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ISSN: 2675-7451

Vol. 02 - n 02 - ano 2021


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Filipe Lins dos Santos


Presidente e Editor Sênior da Periodicojs

CNPJ: 39.865.437/0001-23

Rua Josias Lopes Braga, n. 437, Bancários, João Pessoa - PB - Brasil


website: www.periodicojs.com.br
instagram: @periodicojs
Editorial

A missão da Revista Gênero e Interdisciplinaridade (GEI) des-

tina-se a informar a comunidade acadêmica sobre os desafios e perspec-

tivas que revestem a discussão interdisciplinar das ciências humanas e

do gênero. O objetivo da GEI é estimular o debate e produção científica

com o propósito de produzir conhecimentos e atuar como transformador

social e instrumento de reflexão para uma isonomia entre os indivídu-

os. O público-alvo de nossa revista é pós-doutores, doutores, mestres e

estudantes de pós-graduação. Dessa maneira os autores devem possuir

alguma titulação citada ou cursar algum curso de pós-graduação. Além

disso, a GEI aceitará a participação em coautoria. A Revista possui um

conjunto de Seções para recebimento de trabalhos científicos, como:

•Seção de Estudos Interdisciplinares em Ciências Humanas: Seção 2

interdisciplinar que recebem trabalhos de língua portuguesa, espanhola,

inglesa ou francesa produzidos através de pesquisas ou reflexões acadê-

micas na área das ciências humanas;

•Seção de Estudos sobre Gênero: essa seção se destina a discutir as-

suntos que versem sobre a temática de gênero, podendo abordar temas

como: direitos Homoafetivos, lutas LGBTI, teoria queer, direitos huma-


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nos e políticas públicas de gênero, saúde, multiculturalismo, religião,

povos tradicionais, inclusão social, pensamento africano, populações

afro e diáspora negra;

3
Sumário

Estudos em Gênero

OPRESSOR VERSUS OPRIMIDO: O feminismo dos 99% contra o

capitalismo hegemônico

UM ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE ESTEREÓTIPO DE

GÊNERO E INVISIBILIDADE FEMININA NA EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS

28

SEXUALIDADE E DIVERSIDADE: ANÁLISE DOS USOS DIS-

CURSIVOS NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EDUCACIONAL,

JUJUY-ARGENTINA
4
61

SOLIDÃO DA MULHER NEGRA: UMA HISTÓRIA DE INVISIBI-

LIDADE AFETIVA

85

ATENDIMENTO DO PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA EM CA-

SOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

98
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Estudos em Interdisciplinares

TERRAS INDÍGENAS: DA COLÔNIA A ATUALIDADE

119

ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NA MODER-

NIDADE LÍQUIDA: DIALOGIA E INTERDISCIPLINARIDADE

137

A (IN) EFICIÊNCIA NA APLICAÇÃO DA LEI DE MIGRAÇÃO DE

2017 E O CONTEXTO DAS MIGRAÇÕES VENEZUELANAS NO

TERRITÓRIO BRASILEIRO

155

DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: FORMAÇÃO DE PROFES-

SORES E O DESAFIO DAS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFOR-

MAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC)

185
5
ENCARCERAMENTO EM MASSA: REFLEXÕES DIANTE DA

CRISE SANITÁRIA PELO NOVO CORONAVÍRUS

212

A CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA COMO INSTRUMENTO DO

ETIQUETAMENTO SOCIAL

227

O ENSINO DA HISTÓRIA SOB O FAROL AMBIENTALISTA: UM


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DESAFIO DE SE COMBATER PARADIGMAS RELACIONADOS

A HISTÓRIA AMBIENTAL E SUA APLICAÇÃO NO MEIO EDU-

CACIONAL

255

6
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Estudos em Gênero
7
OPRESSOR VERSUS OPRIMIDO: O feminismo dos
99% contra o capitalismo hegemônico

OPPRESSOR VERSUS OPPRESSED: 99% feminism


against hegemonic capitalism
João Santos da Silva Júnior1

Resumo: Escrever um artigo capitalismo dentro da opressão

com esse tema é uma tarefa her- feminista e de diferentes grupos

cúlea, que não exige apenas força sociais como: negros, LGBTQ+,

de vontade, mas entender os ca- mulheres e outros. O capitalis-

minhos percorridos pelas mulhe- mo e neoliberalismo que têm

res e os movimentos feministas moldado as ações da sociedade

durante séculos, até o ápice con- democrática, rompendo com os

temporâneo, para tanto emba- direitos de grupos minoritários e

saremos os nossos pensamentos subjugando as ações em defesa

em diferentes estudos bibliográ- desses. Os manifestos feministas

ficos, contudo, principalmente tendem a um anticapitalismo e o

nas ideias do manifesto “femi- rompimento da fragmentação das 8


nismo para os 99%” de (Arruzza lutas, ou de representações idea-

et al., 2019). Pretendemos aqui ria da meritocracia, que muito

através de diferentes leituras é dissolvido na sociedade. Nos

abordarmos as interferências do fronts as mulheres representam


1 Professor da educação básica e Coordenador pedagógico; For-
mado em pedagogia e matemática; Pós-graduado em matemática e
docência do ensino superior; Membro do grupo de pesquisa LEFOR,
ligado a UNEB e ao Mestrado Profissional em Educação e Diversidade
(MPED); Pesquisador de temas ligados ao feminismo, literatura brasi-
leira e relações étnico-raciais
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a igualdade de diferentes classes minism for the 99%” of (Arruz-

e não apenas das mesmas, a de- za et al., 2019). We intend here

fesa é embasada em tudo aquilo through different readings to ad-

que o capitalismo interfere com dress the interferences of capita-

as suas ações corrosivas, que su- lism within feminist oppression

perficialmente representa o de- and different social groups such

senvolvimento, contudo, por traz as: blacks, LGBTQ+, women

escraviza os menos favorecidos and others. Capitalism and neoli-

e inerentes ao ciclo desenvolvi- beralism that have shaped the ac-

mentista que favorece pequenos tions of democratic society, bre-

grupos capitalistas. aking with the rights of minority

groups and subjugating actions

Palavra-Chave: Feminismo, in defense of these. Feminist ma-

Anticapitalismo, Antineolibera- nifestos tend to an anticapitalism

lismo e Feminismo para os 99%. and the disruption of the frag-

mentation of struggles, or idea-

Abstract: Writing an article with listic representations of merito-

this theme is a herculean task, cracy, which is much dissolved

which requires not only streng- in society. On the fronts women 9

th, more to understand the paths represent the equality of different

taken by women and feminist classes and not only of women,

movements for centuries, up to defense is based on everything

the contemporary apex, to su- that capitalism interferes with its

pport our thoughts in different corrosive actions, which super-

bibliographic studies, but mainly ficially represents development,

on the ideas of the manifesto “fe- but which behind it enslaves the
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less favored and inherent in the As lutas em prol das

development cycle that favors mulheres desenvolvidas ao longo

small capitalist groups. dos anos não buscaram apenas

pela ocupação superficial do di-

Keyword: Feminism, Anticapi- reito de ser e estar em sociedade,

talism, Anti-Neoliberalism and de forma não apenas igualitária,

Feminism for the 99%. mas que despendesse no objetivo

da busca pelo respeito. Se apro-

O FEMINISMO ATICAPITA- fundarmos a ideia em termos de

LISTA E ANTINELOLIBE- neoliberalismo, entendemos que

RAL houve um avanço notório na pri-

vatização e cortes em políticas

O conservadorismo que públicas sócias, isso possibilitou

vem se perpetuando ao longo dos que a mulher exercesse um grau

anos e atacando os desejos e an- maior de responsabilidade, além

seios das mulheres encontra base de lidar com as cargas horárias

fecunda no capitalismo neolibe- de trabalhos exaustivas, cujo ca-

ral, onde a maximização do lucro pital pago por essa mão de obra

tende a estabelecer à permanên- seja abaixo das dos homens, ain- 10

cia de forma versátil as ações que da precisa lidar com o trabalho

interferem na luta feminina con- doméstico atendendo todos aque-

tra a hegemonia de um ideário les que as cercam. Essa escravi-

permanente do capitalista explo- zação feminina construída pelo

rador, que autodetermina ou in- capitalismo tende a permanecer

viabiliza as ações anticapitalistas na sociedade desde que haja uma

e antineoliberais. luta engajada voltada a represen-


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tatividade de um total, e não de a teoria marxista tanto evidência

uma pequena parcela, como afir- na perspectiva de que o capita-

ma (Arruzza et al,.2019) em seu lismo explora as mulheres como

manifesto. reprodutoras responsáveis pela

As lutas feministas não geração de novos sujeitos que

visa apenas atacar o capitalismo servirão de mão de obra para o

ou aos lucros por ele gerando, mesmo.

as ações elas diversificam para No seio da sociedade

além do trabalho, para a autora contemporânea os desafios se

essa luta está presente em outros fazem cada vez mais presentes

ambientes, “em diversos terrenos e desestruturastes. As ideias pa-

sociais e não apenas por meio de triarcais mobilizadas por séculos

sindicatos e organizações oficiais tendem a permanecer, dado as

de trabalhadores”, incluindo as imposições do capitalismo. As

lutas “por sistema de saúde uni- lutas feministas que aconteceram

versal e educação gratuita, por embasando a ideia de resistência

justiça ambiental e acesso à ener- a um sistema que deprecia, escra-

gia limpa, por habitação e trans- viza, monopoliza e invizibiliza a


11
porte público”. ( et al, 2019, p. mulher. Movimentos de resistên-

55). As mulheres são as respon- cia como: “Ni una a menos” que

sáveis por estar no front das lutas aconteceu na Argentina em 2016

de classe, sendo elas as maiores e acabou chegando ao Brasil e

vítimas do capitalismo voraz, “Women’s March”, que foi a mar-

são elas também as protagonis- cha de mulheres contra o então

tas das mobilizações sociais e de governo do Presidente Donald

reprodução, essa reprodução que Trump nos Estados Unidos, isso


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em 2017. Todos esses movimen- lista está emergindo.
(ARRUZZA, 2019 p,
tos tiveram como base a marcha
12).
das mulheres “Huelga Feminis-

ta” que movimentou milhões de


O movimento de 2017
mulheres em diferentes partes
no EUA ganhou espaço tam-
do planeta. As ideias defendidas
bém no Brasil, quando o sindi-
pelo movimento encontravam
cato dos Professores do Ensino
base no marxismo, no manifesto
Oficial do Estado de São Paulo
Marx e Engel, Para (Arruzza et
(APEOESP) ,que é considerando
al., 2019)
um dos maiores da América La-

Mas é acima de tudo tina e representante da educação


a greve que consti- básica de São Paulo entrou na
tui a novidade mais
luta. O movimento aderiu ao pro-
importante da nova
onda. Não só por- testo em 08 de março de 2017 e
que a greve colocou convocou a paralização geral. A
no centro do debate
convocação feita pela maioria fe-
o trabalho das mu-
lheres, o papel das minina, não uniu apenas as mu-
mulheres na reprodu- 12
lheres, mas diferentes indivíduos
ção social e a relação
sociais, de acordo com o boletim
entre produção de
mercadorias e repro- da APEOESP:
dução, mas porque se
tornou o motor prin- Mulheres e homens
cipal de um proces- protestaram em todo
so de subjetivação o planeta contra a
através do qual uma ascensão de uma ide-
nova subjetividade ologia que desres-
feminista anticapita- peita não apenas o
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sexo feminino, mas marginalizada. No Brasil essa


também os direitos luta não se faz diferente ou me-
dos imigrantes e da
nos importante, desde os primór-
população LGBT.
(...) Os direitos fe- dios as classes inferiores lutam
mininos envolvem por liberdade por representati-
todos, independen-
vidade e respeito, a nossa parti-
te de gênero, raça e
classe social, como cularidade histórica nos remete
demonstraram os mi- a um passado de lutas e hoje a
lhares de manifestan-
uma herança sombria permeada
tes reunidos nas Mar-
chas de Mulheres. pelos resquícios escravistas e de
(APEOESP, 2017) subordinação, isso incluído todo

processo de consolidação do ca-


Essa luta tomou como pitalismo. Nesse caminho o pro-
principio as questões de negação cesso de construção de uma so-
e racismo do governo do EUA e ciedade assalariada não fez com
visões governamentais no Brasil, que se rompesse a racialização e
que tinha ideologias, que ia de en- até mesmo os estigmas voltados
contro aos direitos das mulheres às classes menos favorecidas. O
13
e de classes menos favorecidas processo do capitalismo, só fez se
como: negros, LGBT e outros. construir uma barreira cada vez
Até aqui abordamos um maior dentro das classes sociais,
feminismo centrado em uma vi- onde o assalariado estaria a ser-
são mundial, de onde parte os an- viço do desenvolvimento de uma
seios sociais de diferentes grupos minoria, sendo que a única valo-
agregados a uma luta de classe rização do trabalhador seria a sua
que representa a grande maioria mão de obra a baixo custo.
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Devemos lembrar aqui mais humilhado e explorado:

que dentro das imposições do ca-


De uma maneira ge-
pitalismo as questões de gênero ral, no seio da socie-
dentro de uma sociedade patriar- dade, ela [a mulher]
aparece como o ser
cal eram tão absurdas quanto às
mais oprimido, mais
do negro, essas questões envol- humilhado, mais ex-
viam a vinculação da mulher à plorado. Ela é ex-
plorada, até pelo ex-
família, onde a mesma estava em
plorado, batida pelo
função do trabalho doméstico/ homem rasgado pela
familiar, ou com baixos salários palmatória, humilha-
da pelo homem es-
colocando-as a margem do po-
magado pela bota do
der econômico e político, o que patrão e do colono
de certa forma controlava a força (MACHEL, 1976, p.
18).
feminina.

Esse pequeno olhar so-


Por tanto vencer o
bre a formação das relações entre
opressor só com aluta dos opri-
capitalismo e a sociedade brasi-
midos, e nesse sentido a mobili-
leira define saber que ao subjuga-
14
zação feminina toma frente das
mento e opressão, não são temas
maiores demandas sociais, im-
contemporâneos, mas que o des-
postas pela visão parcialista de
pertar conciso para a ocupação
um neoliberalismo, que maquia
do front das lutas pelas mulheres,
as verdadeiras intenções e ações
estão cada vez mais incisivos e
do capitalismo antissocial.
presentes no nosso dia a dia, para
As lutas feministas que
(Samora Machel, 1976) ela enten-
iniciam no século XIX e se in-
de que a mulher sempre foi o ser
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tensificaram a partir do final do outras companheiras


(…) sentiam-se mais
século XX, estrutura diferentes
livres para se expres-
pensamentos correlacionados sarem e darem suas
com o abatimento de ideias re- opiniões no meio de
outras mulheres, li-
trogrades que minimizavam o
vres dos preconcei-
papel da mulher na sociedade e tos (GONZÁLEZ,
as libertavam de um escravismo 2010, p. 65).

velado, dado que para além das

funções assalariadas, as mulhe- Nesse sentido que os

res ainda teria que cuidar da casa questionamentos passam a ga-

e estar a serviço do opressor do- nhar espaço e apoio, fomentando

méstico que seria o homem, es- uma luta defensiva em prol de um

sas lutas como bem afirma (Gon- todo como bem afirma (Arruzza,

zález, 2010) abre caminho para et al.,2019) em seu manifesto,

questionar seus direitos dentro “Feminismo para os 99%”, o qual

da sociedade, de acordo com a abordará no tópico posterior. As

autora: bandeiras levantadas nos movi-

mentos serviam como escudo e


Lutando juntas, as 15
passo para a liberdade, a inexorá-
mulheres tinham
mais possibilidades vel proposta das feministas ten-
de êxito na hora de diam a representatividade coleti-
defender seus inte-
va, e na concatenação com outros
resses do que se lu-
tassem separadas. grupos marginalizados, fundava-
Além disso, as mu- -se com objetivo concreto a busca
lheres entendiam
por dias melhores, sendo que os
melhor os problemas
e as demandas das mais diferentes grupos sofreram/
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sofrem a marginalização e exclu- tégica as relações e correlações

são como afirma (Martuscelli, existentes entre grupos sociais,

2020): nesse momento que a traça, do

neoliberalismo destrói tudo de


A sobreposição e in-
forma discreta, porem com o
tersecção de identi-
dades sociais e dos tempo chega a torna e as vozes
sistemas relacio- precisam ser ouvidas e as ações
nados de opressão,
respeitas e a luta planejada com
dominação, discri-
minação, injustiça o objetivo de dissipar as traças
social e desigualdade do neoliberalismo, por tanto para
– que se expressam
que haja o rompimento das corre-
no racismo, sexismo,
xenofobia, homofo- tes opressoras capitalistas é fun-
bia, transfobia etc. damental que a luta pela eman-
– não se apresentam
cipação feminina seja pontual
num vácuo histórico.
(MARTUSCELLI, e que agregue o maior numero
2020, p´80) possível de seguidores, as ideias

marxista pulsam nas vozes des-


O que quer dizer que, sa mulheres e que a radicalidade
16
todos os problemas de domina- seja elemento fundamental nas
ção opressão não são atuais, mas demandas das lutas como bem
construídos ao logo da história afirma (Valadares, 2016)
com forte influência do capitalis-

mo segregador e de ideias libe- Do ponto de vis-


ta marxista sobre a
rais que fascina superficialmente
questão do gênero,
o olhar do individuo, mas que surge o feminismo
corrói de forma velada e estra- emancipacionista,
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que visa a tão so- trói sentidos de compartilhamen-


mente puxar o fio to de força e de objetivos como
da radicalidade até o
bem afirma (Saffioti, 2015)
patamar da transfor-
mação da sociedade
e continuar puxan- O feminismo traz,
do até o processo de em seu bojo, um po-
construção de uma tencial crítico capaz
nova, em todas as de apontar caminhos,
suas etapas, enquanto trilhas, picadas para
persistir a força es- se atingir o alvo ex-
trutural/cultural [ou presso e desejado (...)
dominação-explora- isto não basta; é pre-
ção] da opressão de ciso saber utilizá-lo,
gênero (VALADA- selecionando as me-
RES apud SCHAEF- lhores estratégias em
FER, 2016). cada momento (...) o
objetivo das (os) fe-
ministas consiste em
No Brasil e no mudo as transformar a socie-
relações de dependência ainda dade, eliminando as
desigualdades, as in-
fazem parte do dia a dia, porem
justiças, as iniquida-
essa dependência tem dado es- des, e instaurando a 17
paço para o ( in) que contesta a igualdade. (...). (SA-
FFIOTI, 2015, pág.,
opressão e o subjugamento, as
10)
lutas os anseios despertam do

olhar de cada ser marginalizado

a vontade de buscar seus direitas


O FEMINISMO QUE RE-
e defender o seu espaço, as lutas
PRESENTA OS 99%
femininas são espaços que agre-

gam os diferentes grupos, cons-


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Os movimentos femi- ca a imagem das mulheres como

nistas que desabrocham na so- seres submissos e dependentes

ciedade, com intensificação a do homem, nesse contexto não

partir de manifestos que se dis- apenas as mulheres são inviabi-

tribuiriam pelo mundo como o lizadas como diferentes grupos

“Manifesto feminista”, busca sociais que vivem a margem da

despertar os olhares para os mias sociedade ou são lá colocados

diferentes grupos invizibilizados por visões e ações estereotipadas

pela sociedade e achatados pelo que depreciam o ser humano.

capitalismo que se mutua a par- As autoras Cinzia Ar-

tir do contexto em que é exposto. ruzza, uma das grandes femi-

Não só um movimento centrado nista italiana, professora da New

em torno da uma luta anticapita- School of Social Research de

lista como também a pregação de Nova Iorque e autora do livro

uma visão neoliberal, que destrói Marxismo e feminismo: Entre

a maioria e torna a sua força e Casamentos e divórcios é uma

luta como algo improprio e sem a das mais ferrenhas apoiadoras da

devida necessidade de existência. greve internacional das mulheres


18
No livro Feminismo nos Estados Unidos. Tithi Bhatta-

para os 99%: um manifesto lan- charya é professora associada de

çado em edição brasileira pela história do sul da Ásia na Purdue

editora Boitempo no ano de 2019, University, é uma feminista mar-

nos traz uma ideia exata do que o xista de destaque e uma das orga-

movimento feminista deva lutar nizadoras da greve internacional

contras as hegemonias arraiga- das mulheres e Nancy Fraser é

da na sociedade onde personifi- filósofa, titular da cátedra Henry


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A. and Louise Loeb de Ciências de uma imagem igualitária so-

Políticas e Sociais da New Scho- frem impactos quando se obser-

ol University, em Nova Iorque e, va que mesmo sendo um cargo de

autora de obras como Fortunes of chefia a mulher estará subjugada

feminism, Feminist contentions, por uma figura masculina em um

entre várias outras traduz o con- cargo superior.

ceito mais amplo e que agreva os A “encruzilhada” da

delenimantos produtivos dos mo- qual as autoras reforçam o seu

vimentos e para que os mesmos manifesto está justamente em

devam acontecer. entender que mesmo as mulhe-

A ideia das autoras nos res estando ocupando cargo de

traz uma visão de que forma esta chefia, isso só representa 1% do

se construído socialmente uma total, que por tanto os 99% ain-

visão minoritária do feminismo, da estão em uma sociedade que

onde as lutas de classes tem dado as vê com indivíduos inferiores,

espaço, ou por vezes sofrido, com isso principalmente quando parte

realidade superficial, onde pou- de uma visão masculina. O que

cos constroem a visão do coletivo. se torna evidente nesse emara-


19
O que se entende nessa perspec- nhado de negações, subjugamen-

tiva e de acordo com o manifesto tos, restrições, invisibilidade en-

feminista é que as poucas figuras tre vários outros conceitos, é que

femininas que estão em cargos o capitalismo é o regente dessas

do alto escalão, têm defendido de situações como bem afirma as

forma genérica que as mulheres autoras.

estão sendo representado social- O processo que se cons-

mente, esse projeto de edificação trói em torno da figura feminina


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e dos diferentes grupos inviabili- pital, embora as mulheres sejam

zados como: negros, gays, ciga- seres ativos e que desenvolvem

nos, pobres entre outros é que se um trabalho indispensável na e

há uma ótica construída dentro para a sociedade, não há nenhum

de duas vertentes opostas, onde tipo de recompensa por isso, nes-

de um lado o capitalismo seria a sa perspectiva o ativismo femini-

base da igualdade nesse sentido a no defendido na marcha encontra

concepção de ascensão feminina um terreno fértil de discussões,

e reconhecimento possibilitaria considerando não só questões

equiparação social que encontra- trabalhistas como entendendo

ria lugar dentro da cadeia econô- que não existe apenas a concen-

mica. Na outra vertente estão os tração de salario, mas entenden-

grupos de mulheres que veem o do que as mulheres também são

capitalismo como o grande em- vitimas de assédios, agressões

pecilho para a conquista de um sexuais invisibilidade no traba-

feminismo para todos. lho, visões preconceituosas, que

As ideias embasadas por vezes determinou o papel e o

nessa ultima vertente é caracte- lugar da mulher dentro da socie-


20
rístico do feminismo defendido dade.

pelas organizadoras da marcha O surgimento dos mo-

“Huelga Feminista”, que acredi- vimentos feministas tende a re-

tam que a liberdade e a igualda- presentar os anseios das mulhe-

de sejam premissas de um novo res outras classes subjugadas e

mundo. Esse ideário está centra- inferiorizadas. A ideia que existe

do principalmente no papel do um feminismo liberal onde acre-

genro no desenvolvimento do ca- dita-se que as mulheres possam


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alcançar seus espaços através de o direito e o bem-estar desses

suas ações e capacidades está 99% em favor de uma minoria,

dando espaço a uma nova visão de uma liberdade que não repre-

de feminismo, abolindo e des- senta a totalidade, e que escon-

mistificando essa imposição de de através das arestas do tempo

ideário igualitário em prol de um uma perpetuação preconceituosa

novo feminismo que impulsione de ações em desfavor dos menos

os ajustes estruturais e não sirva favorecidos.

de preceito para ocultar o neoli- A liberdade e a proteção

beralismo e que apoiam politi- estarão ameaçadas pelo neoli-

cas regressivas sob a “ótica” de beralismo assim acredita as au-

emancipação. toras, pois o mesmo remodela a

Os movimentos femi- opressão de gênero, no entanto a

nistas regram-se pela procura de liberdade dessa opressão dar-se-á

uma luta anticapitalista e ao tem- pela ocupação de seu espaço e lu-

po que favoreça não apenas 1% gar de fala feminina alinhado em

das mulheres, mais sim a grande conformidade com a defesa de

maioria massiva, que enfrentam gênero transformado o sistema


21
desafios diários dentro da socie- social subjacente onde os direitos

dade. As lutas que buscam repre- das mulheres são ocultados. A

sentar os 99%, como bem afirma opressão dos direitos dos mesmos

as autoras o feminismo deve ter favorecidos está sob a direção do

por objetivo “atracar as raízes capitalismo, que determina de

capitalistas da barbárie metastá- que forma os sujeitos podem vi-

tica” (pág. 41). Nessa perspectiva ver em sociedade. A crise que o

o feminismo busca não sacrificar capitalismo origina não está ape-


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nas na exploração do trabalho as- tos do feminismo para os 99%. O

salariado, mas tombem nas con- mercado de trabalho buscou ao

sequências da sua exploração dos longo dos tempos construir ima-

sujeitos da sociedade, na opres- gens distantes da realidade, os

são de gênero na discriminação e sujeitos estão expostos a regras

por vezes na subordinação da re- de condutas dentro do espaço de

produção social que visa o lucro. trabalho, de acordo com as auto-

O capitalismo depende da mu- ras havia restrições com relação

lher para a produção de mão de a opção sexual e exposição no es-

obras, ou seja, como reprodutora paço de trabalho, tudo isso para

natural da vida, a mulher está su- beneficiar a ordem capitalista,

bordinada ao capital, tendo ela o com o tempo na busca por man-

papel vital da reprodução social, ter o ganho capital vendendo as

o que de fato é ocultado em nos- imagens de pessoas que vivam

sa sociedade. Não apenas a força fora das famílias heterossexuais,

feminina é explorada pelo capital como afirma as autoras “Na so-

como também o “dom de conce- ciedade capitalista, o sexo vende-

ber a vida”. e o liberalismo o comercializa


22
Nesse enredo em que em muitos sabores”(pág. 70).

o capitalismo determina a ação Os entrelaçamentos

dos sujeitos na sociedade, oprime entre o capitalismo, o racismo,

os menos favorecidos, e os dife- a luta de classe a homofobia, a

rentes grupos sociais, ele tam- destruição da terra, preconceito

bém busca regular a sexualidade entre outras opressões, estão en-

dentro da sociedade, esse tipo de raizados dentro da sociedade. A

violência é um dos enfrentamen- visão feminista determina que


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os vários processos que tende a mas majoritárias em tamanho.

inviabilizar os grupos menores A alienação social or-

possuem raízes fecundas no ca- questrada pelo capitalismo define

pitalismo e nas ideias neolibe- as ações até que haja uma subver-

rais, que estruturam visões igua- são de valores na luta pela igual-

litárias distantes da realidade. dade da maioria. O manifesto co-

A produção de caminhos para munista de Marx e Engel 1848, já

reverter essa situações encon- preconizava a ação dos sujeitos,

tram caminhos fecundos nas lu- unificando as forças nas lutas,

tas feministas, mas não apenas intencionalizando as mesmas na

em um representação superficial tentativa de um dia abolir o capi-

que busque sequestrar o direito talismo, para só então a igualda-

de fala da maioria em detrimen- de e equiparidade fazer parte da

to de uma maioria, que estando nova ordem social. Essa unifica-

ocupando os cargos de chefia nas ção não será apenas de mulheres,

grandes empresas, não fazem mas também de diferentes gru-

nada em favor das minorias, isso pos sociais como: negros, LGB-

por que o capital determina as TQI+, mulheres, índios, judeus e


23
ações desses sujeitos. Mesmo que outros grupos que se veem mar-

as mulheres estejam ocupando as ginalizados pelo capital voraz,

multinacionais, sempre estarão que permeia a sociedade.

submissas ao capital, por tanto O feminismo para os

esse 1% das mulheres ocupando 99% traduz os anseios sociais de

os altos escalões não representam igualdade, direito e respeito às

os 99% que compreende todas as mulheres frente às demandas de

classe minoritárias em direitos uma realidade opressora, que jul-


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ga e determina os caminhos que to grupo da sociedade brasileira.

as mulheres tendem a tomar, em O campo da luta e de

face de uma estrutura capitalis- embates feministas está centrado

ta que coopta grande parcela da na capacidade de mudança que

população onde essas mulheres os movimentos organizados po-

estejam a serviço de uma estru- dem propiciar no interior da so-

tura, racista, sexista, preconcei- ciedade e na tentativa de resolu-

tuosa, elitista e segregacionista ção de problemas, essa é a grande

que inibe o poder dos menos fa- bandeira defendida pelas autoras

vorecidos e subjugam os direitos do manifesto. Não existe um ca-

e ações desenvolvidas por aque- minho fácil e emancipatório ao

les que buscam sobressair de si- mesmo tempo, diante do poder

tuações socialmente inferiores. opressor do neoliberalismo e do

Os resultados das lutas revelam capitalismo, como produtores

e ao mesmo tempo aproxima os dos mais diferentes desastres so-

diferentes sujeitos da realidade ciais que atingem as parcelas da

vivida pelas mulheres em senário sociedade que não se “adequam”

social dentro ou não do campo à corrosividade do capitalismo.


24
de lutas feministas, mas também Por isso a luta por uma socieda-

das relações existentes entre essa de anticapitalista. O feminismo

luta e as classes necessitadas de para os 99% é um manifesto que

representação, que sofrem mo- tem como ponto central das dis-

mentaneamente com o racismo, a cussões o fato de que o direito de

discriminação, a xenofobia entre parte da população é despojado

outras formas de preconceito, in- em benefício de uma minoria de

viabilizam o ser humano, ou cer- 1%, que não representa os 99%.


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A mudança necessária repensar o papel e importância

está principalmente porque o 1% da mulher na/para a sociedade

que alcança o âmago do capita- Nessa linha de pensamento a au-

lismo, não busca reverter a lógica tora (D’alessandro, 2016) defende

imprópria das estruturas arrai- uma sociedade igualitária, e evi-

gadas na sociedade em benefí- dencia a opressão que as mulhe-

cio dos 99%. A insurgência dos res sofrem diariamente dentro do

grupos invisibilizados seria, na processo capitalista destrutivo.

perspectiva das autoras, o cami- O “feminismo para

nho da mudança, assim como a 99%” é uma obra que traz discus-

construção de uma ótica antica- sões, que perpassam o simples

pitalista. As ideias descritas pe- questionamento e evidenciam

las autoras do livro se entrelaçam a imersão em um vasto e rico

com a visão das autoras (Faria e campo de luta, na busca por va-

Moreno, 2017), que definem que lorização e respeito. O feminis-

o capitalismo assim como o ra- mo defendido pelas autoras não

cismo e o patriarcado formam abrange apenas a luta das mu-

modelos de múltiplas domina- lheres, mas também a de todos


25
ções, tornando-se violentos nos os grupos inviabilizados pela so-

seus mecanismos de acumulação. ciedade, que sofrem com a falta

A reversão de ideia onde a mu- de direitos, igualdade e respeito.

lher é vista pela sociedade ma- As lutas feministas da atualidade

chista, não como um ser social, de acordo com (Arruzza, 2017)

mas por várias vezes um produto é considerada um dos caminhos

ou objeto a serviço de algo ou al- valorativos para as lutas de clas-

guém, pode ser um caminho para ses e representa os anseios femi-


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nistas frente à construção de uma um processo estanque, neutro ou

nova sociedade, tornando-se algo passivo, a luta feminista que ten-

emancipatória e libertador, e visa de a representação dos 99%, não

à construção de ideias anticapita- busca apenas vencer as barreiras

listas para a compreensão social autoritárias e dominantes do ca-

e plural que represente um todo pitalismo, mas dar voz a um sem

de uma sociedade. número de pessoas, que sofrem

diariamente com a opressão, ra-

CONCLUSÃO cismo, xenofobia, preconceitos

Ao mesmo tempo em das mais diferentes estruturas.

que pensamos fechar esse tra- O feminismo represen-

balho, chegamos à conclusão de tativo embasado pelas ideias mar-

que não há uma conclusão, dada xistas e manifestado na marcha

as inquietações emergentes das das mulheres que acontece em

discussões diárias, das lutas e todo mundo desde o ano 2000,

embates que os diferentes grupos não é uma luta visionária para

liderados ou não por mulheres chegar ao poder, mas pelo res-

vem travando contra o capitalis- peito e igualdade entre homens


26
mo opressor e um neoliberalismo e mulheres, o respeito para todos

fascista. O ponto central é que, os grupos marginalizados como

se concluímos as nossas ideias, negros, LGBTQ+ e outros. A luta

e fechamos nossos pensamentos, ela contrapõe a ideia do neolibe-

estaremos rompendo com a ide- ralismo e os princípios políticos

ologia de luta de enfrentamento que o capital sustenta atualmen-

das diversidades que a sociedade te, buscando romper as alianças

vive contemporaneamente. Não é existentes entre o neoliberalismo


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progressista e as forças femini- opressoras, é destacar o lugar de

nas do Faça Acontecer, centrados fala das mulheres, constituindo-

na ideia que tudo depende da mu- -as como protagonistas do seu

lher, onde o capitalismo não in- futuro, por tanto precisa ser uma

terfere na posição em que a mes- luta diária, vencendo as amarras

ma ocupa na sociedade. do capitalismo.

As lutas feministas são

oportunidades de colocar no REFERÊNCIAS

auge desejos e anseios de dife-

rentes grupos sociais que sofrem APEOESP Notícias – Assem-

com as imposições desastrosas bleia estadual 8 de março. Publi-

do capitalista e suas raízes me- cado em 03/03/2017.

ritocratas como o neoliberalis- Disponível em: http://www.

mo e uma democracia, que está apeoesp.org.br/noticias/noti-

a serviço do capital e não do cias-2017/assembleia-estadual-

social. A capacidade norteadora 8-de-marco-quarta-14h30-vao-

das ações feministas determina a -livre-do-masp/ Acesso em 22

construção de ideais alicerçadas mai. 2021.


27
no direito celebrado diariamente ARRUZZA, C.; Bhattacharya,

de conquistas, capitando diferen- T.; Fraser, N. Feminismo para os

tes grupos em prol de uma causa 99%: um manifesto. São Paulo:

de liberdade, junto a uma visão Boitempo, 2019.

anticapitalista, antineoliberalis- D’ALESSANDRO, Mercedes.

ta e antirracista. A primazia dos Economía feminista: Cómo criar

movimentos feministas é promo- una sociedad igualitária (sin per-

ver um revolte contra as forças der el glamour). Espanha: Suda-


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mericana, 2016.

FARIA, Nalu; MORENO, Rena-

ta. Desafios para enfrentar o con-

flito do capital contra a vida: Nós

mulheres seguimos em luta! São

Paulo: SOF, 2017.

GONZÁLEZ, Ana Isabel Álva-

rez. As origens e comemoração

do Dia Internacional das Mulhe-

res. São Paulo, Expressão Popu-

lar; SOF: Sempreviva Organiza-

ção Feminista, 2010.

MARTUSCELLI, Danilo Enrico

(org.) Os desafios do feminismo

marxista na atualidade / Danilo

Enrico Martuscelli (org.) - 1. ed.

- Chapecó, Coleção marxismo21,

2020.
28
SAFFIOTI, Heleieth. Gênero,

Patriarcado, Violência. São Pau-

lo, Expressão Popular, 2015.


UM ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE ESTE-
REÓTIPO DE GÊNERO E INVISIBILIDADE FEMI-
NINA NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

A STATE OF KNOWLEDGE ABOUT GENDER STE-


REOTYPE AND FEMALE INVISIBILITY IN SCIEN-
CE EDUCATION

Raquel de Abreu Fochesato Quidigno1

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira2

Sérgio Camargo3
Tania Teresinha Bruns Zimer4

Resumo: Nos últimos anos é ninas e mulheres a ingressarem e


perceptível a abordagem sobre permanecerem na área. A presen-
a temática da presença das mu- te pesquisa tem como objetivo
lheres na Ciência, bem como a construir um estado do conheci-
importância de dar visibilida- mento sobre os estudos acerca do
de à história e aos feitos dessas estereótipo de gênero, da invisi-
29
cientistas. Contudo, obstáculos bilidade feminina e da presença
à presença feminina no campo das mulheres nas Ciências, em
científico, como o sexismo e a trabalhos apresentados nas últi-
concepção de uma Ciência an- mas cinco edições do ENPEC.
drocêntrica, desestimulam me- Partindo da análise de 26 traba-

1 Universidade Federal do Paraná (UFPR)


2 Universidade Federal do Paraná (UFPR)
3 Universidade Federal do Paraná (UFPR)
4 Universidade Federal do Paraná (UFPR)
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lhos foi notável a necessidade da staying in the area. This research

abordagem da temática de gêne- aims to build a state of knowledge

ro, principalmente no tocante da about studies about gender stere-

presença das mulheres nas Ciên- otype, female invisibility, and the

cias precocemente na Educação presence of women in Sciences,

Básica visando equidade entre os in works presented in the last

gêneros para a promoção de uma five editions of ENPEC. Based

Educação em Direitos Humanos. on the analysis of 26 papers, the

need to address the gender theme

Palavra-chave: Educação em was notable, especially about the

Ciências. Mulheres na Ciência. presence of women in Science

Gênero e Ciência. Educação em early in Basic Education, aiming

Direitos Humanos. at equity between genders for the

promotion of Education in Hu-

Abstract: In recent years, the man Rights.

approach on the theme of the pre-

sence of women in the science is Keywords: Science Education.

noticeable, as well as the impor- Women in Science. Gender and


30
tance of giving visibility to the Science. Human Rights Educa-

history and the achievements of tion.

these scientists. However, obsta-

cles to the female presence in the INTRODUÇÃO

scientific field, such as sexism Os espaços ocupados

and the conception of an andro- por mulheres na sociedade vêm

centric Science, discourage girls sendo pensados, repensados e

and women from entering and problematizados de diferentes


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maneiras nos últimos anos. Com sar tanto a própria Educação em

o caso das mulheres cientistas Ciências , como a formação de

não têm sido diferente. Diversas professores que irão ensinar Ci-

autoras e diversos autores, nos úl- ências se faz necessário.

timos 40 anos, vêm se esforçado Toda via, uma pergunta

para dar visibilidade e crédito às permanece: seria possível pensar

cientistas que contribuíram e ain- uma Educação em Ciências que

da contribuem para a construção trouxesse visibilidade às cientis-

do conhecimento científico (Sil- tas, proporcionasse o interesse

va, 2012; Silva; Ribeiro, 2014). das meninas pelas Ciências e ain-

Afinal, o que seria a Ciência que da combatesse a discriminação e

não um conjunto de constructos o preconceito?

de mulheres e homens? Para melhor compre-

No entanto, as dificul- ender o que e como estão sendo

dades que permeiam o ingres- tratadas e abordadas as questões

so e permanência das mulheres relativas à presença das mulheres

na Ciência, principalmente nas na Ciência no âmbito da Educa-

ditas “áreas duras”, se perpetu- ção em Ciências, buscou-se re-


31
am (Lima, 2008; Silva; Ribeiro, alizar esta pesquisa de caráter

2014). As barreiras para que haja qualitativo. Portanto, a presente

uma Ciência feita também por investigação tem como objetivo

mulheres começam a ser insta- construir um estado do conhe-

ladas desde a Educação Básica cimento (Marosini e Fernandes,

por meio do reforço e reprodução 2014; Marosini, 2015) sobre os

da ideia de uma Ciência andro- estudos acerca do estereótipo de

cêntrica . Dessa maneira, repen- gênero, da invisibilidade femi-


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nina e da presença das mulhe- em Direitos Humanos caminhas-

res nas Ciências, em trabalhos sem lado a lado. Assim,

apresentados nas últimas cinco


[...] os seguintes ele-
edições do Encontro Nacional de
mentos deveriam
Pesquisa em Educação em Ciên- ser afirmados nos
cias (ENPEC). diferentes âmbitos
educativos: a visão
integral dos direitos;
EDUCAÇÃO EM DIREITOS uma educação para
HUMANOS, GÊNERO E o “nunca mais”; o
desenvolvimento de
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
processos orientados
à formação de sujei-
A Educação em Direitos to de direito e atores
sociais; e. promoção
Humanos, tem sido objeto cres-
do empoderamento
cente de investigações e debates individual e coletivo,
em diferentes países latino-ame- especialmente dos
grupos marginaliza-
ricanos nos últimos anos. Nos
dos ou discriminados
anos 1980/1990, houve uma ca- (Candau e Sacavino,
racterística muito particular com 2013: 61).
32
relação a luta para uma Educação

em direitos Humanos: a busca Levando em conside-

pela consolidação da democracia ração esses aspectos, busca-se a

(Candau, 2007, 2012; Candau e seguir aprofundar os significados

Sacavino, 2013). Dessa maneira, de cada um desses elementos, al-

é possível elencar alguns elemen- mejando correlacioná-los com a

tos fundamentais para que a bus- temática de gênero e a Educação

ca pela democracia e a Educação em Ciências.


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O primeiro aspecto, a consciência nos alunos de que

visão integral dos direitos, se re- esses são sujeitos de direito, o

fere ao entendimento mais amplo terceiro elemento fundamental

dos Direitos Humanos para além elencado por Candau e Sacavino

da abordagem reducionista dos (2013). Uma vez que, “os pro-

direitos individuais, civis e políti- cessos de Educação em Direitos

cos. Buscando contemplar outros Humanos devem começar por

direitos como os econômicos, so- favorecer processos de formação

ciais, culturais e aqueles relacio- de sujeitos de direito, a nível pes-

nados ao meio ambiente (Candau soal e coletivo, que articulem as

e Sacavino, 2013). Nesse aspec- dimensões ética, político-social

to, uma Educação em Ciências e as práticas concretas” (Candau,

que busca a promoção da alfa- 2007: 404).

betização científica, desenvolver O segundo elemento

a criticidade em seus alunos por fundamental seria o “educar para

meio de práticas socioeducacio- nunca mais”, que visa “resgatar

nais que “favorecem dinâmicas a memória histórica, romper a

participativas, processos de di- cultura do silêncio e da impuni-


33
ferenciação pedagógica, a utili- dade que ainda está presente em

zação de múltiplas linguagens e nossos países” (Candau, 2007:

estimulam a construção coletiva” 405). Pensar o “educar para nun-

(Candau, 2012: 246). ca mais” na Educação de Ciên-

Por consequência, prá- cias é dar espaço, visibilidade a

ticas socioeducacionais na Edu- trajetórias femininas, com todas

cação em Ciências podem con- as suas angústias, obstáculos,

tribuir na construção de uma conquistas, é manter viva a me-


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mória muitas vezes apagada ou to” começa por libe-
rar a possibilidade,
minimizada da cientista mulher.
o poder, a potência
Tal aspecto, “implica em saber que cada pessoa tem
reler a história com outras chaves para que ela pos-
sa ser sujeito de sua
e olhares capazes de mobilizar
vida e ator social. O
energias de coragem, justiça, es- “empoderamento”
perança e compromisso que fa- tem, também, uma
dimensão coletiva,
voreçam a construção e exercício
trabalha com grupos
da cidadania” (Candau e Sacavi- sociais minoritá-
no, 2013). Apenas dessa maneira rios, discriminados,
marginalizados, etc,
é possível pensar na construção
favorecendo sua or-
de uma identidade na pluralidade ganização e partici-
(Candau, 2007). pação ativa na socie-
dade civil (Candau,
O quarto elemento é
2007: 405).
o empoderamento de indivídu-

os e/ou grupos marginalizados.


Esse empoderamento
As mulheres cientistas por anos
pode ser percebido na organiza-
foram apagadas da História das
ção de mulheres pesquisadoras 34
Ciências. Trazer essa temática na
que dão luz e abordam a temática
Educação em Ciências é possibi-
de gênero em suas investigações.
litar que haja um empoderamento
Pode ser promovido por meio de
feminino perante a uma Ciência
práticas e abordagens da temáti-
com caráter ainda androcêntrico.
ca nas aulas de Ciências na Edu-
Nesse sentido,
cação Básica, buscando romper

com preconceitos e com a ideia


O “empoderamen-
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de Ciência androcêntrica. Ao

apresenta a possibilidade a uma PERCURSO METODOLÓGI-

menina/mulher de que ela pode CO

sim ser cientista, que a profissão

e a área do conhecimento nada A presente pesquisa

tem a ver com o gênero, o profes- qualitativa tem como objetivo

sor da Educação Básica e/ou En- construir um estado do conhe-

sino Superior poderá promover o cimento (Marosini e Fernandes,

desenvolvimento de um processo 2014; Marosini, 2015) sobre os

de libertação, de empoderamen- estudos acerca do estereótipo de

to. gênero, da invisibilidade femi-

Para que essa mudança nina e da presença das mulhe-

realmente aconteça, nos últimos res nas Ciências em trabalhos

anos percebe-se uma tendência apresentados nas últimas cinco

em investigar como colocar em edições do ENPEC. Segundo

prática e promover a Educação Marosini e Fernandes (2014), a

em Direitos Humanos. Nesse utilização de trabalhos apresen-

sentido, procurando compreender tados em eventos da área como


35
como as pesquisas em Educação corpus de uma pesquisa de esta-

em Ciências vem percebendo a do do conhecimento possibilita

temática das mulheres nas Ciên- perceber o emergente e por vezes

cias e possíveis correlações com o pensamento expresso por uma

a promoção de uma Educação em determinada comunidade acadê-

Direitos Humanos na Educação mica.

em Ciências iniciou-se o percur- A escolha do ENPEC

so investigativo descrito a seguir. ocorreu pelo fato desse even-


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to ser o maior dentro da área de balhos que investigam as

Educação em Ciências em âm-


relações entre Edu-
bito nacional. O ENPEC é um
cação em Ciências
evento realizado a cada dois anos e temas como inclu-
desde 1997, que em sua última são, gênero, religião,
classe; educação
edição em 2019 contou com cer-
para relações étni-
ca de 1208 participantes. O perfil co-raciais; educação
dos participantes é variado, sen- do campo, indígena,
quilombola e de ou-
do desde graduandos na área até
tros grupos sociais
pesquisadores renomados. específicos; políticas
Para observar a aborda- de ações afirmativas
(ABRAPEC, 2019).
gem da temática do estereótipo

de gênero, da invisibilidade fe-


O processo de análise
minina e da presença das mulhe-
aqui apresentado foi realizado à
res nas Ciências em produções
luz da Análise Textual Discur-
da área da Educação em Ciências
siva (ATD) que “corresponde a
inicialmente foram pesquisados
uma metodologia de análise de
nos sites das edições de 2011,
informações de natureza quali- 36
2013, 2015, 2017 e 2019 os arqui-
tativa com a finalidade de produ-
vos dos trabalhos completos apre-
zir novas compreensões sobre os
sentados nos eventos. Optou-se
fenômenos e discursos” (Moraes
por analisar apenas os trabalhos
e Galiazzi, 2016: 13). O ciclo de
apresentados na linha temática
análise auto-organizado proposto
“Diferença, multiculturalismo,
pela ATD pode ser pensado em
Interculturalidade” . A escolha
três momentos principais: a des-
da linha se deve por englobar tra-
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montagem dos textos, o estabele- nados todos os trabalhos apre-

cimento de relações, a captação sentados nessa linha temática

do novo emergente do ENPEC, formando um total

No primeiro momento de 356 trabalhos. A distribuição

do ciclo analítico foram selecio- desses trabalhos por ano pode ser

observada no Quadro 1:

FONTE: Os autores.

Como é possível perce- Esse processo inicial


ber pelos dados apresentados no de seleção do material se deu
Quadro 1, existe uma tendência pela leitura dos títulos e das pa-
de crescimento nas produções lavras-chave. Sendo selecionado
que abordam a temática de gê- aqueles que continham pelo me-
37
nero nos Encontros Nacionais de nos uma das seguintes palavras:
Pesquisa em Educação em Ciên- “gênero” e/ou “mulher(es)” e/ou
cias. As produções selecionadas “feminino(a)”. Em seguida, reali-
de acordo com a temática equiva- zou-se uma leitura flutuante dos
lem a cerca de 15,2% do total de 54 trabalhos previamente sele-
trabalhos apresentados na linha cionados a fim de encontrar ape-
temática “Diferença, multicultu- nas aqueles que abordam direta-
ralismo, Interculturalidade”. mente a temática do estereótipo
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gênero, da invisibilidade femi- ção Básica (ex.: Lima, Dantas e

nina e da presença das mulheres Cabral, 2015), e, também análise

nas Ciências. de livros didáticos (ex.: Costa e

Para a realização dessa Fernandez, 2019).

etapa optou-se por utilizar um Ao analisar a temática

software de apoio a análises qua- principal das discussões abor-

litativas o ATLAS.ti 8 que auxi- dadas nos trabalhos observou-se

lia o pesquisador no processo de que poderia ser pensada a divisão

análise de seus dados. Tal sof- desses trabalhos em dois blocos.

tware foi utilizado com a licença O primeiro deles que abordava a

educacional para usuário único. temática de Gênero e Ciências re-

Com a leitura dos 54 lacionando com aspectos da Se-

trabalhos alguns aspectos emer- xualidade e/ou Educação Sexual.

giram. Foi possível perceber que Todos os 28 trabalhos presentes

existe uma grande variedade de neste bloco apresentaram preo-

tópicos que são abordados quan- cupação com a reprodução da he-

do se trata da temática gênero e teronormatividade, do androcen-

Ciências. Essa diversidade tam- trismo e do sexismo na Educação


38
bém é percebida quanto ao obje- Básica e no Ensino Superior. As

to de pesquisa das investigações críticas apresentadas nos traba-

analisadas, que vão desde a for- lhos foram por vezes relativas à

mação docente (ex.: Batista et reprodução de preconceitos sobre

al., 2013), passando pela análise o papel da mulher na sociedade,

de produções acadêmicas (ex.: o determinismo biológico, bem

Silva, Santos e Heerdt, 2017), de como ao julgamento de suas ati-

práticas/intervenções na Educa- tudes, habilidades ou destrezas


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acadêmicas/profissionais. Dessa maneira, optou-

O segundo bloco, por -se por continuar o ciclo da ATD

sua vez, foi formado pelas pro- com os trabalhos desse segundo

duções que abordavam especi- bloco, visando aprofundar a aná-

ficamente a temática da presen- lise e buscando atingir o objetivo

ça das mulheres nas Ciências e, proposto. Assim, nesse segundo

consequentemente, o estereótipo momento de seleção dos traba-

de gênero e invisibilidade femi- lhos foram obtidos um total de 26

nina nessa área do conhecimento. produções. A distribuição dessas

Assim, esse segundo bloco reúne 26 produções de acordo com os

os trabalhos que abordam, anali- anos do ENPEC pode ser visuali-

sam, discutem e problematizam zada a seguir no Quadro 2.

a presença das mulheres na área

das Ciências.

QUADRO 2: TRABALHOS SELECIONADOS APÓS A LEITURA


DOS RESUMOS

39

FONTE: Os autores.

Percebe-se, portanto, da temática de Gênero nas pro-


que o crescimento da abordagem duções apresentadas no ENPEC
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também é refletido quando ob- Essa sistematização foi

servamos os trabalhos que focam fruto da leitura atenta dos 26 tra-

na questão da presença das mu- balhos para em seguida iniciar o

lheres nas Ciências. No Quadro prosseguimento ao ciclo de análi-

3, a seguir, estão explicitados se da ATD.

os trabalhos selecionados, bem

como um breve resumo sobre as

investigações apresentadas em

cada um deles.

QUADRO 3: TRABALHOS SELECIONADOS E SUAS RESPECTI-


VAS TEMÁTICAS

40
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42

FONTE: Os autores.
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Partindo dessas produ- gorias foram criadas a partir das

ções selecionadas no segundo unidades de análise construídas

bloco, continuou-se a primeira na etapa anterior. Esse modo de

etapa do ciclo da ATD: a des- constituir as categorias na ATD é

montagem dos textos. Nessa denominado de método indutivo

etapa houve a fragmentação do (Moraes e Galiazzi, 2016).

texto em unidades menores a

partir de uma releitura atenta e O QUE AS PESQUISAS FA-

minuciosa, buscando expressar LAM SOBRE A RELAÇÃO

sentidos por meio do texto lido. GÊNERO FEMININO E A

Essas unidades foram seleciona- EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

das nos textos por meio de uma

função no software ATLAS.ti Ao analisar as unidades

chamada de “citações”. Alguns selecionadas durante a primeira

desses trechos (citações) serão etapa da ATD, foi possível esta-

apresentados para exemplificar o belecer relações entre as mesmas.

processo de categorização. Para identificar as unidades que

O segundo momento da apresentavam ideias próximas foi


43
ATD trata-se de estabelecer rela- utilizada a função de criação de

ções entre as unidades do texto códigos no ATLAS.ti. Tal pro-

anteriormente selecionadas por cesso e organização resultou nas

meio do processo de categoriza- seguintes categorias: Da invisibi-

ção. Optou-se na presente pes- lidade feminina na História das

quisa de captar o que emergia Ciências ao empoderamento das

das produções analisadas sobre a cientistas; Desestímulo à parti-

temática. Dessa maneira, as cate- cipação feminina nas Ciências;


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Possibilidades de uma mudança. dos trabalhos analisados que re-

As categorias aqui apre- forçam a existência de uma invi-

sentadas também são resultado sibilidade das mulheres na Histó-

do referencial teórico adotado na ria das Ciências, a qual tem sido

presente investigação sobre pre- combatida e investigada nos últi-

sença das mulheres nas Ciências mos anos. São exemplos dessas

e a relação dessa temática vol- unidades os trechos a seguir:

tada à uma Educação em Direi-


Se considerarmos,
tos Humanos. A escrita a seguir por exemplo, a ques-
pretende explicitar as compreen- tão da visibilidade fe-
minina, notamos que
sões obtidas durante o processo
há uma ausência des-
de unitarização e categorização. se questionamento
Esse processo de produção escri- não apenas na Histó-
ria das Ciências que
ta sobre a análise é denominado
é comumente descri-
metatexto e pode ser compreen- ta, mas também nos
dido como a terceira e última eta- ambientes de ensino
de Ciências e Mate-
pa da ATD (Moraes e Galiazzi,
mática (Batista et al.,
2016). 2013: 3, grifo nosso).
44

Categoria Da Invisibilidade A História das Ciên-


cias invisibilizou as
feminina na História das Ci-
mulheres [...] (Lima,
ências ao empoderamento das Dantas e Cabral,
cientistas 2015: 7, grifo nosso).

A Ciência sempre foi


A presente categoria vista como uma ati-
engloba as “citações” (unidades) vidade praticada por
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homens e os estudos var nos trechos acima, abordar


históricos em rela- a invisibilidade feminina esteve
ção à participação
presente em diversos trabalhos
feminina no mundo
científico têm mos- nas últimas cinco edições do
trado uma quase au- ENPEC. Tal aspecto é apresenta-
sência de registros de
do buscando estabelecer um pon-
produção científica
feminina. No entan- to de referência para mostrar e re-
to, as mulheres es- forçar a importância da discussão
tavam presentes no
sobre gênero não só nas Ciências
meio científico, po-
rém invisibilizadas, em geral, mas também no Ensi-
muitas vezes dando no de Ciências. Apontando para
suporte ao pesquisa-
a necessidade de dar visibilidade
dor (Heerdt e Batista,
2017: 2, grifo nosso). a essas mulheres cientistas.

Neste tocante, diferen-


Várias são as pesqui-
tes trabalhos buscam também dar
sadoras que proble-
matizam a segrega- visibilidade a mulheres cientistas
ção social e política e suas trajetórias nas Ciências,
que mulheres foram
mesmo não sendo objeto direto
historicamente con- 45
duzidas como causa da investigação ali apresentada.
de sua invisibilida- Essa atitude objetiva combater a
de como sujeito, a
invisibilidade feminina na Histó-
qual também abran-
ge o empreendimen- ria das Ciências, como observa-
to científico (Chiari mos nas citações abaixo:
et al., 2019: 3, grifo
nosso).
Em nossas pesqui-
sas, resgatamos a
Como é possível obser- biografia de diversas
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pesquisadoras que significativas para a
deram contribuições dinâmica da produ-
significativas para ção de conhecimen-
o desenvolvimento to científico (Batista
e amadurecimento et al., 2013: 3, grifo
científico da área de nosso).
Ciências Biológicas,
como as pesquisa- Por meio desses e de
doras brasileiras: outros compilados
Bertha Lutz, Gra- foi possível conhecer
ziela Maciel Barro- mulheres interessa-
so, Maria José von das em Ciência, que
Paumgartten Deane, existiam desde as
Johanna Doberei- pitagóricas, mulhe-
ner, Marta Vanucci, res interessadas em
Mayana Zats; e as filosofia natural e as
internacionais: Edi- atenienses Hipátia e
th Rebeca Saunders, Agnodice, que não
Bárbara McClinto- tem a visibilidade da
ck, Rachel Carson, primeira, mas foi a
Rosalind Franklin, mais antiga mulher
Martha Cowles Cha- a ser mencionada pe-
se, Lynn Margulis. los gregos e estudou
Esse levantamen- medicina quando 46
to nos faz perceber mulheres eram proi-
que, pelo menos para bidas [...] (Figueire-
a área de Ciências do, Neto e Santos,
Biológicas, uma das 2019: 3, grifo nosso)
mais jovens dentre
as Ciências Naturais,
há uma rica partici- Os destaques realizados
pação de mulheres por nós nos trechos acima refor-
que historicamente
çam a importância e o objetivo de
deram contribuições
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apresentar essas trajetórias femi- na Educação Básica, no Ensino

ninas nas Ciências buscando dar Superior e na Pós-graduação,

visibilidade a essas mulheres que possibilitará o empoderamento

muitas vezes foram apagadas da feminino favorecendo que essas

história. Estudos sobre as cien- meninas/mulheres ocupem luga-

tistas e suas contribuições, resga- res nas Ciências e tenham seus

tando suas histórias vem crescen- feitos valorizados.

do desde os anos 1980 (SILVA,

2012; SILVA; RIBEIRO, 2014) e Categoria Desestímulo à parti-

essa retomada presente nos tra- cipação feminina nas Ciências

balhos apresentados no ENPEC Outro aspecto comum

são reflexos dessas investigações aos trabalhos analisados foi a

pioneiras. procura por motivos que deses-

Quando pensamos no timulam meninas/mulheres a in-

Ensino de Ciências a abordagem gressarem e ocuparem espaços

sobre a trajetória dessas cientis- nas Ciências. Expondo aspectos

tas deve ser realizada de maneira relacionados ao sexismo, à visão

a superar preconceitos e não re- de uma Ciência androcêntrica, à


47
forçar estereótipos com relação reprodução de estereótipos, entre

a participação das mulheres nas outros. Essa categoria é o oposto

Ciências. Para tal, também se faz do que se pensa quando falamos

necessário repensar a ideia tradi- de proporcionar uma Educação

cional e androcêntrica de como em Direitos Humanos, que com-

se fazer Ciências. Essa aborda- bata preconceitos e estereótipos

gem sobre as cientistas e suas de gênero na Educação em Ciên-

conquistas, nas aulas de Ciências cias. Os trechos a seguir exempli-


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ficam esse aspecto exposto: sões e desistências.
Esse distanciamento
também se dá no que
Constatou-se que di-
se refere ao alcance
versos dos aspectos
de maiores cargos na
culturais sinalizados
hierarquia acadêmica
pela literatura con-
(Araujo et al., 2017:
sultada, que influen-
2, grifo nosso).
ciam na não entrada
das mulheres na car-
As concepções es-
reira cientifica, en-
tereotipadas acerca
contram eco no texto
das “características
analisado (Menezes
ideais” que mulhe-
e Moreira, 2015: 1,
res devem ter para
grifo nosso).
determinadas carrei-
ras como as Ciências
A sociedade como
Naturais, sobretudo
um todo é construí-
a dicotomia “razão”
da como proprieda-
e “emoção”, carac-
de dominantemente
terísticas atribuídas
masculina e nas Ci-
essencialmente a
ências Exatas, campo
homens e mulheres,
ocupado majoritaria-
respectivamente,
mente por homens,
exercem grande in- 48
se explicita essa re-
fluência nos estereó-
lação de poder. Essas
tipos que distanciam
construções não só
as mulheres das áre-
afastam as mulhe-
as científicas, já que
res dessas carreiras,
moldam, socialmen-
como acarretam em
te, o que é ser cientis-
contextos discrimi-
ta no âmbito daquilo
natórios quando elas
que é construído
já́ estão nessas áreas,
como “natural”, e,
o que acaba, também,
assim, alimentam
afastando-as em eva-
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a relação desigual e que apareceram como motivos


de poder existente que geram esse desinteresse e a
na sociedade, e, por
desigualdade de gênero nas Ci-
consequência, nes-
sas áreas (Rosenthal ências são o reforço e reprodu-
e Rezende, 2017: 10, ção da Ciência androcêntrica em
grifo nosso).
situações em sala de aula, nos

discursos dos professores e nos


Infelizmente como per-
materiais didáticos. Esses aspec-
cebemos nas unidades acima,
tos estão presentes em unidades
diferentes investigações buscam
como as apresentadas a seguir:
apresentar, pensar e problemati-

zar os motivos que levam as mu- A ciência moderna


lheres a não ingressarem na área se estabeleceu valo-
rizando uma manei-
e/ou tem dificuldades de perma-
ra androcêntrica de
necer ocupando esses espaços. conhecer o mundo.
Nesse sentido, destacam-se os A identidade de gê-
nero tem sido com-
trabalhos de Araujo et al. (2017),
preendida como um
Mendes e Fonseca (2019) e Con- conjunto de perfor-
ceição e Teixeira (2019) que apre- mances associadas à 49
representação, e não
sentam as narrativas e trajetórias
à essência da pessoa.
de mulheres cientistas sobre as Isso faz com que me-
dificuldades e o preconceito en- ninas interessadas
em práticas científi-
frentados ao longo de suas car-
cas enfrentem confli-
reiras. tos entre a identidade
Outros aspectos que de- feminina construída
socialmente e a iden-
vem ser levados em consideração
tificação com as ci-
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ências, afetando e
limitando suas es- Ainda pensando em
colhas e trajetórias
uma Educação em Ciências que
escolares (Martins e
Lima Junior, 2019: 1, busque promover uma Educação
grifo nosso). em Direitos Humanos promoven-

do a equidade entre os gêneros,


Essa invisibilidade,
por vezes, é refor- muitos dos trabalhos apontam
çada por meio dos para um despreparo dos docen-
livros didáticos. Al-
tes. Esse despreparo, por vezes,
gumas pesquisas,
que realizaram aná- acaba por reforçar estereótipos
lise de questões de e desestimula as meninas/mu-
gênero nos livros di-
lheres a ingressarem na carreira
dáticos de disciplinas
das Ciências Natu- científica, como é explicitado nas
rais, evidenciam que unidades apresentadas a seguir:
o gênero feminino
ainda é representado
A educação constru-
de maneira estereo-
ída na escola pode
tipada, em que há a
ser um instrumen-
atribuição de papéis
to de transformação
relacionados a ativi- 50
social ou de refor-
dades como a manu-
ço de desigualdades
tenção da vida e do
[...]. No tocante a
lar, ocorrendo, em
gênero, muitos pro-
alguns casos, expli-
fessores reproduzem
cações determinísti-
suas concepções de
cas biológicas para
forma subliminar,
justificar as relações
contribuindo para
entre os gênero (Ba-
o fortalecimento de
tista et al., 2013: 3,
estereótipos e visões
grifo nosso)
distorcidas (Lima,
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Dantas e Cabral, professores/as não


2015: 3, grifo nosso). despertaram o seu
interesse por disci-
Pesquisas na área de plinas relacionas às
Educação em Ciên- áreas de Engenharia,
cias têm problema- como Física, Quí-
tizado o desinteres- mica e Matemática
se de mulheres por (Chiari e Batista,
carreiras científicas 2017: 2, grifo nosso).
e tecnológicas. Uma
das razoes citadas
Os 26 trabalhos analisa-
para essa falta de
interesse tem sido a dos são unanimes em falar que é
dificuldade das/dos necessária uma mudança concre-
docentes em identifi-
ta na maneira em que se pensa, se
car e trabalhar peda-
gogicamente com es- ensina e se aprende as Ciências
sas questões (Batista para desconstruir o estereótipo
et al., 2015: 1, grifo
do cientista e da Ciência andro-
nosso).
cêntrica. A próxima categoria irá
Ainda nessa pers- abordar como os trabalhos perce-
pectiva da escola
bem essas possibilidades de mu-
como um ambiente 51
que pode (des)esti- dar o cenário atual.
mular meninas a op-
tarem por carreiras
Categoria Possibilidades de
científicas, em áreas
tecnológicas e en- uma mudança
genharias, em uma
pesquisa desenvol-
A presente categoria
vida por Fanny Ta-
bak (2002), as alunas engloba as sugestões e alternati-
relataram que seus vas que possibilitariam construir
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uma Ciência e um Ensino de Ci- mulheres na Química
(González, 2011: 9,
ências que promovesse a equida-
tradução nossa).
de de gênero e ao mesmo tempo

estimule meninas/mulheres a Muitas podem ser


as respostas a essa
ingressar na carreira científica.
questão, mas acre-
Nesse sentido, todos os trabalhos ditamos que cabe a
buscam de alguma maneira tra- nós, pesquisadoras
e pesquisadores da
zer essas alternativas e abrir ca-
área de Educação
minho para que novas pesquisas Científica e Matemá-
na área continuem a investigar tica, investigarmos
estratégias que pos-
a presença das mulheres nas Ci-
sam contribuir para a
ências em todas as nuances que formação de profes-
a temática permite. Os trechos sores a fim de que os
estereótipos de gêne-
apresentados a seguir refletem
ro socialmente cons-
essa tentativa por parte dos tra- truídos sejam desna-
balhos analisados de direcionar a turalizados. Isso nos
leva a concluir pela
possíveis caminhos de mudança.
necessidade evidente
do desenvolvimento 52
[...] se sugere propor
dessas estratégias a
novas estratégias de
fim de romper com a
fundamentação teó-
falsa ideia de que as
rica e implementação
Ciências da Natureza
em aula que contri-
são “papo de meni-
buam para superar a
no”, principalmente
visão androcêntrica
na Educação Cien-
da Ciência e assim,
tífica e Matemática
se conceda um valor
(Batista et al., 2015:
menos ingênuo sobre
7).
a participação das
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das são consideradas


Faz-se necessária, importantes para a
portanto, a adoção de quebra de paradig-
novas e efetivas me- mas sobre a atuação
didas que promovam das mulheres nas Ci-
a equidade de gênero ências Exatas, Mate-
no ambiente univer- mática e Tecnologia
sitário. Algumas ini- (Alves, Barbosa e
ciativas têm sido im- Lindner, 2019: 1).
plementadas, como
o programa “USP
Como pode ser obser-
Mulheres”, vincula-
do à iniciativa inter- vado nas citações acima, aspec-
nacional da ONU, tos desde repensar a formação
“He for she”. Além
de professores, perpassando por
disso, as mobiliza-
ções estudantis acer- projetos e iniciativas que esti-
ca da temática têm mulem a equidade de gênero, até
se mostrado cada vez
repensar as práticas de sala de
mais presentes no
cotidiano do IFUSP aula podem gerar uma mudança
(Marchi e Rodriguez, efetiva. No entanto, poucos são
2017: 9).
os trabalhos que apresentam pos-
53
Como forma de con- síveis práticas e/ou intervenções
tornar o problema do concretas no âmbito da Educação
desestímulo das jo-
Básica. Nesse sentido destacam-
vens para as exatas,
apresentamos diver- -se os trabalhos apresentados por
sos projetos que es- Lima, Dantas e Cabral (2015),
timulam o interesse
Almeida e Franzolin (2017) e
das meninas e jovens
por essa área. As ini- Garcia, Silva e Pinheiro (2019)
ciativas aqui mostra- que apresentam e/ou discutem
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propostas de intervenção com os radas devido ao sexismo e andro-

alunos da Educação Básica a fim centrismo presente nas Ciências.

de promover o diálogo sobre as Percebe-se que ainda

questões relativas a gênero e as existe muito a se avançar nas

Ciências. discussões sobre essa temática,

principalmente no tocante das

ALGUMAS CONSIDERA- práticas socioeducacionais para

ÇÕES a promoção de uma sociedade

Buscando compreender mais equânime e do empodera-

como as pesquisas na área da mento feminino nas Ciências.

Educação em Ciências vêm in- Entende-se que o desenvolvi-

vestigando a questão do estereó- mento de uma Educação em Di-

tipo de gênero, da invisibilidade reitos Humanos na Educação em

feminina e da presença das mu- Ciências passa pela abordagem e

lheres nas Ciências realizou-se o problematização da presença das

presente estado do conhecimen- mulheres nas Ciências. Sendo ne-

to. A área da Educação em Ciên- cessário para isso desconstruir a

cias vem apresentado nos últimos ideia de uma Ciência androcên-


54
anos um crescimento das investi- trica desde os primeiros anos da

gações sobre a temática gênero e Educação Básica.

Ciências. Essas pesquisas inclu- Ao dar visibilidade às

sive abordam a trajetória e a pre- cientistas e buscar desconstruir

sença das mulheres nas Ciências. a ideia de uma Ciência andro-

Concedendo assim, visibilidade cêntrica nas aulas de Ciências,

a essas mulheres que por muito além do combate ao preconceito,

tempo foram esquecidas e igno- haverá o fomento à carreira cien-


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ção da equidade de gênero é um CIÊNCIAS, XI. 2017, Floria-

desafio que pesquisadoras(es), nópolis. Anais... Florianópolis:

professoras(es), alunas(os) devem ABRAPEC, 1-9.

se unir para vencer. No entanto,

conhecer o que já se pesquisou Alves, Maiara R.; Barbosa, Mar-

na área possibilita um vislumbre cia C.; Lindner, Edson L. (2019),

de uma mudança efetiva e que Mulheres na Ciência: a busca


55
homens e mulheres participam e constante pela representativi-

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SEXUALIDADE E DIVERSIDADE: ANÁLISE DOS
USOS DISCURSIVOS NA CONSTRUÇÃO DA POLÍ-
TICA EDUCACIONAL, JUJUY-ARGENTINA

SEXUALITY AND DIVERSITY: ANALYSIS OF DIS-


CURSIVE USES IN THE CONSTRUCTION OF EDU-
CATIONAL POLICY, JUJUY-ARGENTINA

Ingrid Yamila Julian1

Vilma Rosana Guzman2

Kenia Lara Da Silva


Resumo: O artigo se baseia em contribuir, não apenas para uma
uma análise realizado sobre os discussão relacionada aos pro-
avanços manifestados no Es- cessos educacionais e sociais
tado argentino em matéria de pelos quais passa a sexualidade,
direitos, no que diz respeito à mas também a historicidade das
Educação Sexual Integral e aos relações de gênero e os modos de
movimentos LGTBIM e de mu- simbolização das diferenças se-
62
lheres. Porém, e a partir desse xuais. Orientando o olhar sobre
reconhecimento, em termos de os usos discursivos como dispo-
desenvolvimento de políticas no sitivos de poder e subalternida-
campo educacional, levantam- de. Para isso, o documento nos
-se questões que orientam este convida a pensar a diversidade
documento, com o objetivo de a partir de um contexto, caracte-

1 Universidad Nacional de Jujuy


2 Universidad Nacional de Jujuy
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rizado por uma grande presença DISO, FHyCS-UNJu, Jujuy-Ar-

de população étnica, com tra- gentina) e o Núcleo de Estudos e

dições culturais profundamente Pesquisas sobre Ensino e Prática

enraizadas. Problematizar nessas .de Enfermagem (NUPEPE, EE-

bases a tendência social homo- -UFMG, Belo Horizonte-Brasil),

geneizante, que tenta impregnar cuja área de desenvolvimento no

essa cultura em corporeidades e campo da pesquisa está vincula-

simbolismos, pondo em xeque da à Saúde Coletiva, neste âm-

os grupos sociais e, em particu- bito, Educação Sexual Integral e

lar, a natureza dessa diversidade. Saúde Sexual e Reprodutiva.

Transita depois, um desenlace Palavras chave: Sexualidade,

sobre a Educação Sexual Integral Diversidade, Educação Sexual

na província de Jujuy-Argentina Integral, Jujuy- Argentina.

e os usos discursivos que foram

incluídos nos processos pedagó- Abstract: The article is based

gicos. Por outro lado, refere-se às on an analysis carried out on the

políticas construídas sob a égide advances made in the Argenti-

dos direitos da diversidade e, em ne State in terms of rights, with


63
particular, da diversidade sexu- regard to Integral Sexual Educa-

al. Finalmente, estabelecer que a tion and the LGTBIM and wo-

discussão aqui empreendida des- men’s movements. However, and

dobra-se a partir da preocupação based on this recognition, in ter-

de integrantes de duas equipes ms of policy development in the

de pesquisa, a Unidade de Pes- educational field, questions that

quisa Diversidade Sociocultural guide this document are raised,

em Contextos Regionais (UNI- with the aim of contributing, not


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only to a discussion related to the refers to policies built under the

educational and social processes aegis of diversity rights and, in

through which sexuality passes, particular, sexual diversity. Fi-

but also the historicity of gender nally, to establish that the discus-

relations and the ways in which sion undertaken here stems from

sexual differences are symboli- the concern of members of two

zed. Directing the look on discur- research teams, the Sociocultural

sive uses as devices of power and Diversity in Regional Contexts

subordination. For this, the do- Research Unit (UNIDISO, FHy-

cument invites us to think about CS-UNJu, Jujuy-Argentina) and

diversity from a context, charac- the Center for Studies and Re-

terized by a large presence of an search on Teaching and Nursing

ethnic population, with deeply Practice (NUPEPE, EE-UFMG,

rooted cultural traditions. On the- Belo Horizonte-Brazil), whose

se bases, problematize the homo- area of ​​development in the field

genizing social trend, which tries of research is linked to Public

to impregnate this culture in cor- Health, in this context, Integral

poreality and symbolism, calling Sexual Education and Sexual and


64
into question social groups and, Reproductive Health.

in particular, the nature of this Keywords: Sexuality, Diversity,

diversity. Then, there is an outco- Integral Sexual Education, Ju-

me on Integral Sexual Education juy- Argentina.

in the province of Jujuy-Argen-

tina and the discursive uses that Introdução

were included in the pedagogical Nas últimas décadas,

processes. On the other hand, it assistimos a uma série de trans-


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formações sociais e culturais Essas formas de gestão das dife-

que colocam a sexualidade como renças constituem respostas his-

objeto de uma multiplicidade de tóricas do Estado às lutas sociais

debates, com tensões e contra- por atos de nomeação no campo

dições. Os processos políticos e do direito.

identitários que permeiam gru- Nessa rede de sentidos

pos sociais como os coletivos discursivos que se tecem em tor-

feministas e o movimento LG- no das políticas de Educação Se-

TBIM disputam e criticam as xual Integral (ESI), encontramos

formas hegemônicas de gestão a diversidade sexual, a diversi-

da sexualidade e do corpo. Re- dade cultural e podemos identi-

conhecem que essas formas são ficar os agentes que a enunciam.

dispositivos de normalização Cita-se, o coletivo LGBTIM de

que tendem a regular as formas um lado e os povos indígenas de

consideradas legítimas de com- outro.

preensão do sexo, sexualidade e Cabe perguntar neste

gênero. contexto, por um lado, quais os

As políticas de identida- significados que gênero e diver-


65
de e as práticas de reconhecimen- sidade adquirem no marco de

to inscrevem-se em um processo uma política educacional que

de re-semantização da cidadania se estabelece como direitos das

associada a um deslocamento da minorias sexuais? Sexualidade

hegemonia discursiva da cida- e diversidade, Quais o estatuto

dania moderna, para formas de epistêmico e político do grande

cidadania ancoradas no discurso “guarda-chuva” que chamamos

multiculturalista da globalização. de diversidade, que se alinham


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às inúmeras formas identitárias, na última década, vem configu-

corpos e existências sociais? rando novas demandas sociais e

Como ocorre a disputa inclusão culturais que desafiam os agentes

/ exclusão dentro desses grupos sociais e as instituições educacio-

sociais? Como nomear as exis- nais. A implantação de uma po-

tências sócio-sexuais hoje? Que lítica pública em que a educação

relações de poder e subalternida- sexual adquire centralidade faz

de a noção de diversidade enco- parte de um processo histórico

bre? Qué usos pedagógicos são demandado por diversos movi-

atribuídos a ele? mentos sócio-sexuais e de mu-

Essas questões norte- lheres.

arão as discussões do artigo no As políticas relaciona-

sentido de colocar em xeque al- das à educação sexual e saúde se-

gumas políticas e usos conceitu- xual e reprodutiva vêm ocupando

ais e discursivos da sexualidade lugar na agenda do governo e de

e da diversidade que nos permi- instituições de ensino e saúde.

tem problematizar e orientar no- Essas vozes por séculos silencio-

vos horizontes de discussão nes- sas conquistaram um lugar nas


66
te campo de grande polêmica e ciências sociais e na produção de

complexidade. conhecimento.

Em particular, os pon-

Tensões em um contexto de tos de reflexão desenvolvidos no

fronteira: Sexualidade e diver- documento fizeram parte das dis-

sidade em Jujuy- Argentina cussões em pesquisas sobre edu-

Na Argentina, um pro- cação sexual e saúde sexual e re-

cesso de ampliação de direitos, produtiva desenvolvidas em duas


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equipes de pesquisa na Argentina sociopolítica também se deve à

e no Brasil; Unidade de Pesquisa sua localização geográfica, um

em Diversidade Sociocultural em território fronteiriço do Noroes-

Contextos Regionais (UNIDISO, te da Argentina formado por re-

FHyCS-UNJu, Jujuy-Argentina) giões transnacionais ligadas ao

e Núcleo de Estudos e Pesqui- corredor andino e latino-ameri-

sas sobre Formação e Prática de cano, que possui uma população

Enfermagem (NUPEPE, EE-U- de aproximadamente de 673.307

FMG, Belo Horizonte-Brasil). É habitantes (CENSUS, 2010).

a partir desse lugar que essa aná- Esta caracterização

lise se estende e se aprofunda, como a jurisdição com maior

tomando como eixo o contexto afluência de diversidade étnica

social e político argentino. (Cruz, 2005; Karasik, 2006) do

Das 23 províncias território argentino, é evidencia-

que compõem a nação argenti- da justamente por sua diversida-

na, incluindo o distrito federal de populacional. Há 164 comu-

(CABA), a jurisdição de Jujuy nidades Kollas espalhadas por

se caracteriza pela polarização todo o território provincial, os


67
de suas regiões. Constitui-se um Omaguaca, que vivem na área da

conglomerado de diversidade de Quebrada e quase exclusivamen-

culturas, não só de migrantes, te no departamento de Humahua-

mas também de uma população ca com uma população de pouco

indígena que conserva na exten- mais de 10.500 pessoas. Também

são de seu território. Esta conflu- estão os povoados do Ataca-

ência de diversidade étnica, his- ma, comunidades localizadas na

tórica, linguística, antropológica, Puna de aproximadamente 3.600


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habitantes. Os Ocloyas e os Ti- mente a coexistência de pessoas

lians, atualmente residem perto pertencentes a duas etnias distin-

da cidade de Volcán, com uma tas, neste caso Kolla e Guaraní,

população de cerca de 350 habi- composta por aproximadamente

tantes. (Garcia Moritan e Cruz, 550 pessoas.

2012). Por último, a comuni-

Da mesma forma, no dade Toba possui apenas uma

departamento de Cochinoca, comunidade na província locali-

9 km a leste da cidade de Abra zada no departamento de El Car-

Pampa, está a cidade de Tabla- men (Los Valles), na qual vivem

ditas habitada pela comunida- cerca de 110 pessoas, seus mem-

de que se autodenomina Toara, bros falam Toba, língua que per-

formando um conglomerado de tence à família lingüística Guay-

aproximadamente mais de 220 curú. (ob. cit)

pessoas. Outros grupos indíge- Dentre os traços que

nas mais numerosos em Jujuy se marcam a história, a população

autodenominam Guaraní, Ava de Jujuy estava impregnada de

Guaraní (povo Guaraní) Tupí uma era colonial em que o casa-


68
Guaraní. Existem 38 comuni- mento se constituía pela transfe-

dades guaraníticas em Jujuy, na rência do exercício individual da

província, totalizando um núme- pessoa para a família do casal e,

ro de habitantes auto-reconheci- em parte, para o Estado. Os ca-

dos de aproximadamente 8.000 samentos eram entre homens e

habitantes. Também, existem os mulheres, produzidos por alian-

Kolla Guaraní, é uma comuni- ças familiares, no caso de famí-

dade onde se menciona explicita- lias da elite social. Ao contrário,


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em famílias de baixa renda, os cam em xeque, por um lado, os

casamentos ocorriam com san- dispositivos pedagógicos da atual

gue novo mercantil (Cruz, 2005), Lei da Educação Sexual Integral

marcando tradições culturais as- (LESI), mas também a formas

sociadas ao início de uma hierar- nominais com respeito às expres-

quia de gênero, evidenciada no sões socio-sexuais.

trabalho de mulheres de setores Consequentemente, os

populares relacionados às ativi- antecedentes da ESI no território

dades domésticas, pequenos co- de Jujuy aparecem tardiamen-

merciantes de alimentos e bebi- te. Foi uma das jurisdições com

das, chicheras, tecelões, etc. maior resistência social e institu-

Diante desse panora- cional, expressa na incorporação

ma, as práticas vinculadas à se- da educação sexual no campo

xualidade, desde os tempos co- educacional.

loniais, foram protegidas desde Em 2012, fruto das pres-

o ambiente familiar, ou seja, à sões dos diversos movimentos

ordem privada, impregnadas de afins, de mulheres e LGTBIM,

uma carga de preconceitos, va- e de organizações externas, foi


69
lorização negativa; sob os sinais lançada a aplicação da ESI. Sob

de práticas pecaminosas, sujas e manifestas tensões e disputas de

obscenas. setores mais conservadores desta

Além disso, essa diver- sociedade, particularmente liga-

sidade torna-se mais complexa das às expressões do culto reli-

nas atuais multiplicidades cultu- gioso existentes na província.

rais de línguas, estilos de vida, A manutenção da ESI

tradições e costumes, que colo- nas instituições de ensino pas-


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sa por contínuos debates não só tóricas de subalternização (en-

ligados à ordem pedagógica, e tre etnocategorias como puto,

discussões sobre os atores que os boliviano, trava, negro, indio)

ditam, mas também aos ideários operam na configuração de uma

institucionais e interesses dos go- identidade política (ou de outra

vernos da época. ordem) no contexto. de uma pro-

Torna-se necessário víncia fronteiriça. O que signifi-

considerar que estamos assistin- ca diverso? E a culturalização da

do, atualmente, a uma sexualiza- política? E quanto à politização

ção da política e uma politização do sexual? Que modos de gestão

da sexualidade. Em um território social do sexo se articulam com

de fronteira, repleto de práticas outras formas de gestão da cor-

ancestrais, o pensamento binário poreidade, como categorizações

é utilizado como dispositivo de étnico-raciais, relações de classe,

poder que organiza a ordem só- idade?

cio-sexual em termos de um bi- Neste sentido, comple-

narismo sexual, um binarismo de xifica ainda mais a discussão

gênero e um binarismo erótico. pensar que faz parte da Educa-


70
Além disso, esses dispositivos de ção Sexual Integral pensar cri-

poder (Foucault, 2002) são atra- ticamente sobre a racialização

vessados por um processo histó- dos corpos, a etnificação das

rico social e uma inscrição nas identidades, o caráter assumido

corporeidades. pela heterossexualidade como

Nesse conjunto de pro- instituição política, os dispositi-

blemas, também, vale a pena vos da sexualidade que regulam

considerar como as formas his- o homoerotismo, suas atravessa-


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mentos de classe, e o estabeleci- cial e político. “Osos”, “travas”,

mento crescente de um mercado “trans”, “não binários”, “queers”

do sexo que tende cada vez mais indica a complexidade do campo

à produção de uma mercadoria da existência sexual. Os limites

relativamente nova, construída a da demarcação de identidade es-

partir da população diversificada tão se tornando cada vez mais

e flutuante do território. problemáticos e requerem instru-

Este é o ponto em ques- mentos analíticos cada vez mais

tão sobre a nossa problemati- sofisticados para sua compreen-

zação em que a produção de são.

expressões identitárias é atra- II. Sexualidade e diversi-

vessada por aquelas diversidades dade: a interação de nomeações

culturais manifestas que estão A importância dos atos

representadas na materialização de nomeação teve fortes implica-

do corpo, sexogenérica, que tenta ções nas relações sociais contem-

ser espartilhado sob o guarda- porâneas. Nessa transformação

-chuva da “diversidade”. da discursividade institucional e

A “louca” ou “mari- social onde a categoria de gênero


71
quita”, como expressões ho- “materializa” todo um conjunto

mossexuais, como identidade de vocabulários que tendem a

sexogenéricas estereotipada nas marcar a importância de pensar

representações sociais hegemô- sobre as questões das especifici-

nicas e na circulação de produtos dades, com as quais a simboliza-

culturais, dá lugar a uma expan- ção cultural da diferença sexual

são de formas identitárias cada e dos sentidos se apresenta hege-

vez mais presentes no espaço so- mônica que naturalizar as rela-


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ções sociais ancoradas no pensa- sociais, considerados pertinentes

mento dicotômico. a um ou outro gênero; variam de

Consequentemente, vale acordo com diferentes culturas,

a pena perguntar-se ¿o sexual momentos históricos, classes so-

não é cultural? E o cultural não ciais, idades, etnias e religiões. O

é sexual? O masculino e o fe- gênero é tomado na mídia e nos

minino constituem um conjunto discursos institucionais como

de sedimentações sociocultu- um “problema de subjetividade

rais inscritas nas corporalidades e emoção” ou “um problema bio-

dos sujeitos. Por outro lado, essa lógico”. Em ambos os sentidos, é

transformação das nomeações e retirado do complexo tecido polí-

das linguagens para se referir às tico de reprodução do poder so-

práticas de construção de cidada- cial”. (Cremona, 2013: 5)

nia aparecem expressas em um Na sua vez, o reconhe-

conjunto de quadros normativos cimento de um sistema, uma re-

que tendem a instalar discursos lação hierárquica entre homens

que disputam os campos hege- e mulheres, amparada em dis-

mônicos de interlocução. cursos que o legitimam e natu-


72
O gênero é pensado ralizam e justificam a desigual-

como uma construção sociocul- dade na distribuição dos espaços

tural, o que implica uma defini- decisórios e o acesso desigual

ção de caráter histórico, social e aos bens materiais e simbólicos.

político. Portanto, as configura- (Morgade , 2001). Isso implica

ções de poder entre os gêneros, que mulheres e homens tenham

bem como as práticas, símbolos, condições iguais para a plena

representações, normas e valores realização de seus direitos hu-


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manos, o potencial de contribuir subalternidade dos corpos femi-

para o desenvolvimento nacional, ninos, o masculino associado ao

político, econômico, social e cul- público e o feminino à esfera do-

tural e o direito de se beneficiar méstica privada ou reprodução, a

dos resultados. partir de uma lógica binária. Há

Além disso, a perspecti- elementos subjacentes em nossos

va de gênero significa percorrer discursos e representações so-

e compreender todas as questões ciais dicotômicas sobre o femini-

sociais a partir de pontos de vista no e o masculino.

não hegemônicos. Implica ques- A politização das iden-

tionar toda a estrutura social: tidades seguiu uma dupla trajetó-

práticas privadas, pensamentos, ria: como resposta do Estado às

atitudes e emoções, saúde, educa- demandas dos grupos de interes-

ção, sexualidade, políticas públi- se; e como formas de nomeação-

cas e até mesmo o meio ambien- -visibilidade dos grupos sociais

te, e os orçamentos dos países. no cenário do Estado-nação.

Consequentemente, a existência Da mesma forma, o sur-

de estereótipos de gênero em gimento de novos signos ideoló-


73
nossas sociedades são restrições gico-linguísticos para dar conta

culturais que limitam. Eles atri- dessa realidade, como o uso do

buem papéis predeterminados de “X” para designar a pluralidade

comportamentos, reforçando a de gêneros em vez do morfema

esfera pública como masculina e masculino, a palavra “feminicí-

a esfera privada como exclusiva- dio” ou “transfemicídio”, consti-

mente feminina. tuem um indicador de interesse

Destaca-se também uma político e social que passou a ad-


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quirir questões relacionadas à se- da sanção da Lei de Educação

xualidade e à diversidade sexual. Sexual Integral, a questão sobre

As práticas de estigma- o papel que a escola e seus atores

tização e invisibilidade de outras desempenham na aprendizagem

formas de vivenciar a construção sobre sexualidade e gênero, ad-

social e cultural da sexualidade quiriu lugar de destaque, cons-

e do corpo, costumam aparecer tituindo-se em cenário institu-

deslocadas no marco epistemo- cional para o desdobramento de

lógico que o considera um fato uma série de tensões no processo

“imutável”, “natural” e “essen- da implementação da ESI.

cial”. Nesse sentido, a educação Algumas abordagens

sexual integral, como território que nos ajudam a pensar a sexua-

de disputa e construção de sen- lidade a partir de um marco epis-

tidos, passa pela necessidade de têmico, indicam surgimento do

contribuir para a visibilidade de termo no início do século XIX. O,

outras formas de referenciar, se- seu usos se estabelece em relação

xualizar e relações sociais de gê- com outros fenômenos: o desen-

nero no contexto local. volvimento de diversos campos


74
Consequentemente, o do conhecimento (que englobam

conceito de “diversidade sexu- tanto os mecanismos biológicos

al”, a partir de um marco legal, de reprodução, como as variáveis

adquiriu um horizonte em uma individuais ou sociais de com-

série de políticas sexuais que nos portamento); o estabelecimento

últimos anos têm disputado os de um conjunto de regras e nor-

regimes hegemônicos de visibi- mas, em parte tradicionais, em

lidade e invisibilidade. A partir parte novas, amparadas por ins-


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tituições religiosas, judiciais, pe- “uma dimensão fundamental do

dagógicas e médicas; muda tam- ser humano. (...) É expressa na

bém em relação ao significado forma de pensamentos, fantasias,

e valor do comportamento, seus desejos, crenças, atitudes, valo-

deveres, prazeres, sentimentos e res, atividades, práticas, papéis

sensações, até os sonhos (Julian, e relacionamentos. A sexualida-

2020). de é o resultado da interação de

Nesse momento da his- fatores biológicos, psicológicos,

tória, a homossexualidade e o socioeconômicos, culturais, éti-

lesbianismo estavam associados cos e religiosos ou espirituais.

a um personagem: um passado, (…) Em suma, a sexualidade é

uma história e uma infância, um praticada e expressa em tudo o

personagem, um modo de vida; que somos, sentimos, pensamos

também uma morfologia, com e fazemos » (2000: 6).

uma anatomia indiscreta e talvez Entre o conjunto de leis

uma fisiologia misteriosa, nada que regulam a sexualidade como

que não escapa à sexagem dos direito na Argentina, estão a Lei

corpos, que nada mais é do que de Educação Sexual Integral, a


75
“sexualidade”. Lei de Saúde Sexual e Procria-

Tomando como referên- ção Responsável (2002), a Lei de

cia a noção conceitual de uma Proteção Integral dos Direitos de

das entidades mais representadas Meninos, Meninas e Adolescen-

e é usada regularmente em ferra- tes (2006), Lei de os Direitos de

mentas pedagógicas, a Organi- Pais e Filhos durante o proces-

zação Mundial da Saúde (OMS) so de nascimento (2007), Lei de

menciona que a sexualidade é Prevenção e Sanção do Tráfico de


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Pessoas e Assistência às Vítimas tência e agência coletiva.

(2008), Lei de Proteção Integral Esse conglomerado de

para Prevenir, Punir e Erradi- nomeações linguísticas de agên-

car a Violência contra Mulheres cia política é um campo social

(2009), Igualdade Lei do Matri- complexo com condições sociais

monio Igualitário (2010) e Lei da específicas de produção, das

Identidade de Gênero (2012), e quais podemos dizer, seguindo

atualmente a Lei da Interrupção Bourdieu (1990), que a noção de

Voluntária da Gravidez (IVE, “diversidade sexual” está inscri-

2020). ta nas lutas simbólicas pela re-

Nesse marco, a primeira presentação do poder e, portan-

coisa a se considerar é o caráter to, pela representação do poder.

político do termo “diversidade Nesse sentido, é importante lem-

sexual”. Seu uso político o coloca brar que os regimes de sexagem

no campo das lutas simbólicas e corporal são construções socio-

materiais em torno dos regimes culturais de certas sociedades em

de sexualidade dominantes. Di- momentos históricos particulares

zer “gay”, “lesbica”, “bissexual”, e que a própria definição de “se-


76
“heterossexual”, “sexualidade xual” faz parte de uma série de

normal”, “sidoso”, “transgênero”, práticas de normalização corpo-

“puto”, “marimacha”, “marico- ral.

cracia”, “torta” indica marcas Consequentemente, es-

sociais que constroem diferen- tamos enfrentando a diversidade

ças mais ou menos significativas, cultural de um lado e a diversi-

configuram relações de poder e, dade sexual do outro? E surge a

portanto, possibilidades de resis- pergunta: se pode ser puta/puta


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e indígena ao mesmo tempo? se “puto”, aqui podemos observar

pode ser trans e feminista? Os como as formas de resemanti-

usos de “diversidade sexual” po- zação das práticas da linguagem

dem ser resumidos em três prag- hegemônica são ativadas para se

máticas do termo. Uma forma referir à sexualidade.

eufemisticamente, até se diria Com efeito, encon-

“politicamente correto” para se tramos nos modos de nomear

referir publicamente a indivíduos “minorias sexuais” como, por

ou grupos sociais estigmatiza- exemplo, usos discursivos anco-

dos: para não dizer “índios” ou rados nas relações de classe que

“marica”, fala-se de diversidade a expressão “gay” pode vir a de-

cultural ou sexual. Outro uso é notar, o que contraditoriamente

que o termo é um “guarda-chu- assume um uso social depreciati-

va”, um sentido agregativo para vo nas suas designações sociais.

se referir a práticas sexuais ou O uso classista e homofóbico do

identidades sexogenérica e, por “gay” vai contra um olhar sobre

fim, um significado que se arti- o homoerotismo e a legitimação

cula com outros dispositivos do social das diferentes orientações


77
regime heterossexual. afetivo-sexuais como o termo

O primeiro sentido, tem originalmente pretendia. A ge-

relação ao campo de diálogo do nealogia da expressão gay ocorre

público da discursividade sexual no marco de uma identidade po-

genérica. Está associada às con- lítica e de uma crítica aos discur-

dições sociais de produção do sos medicalizantes da “homosse-

mercado linguístico: por exemplo xualidade.

a palavra “gay” versus a palavra Finalmente, a aparição


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do termo “diversidade sexual” ciada a uma tentativa de nomear

está fortemente associado a um uma diversidade de identidades

contexto político de legitimação históricas e políticas. O uso pro-

na agenda global de expressões blemático se expressa em uma

como “biodiversidade” e “socio- espécie de dispositivo da sexu-

diversidade” alidade que eles possuem para a

A hierarquia do mascu- homogeneização das diferenças e

lino não possui uma argumen- para o encobrimento de suas lógi-

tação inata ou natural, mas deve cas internas e relações de poder.

ser entendida em uma chave cul- Porém, tanto pelo uso eufemísti-

tural. Os significados sociais es- co quanto pela invisibilidade das

tão se mutando entre resistências, particularidades, o grupo pode se

para as quais é necessário não só tornar um espaço normalizador

conhecer a história, mas repen- onde é impossível se reconhecer

sá-la. A perspectiva de gênero na diversidade de posições frente

implica reconhecer as relações aos dispositivos de poder.

de poder existentes entre os gê-

neros; que essas relações foram III. Educação Sexual Inte-


78
social e historicamente constitu- gral, gênero e diversidade na

ídas e são constitutivas das pes- Argentina

soas; que formam uma rede em A partir das reivindi-

toda a estrutura e relacionamento cações de diversos movimentos

social das classes sociais, idades, sociais, promoveu o estabeleci-

religião. (Barrancos, 2010). mento de uma agenda com temas

A analogia do “guar- fundamentais como o aumento

da-chuva” linguístico está asso- dos casos de abuso sexual, gra-


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videz na adolescência, práticas a valorização dos sentimentos e

de aborto clandestino, mortali- emoções e a aceitação da diversi-

dade materna, violência sexual dade sexual e de gênero.

e de gênero, aumento do número Assim, a ESI surge

de pessoas infectadas pelo vírus como uma tentativa de promo-

HIV-AIDS ou outras doenças se- ver a aceitação e integração das

xualmente transmissíveis, como diferenças sexuais e fomentar

o avanço na idade de início das ferramentas para que os jovens

práticas sexuais. exerçam uma sexualidade res-

Nesse contexto, em 4 de ponsável, sem consequências in-

outubro de 2006, foi promulga- desejáveis e sem coerção; abusos

da na Argentina a Lei Nacional ou imposições de qualquer natu-

26.150 sobre “Educação Sexual reza, respeitando as caracterís-

Integral” (ESI), que estabelece a ticas socioculturais dos alunos,

obrigação de oferecer educação tem entre seus objetivos a igual-

sexual em todas as escolas do dade de tratamento e oportuni-

país, tanto públicas quanto pri- dades para homens e mulheres,

vadas, do nível inicial ao nível a não discriminação por orienta-


79
superior de Formação de Profes- ção sexual.

sores e Ensino Técnico Não Uni- O que a ESI contempla é

versitário. uma perspectiva dos direitos hu-

Entre suas diretrizes, manos em relação à sexualidade,

articula um processo legislativo e a superação do reducionismo dis-

de política educacional e estabe- ciplinar, propondo, ao contrário,

lece como pilares fundamentais: uma abordagem que considere as

as oportunidades educacionais, mediações sócio-históricas e cul-


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turais, valores compartilhados e de formas de regulação sexista e

as emoções e sentimentos que in- sexual heteronormativa sobre os

tervêm no cuidado e disfrute do corpos.

vínculo com os outros, respeitan- A incorporação da sexu-

do o próprio corpo e o dos outros, alidade como conteúdos curricu-

com o objetivo de alcançar uma lares obrigatórios, constitui um

sexualidade prazenteira, saudá- processo histórico cultural que se

vel e responsável. expressa nas complexas relações

Nesse contexto, o pro- que as instituições e os atores so-

cesso social vivido pelas socie- ciais mantêm, o que implica tam-

dades argentinas tendeu a de- bém o debate social sobre quem

sestabilizar a existência de um deveria ensinar a educação sexu-

discurso escolar hegemônico al, quais deveriam ser os conteú-

relacionado às relações de gêne- dos ou o período escolar a partir

ro que legitima o masculino e o do qual devem começar, nesse

feminino como modos de subje- sentido aparecem fortemente ten-

tivação ancorados em uma ideia sionados no cotidiano escolar.

dominante sobre a sexuação dos Assim, o gênero apa-


80
corpos. No entanto, as possibi- rece como uma “construção so-

lidades oferecidas à sociedade e cial”, enquanto o “sexo” como

suas instituições para tornar visí- o dado concreto, “o biológico”.

vel uma forma de “viver gênero” No entanto, o conceito “sexo” é

não são ingênuas, elas consti- também uma construção social,

tuem um componente central das ou seja, é uma categoria que nos

configurações discursivas e dis- permite “ordenar” a realidade de

positivos da sexualidade a partir uma determinada forma e isso


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tem efeitos particulares de dis- dades repousar sobre o determi-

tinção social e política. É nesse nismo biológico. social. O que é

sentido que o sistema heteros- enquadrado no que chamaremos

sexual como aparelho social de de “dispositivo de poder” para

produção dos corpos e suas for- se referir a esses artefatos mate-

mas de classificação sexogenéri- riais, regulamentos institucionais

ca (feminino e masculino) opera e discursos que estruturam as re-

pela divisão e fragmentação da lações de poder sobre as pessoas,

corporeidade. A ideia de que só seus pensamentos e sentimentos,

existem dois sexos e que também suas ações, seus relacionamentos

se opõem e se complementam, é ou seus corpos.

central ao sistema sexista, a ope- Finalmente, estabele-

ração de biologização do que se cer que a gestão política do sexo

constrói culturalmente como di- e da cultura, como recurso para

ferença sexual, constitui um sis- sustentar a diversidade como ca-

tema de representações biológi- tegoria política, está se tornando

cas corporais e materiais: o pênis cada vez mais problemática, o

e a vagina. que está em questão é o olhar crí-


81
Por isso, é necessário tico quanto aos significados que

aclarar que existe uma materiali- adquire o termo. Esses pontos

dade a partir da qual se constrói são pertinentes quando se pensa

o sistema sexo-gênero e não no em Educação Sexual Integral e

sentido de negar a biologia, mas suas contribuições para uma ci-

de compreender a biologização dadania do corpo, gênero, sexua-

como um mecanismo cultural lidade e etnia.

que faz um conjunto de desigual- Reflexões finais


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Em nossa sociedade a ais”, o que sugere que se trata de

institucionalização do sistema um erro tanto linguístico quanto

patriarcal se impõe com um ca- ideológico absoluto. Como forma

ráter essencialista, está tão arrai- classificatória, a noção de diver-

gado nas bases quanto um siste- sidade adquire um uso específi-

ma natural que penetra na mesma co: como forma de caracterizar

subjetividade e nos modos de uma totalidade de unidades de

construção de saberes, pensa- uma espécie; Operação seme-

mentos e ações. lhante ocorre quando classifi-

Sua origem, fundamen- camos um grupo de objetos de

to social, político, econômico e acordo com a cor, estabelecendo

cultural ainda precisa ser denun- uma distinção constitutiva que se

ciado, desvendado e colocado em torna uma marcação imposta. O

cena para desconstruir os padrões que permanece no horizonte da

que operam em nosso pensamen- nomeação social é uma posição

to, que geram preconceitos, pré- heterossexual patriarcal susten-

-conceituações, diferenças que se tada pelo ativismo pelos direitos

transformam em desigualdades, sexuais.


82
dominação, subordinação e até O sistema sexual de gê-

violência de um gênero para ou- nero dominante mantém a ordem

tro. sexual, inclusive nas formas de

Essas reflexões mos- nomear as existências sexuais e

tram como o termo “diversidade as identidades sexo-gênero re-

sexual” está sendo usado para sultantes desses processos. Hete-

agrupar pessoas e grupos com rossexismo, ou seja, a ideologia

identidades “não heterossexu- e a prática que prioriza as sexu-


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alidades e posiciona a prática e a política indispensá-
vel para desvendar e
identidade heterossexuais como
testar novas formas
“superiores” a outras práticas e de nomear o mundo.
identidades sexuais. É imprescindível que
para transformar, pri-
A noção de diversidade
meiro, tenhamos que
sexual, portanto, parece incor- aprender a nomear o
porar um dispositivo de poder mundo de outra for-
ma, a remodelar a
sustentado na heterossexualidade
linguagem, a sair da
como um regime político e ideo- superfície dos arti-
lógico. Os discursos dominantes gos para poder fiar,
tecer, traçar formas
do campo sexual se expressam na
contundentes de pro-
ideia de “tolerância” ou “respei- duzir estoques. que
to” às diferenças: essas práticas possibilitam e são
em si modelos eman-
divisionistas se estendem plena-
cipatórios. “ (Cremo-
mente na própria politização da na, 2013: 6)
sexualidade em nosso país.

Por fim, pensar os usos É claro que os avanços

discursivos e suas possibilida- em gênero não são suficientes,


83
des de abordagem requer colo- pois servem como instrumentos

car uma análise da mesma forma que contribuem para promover

na comunicação social, o que é e fortalecer, a partir das insti-

comunicado? De onde você se tuições de ensino, formas de in-

comunica? porque? Com que in- tervenção didática pedagógica.

tenção? Cremona (2013) sugere a Requer passar por processos de

este respeito que a comunicação revisão, problematização, desna-


“... é uma ferramenta turação e consolidação de pers-
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SOLIDÃO DA MULHER NEGRA: UMA HISTÓRIA
DE INVISIBILIDADE AFETIVA

BLACK WOMAN’S SOLITUDE: A HISTORY OF AF-


FECTIVE INVISIBILITY
Mirella Rodrigues Da Cruz1
Resumo: Esse artigo tem como mento.

objetivo manifestar uma análise Abstract: This article aims to

do livro Kired, Laços de sangue, show an analysis of the book Ki-

de Octavia E. Butler, sob a pers- red, Laços deangue, by Octavia

pectiva de observação dos aspec- E. Butler, under the perspecti-

tos que permeiam as dinâmicas ve of observing the aspects that

de afetividade, a partir do diálo- permeate the dynamics of affec-

go empregado nas disparidades tivity, from the dialogue used in

raciais, tendo em vista o condi- racial disparities, with a view to

cionamento social que determina conditioning social that deter-

nossas inclinações amorosas, es- mines our loving inclinations,

tabelecidas por intermédio de um established through a historical


86
ponto de vista histórico e racial, and racial point of view, which

que inviabiliza mulheres negras makes black women unfeasible

como indivíduos ativos nos espa- as active individuals in affective

ços afetivos. spaces.

Palavras-chave: Afetividade; Keywords: Affectivity; Black

mulheres negras e condiciona- women and conditioning.


1 Graduanda em Licenciatura em Geografia pelo Instituto Fede-
ral de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA)
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teriam serventia para esse papel,
INTRODUÇÃO repercute nos enlaces afetivos

atualmente.
A origem deste trabalho

advém do estudo do livro: Kired, “Para justificar a ex-


ploração masculina
Laços de sangue, de Octavia E.
branca e o estupro
Butler, que se propõe a anali- das negras durante
sar Dana, protagonista do livro, a escravidão, a cul-
tura branca teve que
como sujeito em detrimento do
produzir uma icono-
coletivo, o que alicerça diversas grafia de corpos de
discussões acerca do papel da negras que insistia
em representá- las
mulher negra na sociedade, en-
como altamente do-
quanto indivíduo, que se estabe- tadas de sexo, a per-
lece afetivamente. Determinando feita encarnação de
um erotismo primi-
um recorte relacionado a afetivi-
tivo e desenfreado.”
dade, problematizaremos como a
(HOOKS, 1995, p.
escravização dos corpos dessas
469)
mulheres negras, anteriormente
87
colocadas na sociedade escravis-
A ideia de uma mulher
ta como incubadoras de novos
negra “forte”, contribui para a
escravos, que as dotaram o lugar
solidão dessas mulheres e esses
de mulheres desregradas, dialo-
encargos se refletem nos mais
ga com a introdução da ideia da
variados espaços sociais. Se-
adoção de um padrão de mulhe-
gundo o Instituto Brasileiro de
res que seriam associadas ao lar e
Geografia e Estatística (IBGE),
ao cuidado familiar, e as que não
o casamento de pessoas entre a
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mesma raça é maior entre bran- -raciais no Brasil foram e são for-

cos (74,5%), pardos (68,5%) e ín- temente estimuladas, entre tanto,

dios (65%), o que aponta que os a hipersexualização da mulher

negros, no Brasil, continuam, em negra proveniente da cultura es-

sua maioria, a preferir se relacio- tabelecida no período escravista

nar com alguém de outra raça, a coloca como um “objeto” de

podemos interligar esses dados consumo sexual e não como um

as políticas de fortalecimento da ideal afetivo, inviabilizando um

mestiçagem, anteriormente ne- olhar romantizado direcionado

gadas por Nina Rodrigues, por a essas mulheres. Em contra-

considerar que cada raça estava partida, a categoria da hiperse-

em um determinado nível de de- xualização do homem negro e o

senvolvimento e evolução, pré- machismo contribuem para que

-datando um atributo intelectual a solidão afetiva que os afligem

a cada uma, ou seja, existiam ra- ocorra em menor grau, o estudo

ças superiores e inferiores. Sílvio do IBGE indica que há (7%) de

Romero, por outro lado, defendia probabilidade de uma mulher ne-

a miscigenação, porém contendo gra permanecer solteira, criando


88
a predominância cultural branca, uma espécie de celibato definiti-

para que no fim obtivermos uma vo, o que nos faz questionar a se-

nação homogênea e integrada, letividade que perpassa entre as

estimulando então o melhora- relações amorosas em nosso país.

mento das raças. A miscigenação

é colocada por muitas vezes para SOCIEDADE E O DESAFETO

atestar a democracia racial brasi- COM MULHERES NEGRAS

leira, com isso as relações inter-


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Partindo dos pressu- ruas, contribuindo para que as

postos que permeiam os desen- carceragens se tornassem lugar

rolares históricos que margina- comum para os mesmos, seja o

lizaram a população negra em fortalecimento governamental da

múltiplos níveis, é importante vinda dos imigrantes com o in-

salientar alguns eventos onde os tuito de ocupar o mercado de tra-

transmites do governo brasilei- balho brasileiro e embranquecer

ro possibilitou que a segregação a população e seus futuros des-

desse povo, mesmo que não tão cendentes, no mais, a aplicação

explicitamente, tal qual ocorreu jurídica mais nociva corresponde

nos Estados Unidos, sucedesse a lei da abolição da escravatura

de maneira pontual e cirúrgica. (lei Áurea, 1888), que incutiu um

A lei de terras (1850), se traduz falso ideal de liberdade, quando

como um exemplo disso, lei essa na verdade, uma população que

que impediu que a ocupação es- foi sequestrada, agredida, estu-

pacial e territorial da população prada e explorada fora jogada

negra fosse digna e saudável, a mercê, sem nenhum tipo de

subjugando esse povo a ocupar compensação, a exemplo da que


89
majoritariamente as zonas peri- os judeus obtiveram, ao término

féricas, a lei da vadiagem (1941), do nocivo processo que envolveu

no entanto, se estabeleceu como a escravização na América, nes-

um dos principais responsáveis se contexto, as mulheres negras,

pela notória ocupação preta das além de lidarem com as adver-

prisões, já que a pois a abolição sidades impostas pelas questões

os anteriormente escravizados de gênero, que as impediam de

foram deixados a Deus dará nas estarem ativas no mercado de


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trabalho digna e amplamente e mente direcionados a abdicarem

com os seus direitos garantidos, das relações que envolvam amor,

ainda permanecia a necessidade cuidado, afeto e prazer para si

de se articularem numa estrutu- mesmas, mas que se estabeleçam

ra de uma sociedade machista e como sujeitos que detêm a obri-

racista, Yzalú, em sua música, gatoriedade de fornecer subsídio

mulheres negras, nos conduz a emocional e prazer aos demais,

reverberar sobre atual condição ideia essa transmitida historica-

social dessas mulheres devido ao mente pelas amas de leite, que

período escravista: cuidavam e amamentavam os fi-

lhos das sinhás e as escravizadas


“Enquanto mulheres que tinham relações consensuais
convencionais lutam
ou não para gerar mão de obra
contra o machismo,
as negras duelam pra escravizada. Gilberto Freyre, na
vencer o machismo, sua obra, Casa-grande & senza-
o preconceito, o ra-
la, minimiza os estupros sofridos
cismo, lutam pra
reverter o proces- pelas escravizadas, romantizan-
so de aniquilação do as relações sexuais forçadas
que encarcera afro- 90
com os senhores de engenho,
descendentes em
cubículos na prisão.” argumentando que essas mulhe-
(YZALÚ, 2012). res estavam encarregadas de for-

necer “acalento” e prazer sexual


O parecer prescrito em aos seus senhores, para além
torno das mulheres negras, como disso, a violência obstétrica pai-
submissas as transformam em in- ra sobre a vida maternal dessas
divíduos sociais que são forçada- mulheres, um estudo desenvolvi-
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do em relação as desigualdades Como se eu estivesse
arranhando o braço.
raciais na saúde pública apontou
Será que achavam
que as mulheres negras demora- que eu não sabia que
vam mais para serem atendidas o havia perdido?”
(Kired Laços sangue,
com a finalidade de darem en-
2017, p.17).
trada no procedimento do parto

e recebiam 50% menos anestesia


Esse diálogo nos permi-
que as mulheres brancas. No li-
te analisar que há uma latente ne-
vro Kired, laços de sangue, uma
gligência e falta de empatia para
passagem nas páginas iniciais do
com a personagem. No mais é re-
mesmo fornece um relato que de-
levante evidenciar que os espaços
mostra a negligência e a falta de
ocupados nos dias atuais tanto
afeto direcionado a Dana, mulher
no mercado de trabalho, quanto
negra, protagonista do livro.
nas relações afetivas estão dire-

tamente ligados ao contexto his-


“Os policiais eram
sombras que apa- tórico dessas mulheres, os vín-
reciam intermiten- culos trabalhistas ocupados por
temente ao lado de
mulheres negras são majorita- 91
minha cama para
fazer perguntas que riamente os cargos de limpeza, a
eu precisava me es- sua ocupação nas universidades é
forçar para entender.
inferior as mulheres brancas, aos
— Como machucou
seu braço? – Per- homens negros e brancos, ape-
guntavam — Quem nas (10, 4%) das mulheres negras
machucou você? —
concluem o ensino superior, ain-
Eu prestei atenção
à palavra que eles da segundo o IBGE, as mulheres
usaram: machucar.
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negras ganham (57%) do salário utilizamos outros parâmetros

de um homem branco no Brasil, norteadores complementares que

o papel majoritário de mulheres tangem a discursão em torno da

negras nos relacionamentos estão solidão da mulher negra, o sofri-

ligados a erotização dos seus cor- mento que envolve essa dissocia-

pos, visto que apenas (7%) des- ção do afeto direcionado a essas

sas mulheres se casam, e elas são mulheres, presente no artigo da

maioria como mães solo no Bra- Isabela Alves: A solidão tem cor:

sil, o condicionamento á solidão O sofrimento da mulher negra

é gritante, visto que a raça é um no Brasil, Ainda proveniente do

fator predominante para a esco- artigo: Engravidei, pari cavalos

lha dos parceiros. e aprendi a voar sem asas: Refle-

xões acerca da afetividade e soli-

BREVE FUNDAMENTAÇÃO dão da mulher negra, de Lorena

TEÓRICA Ribeiro, que nos convida a rever-

berar sobre as relações afetivas

Com a finalidade da ple- e sexuais das mulheres negras,

na compreensão do artigo, além ainda recorrendo a bell Hooks


92
de usufruir do livro Kired, Laços como pressuposto teórico: Mu-

de sangue, de Octavia E. Butler, lheres negras: moldando a teoria

recorri aos métodos de análises feminista, texto que traduz uma

presentes nas obras de bell Hooks: reflexão do visceral e silencioso

Vivendo de amor, que carrega em sofrimento vivenciado, mais do

si uma percepção sobre a quase que diário por essas mulheres e

ou total falta de amor na vida por último, o livro: Mulher ne-

das mulheres negras, ademais gra: afetividade e solidão, de


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Ana Cláudia Lemos Pacheco que escolha dos parceiros conjugais,

traz a percepção no que diz res- além disso esse questionário foi

peito aos papéis direcionados as projetado com o propósito de

mulheres no âmbito racial, a mu- analisar o favoritismo racial e o

lher branca como a tradução do motivo que tange os mesmos, no

matrimônio e da cultura do que que diz respeito as possíveis rela-

deve ser considerado afetivo e a ções sexuais, amorosas e matri-

mulher negra no lugar da erotiza- moniais, no mais observamos as

ção e do mercado sexual. impressões acerca das propagan-

das presentes na mídia quando se

METODOLOGIA trata de matrimonio, quem são as

mulheres que “vendem” o sonho

Para que houvesse uma do casamento?

maior clareza e domínio sobre o

tema pesquisado, foi concebido APRESENTAÇÃO E DISCUS-

um formulário online direciona- SÃO DOS RESULTADOS

do ao público masculino e a mu-

lheres lésbicas, com o intuito de


93
analisar se a suposta “preferên- Quando se trata de dis-

cia” por mulheres brancas está cutir as opressões que englobam

vinculado com um processo só- as vidas de mulheres negras, a

cio histórico, que condiciona os pioneira a se apresentar para nós

indivíduos acerca dos seus dese- é o racismo, trabalhando a pers-

jos amorosos ou é algo que já se pectiva da Interseccionalidade

foi superado no século XXI, e se que apresenta os múltiplos siste-

a raça é um fator importante na mas de opressão, raça, gênero e


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classe, os resultados transmitem tratava de um fator importante

um maior esclarecimento das na escolha do parceiro, (81,5%)

opressões que regem a vivencia afirmaram que não, porém quan-

das mulheres negras. Obtiver- do perguntado se haveria um

mos a participação de 28 pessoas tipo especifico de parceiro para

no estudo, dessas 20 são homens se relacionar (78,6%) responde-

heterossexuais e 8 mulheres ho- ram que sim, no âmbito do abor-

mossexuais (lésbicas ou bissexu- to paterno (ocorre quando o pai

ais), quando questionado sobre o abandona a criação desde o prin-

papel da mídia na venda do ideal cípio dos filhos, sem dar qual-

matrimonial (96,4%) das pes- quer outro tipo de explicação,

soas afirmaram que na maioria uso essa expressão procurando

dos anúncios de casamento de- diferir na que se refere ao aban-

tectaram a presença majoritária dono paterno por entender que é

das mulheres brancas na grande necessário participar em algum

maioria anúncios. A pergunta momento da formação da criança

posterior se tratava da longevi- para abandonar), foi perguntado

dade dos relacionamentos que qual o perfil geral das mães solo
94
teriam a intenção de gerar ma- brasileiras, (99%) responderam

trimonio, (50%) disseram que que acreditam que o perfil dessas

nos relacionamentos que tinham mulheres é majoritariamente de

a intenção de casar-se eram com negras e que tenham baixa es-

mulheres brancas, (29,2%) com colaridade. Buscando incorporar

mulheres pardas e (20,8%) com as questões afetivas e socioeco-

mulheres negras. Foi questiona- nômicas, questionamos o con-

do também se a cor da pele se sentimento dos participantes em


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relação as disparidades sociais brar dos grilhões numa sociedade

das mulheres negras, entre elas a desigual economicamente e até

sua ocupação nas universidades, afetivamente para essas mulhe-

(85,7%) responderam que as mu- res, o amor cura, e é por ele que

lheres brancas são maioria nas elas precisam ser acolhidas, bell

universidades, já no panorama Hooks em vivendo de amor, nos

salarial, (100%) dos participan- relembra que somos um povo fe-

tes responderam acreditar que rido, e com isso a complexidade

as mulheres negras são as que em torno da afetividade expande

recebem os menores salários no e nos inquieta.

Brasil.
“A vontade de amar
Os dados acima nos aju-
tem representado
dam a consolidar a nossa argu- um ato de resistência
mentação em torno dos elemen- para os Afro-Ameri-
canos. Mas ao fazer
tos que compõem a solidão das
essa escolha, muitos
mulheres negras e as suas assi- de nós descobrimos
metrias socioeconômicas. nossa incapacida-
de de dar e receber
amor.” (HOOKS, 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS 1994).

A inegável dissociação O que transparece são


de amor e afetividade em vínculo os reflexos históricos que interfe-
com mulheres negras atribui res- rem nas relações afetivas da po-
ponsabilidade as mais variadas pulação negra atualmente, já que
adversidades vivenciadas pelas as mulheres negras são as prin-
mesmas, é imprescindível a que- cipais vítimas de feminicídio, en-
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quanto o homicídio de mulheres época da escravidão.
Seguindo o mesmo
brancas diminuiu de (3,6%) por
modelo hierárquico,
100 mil em 2003 para (3,2%) em criaram espaços do-
2013, uma redução de (11,9%), o mésticos onde confli-
tos de poder levavam
de mulheres negras aumentou de
os homens a espanca-
(4,5%) para (5,4%) por 100 mil no rem as mulheres e os
mesmo período, um crescimento adultos a baterem nas
crianças como que
de (19,5%). Os companheiros ou
para provar seu con-
ex-companheiros foram respon- trole e dominação.”
sáveis por (33,2%) dessas mortes, (HOOKS, 1995)

ou seja, 4 mortes ao dia, ainda

quando se trata de raça, em 2013 No mais, podemos justi-

(66,7%) de mulheres negras fo- ficar as prerrogativas estabeleci-

ram assassinadas a mais do que das em torno da mulher negra no

mulheres brancas, em relação Brasil ao seu processo histórico

ao perfil dos agressores, (73,3%) colonial escravista e de formação,

eram pardos ou negros, bell que subjuga o indivíduo de acor-

Hooks em vivendo de amor nos do com as suas particularidades


96
atenta a pensar numa justificativa que se opõem ao sistema patriar-

a esses índices: cal e branco dominante, logo as

mulheres negras precisam trans-


“Essa talvez seja gredir em ambas as estruturas
a razão pela qual
dominantes para se desvencilhar
muitos negros esta-
beleceram relações das amarras do sistema. Em en-
familiares espelha- sinando a transgredir, bell Hooks
das na brutalidade
explicita o papel da transgressão
que conheceram na
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como arma de desmonte do sis- -mulheres-negras-no-brasil/.

tema: Acesso em: 23, maio de 2021.

“Temos a oportu- BUTLER, OCTAVIA. KIRED:


nidade de trabalhar
Laços de sangue. São Paulo:
pela liberdade, exi-
gir de nós e de nos- Morro Branco; 2017.
sos camaradas uma
abertura da mente e
COSTA, ROSELY GOMES
do coração que nos
permite encarar a Mestiçagem, racialização
realidade ao mes- e gênero. Scielo, 20 09.
mo tempo em que,
Disponível em https://www.
coletivamente, ima-
ginemos esquemas scielo.br/scielo.php?pid=S1517-
para cruzar frontei- 45222009000100006&script=s-
ras, para transgre-
ci_abstract&tlng=pt. Acesso em:
dir.” (HOOKS, 1994,
p.273). 23, maio de 2021.

FREYRE, GILBERTO Casa-

REFERÊNCIAS -grande & Senzala. São Paulo.


97
Global; 1933.

ALVES, ISABELA A solidão

tem cor: O sofrimento das mu- HOOKS, bell Tudo sobre o amor.

lheres negras no Brasil. Obser- Hopkinsville. Elefante; 1994.

vatório do terceiro setor, 2018.

Disponível em https://observato- HOOKS, bell Ensinando a trans-

rio3setor.org.br/carrossel/a- soli- gredir a educação como práti-

dao-tem-cor-o-sofrimento-das- ca da liberdade. Hopkinsville..


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Vol. 02 - n 02 - ano 2021

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WMF Martins Fontes; 1994.

RIBEIRO, LORENA Engravidei,

pari cavalos e aprendi a voar sem

asas: Reflexões acerca da afetivi-

dade e solidão da mulher negra.

Periódicos UFJF, 2019. Dispo-

nível em: https://periodicos.ufjf.

br/index.php/darandina/article/

view/28063. Acesso em: 23, maio

de 2021

98
ATENDIMENTO DO PROFISSIONAL DE PSICOLO-
GIA EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

CARE OF PSYCHOLOGY PROFESSIONALS IN CA-


SES OF DOMESTIC VIOLENCE
Maria Perla Alencar R dos Santos1

Sérgio Henrique Oliveira da Silva2

Leandro Matos Souto da Rocha3

Resumo: O presente trabalho e compreensão sobre o contexto


refere-se à avaliação psicológica social voltado para dificuldades

em casos de violência doméstica apresentadas tanto pela pandemia

aprendida a partir da disciplina quanto para a convivência com o

Técnicas de exame psicológico parceiro. A experiência do traba-

II. Um dos principais objetivos lho foi de grande relevância no

da dupla era compreender a si- sentido de compreender o com-

tuação de casais em isolamento portamento do agressor quanto

social provocado pela quaren- da vítima da violência, eviden-

tena do coronavírus e as conse- ciando a importância de um olhar


99
quências de um relacionamento mais minucioso para com a saúde

abusivo, usando o método da da mulher e a romantização dos

pesquisa descritiva, e assim ve- relacionamentos abusivos onde o

rificando dados pertinentes para ciúme é visto como uma forma de

tal assunto. Diante disso, o estu- amor e cuidado. O estudo mostra

do promove maior conhecimento a importância da avaliação psi-


1 Centro Universitário Cesmac
2 Cesmac
3 Centro Universitário Cesmac
ISSN: 2675-745
Vol. 02 - n 02 - ano 202

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cológica nesses casos, para assim understanding about the social

trabalhar de forma individual ou context facing the difficulties

em conjunto as questões psicos- presented both by the pandemic

sociais dos que fazem parte do and for living with the partner.

contexto familiar, diante das di- The work experience was of gre-

ficuldades apresentadas. at relevance in order to unders-

tand the behavior of the aggres-

Palavras chaves: Violência; sor and the victim of violence,

Testes Psicológicos; Contexto highlighting the importance of

familiar. a closer look at women’s health

and the romanticization of abusi-

Abstract: The presente work re- ve relationships where jealousy

fers to psychological assessment is seen as a form of love and care.

in cases of domestic violence le- The study shows the importance

arned from the subject Psycholo- of psychological assessment in

gical examination techniques II. these cases, in order to work in-

One of the main objectives of the dividually or together on the psy-

pair was to understand the situa- chosocial issues of those who are
100
tion of couples in social isolation part of the family context, given

caused by the coronavirus qua- the difficulties presented.

rantine and the consequences of

an abusive relationship, using the Keywords: Violence; Psycholo-

descriptive research method, and gical tests; family context.

thus verifying relevant data for

this matter. Therefore, the study INTRODUÇÃO

promotes greater knowledge and


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21 Vol. 02 - n 02 - ano 2021
js Editora Acadêmica Periodicojs
Sabe-se por violência de violências domésticas existen-

doméstica, toda ou qualquer prá- tes.

tica que envolva ao parceiro (a) Sendo assim, deve-se

constrangimento, humilhação, levar em consideração hipóteses

agressões físicas, psicológicas, para este artigo que é a de que

sexuais ou patrimoniais. No Bra- os homens crescem sendo ensi-

sil, foi apenas em 2006 que a Lei nados que para mostrar força e

de Prevenção à Violência Do- superioridade, a violência é uma

méstica e Familiar Contra a Mu- resposta simples, rápida e efetiva

lher, também conhecida como e que o uso de substâncias psico-

Lei Maria da Penha promulgada ativas desencadeia o comporta-

dando, em teoria, segurança à in- mento agressivo que foi ensinado

tegridade da mulher. por anos.

O objetivo geral do tra- É comum em casos de

balho é a descrição de como se dá violência, a vítima seguir com-

o trabalho do profissional de psi- portamentos autodestrutivos

cologia em casos de atendimento como uso de substâncias psicoa-

de mulheres vítimas de violência tivas, segundo Zilberman e Blu-


101
doméstica, identificando as con- me (2005, p.2)

sequências psicológicas para as


O uso de substân-
vítimas de violência, de forma
cias psicoativas (pelo
que haja uma compreensão para perpetrador, pela ví-
a produção e a sensibilização de tima ou por ambos)
está envolvido em
desenvolvendo de materiais para
até 92% dos episó-
estudo da violência doméstica, dios notificados de
como também, registrar os tipos violência doméstica.
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O álcool frequente- sita de uma ajuda externa que a
mente atua como um auxilie a criar mecanismos para
desinibidor, facili-
mudar sua realidade e superar as
tando a violência. Os
estimulantes como sequelas deixadas pelo proces-
cocaína, crack e an- so de submissão às situações de
fetaminas estão fre-
violência. (HIRIGOYEN, 2006).
quentemente envol-
vidos em episódios Sendo assim, busca-se nesse tra-
de violência domés- balho mostrar os tipos de vio-
tica, por reduzirem
lência contra a mulher, os testes
a capacidade de con-
trole dos impulsos e que podem ser aplicados, relatos
por aumentar as sen- atuais como o aumento de casos
sações de persecuto-
na quarentena e a lei Maria da
riedade.
Penha, uma conquista demorada,

porém, muito necessária.


Segundo Garbin, et.al
O trabalho do Psicólogo
(2006) são várias as causas para
nesses casos mostra-se de suma
não denunciar o agressor entre
importância já que além de ter
elas a dependência financeira,
um ouvido terapêutico, irá auxi-
emocional, medo e a impunida-
102
liar a vítima com caminhos que
de. O pré-conceito das autorida-
ela ainda não consegue enxergar
des colabora para a dificuldade
seja por medo ou falta de conhe-
das mulheres procurarem por
cimento. Os grupos de apoio se
justiça, já que de uma forma ou
mostram também fundamentais
outra elas, mesmo vítimas, serão
já que a vítima não está sozinha e
julgadas por muitos como a cul-
não é a única que passa por esse
pada da violência.
tipo de problema. O autoconhe-
sta razão ela neces
Por esta neces-
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cimento fará com que a vítima tica, com o objetivo de entender

recupere sua autoestima e o tra- como ocorrem as violências. Para

tamento psicológico pode durar obter o resultado, foi preciso ser

meses ou anos até essa ‘’ferida’’ feito o uso de pesquisas de re-

cicatrizar. ferencial teórico, acerca do que

Para a realização des- causaria ser uma resposta devido

te trabalho, foi necessário o uso à agressão por parte do agres-

da pesquisa descritiva para que sor e qual seria a atitude da víti-

a dupla analisasse os dados onde ma que deu abertura para que o

comprovassem o aumento de ca- agressor agisse de maneira que a

sos de violência doméstica con- agredisse.

tra a mulher durante a pandemia No primeiro capítulo

junto a uma análise do papel do deste artigo, abordaremos a de-

psicólogo em casos de violência finição de violência doméstica

contra a mulher e como deve ser e como são caracterizadas. Para

feito o trabalho do mesmo, im- o segundo capítulo, será preciso

portante destacar também a for- entender a atuação do Psicólogo

ma em que a mulher tende a se em casos de violência domésti-


103
comportar após as agressões e ca, como ele trabalhará, os obs-

como deve ser feita a intervenção táculos e como auxiliar a vítima

ofertando a ajuda necessária para da melhor forma possível e será

cada caso. também falado sobre a lei Maria

Foi necessário também da Penha e suas contribuições.

o uso da pesquisa exploratória Para então emitirmos nossas

onde foram investigados os fa- considerações finais acerca do

tores que causam essa problemá- que podemos compreender do


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estudo em questão. lacionar a este significado, pois,

a palavra contribui para a com-

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: preensão do termo e do contexto

Definições e características da como um todo.

violência doméstica É necessário entender

que o contexto de violência do-

De acordo com o art. méstica não é algo novo, e sim,

5º da Lei Maria da Penha, vio- passado por gerações e era ba-

lência doméstica e familiar con- seado no contexto social em que

tra a mulher é “qualquer ação ou a família tradicional estava in-

omissão baseada no gênero que serida: Às margens da violência

lhe cause morte, lesão, sofrimen- social, precarização de serviços

to físico, sexual ou psicológico e e possuindo mulheres e crianças

dano moral ou patrimonial”. Ou sem direitos como cidadãos e se

seja, a caracterização de violên- viam dependentes da figura mas-

cia doméstica parte do princípio culina de protetor, chefe da famí-

de que toda e qualquer agressão lia e provedor das necessidades

física ou moral que chegue a ferir que esta família apresentava.


104
a mulher é considerado crime. Com o passar dos anos

A palavra violência, se- e os avanços sociais, a definição

gundo o dicionário (FERREIRA, de família foi mudando e ainda

1999), significa qualidade de ser no século passado, direitos foram

violento; ato de violentar; cons- conquistados como por exemplo

trangimento físico ou moral; uso o direito de separação matrimo-

da força; coação. Ponderar sobre nial e direito à voto. Aos poucos

a palavra violência nos leva a re- a mulher era vista como cidadã e
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podia, enfim, dar sua voz e deci- rado ‘’certo’’ e o ‘’errado’’ e o que

dir o que lhe era mais convenien- resulta no comportamento passa-

te, e claro, como toda mudança do para homens, que permanece

não é bem vista a princípio, os na sociedade contemporânea, de

casos de violência doméstica tentar resolver seus problemas

eram frequentes e insolucioná- com violência e autoritarismo.

veis graças a precariedade do Segundo dados da OMS,

sistema judicial brasileiro, o caso em 2013 o Brasil já ocupava o 5º

mais famoso desse relapso, é o lugar, num ranking de 83 países

da Maria da Penha que, hoje em onde mais se matam mulheres.

dia, é uma lei conhecida que visa A violência doméstica virou um

a proteção à mulher em casos de ciclo vicioso com aumento cons-

violência doméstica. tante, onde, a cada dia novas mu-

Segundo Lisboa, Patrí- lheres trazem seus relatos; seja

cio, Leandro, (2009, p. 23) ‘’O uma agressão física, psicológica,

conceito de violência deve ser moral ou sexual.

entendido como algo dinâmico e Grande parte das agres-

reportando aos valores e normas sões contra as mulheres aconte-


105
socialmente atribuídos para cada cem em tentativa de separação,

um em determinado momento.’’ onde, elas acabam desenvolven-

Neste contexto fica visível que no do complexo de inferioridade,

momento em que cada um pos- submissão e sensação de isola-

sui tarefas sociais bem atribuídas mento. Estas são apenas algumas

e em um determinado momento, das várias consequências deixa-

ocorre a quebra desses paradig- das pós agressão, ameaça e/ou

mas, um choque entre o conside- humilhação.


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Um fator importante em mais sérios que podem envolver

casos de violência doméstica é sequelas ou morte.

que ela não distingue etnia, raça, Segundo Azevedo e

classe social, religião e muito Guerra (1995) o uso do vocábulo

menos orientação sexual, todos Violência Doméstica não corres-

os dias surgem novas notícias e ponde diretamente a um espaço

relatos de que mulheres sofre- de convívio, já na Lei Maria da

ram algum abuso e até são dadas Penha, refere-se a toda ocorrên-

como mortas, este último devido cia de violência dentro do espa-

a brigas e desavenças que já eram ço de convívio, independente de

presentes e comuns entre o casal. existir ou não vínculo familiar.

Ou seja, não existe perfil especí- A violência contra as

fico, qualquer mulher está sujeita mulheres simboliza uma das

a sofrer algum tipo de violência principais causas de morbida-

doméstica. de e mortalidade, sendo delas a

É importante ressaltar sexual no contexto doméstico a

que apesar de muitas pessoas mais grave, tornando assim uma

não conhecerem, a violência do- grande preocupação uma vez que


106
méstica pode ter variações como tem como consequência seque-

a violência psicológica, moral, las físicas e psicológicas. Ambos

financeira, sexual, patrimonial, exercem grande impacto sobre

moral e todas elas desencadeiam as mulheres, sendo a psicológica

uma série de comportamentos com maiores sequelas, tendo em

que o agressor pode ter total mente que envolvem palavras e

domínio da vítima se tornando, atos que humilham a vítima.

com o passar dos tempos, casos Por se tratar de um as-


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sunto antigo, a violência domés- violência se repita com outro par-

tica traz dados mundiais que se ceiro.

referem a várias mulheres que já É necessário políticas

sofreram algum tipo de agressão, públicas, incentivos governa-

seja ela sexual ou física; mas que mentais seja por parte do minis-

sempre arremetida por alguém tério da saúde e do ministério da

próximo a ela. A violência des- justiça para que casos de violên-

taca alguns fatores que se rela- cia doméstica sejam evitados.

cionam ao seu vínculo familiar, Segundo Oliveira e Cavalcante

envolvendo educação, gênero e (2007), “políticas públicas podem

sociedade. ser entendidas como as respostas

Em pesquisa realizada do Estado às demandas sociais

por Meneghel et al. (2003), foi de interesse da coletividade” (p.

notado que uma das estratégias 44). As autoras mostram como a

de enfrentamento à violência que violência pode causar regressão

as participantes de seu estudo social e o surgimento das políti-

mais utilizavam no dia a dia era o cas públicas servem como meca-

suporte familiar, geralmente for- nismo para solução de problemas


107
mado por outras mulheres, como de violência doméstica.

mães, avós, tias ou vizinhas. Ou-

tras estratégias mostradas por A ATUAÇÃO DO PROFIS-

elas foram: abstinência sexual, SIONAL DE PSICOLOGIA

recusa em conceder favores se- EM CASOS DE VIOLENCIA

xuais, além da separação e re- DOMÉSTICA

constituição da família, embora

em diversos casos a situação de A atuação do psicólogo


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em casos de violência domés- temente posta como
se fosse uma questão
tica não se restringe apenas na
inerente à natureza
mulher, sendo necessário levan- das mulheres e não
tamento de dados e confecções fruto de uma ideo-
logia que tende a re-
de relatórios. O ato da violência
produzir uma ordem
contra a mulher lhe acarreta vá- social baseada nas
rios sintomas deixando sequelas relações de poder.

e consequências por toda sua

vida. Oliveira (2010) faz a carac-

terização de violência seja social Para a OMS (2002), a

ou física como amplo, a domésti- violência doméstica se caracte-

ca vem em constante crescimento riza por: violência interpessoal

durante os anos deixando marcas vista como doméstica, autopro-

e mostrando a grande desigual- vocada sendo contra si mesmo

dade entre homem e mulher. e a coletiva onde se relaciona a

Segundo Silva, (1992, grupos políticos. Sendo assim,

p.26). entende-se como uma negação

para com o outro, uma desvalo-


As representações 108
rização e falta de respeito contra
acerca da mulher,
a mulher. Em grande parte, as
seja na relação fami-
liar ou na sociedade, agressões partem do homem que
passam pela concep- vê a mulher como um objeto e
ção de fragilidade,
querendo ter prioridade e poder
dependência e sub-
missão, que dão ao sobre ela.
homem o direito de Consta-se que as mulhe-
tutela sobre ela. Essa
res vítimas de violência domésti-
ç
situação q
é frequen-
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ca procuram serviços de saúde a dano emocional e/
ou diminuição da au-
devido a algum problema que
toestima da vítima, e
surgiu em meio a violência sofri- que possa prejudicá-
da e não para relatar o que acon- -la quanto ao seu de-
senvolvimento;
teceu. Ao atende-las é necessário

que o profissional analise de ma- • Sexual: Enten-


neira apurada o motivo o qual a de-se como conduta
que constrange a ví-
vítima procurou o local e assim
tima obrigando-a a
possa tornar mais fácil o relato na presenciar ou partici-
área. par de relação sexual
não desejada;

Formas de Violência contra a • Patrimonial:


mulher Qualquer conduta
que configure sub-
tração ou destruição
Segundo Comino, 2016, parcial ou total de
a violência contra a mulher pode objetos, documentos
pessoais, bens mate-
ser caracterizada em:
riais;

• Física: Caracte- 109


• Moral: Configu-
rizada por qualquer ra-se como qualquer
atitude que agrida e conduta que configu-
que cause danos à in- re calunia, difamação
tegridade ou a saúde ou injúria.
da mulher; por exem-
plo: empurrar e ame-
açar. Segundo Kashani; Allan

(1998) existe uma violência pou-


• Psicológica: Ca-
co divulgada contra a mulher que
racterizada qquando
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é a psicológica, onde não provoca pós-traumático.

marcas físicas, mas sim internas, De acordo com Dutra

que ao decorrer da vida destrói (2008) não se pode pensar no su-

toda sua autoestima. O agres- jeito sem levar em consideração

sor humilha, despreza e culpa a sua história de vida e o meio no

vítima de forma que ela se sinta qual ele se insere. Por estes mo-

inferior. Devido à violência psi- tivos se faz necessário à atuação

cológica, a vítima pode chegar a do psicólogo com as vítimas, ten-

praticar o suicídio. do ciência de que são grandes as

sequelas existentes em todas as

ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO mulheres que sofreram algum

As consequências da tipo de agressão, seja física ou

violência doméstica contra a mu- psicológica. É preciso que o psi-

lher são delicadas e deixam lem- cólogo atue com ela uma forma

branças que perduram por longos de superação para todos os me-

anos, além de que, as marcas dos e traumas deixados, como

físicas causam enormes danos por exemplo, o sentimento de

emocionais, como por exem- submissão à outra pessoa. Outro

plo: Influências na vida sexual objetivo do atendimento psicoló- 110

da vítima, a baixa autoestima e gico as mulheres é fazer com que

a enorme dificuldade em criar elas recuperem sua condição de

laços. Os sintomas psicológicos sujeito, tal como a sua autoesti-

encontrados com maior frequên- ma. (HIRIGOYEN, 2006; SOA-

cia nas vítimas são: insônia, falta RES, 2005).

de concentração, como também

depressão, ansiedade e estresse Atuação do Psicólogo no aten-


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dimento ás mulheres vítimas composta por violência. Acre-
de Violência Doméstica ditam que por já ter vivido algo
O psicólogo, indepen- similar, torna-se um comporta-
dente, da abordagem ou método mento natural na relação; o que
escolhido para realizar esse tipo dificulta o processo para identi-
de atendimento, deverá primei- ficação. A partir do momento em
ramente criar um “rapport” e um que a mulher reconhece a violên-
vínculo terapêutico com a víti- cia feita contra ela, dará início a
ma, fazendo com que ela se sinta um novo processo de evolução
num ambiente seguro e confiável, quanto à situação em que se en-
pois, somente desta forma, ela contra.
conseguirá compartilhar as ex-

periências vividas que lhe causa- O PAPEL DO PSICÓLOGO


ram sofrimento (SOARES, 2005; NO ATENDIMENTO AOS
PIMENTEL, 2011). AUTORES DE VIOLÊNCIA
Segundo Hirigoyen DOMÉSTICA
(2006), algumas etapas precisam

ser seguidas durante o processo A realização de inter-


111
terapêutico com mulheres que já venções nesse contexto se faz ne-
foram ou são vítimas de violên- cessária uma compreensão sobre
cia doméstica. O primeiro passo a atitude do homem em cometer
da psicoterapia é fazer com que a violência contra a mulher, pois,
mulher enxergue a violência so- inicialmente o agressor era vis-
frida, pois, muitas mulheres pos- to como um portador de alguma
suem dificuldades para perceber psicopatologia. Com os avanços
que se encontram numa relação dos estudos foi possível identifi-
ISSN: 267

Vol. 02 - n 02 - an

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car que a presença dos distúrbios vo ou reflexivo onde os homens

não é causa de violência come- possam refletir sobre seus com-

tida contra a mulher. Algumas portamentos, como chegaram a

tentativas de explicar a agressão eles e as consequências que tra-

por parte do homem se relaciona zem com o que foi aprendido por

ao uso de álcool e drogas, quando questões de gênero, por exemplo,

na verdade, existem homens que o homem foi criado para reprimir

mesmo sem o uso de substân- sentimentos como tristeza, sau-

cias cometem o ato de agressão. dade e amor para se encaixarem

(AGUIAR, 2009). socialmente.

Aguiar (2009) diz que O trabalho com homens

é difícil encontrar um padrão de nesse contexto passa a ser delica-

homem que violenta a mulher e do já que a forma que será tra-

diz que nenhuma está livre desse balhada não é punitiva, mas sim

possível ato já que pode atingir educacional. ‘’[...] Outro cuidado

qualquer classe, etnia e cultura, necessário é não emitir nenhum

porém em homens algumas ca- juízo de valor sobre o homem

racterísticas se mostram presen- agressor, pois, se isso ocorrer,

tes como as ideias mais rígidas impossibilita que ocorra o víncu-

em relação ao papel da mulher na lo terapêutico e como consequ-

sociedade e na família. ência o trabalho do psicólogo fica

Sendo assim, Aguiar prejudicado. (AGUIAR, 2009;

(2009) e Oliveira & Gomes OLIVEIRA, 2011)’’

(2011) complementa dizendo que As intervenções grupais

o trabalho com os homens nesses então surgem como a melhor for-

casos é feito em grupo educati- ma de intervenção psicológica


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nesses casos por conta de: percebe no outro um
pensamento machis-
ta, ele passa a refletir
As intervenções gru-
sobre seus próprios
pais são, portanto,
valores e pontos de
as que geram efeitos
vista, bem como so-
mais positivos no tra-
bre suas formas de
balho com autores de
agir. Estes grupos re-
violência doméstica,
flexivos abrem espa-
já que, no consultó-
ços para a discussão
rio privado, o homem
de temas que em seu
tende a se esquivar
cotidiano, não são
dos assuntos relacio-
pensados nem dis-
nados à violência. No
cutidos. (AGUIAR,
trabalho em grupo, o
2009; ANDRADE &
homem agressor se
BARBOSA, 2008;
identifica com os ou-
MARQUES, 2007).
tros membros do gru-
po, pois percebe que
eles compartilham Levando em conside-
de formas semelhan-
ração a forma de intervenção,
tes de pensar, agir e
sentir. Ele pode en- Tenório (2012) “ratifica dizendo
xergar no outro algo que o objetivo desta intervenção,
112 que não percebia em 113
é mostrar uma reflexão ao agres-
seu comportamento.
No contexto grupal, sor e trazer a responsabilidade à
a defesa e resistência ele para que possam trabalhar, ter
do homem em falar
o cuidado em relação a insegu-
sobre seus conflitos
são menores, pois rança do homem já que ele pode
ele percebe que não possuir carência afetiva ou outra
é o único a possuir
vivência traumática e conscienti-
esses conflitos e pen-
samentos. Quando zar em relação aos princípios ma-
ISSN: 267

Vol. 02 - n 02 - an

Editora Acadêmica Peri


chistas que aderem a prevalência move estratégias no combate a

da superioridade masculina à fe- violência contra a mulher, mas

minina.” diferente da maioria delas, essa

lei mostra que neste caso a puni-

Lei Maria da Penha ção ao agressor não é o que fará

com que a violência acabe já que

Apesar do que se pen- a causa está enraizada na cultu-

sa, a lei Maria da Penha não foi ra brasileira e apenas punir não

promulgada pelo fato do Brasil faria com que as agressões dimi-

proteger seus cidadãos, nesse nuíssem, justamente por prever

caso específico, as mulheres. O atendimento integral à vítima e

fato foi de que em 2001 o Brasil determinar a criação de oportu-

foi condenado no sistema Intera- nidades de conscientização é que

mericano de Direitos Humanos a lei se tornou internacionalmen-

sendo assim, apenas em 2006, o te reconhecida e celebrada.

então presidente Lula instaura a Segundo Gherini (2019)

Lei Maria da Penha. ‘’Para que a lei seja aplicada é ne-

O Brasil sendo conside- cessário que a vítima seja mulher

rado omisso na luta por justiça de [...] Outro fator relevante, e que

Maria da Penha Maia Fernandes poucos sabem, é que o agressor

foi obrigado a criar uma políti- não precisa ser um homem para

ca pública de atendimento a ca- que a Lei Maria da Penha possa

sos como o da Maria da Penha, ser aplicada.’’ Apesar da lei e da

evitando que mulheres como ela forma que ela é executada, os nú-

ficassem desamparadas e seus meros cresceram, principalmente

agressores impunes. Essa lei pro- durante a pandemia do coronaví-


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rus. será bastante abordado no futuro

mercado de trabalho.

CONSIDERACOES FINAIS

Referências

Durante o desenvolvi-

mento deste trabalho foi aborda- AGUIAR, Luiz Henrique. Gêne-

do sobre a violência doméstica e ro e Masculinidade: follow-up de

como o Psicólogo deve agir dire- uma intervenção com homens au-

tamente com a vítima, foi anali- tores de violência conjugal. Dis-

sado fatores como a lei Maria da sertação de Mestrado. Programa

Penha que teoricamente protege de PósGraduação em Psicologia:

as vítimas, as formas de violên- Universidade de Brasília, 2009.

cia que apesar do que se pode AZEVEDO, M. A. & Guerra, V.

pensar, não existe apenas na for- (1995). Violência doméstica na

ma física, as consequências na infância e na adolescência. São

vítima que as agressões podem Paulo: Robe Editorial.

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114 115
estes. Este tema é de imensa http://www.planalto.gov.br/cci-

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de Psicologia já que os casos de L11340.htm. Acesso em 17 de

violência doméstica estão cada Dezembro de 2020

vez mais frequentes como tam- COMINO, Tamires Maria. A

bém traz os tipos de violência e Atuação Direta do Psicólogo

alguns meios de ajuda à vítima, com Mulheres Vítimas de Vio-

por ser algo que provavelmente lência Doméstica. Psicologado,


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118
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Vol. 02 - n 02 - ano 2021

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Estudos
Interdisciplinares
119
TERRAS INDÍGENAS: DA COLÔNIA A ATUALIDA-
DE
INDIGENOUS LANDS: FROM THE COLONY TO
CURRENTITY

Gabriela Carneiro Macedo1

Bruna Silva de Souza2

Giovana Menezes da Cruz Lima3

Pedro Alves do Carmo Neto4

Bruno Oliveira Santos5

Resumo: Este artigo enfoca na indígenas passam desde a chega-

problemática da demarcação da dos portugueses, foi possível

do território indígena no Brasil, identificar toda problemática em

identificando todo o processo torno do direito territorial indíge-

histórico, desde a colonização até na. Além disso, foi realizada uma

os dias atuais. Utilizando de uma pesquisa descritiva, feita a partir

pesquisa bibliográfica e apresen- de um questionário com o intuito

tando dados e fatos que funda- de aproximar o apresentado com 120

mentam todo o entrave que os a opinião pública e esclarecer

1 Graduandos do curso de direito da Faculdade Nobre de Feira


de Santana
2 Graduandos do curso de direito da Faculdade Nobre de Feira
de Santana
3 Graduandos do curso de direito da Faculdade Nobre de Feira
de Santana
4 Graduandos do curso de direito da Faculdade Nobre de Feira
de Santana
5 Graduandos do curso de direito da Faculdade Nobre de Feira
de Santana
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qual a posição dos aborígenos identifying the entire historical

perante a sociedade em geral, process, from colonization to

na atualidade. Ademais, as per- the present day. Using a biblio-

guntas feitas ao povo, ratificou graphic search and presenting

o pensamento de que, ao longo data and facts that justify all the

dos anos, os índios têm perdido obstacles that the indigenous pe-

mais que ganhado, o que não se ople face since the arrival of the

trata só de riqueza, mas de cultu- Portuguese, it was possible to

ra, história e legitimidade como identify all the problems surrou-

o povo nativo desse Estado. Por- nding indigenous territorial law.

tanto, tem-se que os malefícios In addition, a descriptive rese-

da colonização refletem até hoje arch was carried out, based on

na vida dos indígenas, que se an- a questionnaire to approximate

tes eram os “donos” das terras, what was presented with public

hoje precisam lutar pelos seus di- opinion and to clarify the posi-

reitos para garantir a sobrevivên- tion of aborigines before society

cia e as poucas demarcações que in general, today. Furthermore,

lhes restam. the questions asked to the peo-


121
ple, confirmed the thought that,

Palavras chaves: demarcação over the years, the Indians have

territorial, terras indígenas, colo- lost more than won, which is not

nização, capitalismo, atualidade. only a matter of wealth, but of

culture, history and legitimacy

Abstract: This article focuses on as the native people of that State.

the problem of the demarcation Therefore, it is clear that the evils

of indigenous territory in Brazil, of colonization still reflect in the


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lives of the indigenous people, M., 2016). A carta do descobri-

who were formerly the “owners” mento, descrevendo a população

of the land, today they must fight indígena demonstra a discrepân-

for their rights to guarantee their cia existente entre essas culturas,

survival and the few demarca- como escrito por Pero Vaz de Ca-

tions that remain. minha (1500):

A feição deles é se-


Keywords: territorial demarca-
rem pardos, maneira
tion, indigenous lands, coloniza- de avermelhados, de
tion, capitalism, present. bons rostos, narizes,
bem-feitos. Andam
nus, sem nenhuma
INTRODUÇÃO cobertura. Nem es-
Em meados de 1500, vi- timam de cobrir ou
de mostrar suas ver-
vendo um cenário de euforia mer-
gonhas; e nisso têm
cantilista e de busca por um novo tanta inocência como
caminho marítimo para chegar em mostrar o rosto.

ao oriente, o português Pedro Al-

vares Cabral chega, por acidente, O processo de coloniza-


122
ao território, hoje, denominado ção não demorou a acontecer e os

Brasil. Inicialmente, não se inte- índios, que eram vistos como sel-

ressaram pelas terras brasileiras, vagens, tiveram que se adequar

nem acharam riquezas ou explo- ao modelo instituído pela coroa e

raram o território, encontraram pelos itinerantes portugueses. De

apenas um povo com costumes forma violenta e agressiva ocor-

muito diferentes dos europeus, reu a catequização, o ensino da

chamando-os de índios (COSTA, língua portuguesa e a utilização


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da mão de obra de modo análogo e físicas, com a demarcação de

a escrava, retirando dos nativos o terras.

direito de possuir a sua terra, a A Constituição Federal

própria identidade e a dignidade brasileira, no artigo 231, garan-

(RIBEIRO, D.,2006). te o reconhecimento a cultura,

O período colonial vivi- organização e, principalmente,

do pelo país, juntamente com os o direito sobre o território que

diversos processos históricos vi- tradicionalmente ocupam. Po-

vidos ao longo dos anos, trouxe rém, mesmo possuindo respaldo

grandes perdas culturais e reli- constitucional, as regiões perten-

giosas ao povo indígena, refletin- centes ao povo aborígeno correm

do na situação precária vivida na riscos com os ataques de grandes

atualidade por essa parcela e no empresários, fazendeiros e polí-

baixíssimo asseguramento aos ticos, sendo esse fato veiculado,

seus direitos humanos e territo- amplamente, pelas mídias so-

riais. Mesmo já tendo conseguido ciais.

algumas conquistas, por meio da A evolução do capita-

legislação e da criação das orga- lismo e da questão latifundiária


123
nizações que garantem proteção, no Brasil, trazendo a terra um

os aborígenos ainda sofrem com caráter de mercadoria e geradora

a falta de normas efetivas e assis- de altos lucros, acarretou em di-

tência jurisdicional. versas expropriações e expulsões

A população indígena, dessa população tradicional. Aos

no cenário brasileiro contempo- índios que resistiram, e ainda

râneo, enfrenta grandes proble- continuam resistindo, restou so-

mas, por meio de brigas judiciais breviver com as ameaças e lutas


ISSN: 2675-7

Vol. 02 - n 02 - ano 2

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contra os avanços das variadas tradição.

formas de exploração comercial.

Outro fator preponderante, e que CONTEXTO HISTÓRICO E

gera o interesse da classe econo- A EXPROPRIAÇÃO INDÍGE-

micamente dominante, é a vasta NA

riqueza natural que as regiões A população indígena,

ocupadas pelos indígenas pos- segundo o censo de 2010 do Ins-

suem, atraindo o agronegócio e tituto Brasileiro de Geografia e

impulsionando os embates jurí- Estatística (IBGE), chega a, apro-

dicos e conflitos físicos, que são ximadamente, novecentos mil

uma realidade brasileira (SILVA, pessoas, sendo estas divididos

E., 2018). em 305 etnias. Representando,

Portanto, os processos apenas, 0,4% do povo brasileiro,

históricos e o sistema econô- os índios estão convivendo com

mico, desenvolvido pelo país, o descaso político, as frequentes

trouxeram perdas incalculáveis disputas territoriais e a luta as-

a população indígena, trazendo sistencial, reflexo da exploração

destaque a importância de refletir histórica e da falta de direitos dos


124
sobra a história e discutir sobre o aborígenos ao longo dos anos.

direito territorial e a concretiza- O Brasil esteve duran-

ção das leis de defesa já existen- te séculos sob o domínio portu-

tes, com o objetivo de reparar os guês, fato que resultou na retira-

danos sofridos, permitir o pleno da de muitas riquezas naturais e

desenvolvimento da sua cultura culturais, além da dizimação de

e assegurar a possibilidade de milhares de indivíduos, princi-

viver livremente, conforme a sua palmente, dos povos tradicionais


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e nativos. Segundo Fernando Buscando a dominação

Bastos (1956), só no litoral bra- e o ganho da confiança desses

sileiro somavam um milhão de indivíduos, que possuíam muito

índios, sendo grande parte de conhecimento sobre o território

origem Tupi. A partir dos dados brasileiro, iniciou-se um sistema

apresentados, é possível notar de trocas de informação e tra-

a quantidade de indivíduos que balho por mercadorias irrisórias

morreram e as tradições que fica- mas novas para o povo indígena.

ram esquecidas no caminho. Conquistando o monopólio bra-

Os portugueses quando sileiro e desejando a posse efeti-

chegaram aqui, encontraram um va da terra, logo esse sistema foi

povo diferente, com costumes, deixado para trás e a escraviza-

religião, cultura e tradição nun- ção passou a vigorar, com muitas

ca antes vistos. Já desenvolviam mortes aborígenes no caminho

a agricultura, principalmente, os (COSTA, M., 2016).

povos tupis, que representavam Na instauração políti-

maioria no litoral, garantindo a ca do sistema de sesmarias, que

alimentação no cultivo de milho, eram grandes porções de terra


4 125
mandioca, batata-doce, entre ou- concedidos pela Coroa portugue-

tros ingredientes. Faziam tam- sa a homens ricos e da confian-

bém atividades de caça, pesca e, ça do rei, foi realizado o Alvará

posteriormente, pastoreio (RI- Régio de 1680, e posteriormente

BEIRO, D. ,2006), ou seja, os in- reforçado pela Lei Pombalina em

dígenas usufruíam e dependiam 1755, o direito do domínio dos ín-

totalmente da terra e dos frutos dios sob as terras já ocupadas por

gerados por ela. eles, sem que possa ocorrer inva-


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sões e explorações (FUNAI). Na imposto e tendo a sua fonte de

pratica, o que ocorreu, novamen- sobrevivência – a terra- tomada

te, foi a exploração territorial e a pela monocultura com o objetivo

dominação indígena resultando de angariar riquezas.

na grande concentração de terras A retirada dos índios do

nas mãos das classes agrárias e local onde viviam afetou, direta-

na desigualdade da distribuição mente, a subsistência, a tradição

fundiária no Brasil. e a sobrevivência do índio, por-

A sociedade colonial tanto a questão fundiária para os

passou por mudanças, porém aborígenos tornou-se um proble-

ainda possuía a mesma estrutura ma que só foi intensificado com

social. Os índios tiveram a sua o tempo. Após a declaração da

mão de obra substituída, em boa independência, o pensamento

parte, pela de negros africanos continuava sendo a dominação

que eram exportados e possuíam para a eliminação e a questão

maior força física para trabalho, territorial indígena tornou- se um

este fato, no entanto, não deu a problema muito maior.

liberdade nem assegurou direi- Segundo Maria Hilda


126
tos e, menos ainda possibilitou (2010, p.2),

a reapropriação das terras que


[...]no tocantes ao
eram do povo nativo. Ao contrá-
destino das popu-
rio disso, os índios continuaram lações indígenas, a
a ser tratados como um povo sem questão do lugar a
ser ocupado por es-
civilização e racionalmente infe-
sas populações sem-
rior, sendo subjugados das mais pre foi um problema
variadas formas pelo modelo de difícil solução.
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Admiti-las como os o latifúndio, institucionalizando
primitivos proprietá- diversas formas de apropriação
rios do país, implica-
e permitindo aos fazendeiros re-
va no reconhecimen-
to do seu direito ao alizar a agricultura em alta escala
território que ocupa- (SILVA, E.C.A.,2018).
vam, o que contraria-
O direito territorial in-
va os interesses das
elites e da população dígena só foi, firmemente, deba-
em geral, segmentos tido e assegurada juridicamente
sociais defensores da
na constituição no fim do gover-
expansão continuada
do processo de con- no provisório de Getúlio Vargas.
quista e exploração Ademais, esta garantia legislati-
das terras que com-
va não foi colocada em prática e
punham, como um
todo, o território na- a população indígena continuou
cional. a ser negada em relação aos seus

direitos. Nos governos subjacen-


Nesse sentido, a elite e o
tes, a população aborígene con-
governo da época discutiam entre
tinuou sem receber a assistência
eliminar os indígenas para retirar
necessária e nem o ressarcimento
esse obstáculo ao progresso de 127
dos danos culturais e das perdas
apropriação das terras brasileiras
territoriais que sofreram com a
ou manter a exploração da mão
retirada da terra em que produzia
de obra aborígene, desvalorizan-
e morava e a exploração de seu
do, continuamente, o papel nati-
trabalho.
vo na sociedade. Em 1850, então,
O interesse capitalista
a lei de Terras regulamentou a
aumentou, e a questão indígena
questão fundiária, legitimando
sobrevive, até hoje, com a incer-
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teza de ter as suas terras ataca- ção, trouxe o artigo 72 esclarece

das, constantemente, por fazen- que,” serão reservadas as terras

deiro e empresários, apoiados, na devolutas para colonização e al-

maioria das vezes, pela política deamento de indígenas, nos dis-

brasileira. tritos onde existirem hordas sel-

vagens.”, e o artigo 75:

GARANTIAS LEGISLATI-
As terras reservadas
VAS E SUA EVOLUÇÃO COM
para colonização de
O TEMPO indígenas, e para eles
No período colonial, distribuídas, são des-
tinadas ao seu usufru-
como tratado anteriormente,
to; não podendo ser
houveram duas leis - o Alvará alienadas, enquanto
Régio e a Lei Pombalina – que o Governo Imperial,
por ato especial, não
defendiam o direito territorial in-
lhes conceder pelo
dígena, protegendo, legalmente, gozo delas, por as-
de invasões e dizendo, expres- sim o permitir o seu
estado de civilização.
samente, que aquela região era
(BRASIL,1850)
dos índios. Porém, essas leis não
128
foram suficientes para controlar a
Em 1934, a Constituição
retirada da terra indígena e nem
republicana outorgada por Ge-
o processo de exploração vivido
túlio Vargas, a posse territorial
nesse período.
indígena foi assegurada no artigo
No período imperial, a
129, “Será respeitada a posse de
lei de Terras, de 18 de setembro
terras de silvícolas que nelas se
de 1850, de modo contraditório
achem permanentemente loca-
ao objetivado por essa legisla-
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Vol. 02 - n 02 - ano 2021

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lizados, sendo-lhes, no entanto, direitos civis, assistenciais, tra-

vedado aliená-las.”. Esta garantia balhistas e territoriais, além de

foi novamente citada nas Consti- uma série de definições jurídicas

tuições seguintes – 1937 e 1946- acerca da vida indígena. Entre os

trazendo ênfase aos direitos abo- assuntos tratados e os conceitos

rígenos. instaurados, está o de terras in-

Em 1967, instituída no dígenas que segundo o artigo 17,

período de regime militar, apesar trata-se de terras ocupadas ou ha-

do seu caráter repressivo, a Cons- bitadas, bem como as que estão

tituição expressou que os indíge- no domínio indígena, e as que

nas teriam o direito não só de são reservadas pela união para

possuir, mas também de usufruir que possam viver e obter a sub-

dos recursos naturais e de todos sistência.

os bens provenientes da terra. A Somando-se a isso, o es-

emenda constitucional de 1969, tatuto foi um dos primeiros do-

acrescentou a legislação um pa- cumentos legislativos que falou

rágrafo anulando os efeitos jurí- sobre a demarcação das terras

dicos que utilizem como objeto indígenas, no artigo 19, dizendo

os territórios ocupados por po- quais regiões são de posse per- 129

pulações indígenas, preservado manente indígena e dando o pra-

ainda mais os direitos territoriais. zo de cinco anos para que a de-

Anos mais tarde, foi ins- limitação ocorresse, conferindo,

tituído, por meio da Lei 6.001 de também, assistência da União e

19 de setembro de 1973, o Esta- das Forças Armadas para asse-

tuto do Índio que expressa uma gurar a região habitada. Além

serie de regulamentações sobre disso, e do fato de poder usufruir


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da terra e de todos os bens prove- uma ideologia valorativa nos dis-

nientes dela, as áreas de proprie- positivos presentes.

dade aborígene só poderá sofrer Fernando Henrique Car-

intervenção por motivos de segu- doso, presidente do Brasil entre

rança e saúde pública. 1995 e 2003, baixou o Decreto

A Constituição Federal 1.775 de 8 de janeiro 1996, que

do Brasil de 1988, que está em buscava dispor sobre os proce-

vigor até a atualidade, conta com dimentos administrativos para

diversas disposições sobre as ter- a demarcação de terras aboríge-

ras e a vida indígena, ampliando nes e estabelecendo prazos cur-

os conceitos dispostos na cons- tos para que fossem efetuadas as

tituição anterior e reforçando os demarcações territoriais. Esse

aspectos descritos no Estatuto decreto foi relevante, e é utiliza-

do Índio. O reconhecimento a do até os dias atuais, pelo estado

organização social, os costumes, brasileiro.

línguas, crenças e tradições e os Todos os documentos

direitos territoriais no documen- legislativos elencados, tinham

to considerado a Carta Magna como objetivo regulamentar os


130
do país trouxe maior prestigio direitos territoriais indígenas e

a cultura dos índios.Com isso, salvaguardar a cultura e a tradi-

a constituição, conhecida como ção, visto que a terra possui fun-

cidadã, deixou para trás a ideia, ção fundamental para a subsis-

retrograda, que acreditava na in- tência, manutenção da vida e dos

tegração e adaptação dos indíge- aspectos sociológicos da comuni-

nas a sociedade, para que fossem dade indígena.

incorporados nela, e colocado


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DEMARCAÇÃO DE TERRAS rado muitos conflitos, principal-
NA ATUALIDADE mente nas regiões Norte, Sul e
Segundo dados do Fu- Sudeste que possuem maior con-
nai, existem hoje no Brasil 462 tingente populacional de índios,
terras demarcadas, ou seja, cerca levando ao aumento da morte de
de 12,2% do território nacional, aborígenos.
localizado em todos os biomas, Segundo dados do CPT
pertencem aos índios. Outra pes- (Conselho Pastoral da Terra), em
quisa feita pelo órgão, indica que, 2013 houve o assassinato de 15
dessas terras regulamentadas, índios motivados pela disputa de
8% não estão plenamente em terra e, um dado mais recente,
posse indígena. Estes dados mos- mostra que em 2019 morreram 7
tram que mesmo com as diversas lideranças indígenas em conflitos
leis de proteção territoriais, esse no campo. Desse modo, é possí-
direito não está sendo efetivado, vel perceber que, ao contrário do
demonstrando que a questão da que foi assegurado, o governo
demarcação de terras é um pro- federal não tem intervindo para
blema no país. assegurar os direitos conquista-
A questão fundiária en- 131
dos, permitindo que muitas vidas
volve interesse antagônicos: por indígenas sejam perdidas.
um lado os indígenas, querendo A política brasileira, no
usufruir da terra concedida le- entanto, durante toda a sua histó-
galmente pela União, e de outro ria, buscou beneficiar as classes
os grandes proprietários de terra, com maior poder aquisitivo e po-
buscando aumentar seus lucros tencializar os ideais capitalistas.
e explorar. Este impasse tem ge- Nessa perspectiva, o Congresso
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Nacional Brasileiro conta com munidades indígenas. Desde que

a chamada Bancada Ruralista, o atual presidente Jair Messias

que se formou a alguns anos, Bolsonaro assumiu o governo do

representando os interesses dos país, diversas ações têm sido fei-

latifundiários e do agronegócio tas para travar o processo de de-

e criticando as leis trabalhistas marcação de terras. Somando-se

e ambientais. Desde 2016, com a isso, o governante expôs duran-

a posse de Michel Temer como te muitas declarações oficiais que

presidente e o apoio dele a esses não pretende demarcar nenhuma

deputados, uma série de medidas terra indígena em seu mandato.

que pretendem permitir a agri- Segundo um levanta-

cultura em terras indígenas e ve- mento da Agência Pública, cerca

dar a expansão das demarcações. de 114 certificações a fazenda fo-

Com pouca representa- ram aprovadas, pelo Sistema de

ção no congresso e o interesse no Gestão de Terras, em terras não

crescimento econômico predo- homologadas, ou seja, regiões

minando, a população indígena que estavam esperando o decreto

vem perdendo muitos direitos e presidencial para serem demar-


132
os que ainda restam não são efi- cadas. Muito mais do que uma

cientemente aplicados, deixando questão político-partidária, trata-

essa parcela da população caren- -se de manter um posicionamen-

te de ações efetivas e a mercê do to que busca reduzir os direitos

grande capital. instituídos constitucionalmente,

A situação política no agir ilegalmente e retroceder os

país tem caminhado de modo direitos que foram adquiridos

cada vez mais desfavorável as co- com muita luta pelos aborígenos.
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Desse modo, é possível sociedade hodierna. Nessa pers-

concluir que a demarcação de pectiva, foram feitas reflexões

terras é um assunto que preci- sobre como a falta de assegura-

sa ser mais debatido e que, ape- mento dos direitos indígenas de

sar da maioria dos pesquisados hoje em dia, tem profunda liga-

concordar com a demarcação de ção histórica com a origem do

terras, o ideal integracionista, que hoje chamamos de Brasil, e

de que todos devem ser tratados essa ligação é exposta não apenas

como uma unidade, disseminado pela história em si, mas também

durante muitos anos na socieda- pela legislação que se transforma

de, ainda reflete na atualidade. paralelamente com o país.

Essa opinião majoritária contri- O Brasil, apesar de tudo,

bui para o avanço dos ideais ca- ainda tem um número considerá-

pitalistas, de leis que beneficiem vel de populações indígenas no

esse sistema e a inserção dos in- seu território, e para que seus

dígenas e suas terras no campo direitos sejam assegurados é ne-

econômico. cessário que as discussões e pes-

quisas no âmbito acadêmico e ju-


133
CONSIDERAÇÕES FINAIS rídico sobre o assunto continuem

O trabalho de pesquisa a evoluir cada vez mais, pois essa

feito nesse artigo, que tem como é a única forma de reparar histo-

objetivo ampliar a discussão ricamente esses povos que ainda

acerca do problema territorial hoje são hostilizados e maltra-

indígena, conta com referenciais tados sem que haja, de fato, um

literários e históricos para enten- protetor de seus interesses. Por-

der esse problema que persiste na tanto, é necessário reforçar, ain-


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da mais, a luta a favor dos povos Tudo o que foi apre-

que estão no território brasileiro sentado ao longo deste artigo,

muito antes da chegada dos por- é meramente uma fração da re-

tugueses. alidade cruel que existe Brasil

Diante dos fatos aborda- afora, conscientizar e informar é

dos, fica evidente que as legisla- um dos grandes méritos de que

ções que protegem e asseguram gozam um trabalho acadêmico,

os direitos dos povos aborígenes, que muito além para acúmulo de

em relação às suas terras, são dados, serve também para expor

extremamente deficitárias e está problemas antepassados que in-

longe do ideal para que se possa sistem em impregnar a sociedade

dizer que é de fato justo a forma brasileira.

que o território brasileiro é repar-

tido. A conclusão mais clara que REFERÊNCIAS:

se pode tirar desse artigo que foi

apresentado, é que a população COSTA, Marcos. A história do

geral também precisa lutar por Brasil para quem tem pressa.

interesses indígenas, pois apenas Rio de Janeiro: Valentina, 1 ed.,


134
dessa forma, as políticas públicas 2016. SILVA, Elisangela Cardoso

direcionadas para esses povos de Araújo da. Povos Indígenas e

poderão ser implementadas de o direito à terra brasileira. Serv.

uma forma eficiente e que se pos- Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p.

sa lutar contra grandes latifundi- 480-500, set./dez. 2018. Dispo-

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Acesso em: 22 de junho de 2020

137
ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS
NA MODERNIDADE LÍQUIDA: DIALOGIA E IN-
TERDISCIPLINARIDADE

HIGH SCHOOL AND MEDIA EDUCATION IN LI-


QUID MODERNITY: DIALOGY AND INTERDISCI-
PLINARITY

Alessandra Maria Martins Gaidargi1

Resumo: O presente artigo, de lo Freire e das condições de li-

caráter teórico-conceitual, abor- quidez e fluidez das sociedades

da a relação entre educação para modernas de Zygmunt Bauman,

as mídias e a modernidade líqui- contextualizadas a partir do mo-

da, apontando a dialogicidade mento atual da sociedade, espe-

e a interdisciplinaridade como cificamente no âmbito da esco-

caminhos possíveis para o esta- la de nível médio direcionada à

belecimento de um processo de educação dos jovens. Nas con- 138

ensino-aprendizagem acerca da siderações apontamos a viabi-

temática com jovens estudantes lidade da dialogia e da interdis-

do Ensino Médico. Este estudo ciplinaridade freiriana enquanto

apresenta referencial teórico es- caminho para uma educação para

truturado sobre os conceitos de as mídias integrada à realidade e

diálogo e dialogicidade de Pau- receptiva às mudanças e atualiza-

1 Universidade Nove de Julho


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ções contínuas do conhecimento Bauman, contextualized on the

demandadas pela modernidade current moment of society, spe-

líquida, oferecendo uma propos- cifically in the context of secon-

ta de educação emancipatória e dary school aimed at education

libertadora a partir da integração of young people. In the conside-

entre escola e todos os tipos de rations, we point out the viabi-

mídias disponíveis. lity of Freire’s dialog and inter-

disciplinarity as a path towards

Palavras-chave: Dialogia; Jo- an education for the media in-

vens; Freire; Bauman. tegrated to reality and receptive

to the changes and continuous

Abstract: This theoretical-con- updates of knowledge demanded

ceptual article addresses the re- by liquid modernity, offering an

lationship between education for emancipatory and liberating edu-

the media and liquid moderni- cation proposal based on the in-

ty, pointing out dialogicity and tegration between school and all

interdisciplinarity as possible types of media available.

paths for the establishment of a


139
teaching-learning process with Keywords: Dialogy; Young;

young students of High School. Freire; Bauman

This study presents a structured

theoretical framework on the INTRODUÇÃO

concepts of dialogue and dialogi-

city by Paulo Freire and the con- A escola passa por desa-

ditions of liquidity and fluidity fios para se aproximar dos alunos,

of modern societies by Zygmunt que cada vez mais se individuali-


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zam e buscam conhecimento por do (Freire, 2011b), a instituição

conta própria, através dos meios escolar se apresenta local extre-

midiáticos e tecnológicos dispo- mamente apropriado para que

níveis. No Brasil, a relação entre aconteça o aprendizado sobre as

escola e comunicação tem sido mídias. E, neste mesmo sentido,

objeto de muitos estudos e pro- o aprendizado sobre a tecnolo-

postas interdisciplinares. gia que permite a comunicação

A educação é terreno integrada e virtual, diretamente

dialógico, é espaço de encontro ligada às novas mídias e à aces-

de homens e mulheres para, em sibilidade que hoje se apresen-

comunhão, construir o mundo ta. Sabe-se que a informação é,

(Freire, 2011b). Sendo local de hoje, oferecida em larga escala,

diálogo é, portanto, espaço que porém demanda a avaliação e

pertence a todos e reflete a socie- o senso crítico em sua tradução

dade que o entorna. A atividade como conhecimento. Com uma

escolar não é uma parte da vida necessidade crescente de checa-

dos seres humanos, é a própria gem permanente de fontes, vis-

vida acontecendo dialogicamen- to o crescimento acentuado de


140
te, num ambiente onde tudo aqui- fake news, cabe à escola o papel

lo que pertence à vida deve estar de mediadora da relação entre

presente para tornar-se objeto do crianças e jovens e mídia. A pos-

diálogo – o que inclui as mídias. tura crítica à tecnologia adotada

Se a escola se propõe a pelas escolas por muitas décadas

promover educação de mulheres é hoje ressignificada em relação

e homens, que se educam em re- à identificação do jovem com as

lação e mediatizados pelo mun- tecnologias e, considerando esta


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uma parte importante do proces- educação e comunicação é revi-

so de sua construção de conhe- sitada a fim de que se encontrem

cimento, auxiliar na busca pela condições de uma educação para

informação por diversos meios, as mídias não limitante. A esco-

educando para a utilização das la que alunos e alunas buscam

tecnologias e mídias da maneira como caminho para seu desen-

mais produtiva. volvimento é aquela com que se

A educação, em si, não identificam, por sua vez também

transforma a realidade, quem o com a característica da flexibili-

faz são os sujeitos dialógicos ao dade trazida pela modernidade

educarem-se, mas a educação líquida. Bauman (2010) aponta,

participa da constituição social em sua obra Capitalismo Para-

(Freire, 2011a). Educação não sitário, a característica básica de

é locus de reprodução do status nossa realidade atual:

quo mas sua função social e hu-


No mundo líquido
manística requerem que o mundo
moderno, a solidez
adentre suas portas exatamente das coisas, assim
como é para que possa ser trans- como a solidez dos
vínculos humanos, 141
formado.
é vista como uma
As mídias na sociedade ameaça: qualquer
caracterizam-se, neste momento, juramento de fideli-
dade, qualquer com-
como um fluxo contínuo, dentro
promisso a longo
do paradigma da modernidade prazo (e mais ainda
líquida (Bauman, 2001; 2010). por prazo indeter-
minado) prenuncia
Neste contexto de relações flu-
um futuro prenhe de
tuantes, a própria relação entre obrigações que limi-
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tam a liberdade de cialidade dialógica do educar. A
movimento e a ca- questão é que, no cenário atual,
pacidade de perceber
“a perspectiva de se ver restrito
novas oportunidades
(ainda desconheci- a uma única coisa a vida inteira
das) assim que (ine- é repulsiva e apavorante” (Bau-
vitavelmente) elas
man, 2010, p.41) dentro da pers-
se apresentarem.
(BAUMAN, 2010, pectiva da modernidade líquida,
p.41) e a educação tem de estar sempre

em construção para suprir as ex-


Desta forma, uma das pectativas destes alunos e alunas
necessidades da escola passa a que vivenciam a liquidez em to-
ser tornar-se identificável com das as esferas do viver.
este aluno que não quer alianças Visando integrar o
com situações passadas, que se aprender e o viver a realidade
vê acuado pela proposta de um surgem projetos de educação
ensino estagnado, onde sua atu- para as mídias apoiados em in-
ação no processo educativo se terdisciplinaridade. Reconhecido
resume a ouvir e comprovar que em alguns movimentos também
aprendeu. Este é um movimento 142
como educomunicação, o con-
que já vem ganhando força há al- ceito de educação onde o aluno
gum tempo, visto que o concei- é orientado a produzir e com-
to de educação bancária (Freire, preender os diversos veículos de
2011b), que chega pronta para ser comunicação, criando uma ponte
consumida e não construída en- com o mundo e podendo, a seu
tre pares, já vem sendo negado tempo, explorar a informação
quando se leva em conta a poten- que recebe de maneira adequada,
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apresenta-se como um caminho na existência fora dos muros es-

para a construção de uma relação colares.

saudável e crítica entre homens e Pensar em educação

mulheres e as mídias que os co- como algo estático, na perspecti-

nectam ao mundo que constroem va da modernidade líquida, pode

e transformam. tornar-se um pesadelo para os jo-

vens e, também, para os educa-

EDUCAÇÃO E OS JOVENS dores, se almejam a dialogia em

MODERNOS sua prática. Este é um panorama

O Ensino Médio é um muito diferente do que buscamos

período de descobertas e de apro- num contexto de educação dialó-

priação do mundo para os jovens. gica, onde o aluno tem a escola

A escola de nível médio integra- como sonho, e como força de

-se com a realidade em todos os impulso para alcançar outros so-

seus aspectos a fim de se tornar nhos. De acordo com Bauman

ambiente de possibilidades dia- (2010, p.42), “a ideia de que a

lógicas para adolescentes em seu educação pode consistir em um

momento de transição para a vida produto feito para ser apropriado


143
adulta. A autonomia buscada e conservado é desconcertante”,

na educação por meio do diálo- em outras palavras, para o jo-

go (Freire, 2011a) se desenvolve vem do século XXI uma escola

no cotidiano escolar de jovens que não se constrói juntos e uma

que exercitam o estar sendo no educação que não se revisita o

mundo a partir de suas particu- tempo todo são mais que limi-

laridades, dentre elas as mídias tantes ou ineficazes, constituem

exatamente como se apresentam um modelo perturbador. Cabem


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então, aos educadores, propos- e Alfa, de crianças nascidas a

tas que permitam a interação das partir de 2010 (McCrindle, 2009;

relações propriamente escolares 2015), compreendem a tecnolo-

e a liquidez de relações às quais gia e a maneira bastante integra-

seus alunos estão expostos sem da com o mundo e com a própria

que, nesta intersecção, tornem-se existência, diferente dos seus

líquidos também os ideais educa- educadores e educadoras, por sua

tivos. vez representantes em sua grande

Encontrar caminhos maioria de gerações anteriores,

para esta conexão entre a escola e que aprenderam a lidar com a

os estudantes é tarefa duplamente tecnologia como algo externo. É

árdua aos professores e às profes- um choque cultural efetivamen-

soras que ousam questionar e re- te, visto que qualquer reativida-

volucionar a educação moderna. de que parta dos que se propõe

Além da questão da superação de a ensinar é recebida como uma

dogmas e paradigmas que estão ruptura com a própria realidade

consigo desde sua formação, a por aqueles que estão no papel de

fim de romper com o tradiciona- aprendizes.


144
lismo e abrir portas para novas Evidentemente, num

formas de ensinar, exige-se deles contexto dialógico, todos os en-

que desempenhem papel de inter- volvidos no processo educativo

locutores de um mundo que mui- são, ao mesmo tempo, aprendi-

tas vezes não dominam por com- zes e ensinantes, posto que todos

pleto, que muda a todo o tempo. trazem consigo seus saberes e

As gerações Z, de crian- leitura de mundo (Freire, 2011a).

ças nascidas entre 1995 e 2010, Entretanto a organização escolar


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pressupõe a autoridade do pro- avaliado com base em sua capa-

fessor e da professora, que afas- cidade de representar fielmente

tada do autoritarismo permite a o mundo” (Bauman, 2010, p.43),

ordem e o respeito que permitem como deve agir o professor que

o diálogo (Freire, 2011b). É neste se vê diante de um mundo em

ponto, quando professores e pro- constante movimento, “que muda

fessoras se dedicam ao ofício de de uma forma que desafia cons-

organizar e possibilitar o terre- tantemente a verdade do saber

no do diálogo, que as diferenças existente” (id., ibid.)? Entender a

estruturais entre as gerações no relação dos jovens com as mídias

que tange a tecnologia e a relação e com o mundo virtual como um

com as novas mídias pode tor- todo é imprescindível para uma

nar-se um uma situação delicada, educação dialógica.

especialmente quando se trata do

ambiente virtual – quintal das no- APROXIMANDO A EDUCA-

vas gerações e ambiente inóspito ÇÃO DA REALIDADE

para os nascidos antes de 1995.

Este choque de culturas digitais Neste contexto de no-


145
tem se estabelecido de maneira vos modelos de mídias coexis-

mais aberta no Ensino Médio. tindo com as antigas propostas,

Esta questão particular e de convivência entre gerações

deve ser considerada para evitar de diferentes compreensões de

a banalização do novo contexto mundo, notadamente o digital e

do educador numa educação que virtual (McCrindle, 2015), dentro

faça sentido ao jovem. Se “em to- das salas de aula, surgem os pro-

das as épocas o conhecimento foi jetos de educação para as mídias


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não só como um estudo sobre o de, inclusive, de se encaixar nele.

que são as interações midiáticas O diálogo constrói a ponte en-

e como se constroem, mas como tre os jovens, e entre estes e seu

uma proposta de educar na inter- próprio tempo, portanto a dialo-

secção entre os saberes já estabe- gicidade nos processos de apren-

lecidos e os novos, que surgem dizagem é a aprendizagem em

diariamente. Por meio de práti- verdade, visto que é movimen-

cas que envolvem as tecnologias to pelo qual homens e mulheres

que fazem parte da vida dos jo- tornam-se sujeitos de sua própria

vens em suas relações diárias e história (Freire, 2011b).

das quais eles se apropriam sem A busca da escola deve

precisar de ajuda, estas propostas ser no sentido de compreender

viabilizam a construção de senso os novos desafios que se abrem

crítico sobre a informação rece- diante do jovem e proporcionar

bida, por vezes massificada, ca- meios para construir autonoma-

nalizando o conhecimento apre- mente caminhos para superá-los,

endido por meio delas. para se sentir pertencente à sua

O uso de novos recursos sociedade, ainda que ela seja rá-


146
para a educação, principalmente pida e muitas vezes fugaz. Como

aqueles que foram integrados à traz Bauman “num mundo como

vida dos alunos por eles mesmos este, o conhecimento é destinado

em sua descoberta de mundo, pa- a perseguir eternamente objetos

rece uma alternativa viável para sempre fugidios que, como se

aproximar a escola do estudante não bastasse, começam a se dis-

que está a frente de seu próprio solver no momento em que são

tempo, tendo por vezes dificulda- apreendidos” (2010, p.45), e esta


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velocidade desenfreada do novo é reinventar imposta aos jovens

um fator de desmotivação para o pela modernidade liquida, uma

aluno se ele não identificar que se vez consideradas as premissas de

educa no mundo, dialogicamen- Bauman (2001; 2010) de que qual-

te, em comunhão com o outro, na quer coisa pode acontecer a qual-

mesma velocidade. O aluno e a quer momento e nada pode ser

aluna do Ensino Médio precisam feito de uma vez por todas neste

se sentir apoiados e incentivados momento histórico, ultrapassa os

pelos educadores para não desis- sujeitos e acaba se tornando tam-

tir de aprender a aprender, ainda bém necessária à instituição es-

que não se tenha mais como ou- cola, que se não adere à transfor-

trora o aprendizado como um te- mação gradual e multifacetada se

souro sólido e imutável. Entender distancia irremediavelmente do

a educação como um processo seu aluno. Se nada é agora que

dialógico (Freire, 2011a) e líqui- não possa ser alterado, a educa-

do (Bauman, 2010) é dar ao pro- ção é fluída. Se a educação se dá

cesso educativo a flexibilidade de de maneira diferente para cada

construir-se de maneira própria um visto que a diferença entre


147
e personalizada cada vez que se homens e mulheres é caracterís-

estabelece entre os indivíduos, tica intrínseca da própria huma-

é aceitar a educação como um nidade, ela é fluída. Esta parece

lugar de eternos aprendizes em ser a grande inovação necessária

busca da compreensão de quem a escola, dar-se conta de que não

são e quais os propósitos de sua é necessária uma mudança para

existência. um novo estado, e sim um estado

A necessidade de se de mudança em curso.


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Uma escola onde todos apartar, num processo de educa-

tem voz traduz a realidade de ção e comunicação composto, o

seus estudantes. Não há como instrumento da realidade que ele

considerar a vida intramuros es- leva ao jovem, da verdade que

colares diferente daquela que se ele traz – e que é o cerne do inte-

dá extramuros escolares. A edu- resse do aluno pelo instrumento.

cação que não considera a socie- Engana-se aquele que vê alunos

dade tal qual se dá é alienante, e a e alunas como usuários simplis-

alienação destrói as perspectivas tas de um computador ou de uma

do diálogo (Freire, 2011b), por estação de rádio por sua carac-

consequência da conscientiza- terística tecnológica apenas, por

ção. seus botões. A geração Z não

Neste caminho, a pro- tem medo de apertar botões, a

posição de uma educação onde curiosidade é uma de suas mar-

jovens sejam apresentados a cas registradas porque querem

meios de compreender e utilizar entender o que e por que fazem

os recursos de mídia sem se tor- (McCrindle; Wolfinger, 2009).

nar, neste processo, manipulados Independente, o que entusiasma


148
por elas, ganha destaque. E nesse o jovem é a conexão que esta tec-

contexto educar para as mídias nologia permite que ele faça com

passa a ser englobado no currí- o mundo externo, e quanto mais

culo de diversas escolas, tornan- rápida a velocidade de informa-

do-se, inclusive, alvo de políticas ção permitida, mais interessante

públicas em alguns municípios, as sinapses que permite.

como São Paulo. A integração de educa-

Todavia, não se pode doras e educadores com a tec-


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nologia é fundamental para que visto que este conhecimento é

os projetos de educação para as novo e diferente do que foi apre-

mídias caminhem no sentido de sentado aos educadores e educa-

possibilitar autonomia e emanci- doras em sua formação – e talvez

pação dos educandos e educan- diferente até mesmo do que foi

das, visto que a educação dialó- construído na semana anterior.

gica é um processo que se dá em Como exemplifica Bauman, “foi

relação (Freire, 2011a). O diálogo o mundo fora da escola que mu-

acontece no encontro de ideias dou muito em relação ao tipo de

entre homens e mulheres que se mundo para o qual as escolas

compreendem pares, que enten- descritas por Myers ou Jaeger

dem suas diferenças como com- preparavam seus alunos” (2010,

plementares (id.,ibid.), portanto p.50). Sendo assim, docentes não

torna-se inviável se um dos en- podem pretender construir co-

volvidos não se propõe ao novo, nhecimento dialogicamente com

a conhecer o que é diferente de discentes se desconhecerem a re-

seu saber instituído. alidade dos alunos e alunas, tam-

É importante que pro- bém a sua própria.


149
fessoras e professores interajam

com as mídias e com este mun- INTERDISCIPLINARIDADE

do muitas vezes digital e virtual E EDUCAÇÃO PARA AS MÍ-

que as mídias e as próprias tec- DIAS

nologias midiáticas possibilitam.

Do contrário, não serão capazes Uma vez que o intuito

de mediar a relação dos sujeitos da aprendizagem dialógica é a

estudantes com o conhecimento, emancipação (Freire, 2011b) ela


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deve partir da realidade concre- cada vez que isso se fizer neces-

ta, sem transferência de saberes. sário ou esteja prestes a sê-lo”

A partir da criação de possibili- (Bauman, 2010, p. 27). Bauman

dades para a construção ou pro- complementa, ainda, que “a pre-

dução de conhecimento pelos ocupação de nossos antepassados

próprios educandos e educandas com a identificação é substituída

a educação se faz emancipadora pela reidentificação” (id.,ibid.),

(Freire, 2011a) e a interdisciplina- ou seja além de identificar-se

ridade pode ser uma importante com a escola os estudantes hoje

aliada neste processo de ensino- desejam conseguir reidentifi-

-aprendizagem porque traz con- car-se com ela a todo o tempo,

sigo o ideal de educação que se considerando que toda educa-

integra. ção passa a ser transformadora e

Conhecimentos cons- transformar, inclusive, suas pró-

truídos coletivamente, conside- prias estruturas.

rando desenvolvimento da auto- A interdisciplinaridade

nomia e a partir de ação dialógica se mostra um modelo adequado

contemplam a característica da para o trabalho com educação


150
permanente mudança, conectada para as mídias porque, conside-

ao conceito da fluidez da moder- rando que estaremos tratando

nidade e também à perspectiva dos temas da atualidade abor-

de formação libertadora. Este dados pelas mesmas, o trabalho

cenário privilegia uma demanda conjunto e colaborativo seria o

importante dos jovens de hoje, mais indicado. O estudo das mí-

“conservar a capacidade de re- dias apenas em sua função de

criar a ‘identidade’ e a ‘rede’ a transmissão é o estudo da tecno-


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logia apenas, mecânica. Para que plar a ligação entre a realidade e

esta aprendizagem permita efeti- a escola.

vamente o diálogo precisa abar- Em Freire (2011b) a in-

car a dimensão das mídias que se terdisciplinaridade é construção

encontra diretamente com a re- de conhecimento pelos sujeitos

alidade dos estudantes, uma vez baseada em sua relação com a re-

que o diálogo se dá entre os ho- alidade, com os contextos e com

mens mediatizados pelo mundo. a cultura. Portanto, este processo

A educação dialógica não está vinculado a uma meto-

traz em sua concepção a investi- dologia específica, caracteriza-se

gação de temas geradores, inter- por movimentos dialéticos dis-

disciplinar. Após os círculos de tintos de problematização da si-

cultura, onde os temas gerado- tuação dada, a partir da qual se

res são previamente abordados, observa e investiga a realidade, e

inicia-se um estudo sistemático a sistematização do que se inves-

e interdisciplinar acerca deles tigou, o diálogo construtivo. A

(Freire, 2011b). Entretanto, quan- interdisciplinaridade sob a ótica

do consideramos uma educação dialógica é integração.


151
para as mídias dialógica não é A fim de contemplar a

necessário que este modelo seja inserção dos jovens e sua educa-

seguido, contanto que se mante- ção na modernidade líquida dada,

nha a característica do diálogo com sua implícita necessidade de

para a construção conjunta de atualização constante (Bauman,

conhecimento, o que implica a 2010), inclusive de toda constru-

algum tempo um movimento in- ção de conhecimento proposta, a

terdisciplinar a fim de contem- interdisciplinaridade dialógica,


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promotora de troca de saberes e sino Médio. Bauman ilustra a si-

colaboração entre todos os envol- tuação de avanço perfeito destas

vidos no contexto educacional, duas frentes da seguinte forma:

aponta como modelo de trabalho


Em ambas as frentes,
pedagógico desejado, visto que “a linha de chegada”
permite, para a além da educa- desse avanço – o fim
da guerra – era visu-
ção que promove construção de
alizado com clareza
conhecimento, a educação que desde o início: no fi-
emancipa e liberta. nal, todos os vazios
seriam preenchidos,
um mapa-múndi
CONSIDERAÇÕES FINAIS completo teria sido
traçado e um número
suficiente de canais
A partir da perspectiva
de educação estaria
de que as duas frentes para o de- disponível para os
senvolvimento do conhecimento membros da espécie
humana, com todas
real na modernidade líquida se-
as informações ne-
riam a informação e a educação, cessárias para que
para que estas duas variáveis ca- eles se deslocassem
livremente pelo mun- 152
minhem da forma mais próxima
do mapeado. (BAU-
possível dentro da escola, ainda MAN, 2010, p.55)
que sua total fusão ainda não te-

nha sido concebida de forma es- A grande quantidade


truturada, nos parece ser a edu- de informação espalhada e fa-
cação dialógica e interdisciplinar cilmente acessíveis a todos, es-
a proposta viável mais promisso- pecialmente por meios digitais
ra para alcançar este ideal no En- e virtuais, já está disponível.
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Porém, com o livre acesso au- que a educação se dê conta desta

mentou a necessidade de desen- volatilidade que desconecta ho-

volvimento do senso crítico que mens e mulheres de suas origens

permite a seleção e compreensão e valores para que, ao validá-la,

desta informação, inclusive no possa apresentar-se como cami-

que diz respeito à compreensão nho para a vida nesta sociedade

da necessidade de entender as realinhada ao potencial senso

fontes e referências das informa- crítico humano, alimentado pelo

ções. Como o próprio filósofo co- diálogo que permite entender-se

loca, esta linha de chegada onde sujeito de sua existência.

informação e educação chegam A inconclusão humana

juntas parece ainda distante, en- é visitada por Freire e Bauman,

tretanto, apesar da propensão à considerada uma das caracterís-

que esta guerra não seja vencida, ticas que conferem humanidade

a educação não se dá por venci- aos homens e mulheres. Estar

da! E um de seus esforços mais sempre em processo de aprendi-

significativos é a educação para zagem, de construção e recons-

as mídias, preenchendo parcial- trução de sua própria identidade


153
mente esta lacuna. e reconhecendo-se, a partir do

O ideal de uma edu- diálogo, sujeito de sua história, o

cação dialógica não nos parece ser humano, uma vez consciente

se contrapor completamente ao de seu inacabamento entende-se

entendimento de que há uma “um ser ético, um ser de opções,

organização de fluidez na socie- de decisão” (Freire, 2011b, p.

dade atual, uma liquidez. Parece, 108). Compreender-se um ser de

contudo, que é muito importante decisões, que tem sua existência


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pautada por suas decisões e ca- fazer ouvir e ler o mundo é tão

paz de decidir por si a respeito de importante quanto ter a consci-

sua existência, é o que possibilita ência real do poder das ferramen-

e homens e mulheres o diálogo tas da quais se utiliza. Enfrentar

que leva a libertação. As novas o medo de uma invasão tecnoló-

gerações interessam-se cada vez gica e midiática comum à escola

mais pelo acesso a este caminho moderna nos parece interessan-

de permanente possibilidades de te estado de combate a um dos

ser mais. maiores problemas da educação

A expansão de propos- brasileira em nível médio: o de-

tas de educação para as mídias sinteresse dos jovens pela escola

surge na contramão histórica da por não conseguirem assimilar o

fuga da informação ameaçadora caráter libertador e emancipató-

por sua quantidade e velocidade, rio intrínseco à educação ou, em

exacerbada e desordenada. É da outras palavras, por não conse-

completa aceitação da situação guirem estabelecer pontes entre

dada que se inicia o diálogo acer- o que aprendem na escola e a

ca da mesma, capaz de transfor- própria vida.


154
má-la. Ao validar e adentrar o

fenômeno informativo moderno,

educadores e educadoras que se REFERÊNCIAS BIBLIO-

propõe a ensinar alunos e alunas GRÁFICAS

a se comunicarem e se informa-

rem, transformando este ser e BAUMAN, Zygmunt. Capitalis-

fazer em conhecimento. Utilizar mo Parasitário. Rio de Janeiro:

as ferramentas existentes para se Jorge Zahar Editora, 2010.


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Press, 2009

BAUMAN, Zygmunt. Moder-

nidade Líquida. Rio de Janeiro:

Zahar, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da

Autonomia: saberes necessários

à prática educativa. São Paulo:

Paz e Terra, 2011a.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do

Oprimido. São Paulo: Paz e Ter-

ra, 2011b.

MCCRINDLE, Mark. Genera-

tion Alpha: Mark Mccrindle Q

& A With The New York Times.

The McCrindle Blog, 2015. Dis-


155
ponível em: <http://mccrindle.

com.au/the-mccrindle- blog/tag/

youth/>. Acesso em: 10 mai 2021

MCCRINDLE, Mark.; WOL-

FINGER, Emily. The ABC of

XYZ: understanding the global

generations. Sydney: UNSW


A (IN) EFICIÊNCIA NA APLICAÇÃO DA LEI DE
MIGRAÇÃO DE 2017 E O CONTEXTO DAS MIGRA-
ÇÕES VENEZUELANAS NO TERRITÓRIO BRASI-
LEIRO

THE (IN)EFFICIENCY IN THE ENFORCEMENT OF


THE 2017 MIGRATION LAW AND THE CONTEXT
OF VENEZUELAN MIGRATION IN BRAZILIAN
TERRITORY

Karina Ramos Perez Martins1

Laís Helena Pacheco Silva2

Juliane dos Santos Ramos Souza3

Resumo: O presente trabalho diais. Destarte, identificou-se a


expõe uma análise do contexto nítida incongruência da conceitu-
histórico das migrações no es- ação de imigrantes realizada pela
paço geográfico, e a evolução do Organização das Nações Unidas 156
referido fenômeno na contempo- (ONU) – a partir da necessida-
raneidade, a partir da influência de de mobilidade transfronteiri-
dos conflitos geopolíticos mun- ça pelos embates internacionais,

1 Discentes do 2º (segundo) período da Universidade Federal Rural do


Rio de Janeiro Instituto Três Rios
2 Discentes do 2º (segundo) período da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro Instituto Três Rios
3 Mestre em Direito Constitucional e Professora Assistente, dedicação
exclusiva, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto
Três Rios
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catástrofes naturais e animo pró- ficou-se a ineficiência da Lei de

prio- adjunto a salvaguarda de Migração de 2017 no que tange à

seus direitos fundamentais, ain- proteção dos direitos individuais

da que existam ferramentas no dos venezuelanos instalados no

ordenamento jurídico brasileiro. país e a salvaguarda de sua digni-

Além disso, a presente pesquisa dade, já que seus dispositivos não

aborda a crise migratória vene- obtiveram a eficiência esperada

zuelana que assola o território na contenção dos discursos de

do país e apresenta reflexos nas ódio, práticas violentas por parte

fronteiras Brasil-Venezuela, em do povo brasileiro, e até mesmo a

especial o estado de Roraima, xenofobia praticada pelo próprio

como fator de modificação do poder judiciário estadual. A me-

espaço geográfico e geopolítico todologia empregada no presente

de ambas as nações. Cabe-se, trabalho consiste na pesquisa do

desse modo, assimilar as suas tipo bibliográfica do estudo de

consequências e os impactos no caso, utilizando-se dos artigos

Estado brasileiro, que repercuti- 1º, 2º, 3º e 4º da Lei Nº13.445 de

ram na inabilidade da aplicação maio de 2017 e da Constituição


157
da Lei de Migração nº 13.445, de da República Federativa do Bra-

24 de maio de 2017. O emprego sil de 1988, além da Declaração

da nova Lei ansiou salvaguardar Universal dos Direitos Humanos,

os direitos fundamentais dos imi- valendo-se da análise de artigos

grantes e preservar os interesses científicos, reportagens específi-

do povo brasileiro, propiciando cas e de informativos advindos

estabilidade e ordem social. To- do website oficial da ONU.

davia, ao final da pesquisa, veri-


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Palavras-chave: Imigrantes. Lei zil-Venezuela borders, especially

de Migração nº13.445, de 2017. the state of Roraima, as a factor

Venezuelanos. Crise Humanitá- of modification of the geographi-

ria cal and geopolitical space of both

nations. Thus, it is appropriate

Abstract: The present work ex- to assimilate the consequences

pose an analysis of the historical and the impacts on the Brazilian

context of migrations in the geo- State, which impacted on the ina-

graphical space, and the evolution bility to apply Migration Law nº

of this phenomenon in contem- 13,445, of May 24, 2017. The

porary times, from the influence use of the new Law sought to sa-

of world geopolitical conflicts. feguard the fundamental rights of

Thus, it was identified the clear immigrants and preserve the inte-

incongruity of the conceptualiza- rests of the Brazilian people, pro-

tion of immigrants carried out by viding stability and social order.

the United Nations (UN) - from However, at the end of the survey,

the need for cross-border mobi- the 2017 Migration Law was ine-

lity by international conflicts, ffective in terms of protecting the


158
natural disasters and own will- individual rights of Venezuelans

to safeguard their fundamental in the country and safeguarding

rights, even if there are tools in their dignity, as their provisions

the Brazilian legal system. In ad- didn’t achieve the expected effi-

dition, this research addresses the ciency in containing hate speech,

Venezuelan migratory crisis that violent practices by the Brazilian

is plaguing the country’s territory people, and even xenophobia

and has repercussions on the Bra- practiced by the state judiciary it-
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self. The methodology employed desde sua colonização é marcado

in the present work consists of pela receptividade de imigran-

a bibliographic research of the tes, elaborando instrumentos de

case study, using articles 1º, 2º, proteção, tais como a Lei de Mi-

3º and 4º of the Law nº 13.445, gração Nº 6.815, de 1980, o Es-

of May 2017 and the Constitu- tatuto do Refugiado e a Lei de

tion of the Federative Republic Migração vigente Nº 13.445, de

of Brazil of 1988, in addition to maio de 2017. Entretanto, a efici-

the Universal Declaration of Hu- ência do texto legislativo de 2017

man Rights, using the analysis of é passível de questionamento, em

scientific articles, specific reports virtude da crise humanitária ve-

and newsletters from the official nezuelana que se iniciou em me-

UN website. ados de 2013 e impactou direta-

mente o território brasileiro.

Keywords: Immigrants. Migra- É inegável a existência

tion Law nº 13455, 2017. Vene- de mobilidades fronteiriças des-

zuelans. Humanitarian Crisis. de a pré-história, na qual os seres

humanos saíram da África em


159
INTRODUÇÃO direção a Europa e a Ásia. Esses

As migrações no espaço movimentos se dão no presente,

geográfico mantêm-se arraigadas devido a indisponibilidade de re-

constantemente a historicidade cursos substâncias à sobrevivên-

humana. É a partir desse ponto, cia, conflitos étnicos, políticos

que torna-se necessário analisar e sociais, catástrofes naturais e

as estratégias para o acolhimen- possibilidade de maior qualidade

to desses indivíduos. O Brasil, de vida.


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No Brasil, o fluxo mi- cilhos transcorrem, atualmente,

gratório é datado do contexto em políticas anti-migratórias em

da colonização portuguesa, que países europeus e nos Estados

adentraram nas fronteiras brasi- Unidos, que vislumbram a sus-

leiras juntamente com indivídu- pensão do acolhimento aos indi-

os advindos de nações europeias víduos. Até mesmo a população

colonialistas, deslocados, em sua brasileira passou a acreditar nes-

maioria, paras as lavouras. To- sas políticas anti- migratórias.

davia, esse cenário modifica-se Isso ocorreu devido às

a partir do século XX, no qual imigrações venezuelanas com

o Estado brasileiro idealizou destino ao Brasil, especificamen-

um plano de ocupação das áreas te no estado de Roraima, que

fronteiriças por meio da realo- propiciou uma crise infraestrutu-

cação dos imigrantes, utilizando ral nos serviços básicos. Assim,

das movimentações como instru- sucedeu-se da obrigatoriedade

mento propulsor da economia e do Estado brasileiro em conter os

do desenvolvimento nacional. embates na região desfrutando da

Ainda assim, os con- Lei de Migração de 2017, como


160
flitos internacionais, tais como mecanismo de amparo. Porém,

a Primeira e a Segunda Guerras cabe destacar no presente artigo

Mundiais, a Guerra Fria e em- a eficiência questionável e as con-

bates internacionais, adjacentes sequências do aparato legislativo

às mudanças climáticas, acen- na proteção do povo brasileiro e

tuaram a mobilidade no espaço do território.

geográfico, propiciando transtor- O eixo central do traba-

nos infraestruturas. Esses empe- lho consiste na aplicação da Lei


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nº 13.445, de maio de 2017 na fundamentais. No segundo mo-

crise migratória venezuelana no mento, far-se-á menção ao apara-

estado de Roraima e a sua dicotô- to jurídico brasileiro no que tan-

mica eficiência no ordenamento ge às políticas de imigração e o

jurídico brasileiro, no que tange acolhimento dos estrangeiros em

a salvaguarda dos direitos funda- solo nacional. Em seguida, des-

mentais do povo brasileiro e dos crever-se-á o contexto da crise

imigrantes venezuelanos. econômica na República Boliva-

A metodologia empre- riana da Venezuela e a precípua

gada no artigo compreende não interação governamental entre o

somente a pesquisa bibliográfica, presidente Hugo Chávez e a na-

como também a analise analíti- ção venezuelana no que tange a

ca, a avaliação de informações, geopolítica nacional. E finalmen-

o estudo de caso e o exame ju- te, em última instância caberá

rídico da legislação. Como arca- ponderar a eficiência da Lei de

bouço bibliográfico, utilizamos Migração de 2017 na conflituosa

da Constituição da República Fe- correspondência brasileira ao flu-

derativa do Brasil, as Lei de Mi- xo migratório, seus efeitos socio-


161
gração, livros, artigos científicos estruturais no estado de Roraima

e reportagens específicas. e a repercussão em circunstância

O presente artigo es- nacional.

trutura-se em cinco partes. Em

primeira instância, será abor-

dado brevemente a definição de OS IMIGRANTES COMO

imigrantes e o respaldo jurídico SUJEITOS DE DIREITO

da positivação de seus direitos


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No contexto de diversos brasileira considera como imi-

conflitos internacionais, os in- grante a pessoa nacional de outro

divíduos acabam saindo de seus país ou apátrida que trabalha ou

países de origem, partindo em di- reside e se estabelece temporá-

reção a outras localidades na ten- ria ou definitivamente no Brasil.

tativa de alcançar melhores con- (Lei nº 13.455, de 24 de maio de

dições de vida, de sobrevivência 2017, Art.1 II)

e de maior proteção da sua digni- A disparidade do imi-

dade. São recorrentes os casos de grante frente ao refugiado reside

pessoas que deixam parte da sua no fato que o imigrante não saiu

família, a sua cultura, o patriotis- do seu país fugindo de um confli-

mo, na expectativa de um futuro to armado. Ele apenas saiu do seu

minimamente digno. país em busca de melhores opor-

Com as duas Grandes tunidades de vida. Essa distinção

Guerras Mundiais, os fluxos mi- se faz importante porque a forma

gratórios intensificaram-se to- de tratamento do governo com o

mando repercussões mundiais. imigrante é diferente da forma de

Os indivíduos partem de países tratamento do refugiado.


162
subdesenvolvidos, em situação Depois da 2° guerra

de guerra e pobreza para as gran- mundial vivemos um momento

des potencias econômicas. Em de reconstrução dos direitos hu-

virtude disso surge o conceito manos. Na visão de Comparato

de imigrantes para agrupa-los e isso se deu porque:

conceder direitos.
“A cada grande sur-
A definição de imigran-
to de violência, os
te segundo a Lei de Migração homens recuam hor-
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rorizados, à vista da tos Humanos, que edificou di-
ignomínia que afinal versos direitos sociais e funda-
se abre claramente
mentais. Dentre eles o direito de
diante de seus olhos;
e o remorso pelas migração expresso no artigo 15,
torturas, pelas mu- II, no qual ninguém será arbitra-
tilações em massa,
riamente privado de sua naciona-
pelos massacres co-
letivos e pelas explo- lidade, nem do direito de mudar
rações aviltantes faz de nacionalidade. (Declaração
nascer nas consciên-
Universal dos Direitos
cias, agora purifica-
das, a exigência de Humanos, 1948, p.3) Ao
novas regras de uma analisar as migrações em um
vida mais digna para
contexto histórico, constate-se
todos. “(2008, p.38):
que elas ocorrem desde os pri-

mórdios, a partir da movimenta-

ção periódica dos povos nômades


Em virtude das atro-
em virtude do clima, da alimen-
cidades cometidas na Primeira
tação e na busca por melhores
e na Segunda Guerra Mundiais
condições de subsistência .No
as grandes autoridades do mun-
163
período das grandes navegações
do se reuniram e estruturaram
também ocorrem grandes ondas
a Organização das Nações Uni-
migratórias em direção aos paí-
das (ONU), criada com o intui-
ses recém-descobertos, correla-
to de prevenir a reincidência de
cionadas a exploração e escravi-
genocídios e outros horrores da
dão dos povos, como os escravos
guerra. Em 1948, com 90% de
vindos da África que serviam de
aprovação, a ONU ratificou a
mão de obra no novo mundo e os
Declaração Universal dos Direi-
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próprios europeus vislumbrando nas 20 milhões refugiados. Des-

o mercado de trabalho brasileiro. tarte, o Brasil tornou-se rota de

A migração considerada fluxos migratórios, possui 703

moderna teve seu início com a mil migrantes sendo uma parcela

Revolução Francesa. Nesse mo- significativa dos migrantes mun-

mento, os países iniciaram um diais, o que tornou necessário a

processo de percepção da neces- criação de um aparato jurídico

sidade de criar um arcabouço ju- que fosse capaz de desempenhar

rídico almejando controlar esses a regulamentação dessa realida-

contingentes populacionais es- de.

trangeiros. Assim, o primeiro Es-

tado a criar uma lei que versava

sobre os imigrantes foi o Estados CRFB/88 E A NECESSIDADE

unidos em 1882, que a intitulou DE UMA NOVA LEI DE IMI-

de Estatuto Geral da Imigração, GRAÇÃO.

proibindo a entrada de trabalha-

dores chineses no país. Em 1988, o Brasil e toda

Na contemporaneidade, a América Latina passaram por


164
esse assunto se torna cada vez um processo de redemocratiza-

mais relevante e alvo de incessan- ção, livrando-se das amarras e

tes discussões internacionais. As retrocessos dos regimes ditato-

estatísticas da ONU revelam que, riais que vivenciaram. Assim, a

em 2015, o número de migrantes Constituição da República Fede-

internacionais chegou a 244 mi- rativa do Brasil promulgada em

lhões de pessoas, dos quais 224 1988 é um resquício dessa fase,

milhões eram imigrantes e ape- almejando retomar os direitos


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fundamentais e individuais. Tal vigente. Ele além de tornar extre-

fato culminou em sua célebre mamente burocratizado e lento o

consideração como uma lei maior processo de imigração, abrindo

ímpar, reconhecida internacio- grande margem de discriciona-

nalmente a partir na nomencla- riedade do Estado para aceitar ou

tura de a Constituição solidária. não à permanência do indivíduo.

Ela trouxe inegáveis avanços nos Da mesma forma, estipulava di-

direitos fundamentais e no quesi- versos empecilhos para a natura-

to que tange o imigrante não foi lização do imigrante, indo con-

diferente. No artigo 5º ela afirma tra o art. 12, da CRFB/88, que

que: estipula normativas simplistas


“Todos são iguais para o processo de
perante a lei, sem
naturalização do estrangei-
distinção de qualquer
natureza, garantin- ro. Esses aspectos antiquados
do-se aos brasileiros tornaram-se adjacentes ao au-
e aos estrangeiros
mento do fluxo migratórios para
residentes no País a
inviolabilidade do o Brasil a partir de 2010, devido
direito à vida, à li- a posição de destaque mundial do
berdade, à igualdade, 165
país por sediar a Copa do Mundo
à segurança e à pro-
priedade, nos termos de Futebol de 2014 e as Olimpí-
seguintes. ” adas de 2016, sucedendo-se aos

planos internacionais como um

Estado de mercado de trabalho


A nova carta Magna fértil. Diante disso, verifica-se a
não condizia com o Estatuto do vinda de bolivianos, haitianos,
Estrangeiro de 1980 que estava paraguaios, africanos em busca
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de empregos. Soma-se a isso, a (CNIg)2 que também visava am-

pressão social que tornou neces- pliação dos direitos do imigrante;

sária à criação de uma nova lei de e, por fim, o projeto de lei do Se-

migração. nado (PLS) 288/2013, elaborado

A partir dessa carência pelo senador Aloysio Nunes que

de um aparato jurídico eficien- tinha a proposta de fazer avançar

te, surgiram diversos interesses o estatuto jurídico da questão mi-

contraditórios na pauta da cria- gratória na direção das garantias

ção da nova lei. Emergiram-se e dos direitos, assegurar a plena

três projetos de lei: O da Secre- integração dos imigrantes, im-

tária Nacional de Justiça (SNJ), plementar a cooperação interna-

buscando modificar a lei visando cional, combater o tráfico de pes-

assegurar as garantias e direitos soas, e contemplar a questão dos

do imigrante. Esse anteprojeto emigrantes.

passou por aprovação popular O projeto 288/2013

na I Conferência Nacional sobre avançou no Senado, e em 24 de

Migrações e Refúgio (COMI- maio de 2017 O presidente da

GRAR)1, realizada em 2014; o república finalmente sancionou


166
segundo projeto de lei foi o do a nova lei de imigração, a Lei

Conselho Nacional de Imigração 13.445/2017 que apesar de ter so-

frido 20 vetos, representou uma


1 COMIGRAR aconteceu
nos dias 30 de maio e 1° de junho grande evolução no que tange os
de 2014, na cidade de São Paulo.
direitos dos imigrantes. O refe-
Tinha o objetivo de reunir imi-
grantes e profissionais envolvidos 2 CNIg é a instância de ar-
na temática para refletir sobre o ticulação da política migratória
tema e fomentar a criação do pla- brasileira. Ela dialoga com a so-
no nacional de migrações e refú- ciedade para criar políticas de
gio migração
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rido projeto acabou com o ana- de forma díspar ao estatuto do

cronismo3 e discricionariedade imigrante, se encontra em sime-

do antigo Estatuto do Imigrante, tria ao artigo 5º da CRFB/88, ga-

que era focado simplesmente na rantindo a dignidade e tratamen-

questão de segurança nacional. to igualitário para o imigrante.

Dentre os avanços, a Ademais, a legislação brasileira

nova lei trouxe a reformulação sobre o assunto é internacional-

do Conselho Nacional sobre mente reconhecida por tratar do

Migração, além da definição de assunto de forma humanitária e

imigrante e pauta dos princípios acolhedora buscando a efetivi-

que regeram a política migratória dade dos direitos imanentes aos

brasileira no Art. 3. E reafirma imigrantes.

no art. 4 que:
Art. 4º Ao migrante A CRISE ECONÔMICA NA
é garantida no ter-
VENEZUELA
ritório nacional, em
condição de igualda-
de com os nacionais, Para compreender a
a inviolabilidade do
crise na República Bolivariana
direito à vida, à li-
167
berdade, à igualdade, da Venezuela é necessário fazer
à segurança e à pro- uma retomada histórica para o
priedade, bem como
período no qual se instaurou o
são assegurados.
Chavismo. Hugo Chávez pre-

sidente eleito em 1998 era, ini-


Dessa forma a nova lei,
cialmente, paraquedista do exér-
3 O anacronismo consiste
em atribuir a uma época ideias cito venezuelano e membro do
e sentimentos que são de outra
Movimento Bolivariano Revo-
época
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lucionário 200, MBR-200. Essa cações e indústrias minerais.

organização insurgente tinha Durante seu governo,

como objetivo tomar o poder na Hugo Chávez almejou combater

Venezuela, a partir de um golpe a desigualdade, a partir de uma

em 1992, contudo, fracassaram e distribuição igualitária de renda,

acabaram presos. Em 1994, Chá- em que o coeficiente Gini4 do

vez foi anistiado, dando início a país passou a ser 0,39, de acordo

carreira política, defendendo a com a BBC Brasil. O ex presi-

necessidade de promover justiça dente alcançou tal feito a partir

social a partir do petróleo. Des- de uma política assistencialista,

tarte, acabou por vencer as elei- que ambicionava camadas mais

ções de 1998, permanecendo no pobres e marginalizadas, erradi-

poder por quatorze anos. cando o analfabetismo e a morta-

É necessário ressaltar lidade infantil.

que durante o governo Chávez, as Em relação a política

propostas governamentais eram externa, Chávez combateu vee-

de esquerda, contrariando setores mentemente a doutrina imperia-

conservadores da sociedade. As- lista, rompendo relações com os


168
sim, seus projetos incumbiam-se Estados Unidos. Esse feito trans-

da reforma agrária, da restrição mutou-se para a um conflito indi-

da participação de multinacio- 4 Coeficiente Gini é usado


para medir o grau de concentra-
nais na economia venezuelana ção de renda, apontando a dispa-
ridade do rendimento dos mais
no que tange a comercialização e
pobres em relação aos mais ricos,
exploração do petróleo, além da variando de zero a um. O valor
zero representa a igualdade ple-
estatização de setores estratégi- na, enquanto que o valor um re-
presenta a desigualdade em uma
cos, como energia, telecomuni-
plena atividade
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reto entre os dois países, já que a ou como diz o gran-


de amigo Eduardo
nação norte-americana passou a
Galeano: esmagamos
financiar os líderes opositores de isso como se por um
Chávez, expandindo esse embate trem que nos rolasse
na história. (Hugo
as reuniões diplomáticas sedia-
Chávez, Discurso em
das pela Organização das Nações Copenhagen, 2009)
Unidas, ONU. A esse respeito,

Hugo Chávez se pronunciou na A partir desse discurso,


XV Conferência Internacional da são perceptíveis as intenções de
Organização das Nações Unidas Chávez em instaurar uma nova
sobre Mudança do Clima, reali- ordem social utilizando do petró-
zada em Copenhague: leo5 como impulsionador da in-

tegração latino- americana, com


O que vivemos neste
a iniciativa titulada de sul-sul.
planeta é uma ditadu-
ra imperial e, a partir Com base na política de desva-
daqui, continuamos a lorização do petróleo, o então
denunciá-la. Abaixo
presidente acreditara que estimu-
a ditadura imperial!
E que os povos, a de- laria a economia venezuelana e
169
mocracia e a igualda- proporcionaria a tão sonhada in-
de vivam neste pla-
tegração. Por conseguinte, aliou-
neta! E o que vemos
aqui é um reflexo dis- -se as nações contrárias ao im-
so: exclusão. Há um perialismo estadunidense e que
grupo de países que
se considera superior 5 A Venezuela é o país com
uma das maiores reservas de
a nós do Sul, a nós o petróleo em nível mundial, fa-
terceiro mundo, a nós zendo parte da Organização dos
subdesenvolvidos, Países Exportadores de Petróleo
(OPEP)
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compartilhavam da mesma linha Por conseguinte, em

de exportação, objetivando en- meados de 2014, ocorreu uma

cerrar a hegemonia absoluta dos desvalorização do preço do bar-

Estados Unidos ril de petróleo, ocasionando em

Os legados deixados por um corte de importações de 33%

Hugo Chávez foram herdados em relação ao ápice em 2012, de

por Nicolas Maduro em seu man- acordo com o site Isto é Dinhei-

dato, entretanto, o novo presiden- ro. Ademais, a volatilidade do

te deveria lidar com uma forte mercado explorador de petróleo

contestação. Isso pois, durante durante o período de maior pro-

seu governo, Chávez promoveu dução provocou um colapso de

perseguições aos opositores que, preços, que foi compreendido na

atualmente, dividem opiniões Venezuela por uma crise huma-

a respeito do novo governante. nitária ferrenha. Estima- se que o

Dessa forma, a administração de nível de desemprego que em 2014

Nicolas Maduro deteve grande era de 6,7% quadruplicou, che-

resistência, graças aos resquí- gando a 38% em 2019, de acordo

cios da gerencia anterior, além da com a Folha de São Paulo.


170
desvalorização do petróleo como Consequentemente, a

estratégia econômica arraigada a queda dos preços do petróleo so-

omissão de investimentos na in- mada as fortes oposições ao go-

dústria e na agricultura do país, verno de Nicolas Maduro trans-


prima, podendo ser estocados. O
transmutando-se para uma forte
preço é determinado pelo merca-
dependência da importação de do internacional a partir da lei da
oferta e da procura. O milho re-
commodities6. presenta 4,15% das importações
6 Commodities são produ- venezuelanas, seguido do arroz
tos que funcionam como matéria com 1,8%
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correram na bipolarização do Organização Internacional de

país. A então vislumbrada queda Migrações e o Alto Comissaria-

do atual presidente por parte da do das Nações Unidas para Re-

população é alvo de repressão fugiados, incorrendo em uma

pelo exército venezuelano, prin- preocupação globalizada da atual

cipal apoiador de Maduro. Tal crise venezuelana.

situação é alvo de críticas no ce-

nário internacional e rebeliões MIGRAÇÃO VENEZUELA-

internas, perfazendo-se em um NA EM DIREÇÃO AO BRA-

reconhecimento de Juan Guaidó, SIL E SUAS IMPLICAÇÕES

líder da oposição, como interino

pelos países que sofrem direta- A crise humanitária que

mente com a crise humanitária e se instaurou na Venezuela condu-

migratória. ziu à América Latina uma inter-

A amplitude do cenário -relação migratória “sem prece-

de caos instaurado na Venezue- dentes”, de acordo com porta-voz

la perpassou a situação inter- do Programa Mundial de Ali-

na, sobrevindo agora as nações mentos, PMA, Herve Verhoosel.


171
transfronteiriças que absorvem o Isso pois, de acordo com Verhoo-

contingente populacional maciço sel em 2018 aproximadamente 3

advindo do contexto de instabi- milhões de venezuelanos já estão

lidade socioeconômica. A cres- vivendo fora do seu país, e se a

cente migração tornou-se alvo de escassez de alimentos e subsídios

magnânimas discussões, trans- se perpetuar, ao final de 2019 esse

pondo demanda por soluções à número poderá chegar a 5,3 mi-

ONU, mais especificamente a lhões. O Representante Especial


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Conjunto do ACNUR e da OIM para os dois países, o contingente

para refugiados e migrantes ve- populacional crescera substan-

nezuelanos, Eduardo Stein, afir- cialmente em um breve período

mou que “esse número alarmante de tempo. De acordo com um

evidencia a necessidade urgente levantamento realizado pela Po-

de apoiar as comunidades anfitri- lícia Federal de 2015 a junho de

ãs desses países de acolhida”. 2018, um total de 56.740 vene-

Como ressaltado no pri- zuelanos solicitaram refúgio ou

meiro capítulo, é possível classi- residência no Brasil, além daque-

ficar os migrantes venezuelanos les que atravessaram a fronteira

como grupos mistos, isso pois, ilegalmente.

adentrando às questões políticas A cidade de Pacaraima,

e econômicas, estão presentes em situada a 200 quilômetros da ca-

um mesmo ajuntamento refugia- pital Boa Vista, sofre diretamente

dos e imigrantes, a partir de uma com a atual conjuntura migrató-

especificação realizada em con- ria. Isso em razão de que está lo-

formidade com os Direitos Hu- calizada exatamente na fronteira

manos que estão sendo violados. caracterizada como seca, sendo


172
Como país fronteiriço, a porta de entrada desse contin-

o Brasil juntamente com a Co- gente populacional, que muitas

lômbia tornou-se a principal rota vezes permanece na cidade sem

para os migrantes advindos da ambição de deslocar-se dali. Tal

Venezuela. O estado de Roraima, situação gerou uma superlotação

em particular, sofrera diretamen- do sistema de ensino e de acordo

te com essa mobilidade, já que, com o prefeito da cidade Juliano

por localizar-se no marco que se- Torquato:


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mento médico e pelos sistemas
“Em 2017, eu tinha de ensino, a ambição profissio-
1.743 alunos; em
nal, além dos distúrbios sociais,
2018, eu passei para
2.072 e, neste ano, eu como aumento da criminalidade
tenho 2.772 alunos, e do tráfico tem transmutado a
um aumento de 35%
realidade do estado de Roraima,
com a mesma ren-
da do Fundeb [Fun- colocando-o como um epicentro
do de Manutenção e de tensões sociais. Esses confli-
Desenvolvimento da
tos vão muito além na relação
Educação Básica],
sem aumentar um brasileiros natos e imigrantes/re-
real, sendo que, des- fugiados, atingindo os três pode-
ses 2.700 alunos, 903
res da Federação Brasileira.
são venezuelanos”.
Em 2018, a Governa-

dora do estado, Suely Campos,

decidiu limitar o acesso dos ve-


Ademais, o prefeito ain-
nezuelanos ao sistema de saúde,
da citou, ainda, o aumento da
afirmando que os migrantes se-
criminalidade na localidade, so-
riam redirecionados aos postos
mado ao problema com drogas e
173
de saúde do exército:
a multiplicação do número de ar-

mas. Grande fluxo de imigrantes


Nós vamos agora
também tem buscado por atendi- pontuar o que os ve-
mento médico e, segundo dados nezuelanos podem
acessar na rede de
oficiais, foram registrados 50.000
saúde. Se eles estão
consultas e atendimentos a vene- aqui no nosso país,
zuelanos em 2017. eles têm que obede-
cer às leis que regem
As buscas por atendi-
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o nosso país. Episó- de direitos humanos.
dio maternidade na Devido as proporções
sala de pré-parto não
jurídicas e sociais tomadas pela
é possível a presença
da figura masculina. situação, no dia 28 de agosto de
São várias mães ali 2018 o então presidente Michel
naquele procedimen-
Temer assinou o Decreto nº9.483,
to.
decretando a Garantia da Lei e da

Ordem (GLO) no estado de Ro-

raima, vigorando de 29 de agosto


Além disso, a governa-
à 12 de setembro de 2018. A par-
dora autorizou a fiscalização da
tir do pronunciamento, o Ex-Pre-
Secretaria da Fazenda em Paca-
sidente afirmou:
raima, na fronteira, por meio de

postos de controle. Foi realizado,


“Tomei essa decisão
ainda, a verificação de documen- para complementar
tação necessária para a trânsi- as ações humani-
tárias que o gover-
to e permanência em território
no federal promove
nacional por agentes estaduais. há vários meses em
Em abril de 2018, o governo de Pacaraima e Boa
174
Vista — afirmou o
Roraima entrou com uma ação
presidente. — Ofe-
no Supremo Tribunal Federal pe- recemos atendimento
dindo o fechamento temporário médico, assistência
social e abrigos que
da fronteira. Entretanto, a Advo-
recebem as famílias
cacia Geral da União e o Minis- de migrantes em flu-
tério da Defesa foram contrários xo cada vez mais in-
tenso. ”7
a essa ação, acreditando estar fe-
7 Em um pronunciamento
rindo acordos e internacionais e oficial realizado na 28 de agosto
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A GLO implementada

em Roraima contou com a co-

Como previsto na Cons- operação das Forças Armadas,

tituição da República Federativa respaldada pelo artigo 142 da

do Brasil (CRBF/88), caput do CRFB/88, em que salienta:

artigo 144, “a segurança pública,


Art. 142. As Forças
dever do Estado, direito e respon-
Armadas, constitu-
sabilidade de todos, é exercida ídas pela Marinha,
para a preservação da ordem pú- pelo Exército e pela
Aeronáutica, são ins-
blica e da incolumidade das pes-
tituições nacionais
soas e do patrimônio”, portanto, permanentes e regu-
o decreto objetivou a restauração lares, organizadas
com base na hierar-
da ordem social e da segurança
quia e na disciplina,
nacional. Assim, o artigo 1º, § 1º sob a autoridade su-
articulou que “as Forças Arma- prema do presidente
da República, e des-
das atuarão também na proteção
tinam-se à defesa da
das instalações e das atividades pátria, à garantia dos
relacionadas ao acolhimento de poderes constitucio-
nais e, por iniciativa 175
refugiados”. (Incluído pelo De-
de qualquer destes,
creto nº 9501, de 2018). da lei e da ordem.

de 2018, o presidente Michel Te-


mer anunciou que vai assinatura
um decreto de Garantia da Lei e
da Ordem (GLO), para a atuação Assim sendo, a partir
das Forças Armadas no estado de
Roraima. O estado enfrenta difi- da implementação do Decreto
culdades para lidar com a cres- nº 9.483 pelo “ presidente da re-
cente chegada de refugiados da
Venezuela pública que é, para todos os fins,
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o comandante supremo das For- dar os direitos dos migrantes já

ças Armadas”. (Gilmar Ferreira prescritos na Lei Nº 6.815 de 19

Mendes, Paulo Gustavo Gonet de agosto de 1980. As modifica-

Branco. – 12. ed. rev. e atual. – ções já são perceptíveis no arti-

São Paulo: go 1º da nova Lei que classifica

Afinal, percebe-se que os imigrantes a partir das moti-

o contexto vivenciado em Pa- vações de sua movimentação, já

caraima e em todo o estado de na antiga Lei, o artigo 1º tratava

Roraima demandou medidas go- com generalidade dos estrangei-

vernamentais, a fim de ratificar ros que adentravam ao Brasil.

a integridade, a dignidade e os Em primeira instancia,

direitos humanos dos imigrantes, é necessário analisar que a Lei

além de assegurar os direitos ci- Nº 13.445 apresenta em seu ar-

vis dos brasileiros natos no que tigo 3º os princípios e diretrizes

consta o artigo 12 da CRFB/88. que regem a política migratória

nacional, cabendo evidenciar os

incisos I, II e III, que abordam a

A (IN) EFICIÊNCIA DA LEI garantia dos direitos humanos, o


176
DE MIGRAÇÃO Nº 13.445, repúdio a xenofobia e a não cri-

DE MAIO DE 2017 minalização da migração, trans-

passando uma imagem de políti-

ca receptiva. Todavia, isso não é

A confecção da Lei de visto na realidade, utilizando-se

Migração Nº13.445, como já su- como exemplo os episódios que

pracitada, deu-se a partir da ne- persistem em ocorrer no estado

cessidade de ampliar e salvaguar- de Roraima.


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Como já mencionado, quear temporariamente a entrada

no estado fronteiriço com a Ve- no estado pela fronteira, o que o

nezuela a população passou a Supremo Tribunal julgou impro-

revoltar-se contra os imigrantes cedente.

devido a superlotação dos siste- Outro acontecimento

mas de saúde e educação, além foi imposição de passaporte para

da competitividade no mercado atendimento médico público,

de trabalho e do aumento expo- que feriu diretamente o artigo

nencial da criminalidade. Isso 3º, inciso XI que assegura como

ocorreu por conta da falta de princípio o “acesso igualitário e

infraestrutura para recepcionar livre do migrante a serviços, pro-

a demanda populacional que se gramas e benefícios sociais, bens

instaurou nas localidades, adjun- públicos, educação, assistência

to a ausência, num primeiro mo- jurídica integral pública, traba-

mento, de uma redistribuição dos lho, moradia, serviço bancário e

indivíduos. seguridade social”.

Entretanto, esses ata- O impedimento de en-

ques não são particularidades trada no Brasil é estabelecido


177
da população, até mesmo os Ju- pela Seção II, Do Impedimento

diciários municipais e estaduais de Ingresso, que predispõe con-

preconizaram atos de xenofobia, dições específicas para vetar o

ao realizar o fechamento da fron- acesso ao território brasileiro.

teira sem autorização do Execu- Nesse ínterim, as ações realiza-

tivo. Como se já não bastasse, a das não são fundamentadas na

Governadora do estado transitou Lei vigente, opondo-se ao or-

com uma ação almejando blo- denamento jurídico brasileiro e


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aos tratados de direitos humanos

constitucionalizados. Por fim, os atos pratica-

Na Lei Nº 13.445, o ar- dos pela população, assim como

tigo 4º reconhece os imigrantes aqueles dirigidos pelo Judiciário

e estrangeiros equitativamente estadual, cogitando o indeferi-

aos brasileiros natos, no que cer- mento da entrada de venezuela-

ne “a inviolabilidade do direito à nos advindos de situação de cri-

vida, à liberdade, à igualdade, à se, corrobora com a compreensão

segurança e à propriedade”. Isso da ineficiência da lei, que mesmo

posto, a legislação publicada em ostentando uma grande evolução

2017 vai de encontro com a De- no que se refere a classificação

claração dos Direitos Humanos, dos imigrantes, a criminalização

em especial no artigo II: da xenofobia e a instituição de di-

reitos fundamentais a estes, ain-


Artigo II da assim não possui sua eficácia
1 - Todo ser humano
plena.
tem capacidade para
gozar os direitos e
as liberdades estabe-
lecidos nesta Decla- 178
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ração, sem distinção
de qualquer espécie, A crise humanitária
seja de raça, cor, venezuelana acarretou em uma
sexo, idioma, reli-
acentuada movimentação geo-
gião, opinião política
ou de outra natureza, gráfica em direção ao território
origem nacional ou brasileiro. Esse fato demandou
social, riqueza, nas-
da República Federativa do Brasil
cimento, ou qualquer
outra condição. mecanismos para suprir a neces-
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sidade de salvaguarda dos direi- atos xenofóbicos e preconceituo-

tos fundamentais dos imigrantes sos que repercutiram no judiciá-

e de seu próprio povo, no que tan- rio.

ge o artigo 12 da CRFB/88. O fechamento da fron-

Destarte, o ordenamen- teira pela magistratura estadual,

to jurídico nacional usufruiu da a política de utilização de passa-

Lei nº 13.455 de maio de 2017, portes para usufruir de serviços

que institui a Lei de Migração públicos estabelecida pela ad-

atualizada, a fim de definir as ministração local de Pacaraima,

diretrizes da política migratória somado a queima de abrigos ve-

brasileira em seu artigo 2º, fo- nezuelanos pela população bra-

calizando-se no inciso II que re- sileira desestabilizaram o equilí-

pudia a xenofobia e as formas de brio social, lesando diretamente

racismo e discriminação. os direitos fundamentais dos imi-

Entretanto, a partir da grantes e sobressaindo as ordens

análise realizada, percebe-se a do Poder Executivo nacional.

ineficiência da Lei de Migração Esses fatores supraci-

no contexto das movimentações tados reforçam a ineficiência da


179
venezuelanas, em especial no es- Lei nº 13.445 de 2017, no que tan-

tado de Roraima. Isso pois, tor- ge o artigo 2°, em especial a aco-

nou-se necessário a implementa- lhida humanitária; a igualdade de

ção de medidas constitucionais tratamento e de oportunidade ao

excepcionais, tais como a Garan- migrante; e fundamentalmente a

tia da Lei e da Ordem, objetivan- universalidade, indivisibilidade

do reestabelecer a paz e a ordem e interdependência dos direitos

social, devido a recorrência de humanos.


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Dessa forma, os Direi- so e mediar a correlação entre os

tos Humanos recepcionados e imigrantes e a população local.

instituídos na Constituição da

República Federativa do Brasil BIBLIOGRAFIA

de 1988 devem ser limitadores

da ação dos órgãos e poderes da ACNUR intensifica sua resposta

União, prevalecendo-se sobre os diante do aumento das solicitações

interesses privados individuais, de refúgio de venezuelanos-2017.

tendo-se em vista a situação que Disponível em: https://www.ac-

suscitou a crise migratória. nur.org/portugues/2017/07/17/

Outrossim, o ordena- acnur- intensifica-sua-resposta-

mento jurídico brasileiro de- -diante-do-aumento-das-solicita-

manda uma reelaboração de sua coes-de-refugio-de- venezuela-

conduta frente a aplicabilidade nos/. Acesso em: 07 de outubro

da Lei de Migração e as sanções de 2019.

impostas por ela aos que ultraja-

rem seus preceitos fundamentais, ALVES FILHO, Manuel; VIL-

substanciando uma política de LEN, Gabriela. As novas faces


180
acolhimento pacífica e humani- das migrações internacionais.

tária. Ademais, a ineficiência da Jornal da U N I C A M P,

Lei supracitada é responsabilida- [s. l.], 22 f e v .

de dos Podes em âmbito nacio- 2018. Disponível em: ht-

nal, estadual e municipal, o que tps://www.unicamp.br/unicamp/

negligenciaram seus preceitos e ju/noticias/2018/02/22/novas-fa-

faltaram com a incumbência de ces-das-migracoes- internacio-

estabelecer um ambiente amisto- nais. Acesso em: 2 out. 2019.


ISSN: 2675-7451

Vol. 02 - n 02 - ano 2021

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selho Nacional de Imigração e dá

BRANDÃO, Marcelo. Pacaraima outras providências.. Estatuto do

está à beira de colapso social com Estrangeiro. p. 12-30

aumento de imigração: Prefeito

da cidade esteve hoje no Sena- BRASIL. Ministério da Justiça.

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content&id=2048:catid=28&It
DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: FORMAÇÃO
DE PROFESSORES E O DESAFIO DAS NOVAS TEC-
NOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
(TIC)

TEACHING IN HIGHER EDUCATION: TEACHER


TRAINING AND THE CHALLENGE OF NEW IN-
FORMATION AND COMMUNICATION TECHNO-
LOGIES (ICT)

Liliane Aparecida Estavas1

Heidy Elizia Sauer Andrade2

Resumo: Em face do avanço das ção. È relevante pensar de que


novas tecnologias que vem ocor- maneira é possível utilizar tantos
rendo e atingindo a todos os se- recursos disponíveis atualmente
tores da sociedade, o presente ar- ao passo de poder proporcionar
tigo traz uma discussão pautada mudanças no processo de ensino-
186
em estudiosos sobre as mudanças -aprendizagem que até então era
que estão ocorrendo na educa- visto como algo estático e con-

1 Liliane Aparecida Estavas, é graduada em Letras pela Universi-


dade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e aluna do curso de pós-
-graduação em Docência no Ensino Superior pela Faculdade de Sinop
( FASIPE) e atua na Educação Básica da rede estadual do município de
Sinop/ MT, como professora de Língua Portuguesa
2 Heidy Elizia Sauer Andrade é graduada em Letras pela Uni-
versidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), é aluna do curso de
pós-graduação em Docência no Ensino Superior pela Faculdade de
Sinop (FASIPE), e atua como servidora pública
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servador. A tarefa do professor available today while providing

no século XXI não é mais a de power changes in the teachin-

levar o conhecimento pronto ao g-learning process which until

discente, mas tem sim o papel de then was seen as something sta-

atuar como mediador e facilita- tic and conservative. The task

dor no processo de construção do of the teacher in the twenty-first

conhecimento. As mudanças que century is no longer ready to take

estão ocorrendo obrigam os edu- the knowledge to the student, but

cadores a buscar conhecimentos rather has the role of acting as

gerais e específicos para que pos- a mediator and facilitator in the

sam desempenhar de modo satis- process of knowledge construc-

fatório seu papel na sociedade. tion. The changes that are taking

place have led educators to seek

Palavras chave: Educação, Tec- knowledge and expertise so that

nologia, Formação de Professo- they can perform satisfactorily

res, ensino. their role in society.

Abstract: In the face of the ad- Keywords: Education, Techno-


187
vance of new technologies that logy, Teacher Training, Teaching

has been occurring and reaching

all sectors of society, this arti- INTRODUÇÃO

cle presents a discussion guided Na sociedade pós - mo-

by scholars about the changes derna vive -se dias em que as

that are occurring in education. regras têm sido moldadas e im-

It is important to think of how postas de acordo com as inova-

you can use so many resources ções tecnológicas que são dis-
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ponibilizadas constantemente passada. A preleção jesuítica, isto

no mercado. Desta maneira, po- é, a prática do ensino onde o pro-

de-se afirmar que é praticamen- fessor de certo modo é o detentor

te impossível viver indiferente do conhecimento e o aluno, por

às transformações vivenciadas sua vez aprendiz, está apto para

no cotidiano das pessoas. Esses aprender sem questionar consis-

avanços tecnológicos têm levado te atualmente em um modelo de

as pessoas a buscarem incessan- ensino que ficara impregnado du-

temente novos conhecimentos rante séculos está sendo aos pou-

para que consigam acompanhar cos modificado e modernizado

o turbilhão de informações e no- pela inserção das novas tecnolo-

vidades pelo qual são aplacadas gias no universo educacional.

dia após dia. Nos países em desen-

As transformações que volvimento, como é o caso do

vêm sendo instauradas pela tec- Brasil, a introdução de novas tec-

nologia de modo geral é evidente nologias representa uma realida-

tanto é que a tendência comum de, onde é possível observar, de

das pessoas e organizações tem modo especial nas instituições de


188
sido uma só: qualificação; até nível superior, que as novas tec-

mesmo os setores mais resisten- nologias vem sendo implantadas

tes da sociedade tem cedido a progressivamente.

essa nova sociedade do século O processo de intro-

XXI. Exemplo disso é a educa- dução de novas tecnologias nas

ção que está cada vez mais adap- instituições de ensino superior,

tando- se ao novo cenário que se seja em países estrangeiros ou no

desenha para que não seja ultra- Brasil, não é definitivamente um


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movimento lento em que pesem nal não parece fugir às tradicio-

as estatísticas e as iniciativas go- nais trajetórias de resistência por

vernamentais, e ainda que consi- que passam sempre as inovações.

derada por muitos , como um fato Exemplo disso pode-se

irreversível, a introdução das no- citar os congressos e eventos que

vas tecnologias não deixa de cau- tem sido desenvolvidos por res-

sar polêmicas. peitadas universidades brasilei-

O avanço das TIC- Tec- ras como a UNB- Universidade

nologias de Informação e Comu- de Brasília - que promove desde

nicação- tem propiciado maiores 2012 o Congresso Íbero- Ame-

possibilidades de disseminação ricano de Estilos de Aprendi-

de informações, facilitando o zagem, tecnologias e inovações

acesso a estas, no entanto é pre- com intuito de debater e promo-

ciso desenvolver competências e ver a reflexão sobre a novo ce-

habilidades para se apropriar dos nário educacional encarado pela

conhecimentos oferecidos pelas sociedade e suas transformações

informações. assim como a UNEMAT- Uni-

Na educação brasilei- versidade Estadual de Mato


189
ra, sobretudo ao atingir o ensino Grosso- que também vem reali-

superior, as tecnologias são hoje zando o Seminário de Informá-

uma das questões mais discuti- tica na Educação para discutir a

das entre educadores. Pesquisas, inserção de novas tecnologias no

relatos e debates especializados, setor educacional.

como os quem vem acontecendo A democratização do

em diversos países demonstram saber por meio da informação

que esta nova questão educacio- propõe alternativas que busquem


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produzir, socializar e facilitar o faz-se necessário um acompa-

acesso ao conhecimento, ultra- nhamento do impacto tecnoló-

passando a metodologia de traba- gico sobre a educação no ensino

lho fundamental da reprodução superior, com objetivo principal

para a produção do conhecimen- das melhorias da qualidade de

to. Por isso torna-se necessário ensino.

buscar um referencial teórico que O cenário atual no to-

discuta a questão prática e a teo- cante às instituições de nível su-

ria na educação. perior é de elevada pressão em

Os computadores estão relação aos avanços tecnológicos,

cada vez mais presentes na socie- que por um lado lhes garantem

dade, chegam às universidades melhores condições didáticas e

como recurso importante para a pedagógicas e de outro, ocasiona

modernização do sistema edu- mudanças ambientais e tecnoló-

cacional permitindo e facilitan- gicas de uma era da modernida-

do a concretização da produção de, portanto, no atual contexto

de trabalhos. Exemplo disso é o tecnológico em que o mundo se

acesso à internet que trouxe con- volta para um sistema comanda-


190
sigo mudanças radicais no pro- do e dominado pela tecnologia; é

cesso de ensino-aprendizagem. necessário despertar-se para um

Dessa forma, a sua inserção no modelo educacional que acom-

ensino é um processo irreversí- panhe este sistema. Para isso as

vel e a revolução tecnológica em universidades devem atender a

cursos está se dando sem que os um apelo de abrangência mun-

educadores possam contê-la. dial, onde é indispensável o co-

Mediante a tudo isso, nhecimento teórico e prático


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desse processo global. Essa pre- sociedade da época ou que foram

ocupação é devido à prioridade significativos para outros povos;

dispensada aos profissionais ha- no entanto esta mesma educação

bilitados nessa área no mercado foi responsável pela criação cien-

de trabalho. tífica e tecnológica que se incum-

Com a globalização o biria de modificar esta mesma

processo de mecanização tem estrutura conservadora e tradi-

crescido de modo surpreendente cional atualmente.

e a educação como um sistema Dessa maneira acredi-

voltado para preparar o cidadão ta-se que o foco desse artigo é

para a vida, deve se lançar na luta preponderante porque vem a co-

para levá-lo a deparar-se com laborar com o debate sobre os

essa situação com formação e ca- avanços das novas tecnologias

pacitação tecnológica, oferecen- na educação, abrindo novas al-

do-lhe oportunidade de enfrentar ternativas de melhoria para os

os desafios surgidos. problemas ocasionados por essa

É importante ressaltar demanda nas instituições de En-

que por muitos séculos a educa- sino Superior e também discutir


191
ção desenvolveu-se através da o papel do docente frente à tais

utilização de métodos e técnicas transformações.

tradicionais, o conceito que ti- É importante que no

nha-se sobre ensino era de que o setor da educação, mais especifi-

importante era transmitir conteú- camente no que diz respeito aos

dos acumulados ao longo do tem- cursos de nível superior, haja um

po, pautados em fatos e conheci- amoldamento condizente com

mentos que eram pertinentes à as novas exigências da socieda-


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de atual e preponderantemente acadêmico não consiga estabele-

avocar para si um papel exemplar cer uma associação coerente com

nessa conjuntura. a prática pedagógica; se o foco

O novo cenário que se não estiver claro, o conhecimen-

desenha na educação exige tam- to certamente não será construí-

bém que haja uma adaptação pe- do de maneira apropriada; o que

dagógica por parte dos docentes, é preocupante; pois na sociedade

ou seja, usar as TIC’s a favor da atual as expectativas em relação

construção do conhecimento. aos profissionais que chegam ao

Observa-se frequentemente é mercado de trabalho são mui-

que muitos professores levados tas, principalmente de que sejam

pelo ímpeto de ensinar acabam pessoas flexíveis e criativos para

apenas reproduzindo conteúdos, lidarem com as necessidade em

isso significa, uma enorme carga questão.

teórica que muitas vezes não está As Diretrizes Curricu-

relacionada à realidade social do lares Nacionais atuais, homolo-

aluno, causando assim uma dis- gadas a partir de 2001, indicam

sociação clássica entre teoria e a necessidade de estruturar os


192
prática, fato bastante comum en- cursos por meio de um projeto

tre alunos recém- graduados. pedagógico onde o domínio das

Desse modo, pode-se TICs é recomendado, ou seja, é

dizer que a relação de conheci- relevante considerar que o cená-

mentos e habilidades pode ser rio educacional não é mais algo

prejudicada caso as informações estável e monótono, precisa estar

recebidas durante o curso de gra- inteirado, adequado às novas ne-

duação se derem de forma que o cessidades de mercado.


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Nesse sentido, o pre- Conectados, interliga-

sente artigo foi orientado com o dos; são estas as duas palavras

objetivo de corroborar com as re- que resumem a realidade atual,

flexões desenvolvidas no ínterim sites de busca, vídeos e redes so-

do avanço das tecnologias no ce- ciais. Há avanços tecnológicos

nário da educação superior, com em todos os setores da socieda-

intento de auxiliar e melhorar o de, o mundo para se a Internet ti-

esclarecimento do papel do do- ver algum problema. Os grandes

cente mediante à esta nova rea- centros financeiros e até mesmo

lidade. os rincões do planeta dependem

Este trabalho implica atualmente das tecnologias dis-

numa metodologia de pesquisa poníveis no mercado. Vive-se a

indireta, de caráter bibliográfico, Era das Redes Sociais, da inte-

que consiste na utilização de re- gração entre grandes organiza-

ferências teóricas já publicadas ções através da tecnologia; não

para análise e discussão do pro- há mais como evitá-la, ela tor-

blema. Quanto aos fins, consi- nou-se indispensável nos dias de

dera-se descritiva, pois a preo- hoje.


193
cupação central é caracterizar a A sociedade indubi-

influência da tecnologia no Ensi- tavelmente vem passando por

no Superior. grandes mudanças em todos os

aspectos principalmente no que

INFORMATIZAÇÃO DA diz respeito às práticas educacio-

EDUCAÇÃO CONTEMPO- nais, que apesar da resistência,

RÂNEA: ASPECTOS RELE- estão tendo que acompanhar e

VANTES adequar-se às novas regras dita-


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das pela globalização. Espera-se mudança do modelo
fordista para o pós
de acordo com as exigências atu-
fordismo exige um
ais que a educação faça o papel homem autônomo e
de preparar pessoas aptas a pro- reflexivo. ( SILVA,
2004, p.13)
duzir transformações, questionar

verdades absolutas e não apenas


Mais do que profissio-
reproduzir o conhecimento já
nais capacitados tecnicamente,
existente. De acordo com Silva:
as universidades de modo geral

O processo de globa- estão sendo pressionadas a for-


lização vem trazendo necer aos seus estudantes um en-
transformações ao
sino à altura das inovações e mo-
mundo contempo-
râneo. O desenvol- dificações ocorridas pelo avanço
vimento de novas das tecnologias em um contexto
tecnologias assim
geral, para que possam efetiva-
como sua difusão
pelos mais variados mente conseguir desempenhar
meios de comunica- seu papel profissional dentro da
ção,aponta para a ne-
sociedade contemporânea. Na
cessidade se refletir
sobre os paradigmas realidade atual, um ensino tra- 194
atuais de cultura, o dicionalista que ignora as trans-
mundo do trabalho
formações que vem ocorrendo já
e sociedade, fun-
damentalmente, da não tem prestígio no cenário eco-
educação. A autono- nômico global; Behrens afirma
mia se constitui uma
que:
das marcas da dife-
rença para o mundo
O advento da econo-
do trabalho na con-
mia globalizada e a
temporaneidade. A
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forte influência dos te é necessário promover a ponte


avanços dos meios entre teoria e prática e estar dis-
de comunicação e
posto a formar profissionais cada
dos recursos de in-
formática aliados à vez mais versáteis e criativos no
mudança de paradig- âmbito social.
ma da ciência não
Após três décadas do
comportam um ensi-
no nas universidades surgimento do computador pes-
que se caracterize por soal, que a priore era algo que
uma prática pedagó-
representava poder para poucos,
gica conservadora,
repetitiva e acrítica. hoje tornou-se um item indispen-
(BEHRENS, 2000, sável no cenário educacional tec-
p.69)
nológico. Certamente os jovens

da época dos hippies, dentre eles


Presume-se a partir
Steve Jobs, Paul Allen e Bill Ga-
disso que os profissionais de-
tes promoveram uma revolução
vem estar cada vez mais atentos
tecnológica imprescindível para
e prontos para adaptarem-se às
a sociedade atual.
mudanças que surgem dia após

dia com o advento das novas tec- 195


Passados cerca de
nologias cada vez mais presentes trinta anos do surgi-
mento do computa-
e acessíveis no mercado. Não há
dor pessoal, pode-
espaço para um ensino de mes- mos constatar que
mices e pouco dinâmico isto é os objetivos de um
grupo de jovens em
que não envolva o aluno direta-
“instituir novas ba-
mente na construção de seu pró- ses para a informá-
prio conhecimento. Neste tocan- tica revolucionar a
sociedade” foram,
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até certo ponto atin- sociedade em trans-


gidos, fanáticos por formação constante,
eletrônica, esses jo- portanto exigirá uma
vens da época dos escola em transfor-
hippies tinham a pre- mação constante. A
tensão “ de desviar a inserção de novas
nova tecnologia em mídias e das teleco-
favor da “contra cul- municações torna-se
tura” ( LEVY, 1993, fundamental. Mé-
p.43) todos participativos
deverão substituir
a mera transmissão
Esta revolução de conhecimento.
continua a acontecer em todos os O professor passa a
ser um estimulador
setores da sociedade, inclusive no
e coordenador do
mais resistente, no caso a educa- processo de ensino-
ção, vive-se a Era da informação, -aprendizagem e não
mais um mero trans-
tudo é muito rápido, imediato e
missor de conheci-
finda por tornar indispensável a mento fragmentado
inserção de tecnologias na educa- em disciplinas. ( SIL-
VA, 2004, p.24)
ção e também uma mudança em
196
relação ao ensino, o professor já
O cerco está se fechan-
não deve mais pautar-se apenas
do contra a resistência à tecno-
em transmitir o conhecimen-
logia, não há mais como viver
to, mas sim incentivar o aluno
e conviver na sociedade se não
a construí-lo e buscá-lo. Afirma
houver uma adaptação ao novo
Silva:
jeito de construir a educação, não

A Era da Informa- há mais como ignorar as trans-


ção pressupõe uma
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formações cada vez mais eviden-

tes, como por exemplo o uso das A principio para

tecnologias como instrumento de dar início à reflexão sobre as

melhoramento pedagógico, isto é TIC, tecnologias da informação

o uso de computadores, internet e comunicação, é relevante que

e outras mídias com intuito de tenha-se ao menos uma definição

transformar o patamar educacio- do são elas e o que representam

nal atual, sendo assim ignorar a no âmbito educacional; Segundo

força da “Era da Informação” é o BEHREN (2000), pode ser com-

mesmo que não estar apto a tra- preendida da seguinte forma:

balhar neste setor da sociedade.


Num caráter mais
Pode-se afirmar veementemente amplo, a tecnolo-
que a educação hoje está passan- gia da informação,
entendida como re-
do por um processo metamórfico
cursos de hardware,
que perdurará por alguns anos software e redes de
ainda até que haja total integra- computadores, pode
ajudar a tornar mais
ção entre profissionais- alunos
acessíveis e conheci-
e tecnologia, obviamente quem dos para os professo-
197
não estiver preparado não per- res as políticas edu-
cacionais dos países,
manecerá neste caminho longo e
os projetos pedagó-
desafiador. gicos das escolas em
todos os níveis, os
projetos de apren-
AS TIC- TECNOLOGIAS DE
dizagem construí-
INFORMAÇÃO E COMUNI- do por professores
CAÇÃO- E MEDIAÇÃO PE- e alunos, as opções
paradigmáticas e as
DAGÓGICA
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proposições metodo- tradicional, e fazem desse modo
lógicas das institui- com que haja transformação no
ções de ensino, bem
espaço de ensino-aprendizagem,
como os mais diver-
sos aplicativos que anteriormente dominado apenas
podem ser colocados por uma lousa, giz, a voz do pro-
à disposição dos alu-
fessor e o indispensável livro. As
nos e de todos os usu-
ários da sociedade. ( mudanças estão acontecendo de
EHREN,2000,p.94) maneira gradual, porém ao mes-

mo tempo exige que haja uma


Neste ínterim, é possí- adequação urgente para que elas
vel afirmar de maneira irrefutá- possam estar colaborando efe-
vel que as novas tecnologias de tivamente com o bom desenvol-
comunicação e informação, po- vimento educacional. De acordo
pularmente chamadas de TIC; com Cascarelli:
trouxeram mudanças significati-

vas e positivas para a educação. A velocidade das


mudanças tecnoló-
Há uma diversidade de opções
gicas é tamanha que
que atualmente são disponibili- exige que a educação
zadas no mercado atual pode-se mude rapidamente, 198
para acompanhá-las.
citar como exemplos os vídeos,
O surgimento do rá-
programas educativos tanto na dio, da televisão, de
televisão quanto no computador, microcomputadores
e dos CD-ROMS in-
sites educacionais , softwares
terativos passou a in-
diferenciados que tornam mais fluenciar o modo pelo
dinâmicas aulas que até então qual aprendemos e
continuamos apren-
só eram ministradas de forma
dendo. Com uma
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fonte de energia elé- te indispensável que mesmo os
trica e uma conexão setores tido como os mais retró-
telefônica, mesmo as
grados, como é o caso da Educa-
áreas mais remotas
podem ter acesso aos ção, passe a rever seus conceitos
grandes centros de e adaptar-se ao novo integrando
informação do mun-
pedagogicamente. De modo que
do. (CASCARELLI,
1998, p 77) a tecnologia possa corroborar

positivamente com o aprendiza-

Todavia, para que as do e desenvolvimento dos alunos

TIC possam trazer alterações no sem ignorar até mesmo a cultura

processo educativo , precisam de massa, e que possa desenvol-

ser entendidas e aliadas pedago- ver através dela projetos pedagó-

gicamente,ou seja, é preciso ter gicos que possibilitem a inovação

respeito pelas especificidades do na maneira de ministrar aulas.

ensino e também da tecnologia, Afirma ele:

para poder assegurar que seu uso


A revolução tec-
, de fato, seja um notável dife-
nológica constitui
rencial. Não basta apenas usar um novo ambiente
199
o computador, vídeos e a TV, e pós-industrial, onde
o técnociência e o
necessário entender de que ma-
consumo persona-
neira empregar pedagogicamente lizado invadiram o
a tecnologia escolhida. cotidiano. Ou seja,
não faz mais sentido
Conforme Coelho
que a educação con-
(1990), a sociedade atual viven- tinue a alimentar o
cia uma Era de Revolução tec- horror pela sedução
e pela banalização
nológica que torna perfeitamen-
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da cultura de massa. cabe cada vez mais o papel de
É preciso reconhecer mediador e facilitador da cons-
maduramente suas
trução do conhecimento utilizan-
vantagens e limites,
procurar desenvolver do-se do que há de melhor nas
projetos pedagógi- TIC atualmente; em consonância
cos que oportunizem
com Pais:
aos alunos uma in-
teração mais ativa e
crítica com os meios A síntese de um co-
de comunicação e as nhecimento ocorre
novas tecnologias. sempre a partir de
(COELHO, 1990, informações, mas o
p.104). conhecimento em
si mesmo não deve
ser confundido com
Entretanto faz-se neces- dados informativos.
sário lembrar que de nada adian- Da mesma forma
como ocorre na na-
ta ter nas mãos uma ferramenta
tureza, na elabora-
fantástica, capaz de produzir ex- ção do conhecimento
celentes resultados se não houver não existe geração
espontânea. Todo
conhecimento necessário para
conhecimento tem
sua boa utilização, isto significa 200
uma precedência. (
dizer então que, em meio a esse PAIS,2010, p.19)

cenário de inovações tecnológi-

cas na educação, se não houver Neste contexto, apesar

adequação pedagógica não ha- de todas TIC que estão dispo-

verá resultados tão bons quanto níveis para serem utilizadas no

poderiam ser. campo da educação, é importante

Por isso, ao docente que elas sejam usadas de maneira


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que venha agregar melhorias no os setores, mesmo aqueles essen-

processo de ensino-aprendiza- cialmente tradicionalistas, como

gem, que haja engajamento entre é o caso da Educação precisam

a construção do conhecimento e ser transformados. A Era do co-

as tecnologias, sendo utilizadas nhecimento a qual está sendo vi-

a favor do desenvolvimento do venciada nos dias atuais requer

aluno, com projetos pedagógicos inovação e criatividade. Nas úl-

eficientes e capazes de produzir timas décadas o conhecimento

resultados cada vez melhores tomou uma dimensão tão signifi-

tanto para os discentes quanto cativa que exige novas maneiras

para os docentes. São muitos os de ser adquirido; aos poucos o

recursos disponíveis, computa- espaço para a pedagogia jesuí-

dores, vídeos, televisão, internet tica cujas aulas pautavam-se na

entre tantos outros, no entanto o preleção, isto é exposição de de-

realmente fará diferença será a terminado conteúdo perante uma

maneira com que tudo isso for plateia e logo após exercícios já

empregado;É o desafio da educa- não está atingindo os objetivos

ção no século XXI. estipulados hoje no processo de


201
ensino–aprendizagem, sobre isso

O PERFIL DOCENTE DO ressalta Moran:

ENSINO SUPERIOR E AS
Muitas das formas
EXIGÊNCIAS DE FORMA-
de ensinar hoje não
ÇÃO se justificam mais.
Perdemos tempo de-
mais, aprendemos
A sociedade pós–mo-
muito pouco, desmo-
derna exige mudanças em todos tivamo-nos continua-
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mente. Tanto profes- guir aliar os recursos tecnológi-
sores como alunos cos disponíveis ao que se preten-
temos a clara sensa-
de ensinar, podendo proporcionar
ção de que muitas
aulas convencionais dessa maneira uma nova motiva-
estão ultrapassadas. ção aos discentes em aprender. O
Mas para onde mu-
professor que não se pré-dispõe a
dar? Como ensinar
e aprender em uma isto não está preparado para lidar
sociedade mais in- com atividade docente; e apesar
terconectada? (MO-
de hoje estarem disponíveis as
RAN,2000, p.11)
TIC na educação, professor deve

ter claro em sua mente que ape-


Há um grande desafio
nas elas são incapazes de surti-
para a docência atual: como rom-
rem um resultado positivo.
per o tradicionalismo e oferecer
Neste tocante, MO-
aulas que agucem o desejo de
RAN, (2000) diz que como em
aprender? Como chamar a aten-
outras épocas, há uma expectati-
ção em uma sociedade cada vez
va de que novas tecnologias nos
mais moderna? Para ser docente
trarão soluções rápidas para o
atualmente, não basta apenas ter
202
ensino. Sem dúvida tecnologias
cursado uma boa faculdade, as
nos permitem ampliar o concei-
exigências vão muito além, nem
to de aula, de espaço e tempo,
todos estão preparados para lidas
de comunicação audiovisual, e
com a sociedade pós-moderna e
estabelecer pontes novas entre
por isso há a necessidade de estar
o presencial e o virtual, entre o
atualizando os conhecimentos e
estarmos juntos e o estarmos
estar disposto a aderir à novas
conectados à distância. Mas, se
formas de ensinar, isto é conse-
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ensinar só dependesse de tecno- a informações mais relevantes.

logias, já teríamos achado as me- Num segundo momento, coor-

lhores soluções há muito tempo. dena o processo de apresentação

Elas são importantes, mas não dos resultados pelos alunos. De-

resolvem as questões de fundo. pois, questiona alguns dos dados

Ensinar e aprender são os desa- apresentados, contextualiza os

fios maiores que enfrentamos em resultados, adapta-os à realidade

todas as épocas e particularmen- dos alunos, questiona os dados

te agora em que estamos pressio- apresentados. Transforma infor-

nados pela transição do modelo mação em conhecimento e co-

de gestão industrial para o da in- nhecimento em saber, em vida,

formação e do conhecimento. em sabedoria – o conhecimento

Em relação ao uso das com ética.

TIC na educação e o papel do Na conjuntura social

professor mediante a este contex- atual só há espaço para profissio-

to afirma Papert que as tecnolo- nais dispostos a encarar desafios

gias da comunicação não substi- e desenvolver um trabalho dife-

tuem o professor, mas modificam renciado de maneira eficaz e pro-


203
algumas das suas funções. A ta- dutiva, caso contrário, acaba por

refa de passar informações pode ser exilado do meio profissional

ser deixada aos bancos de dados, em que se dispõe a atuar. Por

livros, vídeos, programas em certo esta situação vem culmi-

CD. O professor se transforma nar essencialmente nas crescen-

agora no estimulador da curio- tes exigências de formação do

sidade do aluno por querer co- responsável por formar estes no-

nhecer, por pesquisar, por buscar vos profissionais; isto é, crescem


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cada vez mais a lista de requisi- contemporânea exige hoje uma

tos que o professor universitário formação qualitativa diferencia-

deve enquadrar-se, inclusive no da do que se tem ofertado em um

que diz respeito ao domínio da grande número de universidades;

TIC ( Tecnologias de Informa- ou seja, para atuar no mercado

ção e Comunicação);o grande de trabalho atual é necessário ter

problema é que nem todos são qualificação, qualidade de traba-

preparados para lidar com elas, lho e versatilidade para adaptar-

haja vista que as universidades -se às mais complexas situações

que oferecem cursos voltados a serem enfrentadas cotidiana-

para a docência não ofertam uma mente.

preparação condizente. A ques- Para o professor, não é

tão é como lidar com os avanços diferente, pelo contrário, de cer-

tecnológicos atuais se não hou- to modo é até mais desafiador

ve uma preparação adequada; do que qualquer outra profissão,

afinal qual o papel do professor pois lidar com a formação de no-

mediante a isso e de que forma vos profissionais exige hoje: ta-

trabalhar com esta problemática? lento, criatividade, dedicação e


204
Em consonância com responsabilidade para exercer tal

Behren (2000) as exigências de papel social. Conforme Moran

uma economia globalizada afe- (2000), ensinar é um processo

tam diretamente a formação dos social ( inserido em cada cultu-

profissionais em todas as áreas ra, com suas norma, tradições e

do conhecimento. Torna-se rele- leis), mas também é um processo

vante alertar que o profissional profundamente pessoal: cada um

esperado para atuar na sociedade de nós desenvolve um estilo, seu


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caminho, dentro do que está pre- ma fica difícil conseguir geren-

visto para a maioria. A sociedade ciá-las e separar o que deve-se

ensina. As instituições aprendem ou não ser observado com maior

e ensinam. Os professores apren- relevância. Isto indica que de

dem e ensinam. Sua personali- certo modo tornou-se impossível

dade e sua competência ajudam permanecer exercendo a docên-

mais ou menos. Ensinar depende cia de maneira tradicionalista.

também de o aluno querer apren- Não há espaço para uma educa-

der e estar apto a aprender em ção essencialmente formal, onde

determinado nível ( depende da o professor está em sala de aula

maturidade, da motivação e da apenas com a função de transmi-

competência adquiridas), isto é, tir conteúdos preestabelecidos.

além da dedicação do professor Afirma Moran sobre isso:

no processo de ensino-aprendi-
Ensinar e aprender
zagem, também é importante que
exigem hoje exigem
haja predisposição do aluno, que muito mais flexibi-
ele consiga sentir-se envolvido e lidade espaço-tem-
poral, pessoal e de
motivado para aprender o que lhe
grupo, menos con- 205
está sendo ensinado; o que carac- teúdos fixos e pro-
teriza, indiscutivelmente para o cessos mais abertos
de pesquisa e de co-
educador um desafio constante.
municação. Uma das
Com a vasta gama de dificuldades atuais é
informações hoje disponibiliza- conciliar a extensão
da informação, a va-
das através das mídias existen-
riedade das fontes de
tes, seja ela escrita, televisiva ou acesso, com o apro-
mesmo virtual, que de certa for- fundamento da sua
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compreensão, em es- não ditador de verdades absolutas


paços menos rígidos e inquestionáveis, deve estar apto
, menos engessados.
a auxiliar o aluno a construir seu
Temos informações
demais e dificuldade próprio conhecimento.
em escolher quais Papert (1988) destaca
são as mais signifi-
que inserir a utilização de tecno-
cativas para nós e em
conseguir integrá- logias em sala de aula é algo ino-
-las dentro da nos- vador e que o uso das mesmas é
sa mente e da nossa
capaz de melhorar a relação pro-
vida.” ( MORAN,
2000, p.29) fessor-aluno possibilitando que

o cada discente possa construir

Moran(2000) afirma que seu próprio conhecimento tendo

o professor, com acesso a tecno- no professor o orientador para

logias telemáticas, pode se tornar desenvolver suas atividades efe-

um orientador/ gestor setorial do tivamente.

processo de aprendizagem, inte-


As tecnologias da
grando de forma equilibrada a
comunicação não
orientação intelectual, a emocio- substituem o profes- 206
nal e a gerencial. Para que haja sor, mas modificam
algumas de suas fun-
uma otimização das informações
ções. A tarefa de pas-
disponíveis atualmente o profes- sar informações pode
sor deve estar preparado para o ser deixada aos ban-
cos de dados, livros,
papel de gestor/ orientador de
vídeos, programas
seus alunos e não como o deten- em CD.o professor
tor do saber em sala de aula, deve se transforma agora
no estimulador da
hoje estar no papel de mediador e
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curiosidade do aluno não aceitar apenas o que já está
por querer conhe- pronto,porém para que o profes-
cer, por pesquisar,
sor possa exercer a docência de
por buscar informa-
ções mais relevantes tal modo, isto é utilizando-se das
.Num segundo mo- TIC, ele deve ter passado por
mento, coordena o
um processo de formação que o
processo de apresen-
tação dos resultados preparou para tal atividade, fato
pelos alunos. Depois, que massivamente não ocorre
questiona alguns dos
nas universidades, sabe-se que
dados apresentados,
contextualiza os re- existem dificuldades através
sultados, adapta-os à dos meios convencionais para
realidade dos alunos,
se preparar professores aptos a
questiona os dados
apresentados. Trans- lidarem com novas tecnologias,
forma informação deste modo é preciso formá-los
em conhecimento e
da mesma maneira que exige-se
conhecimento em
saber, em sabedo- que eles atuem, o que é indiscu-
ria- o conhecimento tivelmente prejudicial para o seu
com ética. (PAPERT,
desempenho profissional.
1988, p.21)
207
Conforme Mercado

(2002), para que o processo de


O autor supracitado dei-
formação do professor atendes-
xa claro que o professor deve ser
se ao que exige-se em função do
instigador da pesquisa e orien-
avanço das TIC ( Tecnologias de
tador de seu desenvolvimento.
Informação e comunicação) que
No entender de Levy ( 1996)
ele desenvolva seria necessário
compete ao professor incitar os
incorporar à sua metodologia
discentes a aprender a pensar e
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conhecimentos das novas tec- quer política educa-
cional e cabe advertir
nologias e como aplicá-la;isto é
que apenas a instala-
preparar o docente para trabalhar ção de equipamentos
em concordância com as exigên- não dará conta das
mudanças necessá-
cias que lhes são impostas atu-
rias, pois a formação
almente neste aspecto, para que dos profissionais de-
isto ocorra seria necessária uma vem ser prioridade.
(Silva, 2004, p.90)
intensa transformação curricular

nas universidades que preparam


A autora supracitada en-
os professores para atuarem pro-
fatiza que de nada adianta meios
fissionalmente.
fantásticos de tecnologia se não
Há ainda muito a se fa-
houver um profissional apto para
zer no tocante à formação de pro-
usufruir deles de maneira provei-
fessores que estejam engajados
tosa a ponto de dinamizar o am-
com as novas tecnologias para
biente da sala de aula.
que possam usá-la como aliada
Moran(2000) ressalta
no desenvolvimento de suas au-
que o professor deve ser o me-
las; ao mesmo tempo; apenas a
diador no processo de ensino – 208
formação apropriada e o domínio
aprendizagem, deve usar as fer-
de tais recursos não garantirão
ramentas que lhes são ofertadas
que o processo de ensino-apren-
incentivando o discente a pesqui-
dizagem se dê modo eficaz e sa-
sar e dessa maneira construir o
tisfatório. Segundo Silva:
seu conhecimento, afirma ele:

Relevante que se fri-


O professor é um
se a importância do
pesquisador em ser-
educador para qual-
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viço. Aprende com a res veem o computador: como
prática e a pesquisa empecilho ou como ferramenta
e ensina a partir do
de mais-valia no processo de en-
que aprende.realiza-
-se aprendendo-pes- sino-aprendizagem, isto é, pode
quisando-ensinando- ser explorado infinitamente de
-aprendendo. O seu
acordo com a visão do profissio-
papel é fundamen-
talmente o de um nal ou simplesmente ser ignora-
orientador/mediador. do. Para ela, a preocupação de
( MORAN, 2000,
alguns professores que tem ser
p.30)
substituídos é infundada, pois o

papel que o docente desempenha


É importante que os
na sala de aula jamais poderá ser
docentes dos dias atuais este-
substituído por uma máquina por
jam abertos às mudanças tecno-
mais potente que ela possa pare-
lógicas existentes e predisposto
cer, nesse sentido não há razão
a adequa-las no seu dia-a-dia
para ser resistente às mudanças
com seus alunos, para que dessa
que se apresentam no cenário
maneira possa ajudar a formar
tecnológico atual. Afirma ela:
profissionais cada vez mais pre-
209
parados e que possam atender o Portanto, capacitar
mercado de trabalho com as exi- o professor para a
inserção da infor-
gências que atualmente são im-
mática educativa,
postas. adequando sua práti-
Silva (2004) defende ca às exigências do
mundo contempo-
que a utilização da informática
râneo deveria ser o
pode ser inesgotável dependen- primeiro passo no
do da forma como os educado- sentido de se atingir
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uma educação que necessita desenvolver, caso con-
vise à formação de trário, corre-se risco de tornar-se
uma cidadania plena
um setor obsoleto e ultrapassado.
( Silva, 2004, p.96)
Assim sendo cabe ao docente es-

tar consciente que deverá estar


De acordo com tal con-
em formação constante e flexível
juntura, é importante considerar
às mudanças que se apresentam,
que vivencia-se atualmente uma
a sociedade está mudando e pro-
época de transição entre duas
fessor ao desenvolver seu papel
realidades históricas e sociais ,
social também deve estar aber-
a Época Moderna e a Pós –mo-
to a transformar, a modificar ,
derna, já denominada por alguns
a fazer o novo e não ficar preso
como Sociedade da Informação,
apenas no tradicionalismo, mas
há quem diga Sociedade do Co-
sim saber aceitar e incorporar
nhecimento, onde de um lado
positivamente ao seu trabalho as
estão as mudanças constantes
várias opções tecnológicas que
no cenário tecnológico cada vez
lhes são disponibilizadas todos
mais dinâmico e veloz e de outro
os dias.; eis o grande desafio para
, um sistema escolar que ainda
210
o docente na sociedade pós- mo-
não está tão adaptado a esta nova
derna.
realidade que tem se apresenta-

do na pós-modernidade. É nesse
CONCLUSÃO
momento que percebe-se o quão
As TIC ( Tecnologias de
é importante que haja mudanças
Informação e Comunicação) atu-
na atitude e na formação docen-
almente disponíveis para o uso
te, de procurar adequar-se aos
na educação é capaz de instituir
novos passos que a educação
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um novo protótipo educacional, e sim em constante modificação,

onde o aluno é capaz de construir o que significa dizer que enquan-

seu próprio conhecimento caso to profissional precisa estar bus-

seja orientado satisfatoriamente cando conhecer e aperfeiçoar-se

para que isso ocorra. Neste senti- quanto às tecnologias disponíveis

do, cabe então ao docente que se no mercado para que dessa ma-

propõe em atuar nas instituições neira possa inovar e melhorar o

de ensino, ou seja, no ensino su- seu trabalho como orientador no

perior, que esteja disposto a estar ambiente da sala de aula. Flexibi-

adequando-se a tais mudanças lidade e dinamismo para ensinar

que estão ocorrendo contempo- são as palavras que serão indis-

raneamente. pensáveis no contexto educacio-

As novas tecnologias nal atual.

são de grande valia no processo

de ensino-aprendizagem quando REFERÊNCIAS

engajadas positivamente na pro-

posta pedagógica das instituições BEHRENS, Maria Aparecida.

certamente irão surtir resultados MASETTO, Marcos T.MORAN,

muito mais satisfatórios do que José Manuel. Novas mídias e me- 211

os que são obtidos através de diação pedagógica. 19ª ed. Cam-

meios tradicionais de ensino, isto pinas-SP, Papirus.

é utilizando-se apenas de cader- CASCARELLI, C. V. O uso da

no, lousa e giz. informática como instrumento

Cabe ao professor ter de ensino-aprendizagem. Revista

consciência de que o cenário atu- Presença Pedagógica, vol.4, n.20,

al da educação já não está pronto p.29-37, mar/abr. 1998.


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COELHO, Eduardo P. Utopia no nas- SP:Alínea,2004.
mundo imperfeito. Rio de Janei-

ro-RJ, Caderno de idéias do Jor-

nal do Brasil, agosto de 1990.

LEVY, Pierre. O que é virtual,

trad. Paulo Neves. São Paulo:

Editora 34, 1996, 160p ( Coleção

Trans)

MERCADO, L. P. L. Novas tec-

nologias na educação: reflexões

sobre a prática. Maceió: EDU-

FAL, 2002.

MORAN, J. M. Mudanças na

comunicação pessoal: gerencia-

mento integrado da comunicação

pessoal, social e tecnológica. São

Paulo: Paulinas, 2000.

PAIS,Luiz Carlos. Educação Es-


212
colar e as tecnologias da infor-

mática. 1 ed. 3reimp. Belo Hori-

zonte, 2010.

PAPERT, S. Logo: Computado-

res e educação. São Paulo: Brasi-

liense, 1988.

SILVA,Angela Carrancho da.

Infovias para a educação.Campi-


ENCARCERAMENTO EM MASSA: REFLEXÕES
DIANTE DA CRISE SANITÁRIA PELO NOVO CO-
RONAVÍRUS

MASS INCARCHMENT: REFLECTIONS BEFORE


THE HEALTH CRISIS BY THE NEW CORONAVI-
RUS

José Júnior Bezerra da Silva1

Resumo: Dados do Levanta- e negros, e de não-negros com-

mento Nacional de Informações prometidos com a temática. O

Penitenciárias apontam que o presente estudo trata-se de uma

Brasil consta como o terceiro país resenha da obra Encarceramen-

no mundo em números de pesso- to em Massa de Juliana Borges.

as privadas de liberdade. Esses Diante da emergência dessa prá-

dados induzem a pensar que se as tica social, relacionarmos a pro-

históricas denúncias de desigual- blemática do encarceramento em


213
dades baseadas na raça feitas por massa brasileiro (e a forma como

movimentos negros não são sufi- afeta a população negra do país)

cientes, é preciso fomentar uma com a atual crise sanitária pelo

aproximação com produções aca- novo Coronavírus (COVID-19).

dêmicas e intelectuais históricas, Em linhas gerais, a partir deste

e atuais, de pensadores negras contexto, é reforçada uma lógica

1 Terapeuta Ocupacional. Mestre em Psicologia-Universidade


Federal de Alagoas
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Necropolítica, surgida a partir da a review of the work Encarcera-

lógica colonialista de colocar a mento em Massa by Juliana Bor-

vida de alguns grupos em contato ges. In view of the emergence of

constante com a morte, de fazer this social practice, we relate the

viver e deixar morrer. problem of mass incarceration in

Brazil (and the way it affects the

Palavras-chave: Racismo; En- country’s black population) with

carceramento; Necropolítica; the current health crisis caused

COVID-19. by the new Coronavirus (CO-

VID-19). In general lines, from

this context, a Necropolitical lo-

Abstract: Data from the Natio- gic is reinforced, arising from the

nal Prison Information Survey colonialist logic of putting the

show that Brazil is the third cou- lives of some groups in constant

ntry in the world in numbers of contact with death, of making pe-

people deprived of their liberty. ople live and letting them die.

These data lead us to think that

if the historical denunciations of Keywords: Racism; Incarcera-


214
race-based inequalities made by tion; Necropolitics; COVID-19.

black movements are not enou-

gh, it is necessary to foster a ra- APRESENTAÇÃO DA AUTO-

pprochement with historical and RA E DA ORGANIZADORA

current academic and intellectual DA OBRA

productions, of black and black

thinkers, and committed non-bla- Juliana Borges, femi-

cks with the theme. This study is nista negra, militante e antipu-
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nitivista, assina o segundo título Universidade Federal de São

da coleção Feminismos Plurais: Paulo (Unifesp), feminista negra

Encarceramento em Massa. For- e escritora, tem atuado como co-

mada em Letras pela Universida- lunista, exercendo a função de

de de São Paulo, estuda Socio- secretária adjunta da Secretaria

logia e Política e é pesquisadora de Direitos Humanos e Cidada-

em Antropologia na Fundação nia de São Paulo. Djamila tem

Escola de Sociologia Política fortalecido os debates em torno

de São Paulo. Durante a gestão do racismo, fomentando discus-

de Fernando Haddad, exerceu a sões em diversos veículos de co-

função de Secretária Adjunta da municação, escrita acadêmica e

Secretaria Municipal da Prefei- publicações midiáticas.

tura de São Paulo. Pesquisadora

e colunista, em suas publicações

aborda assuntos relacionados às PERSPECTIVA TEÓRICA

questões sociais e feminismo ne- DA OBRA

gro. É consultora do Núcleo de

Enfrentamento, Monitoramento A obra apresenta uma


215
e Memória de Combate à Violên- abordagem descolonial, em uma

cia da Ordem dos Advogados do perspectiva da interseccionalida-

Brasil (OAB-SP). de, se fundamentando em estudos

Djamila Ribeiro, filó- de autores que problematizam a

sofa, é coordenadora do projeto ideia de uma ciência eurocentra-

Feminismos Plurais, que a obra da, positivista e classificatória, a

“Encarceramento em Massa” faz exemplo de Davis (2017), Mbem-

parte. Mestra em filosofia pela be (2003), Carneiro (2005), den-


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tre outros. Esse tipo de perspec- cado” (AKOTIRENE, 2019, p.

tiva vai de confronto à lógica 14).

colonialista, considerando que Almeida (2019) aponta,

não se pode falar da população ainda que a resistência contra o

negra com estudos que obtive- racismo tenha raízes mais an-

ram vantagens a partir da explo- tigas, foi a partir do século XX

ração, invisibilização e exclusão; que os movimentos sociais as-

e desqualificação pelo processo sumiram um decisivo protago-

colonialista que acontecia desde nismo político. De acordo com

o final do século XIX. Akotirene o pesquisador, esses movimen-

(2019) também critica a postura tos sociais foram formados por

civilizatória colonizadora, inter- intelectuais de diversos campos

seccionando metodologicamen- do conhecimento, sob a influên-

te as estruturas de raça, gênero, cia de uma pluralidade cultural

sexualidade, nação e classe, e e ideológicas, “que dialogaram,

determinando um coro latino- mesmo que de modo tenso e mui-

-americano de enfrentamento to crítico, com vertentes liberais,

ao colonialismo, imperialismo e existencialistas e marxistas, o


216
monopólio epistêmico ocidental. que se pode observar na tradição

Assim, a perspectiva da intersec- de estudos decoloniais e pós-co-

cionalidade por ele empregada loniais” (p. 92).

foi utilizada por considerar que

ela “visa dar instrumentalidade

teórico-metodológica à insepa- BREVE SÍNTESE DA OBRA

rabilidade estrutural do racismo,

capitalismo e “cisheteropatriar- A obra apresenta um


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panorama do atual quadro de nizado em três partes: na primei-

encarceramento em massa que ra, apresenta um breve histórico

vem assolando o mundo, em es- sobre a punição e o aprisiona-

pecial no Brasil, terceiro país mento; em seguida, fala sobre a

do mundo no número de pesso- ideologia racista e o sistema de

as privadas de liberdade. Ainda, justiça criminal brasileiro; e, por

articula feminismo negro com o fim, traz a discussão sobre gêne-

encarceramento em massa e, du- ro, raça e classe e a atual guerra

rante as discussões, as temáticas às drogas, denominadas como

vão caminhando juntas e se in- estruturas de manutenção das

terseccionando, apresentando o desigualdades.

panorama da desigualdade social

agravado pelo processo de en- PRINCIPAIS TESES DESEN-

carceramento vigente. A autora VOLVIDAS E REFLEXÃO

destaca que o livro não objetiva CRÍTICA

encerrar dúvidas; ao contrário,

se propõe a estimular a busca por O texto apresenta o vio-

outras referências e movimentos, lento processo de encarceramen-


217
compreendendo que “não muda- to no Brasil, a partir dos dados

mos nada, absolutamente nada, do Levantamento Nacional de

sozinhas” (BORGES, 2019, p.18). Informações Penitenciárias, pro-

Ainda no início do livro, blematizando essas informações

a autora justifica a necessidade a partir dos questionamentos: “O

das discussões relacionadas ao que leva a todo esse encarcera-

sistema judicial criminal e o fe- mento?”, “Por que nossa cultura

minismo negro. O texto foi orga- é tão judicializada e criminaliza-


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dora das relações sociais?” e “Por cas conscientes ou inconscientes

que há tanta diferenciação quanto que culminam em desvantagens

aos grupos sociais que essa cul- ou privilégios para indivíduos,

tura e suas estruturas atingem?”. a depender do grupo racial ao

Segundo Borges (2019), os dados qual pertençam”. Não se trata de

apontam que a população pri- apenas um ato discriminatório,

sional não é multicultural e tem, ou mesmo um conjunto de atos,

sistematicamente, seus direitos mas de um imenso processo em

violados. Em uma leitura feita a que condições de subalternidade

partir do filósofo francês Michel e de privilégio que se distribuem

Foucault (2016), em seu estudo entre grupos raciais se reprodu-

sobre as prisões, esse tipo de lo- zem nos âmbitos da economia,

cal é apresentado como espaço política e das relações cotidianas

de correção e punição; porém, o (ALMEIDA, 2019).

cárcere distorce mais do que cor- A atual perspectiva ne-

rige. oliberal que está presente na so-

Antes de avançar nas ciedade, tem desde sua fundação,

discussões, é necessário trazer uma lógica racista, marcada por


218
conceitos que atravessam a obra episódios de desigualdades. São

aqui estudada. De acordo com opressões estruturais e estrutu-

Almeida (2019, p. 22), pode-se rantes da constituição de uma so-

dizer que o racismo se configu- ciedade que surgem, para o mun-

ra como “uma forma sistemá- do ocidental, pela exploração

tica de discriminação que tem colonialista e ainda marca, em

a raça como fundamento, e que todos os seus processos, relações

se manifesta por meio de práti- e instituições sociais, as caracte-


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rísticas da violência, usurpação, conta da raça (ALMEIDA, 2019).

repressão e extermínio daquele Segundo Borges (2018),

período (BORGES, 2018). os processos de desumanização e

Almeida (2019) reco- objetificação marcam os corpos

nhece que, embora haja relação e sujeitos negros, a exemplo das

entre os conceitos “preconceito” mulheres negras, que têm sido

e “discriminação”, o racismo se historicamente estereotipadas e

diferencia do preconceito racial objetificadas, chegando a ser ani-

e da discriminação racial. O pre- malizadas como instáveis, inca-

conceito racial “é o juízo baseado pazes para o trabalho intelectual,

em estereótipos acerca de indiví- quentes, lascivas, desconfiadas,

duos que pertençam a um deter- brutas, impacientes, braçais e

minado grupo racializado, e que bravas. Esse discurso está ali-

pode ou não resultar em práticas cerçado na constituição de uma

discriminatórias” (ALMEIDA, sociedade escravocrata, em que

2019, p. 22). Já a discriminação os corpos das mulheres negras

racial é “a atribuição de trata- eram violados para o prazer dos

mento diferenciado a membros homens proprietários e pelo ódio


219
de grupos racialmente identifi- e ciúme das mulheres brancas.

cados” (ALMEIDA, 2019, p.23). Com isso, o rebaixamento e su-

Em outras palavras, a discrimi- balternização destes corpos se

nação utiliza como requisito fun- torna uma constante.

damental o poder, ou seja, a pos- Esse passado histórico

sibilidade efetiva do uso da força, se faz presente na memória so-

sem o qual não é possível atribuir cial. Tal fenômeno ocorre pelo

vantagens ou desvantagens por corpo-memória, que necessita


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se restabelecer e reconstruir di- que vende ao imaginário inter-

namicamente. Este processo, ao nacional o misticismo do povo

bloquear a capacidade de se ver brasileiro. No entanto, somos

sujeito, bloqueia também as rela- apresentados a dados que con-

ções com o outro e, consequen- trastam isso. Pelo Levantamento

temente, as relações sociais que Nacional de Informações Peni-

serão firmadas. As característi- tenciárias, o Brasil consta como

cas físicas e os aspectos culturais o terceiro país no mundo, ficando

são hierarquizados neste sistema atrás de Estados Unidos e Chi-

para garantir a subalternização na, no número de pessoas presas,

destes povos por um discurso sendo grande parte dessa popula-

que contorna todas as esferas: ção composta por negros. Esses

moral, política, social, econômi- dados induzem a pensar que se as

ca e jurídica. Logo, os discursos históricas denúncias de desigual-

sobre o corpo e a moral da popu- dades baseadas na raça feitas por

lação negra foram fundamentais movimentos negros não são sufi-

na constituição do racismo nas cientes, é preciso fomentar uma

Américas, cruciais e determinan- aproximação com produções aca-


220
tes para o sucesso da empreitada dêmicas e intelectuais históricas,

de hierarquia política e social e atuais, de pensadores negras e

no novo continente (BORGES, negros, e de não-negros compro-

2018). metidos com a temática.

Borges (2019) diz que A partir das informa-

parece absurdo falar de racismo, ções trazidas por Borges (2019),

machismo, capitalismo, segre- é necessário refletir no que Davis

gação e aprisionamento, no país fala em sua crítica ao sistema pri-


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sional: segundo a pesquisadora, prisões, compreendendo que essa

“aqueles que defendem o fim das estratégia de governo parece ter

prisões são rejeitados como idea- se consolidado em todo o mun-

listas e utópicos cujas ideias são, do, assim como nos Estados Uni-

na melhor das hipóteses, pouco dos da América. Respondendo

realistas e impraticáveis e, na pior à pergunta, a autora afirma que

delas, ilusórias e tolas” (DAVIS, acredita não haver resposta exata

2018, p. 12). É difícil imaginar, a para a pergunta, e aponta algu-

partir dessa reflexão, uma ordem mas implicações:

social que não dependa da ame-


O movimento abo-
aça de enclausurar pessoas em
licionista tem uma
lugares terríveis destinados a iso- longa história, e,
lá-las de suas famílias e de suas durante diversos pe-
ríodos, os ativistas
comunidades. Essa dificuldade
vêm mantendo essas
ocorre uma vez que, no imaginá- condições prevale-
rio social, são criadas ideias que centes em presídios
e cadeias, juntamen-
naturalizam as prisões e que di-
te com o seu fracas-
ficilmente consegue-se pensar a so em cumprir sua
221
vida sem ela. proposta anunciada,
constituindo-se no
Em entrevista na obra
argumento mais for-
“A democracia da abolição: Para te para a abolição.
além do império, das prisões e Naturalmente, as
condições tornaram-
da tortura”, Davis (2019), ao dis-
-se ainda piores com
cutir o que chama de “abolição o passar dos anos, e
penal”, é questionada sobre quais uma quantidade ini-
maginável de pessoas
as perspectivas da abolição das
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— mais de dois mi- lítico-econômicas de forma que
lhões — atualmente essas mesmas condições sejam
é mantida na rede de
desmanteladas” (DAVIS, 2019,
presídios e cadeias
dos Estados Unidos. p. 52). Assim, pode-se dizer que
Além disso, testemu- a abolição prisional é uma forma
nhamos como essas
de discutir problemas da versão
instituições podem
se posicionar na luta particular de democracia repre-
norte-americana pelo sentada pelo capitalismo.
domínio global — e
Borges (2019) le-
este constitui mais
outro argumento para vanta outras questões para se
sua abolição (DA- pensar o elevado número de en-
VIS, 2019, p. 51,52).
carceramento no país: se o siste-

ma prisional é tão efetivo, como


Davis acredita que, ao
tantas pessoas foram parar nas
exigir o abolicionismo prisional,
prisões sem que houvesse deba-
não imaginamos o desmantela-
tes sobre sua eficácia? De fato,
mento isolado das instalações
embora uma proporção relativa-
que chamamos de presídios e
mente pequena da população te-
cadeias, o que, por vezes, é con- 222
nha vivenciado as condições do
fundido como sendo o processo
encarceramento, o mesmo não
de abolição. O que na verdade é
acontece em comunidades ne-
proposto é a reflexão a partir de
gras e latinas pobres, onde tais
um complexo industrial-prisional
condições são colocadas para
sobre o grau com que essas pri-
essas comunidades como se fos-
sões são “profundamente estru-
sem um fato inevitável para suas
turadas pelas condições sociopo-
vidas. Em síntese, Borges (2019)
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acredita que não há possibilidade momento; São Paulo, doze óbi-

de vencer as amarras impostas tos; Pernambuco, três óbitos; e

por uma profunda estrutura de Espírito Santo, dois óbitos. De

opressão, como o racismo, sem acordo com a pesquisadora, essas

que haja luta coletiva. informações não representam a

Ao relacionarmos a pro- realidade das unidades prisionais

blemática do encarceramento em e, para comprovar sua afirmativa,

massa brasileiro (e a forma como citou uma revisão das mortes no

afeta a população negra do país) Rio de Janeiro a partir de março

com a atual crise sanitária pelo (FIOCRUZ, 2020). De acordo

novo Coronavírus (COVID-19), com as falas de uma das pesqui-

reforça-se mais ainda a lógica da sadoras da instituição:

Necropolítica apresentada por


Fizemos uma revi-
Mbembe (2003), surgida a partir
são dos óbitos a par-
da lógica colonialista de colocar tir do mês de março,
a vida de alguns grupos em con- quando começou a
pandemia. Somen-
tato constante com a morte, de
te reclassificando as
fazer viver e deixar morrer. Em mortes que não têm
223
dados apresentados em maio de confirmação pelo
teste diagnóstico,
2020 por pesquisadores da Es-
mas foram por pneu-
cola Nacional de Saúde Pública monia grave ou sín-
Sergio Arouca (ENSP), consta- drome respiratória
aguda grave, atingi-
tou-se que o Rio de Janeiro ti-
mos uma taxa de 49
nha, oficialmente, cinco óbitos em mil, ou seja, cin-
notificados por Coronavírus da co vezes superior à
taxa oficial só com
população prisional até aquele
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a reclassificação dos do Conselho, objetivando incen-
óbitos em revisão de tivar tribunais e magistrados à
boletim. Isso é bas-
adoção de medidas preventivas
tante importante”,
admitiu (FIOCRUZ, ao alastramento da doença no sis-
2020, p. 1). tema de justiça prisional e socio-

educativo. Cabe aqui pontuar que


Pelo avanço da doença, se trata de uma estratégia que
há quase seis meses do início da opera a partir da lógica de gover-
pandemia no Brasil, possivel- no, da vigilância e do controle da
mente esses números aumenta- população privada de liberdade.
ram, e a população carcerária Silva (2020), em análise
padece refém do Estado e da pan- de publicações midiáticas rela-
demia. Para Silva (2020), apesar cionadas à população negra e ao
da não distinção em gênero, raça, Coronavírus, compreende a po-
cor e outros marcadores sociais, pulação carcerária como grupo
devemos considerar o contexto de risco para a infecção, o que
da população negra que, ao longo é agravada pela superlotação,
dos tempos, tem sofrido racismo espaços insalubres com pouca
e enfrenta desigualdades e discri- 224
circulação de ar, higiene precá-
minações em vários segmentos, ria, entre outros fatores. Para o
inclusive no âmbito da saúde. autor, sobre a ascensão dos ca-
O Conselho Nacional sos de Covid-19 pelo mundo, o
de Justiça (2020), como forma de encarceramento em massa tem
enfrentamento ao avanço do novo se tornado um agravante para os
Coronavírus nas prisões, divul- reclusos. Além da precariedade
gou a Recomendação nº 62/2020 já apresentada, os dados indicam
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que a maioria dessa população é p. 74).

composta por negros e pobres.

Sobre a mídia, Borges CONCLUSÕES

(2019) assevera que as publica-

ções midiáticas, volta e meia, As prisões estão cada

apresentam “crises” no sistema vez mais lotadas, evidenciado

prisional. A autora, levanta al- cada vez mais as estratégias “hi-

guns questionamentos: gienistas” do Estado. A partir da

alta taxa de aprisionamento bra-


Será mesmo uma sileira, se esses números continu-
crise? E por que não
arem crescentes, no ano de 2075,
conseguimos vislum-
brar alternativas para uma em cada dez pessoas terá
um sistema que ve- sua liberdade privada. A dinâmi-
mos, explicitamente,
ca de comunidades, de milhares
que pouco funciona
no sentido de res- de famílias, tem sido transfor-
taurar pessoas ao mada, isso sem contar a ligação
convívio social? Se
que existe entre esse aumento e
nem na sua proposta
mais retrógrada, que a força de facções, cada vez mais
é de remodelamento 225
crescentes nos presídios (BOR-
de corpos, o sistema
GES, 2019)
tem se mostrado efe-
tivo, por que insisti- Aqui, evidencia-se as
mos nessa proposta? vulnerabilidades sociais da po-
O argumento de que
pulação encarcerada, ficando evi-
o aprisionamento
tem garantido a nos- dente que foram essas exposições
sa segurança se mos- e ausências que levaram essas
tra cada dia mais fa-
pessoas a uma criminalização e
lho (BORGES, 2019,
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uma punição, e não o contrário. ALMEIDA, S. L. Racismo estru-

Assim, Borges (2019) acredita tural. São Paulo: Sueli Carneiro;

que a responsabilidade por pen- Pólen Livros, 2019. 264 p.

sar alternativas, vislumbrar futu-

ros harmônicos para essa popu- BORGES, J. Encarceramento em

lação, é de todos os indivíduos. massa. São Paulo: Sueli Carnei-

Desse modo, discutir as condi- ro; Pólen Livros, 2019. 144 p.

ções de vida e de vulnerabilidade

de nossas comunidades, de nos- BORGES, J. Ju Borges: A emer-

sas mulheres mais invisibilizadas gência do 14 de maio, aquilom-

pelo sistema prisional, deve ser bemos! 2018. Disponível em:

uma prioridade, pois, é na engre- https://midianinja.org/julianabor-

nagem reordenada e reorganiza- ges/emergencia-do-14-de-maio-

da do racismo que este continua -aquilombemos/. Acesso em 20

a girar sob um novo marco, vio- de out. 2020.

lento, objetivando não apenas o

controle sobre essas pessoas, mas CARNEIRO, A. S. A constru-

o extermínio simbólico e físico ção do outro como não-ser como


226
delas. fundamento do ser. 2005. 339 f.

Tese (Doutorado) - Educação, na

REFERÊNCIAS área de Filosofia da Educação,

Universidade de São Paulo, São

AKOTIRENE, C. Intersecciona- Paulo, 2005.

lidade. São Paulo: Sueli Carnei-

ro; Pólen Livros, 2019. 152 p. CNJ. Conselho Nacional de Jus-

tiça. Nações Unidas difundem


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recomendação do CNJ sobre Co- gas.

ronavírus em prisões. Disponível

em https://www.cnj.jus.br/naco- FIOCRUZ. Fundação Oswal-

es-unidas-difundem-recomenda- do Cruz. Mortes por Covid-19

cao-do-cnj-sobre-covid-em-pri- avançam nas prisões. Rio de Ja-

soes. Acesso em 21 de agosto de neiro, RJ, 2020. Disponível em:

2020. https://www.arca.fiocruz.br/bits-

tream/icict/41398/2/MortesCovi-

DAVIS, A. A democracia da abo- d-19Pris%c3%b5es.pdf. Acesso

lição: para além do império, das em 18 de agosto de 2020.

prisões e da tortura. Rio de Ja-

neiro: Difel, 2019. Tradução de: FOUCAULT, M. Vigiar e punir:

Artur Neves Teixeira. nascimento da prisão. 3. ed. Pe-

trópolis: Vozes, 2016.

DAVIS, A. Vamos subir todas

juntas: perspectivas radicais so- MBEMBE, A. Necropolitics. Pu-

bre o empoderamento das mu- blic Culture, Durnham, v. 15, n.

lheres afro-americanas. In: DA- 1, p. 11-40, Winter 2003. Tradu-


227
VIS, Angela. Mulheres, cultura ção de: Libby Meintjes.

e política. São Paulo: Boitempo,

2017. p. 18-25. Tradução de: Heci SIVA, M. A. B. População Negra

Regina Candiani. e Coronavírus (COVID-19): algu-

mas notas. Disponível em http://

DAVIS, A. Estarão as prisões ob- hdl.handle.net /10316/89205.

solentas? Rio de Janeiro: Difel, Acesso em 20 de agosto de 2020

2018. Tradução de: Marina Var-


A CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA COMO INSTRU-
MENTO DO ETIQUETAMENTO SOCIAL

THE MEDIA CRIMINOLOGY AS AN INSTRUMENT


OF LABELING APPROACH

Igor Rodrigues de Oliveira Souto1

Nayara Toscano de Brito Pereira2

Resumo: Este artigo tem por ob- veram teses, de modo que cada

jetivo analisar o etiquetamento nova tese confrontava a anterior.

social e a criminologia midiática, O labeling approach surgiu logo

pontuando suas consequências e após a teoria positiva e a teoria

limites, como tentativa de atenu- das subculturas criminais. A prin-

ar seus possíveis danos. Etique- cipal marca do labeling approach

tamento Social é o nome dado é tratar de forma discriminatória

à estigmatização de indivíduos e taxativa apenas uma parcela da

com o intuito de marginalizá-los população, qual seja: a parcela

e, eventualmente, encarcerá-los. mais carente, em termos de poder 228

Cronologicamente, foram sendo aquisitivo. Como uma espécie de

desenvolvidas teorias crimino- desdobramento do etiquetamento

lógicas. Sociólogos desenvol- social, surgiu a criminologia mi-

1 Pós-graduando em Advocacia Criminal da ESA/PB. Bacharel


em Direito pelo Unipê. Advogado.
2 Doutoranda em Ciências Jurídicas pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Mestra em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas
pela UFPB.
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diática, que nada mais é do que dos meandros do etiquetamento

uma forma de manipulação exer- social e da criminologia midiá-

cida pela mídia, que endossa a tica e, consequentemente, para

estigmatização de indivíduos. A a desmistificação da figura do

mídia reforça a ideia de estere- criminoso, de modo a promover

ótipos e constantemente palpita uma reflexão acerca de possíveis

sobre o tratamento cruel que, na injustiças cometidas em face de

opinião daquela, estes indivídu- alguns cidadãos em decorrência

os deveriam receber. A pesquisa de julgamentos precipitados e

torna-se relevante por tratar dos dotados de pura estigmatização.

juízos de valor que são feitos ba-

seados em tipos físicos, local de Palavras-chave: Etiquetamento

resdiência, companhias, cor da Social. Criminologia Midiática.

pele, etc, tudo isso em decorrên- Criminologia Crítica. Teorias so-

cia do etiquetamento social e da ciológicas.

criminologia midiática. A meto-

dologia utilizada foi a revisão de Abstract: This article aims to

literatura, através de análise dou- analyze social etiquette and me-


229
trinária de alguns autores. Nesta dia criminology, punctuating its

senda, cumpre ressaltar que o consequences and limits, in an

referencial teórico baseia-se em attempt to mitigate its possible

Alessandro Baratta (2002) e Zaf- damage. Labeling approach is the

faroni (2012), dois dos principais name given to the stigmatization

expoentes no que tange aos temas of individuals in order to mar-

em comento. Destarte, espera-se ginalize them and, eventually,

contribuir para o conhecimento imprison them. Chronologically,


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criminological theories have that are made based on physical

been developed. Sociologists types, places of residence, so-

developed theses, so that each cieties, skin color, etc., all due

new thesis confronted the pre- to labeling approach and media

vious one. The labeling approach criminology. The methodology

emerged shortly after the positive used was literature review, throu-

theory and the theory of criminal gh doctrinal analysis of some

subcultures. The main approa- authors. In this sense, it should

ch of the label’s brand is to treat be noted that the theoretical fra-

only a portion of the population mework is based on Alessandro

in a discriminatory and exhausti- Baratta (2002) and Zaffaroni

ve manner, that is: the most needy (2012), two of the main expo-

portion, in terms of purchasing nents with regard to the themes

power. As a kind of unfolding under review. Thus, it is expected

of labeling approach, media cri- to contribute to the knowledge of

minology emerged, which is no- the intricacies of labeling appro-

thing more than a form of mani- ach and media criminology and,

pulation exercised by the media consequently, to demystify the


230
that endorses the stigmatization figure of the criminal, in order to

of conformity. The media rein- promote a reflection on possible

forces the idea of stereotypes and injustices committed in the face

constantly hints at the cruel treat- of some citizens as a result of

ment that, in the opinion, the ad- judgments, precipitated and en-

justed defendants should receive. dowed with pure stigmatization.

The research becomes relevant

to address the value judgments Keywords: Labeling Approach.


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Media Criminology. Critical Cri- criminológicas. A primeira de-

minology. Sociological Theories. fendia que os fatores determinan-

tes para o cometimento de crimes

INTRODUÇÃO estavam ligados a questões de or-

Este artigo será realiza- dem biológica, patológica e evo-

do tomando por base, prioritaria- lucionária. Já a segunda refutou

mente, a área de Direito Penal, a corrente de pensamento da pri-

por este ser o ramo do Direito meira e sustentou que, a despeito

que mais possui relação com a do entendimento social predo-

temática in casu. O trabalho en- minante, há a existência de sub-

fatizará como problemática os grupos sociais e cada um desses

desdobramentos derivados do subgrupos possui códigos morais

etiquetamento social e da crimi- distintos.

nologia midiática. A escolha do Como forma de contex-

tema fundamenta-se no interesse tualizar o entendimento da teo-

de esmiuçar de que forma tais fe- ria das subculturas criminais, é

nômenos podem culminar na es- oportuno trazer à baila a exem-

tigmatização excessiva da figura plificação de crimes motivados


231
do criminoso, conforme será por ideologias. Há pessoas, por

mais detalhado posteriormente. exemplo, que matam seus res-

O “labeling approach”, pectivos cônjuges após a desco-

traduzido para o português como berta de uma traição, assim como

“etiquetamento social”, dentre alguns pais executam seus filhos

outros nomes, surgiu após a teo- ao descobrirem que estes pos-

ria positivista e a teoria das sub- suem uma orientação sexual que

culturas criminais, ambas teorias vai de encontro ao que aqueles


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entendem como algo correto e constante estudo de sociólogos,

honroso. Nos dois exemplos, ape- surgiu a Teoria do Etiquetamen-

sar de cientes de que, de acordo to Social, em meados de 1960,

com a legislação vigente e com a nos Estados Unidos. O cenário à

moral da maioria da população, época era de revolução. O mun-

tais atos são criminosos e pas- do, não só os Estados Unidos da

síveis de punição, os autores de América, experimentava uma es-

tais crimes tendem a seguir acre- pécie de efervescência social. A

ditando que cometeram a atitude tendência era de questionamento,

mais correta. de tentar tornar aceitável o que

Depreende-se, do ex- até então era considerado como

posto anteriormente, que, inde- subversivo, como contrário à

pendentemente de haver uma moral e aos bons costumes. Uma

moral defendida pela parcela pre- das pautas desses movimentos

dominante da população, nada sociais efervescentes era a ba-

obsta a existência de outras for- talha pela descriminalização da

mas de pensar e de agir, ou seja, maconha.

a existência de subculturas. Para Em meio a esses confli-


232
a teoria das subculturas crimi- tos sociais, o “labeling approach”

nais, os fatores biológicos não foi tomando forma, de modo que

possuem relevância. De acordo a população marginalizada, qual

com tal teoria, possui relevância seja, aquela que vive em zonas

o meio em que se vive, o que se urbanas carentes, que possui bai-

aprende, o que se absorve do sub- xa escolaridade, etc, foi sendo

grupo ao qual cada um pertence. estigmatizada, como se fosse a

Como consequência do única camada da população com


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potencial para o cometimento de trinária de alguns autores. Nes-

crimes. Ressalte-se que os expo- ta senda, cumpre ressaltar que

entes intelectuais da teoria em o referencial teórico baseia-se

comento foram George Herbert em Alessandro Baratta (2002) e

Mead e Howard S. Becker. Am- Zaffaroni (2012), dois dos princi-

bos se debruçaram sobre o assun- pais expoentes no que tange aos

to e chegaram a publicar livros temas em comento. Para as refle-

atinentes à temática. xões, o presente trabalho divide-

Serão analisadas nes- -se em 3 seções. A primeira diz

te artigo, conforme menciona- respeito ao conceito de crimino-

do alhures, as consequências do logia e do surgimento de escolas

“labeling approach”, contextu- criminológicas. A segunda, por

alizando-o com a criminologia sua vez, enfatiza a maneira como

midiática, tão presente nos dias o etiquetamento social surgiu e

atuais e que será melhor traba- quais os seus desdobramentos.

lhada e detalhada à frente. Tra- Já a terceira trabalha o conceito

balhar-se-á a importância do de- de criminologia midiática e dá

bate acerca de tais problemáticas, exemplos de como ela e o etique-


233
enfatizando as nuances destas e tamento social interagem para a

como elas repercutem e ecoam, construção do estigma da figura

por exemplo, nas salas de audi- do criminoso.

ência, no sistema carcerário e na Através do presente es-

sociedade em si. tudo, espera-se contribuir para o

A metodologia utilizada conhecimento dos meandros do

no presente artigo foi a revisão de etiquetamento social e da crimi-

literatura, através de análise dou- nologia midiática e, consequente-


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mente, para a desmistificação da A criminologia é


como a ciência em-
figura do criminoso, de modo a
pírica (baseada na
promover uma reflexão acerca de observação e na ex-
possíveis injustiças cometidas em periência) e inter-
disciplinar que tem
face de alguns cidadãos por força
por objeto de análise
de julgamentos precipitados e do- o crime, a persona-
tados de pura estigmatização. lidade do autor do
comportamento de-
litivo, da vítima e o
CRIMINOLOGIA E ESCO- controle social das
LAS CRIMINOLÓGICAS condutas criminosas.
(PENTEADO FI-
LHO, 2012, p.19)
O vocábulo “crimino-

logia” é derivado da união dos


Existem alguns auto-
seguintes termos: “crimino” do
res que entendem a criminologia
Latim (crime) e “logos” do Gre-
de modo mais abrangente. Estes
go (estudo). Diante da fusão dos
acreditam que ela não estuda
dois termos, conclui-se que a cri-
apenas o crime, mas também a
minologia é, então, o estudo do
pessoa do criminoso, as circuns- 234
crime. No que tange à conceitu-
tâncias em que ele vive e a reper-
ação doutrinária acerca do tema,
cussão que tal atitude criminosa
há uma variação de entendimen-
tem na sociedade em si. Neste
tos por parte de autores. Nesta
sentido:
senda, colaciona-se alguns dos

entendimentos mais relevantes A criminologia é uma


sobre o assunto: ciência autônoma
que estuda o delito, o
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delinquente, a vítima quanto ao surgimento deste. Em
e o controle social da relação à história da criminolo-
conduta criminosa a
gia, não há consenso acerca de
partir da observação
da realidade, valen- um marco temporal, uma data em
do-se de diversos ra- que tais estudos tenham começa-
mos do conhecimen-
do. Alguns pesquisadores defen-
to como a sociologia,
psicologia, biologia dem que a criminologia surgiu
dentre outros. (LIMA com Cesare Beccaria, em 1764,
JR., 2018, p.58).
com a publicação do clássico li-

vro “Dos delitos e das penas”.


Depreende-se, dos pon-
Outros pesquisadores sustentam
tos de vista expostos acima, que
que, na verdade, a criminologia
a criminologia leva em conside-
surgiu com Belga Adolphe Que-
ração diversos fatores que pos-
telet, em sua obra Ensaio de fí-
suem liame com o crime em si,
sica social (1835), ou ainda com
como a personalidade do autor,
RaffaeleGarofalo, através do li-
a vítima, o controle social exis-
vro Criminologia (1885), e por aí
tente em cada caso. Ademais,
vai.
utiliza-se de conceitos de outras 235
Independente de com
ciências para que se realize um
quem e em qual momento tal es-
estudo mais completo sobre a cri-
tudo surgiu, o fato é que escolas
minologia em si. Trata-se, diante
criminológicas foram sendo cria-
dos fatos trazidos à baila, de uma
das, de modo que cada uma base-
ciência empírica.
ava-se em uma vertente diferente
Sempre que se estu-
e, de certa forma, cada nova es-
da algo, é comum a curiosidade
cola que surgia “superava” a an-
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terior, haja vista que ocupava-se Após a Escola Clássi-

em refutar a vertente de pensa- ca, veio a Escola Positivista, de

mento e os argumentos presentes Cesare Lombroso. Lombroso de-

na anterior. fendia que o indivíduo já nasce

A primeira escola cri- predisposto ao crime. É como se

minológica de que se tem notícia houvesse, sob a ótica do teórico,

foi a Escola Clássica, que teve uma predeterminação ao mundo

como precursor Cesare Beccaria, do crime. O teórico precursor da

mencionado alhures. Tal escola Escola em comento traçou um

defendia, por exemplo, uma visão perfil que ficou conhecido como

mais naturalista sobre o crime e o “perfil do homem delinquente”.

criminoso. Havia ênfase no livre Neste escopo, colaciona-se tre-

arbítrio que, de acordo com tal cho da linha de pensamento do

escola, é inerente ao ser humano. teórico supracitado:

O crime é, portanto, a materiali-


Lombroso acreditava
zação da escolha feita, por parte
que indivíduos que
do criminoso, entre a dualidade possuíam assimetria
que Beccaria chamou de “bem” craniana (espécie
de deformação cra- 236
e “mal”. Cumpre ressaltar que,
niana), rosto largo e
de acordo Lima Jr. (2018, p. 88), chato, grande desen-
“a escola ainda defendia a abo- volvimento das ma-
çãs do rosto, lábios
lição das penas cruéis que eram
finos, cabeludo, com
comuns naquela época, defen- barba rala, olhar duro
dendo que a retribuição ao crime (e outros), nasciam
para o cometimento
deveria acontecer através de uma
de crimes. Para isso,
pena certa, justa e conhecida”. usava métodos bem
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específicos de estu- noso e do que seria, em tese, uma
do, como a medi- pena justa.
ção do crânio, tórax
membros inferiores
e superiores, além A CRIMINOLOGIA CRÍTI-
de realizar inúmeras CA E O ETIQUETAMENTO
autopsias. Ele ain-
SOCIAL
da defendia que in-
divíduos com essas
características deve- Superada a explanação
riam ser separados
atinente aos principais pontos da
da sociedade, a fim
de prevenir que eles Criminologia Tradicional e das
praticassem delitos. escolas criminológicas, passe-
(SHECAIRA, 2014,
mos ao estudo da fase que acabou
p. 93).
ficando conhecida como “Crimi-

nologia Crítica”. No século XX,
Naturalmente, algumas
mais precisamente na década de
crenças de teóricos foram sendo
1960, o mundo passava por uma
superadas à medida que novos
espécie de revolta ideológica.
estudos foram sendo realizados,
Valores eram questionados e cri-
todavia há que se ressaltar que as
237
ticados. Além disso, novos tipos
escolas criminológicas mencio-
de crimes foram surgindo e as
nadas anteriormente contribuí-
explicações trazidas pela Crimi-
ram consideravelmente para o es-
nologia Tradicional foram se re-
tudo da criminologia, haja vista
velando insuficientes.
que impulsionaram todo o resto
Destarte, diante da in-
que as sucedeu, ou seja, todo o
suficiência da Criminologia Tra-
aprimoramento de teorias e con-
dicional para explicar e indicar
ceitos acerca do crime, do crimi-
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soluções para fenômenos crimi- afinal se um indivíduo é rotulado

nológicos, o movimento da Cri- antes mesmo de se tornar custo-

minologia Crítica ganhou força. diado do Estado, conclui-se que,

Tal movimento afigura-se como a partir do momento em que ele

uma revisão de valores, ideias e for ex custodiado, a etiqueta que

conceitos sobre o crime. É nesse carregava consigo terá um peso

cenário de crise ideológica e de consideravelmente maior, o que o

revolta que surge o que conhe- impedirá de conseguir oportuni-

cemos como “Labeling Appro- dades de emprego, etc.

ach”, também chamado de “Eti- Para a teoria do labeling

quetamento social” e de “Teoria approach, o sistema que julga e

da Rotulação”. Registre-se que o condena pessoas é altamente se-

Etiquetamento social foi “difun- letivo. O alvo dessa seleção é a

dido por vários autores, mas em parcela que pertence a classes

especial Erving Goffman, Edwin sociais menos favorecidas e que,

Lemert e Howard Becker” (PEN- além desta condição anterior, é

TEADO FILHO, 2012, p. 93). composta majoritariamente por

O etiquetamento social pessoas negras. É importante


238
assevera que as próprias institui- frisar que a teoria em comento

ções de controle, ou seja, atores abalou a incolumidade que o Es-

estatais como a polícia, a promo- tado detinha até então, de modo

toria, os juízes etc, exercem uma que a presente teoria expôs que

estigmatização sobre os indiví- este também é responsável pelo

duos, o que contribui para um en- aumento da criminalidade.

carceramento em massa destes,


Assim, a ideia de
além de promover a reincidência,
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encarar a sociedade
como um “todo” pa- A teoria ainda previa,
cífico, sem fissuras em máximas mais ex-
interiores, que traba- tremas, que institui-
lha ordenadamente ções como a magis-
para a manutenção tratura, promotorias
da coesão social, é de justiça e delega-
substituída, em face a cias de polícia con-
uma crise de valores, tribuíam para a sele-
por uma referência ção e classificação de
que aponta para as indivíduos como cri-
relações conflitivas minosos, possuindo,
existentes dentro da consequentemente,
sociedade e que esta- sua parcela de culpa
vam mascaradas pelo no aumento da crimi-
sucesso do Estado nalidade. (BARAT-
de bem estar social. TA, 2002, p.93).
(SHECAIRA, 2014,
pag. 241).


No tocante às institui-
Nesta mesma senda,
ções de controle social, é mister
sustenta Baratta que algumas
frisar que o estabelecimento pri-
instituições sociais exercem 239
sional, um dos órgãos de contro-
uma contribuição direta quanto
le, praticamente exerce uma fun-
à estigmatização de pessoas. Por
ção oposta daquela pretendida
conseguinte, as instituições su-
no momento de sua criação. Tal
pracitadas também possuem res-
instituição existe como meio de
ponsabilidade em relação a este
punição, mas também, e sobretu-
mal social.
do, de ressocialização. Contudo,

quando alguém é enviado para o


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cárcere, as chances desse alguém trole social acabam fomentando

ser ressocializado são mínimas. um ciclo vicioso. Etiquetam uma

Como forma de corro- parcela específica da população

borar o exposto acima, cita-se o e eventualmente a encarceram.

fato de que, no Brasil, o indiví- Após o encarceramento, em vir-

duo, ao chegar ao estabelecimen- tude das inúmeras dificuldades

to prisional, seja para o cumpri- em que o sistema prisional se

mento de pena ou para cumprir encontra, sobretudo no Brasil,

prisão preventiva, deve desde verifica-se que na grande maioria

logo escolher uma facção crimi- das vezes a ressocialização não

nosa para fazer parte. só deixa de acontecer, como o

Alguns presos sequer indivíduo passa a acumular uma

possuíam alguma ligação pré- bagagem cada vez maior de cri-

via com organização criminosa, mes. Dessarte, quando o apenado

todavia, ao chegarem à prisão, cumpre integralmente sua pena

que deveria ser, em tese, um am- e sai do estabelecimento prisio-

biente ressocializador, já se veem nal para o convívio em socieda-

imersos em um novo crime, o de de acaba se deparando com uma


240
organização criminosa, e por aí série de dificuldades e preconcei-

vai. A tendência é de que, lá den- tos. O rótulo de ex-presidiário é

tro, o preso passe por uma espé- um fardo pesado de se carregar.

cie de “faculdade do crime”, na Muitas vezes esse indivíduo aca-

qual se imerge cada vez mais em ba voltando a delinquir e nunca

condutas criminosas. se livra, de fato, da etiqueta que

Ante o exposto, perce- um dia lhe foi atribuída.

be-se que as instituições de con- Depreende-se, por con-


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seguinte, que parece ser de inte- bulatorial. Ressalte-se que o Bra-

resse das instituições de controle sil totaliza 253.963 presos provi-

rotular uma massa da sociedade sórios, ou seja, muitos ainda não

e mantê-la aprisionada a esse ró- tiveram seus processos julgados

tulo, de modo que ela nunca con- e seguem encarcerados, imergin-

siga se livrar do estigma que car- do cada vez mais no mundo do

rega e que tanto lhe prejudicou. crime. Os dados do INFOPEN

Como forma de contex- também revelam que 82,91% da

tualizar ainda mais os reflexos população carcerária é formada

trazidos pela estigmatização ex- por homens, 4,61% são mulheres

cessiva que é feita pela socieda- e os outros 12,47% estão em pre-

de, é interessante trazer à tona sídios mistos.

alguns dados acerca da popula- O INFOPEN também

ção carcerária dos dias atuais. De deixou documentada a discre-

acordo com dados do INFOPEN pância existente no sistema pri-

(Levantamento Nacional de In- sional, de modo que 63,64% da

formações Penitenciárias) órgão população carcerária brasileira é

de controlado pelo Ministério da formada por pretos e pardos. Pes-


241
Justiça, em seu último levanta- soas consideradas brancas repre-

mento de dados, (Junho/2019) o sentam 35,48%, enquanto indíge-

Brasil registrou 752.277 presos. nas e amarelas correspondem a

Destes, 347.661 encontram-se 0,89% dos presos. Ademais, 54%

em regime fechado, 125.686 em dos presos possuem até 29 anos

regime semiaberto, 26.874 em re- de idade. Quanto ao grau de es-

gime aberto e 3.127 em medida colaridade dos presos, o cenário

de segurança ou tratamento am- é ainda desanimador: 51,3% des-


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ses indivíduos possuem o Ensino TO SOCIAL

Fundamental Incompleto e 14,9%

o Ensino Médio Incompleto. So- Hodiernamente, os

mente 13,1%conseguiram finali- meios de comunicação exercem

zar o Ensino Médio e 0,5% o En- grande influência sobre a opinião

sino Superior. Diante dos dados pública. Em virtude da curiosida-

colacionados, fica claro qual é o de e do frisson que grande parte

estigma do preso brasileiro. das pessoas tem em relação ao

Cumpre ressaltar, antes mundo do crime, alguns acabam

de adentrarmos em outro tópico, muitas vezes parando todos os

que a teoria do labeling approa- seus afazeres para assistir a um

chpossui críticos. A crítica que noticiário atinente ao tema ou en-

se faz à teoria em comento aponta tão para ler uma matéria de jor-

que ela não aponta soluções práti- nal que discorra sobre o assunto.

cas e concretas para um combate O frisson citado no pa-

mais efetivo à criminalidade. En- rágrafo anterior faz com que

fatize-se, todavia, que a proposta algumas pessoas realizem co-

da teoria em tela é revelar, trazer mentários de teor criminológico


242
à baila fatores que contribuem como se fossem grandes estu-

para o crescimento da criminali- diosas e entendedoras do tema,

dade e não necessariamente pro- o que nem sempre é verdade. O

por meios extremamente eficazes bombardeio de notícias sobre cri-

para solucioná-la. mes suscita esse comportamento

nos telespectadores. A quantida-

A CRIMINOLOGIA MIDIÁ- de de informações é tão alta que

TICA E O ETIQUETAMEN- a população já se sente familia-


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rizada com vários tipos penais e notícia sobre crimes, especifica-

suas respectivas peculiaridades. mente o crime de homicídio. Es-

O fato é que a mídia, ses jornais são apresentados, via

sobretudo através da televisão, de regra, por apresentadores que

exerce uma espécie de manipula- não possuem qualquer especia-

ção em relação à massa. Ela en- lização atinente à criminologia

trega informações prontas, nem e que tampouco tem algo a con-

sempre de fontes confiáveis, e tribuir para um pensamento crí-

acaba por estreitar as possibili- tico. Tais apresentadores, em sua

dades de um pensamento crítico grande maioria, apenas despejam

e aprofundado sobre o que está opiniões baseadas em achismos

sendo noticiado, o que é alta- e em senso comum. Entregam

mente prejudicial, haja vista que à população frases feitas sem

tal conduta acaba culminando qualquer embasamento teórico,

em um pensamento de manada, filosófico ou científico. E o pior:

no qual esta apenas repete o que a tendência é de que o número

ouve, sem muitas vezes entender de jornais neste formato aumen-

realmente do que se trata esse ou te cada vez mais, tendo em vista


243
aquele caso criminal. que todo esse sensacionalismo

Como maneira de cor- gera audiência para as emissoras

roborar o exposto anteriormente, de televisão e, por extensão, gera

cita-se o exemplo dos “jornais lucro.

policiais”. Trata-se de jornais lo- A linha de pensamento

cais, geralmente transmitidos no defendida pelos apresentadores

horário do almoço, que possuem de jornais policiais é de caráter

como pauta, majoritariamente, punivista, ou seja, trata-se de um


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pensamento cujo condão é o de exclusivamentede imagens”.

punir sem promover o contra-


Há uma proporção
ditório e a ampla defesa e, além
muito importante
disso, fazer com que o suposto de pessoas que não
criminoso pague eternamente lêem nenhum jornal;
que estão devota-
pelo que, em tese, cometeu. Tal
das de corpo e alma
postura é o que Gomes (2013) à televisão como
chamou de “populismo penal mi- fonte única de infor-
mações. A televisão
diático”.
tem uma espécie de
Um dos grandes teóricos monopólio de fato
no tocante ao tema em comento sobre a formação das
cabeças de uma par-
é Zaffaroni, que em sua obra “A
cela muito importan-
palavra dos mortos: conferências te da população. Ora,
de criminologia cautelar”, fez ao insistir nas varie-
dades, preenchendo
várias considerações relevantes
esse tempo raro com
sobre o tema in casu. O teórico o vazio, com nada ou
trouxe à lume, inclusive, críticas quase nada, afastam-
-se as informações
feitas por estudiosos como Gio-
pertinentes que deve- 244
vani Sartori e Pierre Bordieu. Za- ria possuir o cidadão
ffaroni (2012, p. 305) sustentou para exercer seus di-
reitos democráticos
que “para Bourdieu a televisão é
(BORDIEU, 1997, p.
ooposto da capacidade de pensar, 23-24).
enquanto que Sartori desenvolve
a tese de que o homo sapiens está Conclui-se, do pensa-
se degradando para um homo mento teórico colacionado, que
videns por culpa de uma cultura muitos de nós acabamos por nos
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acomodar com o que a televisão fortemente para estigmatizações

apresenta, de modo que não bus- e para a construção do “perfil do

camos consultar outras fontes, criminoso”, que é tão difícil de

como jornais, livros, podcasts desmistificar. No tocante à mani-

e outros meios de informação. pulação da mídia, Zaffaroni traz

É como se aceitássemos e abra- à baila o termo “invenção da re-

çássemos a televisão como única alidade”, referindo-se à distorção

fonte viável de conhecimento, promulgada pelos canais midiáti-

o que é problemático se levada cos, que acabam culminando no

em consideração a manipulação maniqueísmo do “bem e o mal” e

exercida por esta. Devemos nos em extremismos.

lembrar de que o principal objeti-


(...) são os meios de
vo de uma emissora de televisão,
massa que desen-
assim como da maioria das em- cadeiam as campa-
presas de outros ramos, é o lucro. nhas de ‘lei e ordem’
quando o poder das
Caso seja necessário manipular
agências encontra-
uma informação para que se ob- -se ameaçado. Estas
tenha lucro, audiência, contratos campanhas reali-
zam-se através da 245
publicitários, etc, as empresas de
‘invenção da reali-
televisão não hesitarão em fazê- dade’ (distorção pelo
-lo. aumento de espaço
publicitário dedica-
Mediante mani-
do a fatos de sangue,
pulação de dados, discursos re- invenção direta de
pletos de frases de efeito, em sua fatos que não acon-
teceram), ‘profecias
maioria sem qualquer técnica ou
que se auto-realizam’
embasamento, a mídia contribui (instigação pública
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para a prática de de- terísticas físicas capazes de indi-
litos mediante meta- car a sua inclinação futura para
mensagens de ‘slo-
o crime. O principal expoente de
gans’ tais como ‘a
impunidade é abso- tal pensamento foi o supracitado
luta’, os menores po- Cesare Lombroso, criminologis-
dem fazer qualquer
ta positivista, que chegou a publi-
coisa’, ‘os presos en-
tram por uma porta e car obras nas quais dava detalhes
saem pela outra’, etc; sobre as supostas características
publicidade de novos
físicas que determinavam o perfil
métodos para a práti-
ca de delitos, de fa- de um criminoso.
cilidades, etc.). ‘pro- Acreditou-se, durante
dução de indignação
algum tempo, que tal ideia havia
moral’ (instigação à
violência coletiva, sido abandonada no passado, to-
à autodefesa, glori- davia, diante da constante estig-
ficação de ‘justicei-
matização que se observa hoje,
ros’, apresentação de
grupos de extermínio inclusive diante da exposição fei-
como ‘justiceiros’, ta alhures de que a maior parte da
etc.). (ZAFFARONI,
população carcerária é composta
1991, p. 129).
246
por um perfil específico de indi-

víduo, percebe-se que o pensa-
Na prática, o que se ob-
mento defendido por Lombroso
serva, diante da estigmatização
possui importantes resquícios em
da figura do criminoso, é um
dias atuais.
retrocesso. Como já menciona-
Ainda de acordo com
do em outras seções, alguns es-
Zaffaroni (1991, p. 130-131), “na
tudiosos defendiam que alguns
América Latina, o estereótipo
indivíduos já nasciam com carac-
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sempre se alimenta das carac- da manipulação midiática em re-

terísticas de homens jovens das lação à construção do estereótipo

classes mais carentes (...)”. Ade- do criminoso. Neste diapasão,

mais, “o sistema penal operacio- colaciona-se excerto da obra de

naliza uma atuação seletiva, com Luiz Eduardo Soares:

fulcro nos estigmas já estabeleci-


Dois adolescentes de
dos, o que acaba por deixar inerte
15 anos – um bran-
determinadas espécies de indiví- co, de classe mé-
duos que violam a legislação pe- dia, vestido como o
playboyzinho típico
nal”.
dos bairros nobres;
outro negro e pobre,
A mensagem é que de camiseta surrada,
o adolescente de um bermuda velha, boné
bairro precário que virado e sandália de
fuma maconha ou dedo – estão em uma
toma cerveja em uma padaria no momento
esquina, amanhã fará em que uma senhora
o mesmo que o pare- dá pela falta de sua
cido que matou uma carteira, deduz que
velhinha na saída de a furtaram e pede
um banco e, portan- 247
socorro: “Deus do
to, é preciso isolar a céu, levaram meu di-
sociedade de todos nheiro!” Um policial
eles. (ZAFFARONI, que toma café com
2012, p. 307). leite, pão e mantei-
ga, à paisana, puxa a
arma e ordena, com
Revela-se oportuno,
a boca cheia mas an-
diante da temática em comento, sioso para cumprir
realizar a explanação de reflexos seu dever: “Ninguém
sai.” Dirige-se à por-
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ta, passa os olhos de gostava de violência
águia em sobrevoo e queria distância das
pelos fregueses e armas. Vinha do mor-
escolhe o suspeito. ro, onde morava, e se
Não preciso lhe dizer preparava para fazer
quem foi brindado uma entrega a domi-
pela sorte, ou pelo cílio, a pedido dos
azar. Todos os fre- rapazes do tráfico,
gueses se retiram do com os quais cresce-
estabelecimento, en- ra e sempre mantive-
quanto o sargento re- ra relações cordiais,
vista o jovem negro e porém distantes.
malvestido. O outro Desejava estudar e
rapaz escapa lívido, trabalhar, formar sua
trêmulo, mas sem dar família e ajudar sua
bandeira. Carrega no mãe. Tinha medo de
bolso várias trouxi- polícia e não queria
nhas de maconha que para si um futuro de
acabara de comprar bandido ou trafican-
no morro próximo te. Entretanto, sem
à padaria para ser- pai, com três irmãos
vir aos convidados pequenos, o dinheiro
em sua festa de ani- terminando antes do
versário, que estava final do mês, apesar
248
marcada para o pró- do duro que a mãe
ximo sábado. (…) O diarista dava para
rapaz malvestido não alimentar a família,
furtara a carteira da cabia-lhe procurar
senhora. Quem levou um emprego, inter-
o dinheiro? Ninguém romper os estudos e,
jamais descobriria. enquanto o trabalho
Nunca furtara na não aparecesse, vi-
vida, muito menos rar-se para levantar
roubara (…). Não alguma grana. Por
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isso, resolvera arris- acontecido ao rapaz
car-se e, por pouco de classe média que
tempo, fazer um bico escapou à “dura” po-
na boca de fumo pró- licial na padaria? Ele
xima à sua casa, ser- desceu da favela ao
vindo de aviãozinho, lado daquele que foi
isto é, transportando capturado. Tinha no
trouxinhas de maco- bolso a mesma quan-
nha para consumi- tidade de maconha.
dores da redondeza. Graças ao seu jeito
A ideia era cair fora mauricinho, filhi-
assim que surgisse nho de papai, passou
uma oportunidade impune. Salvou-se
em 34 alguma firma porque não corres-
como office boy, mo- pondia ao estereótipo
toboy, funcionário do de traficante. Prova-
McDonald’s, carre- velmente, a festa, no
gador de mudança. sábado seguinte ao
Enfim, o que pintasse episódio da padaria,
primeiro. Na porta da terá sido um sucesso,
padaria acontece o a maconha terá sido
flagrante. O menino fumada, ninguém
tenta explicar, mas terá ficado ferido ou
as trouxinhas são nu- marcado por isso, e
249
merosas e permitem a vida terá seguido
seu enquadramento o seu curso sem so-
no crime de tráfico. bressaltos. Um ou
Se ele fosse maior de outro moço, uma ou
idade, seria conde- outra moça presen-
nado a, no mínimo, te no aniversário do
cinco anos. Aos 15, rapaz que escapou à
ficaria menos tempo. abordagem policial
Internado, não pre- talvez venha a apre-
so. (…) O que terá sentar problemas
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futuros com drogas, (SOARES, 2011, p.
dificuldades nos es- 52-58).
tudos, tropeços pro-
fissionais, familiares
É perfeitamente possí-
e comportamentais.
Talvez passe a furtar vel estabelecer um paralelo en-
rádios de carro para tre a criminologia midiática e o
comprar drogas – ou
exemplo narrado acima. As notí-
coisa pior. Contudo,
tenho a mais absolu- cias sobre crimes que são veicu-
ta certeza de que os ladas pela maioria dos programas
cuidados da família
televisivos geralmente possuem
e das redes sociais
terão muito mais como protagonistas indivíduos
chances de êxito no pobres e negros, que são igual-
processo de restabe-
mente protagonistas do chamado
lecimento da saúde
do equilíbrio dessa estereótipo do criminoso. Des-
pessoa que cruzou tarte, criou-se esse imaginário de
a fronteira entre o
que todo indivíduo que possui es-
consumo recreativo
de drogas leves e a tas duas condições, quais sejam,
dependência química pobre e negro, tem, obrigatoria-
de álcool, nicotina,
mente, ligação com o crime. 250
remédios tarja pre-
ta ou drogas ilegais. Zygmunt Bauman
Muito mais chances (2003, p. 108) analisa o fenômeno
de sucesso do que
em questão e assevera que “ser
a punição, a crimi-
nalização (para os pobre em uma sociedade rica
maiores de 18 anos) implica em ter o status de uma
ou a internação so-
anomalia social e ser privado de
cioeducativa (para os
menores de 18 anos). controle sobre representação e
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identidade coletiva constitui um de uma vigilância


particular por parte
fator determinante de segregação
da polícia, têm mais
e exclusão”. dificuldade de aces-
Quanto à forma como sar a ajuda jurídica e,
por um crime igual,
os indivíduos são tratados pelos
são punidos com pe-
órgãos de controle social, como nas mais pesadas que
a polícia, Wacquant ressalta que seus comparsas bran-
cos. E, uma vez atrás
brancos e negros geralmente não
das grades, são ainda
recebem o mesmo tratamento. submetidos às con-
Pelo contrário, são excessiva e in- dições de detenção
mais duras e sofrem
justificadamente vigiados, como
as violências mais
se sempre estivessem na iminên- graves. Penalizar a
cia de cometer um crime, apenas miséria significa aqui
‘tornar invisível’ o
por conta da cor.
problema negro e as-
sentar a dominação
Um terceiro fator im- racial dando-lhe um
plica gravemente o aval de Estado (WA-
problema: o recorte CQUANT, 2001, p.
de hierarquia de clas- 9-10).
ses e da estratificação 251

etnorracional e a dis-
criminação baseada Ante o exposto, perce-
na cor, endêmica nas be-se que o discurso midiático é
burocracias policial
abraçado pela grande massa por-
e judiciária. Sabe-se,
por exemplo, que em que fomenta uma separação entre
São Paulo, como nas “cidadãos de bem” e os “crimino-
outras grandes cida-
sos”, como se houvesse uma divi-
des, os indiciados de
cor ‘se beneficiam’ são maniqueísta, em que de um
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lado está o grupo dos que são es- pela transição para
a economia dual do
sencialmente bons e sem defeitos
serviço e pela políti-
e de outro lado o grupo dos que ca de retirada social
são essencialmente maus e im- e urbana. Ainda que
a prisão assegure a
perfeitos. Nesta senda, de acor-
“‘colocação’ à parte
do com Canterji (2008, p.103), é (segregare) de uma
preciso estar atento sobre “essa categoria indesejá-
vel, percebida como
vontade da sociedade de identi-
provocadora de uma
ficar apenas alguns indivíduos dupla ameaça, in-
bem específicos para serem eles separavelmente fí-
sica e moral. (WA-
os criminosos inimigos, de modo
CQUANT, 2001, p.
a delimitarem a imagem do que é 98).
“o mal” ou “o perigoso”.

Constata-se, por fim,


Estabelecida a se-
que a sociedade tem o hábito de
leção de quem são
“eles”, o próximo separar de maneira extremis-
passo, de acordo com ta os bons e os maus. Assim, a
o pensamento puni-
parcela dominante se autoafirma
tivista da crimino- 252
logia midiática, é o como boa e mantém no cárcere a
que fazer com isso. parcela que, aos olhos daquela,
Surgindo o culto à
é indigna de estar em convívio
prisão (refugo huma-
no). É a prisão que social. Deste modo, a crimino-
faz papel de ‘gueto’ logia midiática e o etiquetamen-
ao excluir as frações
to social interagem em perfeita
do (sub) proletariado
negro persistente- harmonia para a estigmatização
mente marginalizado e o cárcere quase que perpétuo
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de uma parcela considerável da brancas e aristocráticas.

população. Ademais, foi possível

delinear as nuances da crimino-

CONSIDERAÇÕES FINAIS logia midiática e a sua respectiva

Considerando toda a semelhança com o etiquetamento

problemática abordada, é possí- social. O principal ponto em co-

vel concluir que o etiquetamen- mum é a manipulação que ambos

to social, ou labeling approach, exercem sobre a população em

possui raízes em meados da dé- geral, tudo isso com o fito de de-

cada de 1960, nos Estados Uni- terminar e controlar qual parcela

dos, e que veio sendo difundido, da população deve ser encarcera-

década após década, até os dias da e qual deve permanecer com o

atuais. Observa-se também que seu direito de ir e vir preservado.

as instituições de controle pos- Este artigo não tem a

suem importante e decisivo papel pretensão de defender o inde-

na construção do “estereótipo do fensável, tampouco de dizer que

criminoso”, de modo que ofere- absolutamente todos os negros

cem tratamentos diferenciados a de comunidades carentes são


253
depender da classe social a qual inocentes dos crimes que lhe são

cada indivíduo pertence. Perce- imputados. Acredita-se, na ver-

be-se que, diante de indivíduos dade, que é altamente prejudicial

humildes e negros, os atores es- a forma como seres humanos são

tatais tendem a ser mais intran- estigmatizados e constantemente

sigentes, taxativos e irredutíveis. condenados a uma vida de cárce-

Em contrapartida, adotam pos- re e insucessos em todos os seg-

tura maleável frente a pessoas mentos. Essa postura excludente


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e estigmatizante é, no mínimo, mundo atual. Rio de Janeiro: Jor-

desumana. Diante da expla- geZahar, 2003.

nação de ideias de importantes

nomes da criminologia e da ar- BOURDIEU, Pierre. Sobre a te-

gumentação feita durante as li- levisão. Rio de Janeiro: Jorge

nhas acima, espera-se contribuir Zahar, 1997.

para o combate contra o modo

como os sistemas judicial e pri- CANTERJI, Rafael Braude. Po-

sional tem tratado a massa estig- lítica Criminal e Direitos Huma-

matizada, assim como espera-se nos. Porto Alegre: Livraria do

também, e sobretudo, que através Advogado, 2008.

de conhecimento, estudo e des-

construção de estereótipos, seja LYRA, João Marcello de ARAU-

possível alcançar uma sociedade JO JÚNIOR. Criminologia. 3. ed.

menos injusta e desigual. Rio de Janeiro: Editora Forense,

1992.

REFERÊNCIAS

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254
BARATTA, Alessandro. Crimi- e Segurança Pública - Departa-

nologia Crítica e Crítica do Direi- mento Penitenciário Nacional,

to Penal: Introdução à Sociologia Levantamento Nacional de Infor-

do Direito Penal. 3. ed. Rio de mações Penitenciárias, Junho de

Janeiro: Revan, 2002. 2019. Disponível em: http://anti-

go.depen.gov.br/DEPEN/depen/

BAUMAN, Zygmunt. Comuni- sisdepen/infopen. Acesso em: 26

dade: a busca por segurança no fev. 2021.


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ZAFFARONI.A palavra dos

PENTEADO FILHO, Nestor mortos: conferências de crimino-

Sampaio.Manual esquemático logia cautelar. São Paulo: Sarai-

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Saraiva, 2012.

SHECAIRA, Sergio Salomão.

Criminologia. 6. ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais,

2014.

SOARES, Luiz Eduardo. Justiça.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

2011.

WACQUANT, Loic. As prisões

da miséria. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2001.
255

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em

busca das penas perdidas: a perda

de legitimidade do sistema penal.

Tradução por Vânia Romano Pe-

drosa e Amir Lopez da Concei-

ção. Rio de Janeiro: Revan, 1991.


O ENSINO DA HISTÓRIA SOB O FAROL AMBIEN-
TALISTA: UM DESAFIO DE SE COMBATER PARA-
DIGMAS RELACIONADOS A HISTÓRIA AMBIEN-
TAL E SUA APLICAÇÃO NO MEIO EDUCACIONAL

THE TEACHING OF HISTORY UNDER THE ENVI-


RONMENTAL LIGHTHOUSE: A CHALLENGE IN
FIGHTING PARADIGMS RELATED TO ENVIRON-
MENTAL HISTORY AND ITS APPLICATION IN THE
EDUCATIONAL ENVIRONMENT

Diego Fernando da Silva1

Resumo: O presente artigo tem ambientalista e seus fatores fun-


a finalidade de fomentar o deba- damentais. Percebemos que, a
te entre concepções e confluên- pesquisa, aponta a necessidade
cias do ensino da História geral de uma mudança de postura de
e teorias pedagógicas na parte todos os envolvidos na socie-
ambiental, não se esquecendo da dade e não apenas no ambiente 256

formação dos educandos, e da escolar. Daí a importância de se


prática docente. Dessa maneira, evidenciar claramente os signifi-
a metodologia para a elaboração cados dos conceitos de Ensino de
desse artigo parte de leituras da História, Educação Ambiental e
historiografia sobre as suas pre- um modo que se possa direcionar
ocupações acerca da temática e apontar novos caminhos e no-

1 Universidade Regional do Cariri URCA


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vas práticas. meanings of the concepts of te-

aching History, Environmental

Palavras chaves: Ensino de His- Education and a way that can be

tória. História Ambiental. Apren- directed and pointed to new paths

dizagem significativa. Formação and new practices.

docente.

Keywords: History teaching.

Abstract: His article aims to Environmental History. Meanin-

foster the debate between con- gful learning. Teacher training.

ceptions and confluences in the

teaching of general history and INTRODUÇÃO

pedagogical theories in the envi-

ronmental area, not forgetting the Vivemos em uma so-

training of students and teaching ciedade marcada pelas transfor-

practice. Thus, the methodology mações no processo de ensino

for the elaboration of this article e aprendizagem, onde o conhe-

starts from readings of the his- cimento e o acesso a novas me-

toriography about his concerns todologias pelos profissionais da


257
about the environmental theme educação são primordiais para a

and its fundamental factors. We obtenção do sucesso na sua pro-

realized that the research points fissão, e para que sejamos inse-

to the need for a change in the ridos na contemporaneidade em

attitude of everyone involved in que o corpo social se transfor-

society and not Just in the school mou, seja na escola ou na comu-

environment. Hence the impor- nidade em geral. Logo, podemos

tance of clearly evidencing the notar que o uso de diferentes me-


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todologias no ensino de História no processo de formação na prá-

tem sido amplamente discutido, tica educacional e cotidiana, par-

como forma de auxiliar a reorga- timos das seguintes indagações:

nizar em nosso cotidiano formas como se encontra o ensino de

mais críticas de conviver e refletir História no Brasil? como os pro-

sobre a nossa própria realidade. fessores estão trabalhando a edu-

Nesse sentido, o objeti- cação ambiental nas escolas? o

vo desse artigo é fomentar o de- que é História ambiental? e qual

bate entre concepções de Histó- a problemática encontrada na

ria e das Teorias Ambientais que Educação Ambiental na escola?

compõem a formação docente e É nessa perspectiva que

dos educandos, que infelizmente promoveremos essa discussão.

ainda é pouco trabalhada. Assim, Assim, cabe a análise acerca das

também, pensando a Educação causas, consequências e possível

Histórica como possibilidade de solução do problema. Vale salien-

uma aprendizagem autônoma e tar, que a educação é o melhor

significativa. meio estrutural, político e econô-

Dessa maneira, par- mico para o desenvolvimento do


258
timos da premissa que há uma nosso país.

relação necessária entre as con-

cepções teórico-históricas, am- DILEMAS ENFRENTADOS

bientalistas, aprendizagem do NO ENSINO DE HISTÓRIA

aluno e a prática docente em sala

de aula. Para refletir o entrelaça- Nos últimos anos, a

mento das concepções históricas questão do ensino de História,

e pedagógicas do meio ambiente tem sido muito discutida no Bra-


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sil. Assim sendo, torna-se uma p.15)

temática muito significativa, pois

envolve múltiplos fatores, entre Seguindo essa linha

eles, os culturais, políticos, eco- de raciocínio, observa-se, que,

nômicos, psicossociais e étni- para a obtenção do entendimen-

cos. Lamentavelmente o número to sobre o assunto, é necessário

de reportagens em jornais e nas considerarmos que o processo

mídias gerais sobre esse assunto desses aspectos da formação his-

ainda é muito raro. Diante disso, tórica se compõe, e, se sustentam

torna-se fundamental a discus- em um tripé: a primeira perna é

são dos variados aspectos que a teoria, uma vez que aponta as

envolvem o ensino de História, concepções de História no âmbi-

a fim do pleno funcionamento da to dos paradigmas - Positivista,

sociedade. A partir disso somos Materialista Histórico e História

levados à necessidade de refletir Renovada que o sujeito necessa-

criticamente sobre a afirmação riamente precisa compreender;

de Alessandro Portelli: outra perna desse tripé são con-

cepções do processo de ensino e


[...] as nossas mentes 259
aprendizagem denominadas ten-
não refletem direta-
mente a realidade. Só dências educacionais: tradicional,
percebemos o mundo transformadora e a histórico-crí-
através de uma estru-
tica; a terceira é a prática docente
tura de convenções,
esquemas e estereó- propriamente dita, ou seja, a sala
tipos, um entrelaça- de aula a partir da perspectiva da
mento que varia de
educação histórica.
uma cultura para ou-
tra. (BURKE, 1992, Diante dos aspectos ci-
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tados, observa-se que todos es- expressam marcas peculiares de

tão intrinsecamente ligados aos cada grupo sociocultural. Além

protagonistas das instituições de disso, podemos mencionar que

ensino, ou seja, os educandos. Márcio Rogério afirma:

Assim pensamos a formação sus-


No campo da His-
tentada nesse tripé de princípios
tória, a questão do
teóricos e metodológicos para ponto de vista é fun-
possibilitar um melhor entendi- damental e está no
centro de uma série
mento para todos e estabelecer
de debates. No ensi-
a relação entre os elementos es- no, tanto de história,
senciais do processo de ensino e como de outras dis-
ciplinas, reconhecer
aprendizagem da disciplina abor-
e respeitar pontos de
dada que são: as relações entre vista é uma habili-
os educadores, educandos e a so- dade a ser desenvol-
vida. Dessa maneira,
ciedade em relação ao meio em
chegando ao respei-
que vivem e atuam. Assim, como to. (CANO, 2012,
todas as áreas do conhecimen- p.115)

to os objetivos, conteúdos e as
260
metodologias de ensino comple- Partindo dessa premis-

mentam esses fatores. Logo, não sa, a educação histórica, funda-

podem ser desconsideradas. Por- menta-se na ideia de que o ho-

tanto, a prática pedagógica deve mem age propositalmente sobre a

caracterizar-se pela consideração realidade para poder viver. O ser

das diversas manifestações cul- humano produz para si e para o

turais carregadas de símbolos, gênero humano por meio da ati-

consciência e de códigos que vidade do trabalho, que o define


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e o caracteriza enquanto ser so- te. Porque uma coisa
é a ideia que você
cial histórico. Assim, a consciên-
tem através dos li-
cia histórica é o modo pelo qual vros, através de um
a relação entre a experiência no contato pessoal. Por-
que Prestes é o gran-
espaço e a intenção no tempo se
de mito da esquerda
realiza no processo da vida hu- da nossa história. E é
mana. Destacam-se dois aspec- claro que isso exercia
em mim um fascínio.
tos provocantes que é o trabalho
Á medida em que
intelectual realizado pelo ho- você vai entrando na
mem para tornar suas intenções história do persona-
gem, aprofundando,
de agir conforme a experiência
verticalizando-a, ob-
do tempo vivenciado. Para isso, viamente você vai
outras construções intelectuais descobrindo o lado
humano dele. (DE
precisam ser aperfeiçoadas, tais
OLIVEIRA, AL-
como a visão crítica do que está MEIDA; FONSE-
tencionado nas condições e cir- CA, 2008, p. 79)

cunstâncias da vida. Nesse sen-

tido, a interpretação é tida com Uma das grandes re-


261
um exemplo histórico, as pesso- clamações que os professores

as podem até ter oportunidades de História, fazem e ouvem dos

igualitárias, mas estão obrigados colegas de trabalho é a falta de

a condições e circunstâncias de- motivação que grande parcela

siguais, injustas e violentas. dos alunos demonstra nas aulas

da disciplina. Considerando esse


A minha opinião, no contexto, alguns temas como:
decorrer do processo,
Egito, a educação espartana, as
foi mudando, bastan-
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batalhas medievais, os grandes mar cidadãos preparados para o

inventos da renascença, a renas- mercado de trabalho e sua socia-

cença, as guerras e revoltas dos lização, já que a História é antes

séculos passados trazem consigo de tudo, social.

alguns alentos às metas dos edu-

cadores, pois encontram grandes HISTÓRIA AMBIENTAL,

temáticas, e consequentemente, PARA QUE E PARA QUEM?

uma plateia interessada e curiosa.

Assim sendo, é sur- Por muito tempo houve

preendente como os alunos se um distanciamento enorme en-

dedicam a temas fantasiosos e tre cultura e natureza. Logo, o

mitológicos e, especificamente, mesmo influenciou de maneira

entre os meninos, conteúdos que significativa as relações do ho-

envolvem batalhas. A utilização mem e como ele se diferenciava

de recursos didáticos como slide, dessa natureza que era sua con-

músicas, roda de conversa, cir- traposição. Ou seja, automatica-

cuito, mapa conceitual e textos mente foi se instalando vários

que explorem o aprofundamento paradigmas negativos a respeito


262
do conteúdo estudado. Portanto, da História Ambiental que inclu-

vê-se que existem alguns conteú- sive está intrinsecamente ligada

dos mais atrativos e mesmo aque- a contemporaneidade, especi-

les que não são, se a metodologia ficamente nos meios de ensino

condizer com a prática no ensino, onde muitas questões são abor-

haverá um aprendizado constan- dadas sem o provimento de no-

te e promissor. Dessa maneira, as vos pensamentos e abordagens. É

instituições de ensino irão for- expressivo o número de pessoas


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que não sabem nem do que se tra- meio ambiente possui total rela-

ta a História Ambiental e qual o ção com os seres humanos, ape-

seu papel na sociedade. Seguindo sar das atitudes de superioridade

essa linha de raciocínio podemos sobre o domínio da natureza que

refletir sobre o comentário de os mesmos praticam, não res-

Paulo Henrique Martinez: peitando a biodiversidade. Além

disso, observa-se que a divisão


As questões ambien- abstrata entre sociedade e natu-
tais despontam com
reza responde a necessidade de
grande força na atua-
lidade e incidem ime- afirmação do ser humano peran-
diata e diretamente te o mundo de seus semelhantes,
no trabalho realizado
valorizando atitudes antropocên-
por historiadores na
pesquisa, no ensino e tricas, como a consciência e ra-
na apreciação crítica cionalidade. Um exemplo disso
da sociedade brasi-
são as recentes transformações
leira. Um novo ques-
tionamento sobre os no meio ambiente, como os im-
modos de vida huma- pactos das ações humanas. Nes-
na e sua reordenação,
se sentido, essa limitação que
nesse início de sécu-
263
lo, sugere também a colocam sobre a temática, está
busca de novos mé- totalmente equivocada e parte
todos e abordagens
principalmente de pessoas que
na investigação his-
tórica. (MARTINEZ, possuem uma visão capitalista e
2001, p. 218) egocêntrica.

Sob outro ângulo é pos-


Acerca do que foi men- sível ainda avaliar a resiliência do
cionado pode-se afirmar que o problema. Dessa forma, podemos
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analisar algumas indagações do enfrentam no presente. O mundo

escritor e historiador José Au- não pode prescindir daqueles que

gusto Drummond: o interpretam. A História, embo-

ra reunindo teses em sua maioria


Vale lembrar que, a aparentemente abstratas, jogou
esta altura do debate
um papel decisivo na construção
cientifico, nem a his-
tória ambiental nem da aventura humana. Propician-
outras disciplinas so- do ao mundo um melhor enten-
ciais que vêm incor-
dimento dos diversos fatores,
porando elementos
do mundo natural a mesmo o homem achando muitas
sua lista de variáveis vezes dono de poderes absolutos.
analíticas propõem
Aos humanistas sobrou a missão
um determinismo
unilateral. A cultura salvadora de libertar enormi-
humana age sobre dades dos seus equívocos. Fora
o meio físico-ma-
as mesmas que desconstruíram
terial, propiciando
significados e usos dogmas e deram luzes aos cami-
complexos dos seus nhos da História humana e natu-
elementos. Evito,
ral.
por isso, entrar pela
264
bolorenta discussão Foram eles que deci-
sobre o determinis- fraram, ao longo dos séculos, os
mo. (DRUMMOND,
grandes enigmas da existência.
1991, p. 4)
A humanidade muito deve a es-

tes indivíduos que fazem uso


Primordialmente, as
da inteligência para enfrentar o
ciências humanas, foram muito
desafio máximo da espécie, que
limitadas. Passando por vários
é a possível compreensão do
desafios no passado e que ainda
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mundo e a destruição da arro-

gância. Desse modo, os sujeitos DESAFIOS PARA A VIABI-

não estão preparados para as- LIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

sumir papéis emancipadores na AMBIENTAL

sociedade. Apesar dos seres hu-

manos agirem com imprudência Atualmente, torna-se

e irresponsabilidade com o seu importante salientarmos que uti-

próprio lugar, podemos chegar à lizar metodologias associadas

conclusão que o homem possui ao meio ambiente nas aulas de

sim relação com a natureza, ou História e outras disciplinas das

melhor, ele faz parte dela. Se as ciências humanas enquanto pro-

pessoas continuarem destruindo posta de ensino e aprendizagem,

o ambiente natural, vão acabar se tem se tornado fundamental para

destruindo também. que os educandos possam ad-

E o interessante é que as quirir diversos conhecimentos,

ciências humanas não se impor- chegando a perceberem a impor-

tam com determinismos, porque tância do uso da criticidade em

abre espaço justamente para re- suas relações com a sociedade e


265
fletir e pensar. Agindo totalmente a natureza. Assim, é perceptível

contra a famosa visão moderna. que o primeiro passo é sair do

Assim sendo, a História é um tradicionalismo.

agente ativo na parte ambiental, Paulo Freire denomina a

compreendendo e analisando as tendência tradicional de “educa-

formas de como a sociedade se ção bancária” e afirma:

organiza e se reorganizam.
Nela o educador apa-
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rece como seu indis- como por exemplo, reservas de
cutível agente, como calcários, matas, rios e trilhas.
o seu real sujeito,
A partir disso, vê-se que
cuja tarefa indecli-
nável é ‘encher’ os podemos chegar a metas que pa-
educandos dos con- reciam ser inalcançáveis. Nesse
teúdos de sua narra-
sentido, é com esse intuito que
ção. Conteúdos que
são retalhos da reali- a Política Nacional de Educação
dade desconectados Ambiental (LEI No 9.795, DE 27
da totalidade em que
DE ABRIL DE 1999.), afirma:
se engendram e em
cuja visão ganhariam
significação. (FREI-
RE,1996, p.103) Art. 1o Entendem-se
por educação am-
biental os processos
Tendo em vista, a refle-
por meio dos quais
xão feita pelo autor, percebe-se o indivíduo e a co-
que as escolas como um todo letividade constro-
em valores sociais,
devem criar e promover estraté-
conhecimentos, ha-
gias que despertem o interesse bilidades, atitudes e
dos alunos em querer aprender os competências vol- 266
tadas para a conser-
conteúdos da História Ambien-
vação do meio am-
tal, ao mesmo tempo em que se biente, bem de uso
aproximem com sua própria re- comum do povo,
essencial à sadia
alidade. Vale ressaltar que, todo
qualidade de vida e
lugar conta com uma diversidade sua sustentabilidade.
natural muito rica, mesmo diante (BRASIL, 1999, p.1)

de todo desmatamento humano,


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Vol. 02 - n 02 - ano 2021

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fa, tipos de lixo, coleta seletiva,

E, ainda, complementa reciclagem, relação do homem e

que, natureza dentre outros. Todos são

propostos para serem trabalha-


Art. 2o A educação dos com os alunos para que eles
ambiental é um com-
se familiarizem com as práticas
ponente essencial e
permanente da edu- sustentáveis e possam vislumbrar
cação nacional, de- os problemas relacionados com a
vendo estar presente,
degradação do meio ambiente e
de forma articulada,
em todos os níveis suas implicações futuras.
modalidades do pro- Desse modo, ela busca
cesso educativo, em
seres mais reflexivos e críticos.
caráter formal e não-
-formal. (BRASIL, Por conseguinte, o espaço esco-
1999, p.1) lar se torna um local adequado

e indispensável gerador de co-


Portanto, a educação nhecimentos acerca do meio am-
ambiental mostrou-se ser um biente para fins de cooperação e
mecanismo inovador e modifi- conservação de toda a população.
cador, visando melhorias entre o 267

homem e o meio natural. Propor- CONSIDERAÇÕES FINAIS


cionando assim, reflexões sobre

meio ambiente, sustentabilidade, Diante do que foi refle-


preservação e conservação. São tido, concluiu-se que a preocupa-
destacados temas como o consu- ção com o meio ambiente cres-
mo exagerado de recursos natu- ceu principalmente nas últimas
rais, crise ambiental, efeito estu- décadas, haja vista as intensas
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transformações ambientais que o constantes transformações que

planeta terra está passando, asso- o planeta vem sendo submetido,

ciados sobretudo a interferência faz-se necessário o engajamento

dos seres humanos sobre a natu- do professor para a correta arti-

reza. Assim, o ensino da História culação dos conteúdos conceitu-

Ambiental possibilita aos alunos ais, procedimentais e atitudinais,

os recursos metodológicos neces- ou seja, o que os alunos devem

sários à produção e compreensão saber, fazer e ser. Dessa forma,

do conhecimento e de como o trazendo à tona ideias relevantes

mesmo é produzido. e contemporâneas, visando obter

É a partir desse con- sucesso em suas práticas e proje-

fronto entre o homem e a nature- tos pedagógicos.

za que se perpetua na contempo-

raneidade, que se torna possível REFERÊNCIAS

aos educandos elaborar outros

conhecimentos com argumentos BRASIL. Lei da Educação Am-

próprios e critérios de seleção, biental. Presidência da República

construindo uma aprendizagem Brasil. Brasília, DF: Senado Fe-


268
significativa e autônoma, trans- deral: Centro gráfico, 1999. Dis-

formando informações em co- ponível em: http://www.planalto.

nhecimentos e apropriando-se gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm.

das ideias de forma mais concre- Acessado em: 03. fev. 2020.

ta.

Tendo em vista, a impor- BURKE, P. A escrita da história.

tância de se refletir sobre as ques- Novas perspectivas, São Paulo:

tões ambientais, em virtude das Editora da Unesp, 1992.


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