Você está na página 1de 9

DA GOMA DE MANDIOCA A FÉCULA INDUSTRIALIZADA NO MUNICÍPIO DE

TEFÉ - AM

Débora Mota da silva


Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do
Amazonas; e-mail de contato: demotas@gmail.com
Profª. Dra. Paola Verri de Santana
Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do
Amazonas; e-mail de contato: pvsantana@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

A prática de produção da agricultara de mandioca é bem antiga no Brasil, e


como afirma Fausto (2000), os índios antes de Cabral já praticavam uma agricultura
itinerante baseada em mandioca. Na Amazônia a presença desta prática agrícola
também foi documentada em vários estudos da região:

Como nos tempos dos aborígines que os precederam, o elemento


principal da alimentação dos atuais habitantes da Amazônia brasileira é
a mandioca (ou cassava como às vezes é chamada). Essa raiz, hoje
difundida por toda a região tropical, na África e na Ásia, é nativa da
America. É uma planta forte e nutritiva que se adapta bem aos trópicos
e aos seus solos lixiviosos (WAGLEY, 1988, p. 84).

A mandioca é a cultura mais explorada no estado do amazonas e o consumo dos


derivados da mandioca como farinha, goma e os subprodutos da goma tapioca, beiju,
farinha de tapioca sempre esteve presente na alimentação da população amazonense e
esta é uma das fontes de energia e sobre este assunto contribui as palavras de Dufour e
Galvão:

Dufour (1983) mostrou que a mandioca contribui com 70% da energia


de uma população tucano na Colômbia, principalmente sob a forma de
farinha, “casabes” ou beijus (com uma média de 60 cm de diâmetro),
tapioca, mingaus, caxiri (bebida fermentada tradicional da região) e
tucupi (Galvão 1959, apud, MORÁN, 1990, p.176).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2012 no


estado do Amazonas a área plantada de mandioca foi de 95.399 hectares, com produção
de 926.297 toneladas, esta lavoura temporária é muito praticada pela população tanto
em terra firme como na várzea podendo ser colhida seis messes depois do plantio, mas
não é a regra, esse tubérculo pode ser deixado por mais tempo na terra e este fato não
compromete a sua qualidade:

A mandioca cresce muito lentamente: geralmente só amadurece


depois de um ano. Entretanto pode ser colhida depois de seis messes,
ainda verde, antes que os tubérculos acabem de crescer. Mas depois de
madura, a colheita pode ser feita aos poucos, pois que se necessita dos
tubérculos durante quase todo o ano. Para se colher a mandioca,
cortam-se primeiro os arbustos, arrancando-se os tubérculos do solo
com uma enxada (WAGLEY, 1988, p. 86).

A vida útil da mandioca na terra pode chegar até três anos e quanto mais tempo à
mandioca fica na terra maior será o tubérculo e consequentemente maior será a
produção.

OBJETIVOS

O presente trabalho tem como objetivo analisar a produção da goma de


mandioca e sua comercialização na feira do produtor na cidade de Tefé no estado do
Amazonas.

METODOLOGIA

Para analisar a produção e comercialização da goma de mandioca buscaram-se


dados de fontes secundárias em registros de documentação oficial e dados primários em
prática de campo no período de 07 a 13 de fevereiro de 2014, dentro o projeto maior:
“Cidades amazônicas: dinâmicas espaciais, rede urbana local e regional”, desenvolvido
pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades da Amazônia Brasileira (NEPECAB),
a prática de campo contou com entrevista aberta aos produtores de mandioca e
vendedores de goma de mandioca na feira do produtor e registro fotográfico.

RESULTADOS PRELIMINARES

Tefé é considerado o centro da sub-região do Triângulo Jutaí/Solimões/Juruá,


este município tem um território de 22.904 quilômetros quadrado e uma população de
61. 732 habitantes. Situa-se à margem direita do Solimões, distante a 663 Km de
Manaus via fluvial e 516 Km linha reta. Nascido do Ato nº 29, de 14 de novembro de
1930, o município apresenta uma economia voltada para o extrativismo vegetal, pesca e
agricultura, com produção de mandioca, grãos e produtos tropicais (IBGE).
Tefé é o segundo maior produtor de farinha de mandioca do estado do
Amazonas, das 926.297 dessa produção o município de Tefé produziu 122.712
toneladas, segundo dados Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal
Sustentável do Amazonas (IDAM), da produção da mandioca pode ser extraído uma
variedade de produtos como a farinha, beiju, tapioca, tucupi, goma:

Diz a gente de Itá que se aproveita até a menor partícula do tubérculo


e que mesmo as cascas servem de alimento para as galinhas. Com o
suco venenoso de uma variedade amarga de mandioca prepara-se o
famoso tucupi, condimento que se obtém por exposição ao sol, dentro
de uma garrafa, durante quinze ou vinte dias; e com tapioca, polvilho
fino rico em açúcar, que se peneira ao preparar a farinha de mandioca,
os habitantes de Itá fazem um mingau. Desse mesmo polvilho e de
uma massa pesada, preparada com o tubérculo, faz-se o beiju
(WAGLEY, 1988, p. 84).
O fato de Tefé ser um grande produtor de farinha este seria também um grande
produtor de goma do estado do Amazonas, fato que não e comprovado quando se
analisa os dados do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável
do Amazonas (IDAM), que mostra o município de Manaquiri como maior produtor de
goma de mandioca.
A goma de mandioca na cidade de Tefé é comercializada em feiras e
supermercados e sua utilização é destinada principalmente na culinária. A população da
cidade de Tefé utiliza a goma de mandioca na preparação de iguarias relacionadas
principalmente ao café da manhã, em hotéis, bancas de café da manhã, entre as iguarias
mais apreciadas está à famosa tapioquinha, muito apreciada pela população
amazonense.
A produção agrícola de Tefé é vendida na feira do produtor local, uma área
destinada à comercialização dos produtos cultivados no município, a feira não e
ocupada somente pelos produtores locais, os moradores da cidade que não tem produção
agrícola também vendem produtos na feira.
Figura 1: Feira do produtor na cidade de Tefé.
Fonte: Autor, fevereiro de 2014.

A figura acima se refere à entrada da feira do produtor local na cidade de Tefé,


os locais onde os produtores locais vendem seus produtos estão localizados nas
bancadas, principalmente na entrada da feira.
A feira municipal de Tefé por possui uma área destinada à comercialização dos
produtos agrícola cultivados no município, e segundo Shanin (1998), a feira são os
locais onde os produtores primários vendem parte de sua produção e por estes motivos
foi à área escolhida para pesquisa no período de 07 a 13 de fevereiro de 2014, em um
trabalho de campo realizado dentro o projeto maior: Cidades amazônicas: dinâmicas
espaciais, rede urbana local e regional comandado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas
das Cidades da Amazônia Brasileira (NEPECAB), que estuda a rede urbana das cidades
amazônicas na calha do rio Solimões.
A feira é o local onde a população mais compra a goma, pois esta é o local que
compram verduras, frutas e peixes, compra também à goma de mandioca, as áreas onde
se comercializam estar dentro da feira municipal e possuem três boxes estruturados e
fixos e mais alguns vendedores sem boxes estruturados, mas com locais fixos, próximos
à entrada da feira, preestabelecidos de maneira informal entre eles.
Alguns produtores de farinha que se encontravam na feira em entrevista
afirmaram que não produziam goma no processo de fabricação de farinha por que
perderiam tempo e mesmo a farinha possui um valor superior se comparado ao da goma
de mandioca, além do que estes alegaram que o processo de produção de goma é mais
demorado e o produto final possui um peso elevado para transporte, o preço é muito
baixo quando se leva em consideração o trabalho empregado na produção, o tempo de
vida útil da goma de mandioca é muito baixo em média em quatro dias já apresenta uma
coloração amarelada e gosto azedo e considera-se estragada, impossibilitada para o
consumo relatou um dos produtores de farinha.
Os vendedores de goma interrogados sobre a procedência da goma da mandioca
comercializada por eles, os mesmos afirmaram que compravam fécula industrializada
da cidade de Manaus, compravam através de ligações telefônicas e depositavam o
dinheiro e o vendedor mandava o produto via barco, que transporta passageiro e outros
produtos industriais da capital amazonense que abastece a cidade de Tefé, nenhum dos
entrevistados afirmou que comprara a goma de um produtor local e como afirma
Kautsky (1968), a evolução da indústria já conseguiu modificar o caráter da produção
rural.

Figura 2: Transporte de mercadoria para Tefé modal barco;


Fonte: Autor, fevereiro de 2014.

A imagem acima se refere ao transporte de fécula industrializada via barco para


a cidade de Tefé, o transporte da mercadoria é feita no mesmo barco que leva os
passageiros, não há uma distinção entre os barcos que transportam passageiros e o barco
que transporta mercadoria. Segundo informação de um dos funcionários do barco o saco
de fécula industrializada foi comprado no bairro de Educandos em Manaus e tinha como
destino a comunidade do Abial em Tefé, o mesmo não soube informar o endereço
completo.
A goma de mandioca comercializada na feira do produtor local na cidade de
Tefé é a fécula industrializada reidratada, essa fécula é comprada em Manaus e
transportada de barco conhecido popularmente de recreio, que leva a população e as
mercadorias para a cidade de Tefé, mas a fécula não é produzida em Manaus e muito
menos no estado do Amazonas, este produto é comprado principalmente das fecularias
do estado do Paraná, como informado na embalagem e segundo Paulino, 2006 no
município de Paranavaí, Paraná em 2001, a área ocupada pela cultura da mandioca era
de 3.969 hectares, envolvendo 622 cultivadores, sendo esta vendida na sua grande
maioria para as fábricas e isto tomando por base apenas este município.
Na feira do produtor foram identificados três boxes e cinco pontos de vendas de
goma de mandioca e em um boxe estava um senhor peneirando goma de mandioca ao
ser abordado sobre o produto, ele informou que era de fécula de mandioca, comprada
em Manaus, mas não quis fornecer o endereço. Em outro boxe existia um o outro senhor
peneirando fécula, ele disse que não sabia onde tinham comprado, pois era funcionário,
a dona da banca ia chegar só depois. Questionado sobre o processo, ele informou que
mistura a água à fécula espera algumas horas para assentar, após assentada, a água é
derramada e coloca-se um pano por cima para secar, após uns trinta minutos retira-se o
pano que se encontra molhado e substitui por outro seco, após aproximadamente duas
horas depois o produto já está pronto para ser peneirado.

Figura 3: Peneiração da fécula reidratada;


Fonte: Autor, fevereiro de 2014.

A imagem acima mostra parte do processo de reidratação e peneiração da fécula


industrializada. Neste caso o produto encontra-se quase solidificado e necessário o
auxilio de uma colher para retira a fécula e peneirar, depois de peneirar coloca-se em
um saco transparente com capacidade de um litro e fica parecido com a goma de
mandioca e vende-se ao preço de três reais, relatou o entrevistado.
No período da prática de campo a produção de goma de mandioca na cidade de
Tefé apresentou-se inexpressiva, o que é contraditório já que o município é um grande
produtor de farinha, nenhum dos entrevistados relatou que produzira a goma ou a tinha
comprado de um produtor local o que se observou e foi relatado também pelos
vendedores deste produto que a goma comercializada na feira de Tefé é derivada da
fécula industrializada comprada em Manaus, mas que foi produzida no Paraná.
REFERÊNCIAS

FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
GARCIA JR., Afranio Raul. Terra de trabalho. Rio de janeiro: Paz e terra, 1983.
KAUTSKY, Karl. A questão agrária. Tradução C. Iperoig. Rio de Janeiro: Laemmert,
1968.
MORÁN, Emilio. A ecologia humana das populações da Amazônia. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1990.
PAULINO, Eliane Tomiasi. Por uma geografia dos camponeses. São Paulo: UNESP,
2006.
WAGLEY, Charles. Uma comunidade amazônica: um estudo do homem nos trópicos.
Tradução Clotilde da Silva Costa. 3º ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1988.

Você também pode gostar