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A VIOLÊNCIA DA NOTÍCIA NA GLOBALIZAÇÃO: AS AGÊNCIAS

TRANSNACIONAIS E O COMANDO DOS CÍRCULOS DE INFORMAÇÕES

André B. Pasti
AGB-Campinas
 pasti@cotuca.unicamp.br

INTRODUÇÃO

No atual período — da globalização — surgiu a possibilidade de perceber


instantaneamente os eventos do mundo, mas, ao mesmo tempo, foi reforçada a
importância da mediação das interpretações, realizada por grandes agentes da
comunicação global. Entre esses agentes, têm destaque as agências transnacionais de
notícias: Reuters, Associated Press e France-Presse. Qualquer análise sobre os fluxos
globais de notícias, tanto nos países centrais quanto nos países periféricos, deve levar
em conta essas agências (BOYD-BARRETT, 1980) — embora o papel delas esteja, em
geral, oculto para o público (BENAYAS, 2006). Elas são as principais intermediárias
entre os veículos de comunicação social e as fontes das notícias (MONTALBÁN, 1979).
Essas agências possuem redes próprias de correspondentes distribuídos em lugares
estratégicos no mundo e vendem informações para diversos agentes, em especial
veículos de imprensa. A partir de suas sedes, localizadas nos países do centro do sistema
capitalista, as agências transnacionais exercem um comando da circulação de notícias,
filtrando as informações de acordo com uma racionalidade e uma ideologia externa aos
países e pautando sua vida política e cotidiana.

Atualmente, está presente no senso comum a percepção de que há muitas


notícias circulando, muitos meios de comunicação e que, em decorrência desse fato, as
pessoas estariam mais e melhor “informadas”, sob diferentes perspectivas (PATERSON,

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2006). Todavia, o que se observa é uma ampliação da atuação de poucos agentes globais
nas mídias nacionais, com suas informações sendo reproduzidas nos diferentes meios de
comunicação nos lugares — acompanhando uma padronização do noticiário. O fato é
que, mesmo com o aparente “excesso” quantitativo de notícias circulando no território,
a informação sobre o que acontece passa pela mediação da imprensa, com uma
interpretação interessada dos acontecimentos. Essa interpretação é, ainda,
homogeneizada em função de grande parte das informações e imagens sobre o mundo
partirem dos mesmos agentes — com destaque às agências transnacionais.

Nesse sentido, esta pesquisa analisou as implicações desse comando da


informação noticiosa exercido pelas agências transnacionais de notícias para a
organização e os novos usos do território brasileiro. Investigamos o controle dos
círculos de notícias dominantes no Brasil por essas agências e as repercussões desse
controle à alienação do território brasileiro.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

A metodologia da pesquisa consistiu em (a) uma ampla pesquisa


bibliográfica; (b) levantamento de dados junto às agências transnacionais de notícias, a
associações setoriais de comunicação, empresas de comunicação e instituições públicas;
(c) acompanhamento sistemático de meios de comunicação brasileiros; e (d) trabalhos
de campo: entrevistas com jornalistas e visitas técnicas a escritórios brasileiros de
agências de notícias.

A pesquisa se organizou em quatro etapas:

(1) compreensão da informação e do território usado, por meio de uma


primeira aproximação do entendimento sobre a internalização da
categoria informação no pensamento geográfico e de interpretações dessa
variável a partir dos usos atuais do território, bem como status da

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informação na dinâmica atual da acumulação capitalista (MATTELART,
2006; GLEICK, 2011; DANTAS, 2012);

(2) análise da gênese e da formação das redes das agências transnacionais


de notícias e da configuração — técnica e política — das hierarquias
territoriais dos círculos de informação comandados pelas agências,
identificando três períodos principais, marcados por:

(a) a formação pretérita das agências, o telégrafo e a configuração


de hierarquias territoriais, de 1835 a 1945;

(b) a expansão das redes técnicas e os novos arranjos políticos das


agências, de 1945 a 1990;

(c) a globalização da informação e os círculos globais de notícias


baseados na internet, a partir de 1990;

(3) desdobramento do último período identificado, da globalização da


informação, discutindo as transformações dos círculos de informações
noticiosas e a pertinência dessas agências atualmente, os círculos ligados
à redistribuição das informações no território brasileiro e a reorganização
da rede urbana nacional, analisando os rebatimentos (e a produção) da
unicidade técnica e da convergência dos momentos (SANTOS, 2000)
para e em função das ações das agências;

(4) problematização geográfica e política do tema, buscando


compreender o agendamento das pautas (MCCOMBS; SHAW, 1972) no
território brasileiro pelas agências transnacionais de notícias e os
rebatimentos do controle da circulação de informação do território
nacional pelas agências para a alienação do território — considerando a
conformação de espaços nos quais parte das decisões que se referem aos
processos locais são estranhas ao lugar (SANTOS, 2000).

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Cada etapa da pesquisa resultou em um capítulo da dissertação de mestrado,
como consta em Pasti (2013).

A VIOLÊNCIA DA NOTÍCIA NO PERÍODO DA GLOBALIZAÇÃO — BREVES


CONSIDERAÇÕES

As novas redes técnicas, baseadas nas novas tecnologias da informação,


acompanharam uma reorganização nos círculos globais de notícias, destacando-se a
expansão da rede internet. Para Raffestin (1993, p. 201-202), “o ideal do poder é agir
em tempo real” — desse modo, a verdadeira fonte do poder deveria ser procurada mais
na circulação de informações do que na de bens materiais. A internet concretizou novas
possibilidades no que se refere à circulação global de informações, garantindo maior
velocidade aos fluxos e a instantaneidade global da notícia. As agências se adequaram a
esse novo período com uma nova organização — normativa, financeira e de ações —,
permanecendo influentes, mantendo as hierarquias territoriais ligadas aos círculos de
informações e comandando grande parte da circulação de notícias no mundo e no
território brasileiro. Conforme Aguiar e Rego (2009), “a manutenção do oligopólio das
agências mundiais confere às notícias divulgadas pelas agências um tal peso no interior
de cada redação brasileira, que elas se sobrepõem às notícias produzidas por fontes
próprias das publicações brasileiras”.

Daí a importância de resgatarmos a ideia de Santos (2000) de que há uma


violência da informação que marca o atual período, da globalização. Segundo o autor,
ao mesmo tempo que a informação é cada vez mais essencial para a vida cotidiana, a
forma como ela é oferecida para a humanidade, centralizada em poucos agentes —
sobretudo grandes empresas, agências e conglomerados — representa uma violência
central do período. No caso aqui estudado, é importante notar que os círculos de
informações noticiosas de maior alcance no território brasileiro são intensos
consumidores e reprodutores das informações das agências transnacionais de notícias.

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No território brasileiro, essa violência da informação foi tratada por
Ribeiro (1991, p. 47), que afirma que “podemos reconhecer, numa pluralidade de
processos sociais da atual fase da sociedade brasileira, o consenso alcançado em torno
do difuso, e ainda pouco esclarecido, poder exercido pelos processos modernos de
comunicação”. Essa violência da informação pode ser entendida, também, por meio
da desinformação que marca a circulação de notícias.

Conforme Nora (1976), a mídia tem o papel de mediar os acontecimentos,


podendo condicionar sua realização. Assim, problematizamos a repercussão dos eventos
e a definição da escala desses eventos por meio da mediação realizadas pelas agências
de notícias. A mediação dos aconteceres, dos feixes de eventos que se concretizam ou
não nos lugares e a definição da escala de resultado dos eventos por agentes externos ao
território, de modo centralizado e por poucas empresas de informação contribuem para a
configuração do território brasileiro como um território alienado.

Embora a globalização seja marcada pela intensificação dos fluxos globais,


com a chegada de informações externas a todo momento — ainda que de forma seletiva
no território usado — a mera presença dessas informações e ordens de fora não é o que
configura os espaços alienados, mas o “estranhamento” nos lugares quanto à lógica que
os organiza, a mudança, “de fora”, do sentido dos aconteceres, a predominância de uma
lógica exógena e imposta por poucos agentes hegemônicos do período.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Pedro; REGO, Rafael. Jornalismo de Agências x Internet: diálogos e


conflitos. In: VII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. São
Paulo: USP, 2009.

BENAYAS, Ignacio Muro. Globalización de la información y agencias de noticias:


entre el negocio y el interés general. Barcelona: Paidós, 2006.

5
BOYD-BARRETT, Oliver. The international news agencies. Londres/Beverly Hills:
Constable/SAGE, 1980.

DANTAS, Marcos. Trabalho com informação: valor, acumulação, apropriação nas redes
do capital. Rio de Janeiro: CFCH-UFRJ, 2012.

GLEICK, James. The information: a history, a theory, a flood. New York: Pantheon
Books, 2011.

MATTELART, Armand. História da sociedade da informação. São Paulo: Loyola,


2006.

MCCOMBS, Maxwell; SHAW, Donald L. The Agenda-Setting Function of Mass


Media. The public opinion quarterly. v. 36, n. 2, 1972.

MONTALBÁN, Manuel Vásquez. As Notícias e a Informação. Espanha: Editora Salvat,


1979.

NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História:
novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

PASTI, André. Notícias, Informação e Território: as agências transnacionais de notícias


e a circulação de informações no território brasileiro. Dissertação (Mestrado
em Geografia). UNICAMP. Campinas: Unicamp, 2013.

PATERSON, Chris. News Agency Dominance in International News on the Internet.


Papers in International and Global Communication. n. 01/06, mai, 2006.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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