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A PRATICA COMO INVESTIGACAO. Sinais de Cena ~ cA REVISTA DE ESTUDOS DE TEATRO E ARTES PERFORMATIVAS PERFORMING ARTS AND THEATRE STUDIES JOURNAL 1) Cee eer ere em nen eee estuDOS APLICADOS | ESSAYS As agées fisicas de Stanislavskina poética do ator contemporaneo viTOR LEMOS This article contemplates fundamental questions that support the postdcctr, fy . 7 project The character as exercise of difference: perspectives for the physey actions of Stanislavski, which | am developing at the University of Lisbon (Center for Theater Studies). The study recognizes in the Russian “system” responses to one of the most complex longings of the contemporary actor: to make the char- acter, even in a dramatic context, an exercise of subjectivity. Some fundamental elements proposed by Constantin Stanislavski are commented and revised from contemporary thinking as “baits” for the experience: a psychophysical state pro- duced by the ambivalent tension between, on the one hand, the attention of the actor to the fulfilment of a score of actions and, on the other, what is produced in him by the subjectifying forces that cross this same score. PHYSICAL ACTIONS / EXPERIENCE / MODES OF SUBJECTIVATION / POETICS OF PERFORMANCE / 'STANTSLAVSKI LoH08, VITOR (2020), «As Um aspecto importante da atuagdo contemporanea esta localizado em sua abertura para as intimeras possibilidades expressivas resultantes da tensio ambivalente entre os polos referenciais e autorreferenciais da ctiagdo do ator. O termo «ambivaléncia» indica circulagao, nao fixider em possibilidades estanques, nao pertencimento nem a uma nema outra polaridade, ainda que pertenga a uma e & outra, simultaneamente. Para que possa habitar esta zona de indeterminagao situada «entre» as ins- tncias teatral e performativa, o ator deve abandonar nogées sélidas & fechadas de identidade - tanto para a personagem ficcional, quanto pa" si-o que toma a atuagao, mesmo no ambiente dramatico, uma possibi lidade de experimentagio de diferentes modos de ser. ae dos abe trinta anos de exercicio profissional coma Fann sas nde stores venhointeprando o grupo daqules = 2" " 4 le Stanislavski caminhos para a realizagao des Projeto. Nao hé qualquer diivida de que a criagao artistica, em estreit® "AGDES Fstcas” Df STANISLAVSKE NA POETICA D0 ATOR CONTEMPORANEO», SINATS OE CENA TE: sintonia com manifestagdes vitais, mento de problemas complexos que se desdobr: ficcionalidade da cena e a sua condigao de acon a sua permanente abertura para 0 novo, os agenci: a lamentos especifi cos cos f tura menos servil a uma suposta origem do materia, ae Explorar 0 que a tradigado chama de «sistema» ou «método» d stanislavski significa investir numa pritica «efémera ¢ cambiant . (Piccon-Vallin, 2013: 15), ou num «owork in progresen (Vassina, 2013: - apartirdo qual cada artista pode e deve recriar seus préprios processos. © que segue, portanto, é uma exposi¢ao panoramica do modo como eu venhho me apropriando ~ seja em sala de aula ou em ensaios - de alguns elementos fundamentais do «sistema» a fim de estruturar Possibilidades para oator contemporaneo fazer de sua criagao, no ambiente dramatico, doscontextos em que realizoua pesquisa um processo de subjetivagao. UMA PERSPECTIVA PARA O «SISTEMA Come¢o pelos efeitos que a estreia de A gaivota (1898), exatos quarenta anos antes da morte de Stanislavski, trouxe para a sua trajetoria artis- tica e, consequentemente, para a do teatro modemo e contemporineo. O rompimento com a ago dramatica rigida promovido por Tchekhov faz com que as suas personagens no resumam a sua razio de ser no dis- curso explicito. Mais do que isso, ele denuncia a fragilidade do que ¢ dito em cena sema devida manifestagao do que nao ¢ dito. Este universo pul- sante, invisivel e silencioso nos é apresentado em Preparagiio do Ator no leradas acerca da trans 1 Comento rapidamente algumas questdes importantes de serem consid! ea de tae missdo do legedo de StanisiBvski: se por um lado, a variedade de artistas que testemunharam sus pesquisa - como atores, alunos, assstentes, dseipulos dvetos. etc. = srestarn it importante servico ao teatro difundindo suas préticas pelo territerio sovetica» 6m do sith fronteiras, por outro, muitos deles n8o acompannaram 9 continuidace da inves\e0che Se 1738, ano de sua morte. Este facto acarretou a divulgac8o. atravds de publicas oes, Guess © enslos, de procedimentos identificados como sistema de Stanislavskin, over oTStT incompreensées, oportunismos, e/ou hdelidade a perspectivas ue J6haviam sto 02 tet fer modificadas polo seu erlador. E8s0s ruidos se agrovam ainda mals com #8 WTS Zodas diretamente do Ingids« com ainterferbncla dos editores estadunigenses tern tT Lesarbitrériog om muitos de sous escrito, albm da ago da censure soveten, is Tr alguns termos ali adotados como “Moto 6 @ primeira traducio feita diretamento do russo para o portugués da mais conhecls bre de Stanislavsti, Anteriormente, havia a publicacdo brasileira da Editora Civilizas®° Brasileira, A preparasao do ator, cuja traducao fol indireta, feita do inglés a partir da public® 0 norte-americana, An actor prepares. Q strabatho do ator sobre si mesmo» nomela © conjunto de principios que acompanhoy ‘Stanislavski durante todo seu percurso artistico e pedagdgico. Nao por acaso, esta idela inte 12 o titulo escolhido pelo artista para a publicagso que reuniu seus escritos sobre 0s proces” $08 criadores do ator. ae 136 ESTUDOS APLIcADOS | Essays sua prépria existéncia humana» (Zaltran, «encaragiion dado a voplochichénie. Se encontra-se na fusio da perejivd 2016: 26-27) - e o sentido de ato criador, para Stanislavski, u sio nie com a voplochtchénie, de modo que uma nao possa existir sem a outra, podemos concluir que a sua busca é por um corpo-ator que, mesmo ao execut: dinami: de muitos pesquisadores em rela: ‘ar agGes figurativas, encontra-se Esta hipotese reforga a desconfianca o : ‘Ao a ideia defendida pela tradicado da existéncia de dois Stanislivski(s): um Primeiro, que entendeu o ator a partir de instancias separadas e perfeitamente definidas tes, de um lado, a0 que seria 0 extemno/fisico/corporal interno/espiritual/emocional fisicas, ators do por fluxos relacionais, , Corresponden- |, e de outro, ao ~ € um segundo, o Stanislvski das ages quando estaria desfeita a Perspectiva cartesiana para 0 sujeito- Outro termo fundamental e profundamente ligado A perejivdnie, igualmente incompreendido e difundido equivocadamente, é tchiivstvo. Frequentemente traduzido como «sentimento», «paixion, «emosgiion, ele acabou sendo confundido com «sentimentalismo», com uma emo- 40 a ser encontrada pelo ator em si mesmo, a partir de um pensamento auténomo ao corpo, muitas vezes orientado por preconcepgées ¢ auto- matismos a respeito da personagem, da cena, da vida, dele mesmo e do outro. Zaltron apresenta a nogao de tchuivstvo como a nossa capacidade de reagir afetivamente a percepgio do que nos cerca. Uma vez que o meio agencia intimeras influéncias, Zaltron afirmard que a aplicagio da palavra tchiivstvo pelo «sistema» sé estara compreendida quando vista pelo «4mbito dos sentidos e das sensagGes. Melhor ainda, no sentido amplo da experiéncia e das percepgdes» (idem: 65-66). O «trabalho do ator sobre si mesmo» resgata para o teatro a forca criativa e viva da natureza, facilmente sequestrada pela situagao ficcio- nal da cena. O «natural» nao diz respeito a uma origem, a uma identi- dade, a uma esséncia, mas as intensidades produzidas por relages de fora. As concepgées de corpo oferecidas por Deleuze a partir de Artaud Espinoza tornam-se imprescindiveis na compreensio desse ator « natu ral». O corpo aqui deve ser entendido como efeito de forgas interativas, 5 Anblisescomparativs ene ax eis astadunidenss das obs do Stanisvsh seus ovina apentam para cert excess, reales pols eltores autre guy conduiam oer Miaela de ques sistemas priviglria os anpectos emociona«psicoiogeos da personage 208 fisicos lidele difundida no Ocidente). Quanto a este questao, rec Caen ne alo Robvon Coes de Camargo Revisto Historia e Estudos 1 3 (em nttp://www-revistafenix.pro. de Michel Mauch, Adriana Fernandes # Robson Corres Culturais, setembro-dezembro de 2010, vol. 7, ano Vil, 'br/PDF24/Dossie_03_Michel_Mauch.paf. gsTuD0s APLICADOS | ESSAYS para afetare ser afetado, Nesta concep¢a0, 0 corpo est como poténcia ado, pois encontra-se em permanente processo de reno. sempre inacab: 1a relagao com outros Corpos. vacio a partir d c oon a nogio de experiéncia, tal como ela Seguindo por esta perspectiva, vem nomeando certos efeitos da arte contemporinea, torna-se uma pensar a possibilidade de renovaga colaborando neste esforgo de atualizagao do «sistema de Stanistivski, » organizada por Ana Kiffer, Renato Rezende e Christophe ‘eriéncia € arte contemporinea (2012), Joi0 Camillo Pena referéncia para 10 dos corpos em cena, Na publi Bident, Expe atirma sera experiéncia onome que se da a «algo que excede a linguagem 0 conceito, algo que sobra, que nao pode ser contido € nao tem onde caiba». Roberto Corréa dos Santos destaca a poténcia criadora da expe- riéncia, uma vez ser aquilo que nao se encontra no ja feito, no conheci- mento que dele pode ser extraido: «trata-se [..] de um ato que requer 0 desconhecer sempre, trata-se de estar solto no feito». Cassiano Quilici, nesse mesmo sentido, ao tratar da experiéncia da néo-forma na atua- ¢40 contemporanea, defenderd anecessidade do «desapego de qualquer nogio de projeto, qualquer expectativa de resultados» (Quilici, 2015: 122). Do mesmo modo, Jorge Larrosa Bondia nao define o sujeito da expe- riéncia «por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptivi dade, por sua disponibilidade, por sua abertura». Por isso, «é incapaz de experiéncia aquele que se pde, ou se opée, ou se impée, ou se prope, mas nao se “ex-pée”» (Bondia, 2002: 25-26). A experiéncia, portanto, pode ser aqui compreendida como o que acontece er um corpo-ator quando afe- tado por intensidades no-discursivas e que, simultaneamente, reage psicofisicamente a essas intensidades em absoluta adequagdo com 0 sentido (ou com o sem-sentido) que ele dé ao que Ihe acontece. A pergunta que move Stanislivski, portanto, pode ser formulada da seguinte forma: comoé possivel fazer da atuagao uma experiéncia? Ecomo a literatura dramética pode fazer parte desse projeto? Stanislavski alerta para o risco que corre 0 ator quando busca a experiéncia por si mesmo, dirctamente do texto. Insistir neste propésito, alerta o artista, s6 pode resultar na mais grosseira artificialidade. Foca com a memoria emocional e com os sentimentos reiterados o mesmo que 0 cacador faz com a caga - explicou A.N. ~ Se uma ave nao voar a0 encontro do cagador nao hé maneira de a encontrar no embrenhado da mata. Nao hé outro remédio se nao atrai-la, fazendo com que saia d8 floresta, utilizando um apito especial, o chamado «chamariz», 0 nosso ESTUDOS APLICADOS 1 ESSAYS. sentim, i a ento artistico @ tao assustadico como a ave florestal, e vive nos esconderiios da nossa alma. Seo sentiment nso r ; esponder a partir nado 0 poderemos encontr dee ‘ar Neste c 50, temos que recorrer a0 chama- riz, (Stanislavski, 2018 290) ene Esta companagao esclarec Sintengoes tiltimas por tras de todaa pes- quis que culminou no «anétodon das agies fisicas: despertar u« trabalho : ar «o trabalho subconseiente da natureza através da psicotéenic consciente do ator» adem, 40). Ouseja, Stanislivski apresenta a sua convieg Jode queaexpe- Partir de uma estrutura muito bem el Partitura de ages. A ctiagao dessas.agies, est culagiomuma sequéncia, fazd niéncia 86 acontecera laborada e executad: a criteriosa arti- a partitura a realizaciode uma composigao propria do ator, que pode ser por ele repetida e sempre aperteigoada. ESTRATEGIAS FUNDAMENTAIS PARA A CRIACAO DA PARTITURA Sea Partitura é uma composigio, as a¢ées fisicas sio 0 seu material Grotowski, em sua palestra sobre Stanislavski reali 1 oque ada no Festival de ro de Santo Arcangelo (1988), procurou fazer 0 piiblico compreender 0 as agées fisicas a partir do que elas nao sio: atividades. Estas ltimas seriam as ages quando se esgotam na mera referencialidade, como os exemplos por ele citados: impar o chao, lavar os pratos, fumar cachimbo. Stanislavski também chamava a atengao para o risco desta confuusio:a agdo fisica é algo mais complexo, ela se realiza emcenaehabita 0 «entre» o que oator deseja fazer e 0 que oator élevadoa fazer. Emoutras palavras: trata se de um estado provocado peloempenho do ator em inter- ferir em uma situagio e, simultaneamente, pelos impulsos reagentes as interferéncias que ele sofre desta mesma situagio. A agdo traz, entio, um duplo aporte: é algo realizado pelo agente enquanto o agente se constitui através da agdo, Para que isso acontega, no basta um ator disposto a afetar, é preciso um ator que, enquanto afeta, deixa-se atetar. As agées fisicas estabelecem um campo® de foryas interativas ¢ sio se campo foi nomeado por Stanislivskt como por elas constituidas. 5 prada literatura dramtica Grcunstincia e sua produgio a partir de uma obra da literatura d to Eco (2010 56 6 Aldea a Pere tsoter que eh po € tana te emprentina da taiase mrainamamo de estutura I» Compieso interagir de forsas, uma constelacay de ere" 139 ESTUDOS APLICADOS | ESSAYS € um esforgo que vai muito além do levantamento dos dados ficcionaig propostos e sugeridos pelo dramaturgo. Ela depende também de um, 7 posterior criago de condigdes para a circulacao das forcas. Norelato ge Toporkov sobre a aplicagiio do «método» das ages fisicas no tilting estiidio organizado por Stanislavski, publicado com o titulo Stanislavsk; in rehearsal (Toporkov, 2008), especificamente nas memérias em tong do estudo de Tartufo, a criagdo das circunsténcias comega por uma ani. lise do texto para ativar a imaginagdo dos atores. E possivel Perceber, mesmo quando ainda sentados em torno de uma mesa, que a exploraco do texto foi feita de modo criativo e sensorial. Um trabalho ainda men- tal, mas nao exclusivamente intelectual, uma vez que a imaginagao do ator é convocada a todo momento a participar da andlise, reagindo a estimulos extraidos do material literario. A imaginagdo, assim como os demais elementos do «sistema», sé tem a sua razdo de ser quando integra e projeta fisicamente o ator na circunstdncia. Isso justifica a preocupagao de Stanislavski na criagio de tarefas fisicas voltadas para a solugao de problemas que esto ini- cialmente propostos ou sugeridos pela ficgdo. Toporkov conta que Stanislivski trabalhava incansavelmente sobre essas tarefas, algumas tao sutis e ricas em detalhes que o ator chegou a se espantar como tempo de ensaio «perdido» em acontecimentos que sequer seriam percebidos pelo ptiblico. Um bom exemplo dessas tarefas nos é dado por Toporkov a partir dos ensaios do espetaculo The Embezzlers, de Valentin Kataev. Stanislavski estimulava o ator a criar o comportamento responsavel ¢ ordeiro da sua personagem, Vanechka, 0 caixa, explorando apenas a execucao de pequenas tarefas: Esta é a minha escrivaninha. Entao, vamos torné-la absolutamente limpa. Aqui tem um grao de poeira e hd um ponto, eu tentarei remové-los. Tente fazer isso com a maxima consciéncia. A mesa esta solta, eu vou ter que firma-la, torné-la firme, Preciso entao encontrar algo para colocar debalxo dela. Acho um pedaco de madeira e coloco-o sob a perna. Aescrivaninha n4o oscila mais e esté nova em folha. Agora eu tenho que por todas 3 minhas coisas para fora em perfeita ordem. (Toporkov, 2008: 19-20) Menos do que induzir o espectador e o ator a realidade ficcional, #5 minticias e dificuldades que podem integrar uma tarefia tem como pO" Pésito oferecer meios de o ator manter-se empenhado na realizagao de algo que demanda esforgo a fim de capturar sua atengao para 0 que S° 140 ESTUDOS APLICADOS 1 ESSAYS encontra fora de si. Uma atuacdo ensimesma ator para os riscos da eri para si mesmo favorece o da ¢ sintoma de autoprote- 'a¢do. Essa atengdo que se volta ‘essar um «eu» e do por parte do ator a os quais ele se identifica. Trai uma situagio com se de um caminho esté til por determinar scolhas que : ativas que ¢ Ao condi ionadas as expect as sobre ele pelos p: nador, peloscriticos, jurado: lor acredita arceitos de trabalho, pelo ence- el 8, curadores, pela classe artist etc, aprisionando-o num comportamento soci: tado, conformado ¢ familiar, rem sendo proje a, pelo piiblico, al e profissional compor- Acrescenta-se 4 atengdo demandada pelas tarcfas outra importante fungao: a sua execugio oferece a oportunidade para o ator observ passivamente, acompanhar com o devido dist acontece. A atengao, far-se ‘anciamento tudo o que lhe » portanto, é marcada por essa dualidade: ela é ativa, voltada para a realizagio da tarefa, e passiva, voltada para a observacao € compreensio de uma constitui¢ao proviséria, afetiva, inédita e inusi- tada de si mesmo. A sequéncia de tarefas constitui uma linha de agdo. Ela é ininterrupta e movida por um desejo comum a todas as tarefas alinhadas: o objetivo. Trata-se da apropriagao por parte do ator de uma necessidade proposta ou sugerida originalmente pelo dramaturgo - ou por uma determinada perspectiva da circunstancia proposta - 4 personagem literaria. O con- flito, enquanto categoria integrante das concepgées tradicionais de drama, sempre localizara o problema no outro com quem o ator contra- cena. O outro é sempre forga reagente, obstaculo. E 0 objetivo, por sua vez e em ultima instancia, é 0 desejo de modificagao desse outro - 0 que desejo de modificagao de uma dada circunstincia. ‘eto da renovagio, sendo as tarefas as estraté- nao deixa de ser um Oator se torna agente e obj gias pelas quais tal projeto é posto em campo. Em sua tentativa de nomear os diferentes aspectos que envolvem a interferéncia mtitua dos corpos em cena, Stanislavski cunhou os termos comunhéo, irradiagdo e adaptagao. Sio priticas que foram atualizadas investigagoaparecem reunidas por Grotowski como contato e que nesta investigagao aparecem re 4 disponibilidade para uma conexio sutil com a a atuagdo a imprevisibilidade sob a ideia de relagdo rdo no aqui e agora di circunstdncia, (re, atores projetam no outro im relagida, 0s ‘os seus desejos, do encontro, esforgam-se para que 0 outro vejit as im a logica que hes as mesmas intet aygens que Ihes interessam, ind pum é conveniente, ao mesmo cI a nsar v 7 ee redex gue prtem do tempo em que percebem e reagem sentido contrario. 1a ESSE SE lt Bi BE By A relagdo 6 um investimento que se faz primordialmente entre os ato. res. Mas ela pode (e deve) ser estabelecida sobre objetos, espaco, e ty, do mais em cena que possa resistir aos esforgos de um ator, colaborando para a complexidade da tarefa. As concepgdes espaciais descendentes das propostas de Appia e Meyerhold, por exemplo, que exploram planos, escadas, praticaveis, estruturas, etc., podem ser aplicadas com esta fina- lidade. Pina Bausch também explorou a relagdo com materiais em suas exemplo, cito 0 jogo complexo entre dancarinos e objetos a cenografia de Café Miiller (1978), quando os artistas dan- gam, por vezes perigosamente, entre mesas € cadeiras que ambientam o café. Os objetos sio empurrados e derrubados pelos préprios bailarinos enquanto dangam, gerando ao acaso diferentes configuragdes espaciais, ‘A criagdo e composigiio de uma linha de agdo sio determinadas pela sensibilidade e pelas referéncias proprias do ator em agao através do que Stanislavski chamou de se. Esse elemento do «sistema» determina que as escolhas e a execugao das tarefas sejam respostas a uma simples pergunta: «O que eu (corpo-ator) faria “se” estivesse diante deste pro- blema/obstaculo nestas circunstdncias (aqui e agora)?» Através do se, o ator se afasta da armadilha de um personagem/sujeito acabado, cen- trado e pressuposto, assim como se afasta de qualquer pressuposigao a obras. Como integrantes dé respeito simesmo e da propria situagao em que se encontra. Afinal, a per- gunta nao ¢ feita aquele «eu» que o ator acredita ser, mas aqueles gera- dos a partir dos encontros nas circunstdncias. Durante um periodo de improvisagées, os atores amadurecem suas escolhas, detalham suas estratégias, sofisticam suas tarefas e ganham intimidade com o material. A linha de agdes recebe o status de partitura quando alcanga dois valores ambivalentes: execugiio rigorosa das ages e atualiza¢do permanente das agées. «Rigor» esta relacionado com a atengao ativa do ator, voltada para a execugao do objetivo e consequente realizagdo precisa das tarefas em sua sequéncia, motivagoes, dinamicas, ritmos, imagens, tensées, pontos de atengao, etc. A «actualizagao», po sua vez, estd relacionada com a atengaio passiva do ator, voltada para 4 Percepgao em si mesmo dos fendmenos mais sutis provocados pela «it~ cunstancia. Atualizar uma partitura é estranhar o familiar, é estar sens vel ao ineditismo de tudo que se repete, é se abrir para 0 desconhecet sempre. A criagao teatral a partir de matriz dramatica vem sendo frequente~ mente rejeitada por quem no reconhece em suas categorias, situagoe estrutura € personagens, a possibilidade de abarcar as dindmicas 4° 142 ESTUDOS APLICADOS | ESSAYS mundo contemporineo, especificamente as de um sujeito que deseja se reconhecer em permanente inacabamento, assim como abarcar o teatro légicas e sensibilidades para os at cer como busquei demonstrar, as agdes Jfisicas de Stanislavski contrariam tal perspectiva por oferecerem estraté- gias de cria ea arte como renovagao de perspectivas, fatos que nos cercam. No entanto, gO que permitem ao ator deslocar a nogao de personagem dramatica da representagio de um sujeito outro para situa-la como os outros sujeitos de si, efeitos de uma situagao sempre insdlita, desconhe- cida, localizada entre a ficcionalidade dramatiirgica e a dramaturgia dos corpos em relagaio. 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Realizou o mestrado em Teatro na Universidade Fede- ral do Estado Rio de Janeiro - UNIRIO (2000) e 0 doutoramento em Letras/Literatura, stemporaneidade na Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro Cultura e Con! leva a cabo investigagdo de pos-doutoramento no = PUC-RJ (2016). Actualmente, Centro de Estudos de Teatro da Universidade de Lisboa, com 0 titulo «A personagem como exercicio da diferenca: perspectivas para as acces fisicas de Stanislavski» 144 Sinais de Cena Revista de estudos de teatro e artes performativas Performing Arts and Theatre Studies Journal série Il, Ntimero 4, Janeiro de 2020 2019-2020 ‘A tevista Sinais de Cena foi fundada em 2004 por Carlos Porto, Luiz Francisco Rebello, Paulo Eduardo Carvalho € Maria Helena Serddio, que a dirigiu até 2014. Durante esses dex anos, manteve uma periodicidade semestral (Junho e Dezembro). Até a0 niimero 10 (Dezembro de 2008) foi edi- tada pela Campo das Letras. A publicacio dos niimeros 11 (Junho de 2009) a 22 (Dezembro de 2014) esteve a cargo da ‘Hiimus. A presente série II tem inicio em Junho de 2016 soba chancela das edigdes Orfeu Negro. Propriedade | Propriety CET (Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) APCT (Associagio Portuguesa de Criticos de Teatro) Direcgdo Honoraria | Honorary Editor Maria Helena Serédio Direcsdo| Editor Rui Pina Coelho Secretariado-Geral e Apoio A Direeso Marta Brites Rosa Consetho Editorial | Editorial Board ‘Ana Campos | Ana Clara Santos | Ana Pais | Ana Rita Martins | Bruno Schiappa | Catarina Firmo | Daniel Tércio | Emilia Costa | Eunice Tudela de Azevedo | Fernando Guerreiro | Filipe Figueiredo | Gustavo Vicente | Joana d’E¢a Leal | José ‘Camdes | Maria Jodo Almeida | Maria Joo Brilhante | Paula Magalhdes | Sebastiana Fadda | Teresa Faria Consetho Cientifico| Scientific Councit Christine Zurbach (Universidade de Evora) | Christopher Balme (Ludwig Maximilians - Universitit Machen) | Daniel ‘Tércio (Universidade de Lisboa) | Diana Damian-Martin (Royal Central School of Speech and Drama) | Eleonora Fabio (Universidade Federal do Rio de Janeiro) | Fernando Matos Oliveira (Universidade de Coimbra) | Georges Banu (Université Sorbonne Nouvelle Paris 3) | Hélia Correia (eseri- tora) | lan Herbert ATC-AICT - Associago Internacional de ‘Crticos de Teatro) | an Medenica (University of Arts in Belgrade) Jodo Carneiro (APCTYcritico de teatro-Semanstio Expreso) | José Oliveira Barata (Universidade de Coimbra) | José Sasportes(historiador de danga) | Iaiz Fernando Ramos (niversidade de Sao Paulo) | Margareta Sérenson (presi- dente da TATC-AICT ~ Associagio Internacional de Crticos ‘e Teatro) | Maria Helena Serbdio (Universidade de Lisboa) | Maria Helena Werneck (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) | Mercedes de los Keyes Peta (Universidad de Sevilla) | Nuno Carinhas (Leatro Nacional de Sio Jodo) | Paul Spence (King’s College London) | Sandra Pietrni (Universita i Trento) | Vera Collago (Universidade do Estado de Santa Catarina) Colaboraram neste ntimero: Alexandra Balona | Ana Litci ‘Anabela Mendes | Carlos M: Christine Zurbach | Cléudi Daniela Salazar | Emilia Costa | Eunice Gongaly Bunice Tudela de Azevedo | Filipe Figucrele [he Rayner |vana Mena Barret | Joana Pause ave es Regina Rodrigues | Marta Brites Rosa | Paula Gomes Magalhies | Paula Varanda | Pauline Le Boulba | pou Esteireiro | Pedro Gil | Rogério Barros | Rui Pina Coelho Silvia Pinto Coelho Vitor Lemos : (Contributors to this issue: i Brasil Malecha | Ana Paig fanuel Oliveira | Catia Faisco | i Galhds | Cliudia Madeira | Os artigos publicados, bem como a opglo de seguiro Acordo Ortografico de 1945 ou de 1990, séo da responsabilidade dos seus autores. 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