Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Introdução ao Direito
1º Ano
Professora Mariana Costa e Jéssica Marques
Ano 2021/2022
O Ser Humano, a sociedade e o Direito
O que é o Direito?
Definir Direito não só no sentido científico e técnico, mas como área de
intervenção humana é difícil. Assim sendo, considera-se “Direito” uma
palavra polissémica.
SEGURANÇA
A função do direito é garantir a convivência pacífica em sociedade. A
segurança é essencial, porque para promover a convivência pacifica é
necessário que cada um saiba o seu papel.* Portanto, a segurança promove
a estabilidade da vida social. Permite a cada um reforçar expectativas
quanto a comportamentos futuros, permite e é essencial desenvolvimento
do tráfico jurídico- económico moderno porque este tráfico assenta muitas
vezes numa lógica de confiança, de crédito (credere- acreditar, confiar).
*segurança associada à previsibilidade do comportamento, essencial ao Direito. Não se pode
promover a convivência pacífica em sociedade se as pessoas não se sabem comportar em
sociedade. A segurança promove estabilidade. Previsibilidade é o elemento de
DENSIFICAÇÃO da segurança.
*Oliveira Ascensão diz o “oposto”, mas não são perspetivas diferentes. Diz que tem de
prevalecer a segurança. Baptista Machado apenas salienta que a segurança prevalece devido ao
injusto e justo.
*A divisão em ramos de Direito é uma divisão que vem da ciência jurídica, foi criada por quem
faz a doutrina jurídica (ou seja, Direito enquanto ciência jurídica), não para separar o Direito em
compartimentos estanques, sem ligação uns com os outros, mas sim para ser fácil estudar. Isto
porque é impossível uma pessoa conhecer a totalidade das normas jurídicas. O que se fez foi
criar divisões que permitissem agrupar as normas jurídicas com base em critérios de
AFINIDADE entre elas, assim tornando mais acessível a compreensão do sistema jurídico como
um todo, em Roma, de toda a ordem jurídica em DIREITO PÚBLICO e DIREITO PRIVADO.
Direito Público vs. Direito Privado
A principal divisão que existe dentro do sistema jurídico (“a summa
divisio”) é a que se opõe ao Direito Público e ao Direito Privado.
São tradicionalmente apresentados três critérios de distinção entre Direito
Público e Direito Privado:
Critério do interesse: parte da célebre frase de Ulpiano que, traduzida, diz
“o Direito público é aquele que respeita à República romana; o direito
privado é o que importa à utilidade dos particulares”. Segundo este critério,
o Direito Público visa a satisfação dos interesses públicos (interesses do
Estado e de um ente público menor) e o Direito privado a satisfação dos
interesses privados (interesses individuais ou de entidades particulares).
Relativamente a este critério, e pelas razões de seguida mencionadas,
Oliveira Ascensão considera este critério insustentável, ao passo que
Freitas do Amaral considera que continua a ser adequado na maioria dos
casos, mas há exceções. Ambos tecem uma crítica ao mesmo:
Crítica: Não existe uma divisão rígida entre o que é interesse público e
privado. O interesse público promove interesses privados de cada cidadão e
o interesse privado é protegido porque existe um interesse público nesse
sentido. Há normas de direito público que protegem a realização dos
interesses particulares, bem como normas há que visam proteger, na esfera
da vida privada dos particulares, certos interesses públicos.
Para tentar salvar este critério introduziu-se uma correção: o Direito
público promove predominantemente interesses públicos e o Direito
privado promove predominantemente interesses privados. Mas, como diz
Oliveira Ascensão, introduzir um juízo de predominância num critério que
tem como objetivo facilitar a realidade, cria insegurança e incerteza (é de
difícil operacionalização/materialização- é difícil em alguns casos saber se
o interesse é predominantemente público ou privado). Portanto, não serve,
é insuficiente. E, por isso, avança-se para um segundo critério.
Critério da qualidade dos sujeitos – segundo este critério, é público o
Direito que regule situações em que intervém o Estado ou qualquer ente
público e é privado o Direito que regule as situações dos particulares
(indivíduos ou pessoas coletivas privadas). Mais uma vez, Oliveira
Ascensão não aceita este critério, ao contrário de Freitas do Amaral que diz
que é aplicável na maioria dos casos, mas há exceções. Surge, portanto, a
crítica ao critério:
Crítica: Este critério é inaceitável. Há situações em que o Estado e os
demais entes públicos atuam como meros particulares, decidindo atuar ao
abrigo de normas de Direito Civil. Como diz Oliveira Ascensão, não é pelo
facto de os entes públicos celebrarem compras e vendas, por exemplo, que
as regras aplicadas deixam de ser Direito Privado. Este critério é, pois,
insuficiente para determinar a distinção entre estes dois grandes ramos do
Direito.
Exemplo: o motorista do PM António Costa, quando abastece o carro do
Governo numa bomba de gasolina, sem qualquer tipo de poder extra por ser
o carro do Governo.
Critério da posição dos sujeitos (critério adotado) – Nas palavras de
Oliveira Ascensão, o Direito público (relação de subordinação do particular
ao Estado) constitui e organiza o Estado e outros entes públicos e as
relações entre eles no exercício das suas funções públicas e também regula
as relações entre os entes públicos e os particulares, quando os entes
públicos atuam dotados do seu poder de império ou soberano (ius imperii).
O Direito privado* regula as relações entre os particulares e entre estes e os
entes públicos, quando os entes públicos atuam despojados do seu poder de
autoridade (como lhe chama Freitas do Amaral) ou poder de império
(relação de paridade entre as partes em termos de poder).
Exemplo: Expropriação de um terreno – Direito Público
Compra de um terreno – Direito Privado*
*regula as situações em que os sujeitos estão em situação de paridade // situação de igualdade.
*A partir daqui, Freitas do Amaral define estes dois ramos do Direito da seguinte maneira:
Direito Público – “sistema de normas jurídicas que, tendo em vista a prossecução de um
interesse coletivo, conferem, para esse efeito, a um dos sujeitos da relação jurídica poderes de
autoridade sobre o outro”. Direito Privado – “sistema de normas jurídicas que, visando regular a
vida privada das pessoas, não conferem a nenhuma delas poderes de autoridade sobre as outras,
mesmo quando pretendem proteger um interesse público considerado relevante”.
Nota: Freitas do Amaral – Tem havido dois movimentos de sentido contrário que aproximam, e
até sobrepõem, os dois ramos: a publicização do direito privado e a privatização do direito
público. Esta aproximação entre eles faz com que, por vezes, uma mesma situação seja
simultaneamente regulada por normas de direito público e de direito privado.
Segundo Oliveira Ascensão: Ramos do Direito: setores da ordem jurídica compostos por
conjuntos de normas delimitadas segundo o seu conteúdo. O conteúdo de cada ramo do Direito
é estruturado por intermédio de princípios gerais próprios que lhe conferem identidade.
Exemplo:
Premissa maior: homicídio é proibido e tem sentença de X anos.
Premissa menor: A matou B
Logo, A tem de ter a sanção de X
Contudo, este pensamento está afastado.
A norma não pode ser o ponto de partida da atuação do jurista, mas sim
partir da situação concreta (realidade fáctica), interpretá-la.
O método jurídico parte da situação de vida concreta, exige interpretar a
sua situação em todas as suas nuances, com base nas normas jurídicas,
procura-se dentro de todas elas, qual é a melhor que dá resposta aquela
situação específica.
Oliveira Ascensão diz que o jurista parte de factos, identificam normas e
aplicam normas aos factos.
O método jurídico compreende o conjunto das operações necessárias para
conduzir a esse resultado final.
É importante ressalvar que, embora a maioria das normas jurídicas seja,
normas de conduta (regulam o comportamento humano), nem sempre é
assim. É o caso, por exemplo, das normas meramente qualificativas, que
delimitam e qualificam os elementos com que a ordem jurídica trabalha.
Por exemplo, as regras são personalidade jurídica, não são regras de
conduta ou as regras que qualificam as coisas (personalidade jurídica-
artigo 66º- Começo da personalidade: 1. a personalidade adquire-se no
momento de nascimento completo e com vida; 2. Os direitos que a lei
reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento. // suscetibilidade
de ter direitos e obrigações próprias // pessoas coletivas têm personalidade
jurídica). Outro exemplo de normas jurídicas que não são regras de conduta
são as normas sobre normas: por exemplo, uma norma cujo conteúdo é a
revogação de uma norma anterior.
Uma norma jurídica é constituída por dois elementos: previsão e estatuição.
Previsão = Hipótese legal = facti species
Previsão: é a situação típica da vida cuja verificação em concreto
desencadeia a consequência jurídica fixada na estatuição. A norma jurídica
refere-se a facto (e previsão de factos) e, segundo Baptista Machado
“procura dar uma imagem, visualização ou modelo daquele facto que
produz a consequência”.
Estatuição: é a consequência jurídica a que se associa a verificação da
previsão. Ou seja, a previsão é a situação da vida a que se aplica a norma, a
estatuição é a consequência jurídica em caso daquela situação concreta
efetivamente ocorrer. Exemplo: artigo 283º do Código Civil- todo aquele
que ilícita e culposamente causar danos a outrem (previsão), fica obrigado
a indemnizar o lesado (estatuição).
Quando falamos em factos:
Facto jurídico: é todo o acontecimento natural ou humano suscetível de
produzir efeitos jurídicos. Nas palavras de Oliveira Ascensão, o facto é “o
elemento dinamizador da ordem jurídica, porque altera as situações
existentes, provocando efeitos de Direito”.
Estes factos podem constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas
(podem ser, portanto, constitutivos, modificativos, extintivos). Não são
factos jurídicos acontecimentos naturais ou humanos indiferentes para o
Direito (ex.: convidar alguém para passear ou usar um vestido de
determinada cor; cor da T-shirt de X; corte de cabelo…). No entanto,
mesmo um facto natural ascendente à categoria de facto jurídico se
produzir efeitos de Direito como, por exemplo, uma tempestade fez
naufragar um navio.
Os factos jurídicos constitutivos normalmente geram RELAÇÕES
JURÍDICAS. Mas não tem de ser assim. Há factos jurídicos constitutivos
que geram a aquisição de uma qualidade jurídica- ex.: a personalidade
jurídica; já o divórcio extingue uma relação jurídica.
SITUAÇÃO JURÍDICA- posição em que o sujeito jurídico se acha
perante o Direito.
RELAÇÃO JURÍDICA- corresponde à relação social disciplinada pelo
Direito (face externa). Internamente, consiste no laço que une um poder a
uma vinculação, ou seja, na relação jurídica, ao dever de um ou mais
sujeitos. É constituída pelo vínculo que une um poder a uma obrigação-
existe uma relação jurídica quanto ao dever de um sujeito corresponder a
um direito de outro sujeito.
*Com frequência, a ocorrência de um facto jurídico faz nascer, modificar ou extinguir relações
jurídicas, porque é criada uma relação jurídica, a filiação. O divórcio é um facto jurídico porque
é criada uma relação jurídica, a extinção. É possível que, na ocorrência de um facto jurídico,
não resulte qualquer impacto para uma relação jurídica, mas apenas a aquisição de uma
qualidade jurídica (ex.: a aquisição de personalidade jurídica).
Nota: factos jurídicos, situação jurídica e relação jurídica são conteúdos da previsão. Uma
previsão pode conter um facto jurídico, uma situação jurídica ou uma relação jurídica, sendo
que o facto jurídico pode dar origem a uma situação ou relação jurídica.
CODIFICAÇÃO
Código é uma lei em sentido material, o que significa que tem a força
própria da lei que o aprovou (no caso do Código Civil foi o “Decreto-Lei”).
Não é uma super lei, é uma lei igual às outras e pode ser alterada ou
afastada por qualquer outra lei de igual valor. O Código Civil não é uma lei
com mais valor do que qualquer outra lei avulsa A codificação é uma lei
material.
Segundo Baptista Machado, “na hierarquia das leis, o código tem a força
própria da lei que o aprova ou no qual está contido”.
O Código Civil tem o valor da lei que o aprovou. Materialmente, o Código
Civil consubstancia um “Decreto-Lei” e, portanto, tem a força de qualquer
decreto-lei (ex.: se for um decreto-lei do Governo, tem a mesma força de
um decreto-lei do Governo), o que significa que qualquer lei posterior pode
afastar uma lei do Código Civil- Baptista Machado diz “Formalmente esta
lei (código) tanto pode ser uma lei da Assembleia da República como um
Decreto-Lei do Governo ou qualquer outro diploma.” -; o legislador do
Código Civil é o Governo e o legislador da Constituição é a Assembleia
Constituinte.
*legislador = autor
Por sua vez, o código “não é uma lei como qualquer outra: é uma lei que
contém a disciplina fundamental de certa matéria ou ramo de direito,
disciplina essa elaborada por uma forma científico-sistemática e unitária.
Distingue-se, assim, duma simples compilação de leis feita segundo
critérios mais ou menos empíricos e contendo matérias de diversa índole,
pertencentes a diversos ramos do direito, como acontecia com as antigas
ordenações do reino” - Baptista Machado.
Porquê científico-sistemático?
Põem em evidência os princípios comuns, as grandes orientações
legislativas, os grandes nexos construtivos e funcionais, bem como facilita
a circulação entre os diferentes institutos e figuras jurídicas.
Baptista Machado- “Um código pressupões, portanto, um plano sistemático
longamente elaborado pela ciência jurídica, ao mesmo tempo que, por seu
turno, facilita a construção científica do Direito ao pôr em evidência os
princípios comuns, as grandes orientações legislativas, os grandes nexos
construtivos e funcionais, assim como a articulação precisa entre os
diversos institutos e figuras jurídicas.”
Porquê unitária?
Regula de forma sistemática e unitária um setor relativamente importante
ou vasto da vida social.
Baptista Machado- “(…) costuma designar-se por código aquela lei que
regula de forma unitária e sistemática um setor relativamente importante ou
vasto da vida social- em regra um ramo do Direito- pelo menos nas suas
linhas fundamentais. Por vezes, quando a lei regula de uma maneira
unitária e sistemática dada matéria que não tem dignidade, amplitude ou a
estabilidade suficientes para justificar a designação do código, essa lei é
designada por estatuto. Outras vezes tais leis, não obstante a menor
amplitude da matéria ou menor estabilidade dos seus preceitos, recebem
mesmo a designação de códigos (p. ex., o Código dos investimentos
estrangeiros).”
Um código não se confunde com estatutos, leis orgânicas, avulsas ou
extravagantes.
ESTATUTO
Designação utilizada para identificar leis que regulam de forma unitária e
sistemática uma dada matéria, mas que não goza de amplitude, dignidade
ou estabilidade suficientes para se qualificar como código. Também se dá o
nome de estatutos às leis que regulam de forma unitária e sistemática uma
determinada carreira ou profissão (ex.: estatuto da ordem dos advogados;
dos Comerciantes, disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, dos
Magistrados Judiciais, entre outros).
LEI ORGÂNICA
Leis que organizam e regulam o funcionamento de um serviço. Temos
assim a Lei Orgânica do Ministério das Finanças (ou de qualquer outro
ministério), a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, a Lei Orgânica da
APDL, entre outros.
LEI AVULSA OU EXTRAVAGANTE
As matérias reguladas nos códigos, que são monumentos legislativos
destinados a longa duração, acabam sempre ou quase sempre por ser objeto
de leis várias que lhes introduzem alterações, designam-se de leis avulsas
ou extravagantes. É já numerosa, por exemplo, a legislação extravagante
relativa ao contrato de arrendamento, regulado no Código Civil.
VANTAGENS DA CODIFICAÇÃO
Maior facilidade de reconhecimento das normas (Oliveira Ascensão diz que
o código fornece ao intérprete um mapa, permite identificar mais
facilmente onde é que está a solução de cada caso e pode ser utilizado
como ponto de partido para integrar lacunas).
Permite um conhecimento mais fácil do Direito, mesmo para não juristas.
Traz ao de cima os princípios fundamentais de cada ramo do Direito.
DESVANTAGENS DA CODIFICAÇÃO
A grande desvantagem apontada à codificação é a rigidez. O legislador
evitar mexer nos códigos, pois existe uma espécie de dignidade acrescida
que lhe é reconhecida e faz com que o legislador seja mais cauteloso.
Rigidez no sentido em que se torna mais difícil adaptar as normas à
mudança e à evolução da vida social.
Mas, como diz Oliveira Ascensão, isto não é verdade, pois é tão fácil
mudar um código como é mudar qualquer outra lei. Não é uma questão de
formalismo jurídico, mas sim de pensamento. O legislador evita tocar no
código, há uma espécie de sacralismo associado aos códigos que faz com
que se evite alterá-los. Se bem que, e contrariamente ao que diz Oliveira
Ascensão, deve de facto, segundo a opinião de muitos, haver uma cautela
especial na alteração da legislação codificada, porque a estabilidade não é
necessariamente uma coisa má e nos códigos estão, de facto, princípios
fundamentais de determinados ordenamentos jurídicos, especialmente ao
nível da substituição de um código por outro, pois um código é feito para
dar estabilidade a um determinado ramo do Direito. Ou seja, esta rigidez
que é apontada como crítica é simultaneamente uma vantagem (crítica e
vantagem).
Os códigos são “monumentos legislativos”. Não são perfeitos, têm críticas,
mas dão estabilidade, proteção e segurança.
Nota (base- Baptista Machado): “(…) por vezes, é o próprio código que se limita a sistematizar
as matérias mais gerais e dotadas de maior estabilidade, deixando para a legislação avulsa as
matérias que estão sujeitas a alterações mais rápidas ou mais intensas. Não entraremos aqui no
debate (…) sobre as vantagens e as desvantagens da codificação. Queremos no entanto salientar
que dentro de um código se podem distinguir complexos de normas constituindo todos
organizados e unificados à volta de certo núcleo de princípios fundamentais. Estes complexos
de normas ou institutos jurídicos podemos nós encará-los como sistemas normativos com
atributos semelhantes ao de um código. São uma espécie de microcódigos. O mesmo se pode
afirmar de certas leis avulsas- (…) Lei do Arrendamento Rural- que, pela sua organização,
permitem raciocínios e inferências paralelos àqueles que os códigos facultam- apenas com a
ressalva de que a significação e o alcance de muitos dos seus conceitos terão que ir procurar-se
aos códigos em que se contém a regulamentação fundamental ou geral daquele tipo de relações.
De entre os códigos portugueses referiremos como principais o Código Civil, Código do
Processo Civil, o Código Penal e o Código de Processo Penal, o Código Comercial, o Código
Administrativo, os vários códigos relativos aos vários impostos, etc., etc. A própria Constituição
é um código, no sentido que deixamos apontado. Mas não costuma ser designada como tal.”
REMISSÕES
Também tem como objetivo evitar repetições. Normas remissivas ou
indiretas são normas que o legislador, em vez de regular diretamente a
questão em causa, manda-lhe aplicar outras normas do sistema jurídico
contidas no mesmo diploma legal ou noutro, mas no sistema jurídico
português. A isto dá-se o nome de remissão intra sistemática.
A remissão é extra sistemática quando é feita para sistemas jurídicos
diferentes do sistema ao qual pertence (ex.: art.º 8 nº1 do Código Civil-
“Obrigação de julgar e dever de obediência à lei; 1. O tribunal não pode
abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando
dúvida insanável acerca dos factos em litígio.”).
Quanto às normas remissivas intra sistemáticas, em regra, a remissão é feita
para a estatuição da norma, mas nada impede que a remissão seja feita para
a previsão da norma. Há situações em que a lei faz uma remissão muito
ampla, dando ao regime para o qual remete a função de integração
subsidiária do regime a quo (ex.: artigo terceiro do Código Comercial, que
remete para o regime do Direito Civil em geral quando a questão não puder
ser resolvida pela letra da Lei Comercial, pelo seu espírito nem por casos
análogos).
Noutros casos, a norma remissiva opera através de uma extensão do regime
de um instituto a outros institutos (ex.: artigo 939º do Código Civil, que
estende o regime de compra e venda a todos os contratos onerosos que
impliquem transferência de propriedade).
Parte significativa das remissões:
As normas remissivas iniciam-se geralmente com “com as necessárias
alterações”, porque neste processo de aplicação de um regime de um
instituto ou outro, o intérprete tem sempre que ter em atenção a
especificidade do instituto.
Em quase todas as normas remissivas, o legislador salvaguarda as
necessárias adaptações, não é uma aplicação cega do regime de um
instituto ou outro.
O intérprete tem que atender às especificidades de cada um dos institutos e
aplicar a remissão na medida em que essa afinidade o justifique.
Muitas vezes, em remissões, o legislador remete para outra norma, não para
mandar aplicar essa norma, mas para traçar relações de prevalência ou de
subsidiariedade. Quando o legislador começa por “sem prejuízo do
disposto em”, esta norma para a qual se remete tem prevalência/primazia, e
quando diz “não obstante o disposto em”, significa, em regra, que a norma
que se vai enunciar estabelece um regime especial ou excecional, face ao
regime contido na norma para a qual se remete.
OU
Muitas vezes o legislador quando remete para outra começa com ‘’sem o
prejuízo do disposto em’’ e depois remete para a norma, outras vezes faz
‘’não obstante do disposto em’’: questões de prevalência ou de
subsidiariedade?
Sem o prejuízo do disposto em: prevalece a norma para que se
remete, a norma em causa não pode afetar aquilo para que se remete
Não obstante do disposto em: significa que em regra, significar que
vai estabelecer um regime excecional ou especial, relativamente ao
regime da norma contida a que se faz referência. Prevalece a norma
em causa apesar de existir um regime contrário.
Entre uma norma geral e uma norma especial qual é que prevalece?
Prevalece entre a especial e a excecional, a excecional;
Norma geral e excecional prevalece a excecional;
Norma geral e especial prevalece a especial.
Relações de prevalência: a norma a sobrepõe se A norma B.
FICÇÃO LEGAL
Funcionam, na prática, como remissões implícitas, pois em vez de remeter
expressamente para uma determinada norma que regula um dado facto ou
situação, o legislador estabelece que o facto ou situação para que já existia
um regime consagrado na lei. Ou seja, a ficção é uma assimilação fictícia
de realidades factuais distintas sujeitando-as ao mesmo regime jurídico.
A condição em Direito é um acontecimento futuro e incerto (morte é um
termo, pois é um acontecimento futuro certo).
Exemplo: artigo 275/nº2 do Código Civil (“Verificação e não verificação
da condição- 2. Se a verificação da condição for impedida, contra as regras
da boa fé, por aquele a quem a prejudica, tem-se por verificada; se for
provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se
como não verificada”).
PRESUNÇÕES LEGAIS
A noção de presunção legal vem no artigo 349º do Código Civil- é uma
ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para um facto
desconhecido. No artigo 350º, quem tem a favor uma presunção legal, não
tem que provar o facto a que ela conduz. Isto significa que as presunções
legais têm um impacto direto no ónus da prova (artigo 342º do Código
Civil; as presunções INVERTEM o ónus da prova, ou seja, quem tem o
ónus da prova tem de provar aquilo que invoca).
Ainda remetendo o parágrafo anterior, nos termos do princípio geral do
ónus da prova, quem invoca um direito tem de provar os factos
constitutivos do direito invocado. Quem alega factos impeditivos,
modificativos ou extintivos de num direito tem que fazer prova desses
factos. Por força do artigo 344º do Código Civil, se houver uma presunção
legal, há uma inversão do ónus da prova, cabendo à outra parte provar, nos
casos em que é permitido, que essa presunção não corresponde à realidade.
Há dois tipos de presunções: as presunções legais e as presunções judiciais.
As presunções judiciais também são chamadas de natural/simples/de
facto/de experiência: resulta da normal ocorrência das coisas. Só são
admitidas nos mesmos termos em que é admitida a prova testemunhal e
podem ser afastadas por simples contraprova, ou seja, por provas que criem
no espírito do juiz uma incerteza quanto à ocorrência do facto a provar.
As presunções legais são as que nos interessas e são as que vêm
estabelecidas na lei, só as presunções legais é que são as técnicas
legislativas, as judiciais não.
A presunção legal pode ser de dois tipos:
Iuri set de iure- presunções ilidíveis, não podem ser afastadas por prova em
contrário, são absolutas e irrefutáveis (mesmo que se prove que aquilo não
aconteceu, é irrelevante, a presunção aplica-se na mesma). Estas
presunções são a exceção, o que significa que a presunção só é inilidível
quando isso resulta da norma que a consagra (se nada consagrar, a
presunção é iuris tantum. Exemplo: artigo 243/nº3 do Código Civil
(“Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé- 3. Considera-se
sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo
da ação de simulação, quando a este haja lugar.).
Baptista Machado: as figuras partem de conceitos diferentes, na ficção
legal atribui a um facto as consequências jurídicas de outro, na presunção
inilidível o legislador supõe de modo irrefutável que um facto presumido
acompanha sempre um facto que serve de base à presunção.
Iuris Tantum- são presunções ilidíveis, podem ser afastadas por prova em
contrário. São a regra, o que significa que, se nada resultar da norma, a
presunção é iuris tantum. Exemplo: artigo 441º do Código Civil
(“Contrato promessa de compra e venda- No contrato-promessa de
compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia
entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a
título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”).
Na prática, é difícil distinguir ficção legal de presunção iuris et de iure.
Mas como diz Baptista Machado, as duas figuras são conceitualmente
distintas. Na ficção legal, a lei atribui a um facto as consequências jurídicas
de outro; na presunção inilidível/iuris et de iure, o facto presumido
acompanha sempre o facto que serve à presunção.
DEFINIÇÕES LEGAIS
São normas em que o legislador se limita a estabelecer definições. Não são
normas autónomas, não têm estatuição. Como técnica legislativa, são muito
criticáveis, porque não compete ao legislador fazer construções
conceptuais, essa função é da doutrina. “Ommis definitia periculosa” (toda
a definição é perigosa). Porquê? Porque deixa de fora coisas que deviam lá
estar e pode integrar coisas que não deviam lá estar. Existe esta consciência
de que toda a definição legal representa perigos, porque pode ser
excessivamente lata ou restrita. Mas a verdade é que, não obstante as
definições serem tidas como perigosas, o legislador português recorre com
frequência a elas (ex: art. 202 e 762 do CC). A pergunta que se coloca é:
qual a força normativa de uma definição legal? Obriga o intérprete ou não
obriga? Tem força obrigatória ou é meramente indicativa? A doutrina
divide-se. O Dr. Batista Machado diz que as verdadeiras definições legais
constituem indiretamente as hipóteses a que se ligam as consequências
jurídicas de determinadas normas e, portanto, não são meras construções
conceptuais. Elas integram-se nas hipóteses das normas e, assim, têm força
prescritiva/obrigatória. As definições pelo legislador não são constituições
da doutrina, são normas, e como tal são obrigatórias.
CONCEITOS INDETERMINADOS E CLÁUSULAS GERAIS
Constituem aquilo que normalmente se designa por Ius Aequum, por
oposição aos Ius Strictum. Visam conferir à norma flexibilidade suficiente
para melhor se adaptar à mudança de conceções sociais e às situações da
vida. Justificam por quatro razões: permitir a adaptação da norma à
complexidade da matéria a regular, às particularidades do caso ou à
mudança das situações; justificam-se também para facultar uma espécie de
osmose (facilitar a coerência) entre os máximos éticos sociais e o Direito;
para permitir levar em conta os usos do tráfico; para permitir um maior
ajustamento (individualização) da solução ao caso.
Conceitos indeterminados não se confundem com cláusulas gerais, eles
aparecem normalmente os dois referidos porque têm as mesmas funções,
mas são distintos.
O conceito indeterminado é o conceito que necessita de preenchimento
valorativo pelo intérprete na sua aplicação ao caso concreto. Ele contrapõe-
se aos designados “conceitos determinados” (conceitos mais objetivos // Ius
Strictum). O Dr. Batista Machado diz que estes conceitos determinados são
estruturas arquitetónicas consolidadas da ordem jurídica que permitem a
construção de um sistema científico e salvaguardam a certeza e a segurança
jurídicas. Ex de conceitos determinados: credor, personalidade jurídica,
caso julgado. Ex de conceitos indeterminados: boa fé, bons costumes, bom
pai de família, prazo razoável.
As cláusulas gerais opõem-se à regulamentação casuística (é aquela que
identifica exaustivamente todas as hipóteses a que se aplica a norma). É
frequente utilizarem conceitos indeterminados, mas estes não são
exclusivos das cláusulas gerais (é possível encontrá-los em enumerações
casuísticas // ex.: artigo 1781º, alíneas a) e c) do Código Civil, o legislador
fez uma enumeração casuística, e na alínea d estabeleceu uma cláusula
geral (isto é um exemplo de uma enumeração mista).
As cláusulas gerais opõem-se à regulamentação casuística que identifica
exaustivamente todas as hipóteses a que se aplica a norma. A norma
casuística prevê e regula grupos de casos especificados, enquanto a
cláusula geral não regula tipos de casos especialmente determinados,
deixando indefinidos os casos a que virá a aplicar-se. O seu objetivo é
evitar os dois riscos: não abranger da sua hipótese todas as jurídicas que
merecem o mesmo tratamento jurídico, abranger inadvertidamente
situações que mereceriam pela sua natureza tratamento diferente, a isto dá-
se o nome de lacuna de exceção.
ATRIBUIÇÃO DO PODER DISCRICIONÁRIO
Em regra, os agentes do estado estão vinculados por um princípio de
legalidade, um princípio fundamental do direito público, isso significa que
os seus atos e as suas decisões devem conformar-se estritamente à lei, ou
seja, verificamos os pressupostos da hipótese, o agente do estado deve
desencadear a consequência prevista na norma, mesmo que essa atividade
implica um exercício aplicativo. Cabe aos agentes do estado cumprir a lei,
este é o fundamento essencial do princípio da legalidade. Só que há
situações em que o legislador confere a esses agentes um verdadeiro poder
discricionário, assente num princípio de oportunidade, ou seja, para
permitir a adaptação da decisão às particularidades do caso concreto, o
legislador limita se a autorizar o órgão ou agente a adotar determinadas
condutas, a conceder determinadas autorizações ou até mesmo a prevaricar
determinadas intervenções, indicando apenas o escopo/finalidade da
decisão a adotar, mas sem vincular o órgão ou agente a uma obrigação
determinada. Ou seja, a lei estabelece uma hipótese, mas verificada esta,
deixa a fixação da consequência jurídica à decisão do órgão ou agente, que
faz um juízo de oportunidades ou conveniência.
Discricionariedade é diferente de arbitrariedade. A decisão está limitada
pelas finalidades e objetivos da norma. Ex: poder discricionário do diretor
de decidir se a falta foi suficientemente forte para considerar a falta
justificada.