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Nome: Carolina Duarte Zambonato

BENHABIB, Seyla. Las reinvindicaciones de la cultura.

Fichamento 11 – Introdução e Capítulo 1

Neste capítulo Seyla Benhabib discute sobre o conceito de cultura e suas


implicações. Começa, então, por apontar que Cultura se transformou num sinônimo
universal de identidade, e a novidade é que atualmente essa denominação tem se
traduzido em demanda políticas por reconhecimento legal e distribuição dos recursos
pelo Estado.

A origem do termo remete à raiz latina colare, e está ligada às atividades de


preservação, atenção e cuidado. Os romanos usaram o termo para referir-se à
agricultura. Na modernidade capitalista este significado se altera, e cultura passa a opor-
se à civilização. Kultur no romantismo alemão estava ligado ao “espírito” de um povo,
que se adquire por um processo de formação educacional. Civilização, por outro lado, se
refere os valores e práticas que são compartilhados com outros povos e que dizem
respeito ao mundo capitalista burguês. Com a ascensão das grandes massas, pôs-se em
questão uma ideia de cultura de massas, o lado negativo do conceito de Zivilisation –
superficialidade, homogeneidade, reprodutibilidade, etc, ligados à promessa de
felicidade no capitalismo tardio.

Já os debates atuais sobre cultura abandonaram o binômio Kultur e Zivilisation


para se estabelecerem em torno de uma concepção igualitária de cultura, tributária da
antropologia da geração de Malinowski, e que abandona pressupostos eurocentrados.
“Estes autores consideravam que a cultura era a totalidade de sistemas e práticas sociais
de significação, representação e simbolismo que possuem uma lógica autônoma própria,
uma lógica separada e não redutível às intenções daqueles cujas ações e práticas surge e
se reproduz.” (BENHABIB, p. 24) Embora a antropologia social britânica e o
estruturalismo francês tenha democratizado o conceito de cultura, Seyla afirma que a
maior parte da política cultural atual é uma mescla entre a perspectiva antropológica e
aquela dada pelo romantismo.

Seja no âmbito da política ou das políticas, nos tribunais ou nos meios de


comunicação, se supõe que cada grupo humano ‘possui’ algum tipo de
cultura, e que as fronteira entre esses grupos e os contornos de suas culturas
são passíveis de ser especificados e relativamente fáceis de descrever.
(IDEM, p. 25)

Seja à esquerda ou à direita, a ideia essencialista de cultura como propriedade de


um grupo étnico é compartilhado, e o risco é de reificar , homogeneizar e fetichizar a
cultura fora de uma análise crítica. A esses falsos pressupostos epistemológicos, Seyla
denomina como “sociologia reducionista da cultura” e descreve estas premissas deste
modo:
1) Que as culturas são totalidades claramente delineáveis; 2) que as culturas
são congruentes com os grupos populacionais e que é possível realizar umas
descrição não controvertida da cultura de um grupo humano; 3) que ainda
quando as culturas e os grupos não se correspondem exatamente entre si, e
quando existe mais de uma cultura dentro de um grupo humano e mais de um
grupo que pode compartilhar os mesma traços culturais, isto não comporta
problemas significativas para a política ou “as políticas”

Neste livro a autora defende o construtivismo social como uma explicação que
abranja diferenças culturais contra os intentos da teoria política normativa sob a
epistemologia da sociologia reducionista da cultura.

Seyla parte da distinção entre observadores da cultura e participantes dela. Os


observadores são aqueles que “impõem, junto a elites locais, a unidade e coerência
sobre as culturas como entidades observadas” (IDEM, p. 29). Já os agentes sociais
experimentam sua cultura através de relatos normativos compartilhados e passíveis de
questionamentos, pois a cultura não tem a necessidade de, internamente, aparecer como
uma totalidade. Isto porque ela é composta por “camadas valorativas” que conformam
sua existência. Os limites entre distintas culturas são delicados e igualmente
controversos, o que nos faz compreender porque se tentam protegê-las transformando
seus ritos e narrativas em práticas purificadas.

Assim, a autora delineia sua interpretação do diálogo cultural complexo, a qual


“considera as culturas humanas como constantes criações, recriações e negociações de
fronteiras imaginárias entre ‘nós’ e o/os ‘outros’.” (IDEM, p. 33) A condição de
alteridade, mais que significar falta de respeito, dominação e alteridade, pode ser a
possibilidade das culturas se reconhecerem umas nas outas sem que isso implique em
violência e dominação. De modo, Seyla crê que “[...] a tarefa da igualdade democrática
é criar instituições imparciais na esfera pública e na sociedade civil nas que a luta pelo
reconhecimento das diferenças culturais e a disputa pelos relatos culturais podem levar-
se a cabo sem dominação.” (IDEM, p. 34)

Deste modo critica o “multiculturalismo mosaico” entender que ele concebe as


culturas e grupos humanos como totalidades bem delineadas e identificáveis que
coexistem como se fossem pecinhas de um mosaico. As políticas da identidade e da
diferença se veem, então, envoltos na contradição de “preservar a pureza do impuro, a
imutabilidade do histórico e o caráter fundamental do contingente.” (IDEM, p. 37)

Ao buscar uma ética do discurso, Seyla estipula as normas pressupostas como


princípios da interação humana, quais sejam, o respeito universal e a reciprocidade
igualitária. Assim, as normas institucionais só podem ser consideradas válidas se todos
os afetados forem participantes em iguais condições e respeito. É por meio dessas
normas pressupostas para que os diálogos morais e políticos se dão.

Por meio dos discursos, os participantes submetem estas interpretações


pressupostas do contexto a uma validação intersubjetiva. Os discursos são
procedimentos de validação recursiva através do qual as normas e os
princípios abstratos se concretizam e legitimam. (IDEM, p. 39)

Os discursos práticos incluem os discursos morais, que versam sobre as normas


universais da justiça, os discursos éticos sobre formas de uma boa vida e por último os
pragmático-políticos sobre aquilo que é efetivamente feito. Estes processos são
dialógicos com os quais se cimentam o significado das normas, senão também a
determinação dos problemas a serem debatidos. O diálogo moral coteja as normas
envolvidas no caso, como também estabelece uma compreensão situacional das
aplicações da norma.

Os discursos práticos são processos através dos quais podem desenvolver-se


ditas ressignificações. A atenção a estes processos de ressignificação e de
produção de novas versões narrativas alterará a linha entre os conteúdos dos
discursos morais passiveis de ser universalizados e os discursos éticos da boa
vida, sem apagá-lo do todo. (IDEM, p. 41)

Na ética comunicativa, Seyla distingue entre os universalismos universalistas e


substituciuonalistas. Neles, o conteúdo de eleição e deliberação é mais determinado e
concreto, o que tem o ônus de restringir a agenda de conversação, assim como abster-se
da identidade dos indivíduos envolvidos. O universalismo interativo, por outro lado,
“aceita que todos os seres morais capazes de sensibilidade, fala e ação são sócios morais
de conversação em potência”. (IDEM, p. 42) Seyla complementa:

De acordo com o universalismo interativo, posso aprender quem é (são) o


(os) outro (s) só através de seus relatos de autoidentificação. A norma de
respeito universal me impõe participar na conversação na medida em que um
é considerado como um outro generalizado, assim que posso tomar
consciência da alteridade dos outros, daqueles aspectos de sua identidade
que os convertem em outros para mim, só através de seus próprios relatos.

A autora destaca que ser e converter-se em si mesmo significa estar inserido em


redes de interlocução, as quais geram uma tensão constante entre a agência individual e
as normas de socialização e interação. Esta interação se dá pela linguagem, a qual
“oferece um mecanismo para colocar-me no mundo, como diria Heidegger, e para fazer
que o mundo seja parte de mim; e é muito provável que a linguagem determine a forma
em que a experiência será registrada e logo rememorada.” (SPENSE apud BENHABIB,
p. 46). O compromisso de Seyla baseia-se também nessa constituição dialógica e
narrativa de si mesmo, o que vai de encontro a concepções essencialistas do
multiculturalismo mosaico.

Dois são os defeitos que Seyla aponta nos debates sobre cultura: compreender a
formação dos grupos de forma insuficientemente dinâmica e demasiadamente
identificada a algum “aspecto fixo” de indicadores estruturais; ignorar os processos
pelos quais as reivindicações sócio-culturais se transformam em mobilização política.
Assim, se chega à diferença mais relevante entre os teóricos democráticos, os
quais se ocupam da expressão pública das identidades culturais em espaços cívicos, e os
multiculturalistas, interessados em classificar os grupos e lhes atribuir teorias
normativas baseadas em taxonomias classificatórias (IDEM, p. 50)

A medida que o mundo vai se globalizando, a pluralização cultural vai se


adensando em coexistência com sistemas jurisdicionais. Nestes debates multiculturais
pluralista, Seyla propõe três condições normativas que podem ser compatíveis com um
modelo de democracia deliberativa universalista: Reciprocidade igualitária – os
membros das minorias não devem ter menos direitos que a maioria; Autoadscrição
voluntária – as pessoas não devem ser consideradas parte de um grupo cultural
automaticamente, deixando aberta as possibilidade em que a autoidentificação resta
controvertida.; 3) Liberdade de saída e associação – às pessoas é dado o direito de sair
do grupo adstrito, ainda que isso acompanhe perda de privilégios ou direitos formais e
informais.

Por fim, a autora encerra o capítulo introduzindo uma controvérsia, que


enfrentará nos capítulo subsequentes, com a teoria de John Rawls e o fato dele restringir
a razão pública a espaços institucionais e imperativos constitucionais.

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