destacava que aprender era uma atividade espontânea para as
crianças. Assim, o método natural defende a livre expressão dos alunos por
meio de textos e desenhos livres. Esses textos e desenhos são a forma de as
crianças comunicarem o que tem relevância para elas. Ou seja, as crianças
aprendem pelo desejo de aprender, e a função da escola é estimular esse desejo
sem coerção. Para Freinet (1968 apud IMBERNÓN, 2012, p. 34), o método
natural parte de uma motivação afetiva:

Se a escola não respeita as necessidades de criação das crianças nem as exi-


gências do meio vivido por elas, a pedagogia se torna a arte de fazer aprender,
trabalhar e beber para quem não tem sede. Não se espante se as crianças não
se interessam pelas explicações dos professores e pela sua maneira de dar
aula, que datam da pré-história. Quando esses alunos terminarem os estudos,
discutirão problemas desconhecidos dos professores, e a vida moderna os
inserirá em um mundo que nada tem a ver com a escola a que os professores
insistem em dar continuidade.
4 Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem

Fundamentado no método natural, Freinet propõe uma prática educativa


que considera o meio no qual a criança está inserida. A partir desse meio, e
entendendo que a aprendizagem se dá pelo trabalho cooperativo (entre crianças,
escolas, pais e comunidades), o educador elenca uma série de técnicas que
até hoje são desenvolvidas em instituições de ensino de todos os níveis e em
todos os continentes. Contudo, as técnicas de Freinet não devem ser utilizadas
como instrumentos diferenciados que servem apenas para chamar a atenção
das crianças por determinado tempo: elas são instrumentos que refletem uma
nova concepção de escola e que “[...] trazem consigo uma bagagem moral,
ética e ideológica” (IMBERNÓN, 2012, p. 30).
Imbernón (2012) elenca cinco características das técnicas de Freinet: o
tateamento experimental, a educação do trabalho, a cooperação, a importância
do ambiente escolar e social e a necessidade de criar materiais para otimizar
essas ideias na prática educativa. Entre as técnicas, destacam-se: aula-passeio,
estudos de campo, imprensa escolar, textos e desenhos livres, fichários e
autocorreção, planos de estudo, etc.
No seu livro As Invariantes Pedagógicas, de 1964, Freinet estrutura 30
invariantes em três grupos: a natureza da criança, as reações da criança e as
técnicas educativas (IMBERNÓN, 2012). As invariantes objetivam ser um
guia para os novos professores, uma espécie de iniciação à pedagogia Freinet.
A seguir, veja quais são as principais invariantes.

1. A criança e o adulto têm a mesma natureza.


2. Ser maior não significa necessariamente estar acima dos outros.
3. O comportamento escolar depende dos aspectos fisiológicos e orgâ-
nicos, de toda a constituição do sujeito.
4. A criança e o adulto não gostam de imposições nem de disciplinas
rígidas (obedecer passivamente a uma ordem externa).
5. Ninguém gosta de fazer determinados trabalhos por coerção, mesmo
que, em si, eles não desagradem. Toda atitude coerciva é paralisante.
6. Todos gostam de escolher seu próprio trabalho, mesmo que a escolha
não seja a mais vantajosa.
7. A motivação é fundamental para o trabalho.
8. Todos querem ser bem-sucedidos. O fracasso inibe, destrói o ânimo
e o entusiasmo.
9. O jogo não é natural à criança, e sim o trabalho.
Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem 5

10. A observação, a explicação e a demonstração — processos essenciais


da escola — não são as únicas vias normais de aquisição de conhe-
cimento; a via normal de aquisição de conhecimento é a experiência
tateante, que é uma conduta natural e universal.
11. A memória, tão preconizada pela escola, só é válida e aceitável quando
integrada ao tateamento experimental, contexto em que é posta a
serviço da vida.
12. As aquisições não ocorrem pelo estudo de regras e leis, como às
vezes se crê, e sim pela experiência. Estudar primeiro as regras e leis
é colocar o carro à frente dos bois.
13. A inteligência não é uma faculdade específica, que funciona como
um círculo fechado, independentemente dos demais elementos vitais
do indivíduo, como ensina a escolástica.
14. A escola cultiva apenas uma forma abstrata de inteligência, que atua
fora da realidade viva, fixada na memória por meio de palavras e ideias.
15. A criança não gosta de receber lições ex-cathedra.
16. A criança não gosta de sujeitar-se a um trabalho em rebanho. Ela pre-
fere o trabalho individual ou de equipe numa comunidade cooperativa.
17. A ordem e a disciplina são necessárias à aula.
18. Os castigos são sempre um erro. São humilhantes, não conduzem ao
fim desejado e não passam de paliativo.
19. A nova vida da escola supõe a cooperação escolar, isto é, a gestão da
vida e do trabalho escolar pelos envolvidos, incluindo o educador.
20. A sobrecarga das classes constitui sempre um erro pedagógico.
21. A concepção atual dos sistemas escolares conduz professores e alunos
ao anonimato, o que é sempre um erro e cria sérias barreiras.
22. A democracia de amanhã é preparada por meio da democracia na
escola.
23. Uma das primeiras condições para a renovação da escola é o respeito à
criança, que, por sua vez, deve respeitar os seus professores; só assim
é possível educar com dignidade.
24. Deve-se contar com a reação pedagógica que manifesta uma posição
social e política.
25. É preciso ter esperança otimista na vida.
6 Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem

Uma boa dica de leitura é o livro Pedagogia Freinet, de Imbernón (2012). Nessa obra, o
autor apresenta um texto de fácil leitura para que aqueles que se dedicam à educação
reflitam sobre a escola. Como você já viu, muitas das contribuições da obra de Freinet
são adotadas na cultura pedagógica atual. Todavia, é importante lembrar que elas
foram utilizadas e aperfeiçoadas por professores sujeitos à incompreensão, à prisão,
à humilhação e, em certos casos, até à morte.

O respeito à criança e a vinculação entre teoria pedagógica e prática são


alguns dos pontos defendidos tanto por Freinet quanto por Steiner, fundador
da pedagogia Waldorf, que você vai estudar a seguir.

2 As escolas Waldorf
Se você entrar em um jardim de infância e observar as crianças brincando
livremente, sem intervenção de um adulto, pode ter certeza de que está em
uma escola que segue os princípios da pedagogia Waldorf. Essa pedagogia
é conhecida mundialmente, tem escolas em todos os continentes e em 2019
completou 100 anos.
A primeira escola Waldorf foi fundada em 1919, em Stuttgart, na Alemanha,
na fábrica de cigarros Waldorf-Astoria (daí o seu nome). Após a Primeira Guerra
Mundial, os proprietários da fábrica decidiram implantar uma escola para os
filhos dos operários e convidaram o filósofo Rudolf Steiner (1861–1925) para
conduzi-la a partir de seus fundamentos. Na escola, Steiner também ministrava
cursos e palestras aos operários, que ficaram interessados na possibilidade de
os seus filhos serem formados por um sistema de ensino que considerasse o
ser humano e o seu desenvolvimento cognitivo com base no relacionamento
social harmônico (ROMANELLI, 2008).
Segundo dados da Federação das Escolas Waldorf no Brasil (FEWB,
2020), a implantação dessas escolas cresceu 200% entre 2009 e 2019. Em
2019, contabilizava-se 91 escolas filiadas e 174 sendo acompanhadas no Brasil,
totalizando 265 iniciativas Waldorf em 21 estados brasileiros. A federação é
vinculada à Associação Internacional de Educação Infantil Waldorf/Steiner,
órgão que reúne todas as instituições que aspiram à educação Waldorf. Tal
órgão dedica-se a uma cooperação internacional para educar crianças e edu-
cadores, trabalhar com os pais e atuar na vida social em geral (FEWB, 2020).
Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem 7

A FEW chegou ao Brasil em 1998 com o objetivo de apoiar e promover a educação


e o diálogo sobre a pedagogia Waldorf. Para conhecer melhor as iniciativas da FEW,
acesse o site oficial da instituição.

Nos princípios da pedagogia Waldorf, Steiner rompe com a racionalidade


técnica, que dominava os sistemas educacionais à época, e volta-se para uma
educação que considera o desenvolvimento cognitivo articulado ao desenvolvi-
mento estético, motor e emocional. Ou seja, ele amplia o sentido da educação.
Considere o seguinte:

A educação moderna, herdeira da tradição epistemológica racionalista e


mecanicista, ao reproduzir a fragmentação entre as instâncias da experiência
humana, caracterizou-se por instituir um ensino eminentemente voltado para
a aprendizagem cognitiva conceitual, promovendo uma dissociação entre o
pensar, o sentir e o fazer do educando e, deste modo, desprezando toda a ex-
periência subjetiva, estética e lúdica no processo de aprendizagem. Entretanto,
no início do século XX, as descobertas realizadas pela ciência deram início
a um modo de compreender o homem e a realidade a partir da inter-relação
entre elementos e qualidades desses fenômenos (SILVA, 2015, p. 102).

Dois pontos são marcantes na proposta de Steiner: a educação integral e


o respeito ao desenvolvimento da criança. Esses dois pontos se resumem em
uma terminologia comum na pedagogia Waldorf: o pensar, o sentir e o querer.
Esses elementos são considerados importantes para o alcance da autonomia
e da autoconfiança.
O pensar, o sentir e o querer são dimensões inter-relacionadas e não pola-
rizadas. Ao não priorizar o desempenho cognitivo, a intenção é preparar para
o exercício da liberdade com o desenvolvimento da sensibilidade e do ímpeto
nas ações. A partir daí, pode-se alcançar a integralidade do ser humano em
suas dimensões física, psíquico-emocional e espiritual (BACH JUNIOR;
STOLTZ; VEIGA, 2014; ROMANELLI, 2008).
Na proposta de Steiner, a noção de respeito ao desenvolvimento da criança foi
influenciada pela antroposofia. Contudo, as escolas Waldorf não são confessionais,
tampouco lecionam antroposofia. O que Steiner toma emprestado dessa disciplina
é a organização do desenvolvimento humano em septênios, ou seja, em ciclos
de sete anos. Assim, para que a criança se torne um ser humano livre, a escola
8 Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem

Waldorf estrutura a sua ação educativa considerando os septênios, de maneira a


proporcionar o despertar da individualidade e o desenvolvimento das potencia-
lidades específicas de cada fase em que se situa o aluno (ROMANELLI, 2008).

A antroposofia (termo originário do grego que significa “conhecimento do ser humano”)


foi desenvolvida por Steiner no início do século XX. É um método de conhecimento
da natureza do ser humano e do universo. Para saber mais, acesse o site da Sociedade
Antroposófica no Brasil.

Como destaca Romanelli (2008), a ação docente nas escolas Waldorf é


orientada para a observação. O professor assume a aprendizagem como não
diretiva, acreditando no potencial do aluno. Defende-se que o desenvolvimento
ocorre a partir do momento em que, ao dispor de meios, o aluno ativa-se para
aquilo que tem necessidade de aprender. Ao professor, então, cabe ser um
curador e facilitador dos processos de ensino e aprendizagem.
Os jardins de infância Waldorf são inconfundíveis. Isso ocorre porque,
como analisa Silva (2015, p. 108), a educação infantil:

É o período em que todas as energias da criança estão investidas no seu


desenvolvimento físico, exigindo-lhe intensa atividade corporal. Assim,
a educação infantil Waldorf prioriza o movimento, a experiência corporal
que faz uso da motricidade, como também o movimento da imaginação,
da fantasia da criança, pois compreende que o movimento da criança será
a base para não apenas o seu desenvolvimento físico e motor, mas também
para o seu desenvolvimento emocional, neurológico e até mesmo cognitivo,
preparando as estruturas neurológicas para a aprendizagem a ser requerida
posteriormente em seu processo de escolarização.

A importância do brincar e da ludicidade é evidente em todas as ações


desenvolvidas nessas escolas de educação infantil. O brincar é um brincar
espontâneo, livre e prolongado — não proposto ou conduzido pelos profes-
sores. Além disso, o contato com a natureza a torna um elemento lúdico, que
possibilita diversas experimentações: correr, brincar, carregar, cair, escorregar.
Nesse contexto, é importante você ter em mente a conceituação de ludicidade,
que “[...] é um estado interno do sujeito que vivencia uma experiência de
Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem 9

forma plena, é sinônimo de plenitude da experiência — considerando aqui


‘plenitude da experiência’ como a máxima expressão possível da não divisão
entre pensar/sentir/fazer” (SILVA, 2015, p. 104).
Ao dispor de uma diversidade ampla de elementos — que podem incluir
uma árvore, um lençol, algumas pedrinhas, bolas de gude, água e terra, por
exemplo —, a criança pode criar a brincadeira, ativando-se plenamente de
dentro para fora e compreendendo a sua força interna. Ao ter contato com a
natureza, a criança tem a dimensão espacial e pode exercer a sua corporalidade
e desenvolver a autoconfiança em relação ao que é capaz de fazer. Ao brincar
com o outro, ela interage com o diferente e desenvolve a tolerância.
No segundo septênio, que corresponde ao ensino fundamental, há o desen-
volvimento de uma autoridade amorosa na figura do professor, que conduz
as atividades letivas do 1º ao 8º ano. Esse diferencial faz com que a classe se
torne uma extensão da família. Como destaca Silva (2015, p. 109),

[...] o foco do desenvolvimento, no segundo septênio (7–14 anos), volta-se para


o funcionamento psicoemocional da criança, mobilizando suas faculdades
psíquicas (para possibilitar a sua progressiva utilização a serviço do pensa-
mento e da aprendizagem) e, ao mesmo tempo, proporcionando uma intensa
vivência emocional (favorecida pelo desenvolvimento das suas emoções, dos
seus sentimentos). [...] o processo de ensino–aprendizagem no ensino funda-
mental Waldorf é conduzido não de forma abstrata e teórica, como é a tônica
no sistema convencional de ensino, mas a partir da vivência, da observação
e da descrição dos fenômenos. [...] o currículo Waldorf elege a arte como o
pilar primordial de toda a educação [...] Entretanto, não se reserva um horário
determinado para essas atividades, elas não ocorrem à margem dos demais
estudos, como usualmente acontece na grande maioria das escolas conven-
cionais que reservam algum espaço do currículo para a arte; ao contrário,
são “o laço de união entre as diversas matérias”.

Do 9º ao 12º ano, que equivalem ao ensino médio, os alunos se mantêm


nas mesmas classes. Contudo, a partir daí, são acompanhados por professores
especialistas em suas áreas. Nesse período, correspondente ao terceiro septênio,
a partir do desenvolvimento psicoemocional, os estudantes estão em condições
de voltar-se para o pensamento lógico, abstrato e conceitual. É a fase em que
o educando desabrocha para a sua individualidade (SILVA, 2015).
Como está vinculada à concepção de educação não diretiva, a proposta da
pedagogia Waldorf não assume quaisquer tipos de cartilha, livro didático ou
avaliação. O acompanhamento individual do aluno e a observação atenta do
seu desenvolvimento pelos professores permitem intervenções direcionadas
à individualidade de cada um. Além disso, um ponto em comum entre a
10 Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem

pedagogia Waldorf, a pedagogia Freinet e a pedagogia do amor, que você vai


estudar a seguir, é a integração com a família.

3 Pestalozzi e a pedagogia do amor


Discípulo do filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), o suíço Johann
Heinrich Pestalozzi (1746–1827) também foi um importante integrante do
movimento da Escola Nova. Sua principal contribuição educacional é relativa
ao papel da afetividade na educação. O educador defendia que não existe
processo pedagógico sem vínculo afetivo. “Sua máxima apontava que o saber
e a bondade deveriam ser regidos pelo bom senso, e que o amor é o eterno
fundamento da educação” (LIMA, 2014, p. 2).
Assim como Rousseau, Pestalozzi acreditava na bondade humana e afir-
mava que a amorosidade poderia fazer essa bondade aflorar. Arce (2002,
p. 91) destaca que, para Pestalozzi,

A bondade inata dos seres humanos os une, tornando-os não diferenciáveis,


não existindo inferiores ou superiores, todos são iguais, todos possuem o
mesmo potencial e somente o amor pode trazer à tona estes bons instintos
da humanidade. Pestalozzi acredita que o homem através do amor pode ser
treinado para ser tornar cada vez mais humano.

Pestalozzi concorda com Jean-Jacques Rousseau quanto à importância da educação


materna. Para os autores, a educação se inicia no momento do nascimento, uma vez
que os seres humanos nascem frágeis e necessitam de cuidado e educação. Valorizar as
faculdades dadas pela natureza, priorizar a prática sobre a teoria e colocar o amor pelas
crianças acima de tudo são ideias encontradas na obra de Rousseau às quais Pestalozzi
deu destaque ao longo de sua trajetória (VANGUARDAS DO CONHECIMENTO, 2017).

A história de Pestalozzi cruza-se intimamente com o movimento de efer-


vescência política do qual foi contemporâneo. Desde os 17 anos, ele esteve
envolvido com o movimento intelectual contra o poder aristocrático que
clamava por reformas liberais na Suíça (BRETTAS, 2018). Em 1798, diri-
giu um instituto destinado ao atendimento dos órfãos da Revolução Suíça.
Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem 11

À frente da instituição, organizou-a como uma família, “[...] com o propósito


de educar intelectual e moralmente” (BRETTAS, 2018, p. 418).
Aqui também se destaca um ponto importante e diferenciado das técnicas
defendidas por Pestalozzi: o educador testava todas as suas teorias na prática.
A partir de seus resultados, ele revisava e aprimorava as teorias. Isso aconteceu
tanto no orfanato quanto na experiência em Burgdorf, em 1800, e no Instituto
em Yverdon-les-Bains, em 1805. Veja:

Em Yverdon, os alunos gozavam de muita liberdade. Podia-se sair e voltar a


qualquer hora da escola, apesar de as crianças quase não se valerem disso.
Estudavam dez horas de aulas por dia (das seis da manhã às oito da noite), mas
cada aula tinha a duração de uma hora e era seguida de pequeno intervalo.
Algumas dessas aulas eram de ginástica, jardinagem, atividades artísticas
e trabalho livre, incluindo aí aulas de dança, esgrima, natação e patinação
durante o inverno (LIMA, 2014, p. 2–3).

Outro ponto fundamental defendido por Pestalozzi é a educação integral,


que valoriza o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. Também conhe-
cidos como “método mãos, cabeça e coração”, os princípios da pedagogia de
Pestalozzi voltam-se para o desenvolvimento de todas as potencialidades das
crianças, ou seja, as crianças são educadas para viver em sociedade.
No início do século XIX, quando essas ações pedagógicas são colocadas
em prática por Pestalozzi, elas ilustram o futuro rompimento com a pedagogia
tradicional, que se efetivaria no início do século XX. Sua defesa do respeito
à natureza bondosa humana, do amor como instrumento de auxílio ao cres-
cimento das crianças e da educação moral diverge por completo da educação
livresca, coercitiva e punitiva das escolas tradicionais.
A percepção era a função cognitiva mestra para Pestalozzi. Em sua peda-
gogia, ele defende que a criança, ao perceber as questões externas por meio
dos sentidos (tato, olfato, visão, audição, paladar e suas ramificações mais
complexas), viabiliza o autoconhecimento interno. Dessa forma, a aprendiza-
gem ocorreria de dentro para fora, a partir da percepção do sujeito em direção
ao objeto de conhecimento. Nesse sentido, considere o seguinte:

[...] a aprendizagem é um produto da observação e da percepção, ou seja, é a


visão mental ou a faculdade de ver e discernir o que não pode perceber por
meio dos sentidos. A criança parte da observação de um objeto — pelos sen-
tidos, alimenta a intuição (ou a mente) de conteúdos, permitindo a formulação
de hipóteses, ou seja, a produção do conhecimento. O método é denominado
como “intuitivo” diante da premissa de que a intuição é uma parte ativa da
mente, que age diante das sensações (BRETTAS, 2018, p. 427-428).
12 Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem

A intuição deve ser um meio para a educação, proporcionando que o aluno


compreenda o que necessita aprender. Assim, Brettas (2018) reforça que, na
pedagogia defendida por Pestalozzi, o papel dos professores não é a trans-
missão do conhecimento, e sim o desenvolvimento da inteligência do aluno
por meio da intuição.
Pestalozzi também foi defensor de uma formação específica para os pro-
fessores. Ele propunha que a formação docente fosse norteada pelo método
intuitivo, que ao longo do século XIX passou a ser encarado por diferentes
pedagogos como essencial para o ensino das crianças (DURÃES, 2011).
A função docente, assim, seria semelhante à de um jardineiro, que deveria
proporcionar as melhores condições externas para que as sementes (crianças)
se desenvolvessem da forma mais adequada.
Por fim, atente aos 11 princípios gerais do método de Pestalozzi, elencados
a seguir (MONROE, 1983 apud PILETTI; PILETTI, 2011).

1. A observação ou percepção sensorial é a base da instrução.


2. A linguagem deve estar sempre ligada à observação (intuição), isto é,
ao objeto ou conteúdo.
3. A época de aprender não é a época de julgamento e crítica.
4. Em qualquer ramo, o ensino deve começar pelos elementos mais simples
e proceder gradualmente de acordo com o desenvolvimento da criança,
isto é, em ordem psicológica.
5. Tempo suficiente deve ser consagrado a cada ponto do ensino, a fim
de assegurar o domínio completo dele pelo aluno.
6. O ensino deve ter por alvo o desenvolvimento, e não a exposição
dogmática.
7. O mestre deve respeitar a individualidade do aluno.
8. O fim principal do ensino elementar não é ministrar conhecimentos
e talentos ao aluno, mas desenvolver e aumentar os poderes da sua
inteligência.
9. O saber deve corresponder ao poder, e a aprendizagem, à conquista
de técnicas.
10. As relações entre o professor e o aluno, especialmente aquelas relativas
à disciplina, devem ser baseadas e reguladas pelo amor.
11. A instrução deve estar subordinada ao fim mais elevado da educação.
Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem 13

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ROMANELLI, R. A. Pedagogia Waldorf: um breve histórico. Rev FAED, ano 6, n. 10, p.
145-169, 2008. Disponível em: https://periodicos.unemat.br/index.php/ppgedu/article/
view/3623/2895. Acesso em: 8 maio 2020.
SILVA, D. A. A. Educação e ludicidade: um diálogo com a Pedagogia Waldorf. Educ Rev,
n. 56, p. 101-113, 2015.
VANGUARDAS DO CONHECIMENTO. Rousseau, Pestalozzi e a educação brasileira.
CartaCapital, 8 jun. 2017. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/van-
guardas-do-conhecimento/rousseau-pestalozzi-e-a-educacao-brasileira/. Acesso
em: 8 maio 2020.
14 Perspectivas da prática pedagógica: concepções de aprendizagem

Leituras recomendadas
DOSSIÊ: a atualidade da pedagogia Freinet. Rev. Ibero-Americana de Estudos em Educação,
v.12, n. 1, 2017. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/issue/
view/608/showToc. Acesso em: 8 maio 2020.
SOCIEDADE Antroposófica. São Paulo, c2016. Disponível em: http://www.sab.org.br/
portal/. Acesso em: 8 maio 2020.

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