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EDUCAÇÃO FÍSICA

INCLUSIVA E
ESPORTES
ADAPTADOS

Vanessa Dias Possamai


Aspectos gerais da
deficiência intelectual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar os conceitos, as classificações e a etiologia associados à


deficiência intelectual.
„„ Descrever os aspectos gerais envolvendo a deficiência intelectual.
„„ Analisar os cuidados especiais adotados com as pessoas com de-
ficiência intelectual.

Introdução
A deficiência intelectual (DI) é uma condição de importância médica,
educacional e social. Ela constituiu-se ao longo da história em meio a
diferentes definições e significados, que foram sendo substituídos ou
reforçados pelos seguintes, sem que fossem superadas as representações
negativas e estigmatizantes, apoiadas em abordagens normativas do
desenvolvimento humano.
Em diferentes momentos, a DI foi baseada em concepções inatistas,
para as quais o desenvolvimento está predeterminado nas característi-
cas pessoais, e, em outros momentos, em concepções ambientalistas,
nas quais prevaleceu a determinação do ambiente sobre o desenvolvi-
mento do indivíduo.
Neste capítulo, você conhecerá os principais conceitos, classificações
e etiologia da DI, e aprenderá sobre os aspectos gerais envolvendo a
DI. Além disso, saberá quais são os cuidados especiais adotados com as
pessoas com DI.
2 Aspectos gerais da deficiência intelectual

1 Conceitos, classificações e etiologia


associados à deficiência intelectual
A história da deficiência intelectual (DI) reflete o contexto social de cada
período histórico. Ao longo da Idade Média, observou-se uma atitude am-
bivalente da sociedade em relação aos indivíduos denominados “deficientes
mentais”. Acolhidos pela igreja, que os entendia como indivíduos que cumpriam
os castigos de Deus, a “deficiência mental” era vista como algo relacionado ao
divino (PESSOTTI, 1984). Conforme o tempo foi passando e com o avanço da
medicina, surgiu a noção de que a deficiência mental (assim como qualquer
outra deficiência) estaria relacionada a problemas médicos, uma fatalidade
hereditária ou congênita (PESSOTTI, 1984). A mudança de paradigma em
relação a essa deficiência foi consolidada a partir de estudos sobre o desen-
volvimento por meio da estimulação, que se transformou, embora lentamente,
em ações de ensino. Nesse período, ocorreram os primeiros movimentos de
institucionalização de locais para tratamento desses indivíduos em conventos
e hospícios (ARANHA, 1995).
Em pouco tempo, a DI tornou-se objeto de atenção de vários educadores,
e a sociedade passou a defender a criação de organizações separadas onde
essas pessoas, segregadas e classificadas quanto às suas diferenças, pudessem
receber um melhor atendimento com menos recursos. No entanto, somente no
século XIX observou-se uma atitude de responsabilidade pública em relação
às necessidades das pessoas com DI (SILVA; DESSEN, 2001). Durante o
século XIX até meados do século XX, os estudos sobre a DI tornaram-se de
caráter mais científico, e houve uma tentativa de uniformização do conceito.
No Brasil, as primeiras ações voltadas especificamente para as pessoas
com DI aconteceram durante o século XX. Na década de 1950, as discussões
sobre o objetivo e a qualidade dos serviços educacionais especiais permearam
o cenário mundial. Enquanto isso, no Brasil, a escassez de serviços e o descaso
do poder público deram origem a movimentos comunitários que ocasionaram
a implantação de escolas especiais privadas. A partir da década de 1970,
o poder público posicionou-se mais afirmativamente sobre essa questão, am-
pliando o acesso à escola para a população em geral e implantando as classes
especiais na educação básica (JANNUZZI, 2004). Na segunda metade do
século, houve também a criação de inúmeras instituições (particulares sem
fins lucrativos) voltadas ao atendimento de pessoas com DI, todas marcadas
Aspectos gerais da deficiência intelectual 3

pela política paternalista ou de proteção. Entre essas instituições, destacaram-


-se a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e a Sociedade
Pestalozzi (PEREIRA, 2009), ambas importantes na história dessa deficiência,
e que até hoje oferecem assistência a essa população, buscando articular seus
projetos à proposta de inclusão social adotada no Brasil desde a década de
1990. A história da DI sugere que sua existência e desenvolvimento como
uma categoria social é muito complexa, pois a mutabilidade, a variabilidade
e a inconsistência conceitual, além das lutas contra a opressão travadas ao
longo do tempo, denotam que ainda não há base para uma identidade social.
Em 2018, a deputada federal Rejane Dias (PT-PI) entrou com uma proposta
de emenda à Constituição — a PEC nº. 427/18.

A Câmara dos Deputados analisa proposta que altera a Constituição para


padronizar a denominação de pessoas com deficiência. Diversos dispositivos
constitucionais as tratam como “pessoas portadoras de deficiência”, enquanto
a nomenclatura adequada atualmente é “pessoas com deficiência” (AGÊNCIA
CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2019, documento on-line).

Essa “nomenclatura foi adotada na Convenção Internacional sobre os


Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York em 30 de
março de 2007 e promulgada no Brasil pelo Decreto Presidencial 6.949/09”
(AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2019, documento on-line). Apesar de
o tratado internacional ter status de emenda à Constituição Federal, em vários
artigos ainda permanece a nomenclatura “pessoas portadoras de deficiência”,
em vez de “pessoas com deficiência”.
A história da concepção e classificação da DI ganhou uma grande contri-
buição com a criação de organizações específicas para o estudo das populações
especiais, das causas e das características das doenças e deficiências. Entre
essas associações, em 1876 surgiu a American Association on Intellectual and
Developmental Disabilities, que é especializada na área da DI (VERDUGO
ALONSO; SCHALOCK, 2010). Por questões de terminologia, no Brasil, a
tradução utilizada atualmente é “deficiência intelectual”, substituindo termos
como “retardo mental” e “deficiência mental”. Segundo a AAIDD, a DI pode
ser explicada por meio de três conceitos significativos: o modelo socioeco-
lógico de deficiência, o enfoque multidimensional e a definição operativa e
constitutiva da condição (AAIDD, 2010).
4 Aspectos gerais da deficiência intelectual

O primeiro documento reconhecido internacionalmente com a finalidade de classificar


as doenças foi a CID (Classificação Internacional de Doenças), inicialmente utilizado
para identificar as causas de morte. Em 1976, outro sistema para a classificação das
deficiências foi instituído, denominado Classificação Internacional de Deficiências,
Incapacidades e Desvantagens (CIDID). Nesse documento, foram propostos três con-
ceitos: deficiência, incapacidade e desvantagem. Hoje, ele é chamado de Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) (AMIRALIAN et al., 2000;
WORLD HEALTH ORGANIZATION [WHO], 2010).

O primeiro conceito é o do modelo socioecológico de DI. Ele aborda a pessoa


dentro de suas expressões de limitações no funcionamento individual em um
contexto social, ou seja, não vê a deficiência como um problema centrado na
pessoa, mas como um desajuste entre as capacidades da pessoa e as demandas
de seu ambiente. A partir dessa perspectiva, a origem da DI pode estar em
fatores orgânicos e/ou sociais, e esses fatores “[...] causam limitações funcionais
que refletem uma falta de habilidade ou restringem tanto o funcionamento
pessoal como o desempenho de papéis e tarefas esperadas para uma pessoa
em um ambiente social” (VERDUGO ALONSO; SCHALOCK, 2010, p. 10).
O próximo conceito tem enfoque multidimensional, e considera o fun-
cionamento humano por meio de cinco dimensões: habilidades intelectuais,
comportamento adaptativo, saúde, participação e contexto. As habilidades
intelectuais se referem às capacidades mentais gerais, que incluem raciocínio
lógico, pensamento abstrato, ideias complexas, etc., e devem ser medidas, se-
gundo a AAIDD (2010), por testes padronizados. O comportamento adaptativo
considera o conjunto de habilidades conceituais, sociais e práticas que o sujeito
utiliza nas atividades de vida diária, e a participação consiste no desempenho
da pessoa em atividades reais nos diversos âmbitos da vida social, como no
trabalho, no lazer, na vida espiritual e nas atividades culturais. A saúde deve
ser avaliada pelo histórico clínico do sujeito, considerando o bem-estar físico,
mental e social. Sobre o contexto, por sua vez, devem ser feitas avaliações
ambientais (física, social, atitudinal) e pessoais (p. ex., motivação, estilos de
aprendizagem, estilos de vida) (DIAS; OLIVEIRA, 2013).
Aspectos gerais da deficiência intelectual 5

O último conceito estabelecido pela AAIDD (2010) distingue uma definição


operativa de uma definição constitutiva de DI. A primeira estabelece os limites do
termo, separando o que está e o que não está incluído neste, enquanto a segunda
define o constructo em relação a outros constructos, estabelecendo, com mais
clareza, os fundamentos teóricos que o definem (SCHALOCK et al., 2007).
Três critérios devem ser observados em relação à DI: o funcionamento
intelectual, o comportamento adaptativo e a idade de início das características.
Assim, conforme a AAIDD (2010) define, o funcionamento intelectual e o
comportamento adaptativo devem apresentar limitações significativas, e a
idade de início das manifestações deve ser anterior aos 18 anos. Assim, apesar
da evidente presença da linguagem ao longo do processo de avaliação da DI, na
definição, não há uma referência direta a ela; isso produz um silêncio perturbador.

Classificação
Atualmente, três referenciais teóricos orientam a definição e a classificação
da DI: o sistema de Classificação Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (WHO,
2010); o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) da
American Psychiatric Association (APA, 2014) e o manual da AAIDD (2010).
O Quadro 1 representa a classificação de acordo com a CID-10.

Quadro 1. Classificação da deficiência intelectual adaptada — CID-10 (2010)

F70 – Retardo „„ QI entre 50–69


mental leve „„ Provável dificuldade de aprendizagem escolar
„„ Adulto capaz de trabalhar
„„ Relacionamento social satisfatório
„„ Subnormalidade mental leve

F71 – Retardo „„ QI entre 35–49


mental moderado „„ Provável atraso (acentuado) do desenvolvimento
durante a infância
„„ Graus variados de suporte para viver e trabalhar na
comunidade durante a vida adulta
„„ A maioria dos indivíduos desenvolve certo grau de
independência quanto aos cuidados pessoais, às
habilidades acadêmicas e à comunicação
„„ Subnormalidade mental moderada

(Continua)
6 Aspectos gerais da deficiência intelectual

(Continuação)

Quadro 1. Classificação da deficiência intelectual adaptada — CID-10 (2010)

F72 – Retardo „„ QI entre 20–34


mental grave „„ Provável necessidade de assistência contínua
„„ Subnormalidade mental grave

F73 – Retardo „„ QI < 20


mental profundo „„ Limitações graves relacionadas aos cuidados pessoais,
à comunicação e à mobilidade
„„ Subnormalidade mental profunda

Fonte: Adaptado de Lago (2013).

O DSM-5 da APA propôs alguns critérios para caracterização do “retardo


mental”, termo utilizado para referir-se à DI. Esses critérios orientam para a
verificação do funcionamento intelectual significativamente abaixo da média,
com manifestação anterior aos 18 anos e limitações ou déficits no compor-
tamento adaptativo em ao menos duas das seguintes áreas: comunicação,
autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais, uso de recursos comunitários,
habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança (APA, 2014).
Já a AAIDD (2010) apresenta um modelo de classificação da DI, o qual
é baseado em um enfoque multidimensional. Esse sistema de classificação
caracteriza-se por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual
como no comportamento adaptativo expresso em habilidades conceituais
(p. ex., alfabetização, conceito de número, de dinheiro e de tempo, etc.), habi-
lidades sociais (p. ex., relacionamento interpessoal, autoestima, obediência a
regras, etc.) e habilidades práticas (p. ex., atividades de vida diária, cuidados
pessoais, qualificação profissional, etc.), originando-se antes dos 18 anos de
idade.

Etiologia
A etiologia da DI é diversificada e resulta de muitos processos patológicos
que interferem no funcionamento do sistema nervoso.
Alguns fatores de risco têm sido identificados desde a fecundação até
o nascimento. A fase pré-natal, entre a fecundação e o 2º mês de gestação,
concentra a maior probabilidade de ocorrência de anormalidades graves e
Aspectos gerais da deficiência intelectual 7

defeitos fisiológicos no embrião. Os fatores externos vividos pela mãe podem


afetar o feto através da placenta, causando reações negativas como deformi-
dades físicas e disfunções intelectuais e comportamentais (VASCONCELOS,
2004). Entre as causas mais conhecidas, podemos listar a síndrome de Down,
a desnutrição, a síndrome alcoólica fetal, a síndrome de Rett, a síndrome do
X frágil e malformações cerebrais (GONZÁLEZ et al., 2013).
A DI pode ser considerada multifatorial, composta por quatro categorias
de riscos: biomédicos, sociais, comportamentais e educacionais. O Quadro 2
apresenta essas categorias, distribuídas em seus períodos de ocorrência.

Quadro 2. Períodos de ocorrência e os componentes multifatoriais associados à defi-


ciência intelectual

Fatores Fatores
Ocor- Fatores Fatores
comporta- educa-
rência biomédicos sociais
mentais cionais

Pré-natal „„ Distúrbios cro- „„ Pobreza „„ Uso de „„ Deficiên-


mossômicos „„ Má drogas cia cog-
„„ Distúrbios de nutrição ou álcool nitiva dos
gene único materna pelos pais pais sem
„„ Síndromes „„ Violência „„ Pais apoio
„„ Distúrbios doméstica fumantes „„ Falta de
metabólicos „„ Falta de „„ Imaturi- prepara-
„„ Digênese pré-natal dade dos ção para
cerebral pais serem
„„ Doenças pais
maternas
„„ Idade dos pais

Perinatal „„ Prematuridade „„ Falta de „„ Rejeição „„ Falta de


„„ Lesão no acesso dos pais à enca-
nascimento aos criança minha-
„„ Distúrbios cuidados „„ Aban- mento
neonatais no nasci- dono da médico
mento criança
pelos pais

(Continua)
8 Aspectos gerais da deficiência intelectual

(Continuação)

Quadro 2. Períodos de ocorrência e os componentes multifatoriais associados à defi-


ciência intelectual

Fatores Fatores
Ocor- Fatores Fatores
comporta- educa-
rência biomédicos sociais
mentais cionais

Pós-natal „„ Lesão cerebral „„ Cuidador „„ Abuso ou „„ Incapaci-


traumática incapaci- negligên- dade dos
„„ Má nutrição tado cia pais
„„ Meningoen- „„ Falta de „„ Violência „„ Diagnós-
cefalite estimula- doméstica tico tardio
„„ Distúrbios ção „„ Insegu- „„ Interven-
convulsivos „„ Pobreza rança ção tardia
„„ Distúrbios „„ Doença „„ Privação „„ Educação
degenerativos crônica social inade-
„„ Institucio- „„ Compor- quada
nal tamentos „„ Apoio
difíceis familiar
inade-
quado

Fonte: Adaptado de Lago (2013).

2 Aspectos gerais envolvendo


a deficiência intelectual
A convivência e as relações das famílias que possuem uma pessoa com DI
entre seus membros tendem a ser bastante complexas, pois a convivência diária
com uma pessoa com DI altera o funcionamento da família (DARBYSHIRE;
KROESE, 2012; FAVERO-NUNES; SANTOS 2010). Grande parte das mães
de crianças com DI tende a assumir totalmente a responsabilidade pelos
cuidados de seus filhos, dedicando-se intensamente ao trabalho de cuidadora
(FAVERO-NUNES; SANTOS, 2010).
O mundo, a cada época, transforma-se por meio das dinâmicas culturais,
promovendo implicações de ordem política, social e científica, que marcam
as trajetórias de desenvolvimento e norteiam práticas sociais, no campo da
educação e da saúde (DIAS; OLIVEIRA, 2013).
Aspectos gerais da deficiência intelectual 9

A partir do século XX, surgiram novas concepções de desenvolvimento


baseadas em uma perspectiva dialógica e cultural que possibilitaram redire-
cionar a compreensão da DI. A deficiência passa a ser tratada não mais como
impossibilidade de desenvolvimento intelectivo, mas como uma das alternativas
de desenvolvimento possíveis ao ser humano (AMPUDIA, 2011). No convívio
social, a interação promove situações ou dificuldades de comunicação; porém,
cada pessoa elabora suas dificuldades de modo singular e desenvolve, na linha
do tempo, processos compensatórios diferentes a depender das situações que
surgem, das dificuldades específicas associadas à deficiência e da educação
recebida (VERDUGO ALONSO; SCHALOCK, 2010). Todavia, as barreiras
devem ser rompidas para que se abram caminhos para além de conhecer
características da própria deficiência ou seus aspectos quantitativos — o ob-
jetivo é conhecer a pessoa, ou seja, investigar o lugar que a deficiência ocupa
em sua vida, como a sua subjetividade se organiza diante dessa deficiência e
quais mudanças pessoais foram produzidas ou se apresentam como possíveis
(DARBYSHIRE; KROESE, 2012).
Os principais tipos de DI causada por fatores genéticos são as síndromes
de Down, do X frágil, de Prader-Willi, de Angelman e de Williams. As causas
dessas limitações na inteligência são variadas e, em muitas situações, desconhe-
cidas. A síndrome de Down é o tipo mais comum de DI, causada pelo excesso
de um cromossomo no material genético da pessoa, resultando na trissomia
do cromossomo 21. Esse cromossomo a mais é oriundo de uma alteração na
divisão do material genético no momento da formação do gameta feminino
ou masculino. A síndrome do X frágil é causada por um problema genético
no cromossomo X que provoca alterações comportamentais e de aprendizado.
Pode acontecer em homens e mulheres, mas nos homens a manifestação da
doença é mais grave. A síndrome de Angelman, também conhecida como
“síndrome da boneca feliz”, é causada por uma anomalia em um gene transmi-
tido pela mãe. A maioria dos casos dessa síndrome ocorre quando uma parte do
cromossomo 15 materno é apagada. A síndrome de Prader-Willi é causada
por uma alteração do cromossomo 15 paterno no momento da concepção.
O distúrbio caracteriza-se por hipotonia (músculos “moles”) ao nascimento,
retardo mental, ingestão excessiva de alimentos (hiperfagia), baixa produção
de hormônios sexuais, estatura baixa e atraso no desenvolvimento psicomotor
(GUSSO; LOPES; DIAS, 2019).
10 Aspectos gerais da deficiência intelectual

Outro fator importante em relação às pessoas com DI é a sexualidade.


Ela deve ser entendida de forma ampla, e atinge o indivíduo em suas várias
extensões (biológica, psicológica, social e cultural). A sexualidade deve ser
respeitada como um direito inerente a todos os indivíduos e vivenciada con-
forme a individualidade de cada um, e isso inclui as pessoas com DI (MAIA;
CAMOSSA, 2003). Algumas concepções acreditam que eles não possuem
sexualidade ou deficiência emocional, por isso são considerados incapazes
de estabelecer relações amorosas profundas e duradouras.
Os comportamentos afetivo-sexuais — abraços, beijos e palavras até a
masturbação e a relação sexual —, que são encarados normalmente pela
sociedade, se manifestados por pessoas com DI, são, muitas vezes, vistos de
maneira preconceituosa e desviante, tornando-se intoleráveis e aberrantes
(GIAMI, 2000; MAIA, 2001). Assim, o grau de socialização das pessoas com
DI depende do investimento que a família emprega na constituição de sua
autonomia e identidade, e isso pode definir o quão satisfatório é seu desenvol-
vimento psicossocial e sexual. Muitos jovens com DI possuem características
físicas de jovens normais, porém não estão preparados para demandas da vida
independente (FRANÇA RIBEIRO, 1995; GLAT; FREITAS, 1996).
O desenvolvimento recente nos campos científico, educacional, social e
jurídico, e, particularmente, a ocorrência de mudanças no campo dos valores
devido à disseminação da cultura inclusiva tem permitido às pessoas com
deficiência maior participação social e acesso à escolarização por um período
mais longo do que antigamente. A política de educação inclusiva tem favore-
cido o aumento do número de jovens com deficiência que concluem o ensino
médio e se qualificam para a transição ao ensino superior ou ao trabalho
(DIAS, 2012). Porém, quando analisamos os diferentes tipos de deficiência,
notamos que as conquistas não atingem todas de maneira igual. A condição
de DI (e especialmente as deficiências não sindrômicas), por exemplo, detém
características peculiares (DARBYSHIRE; KROESE, 2012).

O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e o transtorno do espec-


tro do autismo (TEA) não são considerados deficiência intelectual, mas distúrbios
neurocomportamentais ou desordens neuropsiquiátricas. Algumas pessoas com
deficiência intelectual apresentam alguns desses transtornos, mas nem todos (GUSSO;
LOPES; DIAS, 2019).
Aspectos gerais da deficiência intelectual 11

Pessoas com DI enfrentam limitações em suas relações com o mundo


social, como desqualificação de seus papéis de jovens e adultos e baixas
expectativas quanto à sua capacidade de adaptação, solução de problemas,
reflexão e autorreflexão, principais características das formas mais desenvol-
vidas de funcionamento cognitivo (CARVALHO, 2006). Nessas perspectivas,
a pessoa com deficiência é, algumas vezes, abordada de maneira distante do
status de adulto, ou seja, ela é comparada e tratada como uma criança grande,
que não é capaz de agir, deliberar, escolher ou liderar como as pessoas sem
deficiência. Isso leva à privação de diferentes oportunidades, como inserção
no trabalho e educação (níveis elevados), prejudicando o seu desenvolvimento
pessoal (DIAS, 2012).

3 Cuidados especiais adotados com


as pessoas com deficiência intelectual
No Brasil, existem políticas públicas que buscam

[…] ampliar, qualificar e diversificar as estratégias para a atenção às pesso-


as com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, ostomia e múltiplas
deficiências por uma rede de serviços integrada, articulada e efetiva nos
diferentes pontos de atenção para atender às pessoas com deficiência, assim
como iniciar precocemente as ações de reabilitação e de prevenção precoce
de incapacidades (BRASIL, 2012, documento on-line).

Foi instituída, por meio da Portaria nº. 793, de 24 de abril de 2012, a Rede de
Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Essa
Rede de Cuidados tem como objetivos (BRASIL, 2012, documento on-line):

I — ampliar o acesso e qualificar o atendimento às pessoas com deficiência


temporária ou permanente; progressiva, regressiva, ou estável; intermitente
ou contínua no SUS;
II — promover a vinculação das pessoas com deficiência auditiva, física,
intelectual, ostomia e com múltiplas deficiências e suas famílias aos pontos
de atenção; e
III — garantir a articulação e a integração dos pontos de atenção das redes
de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento e
classificação de risco.
12 Aspectos gerais da deficiência intelectual

O modelo multidimensional, no qual a AAIDD se baseia, adota graduações


de medidas de apoio às pessoas com DI. A AAIDD atua de forma que haja um
processo interativo entre as limitações funcionais próprias desses indivíduos e
as possibilidades adaptativas disponíveis em seu ambiente cotidiano. As cinco
dimensões apresentadas por esse modelo envolvem aspectos relacionados
ao indivíduo, ao seu funcionamento individual no ambiente físico e social,
ao contexto e aos sistemas de apoio (AAIDD, 2010).

„„ Dimensão 1 — habilidades intelectuais: capacidade geral de ra-


ciocínio, planejamento, solução de problemas, pensamento abstrato,
compreensão de ideias complexas, rapidez de aprendizagem e apren-
dizagem por meio da experiência.
„„ Dimensão 2 — comportamento adaptativo: conjunto de habilidades ad-
quiridas pelo indivíduo para corresponder às demandas da vida cotidiana.
„„ Dimensão 3 — saúde: condições gerais de saúde física e mental.
„„ Dimensão 4 — participação, interações, papéis sociais: a avaliação
deve ser direcionada às interações sociais e aos papéis vivenciados pelo
indivíduo, bem como sua participação na comunidade em que vive.
„„ Dimensão 5 — contexto: a dimensão contextual considera as condições
em que o indivíduo vive e se desenvolve.

Para a AAIDD (2010), o funcionamento humano é medido quando conseguimos


reduzir a distância das interações entre indivíduos e o ambiente, sendo o apoio
individualizado uma estratégia utilizada para contribuir com o funcionamento da
vida dessas pessoas e não estigmatizá-las. O último modelo do manual da AAIDD
(2010) apresenta algumas premissas, listadas a seguir, que devem ser consideradas.

„„ As limitações relativas à funcionalidade do indivíduo devem ser res-


peitadas de acordo com o contexto da comunidade, a idade e a cultura.
„„ As avaliações devem considerar a diversidade cultural e linguística,
assim como as diferenças na comunicação e nos fatores sensoriais,
motores e comportamentais.
„„ Pessoas com DI podem apresentar talentos, assim como limitações, o
que em geral ocorre com os seres humanos, independentemente de seu
quociente de inteligência (QI).
„„ Deve-se descrever limitações com o propósito de desenvolver um perfil
da necessidade de apoio e propor intervenções para minimizá-las.
„„ Com o apoio apropriado, o funcionamento da vida da pessoa com DI
deve melhorar, exceto em casos raros.
Aspectos gerais da deficiência intelectual 13

Acesse a seção Saúde de A a Z/Saúde da Pessoa com Deficiência do site do Ministério


da Saúde do Brasil para ter mais informações sobre diretrizes, políticas e ações para
saúde da pessoa com deficiência.

As famílias de pessoas com DI enfrentam desafios ao longo do curso de


vida. A procura por intervenções adequadas e satisfatórias constitui um desses
desafios, especialmente no Brasil (PEREIRA-SILVA; DESSEN, 2005). Além
da família, outros ambientes socializadores também têm fundamental papel
ao atender e incluir as pessoas com DI, especialmente a escola e o contexto do
trabalho. Educação e trabalho podem ser considerados grandes contextos de
desenvolvimento e de inclusão social (DALLABRIDA, 2007), sendo uma tarefa
da família introduzir as relações entre seus membros com deficiência e esses
contextos. O vínculo entre a família e os programas de atendimento constitui-
-se premissa importante para favorecer a inclusão (OGAMA; TANAKA,
2003). Tendo em vista que existe uma distância entre a oferta dos serviços das
instituições especializadas e o que a família espera desses atendimentos, em
geral as famílias mantêm expectativas além do que essas instituições oferecem.
Por fim, é necessário saber mais sobre a DI antes de pré-julgar uma pessoa
como sendo incapaz, anormal ou inferior. Pessoas com DI possuem neces-
sidades parecidas com as de uma pessoa sem deficiência, porém necessi-
tam de cuidado integral com uma equipe multi e interdisciplinar. Assim,
com estímulos e intervenções adequadas, possibilitam-se máxima interação
(indivíduo–ambiente–tarefa) e desenvolvimento de suas capacidades.

AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Proposta padroniza nomenclatura de pessoas com


deficiência na Constituição. In: CÂMARA dos deputados. Brasília, DF, jan. 2019. Disponível
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14 Aspectos gerais da deficiência intelectual

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