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GEOGRAFIA HUMANISTA: HISTORIA, CONCEITOS E O USO DA PAISAGEM PERCEBIDA COMO PERSPECTIVA DE ESTUDO Humanistic Geography: history, concepts and the use of the perceived landscape as a perspective of study Samir Alexandre ROCHA! RESUMO ‘© conhecimento geografico transformou-se @ continua sendo onstruido, tendo sua estruturacdo discutida e reelaborada a partir do surgimento de novas ideas @ debates que resultam fem diferentes formas de pensamento e, por fim, novas pers- pectivas de estudo. Realizado com base em pesquisa diblio- {grafica, 0 presente artigo tem como objetivo apresentar um historco de como se deservolveu a construcéo da perspectiva de estudo geogratico que é 2 Gaogratia Humanists, destacan- do seus principios conceltuals e metodol6gicos, apresentando edlscutindo como é realizada a letura da paisagem com base nessa linha de pensamento, Palavras-chave: (Gecgrafia Humenista; frnomenologia; palsagem e parcepedo, ABSTRACT “The geographic knowledge has been changed and continues to bbe constructed, having its structure discussed and re-elaborated from the sprout ofnew ideas and debates thatresuitin cifferant, forms of thought and, finally, new study perspectives. It was carried through on the basis of bibliographical researen, the present article aims at developing and devising a description ‘of how has developed the construction of the perspective of geographic study that is Humanistic Geography, detaching its conceptual and methodological principles, presenting and arguing as the reading of the landscape with base in thi line cof thought is carried through. Key words: Humanistic Geography: phenomenology; landscape and perception, 1 Tecnélogo em Tursmo; bacharel em Turismo com énfase em Mek Ambiente, mestre em Geografia - Utlzacdo e conservacdo dos cursos naturas (UFSG), dreto: municipal de Turismo de ltapema (SC) R.RA'E GA, Curitiba, n. 13, p. 19-27, 2007. Editore UFPR ROCHA, S.A Geografia Humaniste:histéria, conceito 0 uso da pa'sagem INTRODUGAO ‘Ao longo dos tempos, a Geografia se mostrou ‘como um campo do conhecimento que busca constan- temente a compreensdo do mundo e suas contradig&es no Amago das relagdes sociais, na apropriagao e uso do meio ambiente. Nesse sentido, ao longo do seu processo de de- senvolvimento e construeao evidenciam-se diferentes formas de perceber, pensar e refletir os fenémenos socioespaciais, sendo cada uma das quais geradoras de linhas metodolégicas as quais s8o fundamentais no processo de construgao do conhecimento geogratico. ‘Surgem assim linhas denominadas, por exemplo, como Geografia Pragmatica ou Teorética, Geografia Radical ou Critica, entre outras. ‘Com base nesse fato, este artigo propde-se a destacar como se iniciou e se desenvolveu uma dessas linhas de pensamento, que € a Geografia Humanista, destacando 0 seu processo historico, seus principios conceituais € metodolégicos, e apresentando como € realizada a leitura da paisagem sob essa perspectiva, Assim, 0 presente artigo inicia-se com a apre- sentaco da construgao da Geografia Humanista ao logo da histéria, seguindo para a fenomenologia como aporte dessa perspectiva de estudo e, porfim, apresenta a paisagem @ percepedo como processos e relacdes interdependentes nessa linha de pensamento, A GEOGRAFIA HUMANISTA E SUA CONSTRUCAO ‘AO LONGO DAHISTORIA Pensando a Geografia atual como uma ciéncia que busca a compreensao das relacdes socioespaciais, ha de se entender que as maneiras de se analisar es- tes processos assumem diferentes formas ao longo do tempo, a partir de um contexto de conhecimento que, como citado por Carlos (2002, p. 162), “..) € cumulati- vo (hist6rico), Social (dindmico), relativo e desigual, a0 mesmo tempo continuo/descontinuo’ Buscando realizar uma breve exposi¢ao acerca dessa questéo, ha que se destacar que a Geografia surge na Antiguidade tendo como objetivo determinar coordenadas com a finalidade de localizar 0s lugares nna superficie da Terra, gerando assim representacSes espaciais cartogréficas dos lugares e, de forma se- cundaria, descrigées sobre os mesmos, como acentua Claval (1997, p. 2002) 20 Com as exploragdes maritimas do século XVI, 0 trabalho do geégrafo passa por uma grande transfor- magdo que, embora mantivesse associagao com o seu objetivo central, sendo que esse periodo foi fundamental para que outras mudancas ocorressem em relacdo a Geografia, Era essa uma fase na qual o melhor conhe- cimento das rotas nduticas constitula-se como fator essential no sucesso de grandes empreitadas econd- micas, sendo 0 trabalho do gedgrafo, nesse sentido, intensificado no estabelecimento de latitudes e longitu- des, associando leituras de documentos de viagem a levantamentos astronémicos. (CLAVAL, 1897) Assim, esse periodo marca a funcdo da Geografia como um conhecimento fundamental, tendo em vista que 08 Estados Ocidentais entendiam que, a partir da maior ciéneia quanto as melhores rotas maritimas, poderiam obter maiores iucros com menores riscos, pro- movendo assim amplos investimentos, especialmente nos estudos cartograticos. Contudo, com base nesses investimentos que Bo origem a criagdo e ao estabelecimento de equipa- mentos de navegacdo, a Geografia passa a ser ques- tionada, tendo em vista a figura profissional cada vez mais reforgada do cartégrafo, fazendo com que muitos pesquisadores e estudiosos da area ingressem em uma nova perspectiva de trabalho associada em determina- dos aspectos as ciéncias naturalistas, atuando em uma atividade até entéo secundaria que era a descri¢do dos espagos. Nessa nova forma de trabalho, um naturalista que se destaca, sobretudo na apresentacdo das paisagens, & Alexander von Humboldt, pesquisador que enfatiza em seus trabalhos a necessidade de se praticar observa- Ges e descricdes cuidadosas e precisas da natureza no campo, demonstrando amplo interesse por aspectos como fisionomia e aspectos da vegetacdo, as influéncias do clima sobre os seres, ete. (AMORIM FILHO, 1998; MAXIMIANO, 2004) Apartir desse momento histérico, duas concep- Ges se destacam na Geografia: uma primeira, que buscava por meio de seus métodos o entendimento das relagdes entre a natureza e a sociedade, e uma segun- da, que tinha como preocupagao 0 papel dos espacos no funcionamento dos grupos, tendo as duas linhas em comum a conviegdo sobre a existéncia de uma realidade global. (AMORIM FILHO, 1998) Nesse sentido, com maior énfase no final do século XIX até a metade do século XX, € proposta uma nova teoria de diferenciagéio regional da Terra, baseada nia existéncia de combinagdes de aspectos naturais e de R.RAE GA, Cutts, n. 13, p. 19-27, 2007. Edtora UFPR ROCHA, S.A. Geogratia Humanisla:hist6ria, concaita @o uso da paisagem. artefatos comuns em dados espagos como resultante da ago conjugada das forgas naturais ¢ da ago hu- mana, sendo exemplo as regiées agricolas, industrials, turisticas, historicas, ete. Apés essa evolugéio um novo enfoque surge na Geografia, que é o estudo da distri- buigdo dos homens e sua insergdo no meio ambiente, passando 0s grupos humanos a ser o centro da andlise. (CLAVAL, 1997, 2002) Assim, a partir de autores como Carl Sauer, € re~ forgado uma nova linha de pensamento denominada de Geografia Cultural, a qual estava alicercada em temas tais como histéria da cultura no espaco, ecologia cultu- ral e, principalmente, paisagens culturais, sofrendo, de acordo com Corréa (1890), crticas severas relacionadas principalmente a questées conceituais e metodolégicas (ndo se tinha uma metodologia e conceitos de estudo claros). 0 que gerou uma relativa perda de prestigio e por fim, 0 seu declinio na década de 40. Na década de 50, um novo paradigma se apre- senta nos estudos geogréficos: trata-se do estudo das localizagées. Pensando-se assim, 0 conceito de redes fundamentado na definiggo de que "O espaco est organizado porque esta estruturado em redes de relagdes sociais e econémicas, em redes de vias de transporte e de comunicagdo, e em redes urbanas, que coneretizam os efeitos da combinagdo dessas redes” (CLAVAL, 2002 p.18). Nesse sentido, € quebrada a idéia do espaco a partir da viséio naturalista, cedendo a uma idéia funcionaiista ‘Com base nesse momento, surgem no mundo movimentos de discussdo que ressaltam e alertam para o fato de que, enquanto area do conhecimento enquadrada nas ciéncias sociais, a Geografia pouco falava sobre os homens. Assim, j4 no inicio da década de 60, na busca de uma renovacao da Geografia Cultural, @ partir das discussdes de John K. Wright, David Lowenthal lanca trabalhos nos quais discute o fato de que a Geografia deveria abarcar os varios modos de observacao, 0 consciente e o inconsciente, 0 objetivo e o subjetivo © fortuito © 0 deliberado, o literal e 0 esquematico (HOLZER, 1996) ‘Outro pesquisador fundamental € 0 arquiteto Kevin Lynch, pelo seu trabalho publicado também na década de 60: A imagem da cidede. Segundo Oliveira (2001, p. 19) "(..) enquanto este éitimo, procurando as necessidades praticas do desenho urbano procura desenvolver uma metodologia que possa ser aplicada universalmente, (...) Lowenthal (...) desenvolve uma renovagao e ampliaggo do objeto da Geografia.” R.RA'E GA, Curitiba, n. 13, p. 19-27, 2007. Editore UFPR ‘Tem-se assim umnovo mado de pensara Geografia, sob um enfoque cultural, no qual a natureza, a sociedade e ‘a cultura so refletidas como fenémenos complexos sobre (5 quais 86 se obtém respostas a partir de experiéncias {ue se apresentam e conforme o sentido que as pessoas 0a sua existéncia No mesmo periodo, conforme destacam Serpa (2001) e Hoizer (1996), ¢ lancado o livro Topofiia de Yi Fu ‘Tuan, trabalho este no qual o autor, baseado nas obras do filosofo francés Gaston Bachelard, propdem que a Geogra~ fia volte-se a um novo pensar sobre a relagao do homem com o mundo em que vive. ‘Outro nome que se destaca nessa discussdo Anne Buttimer. Segundo Oliveira (2001), essa pesquisadora tem uma importéncia fundamental na constituigSo da Geografia Humanista, tendo em vista o desenvolvimento de seus ta- balhos, que a partr de um olhar critco tratou de questées sociolégicas nos valores geograficos, avaliando as idéias de um ponto de vista filoséfico, tevendo consideragées sobre 0 existencialismo e 0 fenomenclogisme no futuro da Geograta ‘Somadas as discussées, essa perspectiva des- ppontou como um ressurgimento da perspectiva cultural na Geografia, sendo denominada como uma nova Geografia Cultural ou Geografia Fenomenolégica {titulo indicado por Edward Reloh em 1971), Geografia da Percepcao, Geografia Humanistica ou, enfim, Geografia Humanista, (OLIVEIRA, 2001; SEABRA, 1999; HOLZER, 1902) Buscando uma maior compreenséo dos ideais dessa linha de pensamento, a Geografia Humanista definida por bases tedricas nas quais so ressaltadas € valorizadas as experiéncias, os sentimentos, a intuigdo, 2 intersubjetividade e a compreensao das pessoas sobre (© meio ambiente que habitam, buscando compreender e valorizar esses aspectos A Geografia Humanista procura um entendimento do munde humano através do estudo das relacdes das pessoas com a natureza, do seu comportamento geogratico, bem como dos seus sentimentos e idéias a respeito do espaco e do lugar. (TUAN, 1982) ‘Sob esse prisma de estudo da Geografia, ter-se como premissa que cada individuo possui uma percepgao do mundo que se expressa diretamente por meio de valo- res e atitudes para com o meio ambiente, ou, em outras palavras, a Geografia Humanista busca a compreensao do contexto pelo qual a pessoa valoriza e organiza 0 seu espago e 0 seu mundo, e nele se relaciona 2 ROCHA, S.A Geografia Humaniste:histéria, conceito 0 uso da pa'sagem (..) 98 geografes humanistas argumentam que sua abordagem merece o rétulo de "Humanista’, pols festudam os aspectos do homem que so mais Acesso em: 9/12/2004. COLLOT, Michel. 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