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2021
Resumo
Este projeto de pesquisa reflete sobre relações entre imagens, poder e curadoria,
curador.
Exposições;
Introdução
Este projeto traz como objeto de pesquisa três exposições curadas por
curadoria como uma função na qual, como apresentada por BOONE (2010):
“o curador, em suas diversas funções, é também
diretor de museu/galeria, organizador de exposições,
arquivista, conservador, negociador (de arte), assessor de
imprensa, cúmplice de artista, enfim, múltiplos papéis que se
(con)fundem em um só.” (2010, p.160)
Ou seja, dentro da história da arte, o curador continua sendo figura que não apenas
arte. Buscamos entender como essa função dialoga com a própria antropologia,
como uma pesquisa feita pelos curadores ao longo de dois anos, em torno das
redor desse debate. Frutos desta pesquisa foram não apenas a exposição, mas
1
Chama-se partido curatorial uma linha de pensamento exposta pela equipe de curadores, e que
guia a narrativa proposta por uma exposição ou pela instituição de arte como um todo. Este conceito
é aprofundado na obra de Luiz Camillo Osorio (2015), ao analisar o partido curatorial do Museu
Nacional de Reina Sofia, em Madrid, aproximando as discussões entre crítica de arte e curadoria.
In. Osorio, Luiz Camillo. "Virada Curatorial: O Pôr-em-obra Da Exposição Como Poética Relacional."
Poiésis 16, no. 26 (2015).
“Local de produção por excelência, essas narrativas
apresentam respostas múltiplas e ambivalentes, frente a um
tipo de discurso que prima por se mostrar assertivo e
normativo. Os signos dessas histórias mestiças são também
descontínuos, por oposição a uma história positiva - apoiada
em datas e eventos previamente selecionados e cujo traçado
se pretende objetivo e evolutivo. No caso dos textos mestiços,
sexualidade, gênero, etnicidade, práticas violentas, raça,
diferenças culturais e mesmo históricas emergem de maneira
híbrida, incerta, deslocada.” (SCHWARCZ, 2015, p. 14)
explicitado por autores como FANON (1968) e TAUSSIG (1993), que questionam os
expostas, a fotógrafa Claudia Andujar, cujo trabalho foi objeto de diversas pesquisas
da antropologia visual3. Ao falar sobre sua série exposta, chamada “Marcados”4, ela
explicita: “A exposição e meu trabalho aqui fazem parte também da minha própria
2
“Essa política de estereótipos faz parte de um discurso colonial bastante disseminado, o qual, por
meio de livros, mapas, desenhos, pinturas, censos, jornais e propagandas vai criando um mundo
engessado enquanto representação, feito cartografia com lugar previamente delimitado e definido.
Quase como uma resposta a esse modelo construído e veiculado pelas metrópoles coloniais, essas
histórias mestiças aparecem como o outro lado do espelho, ou talvez como um outro espelho.”
SCHWARCZ, Lilia. “Histórias mestiças são histórias de fronteiras”, 2016.
3
Vale destacar, inclusive, que a fotógrafa Claudia Andujar teve um espaço exclusivo para a
exposição virtual "A luta Yanomami", na 32.ª Reunião Brasileira de Antropologia (2020). Disponível
em: “https://www.32rba.abant.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=555”. Acesso em: [07/09/2021]
4
Trata-se de um trabalho realizado por Claudia Andujar em 1974, durante a construção de rodovias
na região Norte do país. A fotógrafa acompanhava médicos em missão de socorro e passou a tirar
retratos dos indígenas Yanomamis, na época atingidos por doenças até então inexistentes em seu
território e que vieram com a chegada e contato com outras comunidades durante a construção das
rodovias.
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Entrevista disponível na integra em:
“https://www.youtube.com/watch?v=182Fzcrj_Gc&t=228s&ab_channel=InstitutoTomieOhtake”.
[Acesso em 03/09/2021]
antropologia e a curadoria, atuando como mediadora de relações entre imagens,
vivências e saberes. Nos atemos a este ponto para levantar algumas questões:
Primeiro, em relação a uma das funções possíveis do curador, como é trazida por
imagens. Elas são, portanto, sintomas de uma memória cultural. A maneira em que
pode dar visibilidade a maiores sintomas dessas memórias. É o que Warburg vai
Como trazido por Schwarcz: “As imagens existem em contexto, mas também em
Deste modo, como a montagem de uma exposição pode ser lida enquanto resultado
6
Didi-Huberman, Georges. A imagem sobrevivente. Contraponto Editora, 2013.
Como o próprio nome deixa claro, a exposição “Histórias da Sexualidade” trabalha
questões raciais. A exposição contava com mais de 300 obras e estava dividida
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) pelo artista visual e performer
diversas vezes tensionada por parte de seu público. A despeito da longa pesquisa
exposição de “nus”9.
7
Performance realizada no MAM-SP dentro do contexto de exposições sobre o trabalho de Lygia
Clark. Rodeada de espetacularizações e polêmicas, a performance, que consistia em interações
entre corpo, e as esculturas da série “Bichos” de Lygia Clark, acabou com acusações de pedofilia e
ataques a instituições culturais por grupos conservadores; O artista Wagner Schwartz deixava seu
corpo nu, a mostra, passível de interações do público.
8
“Mostra do MASP supõe que qualquer nu se liga ao sexo”. Artigo de Jorge Coli para a Folha de São
Paulo. Disponível em:
“https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jorge-coli/2017/11/1934458-mostra-do-masp-sobre-sexualidad
e-supoe-que-qualquer-nu-liga-se-ao-sexo.shtml”. Acesso em: 03/09/2021
9
“MASP trata sexualidade como pornografia em mostra superficial”. Artigo de Fabio Cypriano para a
Folha de São Paulo. Disponível em:
“https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/10/1931477-masp-trata-sexualidade-como-pornografia-
em-mostra-superficial.shtml”. Acesso em 03/09/2021.
que acolhe “pornografias” e “nudezes” diversas. Histórias, multiplicidades, discursos
desatar alguns nós deste entrave; poderia caber à antropologia dar sentido a
pensamento, e que acessar essas imagens é também acessar uma grafia, uma
visual da mesma maneira que buscamos fazer com o pensamento científico dentro
obras ao público, não estamos mais uma vez reforçando as narrativas hegemônicas
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Dentro desse aspecto, procuro analisar não apenas a função da curadoria e suas implicações
dentro do campo da arte e da antropologia, como também a relação de gênero e raça embutidas nas
imagens que “consumimos” atualmente. Procurarei trabalhar a partir de um enquadramento
teórico-metodológico alimentado pelo campo de estudos de gênero, em especial os debates sobre
marcadores sociais da diferença, categorias de diferenciação (PISCITELLI, p. 265, 2008) - numa
aposta de que para refletir sobre este tema, algumas reflexões não podem ser deixadas de lado,
como as de McClintock (2010) que trata das articulações entre gênero e raça também a partir de
imagens estáticas. É também importante levar em consideração os estudos clássicos de gênero.
Neste projeto, será fundamental o trabalho de Butler (1988), que, banhada pelos estudos
Foucaultianos, apresenta uma teoria que fricciona relações de poder em relação ao gênero e
também ao sexo.
A importância de um diálogo entre curadoria e antropologia se intersecciona
dentro deste paradigma. Apesar destas duas exposições do MASP possuírem uma
as funções em uníssono.
origens, uma vez que há um esforço por parte da antropologia em nomear sujeitos,
Entretanto, entre estes dois campos existem também poderosos diálogos, sobretudo
foi possível observar nas exposições curadas por Lilia Schwarcz. Parto da ideia de
curadoria tal como é proposta por OBRIST (p. 10, 2010) e por GELL (p. 5, 2009), ou
seja, um trabalho de pesquisa e seleção que caminha pela história da arte, pela
Partindo, assim, desta perspectiva, podemos afirmar que uma antropologia da arte
gerados por essa produção artística. (CESARINO, GELL, 2009). Podemos, portanto,
público?
Retornaremos agora à função do curador para entendermos, para além das
torno do que é se definir como curador de arte. Dentro do campo antropológico, uma
dado que este tem o poder de ressaltar, selecionar ou apagar relações quando se
antropologia, mas talvez não para quem o faz. Selecionar uma obra e expô-la ao
antropologia nos apresenta provocações de que o que faz algo tornar-se ou não arte
não é apenas a palavra de um curador, mas toda uma estrutura relacional de poder
Deste modo, é interessante pensar numa figura que tem a função de expor ou
imagens de modo que possam contar histórias, não apenas contar, mas expor
nossas relações com estes saberes, como eles se criam, como fazem parte da
nossa vida social. Se as imagens são criadas e recriadas pela nossa cultura, é
importante que estejamos atentos à figura do curador e como ela pode, em sua
função de organizar e expor essas imagens, manusear uma narrativa. É curioso que
brasileira dos últimos anos, um “boom” da arte chamada identitária, conforme vimos
feridas históricas em relação à categorias como gênero, raça e classe social. Existe
uma exaltação à insurgências sociais, como nas exposições sobre as histórias, que
em outras instituições de arte da cidade de São Paulo em: “Agora somos todxs
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Segundo dados coletados pelo coletivo “ArtePraQuêm?”, mais de 80% dos cargos de tomada de
decisão em museus e instituições culturais da cidade de São Paulo são ocupados por homens. A
exceção da Associação Cultural VideoBrasil, em que homens ocupam apenas 23% dos cargos de
responsabilidade. Disponível em: ”http://https://www.instagram.com/artepraquem/.”
[Acesso em: 03/09/2021]
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Entende-se que para traçar um histórico entre antropologia e curadoria com precisão, é obrigatório
passar pelas discussões em torno de museus etnográficos e exposições coloniais; discussão essa
que aprofundarei durante o processo de pesquisa, uma vez que neste projeto estarei focada na
apresentação de exposições recentes, levantando os diálogos e as problemáticas na relação
antropologia e curadoria.
negrx?” (VIDEOBRASIL)13, “MitoMotiM” (VIDEOBRASIL)14, “À Nordeste”
seleção.
posição que já foi revisitada e repensada pelas artes e pela própria antropologia.
das funções é dizer o que é não uma obra de arte? De mesmo modo, se na arte
sexualidades e raça estão em ascensão, por que o papel de selecionar estas obras
e escrever sobre elas ainda é ocupado, em sua maioria, por homens brancos?
13
Texto curatorial disponível em:
“http://site.videobrasil.org.br/exposicoes/galpaovb/agorasomostodxsnegrxs/”
[Acesso em: 07/09/2021]
14
Texto curatorial disponível em: “http://site.videobrasil.org.br/exposicoes/galpaovb/mitomotim/.”
[Acesso em: 07/09/2021]
15
Catálogo disponível em: “https://issuu.com/sescsp/docs/catalogo_a_nordeste_sem_cicero”.
[Acesso em: 07/09/2021)
considera curadora16, mas considerando que ela já é, já faz parte de uma grande
instituição como o MASP e já se encontra numa posição de poder, por que não?
Seria justamente esse medo de assumir uma herança histórica17 composta por
projeto, trago, por fim, a exposição “(In)visible: The Spiritual World of Taiwan through
Múltiplos saberes representados por obras de arte de diversos suportes, que vão de
16
Lilia Schwarcz, quando questionada sobre seu trabalho com curadoria por Amanda Carneiro
(também curadora), respondeu: “A pergunta é boa, mas não sei exatamente a resposta porque não
me entendo como uma curadora. Não por acaso, meu título aqui no MASP é “curadora-adjunta de
histórias”. Em: “Entre o vísível e o não-dito, uma conversa sobre curadoria com Lilia Schwarcz”
MASP, Afterall, 2019.
17
Trataremos dessa questão de uma herança histórica pós-colonial utilizando-se de autores como
McClintock (2010), Fanon (1968), Taussig (1993) e Gluckman (1975;2010). Estes desdobram suas
teorias sob os vestígios de um pensamento colonial permeado até os dias atuais.
18
Said, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Editora Companhia das
Letras, 2007.
etnográficas no campo da antropologia visual. Este é talvez um resultado possível
Como trazido por KOFES (p. 19, 2020), as imagens são formas de
uma agência dos objetos e das imagens. Estabelecer diálogos entre a antropologia
exposições19.
Justificativa
uma antropologia da arte, como é encaminhada por Etienne Samain, Alfred Gell,
Tim Ingold e Hans Belting. Estes autores serão constantemente mobilizados para
19
Como vistos nos trabalhos de RUSSI, Adriana e ABREU, Regina. “Museologia colaborativa”:
diferentes processos nas relações entre antropólogos, coleções etnográficas e povos indígenas.
Horizontes Antropológicos [online]. 2019, v. 25, n. 53, pp. 17-46. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0104-71832019000100002>. [Acesso em: 7/09/2021]
E também SILVEIRA, QUEIROZ Ramiro. “Projetos, faccionalismo e curadoria xamânica: museu feito
por ticunas”. Disponível em: “http://hdl.handle.net/1843/BUOS-AQKQTV”. [Acesso em 03/09/21]
feitas por antropólogos, artistas visuais, curadores e pesquisadores da arte. Como
com imagens e grafias; visto que o desenvolvimento deste projeto como uma
Outro fator é a ampliação do debate sobre curadoria para além do campo das
artes visuais, onde atualmente se situa sua maior parte. Entende-se que a curadoria
situa-se como norteador de seu campo. Ao mesmo tempo, o curador tem papel
mediador destas instituições e das obras. Neste sentido, portanto, podemos afirmar
quem as expõe pode ser emblemático para ampliarmos as discussões feitas dentro
seleções e exposições.
Considero, portanto, que uma pesquisa voltada para a relação entre curadoria e
do papel do curador, possa contribuir tanto para as reflexões que já estão em curso
curso.
Objetivos
nas noções de grafia trazidas nas seções anteriores, sintetizando uma proposta de
podem ser ocupados por essa exposição, como o GAIA, a Casa do Lago ou o
BISHOP, Claire. What is a Curator?. IDEA arts+ society, v. 26, p. 12-21, 2007.
FOSTER, Hal. O artista enquanto etnógrafo. Trad.: Alexandre Sá, revisão: Angela
Prada, 1996.