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AFA - Redação- Brenda Grandini

1- (EFOMM - 2021) Com base no Texto, responda à sentiriam na obrigação de desviar a vista e mudar de
questão que se segue. assunto.
Direito e avesso Mulheres discutem com prazer seus casos
Rachel de Queiroz ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um
Conheci uma moça que escondia como um crime ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero
certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios
De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca senis, será que os declararia com a mesma
de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a complacência?
me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me Antigamente havia as doenças secretas, que só se
obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um
segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do
sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do
águas de março, que levam tudo. contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos
Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer
vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a ainda hoje se faz mistério — e nem câncer e nem
respeito de uma deformação congênita que ela, moça, doidice pegam.
tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado Não somos todos mesmo muito estranhos?
orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma Gostamos de ser diferentes — contanto que a diferença
distinção aristocrática que se ganha de nascença e não não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não
está ao alcance de qualquer um. tanto que pareça feio.
E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Fonte: O melhor da crônica brasileira, 1/ Ferreira Gullar... [et al.].
Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em 5º ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.
parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a
disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por Vocabulário:
exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima épater: impressionar
de divertículos (excrescências em forma de apêndice
que apareceram no seu duodeno), teria o mesmo gosto O eufemismo como figura de linguagem se encontra na
em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos opção:
tivesse lobinhos pendurados no nariz? Nunca vi (A) [...] uma moça que escondia como um crime certa
ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo.
sua orelha malformada; mas a má formação interna é (B) Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como
marca de originalidade, que se descreve aos outros se ter coração defeituoso fosse uma distinção
com evidente orgulho. aristocrática [...).
Doença interna só se esconde por medo da morte — (C) Este senhor, por exemplo, que nos explica,
isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, abundantemente, ser vítima de divertículos
chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, (excrescências em forma de apêndice que apareceram
quem tem um sopro no coração se gaba dele como de no seu duodeno).
falar japonês. (D) Não sendo por isso, quem tem um sopro no
Parece que o principal impedimento é o estético. coração se gaba dele como de falar japonês.
Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem (E) De um tísico, por exemplo, se dizia que estava
que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo
questão de que essa anomalia não seja visivelmente do contágio, que todo mundo tinha.
deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória,
mas um braço menor que o outro é uma tragédia. 2- (Escola Naval - 2021) Leia:
Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de O CORPO ESCRITO DA LITERATURA
épater uma roda de conversa, explicando que não A escrita se faz com o corpo, e dar sua pulsação, seu
enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos ritmo pulslonal, sua respiração singular, sua rebeldia,
olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos às vezes domada pela força da armadura da língua,
lhe examinem o olho cego e constatem de perto que pela sintaxe, freios e ordenamentos. Assim, nunca são
realmente não se nota diferença nenhuma com o olho puras ideias abstratas que se escrevem e por isso,
são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga quando se lida com a escrita alheia do escritor ou do
coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao escrevente comum, como leitor ou crítico, toca-se em
defeito em público; e, caso o fizesse, por textos, com as mãos, com os olhos, com a pele. Tal
excentricidade de temperamento sarcástico ou gesto pode irritar profundamente aquele que escreveu,
masoquista, os circunstantes bem-educados se como se seu corpo sofresse uma agressão ou uma
invasão Indevida, da qual ele tem que se defender, sob
o risco de se ver ferido por um olhar ou mäo estranha.
AFA - Redação- Brenda Grandini
Por isso, aquele que escreve, a todo momento, talvez Depois da luta, a luta mais vã de Drummond, fica-se
tente se explicar, se suturar, na tentativa de se preservar sabendo que ela - a luta - é de outra ordem e se escreve
de um outro intrusivo, que fala de um lugar que nem com outras armas. Mas só se sabe isso depois de
sempre é o da cumplicidade especular, obrigando a um liquefazer suas palavras-lutas, de passar por um estado
dizer outro que ele - o que escreve - recusa, de ruptura do velho chão da gramática, da língua
desconhece ou simplesmente cala. pátria.
O escrever tem a ver com uma intimidade que, no Língua pátria necessária, mas que precisa ser
entanto, sempre se volta para fora, paradoxalmente se transformada em herança, para ser reescrita e relida,
mascarando e se desvelando, ao mesmo tempo. Dar, a agora, noutros tempos, sem que se deixe de trabalhar o
fugaz medida do texto, que o faz se dizer e se desdizer, limo verde de seus vocábulos esquecidos no museu de
no palco mesmo da folha branca, onde ele se exibe, tudo. Tudo o que me diz ou nos diz na floresta de
com pudor, falso pudor, ou uma espécie de bravata símbolos onde nos perdermos, onde perdemos o rumo
exibicionista. Textos poéticos ou romanescos querem e o prumo. Mas também onde inventamos outros
agradar ou seduzir o incauto leitor com suas manhas e itinerários, com outras bússolas. no papel lívido, como
artimanhas, prometendo e faltando à palavra dada, às disse a voz de um escritor cujo nome esqueci, mas que
promessas de respostas. à avidez ingênua de quem me fala agora. Ou mesmo, escrevendo nessa outra tela,
espera dele mais do que palavras, letras. a dos nossos fantasmas, bela ou temida janela. ou
Assim, o texto fala e fala mais do que o autor nessa outra, cujo brilho ofusca, a do computador, que
pretende, e não há como evitar essa rebeldia de faz voar, correr nas suas teclas as palavras-pássaros,
palavras que fogem de um ilusório comando, mesmo sem pouso, sem pausa.
quando se buscam recursos os mais variados, para Palavras-pássaros do tempo-espaço que não se
domá-las, se assim se pretende, no cárcere privado da deixam apagar nas letras empoeiradas das prateleiras
sintaxe, das normas, dos modelos, sonetos, tercetos ou de Babel, de Borges, sempre reescritas. Sempre
a mais rígida rima livre. renovadas e reinventadas, que é para isso que serve a
Porque as palavras são "palavras em pássaros" como literatura.[...]
afirma um personagem de João Gilberto Noll que se BRANDÃO, Ruth Silviano. A vida escrita. Rio de Janeiro: 7
diz dominado por elas, no ato mesmo da escrita, como Letras, 2006. (Texto adaptado)
se elas escapassem de seus dedos que dedilham as No título do texto, Ruth Silviano Brandão usou uma
teclas da máquina, sem conseguir controlá-las. figura de linguagem. Assinale a opção que identifica
Um dia, escrevi ou me escrevi: literatura são corretamente essa figura.
palavras. Mas nem todas as palavras fazem literatura, a (A) Eufemismo
não ser aquelas que trabalham no velho barro da (B) Catacrese
língua, laborando nele como quem forja alguma coisa (C) Metonímia
tão material, como com o cristal sonoro ou o som bruto (D) Hipérbole
de cordas que esperam as mãos do violinista, para (E) Prosopopeia
afiná-las ou quebrá-las com som novo que possa
arranhar nossos ouvidos duros, rapidamente surdos aos 3- (Escola Naval - 2020) Assinale a opção em que o
velhos verbos repetidos que ecoam sinistramente na autor emprega a sinestesia no trecho apresentado.
velha casa da escrita. [...] (A) "E as coisas vinham docemente de repente,
A escrita não segura todos os riscos, todos os pontos seguindo harmonia prévia, benfazeja, em movimentos
finais, mas alguma coisa ela faz, quando se gastam concordantes [...]" (3º§)
todos os recursos do semblant, quando, de repente, ela (B) "Ele queria poder ver ainda mais vívido - as novas
começa a se dizer sozinha, avizinhando-nos do real, tantas coisas - o que para os seus olhos se
este insabido que fascina e nos deixa nus diante de pronunciava." (5º§)
todos os leitores. (C) "Tinha qualquer coisa de calor, poder e flor, um
Talvez ar, nessa hora, surja um voyeurismo que transbordamento." (6°§)
surpreenda o escritor, lá onde ele não se adivinhava, (D) "Só um pouco, para não gastar fora de hora o
quando pode se desconhecer em suas palavras, estas quente daquela lembrança, do mais importante, que
que saem de seu pobre teatro do quotidiano e o estava guardado para ele, no terreirinho das árvores
espreitam, no chão mesmo da poesia, na sua letra, ao bravas." (7º§)
pé da letra. (E) "Tudo se amaciava na tristeza. Até o dia; isto era:
Ela, a poesia, vem, sem suas vestimentas-textos, já o vir da noite." (12º§)
que, de tão decorados, se põem a despir-se. pois todo
ator ou atriz tem sua hora de cansaço, quando sua fala
já não fala, quando uma brusca opacidade faz que ele
ou ela tropece as palavras e as gagueje, num hiato.
AFA - Redação- Brenda Grandini
4- (AFA - 2020) Leia:

As escolhas das palavras e expressões são estratégias


importantes na construção semântica do texto,
principalmente em se tratando de um texto literário em
que os vocábulos são, minuciosamente, selecionados.
A partir disso, assinale a alternativa que apresenta
informação INCORRETA quanto ao texto de Dalton
Trevisan.
(A) A construção do período “não lhes poupei água e
elas murcham”, (l. 17 e 18), demonstra, por meio de
uma catacrese, uma das consequências da ausência da
mulher.
(B) O uso reiterado de sujeito elíptico para marcar as
ações do narrador sugere um sentimento de pequenez e
de sofrimento do homem em relação à sua amada.
(C) O emprego da expressão “última luz na varanda”
(l. 14) estabelece também um sentido metafórico, ao
expressar o estado de espírito do narrador sem a
presença da Senhora.
(D) A presença frequente do vocativo reforça o
propósito principal do texto, explicitando, assim, o
discurso persuasivo construído pelo narrador.

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