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GRANDES LEITURAS FF ei 8 (aaa OolMm 2 4 ea 1: aes 8 Casos Extraordindrios Meru ie ea SE 5 a prey eres FB Speer = | Arthur Conan Doyle Eanes ener rey “ SN eR nes iy Pie rete FI ee Ce Oe eed pees 0 liamante azul comega com Purest Etc eed eee Co MARCIA ‘KUPSTAS ‘acompanhe o método de FA Peet ed a personagem extraordinitio.” fe] ee o erent OT O pai dos detetives carer emer) Apresentasio| gee atancra xurstas| boentepmgton, Sept, Poe QUAL & a primeira ideia que vem 4 cabega se alguém The| mueaes pedir a descrisio de um detetive? Aposto que seu recrato ‘eet piel Oates inicial ¢ 0 de um homem alto ¢ magto, usando chapéu de De tonuae feltro, com um cachimbo na boca, as mios segurando uma noes in pe be lente de aumento diante dos olhos, investigando as pistas.. ae Jasabe quem € ele? a Dez entre dex pessoas responderiam que & Sherlock Holmes, meu caro Watson. Meso quem nunca lew win lic ‘ro com o personagem inventado pelo britinico sir Arthur| Conan Doyle (1859-1930) certamente se lembrari dle por causa da imagem popularizada em filmes, pegas de tea- tro, parédias, desenhos animados, anedotas ou romances ae RE ta IE oy esctitos por outros escritores "(eae Rese bt Be © sucesso do detetive Sherlock Holmes foi to imenso_ ce « imediato em sua época, que nos surpeeende até hoje. Um sip atop tuorpahonati tad Sn er sucesso que nio se limitou ao final do século XIX ¢ inicio it tase cdo XX, mas permanece atual, multiplicando-se em fis que | rebgnk stot ‘continuam se organizando em associacdes ¢ clubes sherlo- | gate nn Sg Ma in Raa cckeanos, gente que actedita de tal modo na existéncia real eto de Sherlock, que envia milhares de cartas, anualmente, a0 dn cites cenderego da rua Baker, 2218, em Londres, ro Por qué? Qual o fascinio de um personagem que possuia’ ‘rie Uaeocepo Os ‘uma [6gica e dedugio fantasticas na solug3o de crimes, mas. era um home solitirio e até um tanto ranzinza e mal-edo- cado no trato com seus semelhantes? “Talvez umas das explicagdes para o sucesso de Holmes é ‘como stas histérias foram narradas: dos 56 contos e 4 no- velas que Arthur Conan Doyle esereveu com 0 personagem, [a maior parte foi contada pelo doutor Watson, companhei- ro do detetive, Watson é um homem comum, médico sem grande sucesso, que se entusiasmava com o brilhantismo da mente superior de Holmes e de como ele usavacletalhes mi- rnimos para solucionar 08 casos. O leitor vé-se assim agindo como tum cimplice do narrador, também surpreso e espan- tado com as sutilezas ¢ manias do personagem. ‘Conan Deyle exiou Sherlock Holmes como personificagio do detetive que usa de légica ¢ de métodos cientificos para resolver crimes, mas antes dele outres autores também procura- ram solusdes semelhantes. Doyle colocout na boca do. priprio Holmes 2 citagio do personagem Dupin, de Exgar Allan Poe (1809-1849), que certamente 0 inspiou. O mécodo de Sherlock inspirow indimeros escritozes em todo 0 mundo. Talver um dos mais famosos seja Hercule Poirot, personagem criado pela também britinica Agatha Christie. No Brasil, Sherlock se fez presente pelas mios do, cscritor ¢ apresentador de televisio J6 Soares, que descre- ‘eu, no romance O Xargé de Baber Senet (1995), uma estra- nha visita do personagem a terras brasileras, envolvenco-se com crimes misteriosos e se deixandlo seduzir pela malicia de uma bela mulata. Coisa dos tropicos. Este volume reine quatro comtos em que Sherlock de- rmonstra seus mécodos. Em A fie amar, Watson descreve um caso que acontecen quando ele e Sheddock dividiam os apo- sentos da rua Baker e atenderam wm. homer com estranhas dlividas sobre sua esposa. E um caso de excegio, em que Sherlock se mostra brilhante como sempre, mas 0 destino pega pecas até no mais astuto dos detetives... O ninal Musgrave apresenta-nos 0 pr6prio Sherlock con- tando para seu amigo Watson um dos primeiros casos te- solvidos por ele, quando ainda no dividiam o aluguel da rua Baker. E uma historia sombria, envolvendo um mapa do tesouro ¢ estranhos desaparecimentos A Liga dos Cabeas-Vermelbs € O diamante azul sto hist6 rias narradas por Watson, quando ele ji estava casado ¢ via Sherlock mais raramente, mas mesmo assim se envolvia na solusio de mistéios. O primeiro caso trata de uma cariosa corganizagio, que contratava apenas homens ruivos. O dla ‘ante azul comesa com um ganso roubado e termina com. bom, é preciso le para saborear essa estranha forma de pra- ticar um roubo, ‘So histérias condensadas e de fcilleicura, permitindo ue 0 jovem leitor de hoje acompanhe 0 método de Holmes Co fascinio desse personagem extraordinirio, que certamen- ce ficard na memiéria dos seres humanos pelos séeulos afora. Boa leitura! a Sumario (© pai dos dteives (Apresenragio) Nai Rope A face amarela © ritual Musgrave ‘A Liga dos Cabegas-Vermethas O diamante azul Piso & prmeitaleicura Mart Kats (Quem foi Arthur Conan Doyle nna dupla genial (Bate-papo pores) taeda deter Z 4s » A face amarela S LEITORES bem sabem que eu, de. ‘Wtson, relate dezenas de casos solicio- sados pela intelignciae logica de mest amigo Sherlod Holmes. Sabem também _que foram poucas as vezes que tegistrei Jnsucessos em sua brilhance carta, Confesso que no escondo as derrotas. A verdade & que as vitérias de Sherlock foram constantes. sempre que cle se de~ dlicou a escaecer mistfrios ou crimes que pareciam impossi- ‘eis de resolver pela maior parte da humanidade; mas também amargou, nesses tantos anos em que convo com ele; alguns equivoces. SHERLOCK HOLMES Eo que ocorreu nesse e280 que denominei A face amar Tudo comesou quando surgia um homem em nosso esctitétio da rua Baker, 221B, Entrou sem bater a porta, Estava bem vestido e tinha um chapéu A mao, Parecia bas- tante nervoso, Eu Ihe daria uns trinta e poucos anos. — Pegorlhes clesculpas, cavalheiros ~ disse ele, um tanto cembaragado, ~ Devia ter batido. Mas 6 fato é que estou sem dormir diteito hi algumas noites €~ Peso 1h a + dag 20 6 Dic ie ‘ais caiu sobre ele do que sentou, = Algumas noites sem dormir cansam mais os necyos do que 0 trabalho... disse Holmes, com um jeito de intimida- dle gue sempre coloea & vontade as pegsoas que o procuram. —Em 0 ajudi-lo? Guero o seu constho,seahor. Nao seo gue fazer ‘Toda a minha vida parece que esti afundando, =O senhor quer me contratar como detetive? — Niio é bem isso. Quero a sua opinizo porque sei que 9 senhor € wm homem especial, que desvenda mistérios € conhece a alma humana, Preciso de um conselho. Até pars saber 0 que devo fazer depois (© homem falava pausacamente, mas o tom de sua voz mostrava que seu assunto era doloroso. Continuo depois, com 0 resto ruborizado: tudo tio estranho, tio delicado. B horrivel discutir ‘© comportamento da esposa com dois homens que munca se vit antes! Mas estou no fim das minhas forgas © preciso deconselho. = Meu caro st; Grant Munro. Holmes. Nosso wisitante saltou do sof = comesou Sherlock A FACE AMARELA —O qutt —gritou ele. — 0 senhor sabe o meu nome? Se o senhior pretende permanecer ineégnito — disse Hols trends “agi eur dae de exctevetio nome no forvo do chapéu. E também que nlo vite o interior do chapéu para aqueles com quem esti falandom Holmes sentou-se no outro sofi e pegou 0 cachimbo, Acendeu-o calmamente, enquanto continuavaz ~ Gostaria também de Ihe dizer que cu ¢ meu amigo ji ‘ouvimos muitos segredos nesta sala, €a sorte nos sorriu, de modo a tazer paz para muitas almas angustiadas. Espero ‘que possamos fazer 6 mesmo pelo senhot. © assim descoberco st. Munro passou a mio pela testa di- vyersas vezes, como se os pensamentos Ihe fervessern dentro da cabega. Imagine: que ele sera um homem reservado © orgulho= 50, do tipo que prefére escondlr suas feridas a exp6-Las. Mas, rum gesto sibito, esmurrou a mio que segurava o chapéu, como quem nada mais tem a perce, e comesou a falar: = Os fatos sio estes, st. Holmes. Sou casado hi tes anos. Durante esse tempo eu e minha esposa vivemos bem, ama ‘mos um ao outro € nunca tivemes sequer wma discussio. ‘Agora, desde a iltima segunds-feira, enguew-se uma barreira entre n6s. Descobri que hat alguma coisa na sua vida e nos seus pensamentos que ew nio conheso, como se Effie fosse uma mulher estranha, uma desconhecid com quem eu exu- zasse pelas twas. Queto saber por que, Antes de continuar, st. Holmes, quero deixar bem claro uma coiss: Effie me ama, Nio tenho dlividas a esse respeito. Bu sinto isso, Mas agora surg esse segredo jamais serei 0 ‘mesmo com ela, enquanto nio esclarecer tudo, ~ Por favor, st. Munro, procure me apresentar os fatos = disse Sherlock, um tanto impaciente, or] SHERLOCK HOLMES Nosso cliente respirou profundamente e procurou ser mais objetivo: Eu lhe dire’ o que conhego da histéria de Effie. Era vid +a, quando a encontrei pela primeira ve2, embora muito jo- vem. Tinha apenas 22 anos. Chamaya-se entio sra. Hebron. Foi para a América quando crianga, morou em Atlanta’, onde se casou com Hebron, um advogado de grande clien- tela. Tiveram uma filha. Mas aconteceu uma terrivel epi- demia de febre amarelae tanto © marido como a menina adoecetam. Via certidio de Sbito do marido, Essa desgraga abalou a pobre Effie a tal ponto, que ez voltou d Inglaterra, para morar com uma tia solteira em Londres. Nao se mu- dou para ci por necessidade, sr. Holmes, o marido a deixou ‘muito bem de dinheiro. Ela possuia um capital de 4.500 libras, Bu também nio sou trabalho com cereais € ganho em torno de 800 libras anuais. Na ocasiao de nosso casamento, eu ¢ Bifie resolvemos alugar uma casa no campo, em Norbury. FE um lugar muito bonito, mas afastado da cidade. Na verdade, entre nossa fazendinha ¢ a estagio de trem s6 existe uma easa no caminho, um pequeno chalé de- sabitado, No mew trabalho, preciso viajar durante algumas estaydes do ano, mas praticamente todo 0 verao posso ficar cm casa. Minha esposa¢ cu fomos realmente felizes durante cesses ts anos. Nosso visitante fez nova pausa, como se outta dtivida surgisse em sua mente, Holmes, envolto pela fumaya de seu cachimbo, no tirava 0s olhos del. — Antes de continuar, gostaria de escarecer outro ponto. Quando nos casamos, minha esposa passou thdos os seus ‘or Capt do Gog, Eur Uno. AFACE AMARELA e bens para o meu nome, mesmo eu sendo contra isso. Hi ‘mais ou menos um més e meio cla me disse: — Jack, quando vocé ficou com meus bens, disse que, se eu precisasse de alguma coisa era x6 pedir. = Clato — eu falei~, 0 dinheiro é todo seu. Ela me pedi entao 100 libras. Confesso que me assustei con oli po magi a el ee spent i teabea mined cutoaie Para qutl~ pegs say = Ora, nio pense: que voc® me fizesse inta, Eu per ete dinhito 96s all = Ennio me dirk para qué? aidan agora, Jack, Pois bem, senhores; no insisti mais. Confesso que era tum primeiro segredo entre nés, mas deislhe um cheque e pensei no assunto, Pode ser que isso nad tenha a ver com 9s fatos que contarei a seguir, mas. ~Asvezes; st. Munro, um detalhe simples revela mais mis- késios do que se supe — completou Holmes. ~ Continue. = Eu the disse como nossa fazendinha era afastada da cidade e mencionei um chalé desocupado, Na verdade, ele agora nio est mais vazio. Na tiltima segunda-feta, passei pelo chalé durante meu psseio matinal e vi sinais de ocupagio na casa. Movido pela curiosidade, olhei para as janelas superiores do chalé e Senhores, nto posso explicar a cerivel sensagdo que me bateu, o fro que senti gelar a espinha, ao ver aquela figura, Estava um tanto distante, no podia captar direito a feigzo, ‘mas, Deus me perdoe!, aquilo nao parecia human. Nao a] «0 HOLMES saberia dizer se era de homem ou mulher, Era uma face lisa, amarelada, quase brilhance. Fiquei Go transtornado, que te- solvi conhecer mais sobre os inquilinos do chalé. ‘Mal me aproximei da casa, 0 rosto desapareceu da janela Bati 8 porta e surgity uma mulher magra, com jeito de em- pregada, Tinha um forte soraque do norte da Inglaterra. que quet? — disse a mulher, om cara enfezada out set viinho. Moro ali ~ disse, indicando minha jo que a senhora se mudou faz. pouco tempo Se precisar de alguma coisa, estamos ds ordens. Esta bem, chamaremos quando precisarmos ~ disse a smuther, batendo a porta. Claro que fiquei aborrecido com a grosseria ¢ tentei nao pensar a respeito, Mas aquele rosto terrivel no saia da mi- tha cabega. A noite, antes de deitar, mencionei para Effie ‘que 0 chalé estava ocupado. Como ela & um pouco impres- ssonivel, nada conte! sobre @ rosto pavoroso ou 0 fato de ter conversado com a empregada mal-educada. ‘© st, Muno fez mais uma longa pausa. Perdeu-se ainda «mses pensamentos, mas nem ear nem Holmes nada disse- ‘mos que 0 impedisse cle continuar a confidéncia: = Tenho um sono de pedea, senhores. Minha familia costumava brincat, dizende que nem uma bomba me acor- aria, Pois bem: nto sei que estranho acaso me despertou naquela noite, Meio dormindo, meio acordado, percebi que rninha esposa tinha se levantado da cama e estava se tr0- cando, Pensei em dizer alguma coisa, mas vi a expressio de scu rosto,iluminado por uma vela. Fo que vi, senhores, me abalou mais que tudo! Effie estava palida, com uma expres sio de criminosa, enquanto ajeitava a capa e reparava se eu ainda dormia. AEACE AMARELA Ouvi quando ela saiu, desceu as escadas ¢ destrancou a porta da frente. Confirmei o heritio no relogio de eabecei- ta: eram trés horas da manh. Que diabo minha mulher ia fazer Aquela hora da madrugada? Fiquei sentado na cama, aturdido, tentando organizar mews pesaments. Mcia hora depois, ouvios pastor dea = Onde voct foi, Effie? — perguntei, quando ela entrou. Ela evou um susto violento e de tama espécie de grito abafado,e isso tne desespero anda mais aque gio de ‘nunciava a sua culpa, = Jack! Voct, acordado! Eu pensava que nada pudesse acordé-lo, ~ Onde esteve? ~ perguntei com mais rigor. —Nio me espanta que voeé tenha aconiado ~ ela se desfez cla capa, mas reparei nos dedos txémulos e na vor que tentava ser jovial. ~ Mas me ocorrea hoje algo que jamais aconteceu na Vida. acorei de tal manera suada eiritada, imagine’ que nunea voltria a dormir! Precise ai para tomar um pouco de at, $b isso, ek. Lim passeio 3 az do lune, Durance © tempo em que narrou essa historia sem pé nem cabeca, Effie no me olhou no resto, Clato que percebi ‘que mentia. O que ela estaria escondendo de mim? Effie meteu-se na cama e fingiu dormir. Mas creio que {foi uma noite insone para ambos. Eu me revirava entre 03 leng6is, entando explicar seu comportamento, tomado das ‘mais fantisticas teorias Na manha seguinte nosso café da manha foi dos mais ten sos desde que nos casamos. Mal trocamos algumas palaveas ¢ eu sai, Deveria ira cidade auidar de negécios, mas estava tio transtornado, que fui apenas a uma vila vizinha conferir uns documentos. Por volta de uma da tarde estava na estrada de «as, passando dance do chalérecém-habitado. que surpresa, st. Holmes, a0 ver minha esposa sain- clo dalt Fiquei mudo de espanto. Mas minha emosio no era nad, se comparada ao terror que vi no rosto de Effie, ‘quando me encontrou. Tentou voltar ao chalé, desist. ~ Oh Jack! — disse ela, — Resole fazer uma vsiinha a ‘nossos vizinhos, para verse precisavam de alguma coisa Por ‘que me olha assim? Esta zangado comigo? ~ Estou cu respondi. ~E esse o lugar onde esteve on ~O que voct quer dizer? ~ Voct vio agui,eswu certo disso. Que pessoas si essas ine a isto casei ~ Nunca estive agui antes. ~ Fic, como tem coragem de negar © que & uma dara rmentia? ~ grice.— Até sua voz muda, quando voce mente. ‘Vamos entrar agora mesmo e resolver esse mistério, ~ Nio, Jack! — Effie implorou, os olhos cheios de lige ‘mas, ~ Imploro que nio faga iss, Jack. Prometo que nio voltarei mais agut. Jaro que um diz the dei tudo. Conf em mim 36 desta ver, nunca terd-motivos para se arrepen- des. Se voctforgar a entrada nessechalé estari tudo acaba- do entre nds [Effie pegou em meu brago e aceite! acompanhila, mas ia artasado, sem saber no que pensar. E ao olhar para tris, vi | na janela do chalé aquele mesmo rosto medonho, builhante | famtasmagorico, ‘© st. Munro tinha uma expressdo tertivel no har, como S¢ a visio ainda 0 perturbasse. Holmes ofereceu a0 nos- so visitante uma bebida e um charuto, mas 0 desamparado A FACE AMARELA, narrador preferiu prosseguir no seu telato, falando com ‘mais pressa ¢ nervosismo. = Sr. Holmes, fiquei os dois dias seguintes em casa e Effie ndo trai sua promessa. No terceito dia, porém, tive a certeza de que ela retornou a0 chal, Meus negocios me Ievaram 4 cidade naquele dia, mas voltei no trem das 2h40, em vez do trem das 3h36, como de costume. Ao entrar em casa, a criada correu para o ball, assustada = Onde estéa patroa? — pergunt ~ Acho que foi dar um passeio— respondeu cla Meu corasio encheu-se de suspeitas, Subi as escadas, pata confirmar se Effie estava em casa ¢ pelajarela pude ver ‘ ctiada correndo pelo campo em diresio ao chalé. Imaginei que minha esposa pedira para a empregada avisi-la de mew Jurei descobrit 0 segredo ¢ sai disparado até 0 chalé ‘Nem batid porta, entreidireto na casa. Nao havia ninguém, Encontrei wn gato dormindo no sof’, méveis simples pelas salas, Subi a0 quarto onde tinha visto a criatura de rosto amatelo € parei diante da eOmoda, sem flego: sobre ela, estava uma foto de Effie, que eu mandara ampliar hi uns Por quanto tempo, senhores, fiquet ali naquele quarto vazio, perdido em ideias sombrias,olhando o retrato de mi- sha esposa? Por longos minutos...e quando retornei 4 casa, Effie me esperava no hall. = Jack, disse ela, sei que prometi nto voltar ao chalé quebrei a promessa, Mas se vocé sonbesse das circunstén- cias, sem diivida alguma me perdoaria, —Entio me conte ~ex fale. JERLOCK HOLMES = Nio posso, Jack! ~ ela gritou Basel nara quem mora mee alc 1c asua foto esta Ii, nfo pode existica menor confian- rene abet dine, kind de cas ‘sso aconteceu ontem, st. Holmes, € no a vi mai sei o que pode ter acontecido, Dormi numa estalagem & hhoje de mana tive a ideia de procuri+lo, para me ajudar a desvendar 0 mistério. E por isso que estou aqui, senlhores,€ sme coloco em suas mos. Holmes eeu ouvimos a extraordiniria narrativa do homer, feita 08 trancos, revelando sua profunda emoyao. Silencio pe sado na sala da rua Baker: Meu amigo fixava 0 olhar agudo no rmosto do st, Munro. Afinal, o detetve perguntou: =O senhor tem certeza de que’0 rosto na janela era de homem? = Nio, st. Holmes, Sempre 0 via distancia ¢ ele me pa- rece ireal, com feisio indefinida Nova pergunta = Hi quanto tempo a sua senhora the pedi as 100 lie brat = Gerea de dois meses. = Jv o secrato de seu primeiro matido? = Nio. Hlouve um geande incéndio em Atlanta depois de sua morte e os papéis dele foram todos destruidos, = No entanto, 0 senhor vit a certidio de Sbito. = Ji encontrow alguém que conhecesse sua esposa ma América? = Nunca. — Bla algum dia falou que gostaria de voltar para Adanta? Recebe eartas de 1? ~Também ni, st Holmes. Nunca revelou saudades da ter- 4 onde motreu o marido nem recebe cartas, que eu saiba. —Pois bem ~ concluit meu amigo, erguendo-se como se eencertasse 0 caso por aquele momento, — Precso pensar um ppouco mais. Se os inquilinos retornarem ao chalé, nio force sua entrada na casa. Mande-me imediatamente um telegra- me egasto tem para Norbury ecco que tesoleremos tudo. Dizendo isso, Holmes despediv-se do desventurado st Grant Munro, =O que vot acha, Watson? ~ perguntou meu amigo, «quando ficamos a sés. ~ Acho que tudo isso cheira mal — falei com franqueza. ~ Sim. Acredito que hé-uma chantagem nessa historia, —E quem seria o chantagista? ~ perguntei. — Deve ser esse individao que mora no chalé e tem a foto da esposa de Munro. Ram aguma ieee Holmest vesse no chalé. lola ens = Por que pensa assim? Eniio tive 0 prazer de acompanhar a atitude tio arro- gante como atraente na natureza declutiva de meu amigo Sherlock: ele vagarosamente acendew o cachimbo e, enquan- to a famaga fazia volteios no ar, foi desfilando su colesio de hiporeses: ~ Elementar, meu caro Watson: essa mulher se casou na América. Seu esposo deve ter contraido una doenga terrvel, ficou leproso ou imbecl, por exemplo. El fugiu e volts para a Inglaterra, mudou de nome e comegou nova vida, Casada Bul SHERLOCK HOLMES bhi és anos, sentiase segura, Afinal, havia mostrado a0 atual rmarido uma certidio de 6bito de algum infeliz. qualquer € le- ‘ava uma vida tranguila. Repentinamente, foi descoberta pelo primeiro mario, ou, podemos supos, por um mulher imocal eee a ddemanci ‘0s fnimos,asra. eas ean Mba Scape Mecincin 0 € quiseram dar o golpe mais de perto. Quando o st. Se ee ali estavam seus lors. Foi ao chalé de oteee para convencé-los a deixé-la em paz. Nio teve éxito e tentoxt novamente no dia seguinte, sendo flagrada pelo marido. Prometew a0 st: Munro aio re- tornar 20 local, mas dois dias depois descumpriu a promes- sa, levando talvez a fotografia que cles exigiam. Informada pela criada clo retorno do st. Munro, a esposa se desfer do exmarido e sua cimplice por uma porta dos fundos e isso explica o fato de o chalé estar desabitado. Mas se nfo me engano, nosso cliente descobrir que nio ficou assim por muito tempo. © que acha da minha hipérese? — Siio apenas hipdteses, Sheclock — eu respondi, nao de toda convencido. = Pelo menos explica todos os fatos. Bem, vamos almo- gar. Nada podemos fazer até nosso amigo nos avisar que 5 inguilinos voltaram 20 chalé, 'Nio espcramos muito tempo. A hora do cha reecbemos um telograma de Munro: “O rosto foi visto outra vez jane. Vou esperi-los no trom das sete e nada fare! antes de chegarem”. © sr. Munro nos esperava na estagao. Reparci que seu rosto estava palido e ele parecia muito agitado, AFACE AMARELA ~ Ainda esté li, st. Holmes. Vi luzes no chalé enquanto Vinha busci-los. Quero esclarecer tudo isso hoje mesmo. Tem certeza disso, amigo? ~ falou Holmes, com tuma expresso de tristeza no olhar. —Mesmo com o aviso de sua esposa, de que nao deveria forsar uma resposta? ~ Sim. Estou resolvido, = O senhor esti no seu direto. Qualquer verdade é me~ Thor do que a divida eterna. Mas temo que o senhor acabe ‘topando com um tertivel engano... Mas se éa verdade o que dleseja, vamos a elal A noite estava muito escura e comegoua chover, Seguimos em silencio pela estrada, Além, avistavamese as luzes da pro- priedade dos Munro. E logo a seguir vimos o chalé Una lanterna estava acest a frente do sobrado. A por- {a nio estava totalmente fechada e uma janela no andar de ‘ima estava bastante iluminada, = Li esté a criatura! — gritou o sx. Munro, apontando para a janela, ~ Sigam-me, senhores, ¢ ejam minhas ceste- ‘unas. Mal nos aproximamos da porta, uma mulher saia da sombra e parou no full de entrada. Ela estendeu os bragos para a frente, mum gesto de piedade. = Pelo amor de Deus, Jack, nto entre! Eu pressentia que oct viria aqui nesta noite. Pense melhor, querido! Conte ‘em mim e nao se arrependers. — Ja confiei muito, Effie ~ gritou ele. — Vamos acabar com essa farsa! Sigam-mel A empregada surgit na sala, tentando batrar 0 caminho, ‘mas foi empurrada pelo alucinado st. Munto. Logo, todos subjamos apressados a escada e invadimos um quarto bem arrumado. a SHERLOCK HOLMES No canto, inelinado sobre uma carteira,estava um vulto arecia de uma menina. Bla virou o rosto quando entra- or eno segurei um grito de surpresa e horror: © resto aque se voltou para nds era de uma cor livida e estranha, os ‘rages vazios de expressio. Um instante depois, o mistério estava explicado. Holmes, com uma risada, passout a mio atris da orelha da erianga e retirou uma miscars de seu ros= to, apresentanclo-nos uma menina preta como carvio, com ddentes brancos a cintilar, divertida com nosso espanto. Meu alivio diante daguilo que parecia uma brincadeira exética me fer sort, Munro, porém, ficou imével, apestan~ do a garganta com a mo, — Meu Deus! — gritou ele. — © que significa iso? Bu Ihe ditei 0 que significa ~ disse a senhora, entran- do no quarto com uma determinagdo orgulhosa que nie possta & porta do chalé. Voce me forgow a dizer a verda- de contra minha decisio. Agora precisamos fazer 0 melhor possivel. Esta & minha filha. = Saa filhi2! — exclamou 0 matido. = Sim. Meu marido mortew em Atlanta, mas minha filha sobreviveu. ‘A mulher tirou do peito um medalhio © o abria. Voc? nunca 0 vie aberto, Jack. Aqui tema foro de meu primeiro marido. Vimos o retrato de um homem de aparéncia elegante & inteligente, com inconfundiveis ttasos afro-americanos, — Este é John Hebron = disse ela. = Homem de sua no- breza jamais existiu sobre a Tetra. Nunca me arrepend de ‘easar com ele. Sé que como acontece is vezes em tais casa- mentos, Lucy sait mais negra que o pai. Porém, negra on branca, é minha filhinha querida, © meu tesouro. A FACE AMARELA le Ao ouvir cssas doces palaveas, 2/menininha corre € se aninhou no colo da mie. Beijando os eabelos encarapinhadlos da fils, Effie continwou: = Deixei Lucy na América porque sua sade era muito fraca © uma mudanga poderia ser fatal, Ficow aos cuida- clos de uma fiel empregada escocesa, esta que mora aqui no chalé agora. Nunca pensei em repudiar minha filha, Jack. Mas quanclo 0 destino © colocou no meu caminho e perce- bi quanto o amava, tive medo de the contae sobre a minha filha, Deus me perdoe, mas tive medo de perder vocé e me faltou coragem para Ihe contar tudo. Tive de escolher entre vost ¢ ela e, na minha fraqueza, abandonei minha fillinha, Durante trés anos escondli Lucy de voce, Jack. Mesmo a dlistncia, porém, acompanhei a vida de minha filha, porque 8 riada me enviava eartas para uma caixa postal. Oh, Jack! AAs saudades de minha filha foram-se tornando insuports- seis. Apesar de conhecer o perigo, acreditei que poderia tra- ze Lucy para a Inglaterra por algumas semanas, Sua sade cstava boa e ela suportaria a viagem. Por isso pedi as 100 libras, Jack, para envid-las governanta. Na carta, também cxpliquei sobre este chalé. Se elas aparecessem. como vizi- sihas, poderia encontrar minha filha sem que voce descon- fiasse. Poi tao precavida que inventei a ideia da méscara, para evitar que algum mexeriqueiro visse 0 rosto negro de Lucy € comentasse por ai. Mas, para minha inflicidade, foi vocé quem a deseobriu primeit. Effie parou um instante de falar e seus olhos encheram-

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