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DANIELA DOMS
Universidade Estadual de Londrina – UEL
Grupo de Estudos em Economia Ecológica – GEECO
ddoms@hotmail.com
RESUMO
O Brasil possui uma extensa área agricultável, equivalente a 351 milhões de hectares (IBGE,
2017). Contudo, apesar do aumento dos investimentos em políticas de promoção de sistemas
de produção e consumo sustentáveis para a mitigação dos impactos na natureza, a produção
agrícola sustentável, caracterizada aqui como produção orgânica, apresenta ainda pouco
espaço no país. Do total da área agricultável no Brasil, apenas 0,44% são destinados ao
cultivo de produtos orgânicos, representando 1,2 milhões de hectares (LIMA, 2021). No
cenário brasileiro, prevalecem ainda algumas premissas do discurso dominante, tais como: i)
a territorialização do agronegócio é capaz de dinamizar a economia e gerar benefícios
socioeconômicos e bem-estar para a população; ii) o entendimento de que somente a
produção agrícola em larga escala em um sistema de produção monocultor é dinâmica e
com alta produtividade; iii) a utilização intensiva de pesticidas e agroquímicos seria capaz
de aumentar a produção e a produtividade agrícola, produzindo alimentos em larga escala
para suprir as necessidades da sociedade. Para avaliar esse cenário, esse artigo tem por
objetivo analisar dados acerca da estrutura agrária e fundiária brasileira, avaliar a
desigualdade na distribuição de terras e associá-los à dificuldade na ampliação da produção
orgânica com mão de obra familiar, apontando também as consequências do modelo
agrário-exportador nos aspectos ambientais, sociais e econômicos. Conclui-se que foi
encontrado um cenário totalmente diferente do discurso hegemônico, isto é, a estrutura
produtiva do meio rural brasileiro apresenta violência, expropriação, contaminação de
alimentos e da população, poluição do solo e da água, e uma negação absoluta da
(bio)diversidade que compõe o espaço rural brasileiro, as ruralidades, os modos de produzir
e os saberes tradicionais; delegando, para toda sociedade, o fardo daquilo que chamam de
“progresso”.
Palavras-chave: Agricultura Orgânica; Produção Agrícola Sustentável; Estrutura Agrária e
Fundiária; Agricultura Familiar.
ABSTRACT
Brazil has an extensive arable area equivalent to 351 million hectares (IBGE, 2017).
However, despite the increase in the investments in policies to promote sustainable
production and consumption systems to mitigate impacts on nature, sustainable agricultural
production, characterized here as organic, still shows a low range in the country. Of the
total arable area in Brazil, only 0.44% is allocated for farming organic products,
representing 1.2 million hectares (LIMA, 2021). In the Brazilian scenario, some premises of
the dominant discourse still prevail, such as: i) the territorialization of agribusiness is
capable of stimulating the economy and generating socioeconomic benefits and well-being
for the population; ii) the understanding that only large-scale agricultural production in a
monoculture system is dynamic and brings high productivity; iii) the intensive use of
pesticides and agrochemicals would be capable of increasing agricultural production and
productivity on a large scale to meet society’s needs. In order to assess this scenario, this
paper aims to analyze data about the Brazilian agrarian and land structure, evaluate the
inequality in the land distribution and associate them with the difficulty to expand organic
production with family labor, also pointing out the consequences of the agrarian-exporter
model in the environmental, social and economic aspects. It is concluded that a totally
different scenario from the hegemonic discourse was found, that is, the productive structure
of the Brazilian rural environment presents violence, expropriation, contamination of food
and population, soil and water pollution, and an absolute denial of the (bio) diversity that
makes up the Brazilian rural space, ruralities, ways of producing and traditional knowledge;
delegating to the whole society the burden of what they call “progress”.
Keywords: Organic Agriculture; Sustainable Agricultural Production; Agrarian and Land
Structure; Family Farming.
INTRODUÇÃO
Agro é tech, Agro é pop, Agro é tudo! Desde 2016, todos os dias somos
bombardeados durante um minuto por esta propaganda no horário nobre da maior
cadeia de televisão do país, cuja intenção é nos fazer crer que tudo que existe no
campo brasileiro está vinculado ao agronegócio. Este seria responsável pelo bem-
estar da população brasileira, seja por produzir os alimentos que abastecem as
cidades, seja por contribuir para a geração de emprego e renda no campo e na
cidade, além de contribuir para a sustentação da nossa economia, através de vultosos
saldos comerciais.
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Para Alentejano (2020, p. 256) tais áreas são obstáculos a serem removidos, com o
objetivo de “ampliar a oferta de terras no mercado que vive momento de intenso
aquecimento, derivado do crescimento da demanda internacional por commodities agrícolas e
do crescente interesse de grupos estrangeiros na aquisição de terras no Brasil”. Assim, o
processo de incorporação de novas áreas é essencial para dinâmica do agronegócio, ainda que
essa aquisição de terras imprima violência e desigualdade social.
Dados do Censo Agropecuário de 2017 demonstram que houve um aumento dos
estabelecimentos com área maior que 1000 ha, passando de 45% em 2006, para 47,5% em
2017, o que representa 16,5 milhões de hectares incorporados aos grandes proprietários, que
não passam de 1%, mas detém quase metade dos estabelecimentos agropecuários no Brasil.
Por outro lado, 50% do total de estabelecimentos possuem áreas menores de 10 ha, contudo,
ocupam apenas 2,3% de área.
Tais dados evidenciam a histórica concentração fundiária no Brasil, reforçada pelo
aparato da Revolução Verde e imersa na lógica de mercado, o que nos coloca diante de um
“pacto agrário tecnicamente modernizante e socialmente conservador” (DELGADO, 2010, p.
88). Neste sentido, conforme Alentejano (2020, p. 261):
(...) constrói-se uma “visão triunfalista dos agronegócios articulada com uma
imagem hiperbolizada do Brasil e de seu potencial agrícola” (Almeida, 2010: 110),
como parte das estratégias de expansão do grande capital na agricultura brasileira,
como se nestas terras não houvesse indígenas, quilombolas, geraizeros, seringueiros,
quebradeiras de coco de babaçu e tantos outros que ocupam de maneira
diversificada o espaço agrário brasileiro.
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FIGURA 1 - ÁREA PLANTADA COM ALIMENTOS BÁSICOS E COMMODITIES –
MILHÕES DE HECTARES – BRASIL (1990-2018)
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fortalecimento do agronegócio enquanto há o enfraquecimento da agricultura, especialmente
a agricultura camponesa e agroecológica (ALENTEJANO, 2020).
Neste sentido, o debate acerca do uso de agrotóxicos e suas consequências têm
ganhado cada vez mais relevância, desde 2008, o Brasil é considerado o maior consumidor
mundial de agrotóxicos no mundo. De 1950 a 2016, a evolução do consumo de fertilizantes
artificiais como nitrato, fósforo e potássio, demonstrada na Figura 2, evidencia a
intensificação da agricultura industrial em larga escala.
Em 2017, Mato Grosso foi o maior produtor de soja e milho do Brasil, seguido de
Rio Grande do Sul e Paraná, na produção de soja, e de Paraná e Goiás, na produção
14 de milho. O estado de São Paulo é o líder em produção de cana-de-açúcar e os
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estados do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo são os maiores produtores de
trigo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017). Dessa forma, é possível
fazer uma associação direta de que os estados que são os maiores produtores de
commodities do Brasil são também os maiores consumidores de agrotóxicos
(MATTEI e MICHELON, 2021, p. 19).
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Os autores afirmam que:
Fica evidente, portanto, que este modelo agrário hegemonizado pelo agronegócio
não interessa ao povo brasileiro, pois aumenta a desigualdade social, reduz
empregos, contamina alimentos, trabalhadores, solos e águas para ampliar a
produção de commodities controladas cada vez mais por corporações
transnacionais, ao passo que a área destinada à produção da comida dos brasileiros
decresce, tudo isso associado à grilagem de terras. A superação do modelo do
agronegócio passa pela retomada da reforma agrária e pelo desenvolvimento da
agroecologia, sem o que o campo brasileiro continuará sendo um espaço de
violência, de devastação, de superexploração do trabalho e de desigualdades
profundas.
Trata-se de um jogo desigual no qual o interesse das sociedades não tem expressão no
sistema de representação política, e nesta arena predomina os interesses dos grandes atores
econômicos.
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biodinâmica, iniciada por Rudolf Steiner em 1924; a agricultura orgânica, cujos
princípios foram fundamentados entre os anos de 1925 e 1930 pelo pesquisador
inglês Sir Albert Howard e disseminados, na década de 40, por Jerome Irving
Rodale nos Estados Unidos; e a agricultura biológica, inspirada nas ideias do suíço
Hans Peter Müller e mais tarde difundida, na França, por Claude Aubert. A outra
vertente, a agricultura natural, surgiu no Japão a partir de 1935 e baseava-se nas
ideias de Mokiti Okada (EHLERS, 1994, pg. 232).
Como resposta aos problemas derivados desse modelo de produção agrícola, diversos
órgãos de proteção ambiental, membros da sociedade civil e cientistas se manifestaram
contrariamente a esse modelo. Por exemplo, em 1962, Rachel Carson publicou o livro
Primavera Silenciosa, no qual questionava o modelo agrícola convencional e sua crescente
dependência de combustíveis fósseis como matriz energética (EHLERS, 1993).
No início dos anos 1970, a oposição em relação à agricultura convencional
concentrava-se em torno de um amplo conjunto de propostas “alternativas”. Em 1972 foi
fundada na França, a Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica
(IFOAM). Logo de início, a IFOAM reuniu cerca de 400 entidades “agroambientalistas”,
tornando-se a primeira organização internacional criada para fortalecer e disseminar a
agricultura alternativa (EHLERS, 2000; ABREU et al., 2009).
Ao longo da década de 1970, o debate ambiental se intensificou e o conceito de
ecodesenvolvimento ganhou destaque, principalmente a partir da Primeira Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia
(ROMEIRO, 2012). Nessa proposta, a disponibilidade de recursos naturais e seus limites em
relação à produção global deveriam ser levados em consideração no momento de formulação
de políticas públicas, visto que o crescimento econômico estava acelerado no período pós-
guerra e poderia resultar em um esgotamento dos recursos não renováveis, além de acentuar
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as mudanças climáticas que afetariam diretamente a qualidade de vida da sociedade global
(MEADOWS et al., 1972; ROMEIRO, 2012).
No Brasil o debate também foi intenso e pesquisadores como Adilson Paschoal, Ana
Maria Primavesi, Luis Carlos Machado e José Lutzemberger contribuíram para contestar o
modelo vigente e propor novos métodos de agricultura (ABREU, 2002; ASSIS e
ROMEIRO, 2002). Durante a década de 1980, as propostas para uma agricultura alternativa
se ampliaram e ganharam força a partir da realização de quatro Encontros Brasileiros de
Agricultura Alternativa (EBAAs), que ocorreram, respectivamente, nos anos de 1981, 1984,
1987 e 1989 (PIANNA, 1999; ABREU, 2005).
Foi também na década de 1980 que surgiram várias Organizações Não
Governamentais (ONGs) voltadas para a agricultura, articuladas em nível nacional pela
Rede Projeto Tecnologias Alternativas – PTA, que originou a AS- PTA (Assessoria e
Serviços – Projeto Agricultura Alternativa). Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento apresentou o documento “Nosso Futuro Comum”, mais
conhecido como Relatório Brundtland (BRUNDTLAND, 1987). Esse documento introduziu
a expressão desenvolvimento sustentável, que pode ser entendido como:
Foi aprovada após tramitar no Congresso Nacional desde 1996, contando na fase
final do processo, a partir de 2002, com a participação de representantes do setor,
membros de organizações públicas e privadas. A regulamentação da lei deu-se por
meio do Decreto no 6.323, de 27 de dezembro de 2007, formulado com a
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participação da sociedade civil. A partir desse decreto, foi criado o selo do Sistema
Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (MOURA, 2017, pg. 35).
Fonte: Organicsnet.
14
capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda” (BRASIL, 1996). Para
receber créditos no PRONAF, os interessados deveriam: “apresentar aos agentes financeiros
um projeto de financiamento que incluísse um plano de manejo e transição do sistema de
produção convencional para o sistema de produção agroecológica, com previsão de tempo
de, no máximo, quatro anos” (MOURA, 2017, pg. 40).
O PRONAF tem linhas de crédito específicas que objetivam a criação de condições
concretas para a transição da agricultura convencional para a sustentável, chamadas de
PRONAF Verde (BOJANIC et al., 2016). Segundo Moura (2017), os projetos de transição
agroecológica não foram bem executados pois, além da falta de priorização, houve pouca
atenção à complexidade natural que envolve a produção agroecológica, bem como aos
prazos de carência e pagamentos e montante que se propunha a investir.
Wesz Junior (2020) realizou um estudo e constatou uma enorme disparidade no
volume de recursos do PRONAF Verde e do crédito rural convencional (SNCR). Isto é, o
crédito rural destinado à agricultura convencional (SNCR) em 2018 superou a cifra de R$
156 bilhões. Por outro lado, o crédito destinado à agricultura sustentável, PRONAF Verde,
no mesmo ano, atingiu pouco mais de R$ 23 bilhões, representando 14,7% do montante total
do SNCR. Segundo Wesz Junior (2020, pg. 99-100):
Contudo, o paradoxo permanece, isto é, mesmo que o Estado tenha ampliado o debate
sobre o desenvolvimento rural sustentável e estimulado ações que visavam aumentar a
produção com enfoque agroecológico voltado à agricultura familiar, o volume de recursos eo
número de contratos firmados no PRONAF ainda são pequenos em comparação com as
políticas de estímulo à agricultura convencional via SNCR (MOURA, 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de apropriação capitalista da natureza no estágio neoliberal vem se
tornando estratégia central para a reprodução do capitalismo moderno, e se realiza na
complexidade da interação Estado-empresas através do território, num cenário dinâmico em
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que atores econômicos – multinacionais, bancos, fundos de investimentos, entre outros –
agem para capturar as instituições nacionais e internacionais de modo que as decisões
públicas estejam alinhadas diretamente para favorecer seus interesses econômicos.
A elevada concentração fundiária, a falta de políticas públicas voltadas para a
agricultura familiar, a insuficiente assistência técnica e extensão rural, as dificuldades de
financiamento rural são entraves para o desenvolvimento da agricultura brasileira. À
agricultura orgânica soma-se ainda a dificuldade da certificação – avaliação da conformidade
orgânica (processo caro e burocrático), a dificuldade de manter a competitividade no
mercado devido à pequena escala de produção e, consequentemente, preços mais elevados e a
difícil comercialização nos supermercados e grandes redes varejistas, dado o alto nível de
exigências.
Tudo isso demonstra que são muitas as barreiras para a comercialização de produtos
orgânicos no Brasil. Infelizmente, ainda prevalece o discurso dominante de que a
territorialização do agronegócio seria capaz de dinamizar a economia regional, trazendo
benefícios econômicos e bem-estar para as populações. No entanto, o que se observa é
violência, expropriação, alimentos e população contaminados, poluição do solo e da água, e
uma negação absoluta da diversidade que compõe o espaço rural brasileiro, as ruralidades,
os modos de produzir, os saberes tradicionais, delegando a todos o fardo daquilo que
chamam de “desenvolvimento”.
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